Espaços e Territórios no Nordeste brasileiro: desafios e sinergias a partir das cidades de porte médio Marcos Costa Lima O crescimento urbano no Brasil nos últimos 50 anos foi espetacular e não apenas nas grandes metrópoles. Pode-se afirmar que houve um gradual e ascendente processo de migração campo-cidade. Estas mudanças tiveram reflexos de diversa natureza e a reestruturação da economia aprofundou as desigualdades e a exclusão social, com maior intensidade nas regiões Norte e Nordeste do País. Uma das resultantes deste processo está no fenômeno da favelização1, outro está na precarização do trabalho, na sua informalização, nos efeitos perversos da degradação ambiental, seja pela falta de planejamento, seja pela construção em área non aedificandi, ocupação dos mangues e morros, que são zonas de insegurança e de risco crescente. Do ponto de vista do espaço urbano, as grandes cidades são territórios de atração, não apenas pela maior oferta de trabalho, seja no setor serviços, industriais e de comércio, onde se localizam instituições públicas de serviços. Como afirmou a jornalista Jane Jacobs2, em seu clássico Morte e Vida nas Grandes Cidades (1970), a diversidade do tecido urbano conurbado das grandes metrópoles é simultaneamente seu maior ativo, sua fonte de inovação e criatividade, mas também fonte de desigualdades e disparidades que cerceiam seu desenvolvimento e o acesso da maioria dos seus cidadãos à urbanidade explícita que a cidade deveria oferecer. O contexto dos ataques de Jacobs ao urbanismo moderno ortodoxo era o programa norte-americano de renovação urbana das áreas centrais das cidades, do fazer tábula rasa de setores urbanos consolidados, substituídos por mega-projetos de reurbanização nos quais uma arquitetura burocrática ou monumental, de viadutos, elevados, vias expressas e florestas de concreto configuravam a nova paisagem das grandes cidades. O fenômeno criticado por Jacobs foi muito além das fronteiras dos Estados Unidos, transformando-se num padrão urbano, por exemplo, nas cidades brasileiras, com intervenções urbanas tardias com reflexos ainda mais drásticos, porque periféricos, em cidades com infra-estrutura 1 Estima-se em 20% da municipalidade do Rio de janeiro e a depender das estatísticas, ene 11% e 19% da população da cidade e São Paulo. 2 deficiente, com insuficientes serviços de saneamento, com favelização acentuada, entre outros problemas. Há que se considerar que na segunda metade do século XX o país se urbanizou a ponto de ter mais de 80% de sua população nas cidades já nos anos 1980. Ainda que se discuta o grau de urbanização, as metrópoles brasileiras hoje são representativas da população e da dinâmica econômica nacional. As cidades médias também têm apresentado grande dinamismo, o que cada vez mais evidencia a relevância das áreas urbanas no país, muito embora sejam menos estudadas em sua complexidade e articulação e em suas potencialidades, enquanto uma totalidade, enquanto uma questão de desenvolvimento. A questão regional brasileira, entendida como produção e assimetrias, atravessa todas as escalas, do rural, do urbano e do rurbano ( muitas áreas de regiões metropolitanas no Brasil). Ou seja, há desigualdades de renda, de estrutura produtiva, de infra-estrutura, do padrão da divisão social do trabalho nas escalas macro-rregional com conseqüências tanto nas escalas meso quanto microrregionais. Pensar o desenvolvimento nacional exige colocar necessariamente a questão regional brasileira no centro da reflexão. Como afirmam Liana Carleial e Bruno Cruz 3, o desenvolvimento regional brasileiro é um tema recorrente e tem ganhado relevância crescente nos últimos anos em razão da urgência de construção de um projeto nacional desenvolvimento. A economia do Desenvolvimento tem como meta central o incremento as condições de vida das populações dos países periféricos e como foco os desequilíbrios regionais. Contudo, há um conjunto de ações de políticas públicas que incidem sobre as diferentes regiões, as quais, muitas vezes, não são integradas e nem estão subordinadas a uma única coordenação, dificultando ou até mesmo impedindo que resultados esperados sejam alcançados.. A concepção de “desenvolvimento territorial” tem se tornado recentemente um dos métodos de se considerar as formas de atuação do Estado e de sujeitos sociais locais na promoção de políticas de desenvolvimento e de combate à pobreza no Brasil. A implantação dos “territórios da cidadania” é um marco dessa estratégia, na medida em que tem como objetivo articular o direcionamento de recursos e programas oriundos de diferentes ministérios para os territórios Liana Carleial e Bruno Cruz (2009), “Estratégias d desenvolvimento regional, políticas públicas negociadas e novas institucionalidades”. In: Boletim Regional Urbano e Ambiental, dez. Brasília:IPEA.,p.15-22 3 2 Segundo Constantino C.Mendes4, os avanços teóricos e metodológicos associados aos problemas ou às questões urbanas e regionais têm contribuído para a construção de uma análise conjunta do papel das cidades e do território, como instrumentos de planejamento para o desenvolvimento regional. Verifica-se a necessidade de estabelecer diagnósticos mais precisos da realidade urbana e regional do país como base fundamental para a orientação de políticas de desenvolvimento mais certeiras e abrangentes, capazes de orientar as políticas públicas. Algumas regionalizações propostas por instituições públicas têm esquecido a referência urbana e as sinergias emanadas deste território para inúmeros municípios que recebem sua influência, de foras que até recentemente temos tido poucos estudos que ressaltem toda esta complexidade, os problemas de diversa natureza, mas também as possibilidades. Estes estudos são fundamentais para o entendimento da hierarquia da rede urbana e da conformação da região ou território de influência, o seu entorno, numa compreensão que não seja apenas propriamente econômica, mas articulada pela economia, pelas infra-estruturas disponíveis, pela qualidade do chamado “capital social”, pela disponibilidade de instituições de ensino médio e universitário, pelas redes de comunicação e informação estabelecidas. Um dos estudos recentes que investiga a rede urbana e procura apontar as permanências e as modificações destas cidades é o REGIC (IBGE, 2008), cujo intuito é subsidiar o planejamento estatal, bem como prover ferramentas para o conhecimento das relações sociais vigentes e dos padrões espaciais que delas emergem. Como resultado final, além da hierarquização dos centros urbanos, o REGIC estabelece as regiões de influência desses centros. A metodologia adotada no REGIC consiste em estabelecer inicialmente uma classificação dos centros urbanos e, em seguida, delimitar suas áreas de influência (IBGE, 2008). Uma vez estabelecidos os principais nós da rede, para os quais está disponível grande número de informações secundárias, passa-se à etapa de definição das regiões de influência dos centros, com base nas redes de interação que conectam as cidades. As informações de fluxos – materiais e imateriais – entre cidades, disponíveis a partir de fontes secundárias, Constantino C.Mendes (2009), “Rede Urbana, Território e Desenvolvimento regional”. In: Boletim Regional Urbano e Ambiental, dez.p.66-75 4 3 não têm a abrangência necessária. Assim, para os municípios que não foram identificados como centros de gestão, o IBGE realizou um levantamento específico, que consistiu de um questionário preenchido pela rede de agências do IBGE. A etapa final, conforme mencionado, consistiu na hierarquização dos centros urbanos, atividade para a qual foram elementos importantes a classificação dos centros de gestão do território, a intensidade de relacionamentos e a dimensão da região de influência de cada centro. A atualização, mas também construção de novos indicadores que respondam a compreensões mais abrangentes dos territórios e espaços urbanos nordestinos e suas sinergias são indispensáveis para orientar e integrar os esforços governamentais na construção de um país com maior vitalidade em seu espaço, superando a dimensão dos “enclaves, mas ainda para impulsionar a integração do território nacional num todo mais harmônico, com maior coesão social e redução das desigualdades econômicas. Concluindo, as cidades médias ganham importância na economia nacional, com crescimento maior na produção do Brasil do que as demais. Enquanto as cidades com mais de 500 mil habitantes estão perdendo participação no PIB nacional (Produto Interno Bruto) - queda de 1,64 ponto percentual entre 2002 e 2007 -, as cidades médias estão ampliando sua participação - aumento de 1,28 ponto percentual no mesmo período. Os dados revelaram que o crescimento do PIB de municípios com mais de 500 mil habitantes foi de 1,55% entre 2002 e 2005; o de cidades com menos de 100 mil habitantes foi de 3,22%; e o de cidades entre 100 mil e 500 mil habitantes, de 4,71%. A proposta de organização deste grande Seminário tem por objetivo maior aprofundar as discussões teóricas e empíricas sobre estes territórios de sinergia a partir as cidades médias do Nordeste5. Congregar especialistas com competência multidisciplinar, que sejam capazes de apontar novos caminhos e orientar políticas públicas numa visão integrada. 5 São as principais cidades do Nordeste brasileiro excluindo as capitais: Piauí: Picos, Parnaíba, Floriano Ceará: Juazeiro do Norte, Sobral, Crato, Aracati. Rio Grande do Norte: Mossoró, Caicó, Açu Paraíba: Campina Grande, Patos, Sousa, Cajazeiras Bahia: Vitória da Conquista, Juazeiro, Feira de Santana, Ilhéus, Itabuna, Porto Seguro Pernambuco: Caruaru, Garanhuns, Petrolina, Salgueiro Sergipe: Itabaiana, Estância Alagoas: Arapiraca, Penedo, Palmeira dos Índios 4