NICODEMOS, Pollyanna Alves. Adolescentes negros de elite e

Propaganda
NICODEMOS, Pollyanna Alves. Adolescentes
negros de elite e identidade étnico-racial.
Curitiba: CRV, 2014. 202 p.
RESENHA DO LIVRO ADOLESCENTES NEGROS DE ELITE E
IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL, DE POLLYANNA ALVES
NICODEMOS
ÍSIS RODRIGUES ALVES FRAGOSO
Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte
Av. Presidente Antônio Carlos, 521 – 31210-010 – Belo Horizonte – MG – Brasil
[email protected]
Em seu livro Adolescentes negros de elite e identidade étnico-racial, Pollyanna Alves
Nicodemos (2014) analisa a construção da identidade étnico-racial de adolescentes negros de
elite em uma escola particular confessional da zona Sul de Belo Horizonte. Esse estudo foi
realizado através de pesquisa bibliográfica, que envolveu discussões teóricas a respeito de
cultura, identidade étnico-racial e adolescente negro de elite. Além desse tipo de pesquisa, foi
utilizada, também, a pesquisa de campo, que envolveu observação direta intensiva, entrevistas
e depoimentos de alunos adolescentes negros que, à época, cursavam o Ensino Médio nessa
escola particular. Originado da dissertação de Mestrado defendida, pela autora, em 2011, esse
trabalho inédito é uma contribuição extremamente relevante acerca da temática étnicorracial
no Brasil, visto que focaliza um segmento social ainda pouco estudado no meio acadêmico: a
elite negra na sociedade brasileira. Mas a importância desse trabalho não se reduz à excassez
de trabalhos acadêmicos que incorporam essa temática, mas, sobretudo, porque
[...] mesmo em número reduzido, a população negra também pertence [...] a extratos
economicamente mais elevados da sociedade e [...] seus modos de interação e
integração social se constituem em problemas sociologicamente relevantes para a
compreensão mais alargada da situação do negro no Brasil (NICODEMOS, 2014, p.
44-45).
A obra divide-se em seis capítulos. No primeiro capítulo, Nicodemos (2014) apresenta
a organização do livro e contextualiza a produção da pesquisa. No segundo capítulo, ela
analisa o negro no contexto social brasileiro, desde aspectos gerais até a situação da elite
negra no Brasil. No terceiro capítulo, ela analisa a questão da adolescência, focando nos
sujeitos de sua pesquisa: o adolescente negro de escola particular. No quarto capítulo, a autora
aborda a escola como espaço cultural e foca a relação da escola com a diversidade étnica e
racial. No quinto capítulo, ela discute a questão da identidade negra e, no sexto capítulo,
conclui seu trabalho.
Historiadora, especialista, mestre e doutoranda em Educação, Nicodemos (2014) vem
de um contexto familiar cujos “valores do grupo étnico-racial negro sempre estiveram
presentes, porque, desde criança, meus pais afirmavam, de modo positivo, a nossa negritude”
(NICODEMOS, 2014, p. 20). A autora problematiza a questão do negro no Brasil, e afirma
que a discriminação racial é um dos principais problemas da sociedade brasileira, já que a
discriminação pode ser entendida como uma estrutura de dominação através da qual são
hierarquizados os diferentes grupos étnico-raciais presentes na sociedade. Tudo isso, segundo
a pesquisadora, contribui para que a construção identitária de negros e de negras
brasileiros(as) seja um processo difícil, doloroso, visto que vários fatores contribuem para que
o negro negue a si mesmo.
Para mostrar essa construção dolorosa da identidade negra no Brasil, ela, inicialmente,
ancora seu trabalho em alguns conceitos-chave. O primeiro deles é cultura, entendida como
“sistemas de símbolos e mecanismos de controle, orientação e classificação das condutas
emocionais, intelectuais, corporais, estéticas, econômicas, políticas, religiosas e morais”
(ROCHA; TOSTA, 2010 p. 345-346 apud NICODEMOS, 2014, p. 39-40). O segundo é
identidade étnico-racial cuja construção passa pela cor da pele, pela cultura, pela construção
histórica do grupo negro no Brasil, a partir de uma visão de mundo, da recuperação da
ancestralidade africana, da religião, etc. Em outras palavras, identidade é uma construção
relacional, já que está relacionada “aos sistemas de representações que os sujeitos culturais
vão estabelecendo a partir da relação com o outro, com as atribuições sociais, com sentidos e,
também, com os lugares que ocupam na sociedade (TOSTA, 2011 apud NICODEMOS, 2014,
p. 41-42). O terceiro conceito é adolescente negro de elite. Na verdade, este último, é a
aglutinação de três conceitos: adolescente, negro e elite. Em relação à adolescência, ela
retoma vários pesquisadores que já abordaram o tema, enfatizando que, além da definição
cronológica - 14 aos 25 anos -, a adolescência engloba diversas outras características, já que é
determinada por fatores “biológicos, familiares, escolares, bem como nas relações grupais e
parentais, nas práticas culturais e no processo de socialização de cada sujeito no seu meio”
(NICODEMOS, 2014, p. 85). Em relação ao negro, além de fazer uma breve retrospectiva
histórica sobre a situação do negro na sociedade brasileira, a autora, baseada em trabalho de
Munanga (2006), selecionou os adolescentes para sua pesquisa a partir das características
perceptíveis (como cor da pele e textura dos cabelos) e análise dos traços morfológicos
(formatos do nariz e da boca). Em relação à categoria elite, ela a relaciona ao conceito de
status social, de Bourdieu (1983, p. 82), para quem “as diferentes posições no espaço social
correspondem estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica
de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência.
Na sua pesquisa, Nicodemos (2014) também interpretou os modos como os
adolescentes negros constroem seus “estilos de vida”. Segundo a autora, o estilo de vida
“deve ser compreendido a partir dos gostos, preferências e modos de vida dos diferentes
grupos sociais presentes na sociedade, já que essas escolhas “hierarquizam esses grupos
sociais” (BOURDIEU, 1983 apud NICODEMOS, 2014, p. 103). Sendo assim, ao aplicar o
questionário, ela abordou aspectos como domínio de língua estrangeira, preferências de lazer,
ídolos, estilo de música, conhecimentos sobre produtos étnicos para negros, atuação em
associação cultural ou grupo relacionado à cultura afro-brasileira, etc. Após apresentar os
resultados em quadros e interpretá-los, Nicodemos (2014) concluiu que esses adolescentes
negros, em sua maioria, não frequentam o mundo negro, “já que esses não têm acesso a
espaços nos quais a cultura, a valorização e a afirmação dos afro-brasileiros estão presentes”
(NICODEMOS, 2014, p. 113). Além disso, afirma que
No que se refere à existência de preconceito e de discriminação racial em relação
aos negros, todos os adolescente entrevistados afirmaram que esses elementos estão
presentes na sociedade brasileira, tendo apontado estes motivos: questões culturais
que perpassam de geração a geração; resquícios de um passado segregador; questões
históricas; o fato de a raça negra ser considerada inferior; o fato de a maioria dos
negros não ter acesso a oportunidades como empresgos de qualifidade, Ensino
Superior, etc.; a raça negra ser ainda meio marginalizada, porque são frequentes as
piadas quanto à questão racial (NICODEMOS, 2014, p. 114-15).
Os adolecentes negros entrevistados também afirmaram que já passaram por casos de
preconceito, e que o negro, para ser valorizado e respeitado na escola em que estudam, precisa
ter desempenho escolar acima da média, passar no vestibular e chegar à faculdade. Além
disso, suportam apelidos como “neguinho/pretinha”, “cabelo pixaim de bombril”, “urubu”,
“frango de asfalto” dentre outros. A pesquisadora também constatou que alguns alunos
entrevistados, em determinados momentos, manifestaram contradições, preferindo não falar
sobre sua cor.
Alguns funcionários entrevistados apresentaram ponto de vista diferente em relação ao
racismo. O professor negro Jorge, por exemplo, que lecionava a disciplina Língua Portuguesa,
afirmou que “[...] quando o negro se insere nesta classe ele não sofre discriminação, (...) ele
passa a ser aceito numa nova classe social, e passa a se comportar por uma questão de
afirmação, como alguém dessa classe.” (NICODEMOS, 2014, p. 115).
Nicodemos (2014, p. 161) concluiu seu trabalho afirmando que os adolescentes negros
de elite apresentam aspectos de uma identidade negra positiva, “embora, em determinados
momentos, tenham manifestado algumas contradições no que se refere a essa identificação no
referido grupo”. Isso a fez perceber que não é possível pensar em uma única forma de ser
negro, e, sim, em várias possibilidades de se assumir a negritude, e que esta não é uma
construção fácil, isenta de ambiguidades e de dor.
Outro aspecto que ela detectou foi certa harmonia entre os adolescentes negros e seus
colegas, embora os estudantes negros tenham relatado, durante as entrevistas, momentos
preconceituosos, como nos casos de apelidos e piadas. Outro dado que ela mostra, que é
extremamente importante, é a relação entre raça e classe, “questão que envolve
posicionamentos diversos [...]” (NICODEMOS, 2014, p. 183-184). Segundo a pesquisadora,
os adolescentes negros mostraram, nas entrevistas, que o negro que alcança a ascenção social
do ponto de vista econômico, também é vitima do preconceito racial, “uma vez que esses
também enfrentam dificuldades ao buscarem ter acesso a certos espaços sociais que sua
condição de classe social lhes permite, mas que estão, social e culturalmente, interditados a
eles, pela cor da pele, pelo fato de serem negros (NICODEMOS, 2014, p. 184).
Esse último tópico realçado pela pesquisadora é o ponto mais relevante do livro, por
mostrar que é uma falácia a ideia de que o preconceito no Brasil é de classe, não de cor. Pelos
dados que ela mostrou, é evidente que o negro de elite também é vítima de preconceito pela
sua cor, pela sua origem racial. Isso demonstra que essa ideia - de que no Brasil o preconceito
é de classe – não se sustenta e é tão somente um artifício usado para não se discutir a questão
do racismo e não se buscar mecanismos para diminuir esse tipo de preconceito no país. Ou
seja, é uma falácia produzida para se manter a discriminação e, consequentemente, a estrutura
de dominação que pesa sobre os negros no Brasil.
Pelos motivos expostos, indica-se esse livro para professores, pesquisadores,
estudantes de graduação e pós-graduação para que seja um incentivo a novas pesquisas sobre
esse tema e para um melhor entedimento a respeito do preconceito racial e, sobretudo, dos
subterfúgios usados para a sua manutenção no país.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, R. (Org.). Pierre
Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 82-121 apud NICODEMOS, Pollyanna
Alves. Adolescentes negros de elite e identidade étnico-racial. Curitiba: CRV, 2014. 202 p.
MUNANGA, Kebengele. Prefácio. In: GOMES, Nilma Lino. Sem perder a raiz – corpo e
cabelo como símbolo da identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006 apud
NICODEMOS, Pollyanna Alves. Adolescentes negros de elite e identidade étnico-racial.
Curitiba: CRV, 2014. 202 p.
ROCHA, Gilmar; TOSTA, Sandra Pereira. Cultura. In: Enciclopédia Intercom de
comunicação. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação,
2010 apud NICODEMOS, Pollyanna Alves. Adolescentes negros de elite e identidade
étnico-racial. Curitiba: CRV, 2014. 202 p.
TOSTA, Sandra Pereira. Antropologia e educação: culturas e identidades na escola. Revista
Magi- Revista Internacional de Investigación en Educación, 2011 (no prelo) apud
NICODEMOS, Pollyanna Alves. Adolescentes negros de elite e identidade étnico-racial.
Curitiba: CRV, 2014. 202 p.
Download