Investigação, 14(6):118-120, 2015 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA | ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS EM CÃES COM NEOPLASIAS CLÍNICA E CIRURGIA DE PEQUENOS ANIMAIS Electrocardiographic Abnormalities in Dogs with Neoplasms 1 Discente do Programa de Aprimoramento em Medicina Veterinária da Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. 2 Discente do Mestrado em Ciência Animal da Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. 3 Docente do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. 4 Docente do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Camilo Castelo Branco- UNICASTELO, Descalvado, São Paulo, Brasil. *autor para correspondência: [email protected]. Av. Dr. Armando de Sales Oliveira, Parque Universitário 201, Franca, São Paulo, Brasil, CEP: 14.404-600. Jéssica C. de Barros1*, Elaine C. Stupak1, Orlando M. Mariani1, Natacha A. Alexandre1, Mariana R. Nascimento1, Cristiane A. Cintra2, Daniel P. Júnior3, Fernanda Gosuen G. Dias3, Sofia Borin-Crivellenti3, Fábio N. Gava4 RESUMO ABSTRACT O aumento de neoplasias diagnosticadas na rotina médica de pequenos animais demonstra a necessidade de um acompanhamento dos pacientes portadores desta doença, incluindo a avaliação do sistema cardiovascular. A eletrocardiografia computadorizada é um método de acompanhamento acessível, por ser de fácil realização, rápido, não invasivo e de custos reduzidos. Neste trabalho foram avaliados 50 cães, os quais foram distribuídos nos grupos neoplasia (GN) e controle (GC). O GN foi composto de cães com achados clínicos sugestivos de neoplasias e GC por cães hígidos. O eletrocardiograma foi realizado antes de qualquer tratamento prévio no GN. Verificou-se diferença significativa entre os grupos estudados, sugerindo que as neoplasias, independentemente da localização, podem representar uma causa de supressão de milivoltagem de onda R em cães. The increasing number of cases of dogs with neoplasms in small animal practice requires a complementary patient follow-up, including cardiovascular system evaluations. Computerized electrocardiography is an affordable tracking method, because it is easy to perform, fast, non-invasive, and not expensive. This study evaluated 50 dogs, which were distributed in the neoplasm group (NG) and control group (CG). The NG was composed by dogs with suggestive clinical findings of neoplasms, and CG by healthy dogs. The electrocardiography was performed in NG before any type of treatment. There was a significant difference between groups, suggesting that regardless of its location neoplasm represents one of cause of suppression of mV in R waves in dogs. Palavras-chave: supressão de milivoltagem, cão, eletrocardiografia, oncologia. ISSN 21774080 118 Key-words: suppression mV, dog, electrocardiography, oncology. Investigação, 14(6):118-120, 2015 INTRODUÇÃO As neoplasias malignas são uma das principais causas de morbidade e mortalidade de animais de companhia e a etiologia não está totalmente esclarecida (RODASKI e PIEKARZ, 2008). Para tanto, torna-se imprescindível a inter-relação entre áreas para favorecer o diagnóstico precoce e instituição de protocolo terapêutico adequado (HANSEN et al. 2004). Nessa conjuntura, a eletrocardiografia computadorizada é um exame complementar que detecta facilmente alterações no ritmo cardíaco, os quais podem estar relacionados com a presença de tumores, muito deles sem manifestações clínicas aparentes (YEH et al. 2009). MATERIAL E MÉTODO Utilizaram-se 50 cães, machos e fêmeas, de diferentes raças e idades, provenientes do Hospital Veterinário da Universidade Camilo Castelo Branco, os quais foram distribuídos em grupos: neoplasia (GN), composto por 40 animais com sinais clínicos sugestivos de neoplasias e, controle (GC), composto por 10 cães hígidos. Antes da preconização de qualquer terapia, o exame eletrocardiográfico foi realizado em todos os participantes, por meio de aparelho eletrocardiógrafo computadorizado (Módulo de Aquisição de ECG para Computador - ECG-PC versão 2.07® - Tecnologia Eletrônica Brasileira) e realizado durante 10 minutos consecutivos. Os eletrodos foram dispostos de maneira convencional, sendo o decúbito lateral direito, o posicionamento padrão dos pacientes. Os traçados eletrocardiográficos foram gravados, para posterior interpretação e comparação dos resultados. Para análise da frequência cardíaca (bpm), duração (ms) e amplitude (mV) da onda P (ms), intervalo PR (ms), amplitude de onda R (mV), complexo QRS (ms), duração do intervalo QT (ms) e eixo de despolarização elétrica (graus), foi utilizado o teste “t” não pareado na comparação entre os grupos. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa GraphPad Prims 4® e as diferenças foram consideradas significativas quando o valor de p foi menor que 0,05. RESULTADOS A análise descritiva dos dados demográficos permitiunos verificar que 60% dos pacientes do GN eram fêmeas e 40% machos. A predisposição racial teve forte relação com cães sem raça definida (55%), seguido do Pit Bull (15%), Poodle (13%), Teckel (10%), Boxer e Labrador (6. A idade variou de 8 a 13 anos de idade tendo como média pacientes com 8 anos e 2 meses de vida. A variável neoplasia foi classificada a partir de tipos histopatológicos, sendo estes carcinomas mamários (55%), mastocitoma (0%), linfoma (5%), tumores benignos (5%) e outros sarcomas como condrossarcoma e hemangiossarcoma (25%). Para os dados referentes ao ritmo cardíaco e ocorrência de arritmias, foi realizada análise descritiva em porcentagens. Em relação ao ritmo cardíaco dos pacientes do GN, observouse prevalência de ritmo sinusal (50%), seguido de 23% de arritmia sinusal respiratória, 15% de taquicardia sinusal, 10% de arritmia sinusal respiratória com parada sinusal e 8% de complexos ventriculares prematuros. Apenas 2% demonstraram bradicardia sinusal e apenas um paciente apresentou bloqueio de ramo direito incompleto. No GC, o ritmo predominante foi o sinusal (60%), seguido da arritmia sinusal respiratória (30%) e taquicardia sinusal (10%). ISSN 21774080 119 Não houve diferença significativa entre os grupos para os parâmetros: frequência cardíaca, duração e amplitude da onda P, intervalo PR, duração do complexo QRS, intervalo QT e eixo elétrico. Foi observada uma diferença significativa no valor de amplitude da onda R, sendo que os pacientes com neoplasia apresentaram valores menores (1,18 ± 0,05 mV) na comparação com os cães do grupo controle (2,08 ± 0,12 mV) (Tabela 1). Tabela 1: Médias ± erros padrões dos valores eletrocardiográficos de cães com neoplasias (GN) e cães normais (GC), atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Camilo Castelo Branco. G.N. G.C. FC (bpm) 119,50 ± 3,61 A 111,5 ± 8,60 A P (ms) 59,03 ± 1,60 A 51,40 ± 2,34 A P (mV) 0,23 ± 0,01 A 0,18 ± 0,02 A PR (ms) 95,63 ± 2,76 A 99,70 ± 6,75 A QRS (ms) 77,20 ± 2,63 A 85,50 ± 3,79 A R (mV) 1,18 ± 0,05 A 2,08 ± 0,12 B QT (ms) 217,5 ± 3,82 A 210,8 ± 5,87 A Eixo Elétrico (graus) 69,53 ± 2,63 A 65,60 ± 6,35 A Letras diferentes na mesma linha demonstram diferença significativa (p<0,05) entre os grupos, teste “t” não pareado. G.N.: Grupo Neoplasia; G.C.: Grupo Controle; bpm: batimentos por minutos; ms: milissegundos; mV: milivolts. Investigação, 14(6):118-120, 2015 De acordo com Paschoal et al. (2004), metástases cardíacas com consequente compressão do órgão podem favorecer o aparecimento de bloqueio direito de ramo incompleto, corroborando com os achados eletrocardiográficos de um paciente deste trabalho que apresentou massa torácica com posterior diagnóstico de condrossarcoma. Neste caso, descartouse possível infiltração de células neoplásicas no coração, pois após exérese tumoral, as alterações eletrocardiográficas cessaram, confirmando assim a presença de compressão cardíaca mecânica. Ainda nesta temática, Gallay et al. (2011) discorreram alterações no exame cardiológico como bloqueio atrioventricular em consequência de leiomioma infiltrativo cardíaco em paciente da espécie canina. Figura 1. Representação gráfica da comparação entre valores de amplitude de onda R (mV) entre os pacientes portadores de neoplasias (G.N.) e os pacientes do grupo controle (G.N.). * Presença de diferença significativa entre os grupos (p<0,05), teste “t” não pareado. Unicastelo, Descalvado, 2014. DISCUSSÃO As mesmas arritmias encontradas nos paciente deste atual estudo, já foram relatadas em outras pesquisas com cães portadores de neoplasias, principalmente no hemangiossarcoma (próximos ou distantes ao coração) (MARINO et al. 1994) e as causas ainda não estão elucidadas, porém acredita-se que alguns fatores produzidos pelos tumores, como radicais livres e fatores de necrose tumoral, possam sensibilizar o miocárdio, a ponto de iniciar o foco arritmogênico. Nesse sentido, a possibilidade de ocorrência de arritmias devido à presença de neoplasias, salienta a importância da realização de exame eletrocardiográfico préanestésico (MARINO et al. 1994; ARONSOHN et al. 2009). Vários são os fatores que podem levar a supressão de milivoltagem de onda R em cães (Figura 1); dentre os mais comuns destacam-se a obesidade e a efusão pericárdica (TILLEY, 1995). Nesta pesquisa, observou-se que pacientes com esse achado eletrocardiográfico apresentavam neoplasia distante da silhueta cardíaca, porém não há na literatura veterinária, dados publicados que justifiquem tal alteração. No entanto, deve-se salientar que os mesmos fatores passíveis de causarem arritmias (substâncias produzidas pelas neoplasias) possam de alguma maneira, minimizar a amplitude de despolarização do ventrículo esquerdo; o que justifica a necessidade de investigações futuras nesse âmbito. Com base na metodologia empregada e nos resultados obtidos, pode-se admitir que cães portadores de neoplasias podem apresentar alterações cardíacas significativas, denotando a importância da indicação e da realização do exame eletrocardiográfico na rotina veterinária, incluindo aqueles pacientes que tiverem suspeitas de neoplasias. ISSN 21774080 120 REFERÊNCIAS Aronsohn MG, Dubiel B, Roberts B, et al. 2009. Prognosis for acute nontraumatic hemoperitoneum in the dog: a retrospective analysis of 60 cases (2003-2006). Journal of the American Animal Hospital Association. 45(2):72-77. Gallay J, Bélanger M, Hélie P, et al. 2011. Cardiac leiomyoma associated with advanced atrioventricular block in a young dog. Journal of Veterinary Cardiologic. 13(1):71-77. Hansen K, Khanna C. 2004. Spontaneous and genetically engineered animal models: use in preclinical cancer drug development. Europen Journal Cancer. 40(1):858-880. Marino DJ, Matthiesen DT, Fox PR, et al. 1994. Ventricular arrhythmias in dogs undergoing splenectomy: a prospective study. Veterinary Surgery. 23(2):101-106. Paschoal AT, Carvalho HF. et al. 2004. Metástase tumoral de pulmão com invasão cardíaca: relato de um caso e revisão de literatura. Pulmão RJ. 13(3):195-199. Rodaski S, Piekarz CH. 2008. Epidemiologia e etiologia do câncer. In: Daleck CR, De Nardi AB, Rodaski S. Oncologia em cães e gatos. São Paulo: Roca, pp.372-372. Tilley LP. 1992. Essential of canine and feline electrocardiography. 3.ed. Philadelphia: Lea & Febiger, p. 470. Yeh ETH, Bickford CL, Phamd BCPS. 2009. Cardiovascular complications of cancer therapy: diagnosis, pathogenesis, and management. Circulation. Journal of the American College of Cardiology. 109(1):2231-2247.