Rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento a democracia na América Latina Rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela Preparado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento A análise e as recomendações políticas deste Relatório não refletem necessariamente as opiniões do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, de sua Junta Executiva nem de seus Estados Membros. O Relatório é uma publicação independente preparada a pedido do PNUD. É o fruto da colaboração entre um conjunto de prestigiosos consultores e assessores e a equipe do Relatório da Democracia na América Latina (PRODDAL). © Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento, 2004 1 UN Plaza, New York, New York, 10017, Estados Unidos da América Este documento foi elaborado com a ajuda financeira da União Européia. As análises e recomendações deste documento não refletem a opinião oficial da União Européia. A tradução deste Relatório para o português foi dirigida pela Profa. Monica Hirst, coordenada por Miriam De Paoli e contou com a participação de Maria Adelina Guedes Chaves, Gértea Coeli de Macedo Oliveira e Ivone Tupinambá Pereira Lima. Da Primeira edição em español: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara S.A., 2004. Idéia da capa: Fisher América Argentina Desenho de portada e interiores: Schavelzon-Ludueña. Estudio de Diseño © Desta edição: LM&X Ltda., 2004 Rua Calçada dos Antares, 264 2º andar Alphaville – Santana do Parnaíba – SP – Brasil www.lmx.com.br – [email protected] ISBN: 85-98887-01-3 Depósito Legal na Biblioteca Nacional conforme decreto nº 1825 de 20 de novembro de 1907 Direção editorial: Alessandra Machado Diagramação: Adalton Martins, Vanessa Thomaz, Verônica S. Martins Revisão: Ivan Garcia Todos os direitos reservados. Esta publicação e seus materiais complementares não podem ser reproduzidos, no todo ou em parte, nem registrados em, ou transmitidos por um sistema de recuperação de informação, sob nenhuma forma nem por nenhum meio, seja mecânico, fotoquímico, eletrônico, magnético, eletroóptico, por fotocópia ou qualquer outro, sem a autorização prévia por escrito da editora. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Administrador Mark Malloch Brown Administrador Associado Zéphirin Diabré Administradora Auxiliar Coordenador e Diretora Regional para a do Programa Regional América Latina e o Caribe Freddy Justiniano Elena Martínez Representante Residente Assessora de Governabilidade na Argentina do Programa Regional Carmelo Angulo Barturén (até Abril de 2004) Carlos Felipe Martínez (desde Maio de 2004) Myriam Méndez Montalvo Coordenador do Projeto Dante Caputo Projeto sobre a Democracia na América Latina ■ Coordenador do Projeto Dante Caputo Consultores por Áreas Marco teórico Guillermo O’Donnell, com os comentários de Bruce Ackerman, Andrew Arato, Renato Boschi, Fernando Calderón, Catherine Conaghan, Julio Cotler, Larry Diamond, José Eisenberg, Manuel A. Garretón, David Held, Céli Regina Jardim Pinto, Jennifer McCoy, Adalberto Moreira Cardoso, Juan Méndez, José Nun, Pierre Rosanvallon, Alain Touraine e Laurence Whitehead. Pesquisa de opinião Jorge Vargas coordenou a equipe integrada por Miguel Gómez Barrantes, Tatiana Benavides, Evelyn Villarreal e Lorena Kikut, para o projeto e análise da pesquisa Latinobarômetro / PRODDAL 2002. Indicadores Gerardo Munck coordenou a equipe integrada por David Altman, Jeffrey A. Bosworth, Jay Verkuilen e Daniel Zovatto. Rodada de consultas Diego Achard, Augusto Ramírez Ocampo, Edelberto Torres Rivas, Gonzalo Pérez del Castillo, Claudia Dangond, Raúl Alconada Sempé, Rodolfo Mariani, Leandro García Silva, Adriana Raga, Luis E. González, Gonzalo Kmeid, Pablo Da Silveira, e uma equipe dirigida por Hilda Herzer e integrada por Verónica De Valle, María M. Di Virgilio, Graciela Kisilesky, Adriana Redondo e María C. Rodríguez. Coordenadores Coordenador Países Andinos Augusto Ramírez Ocampo, com a colaboração de Claudia Dangond, Elisabeth Ungar e Amalfy Fernández. Coordenador Países do MERCOSUL Dante Caputo e Raúl Alconada Sempé. Coordenador Países do Istmo Centro-americano e República Dominicana Edelberto Torres Rivas, com a colaboração de Claudio Luján. Coordenador institucional Gonzalo Pérez del Castillo. Equipe do Projeto em Buenos Aires Oficial de Programa PNUD: Rosa Zlachevsky. Equipe técnica: Leandro García Silva, Rodolfo Mariani e Thomas Scheetz. Equipe de apoio: María Eugenia Bóveda e Fabián de Achaval. Colaboradores especiais: Fabián Bosoer e Daniel Sazbón. Projeto sobre a Democracia na América Latina 5 Difusão do Relatório Milena Leivi, Milagros Olivera, Sandra Rojas, Emilio Sampietro. Assessores José Luis Barros Horcasitas, Fernando Calderón, Alberto Couriel, Joaquín Estefanía, Gustavo Fernández Saavedra, Enrique Ganuza, Manuel Antonio Garretón, Edmundo Jarquín, Marta Lagos, Marcos Novaro, Vicente Palermo, Arturo O’Connell, Guillermo O’Donnell, Carlos Ominami. Consultores Gloria Ardaya, Horacio Boneo, Sebastián Campanario, Eva Capece, Julio Godio, Luis Eduardo González, Juan Carlos Herrera, Néstor Lavergne, Norbert Lechner, Silvia Lospennato, Luis Verdesoto. Grupo de leitores do Relatório Carmelo Angulo, Víctor Arango, Marcia de Castro, Juan Pablo Corlazzoli, Juan Alberto Fuentes, Enrique Ganuza, Freddy Justiniano (Coordenador), Thierry Lemaresquier, Carlos Lopes, Carlos F. Martínez, Magdy Martínez, Myriam Méndez-Montalvo, Gerardo Noto, William Orme, Stefano Pettinato, Juan Rial, Harold Robinson, Martín Santiago, Luis Francisco Thais. 6 A democracia na América Latina Índice 13 ■ Prólogo do Administrador do PNUD 17 ■ Prefácio da Diretora Regional para América Latina e Caribe do PNUD 21 ■ Apresentação 21 Liberdade, democracia e política 25 ■ Resumo 25 Introdução 26 A democracia e a idéia de democracia na América Latina 26 Balanço da cidadania integral 28 Percepções e apoio de líderes e cidadãos 29 Elementos para uma agenda 31 Metodologia do Relatório primeira seção 33 O desenvolvimento da democracia na América Latina 35 ■ O desafio: de uma democracia de eleitores a uma democracia de cidadãos 38 Democracia, pobreza e desigualdade: um triângulo latino-americano 41 Balanço entre reformas e realidades 45 Os organismos internacionais e a promoção da democracia 49 ■ Exploração sobre o desenvolvimento da democracia 50 Um debate incompleto 52 Fundamentos teóricos A idéia de democracia Os déficits da sociedade como déficit da democracia Alcances da democracia no Relatório Democracia, regime político e Estado Os cidadãos, fonte e justificativa da autoridade do Estado democrático O cidadão, sujeito da democracia A cidadania excede os direitos políticos, a democracia também Estado e cidadania 64 “Estatalidad” truncada e fragilidade democrática 66 Especificidade histórica das democracias latino-americanas 69 De quanta cidadania uma democracia precisa Índice 7 segunda seção 73 Bases empíricas do Relatório 75 ■ Indicadores de desenvolvimento da democracia 75 Cidadania política, civil e social 76 Cidadania política Índice de democracia eleitoral Outros indicadores do regime democrático de acesso ao governo Participação eleitoral Concorrência eleitoral e seleção de candidatos Representação eleitoral 84 Balanço do regime de acesso democrático ao governo Outras dimensões da Cidadania Política Poderes constitucionais clássicos Agências especializadas de controle Mecanismos de democracia direta A corrupção na função pública Clientelismo 88 104 Conclusões sobre a cidadania política: conquistas e deficiências Cidadania civil Igualdade legal e proteção contra a discriminação Direito à vida, à integridade física e à segurança Administração de justiça Liberdade de imprensa e direito à informação Conclusões sobre a cidadania civil: conquistas e deficiências 122 Cidadania Social Necessidades básicas Integração social A sociedade civil como promotora da cidadania social Conclusões sobre a cidadania social: conquistas e deficiências 139 ■ Como os latino-americanos vêem a sua democracia 140 Três tendências em relação à democracia: democrática, ambivalente e não-democrática Magnitude das tendências em relação à democracia Distância entre as tendências em relação à democracia Tendências em relação à democracia: perfil social Heterogeneidade 147 Formas de participação dos cidadãos na vida política Participação cidadã e tendências em relação à democracia Perfis de intensidade da cidadania 8 153 O índice de Apoio Cidadão à Democracia 157 ■ A percepção dos dirigentes latino-americanos 157 Perfil dos atores consultados 157 O ponto de partida conceitual A democracia na América Latina 158 Condições necessárias para a Democracia A expansão da participação política A expansão dos controles sobre o exercício do poder Opiniões sobre o caráter da democracia 162 Causas das limitações das democracias latino-americanas Poderes institucionais e poderes fáticos O papel dos partidos políticos Os poderes fáticos Empresas Os meios de comunicação Os fatores extraterritoriais As Igrejas O sindicalismo Os poderes ilegais Os poderes políticos formais O Poder Executivo As Forças Armadas 170 A visão dos presidentes e vice-presidentes Avaliação da figura do presidente no mapa de poder de cada região Pressões dos poderes fáticos sobre a autoridade presidencial O papel dos meios de comunicação Valoração das organizações sociais na vida política do país 172 O fortalecimento da democracia A construção da agenda pública na América Latina A agenda futura Os desafios 177 Alcances da democracia na América Latina. Um balanço Como se exerce o poder nessas democracias? 178 Síntese da rodada de consultas terceira seção 181 Rumo a uma democracia de cidadania 183 ■ Quatro temas para uma agenda de debate 184 A política, primeira condição 189 A necessidade de uma nova “estatalidad” 192 Uma economia para a democracia 198 Poder e políticas democráticas na globalização 201 Em síntese 203 ■ Reflexões finais 203 O eterno desafio Índice 9 207 ■ Agradecimentos Instituições que colaboraram na elaboração e discussão do Relatório Autores de artigos sobre temas da agenda Participantes da Rodada de Consultas Participações especiais Funcionários do Escritório do Administrador do PNUD Funcionários da Direção para América Latina e Caribe do PNUD. Funcionários do Escritório de Enlace do PNUD em Bruxelas Funcionários do Escritório do PNUD na Argentina Representantes Residentes, Adjuntos e Auxiliares dos Escritórios do PNUD na América Latina Funcionários dos Escritórios do PNUD na América Latina 210 Participantes em seminários e reuniões Reunião com o Secretário Geral da ONU Reunião com o Administrador do PNUD Apoio na preparação de reuniões e seminários Produção e tradução 213 ■ Nota técnica sobre o Índice de Democracia Eleitoral (IDE) 213 Construção do IDE A escolha dos componentes A medição dos componentes A geração de uma base de dados retangular com escalas normalizadas A escolha de regras de agregação 217 Testando o IDE Confiabilidade entre codificadores e estimativa de erro A solidez das regras de agregação O caráter dimensional dos elementos componentes 218 Interpretando e usando o IDE 219 ■ Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 219 Apresentação 219 I- Pesquisa de opinião sobre a democracia Dados e metodologia Desenho das amostras Análises estatísticas Unidade de análise Precisão dos resultados Amostras totais, amostras válidas e não-respostas Apresentação de resultados O método de medição do apoio cidadão à democracia mais amplamente utilizado e suas fragilidades 227 O IAD e as tendências em relação à democracia As três dimensões do IAD 10 A democracia na América Latina Primeira dimensão: tamanho de uma tendência Segunda dimensão: ativismo político das tendências Classificação de modos de participação Terceira dimensão: distância entre as tendências A regra de agregação do IAD A Interpretação do IAD Validação e confiabilidade do IAD Pressupostos e limitações do IAD 239 ■ Bibliografia 255 ■ Abreviaturas 257 ■ Índice de quadros 260 ■ Índice de tabelas 262 ■ Índice de gráficos 263 ■ Conteúdo do CD-ROM incluído no relatório Índice 11 Prólogo do Administrador do PNUD A AMÉRICA LATINA APRESENTA ATUALMENTE UM EXTRAORDINÁRIO PARADOXO. Por um lado, a região pode mostrar, com grande orgulho, mais de duas décadas de governos democráticos. Por outro, enfrenta uma crescente crise social. Persistem profundas desigualdades, existem níveis de pobreza elevados, o crescimento econômico tem sido insuficiente e a insatisfação (expressa, em muitos lugares, por um amplo descontentamento popular) das cidadãs e dos cidadãos com essas democracias tem aumentado. Essa circunstância tem gerado, em alguns casos, conseqüências desestabilizadoras. O Relatório representa um significativo esforço para compreender e superar esse paradoxo. Ele oferece uma análise abrangente do estado da democracia na América Latina, mediante a combinação de indicadores quantitativos, entrevistas, pesquisas e diálogo com grande número de líderes e formadores de opinião por toda a região. O Relatório procura, ainda, ir além do simples diagnóstico dos problemas existentes e propõe novos enfoques para os desafios que estão, atualmente, pondo em risco os avanços registrados nos últimos 25 anos. Resultado do trabalho de um grupo de especialistas independentes, o Relatório não é, conseqüentemente, um documento oficial sobre as políticas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ou das Nações Unidas. Consideramos que ele representa uma valiosa contribuição para a configuração de uma agenda ampliada para os países da América Latina, o PNUD e seus parceiros na busca pelo desenvolvimento nos meses e anos futuros. Por esse motivo, é grande a satisfação do PNUD em ter apoiado esta iniciativa. O coração do problema está em que, embora a democracia tenha-se propagado amplamente na América Latina, suas raízes não são profundas. Assim, o Relatório assinala que a proporção de latino-americanas e latino-americanos que estariam dispostos a sacrificar um governo democrático em favor do progresso socioeconômico real é superior a 50%. São várias as razões dessa tendência. A mais importante é que a democracia é, pela primeira vez na história da América Latina, a forma de governo predominante. Assim, os governantes são culpados quando as coisas andam mal em matéria de emprego, renda e serviços básicos, que são insuficientes para satisfazer as crescentes expectativas da cidadania. O panorama torna-se ainda mais complexo quando se considera que diversos fatores indispensáveis para a governabilidade democrática, tais como liberdade Prólogo do Administrador do PNUD 13 de imprensa, proteção sólida aos direitos humanos e poder judiciário independente e vigoroso ainda precisam ser substancialmente fortalecidos. Além disso, muitos grupos, tradicionalmente excluídos, não têm acesso ao poder por meio dos canais formais. Assim, eles manifestam suas frustrações por vias alternativas, não raro por meio de expressões violentas. Não obstante, existem alguns sinais muito animadores por trás dessa situação. O primeiro é que, apesar das crises, os países da região não optaram por um retrocesso ao autoritarismo; tendo, ao contrário, dado amplo apoio às instituições democráticas. Em segundo lugar, os cidadãos estão começando a distinguir entre a democracia como sistema de governo e o desempenho dos governantes em particular. Muitos desses cidadãos nada mais são do que “democratas insatisfeitos”, fenômeno que é bastante conhecido em muitas democracias estabelecidas. Isso explica, parcialmente, por que os movimentos de oposição não tendem, hoje em dia, para soluções militares, mas para líderes populistas que se apresentam como alheios ao poder tradicional e prometem perspectivas inovadoras. Dessa forma, quando é hora de identificar responsáveis, as populações diferenciam cada vez mais entre as diversas instituições. Ao passo que os corpos legislativos e os partidos políticos têm apoio de menos de um quarto da população, o Poder Judiciário e o Executivo, assim como os serviços de segurança, mostram uma imagem um pouco melhor. Para que a democracia não definhe e possa crescer, a América Latina precisa trabalhar incansavelmente para que as instituições democráticas, das legislaturas às autoridades locais, sejam transparentes, prestem contas dos seus atos e desenvolvam as aptidões e capacidades necessárias para desempenhar suas funções fundamentais. Isso significa que será preciso assegurar que o poder, em todos os níveis de governo, seja estruturado e distribuído de tal forma que dê voz e participação real aos excluídos. Além disso, ele deve proporcionar mecanismos pelos quais os poderosos, sejam eles líderes políticos, empresários ou outros atores, fiquem obrigados a prestar contas de suas ações. Nesse caminho não há atalhos: consolidar a democracia é um processo, não um ato isolado. Fazer, porém, com que as instituições públicas tenham um desempenho efetivo é apenas uma parte do desafio. Além disso, é preciso demonstrar aos cidadãos que os governos democráticos estão cuidando dos problemas que verdadeiramente preocupam os povos, que são capazes de responder a essas indagações e que estão sujeitos ao efetivo controle da cidadania quando não o fazem. Na prática, o desafio implica também na construção de instituições legislativas e jurídicas capazes de proteger os direitos humanos e de gerar espaço para um debate político vigoroso e pacífico. Ele inclui o desenvolvimento de uma força policial capaz de garantir ruas e fronteiras seguras; um poder descentralizado, 14 A democracia na América Latina para que a população de cada localidade possa mobilizar-se para garantir escolas com professores bem capacitados e hospitais com equipamento e medicamentos apropriados; uma florescente sociedade civil e uma imprensa livre. O desafio implica, ainda, que todos esses atores tenham plena participação na consolidação da democracia e estejam na vanguarda da luta contra a corrupção e a má administração de governos e empresas. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) das Nações Unidas — que vão de reduzir à metade a pobreza extrema e a fome até assegurar que, no ano 2015, todas as meninas e meninos freqüentem escolas — oferecem um instrumento para ajudar a atender a essas questões no nível nacional e regional. Num sentido muito real, os ODM constituem o primeiro manifesto global para mulheres e homens, meninas e meninos de todo o mundo: um conjunto de questões concretas, mensuráveis e enunciadas sinteticamente, de forma que qualquer um possa compreendê-las e honrá-las. Como parte de um pacto global entre países ricos e pobres, em face do compromisso assumido pelo mundo desenvolvido de apoiar os países em desenvolvimento que levam a cabo reformas de boa fé, os ODM oferecem uma oportunidade real para canalizar o apoio externo em termos de acesso a mercados, alívio da dívida e maior assistência, de que tantos países latino-americanos necessitam desesperadamente para impulsionar seus próprios esforços. Se a América Latina e o mundo aproveitarem esta oportunidade, existirá então possibilidade de se construir um novo círculo virtuoso, por meio do qual o crescimento econômico renovado dê impulso aos ODM e ajude simultaneamente a construir e sustentar democracias mais efetivas e capazes de acelerar um progresso social e econômico eqüitativo. Para fazer dessa visão uma realidade, será preciso, porém, que os latino-americanos, e especialmente os líderes em todas as esferas, enfrentem decididamente as questões críticas que afetam a governabilidade democrática e que possam assegurar que desenvolvimento e democracia continuem sendo entendidos, não como alternativas, mas como dois lados da mesma moeda. Mark Malloch Brown Administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Prólogo do Administrador do PNUD 15 16 A democracia na América Latina Prefácio da Diretora Regional para América Latina e Caribe do PNUD HOUVE UM MOMENTO, NÃO FAZ MUITO TEMPO, em que muitos acreditaram que a política estava morta: o mercado impessoal e o saber tecnocrático se encarregariam de levar-nos ao desenvolvimento. O mercado, porém, pressupõe a segurança jurídica dada pelas instituições. E a tecnologia não diz para quê nem para quem, mas apenas como. Por isso, nestes últimos anos, os economistas e os organismos de desenvolvimento voltaram os olhos para as instituições, para as opções e para os conflitos. Vale dizer, voltaram a descobrir a política (embora prefiram não dizer isso). O Relatório faz parte desse redescobrimento e quer, ao mesmo tempo, ajudálo. Em outras palavras, contribui para a reinvenção da política como sustentáculo do desenvolvimento latino-americano. Assim, a pedido dos governos, o PNUD vem dando cada vez mais atenção ao desafio de consolidar a democracia na América Latina e no Caribe. De fato, a maioria dos programas nacionais de cooperação tem em vista esse propósito, mediante a modernização do estado e de seus diferentes ramos, a reforma política, a governança local e a adequada inserção na aldeia global. Em nada menos que 17 países, acompanhamos diálogos que ajudam a construir consensos entre autoridades, forças políticas, sociedade civil e atores não tradicionais. Por sermos uma organização de conhecimento, vários projetos regionais e nacionais empenharam-se ou estão empenhados em avaliar alternativas e difundir boas práticas no que tange à governabilidade. Nesse contexto, o Conselho Executivo do PNUD aprovou o II Marco de Cooperação Regional para o período 2001-2005, no qual está incluída “a preparação de um Relatório sobre o estado da democracia na América Latina [que] será resultado de atividades conjuntas de acadêmicos e agentes políticos e sociais da região1 “. O texto que tenho hoje a honra de apresentar é o primeiro resultado desse processo, em que participaram mais de 100 analistas, 32 presidentes ou ex-presidentes, mais de 200 líderes políticos ou sociais e quase 19 mil cidadãos entrevistados em 18 países. Em seu sentido mais elementar, democracia nada mais é do que “o governo do povo”. O Relatório procura levar a sério essa velha idéia, para pô-la em diálogo com o presente e o futuro de nossa América: governo do povo significa que as decisões que nos afetam a todos sejam tomadas por todos. No contexto da América Latina, há, portanto, que se celebrar a existência de governos eleitos pelo voto popular e os progressos na representação e participação na esfera política duran- 1 Conselho Executivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e do Fundo de População das Nações Unidas, Primeiro Período Ordinário de Sessões de 2002. Prefácio da Diretora Regional para América Latina e Caribe do PNUD 17 te as últimas décadas. Mas persiste o desafio de engrandecer a política, isto é, de submeter ao debate e à decisão coletiva todos os assuntos que afetam o destino coletivo, o que acarreta, por sua vez, maior diversidade de opções e mais poder ao Estado, para que este possa cumprir os mandatos da cidadania. Governo do povo significa, então, um estado de cidadãos plenos. Uma forma, sem dúvida, de eleger as autoridades, mas, além disso, uma forma de organização que garante os direitos de todos: os direitos civis (garantias contra a opressão), os direitos políticos (tomar parte nas decisões públicas ou coletivas) e os direitos sociais (acesso ao bem-estar). É a democracia da cidadania que o Relatório propõe e que serve de eixo ordenador de sua análise. Assim, a idéia seminal e o convite essencial do texto que estou apresentando é avançar na direção de uma democracia de cidadãs e cidadãos mediante a ampliação da política. Será necessário advertir que “política” não é só (e não é sempre) o que fazem os políticos, e sim o que fazem os cidadãos e suas organizações quando se ocupam da coisa pública? Ou haverá necessidade de acrescentar que a democracia assim entendida é uma forma de desenvolvimento humano? Se desenvolvimento humano, como mais de uma vez disseram os Relatórios do PNUD, é “o aumento das opções para que as pessoas possam melhorar sua vida2“ , eu diria que democracia é desenvolvimento humano na esfera pública, é aumentar as opções de caráter coletivo que incidem na qualidade de nossas vidas. E assim, a afirmação de Amartya Sen —“desenvolvimento humano é o processo de expansão das liberdades reais de que goza um povo”3— vem a ser, de fato, uma definição de democracia. O debate está aberto. Como manter a vigência e aperfeiçoar o regime democrático de que agora desfrutam nossos países? Como expandir a cidadania social, como reduzir a pobreza e a desigualdade, que continuam sendo a nossa grande mancha e a grande ameaça a esse regime democrático? Como ampliar a política ou como recuperar o que é público para o debate e a participação das pessoas? Como devolver a economia à política, ou como, sem populismos, direcionar o mercado para a cidadania e a serviço dela? Como fazer com que o Estado se empenhe em democratizar a sociedade? Como conseguir que ele se imponha aos poderes fáticos, ou de fato? Como, enfim, fazer com que a aldeia global seja governada e que esse governo represente também as latino-americanas e os latino-americanos? O Relatório não pretende dar as respostas, e sim ajudar a definir as perguntas. Ainda mais: o texto é apenas um pré-texto, no sentido tanto de texto prévio que quer ser melhorado como no de desculpa ou ocasião para continuar um diálogo já iniciado. 2 Esta definição foi proposta pela primeira vez no Informe Sobre Desarrollo Humano, Bogotá, Tercer Mundo, 1990, p. 33. 3 Desarrollo y Libertad, Madrid, Planeta, 2000, p. 13. 18 A democracia na América Latina Esse diálogo é a razão de ser do Projeto sobre o Desenvolvimento da Democracia na América Latina (PRODDAL), que o PNUD leva a cabo com o generoso apoio da União Européia e de governos, instituições e pessoas a quem não me cabe enumerar, mas sim, certamente, agradecer. Um fruto de seus esforços é o Relatório. Outros frutos; que, esperamos, estimularão e enriquecerão um debate urgente (ao qual eu chamaria “debate sobre a democratização de nossas democracias”), são: o livro no qual 26 destacados intelectuais procuram dar respostas a essas questões, o compêndio estatístico que permite um escrutínio integral das cidadanias e os ensaios acadêmicos que sustentam nosso modo de entender a democracia. A América Latina é múltipla e uma só. Por isso, o debate político tem que ocorrer a partir das realidades e dos sonhos próprios de cada pais, razão pela qual previmos encontros em cada um. Uma série de eventos regionais, a rede de atores da governabilidade que acompanha o PRODDAL e, evidentemente, a “e-comunicação” interativa são outros tantos cenários nos quais queremos prosseguir com este diálogo. Bem-vindos! Elena Martínez Administradora Auxiliar e Diretora Regional do PNUD para a América Latina e o Caribe. Prefácio da Diretora Regional para América Latina e Caribe do PNUD 19 20 A democracia na América Latina Apresentação Liberdade, democracia e política O RELATÓRIO SOBRE A DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA propõe algumas respostas às incertezas e aos questionamentos das sociedades latino-americanas sobre sua democracia. Fizemos esta exploração levando em conta, prioritariamente, a demanda, ou seja, as indagações que nossas mulheres e homens formulam e que não estão sendo eficientemente tratadas no debate político. Nossa ambição é que ele venha a ser uma ferramenta para o debate das sociedades, que chegue a elas e que lhes ajude a compreender melhor suas democracias e suas necessidades de aprimoramento. Não há problemas com a democracia, mas há problemas na democracia. Para resolvê-los, é indispensável fazer uso do mais precioso instrumento que ela nos oferece: a liberdade. Liberdade para discutir o que perturba, o que alguns prefeririam que ficasse oculto. Liberdade para dizer que o rei está nu e procurar compreender por quê. Liberdade para saber por que um sistema que é quase sinônimo de igualdade convive com a mais alta desigualdade do planeta; para saber se o que discutimos é o que precisamos discutir ou o que outros nos impuseram, para saber quais são nossas urgências e prioridades. Sem dúvida nenhuma, conhecendo suas limitações, trata-se de um Relatório para exercitar a liberdade, o que em política significa, antes de tudo, exercer a capacidade de reconhecer e decidir o que queremos fazer com nossas sociedades; porque, em parte, a crise de representação na política é atacada com mais eficácia quando sabemos o que pleitear, o que exigir de nossos representantes. Evidentemente, não é um texto em si mesmo que atingirá esse objetivo. Além disso, é indispensável promover ativamente o debate e incorporar no quotidiano das decisões das organizações sociais os temas aqui propostos e outros que possamos ter omitido. Faz-se necessário provocar uma nova discussão. Para esse fim, o relatório contém uma análise crítica da situação de nossas democracias, feita a partir da própria democracia. Isso nos levou necessariamente a destacar déficits e carências. No exercício de exploração daquilo que falta existe, porém, um perigo: esquecer o que temos. Os déficits, as lacunas, as ciladas que se lançam sobre nossas democracias não deveriam levar-nos a esquecer que deixamos para trás a longa noite do autoritarismo. Foram-se as histórias dos temores, dos assassinatos, dos desaparecimentos, das torturas e do silêncio esmagador que tem a falta de liberdade. A história, em que uns poucos se apoderaram do direito de interpretar e decidir o destino de todos, ficou para trás. Temos problemas, numerosos e alguns muito graves, mas guardamos a memória desse passado, e desejaríamos que ele não se esgotasse em nós, para que nossos filhos saibam que a liberdade não nasApresentação 21 ceu espontaneamente; que protestar, falar, pensar e decidir, com a dignidade de mulheres e homens livres, foi uma conquista árdua e demorada. Precisamos ser críticos com a nossa democracia, porque essas lembranças nos obrigam a custodiá-la e aperfeiçoá-la. É por meio da política que se plasma a construção democrática. Aqui ocorre algo semelhante ao que acabo de indicar: também a política tem graves carências, o que tem produzido crescente repulsa em nossas sociedades à face daqueles que a praticam. O Relatório não é benigno quando trata de mostrar a gravidade da crise da política e dos políticos. Estes políticos, porém, é que se lançaram às lutas, que optaram entre custos, que pagaram com seu prestígio ou sua honra por seus defeitos ou falhas. Eles não têm a pureza daqueles que só assumem o risco de opinar. Muitos têm a simples valentia de lutar, em um ambiente em que, muitas vezes, o que se enfrenta não são grandes idéias, mas, sim, paixões e misérias. Alguns temem e abandonam a política, outros cometem erros e, de um ou de outro modo, pagam por eles; uma maioria, porém, faz algo mais do que opinar sobre como as coisas deveriam ser feitas. Eles tentam, apostam, perdem, e muitos voltam a tentá-lo, alguns com êxito. Não existe aqui nada parecido com uma reivindicação sentimental dos políticos, mas simplesmente a advertência de que a democracia não é uma construção idílica. Ela requer mulheres e homens dispostos a lutar neste turbulento território em que se desenvolvem os interesses e as paixões, as lutas reais, que são as lutas do poder. Democracia se faz com política, única atividade capaz de reunir a árdua e maravilhosa tarefa de lidar com a condição humana para construir uma sociedade mais digna. Como disse Weber: “a política é uma dura e prolongada penetração através de resistências tenazes, e para isso são necessárias, ao mesmo tempo, paixão e comedimento. É certo, sem dúvida, e assim o demonstra a história, que nunca se consegue o possível neste mundo se não se tentar, vez por outra, o impossível. Para ser capaz de fazer isso, porém, é necessário ser um caudilho e assim também um herói, no sentido mais simples do termo. Mesmo aqueles que não são nem um nem outro precisam armar-se desde agora com essa fortaleza de ânimo que permite suportar a destruição de todas as esperanças, se não quiserem ver-se incapacitados de realizar mesmo aquilo que hoje é possível. Só quem está seguro de não se abater quando, do seu ponto de vista, o mundo se mostra demasiadamente estúpido ou demasiadamente abjeto para o que ele oferece; somente quem, em face de tudo isso, é capaz de responder com um ‘apesar disso’, somente um homem construído dessa forma tem ‘vocação para a política’”. Finalmente, uma advertência sobre as limitações do trabalho. O Relatório sobre a Democracia na América Latina aborda a análise de nossa situação, oferece uma ampla base empírica e propõe um temário sobre seus desafios centrais. Não obstante, é um esforço parcial. A democracia é um fenômeno cuja dimen- 22 A democracia na América Latina são humana e cultural é central. A história que recebemos, os impulsos sociais suscitados pelas esperanças e frustrações, as paixões desencadeadas em torno das relações de poder, não raro contêm explicações ou indícios dos quais os dados e a análise não dão plena conta. Advertimos sobre essa ausência para indicar que estamos conscientes dela e para frisar nossa reticência em encerrar em categorias analíticas e em cifras a imensa complexidade dos fenômenos humanos. Só trabalhamos sobre um segmento, importante e necessário, da vasta experiência que a democracia contém. Dante Caputo Coordenador do Relatório Apresentação 23 24 A democracia El desarrollo de nala América democracia Latinaem América Latina RESUMO Introdução O presente Relatório sobre A democracia na América Latina: Rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos faz parte da estratégia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no sentido de fortalecer a governabilidade democrática e o desenvolvimento humano. Elaborado pelo Projeto sobre o Desenvolvimento da Democracia na América Latina (PRODDAL), é o primeiro insumo de um processo de maior fôlego e diálogo social. Seu propósito é avaliar a democracia na América Latina, não só como regime eleitoral, mas também como uma democracia de cidadãos. Sob esse enfoque, identificam-se conquistas, limites e desafios, e propõe-se uma agenda de reformas para fortalecer o desenvolvimento da democracia na região. Embora 140 países do mundo estejam vivendo hoje sob regimes democráticos – fato valorizado como uma grande conquista – somente em 82 existe uma democracia plena1. De fato, muitos governos eleitos democraticamente tendem a manter sua autoridade com métodos não democráticos, por exemplo, modificando as constituições nacionais em seu favor e intervindo nos processos eleitorais e/ou restringindo a independência dos poderes legislativo e judiciário. Esses fatos demonstram que a democracia não se reduz só ao ato eleitoral, mas requer eficiência, transparência e eqüidade nas instituições públicas e também uma cultura que aceite a legitimidade da oposição política, reconheça os direitos de todos e advogue por eles. Paralelamente ao que foi colocado, em muitos casos, a crescente frustração pela falta de oportunidades e pelos altos níveis de desigualdade, pobreza e exclusão social manifesta-se em mal-estar, perda de confiança no sistema político, ações radicalizadas e cri- ses de governabilidade, fatos esses que colocam em risco a estabilidade do próprio regime democrático. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano 2002, a democracia não é apenas um valor em si mesmo, como também um meio necessário para o desenvolvimento. Para o PNUD, a governabilidade democrática é um elemento central do desenvolvimento humano, porque por meio da política, e não só da economia, é possível gerar condições mais eqüitativas e aumentar as opções das pessoas. Na medida em que a democracia possibilita o diálogo que inclui os diferentes grupos sociais e, paralelamente, desde que as instituições públicas se fortaleçam e sejam mais eficientes, será possível alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, principalmente, no que se refere a reduzir a pobreza. Nesse sentido, a democracia é o marco propício para abrir espaços de participação política e social, principalmente para os que mais sofrem: os pobres e as minorias étnicas e culturais. Essa contribuição organiza-se ao redor de três perguntas: Qual é o estado da democracia na América Latina? Quais são as percepções e quão forte é o apoio de líderes e cidadãos à democracia? Quais seriam os principais temas de um debate visando a um maior avanço na democracia de cidadãos? Buscou-se responder a elas ao longo das seções deste Relatório. Na primeira seção, define-se a base conceitual utilizada no estudo e contextualiza-se o desenvolvimento da democracia em uma região com altos níveis de pobreza e desigualdade. Na segunda seção, analisam-se os dados obtidos mediante diversos instrumentos empíricos aplicados: indicadores e índices das cidadanias política, civil e social; uma pesquisa de opinião respondida por 19.508 cidadãos dos 1 PNUD 2002, Relatório do Desenvolvimento Humano 2002 . Mundi-Prensa: Madrid (p. 10). Resumo 25 dezoito países considerados, e uma rodada de consultas a 231 líderes sobre os desafios da democracia na América Latina. A terceira seção busca ampliar a agenda pública sobre o desenvolvimento da democracia, centrada na crise da política, nas reformas estatais e estruturais da economia e no impacto da globalização na região. O Relatório valoriza os principais avanços da democracia como regime político na América Latina, e identifica a desigualdade e a pobreza como suas principais deficiências. A democracia e a idéia de democracia na América Latina Os 18 países da América Latina considerados neste Relatório cumprem hoje os requisitos fundamentais do regime democrático; só três deles viviam em democracia há 25 anos. Contudo, ao mesmo tempo em que as latino-americanas e os latino-americanos consolidam seus direitos políticos, enfrentam altos níveis de pobreza e a mais alta desigualdade do mundo. Desse modo, indica-se que existem fortes tensões entre a expansão da democracia e a economia, a busca da eqüidade e a superação da pobreza. O Relatório valoriza os principais avanços da democracia como regime político na América Latina, e identifica a desigualdade e a pobreza como suas principais deficiências. Além disso, aponta a urgência de uma política geradora de poder democrático, cujo objetivo seja a cidadania integral. O que devemos entender por “cidadania integral”? Como terá inferido o leitor, ela abrange um espaço substancialmente maior do que o do mero regime político e suas regras institucionais. Falar de cidadania integral é considerar que o cidadão de hoje deve ter acesso a seus direitos cívicos, sociais, econômicos e culturais em perfeita harmonia, e que todos eles formam um conjunto indivisível e articulado. O presente estudo assume e ressalta, como elementos importantes para a análise, as diferenças marcantes entre os países da região, mas também aponta que, em matéria de democracia, existem problemas regionais comuns e diversidade nacional nas respostas. Com base nos fundamentos teóricos, ar- gumenta-se que a democracia: ■ pressupõe uma idéia do ser humano e da construção da cidadania; ■ é uma forma de organização do poder que implica a existência e o bom funcionamento do Estado; ■ implica uma cidadania integral, isto é, o pleno reconhecimento da cidadania política, da cidadania civil e da cidadania social. ■ é uma experiência histórica particular na região, que deve ser entendida e avaliada em sua especificidade. ■ tem no regime eleitoral um elemento fundamental, mas não se reduz às eleições. Balanço da cidadania integral Para medir os avanços em cidadania política, foi utilizado o Índice de Democracia Eleitoral (IDE) que, apesar de medir apenas um aspecto do sistema político, corresponde à dimensão ou condição mínima para que se possa falar de democracia. Os dados mostram que na região existem hoje “de mocracias eleitorais”. Mais pontualmente, eles indicam que: ■ Em todos os países se reconhece o direito universal ao voto. ■ Apesar de alguns problemas, em geral, as eleições nacionais foram limpas entre 1990 e 20022. ■ Nesse mesmo período, ocorreram importantes restrições à liberdade eleitoral em 10 de 70 eleições nacionais, mas a tendência geral foi positiva. ■ Houve um avanço na questão das eleições serem um meio de acesso a cargos públicos: a passagem do mando eleitoral se converteu em uma prática comum, apesar de, em alguns casos, ter ocorrido em meio a complexas crises constitucionais. No entanto, os dados também demonstram que a participação eleitoral é irregular – em alguns países apresenta níveis muito baixos – e que, na disputa eleitoral, existem barreiras para a entrada de novos ato- 2 A informação contida no Relatório, em geral, utiliza dados atualizados até 2002. 26 A democracia na América Latina res. Uma importante conquista é a abertura de espaços políticos para as mulheres, mediante uma porcentagem de vagas ou cotas nas listas dos partidos. Entretanto, a representação de povos originários e afro-descendentes no parlamento é, em geral, ainda muito reduzida. Os partidos políticos, como agentes de representação, também atravessam uma severa crise, que se traduz em desconfiança, porque as pessoas os sentem distantes, como um ator indiferente e profissionalizado que não encarna um projeto de futuro compartilhado. Quanto aos mecanismos de controle político, não mencionando as eleições, cabe destacar que o Poder Executivo interfere diretamente na Corte Suprema de vários países, apesar dos avanços nas reformas constitucionais para fortalecer a independência e a profissionalização do Poder Judiciário. Desse modo, nos últimos anos, foram criados organismos especializados como controladorias públicas, promotorias e defensorias do povo. Contudo, a insuficiência de recursos e, em alguns casos, a pouca autonomia do Poder Executivo limitam a eficácia desses organismos. Finalmente, uma grande conquista a ser destacada é a menor influência ou gravitação política das Forças Armadas em quase todos os países. Por conseguinte, apesar dos avanços no que se refere ao funcionamento eleitoral e das conquistas em termos institucionais, persistem sérias deficiências quanto ao controle da ação estatal que os cidadãos poderiam exercer. Os partidos políticos enfrentam um momento de forte desconfiança como agentes de representação, o que é um desafio-chave para o desenvolvimento democrático. Assim, a representação de grandes grupos populacionais é, em geral, baixa, e o comparecimento às urnas é irregular. Com respeito à cidadania civil, registram-se importantes conquistas em matéria de legislação, porém é preocupante a limitada capacidade dos Estados de garantir esses direitos na prática. A maioria dos países ratificou os principais tratados internacionais e avançou na normativa nacional referente à igualdade legal e à proteção contra a discriminação, e também no que diz respeito aos direitos da mulher. Houve também um avanço na defesa dos direitos trabalhistas e nos direitos das crianças. Várias constituições reconheceram esses direitos, apesar de a ratificação da Convenção sobre os povos indígenas ter sido protelada. Não ocorreu o mesmo com os tratados internacionais nem, em especial, com a vigência do direito à vida, à integridade física e à segurança. Não se registrou a queda esperada nesse tipo de violação dos direitos humanos, muito embora já não seja cometida por determinação da cúpula estatal, e sim por forças para-estatais que o Estado não foi capaz de controlar. Apesar dos avanços normativos, a nãodiscriminação ainda não está suficientemente garantida, pois grandes desigualdades são mantidas no tratamento dispensado a pessoas pertencentes a diferentes grupos, as leis que protegem as crianças no trabalho são freqüentemente desobedecidas e os trabalhadores viram diminuir sua proteção social. Uma conquista no âmbito trabalhista, porém, é a tendência ao aumento na eqüidade de gênero. Com relação aos sistemas de administração de justiça, observa-se que a carência de recursos econômicos e humanos os torna frágeis. Um tema preocupante, também, é o que se refere à população carcerária, pois os direitos dos réus são pouco respeitados, a tal ponto que mais da metade dos presos carece de sentença. Quanto à liberdade de imprensa, o Relatório detecta que a América Latina ainda se depara com graves falhas. Os avanços quanto ao direito à informação são mais encorajadores, pois o acesso às fontes públicas de dados é legalmente reconhecido na maioria dos países. Em resumo, embora tenha melhorado a situação dos direitos humanos em comparação com a do período não democrático, tenham sido ratificadas as convenções internacionais relativas aos direitos civis e, inclusive, tenham sido criadas normativas nacionais nesse sentido, os dados mostram poucos avanços, fato que deveria ser um sinal de alerta. O progresso das questões relaResumo 27 O desenvolvimento democrático depende de que se amplie de maneira decidida a cidadania social, principalmente a partir da luta contra a pobreza e a desigualdade e da criação de postos de trabalho de qualidade. cionadas ao direito à vida, à integridade física, à segurança e à não-discriminação foi irregular e, em alguns casos, muito insuficiente. Por outro lado, as tendências detectadas no que se refere à cidadania social são realmente preocupantes e representam o principal desafio das democracias latino-americanas, porque, além disso, os grupos mais excluídos do exercício pleno da cidadania social são os mesmos que sofrem carências nas outras dimensões da cidadania. Os problemas centrais nesse plano são a pobreza e a desigualdade, que não permitem que os indivíduos se manifestem como cidadãos com plenos direitos e de maneira igualitária no âmbito público, e que corroem a inclusão social. Os indicadores mostram que todos os países da região são mais desiguais que a média mundial. Em 15 dos 18 países estudados, mais de 25 por cento da população vive abaixo da linha de pobreza e, em 7 deles, mais da metade da população vive nessas condições, embora em 12 deles a pobreza até tenha diminuído e, em 15, o PIB per capita tenha aumentado entre 1991 e 2002. No entanto, cabe destacar alguns avanços em termos de saúde (a desnutrição infantil diminuiu em 13 dos 18 países, a mortalidade infantil também se reduziu e a expectativa de vida aumentou) e de educação (a taxa de analfabetismo diminuiu em todos os países e o nível de escolaridade aumentou, porém a qualidade da educação em geral é baixa). Um tema central é o desemprego, pois o trabalho é um mecanismo-chave de inclusão social e do próprio exercício da cidadania, que tem um componente econômico. O aumento nos índices de desemprego durante a década de noventa é, conseqüentemente, uma das maiores falhas das democracias latino-americanas. E ainda mais: a proteção social dos trabalhadores diminuiu e aumentou o trabalho informal, em geral não qualificado e insuficiente para gerar uma integração social que garanta um mínimo de bem-estar. Resumindo, o desenvolvimento democrático depende de que se amplie de maneira decidida a cidadania social, principal28 A democracia na América Latina mente a partir da luta contra a pobreza e a desigualdade e da criação de postos de trabalho de qualidade. Só será possível diminuir a pobreza de forma sustentável e melhorar as possibilidades de crescimento econômico se a desigualdade for reduzida. Percepções e apoio de líderes e cidadãos Apesar dos avanços, inclusive em condições muito precárias, deve-se reconhecer que, tanto no plano da evolução democrática quanto no da dinâmica econômica e social, a região está vivendo um momento de mudanças que em muitos casos assume as características de uma crise generalizada. Conseqüentemente, inicia-se um período de transformação tanto nos conteúdos da democracia quanto em suas vinculações com a economia e com a dinâmica social, em um contexto global também de mudança, de concentração de riqueza e de internacionalização crescente da política. A questão é que a política, como se pode constatar em vários pontos do Relatório, tem grandes limitações e está em crise. Essa crise se manifesta no divórcio entre os problemas para os quais os cidadãos exigem uma solução e a capacidade da política para enfrentá-los. A política tende a perder conteúdo em virtude da diminuição da soberania interior do Estado, que pode ser atribuída a: O desequilíbrio na relação entre política e mercado. ■ A presença de uma ordem institucional que limita a capacidade dos Estados para agir com razoável autonomia. ■ O aumento da complexidade das sociedades, que os sistemas de representação não podem processar. ■ Nesse sentido, os líderes latino-americanos consultados coincidem em várias questões quando formulam seu diagnóstico sobre a democracia. Por um lado, valorizam a democratização durante a última década e o fato de, pelo menos no plano formal, os países da região cumprirem os requisitos mí- nimos da democracia. Entendem, também, que a participação e os controles sobre o exercício do poder aumentaram e que as ameaças à democracia como regime diminuíram, juntamente com os clássicos riscos de insubordinação militar. Por outro lado, detectam problemas relacionados com os partidos políticos e com os poderes fáticos. Quanto aos partidos políticos, uma das principais dificuldades encontradas é que não conseguem canalizar completamente as demandas da cidadania. Desse modo, a relação entre partidos e organizações da sociedade civil costuma ser conflituosa. Para os líderes consultados, a solução dessas dificuldades está dentro da política, com o fortalecimento dos partidos. Quanto aos poderes fáticos (principalmente o setor econômico e financeiro e os meios de comunicação), são vistos como fatores que condicionam a capacidade dos governos de dar respostas à cidadania. Entre as tensões com outros poderes fáticos, existe uma preocupação com a perda da autonomia governamental em relação aos Estados Unidos e aos organismos multilaterais, assim como coincidência no que se refere à ameaça representada pelo narcotráfico. Por sua vez, a pesquisa de opinião pública realizada para o Relatório apresenta uma tensão entre a opção pelo desenvolvimento econômico e a democracia. Os dados obtidos indicam que: ■ A preferência dos cidadãos pela democracia é relativamente baixa. ■ Grande parte das latino-americanas e dos latino-americanos dá mais valor ao desenvolvimento do que à democracia e, inclusive, retiraria seu apoio a um governo democrático se ele fosse incapaz de resolver os seus problemas econômicos. ■ Os não-democratas pertencem, geralmente, a grupos com menor educação, cuja socialização ocorreu, fundamentalmente, em períodos autoritários, que têm baixas expectativas de mobilidade social e uma grande desconfiança das instituições democráticas e dos políticos. ■ Embora os democratas estejam distribuídos em diversos grupos sociais, nos paí- ses com menores níveis de desigualdade os cidadãos tendem a apoiar mais a democracia. Contudo, essas pessoas não se manifestam por meio de organizações políticas. Com base nos dados da pesquisa, visando a proporcionar uma estimativa do grau de respaldo cidadão à democracia, elaborou-se o Índice de Apoio à Democracia (IAD), que oferece uma visão sintética sobre o apoio e a possível vulnerabilidade das democracias latino-americanas. Concluindo, a informação empírica encontrada, os resultados da pesquisa de opinião pública e as opiniões de diversos líderes políticos registradas no Relatório coincidem tanto com a necessidade de reconhecer que a região vive um momento de inflexão e crise, quanto com a de valorizar o sentido da política, ou seja, sua capacidade de criar opções para promover novos projetos coletivos viáveis. No coração de tal confluência está instalado o fortalecimento da cidadania. Elementos para uma agenda O Relatório aponta que o ponto de partida para fortalecer a democracia passa pela revalorização do conteúdo e da relevância da política, argumenta que as soluções para os problemas e desafios da democracia teriam que ser encontradas dentro e não fora das instituições democráticas, e considera que deve ser recuperado um papel construtivo da política como ordenadora das decisões da sociedade. Nesse sentido, continua com a mesma linha argumentativa em que o PNUD vem insistindo. Como afirma seu Administrador, Mark Malloch Brown, no prefácio do Relatório do Desenvolvimento Humano 2002 : “[...] a política é tão importante para o êxito do desenvolvimento quanto para o da economia. A redução sustentável da pobreza não só requer um crescimento eqüitativo, como também que os pobres tenham poder político. A melhor forma de conseguir esse resultado de maneira coerente com os objetivos do desenvolvimento humano é erigir formas sólidas e profundas de governabilidade democrática em todos os níveis da sociedade”3. A revalorização da política pasResumo 29 Com Estados fracos e mínimos, só é possível aspirar a conservar democracias eleitorais. A democracia integral de cidadãs e cidadãos requer uma “estatalidad” que garanta a universalidade dos direitos. sa pela aplicação de medidas que promovam uma institucionalidade legítima, fortaleçam uma sociedade civil ativa, e, principalmente, promovam um amplo debate sobre o Estado, a economia e a globalização. A agenda proposta pelo Relatório está voltada para a expansão da cidadania. Para torná-la sustentável é fundamental desenvolver uma política que materialize opções, reúna esforços e motivações individuais e crie poder democrático. Urge prosseguir a reforma das instituições, porém essas iniciativas precisam de um fio condutor que fortaleça a participação. Só ela poderá tornar essas reformas mais legítimas. Nesse sentido, um aspecto institucional chave são as reformas eleitorais que garantam um melhor equilíbrio entre governabilidade e representação. Muito embora tenham passado por importantes mudanças, os sistemas de partido tendem a ser instrumentais ou operativos. No entanto, eles precisam é de se fortalecer para ampliar a eficácia, a transparência e a responsabilidade. Esta é, segundo o Relatório, a melhor maneira de reafirmar o papel indispensável de representação da sociedade que eles expressam. Nesse sentido, os partidos políticos deveriam compreender melhor as mudanças nas sociedades contemporâneas, propor novos projetos de sociedade e promover debates públicos. Existe uma importante relação entre a cidadania e as organizações da sociedade civil. Elas são importantes protagonistas na construção democrática, no controle da gestão governamental e no desenvolvimento do pluralismo. É fundamental promover estratégias de fortalecimento da sociedade civil e de sua articulação com o Estado e com os partidos políticos. O Relatório advoga por formas alternativas de representação que, sem substituir as tradicionais, possam complementá-las e fortalecê-las. Uma proposta central é construir uma nova legitimidade do Estado, uma vez que não existiria uma democracia sustentável sem um Estado capaz de promover e garantir o exercício da cidadania. Com Esta- dos fracos e mínimos, só é possível aspirar a conservar democracias eleitorais. A democracia integral de cidadãs e cidadãos requer uma “ estatalidad” que garanta a universalidade dos direitos. Por isso, o Relatório convida ao debate sobre a necessidade de um Estado capaz de conduzir o rumo geral da sociedade, processar os conflitos de acordo com regras democráticas, garantir eficazmente o funcionamento do sistema legal, preservar a segurança jurídica, regular os mercados, estabelecer equilíbrios macroeconômicos, fortalecer sistemas de proteção social baseados nos princípios de universalidade e assumir a preeminência da democracia como princípio da organização social. A reforma do Estado teria que ser orientada no sentido de responder à pergunta sobre o tipo de nação que uma determinada sociedade aspira a construir. Dessa forma, o que se propõe aqui é um Estado em função da cidadania. Outro tema central a ser debatido é o das possibilidades de uma economia congruente com a democracia, ou seja, uma economia que promova a diversidade para fortalecer as opções cidadãs. Sob essa perspectiva, o debate sobre a diversidade de formas de organização do mercado deve fazer parte da agenda de discussão pública. A discussão sobre o futuro da democracia não pode ignorar as opções econômicas. A economia é chave porque dela depende a ampliação da cidadania social. Na perspectiva do Relatório, o Estado e o mercado são passíveis de serem combinados de diversas maneiras, tendo como resultado uma variedade de formas que podem ser adaptadas em função do desenvolvimento humano. O tipo de economia deve estar no centro do debate público e não deve ser relegado a uma mera questão técnica. Os avanços na democracia e no estabelecimento de normas macroeconômicas claras e legítimas devem ser considerados como complementares. O Relatório propõe ampliar o debate sobre o processo de globalização. Observa-se que é perigoso cair em uma espécie de fa- 3 PNUD 2002, Relatório do Desenvolvimento Humano 2002. Mundi-Prensa: Madrid (p. v 30 A democracia na América Latina talismo em face de fenômeno; é preciso, ao contrário, discutir a respeito de seu real impacto sobre a soberania interior dos Estados e a respeito das melhores estratégias para fortalecer as nações latino-americanas no espaço da aldeia global. E a política é, justamente, a força que pode construir espaços autônomos. Metodologia do Relatório Para levar a cabo este Relatório, o PRODDAL contou com o patrocínio da Direção da América Latina e do Caribe do PNUD e com a colaboração de destacados intelectuais e acadêmicos, assim como de ex-presidentes e de muitas outras personalidades da região. O estudo abarcou dezoito países (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela4). O marco conceitual foi amplamente consultado e orientou a busca de informação empírica que inclui: Uma pesquisa de opinião de alcance regional (em colaboração com Latinobarômetro). ■ A elaboração de indicadores sobre o estado da democracia. ■ Entrevistas com líderes e intelectuais da América Latina. ■ Para a elaboração do Relatório, partiu-se de uma análise conceitual e histórica das democracias latino-americanas, a partir de uma ampla revisão bibliográfica dos múltiplos estudos nacionais. Além disso, realizaram-se reuniões para discussão dos componentes do projeto, solicitaram-se a acadêmicos e personalidades políticas opiniões e textos sobre diversas facetas do desenvolvimento da democracia na região. O Relatório não pretende avaliar os governos ou os países, nem elaborar nenhum tipo de ranking nacional da democracia; seu interesse é identificar os grandes desafios e promover uma ampla discussão em torno deles. Além disso, reconhece-se a dificuldade de abordar os dilemas da democracia, pois ela está influenciada por múltiplos fatores (políticos, econômicos e sociais, nacionais e internacionais), alguns dos quais, ou não foram tratados, ou foram tratados de maneira muito preliminar. Ademais do Relatório propriamente dito, foram preparados para difusão em massa outros produtos complementares como: ■ Um livro com os artigos elaborados por políticos e destacados acadêmicos que contribuem com “idéias e posições para um debate sobre o desenvolvimento da democracia na América Latina”. ■ Um Compêndio Estatístico que reúne informação, até agora dispersa, sobre democracia e cidadania integral nos países da América Latina, os índices construídos para este Relatório e os resultados da pesquisa de opinião. ■ Os materiais que alimentam o marco conceitual do Projeto e sua maneira de entender a democracia, além das opiniões críticas de importantes analistas. ■ Os resultados das rodadas de consulta a dirigentes latino-americanos. Para finalizar, o Relatório demonstra que, embora muito valiosos, os avanços alcançados em termos de desenvolvimento da democracia na América Latina não são suficientes. É necessário aprofundar tanto a governabilidade democrática, entendida como o fortalecimento institucional do regime, quanto, e acima de tudo, a cultura política que pressupõe a construção de espaços de participação eqüitativa, sobretudo dos mais desfavorecidos nas sociedades latino-americanas. Para isso, é preciso decisão política, dirigentes comprometidos com seus países e com a região, e cidadãs e cidadãos decididos a enfrentar os problemas e desafios para viver cada vez mais e melhor com democracia. 4 Estes países têm regimes democráticos, em sua maioria estabelecidos por meio de processos de transição desenvolvidos durante os últimos vinte e cinco anos, e seus governos aceitaram ser incorporados ao PRODDAL. Resumo 31 32 A democracia na América Latina primeira seção O desenvolvimento da democracia na América Latina Nesta seção apresenta-se o tema do Relatório a partir da conquista da democracia nos países considerados, dando-se destaque ao fato de que na América Latina a democracia se instala em sociedades com altos níveis de pobreza e desigualdade. À primeira vista, considerando a democracia do ponto de vista da democracia, observa-se que muitos direitos civis básicos não estão assegurados e que a pobreza e a desigualdade colocam nossas sociedades entre as mais deficitárias do mundo. O Relatório inicia com uma definição do desenvolvimento da democracia e de suas principais carências na região, contrastando as reformas aplicadas com as realidades políticas e econômicas. A partir daí, surge um conjunto de perguntas: quanta pobreza e quanta desigualdade as democracias são capazes de tolerar? como esses contrastes influem na coesão social das nações? qual a relevância da democracia para os latinoamericanos? Os resultados da pesquisa de opinião revelam que 54,7 por cento dos latino-americanos estariam dispostos a aceitar um governo autoritário desde que ele resolvesse a situação econômica (ver Segunda Seção “Como os latino-americanos vêem sua democracia”). As razões que explicam esse dado preocupante talvez se encontrem nos contrastes apontados. Consta também desta seção uma referência aos fundamentos teóricos em que o Relatório se baseia. As conseqüências práticas da abordagem teórica adotada são importantes, porque sustentam as descrições, a análise e as propostas com razões sistemáticas e rigorosas. Os desafios da democracia na América Latina são historicamente singulares. Para resolvê-los é preciso uma nova compreensão e uma discussão aberta, para as quais o Relatório visa a contribuir. Isso requer a definição dos fundamentos teóricos: os conceitos de democracia, cidadania e sujeitos na democracia, Estado e regime. Os quatro argumentos centrais são: 1) a democracia implica uma concepção do ser humano e da construção da cidadania; 2) a democracia é uma forma de organização do poder na sociedade, que pressupõe a existência e o bom funcionamento de um Estado; 3) o regime eleitoral é um componente básico e fundamental da democracia, no entanto, a realização de eleições não esgota seu significado e alcances; e 4) a democracia latino-americana é uma experiência histórica distintiva e singular, que deve ser, dessa maneira, reconhecida e valorizada, avaliada e desenvolvida. O desenvolvimento da democracia na América Latina 33 34 A democracia na América Latina O desafio: de uma democracia de eleitores a uma democracia de cidadãos1 ■ A democracia é uma imensa experiência humana. Está ligada à busca histórica de liberdade, justiça e progresso material e espiritual. Por isso é uma experiência permanentemente inconclusa. Este é um Relatório sobre a tarefa inconclusa da democracia, sobre seus desafios, sobre quais deveriam ser as metas de uma nova etapa, em cuja construção entrarão em jogo sua própria sustentabilidade e perduração. Independentemente de quais tenham sido a forma, o ritmo ou o resultado, a busca da liberdade, da justiça e do progresso permeia toda a história social do ser humano. Participamos dessa busca com maior ou menor consciência de nossos objetivos, com avanços e retrocessos; em suma, com toda a diversidade de incidentes da qual nossa história está repleta. Mesmo nas circunstâncias mais difíceis, apesar de prolongados períodos de inércia, a luta renasceu e renascerá, seja para passar da condição de escravos à de pessoas livres, ou para ampliar a cada dia o espaço da liberdade. No entanto, possuímos também outro impulso tão vital quanto os anteriores, expresso de maneira diferente e nos distintos âmbitos da vida: o impulso de dominação e de obter o poder que permite exercê-la. Em grande parte, nossa vida em sociedade se constrói na trama desses impulsos centrais: sabe-se que onde não houver liberdade, justiça e progresso, aí nascerá a luta para alcançá-los e que, nessa luta, se confrontarão interesses, pareceres e métodos. Nossa busca de liberdade, justiça e progresso, e a luta pelo poder que se desencadeia quando todos nós procuramos impor nossos interesses e pareceres sobre esses as- quadro 1 A democracia: uma busca permanente É necessário considerar os desrespeitos, as fraturas, as tensões, os limites e as denegações que constituem a contrapartida da experiência da democracia. A democracia formula uma pergunta que permanece, portanto, continuamente pendente: é como se jamais pudesse ser dada uma resposta perfeitamente adequada. A democracia apresenta-se como um regime sempre marcado por formas não acabadas e incumpridas. Pierre Rosanvallon, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. suntos, deram lugar a diversas formas de organização dos seres humanos. Uma delas é a democracia. A democracia se converteu em um sinônimo de liberdade e justiça. É, ao mesmo tempo, um fim e um instrumento. Contém, basicamente, uma série de procedimentos para o acesso e o exercício do poder, mas é também, para os homens e as mulheres, o resultado desses procedimentos. Nessa perspectiva, a democracia não é só um método para eleger quem governa, é também uma forma de construir, garantir e expandir a liberdade, a justiça e o progresso, organizando as tensões e os conflitos gerados pelas lutas de poder. Independentemente das diferenças manifestadas no plano da teoria sobre os alcances da idéia de democracia, a história revela que as aspirações no sentido de ampliar as fronteiras das liberdades cidadãs e de atingir maiores níveis de justiça e progresso sempre estiveram no coração das lutas sociais e políticas, ligadas, de certa forma, à idéia de democracia. Com períodos de expansão e 1 “A presente publicação é a tradução para português da segunda edição revisada em Espanhol do Relatório “La democracia en América Latina ”. O listado completo de modificações pode ser consultado no site www.democracia.undp.org”. O desenvolvimento da democracia na América Latina 35 A democracia é uma imensa experiência humana. Está ligada à busca histórica de liberdade, justiça e progresso material e espiritual. Por isso é uma experiência permanentemente inconclusa. retração, de mobilização ou quietude, a história nos mostra que onde não havia liberdade, por ela se lutou; onde não havia justiça, também se brigou por ela e, onde não havia progresso, a ele se tentou chegar. Independentemente dos retrocessos e das apatias, o reconhecimento da igualdade e a busca de sua realização social, em termos de liberdade, justiça e progresso, constituem um impulso histórico substancialmente ligado à idéia de democracia. Esta forma de organização entrou e saiu de nossa história. Surgiu há 2.500 anos na Grécia, mas depois desapareceu. “Como o fogo, a pintura ou a escrita, a democracia parece ter sido inventada mais de uma vez e em mais de um lugar”.2 Na América Latina alcançou-se a democracia eleitoral e suas liberdades básicas. Agora se trata de avançar na democracia de cidadania. A primeira nos deu as liberdades e o direito de decidir por nós mesmos. Traçou, em muitos de nossos países, a fronteira entre a vida e a morte. A segunda, hoje plena de carências, é a que avança para que o conjunto de nossos direitos se torne efetivo. É a que nos permite passar de eleitores a cidadãos. A que utiliza as liberdades políticas como alavanca para construir a cidadania civil e social. Para as mulheres e os homens, a democracia gera expectativas, esperanças e decepções porque contribui para organizar suas vidas na sociedade, garante seus direitos e permite melhorar a qualidade de suas existências. A democracia é muito mais do que um regime de governo, ela se confunde com quadro 2 A democracia: um ideal A democracia é, primeiro e acima de tudo, um ideal. […] Sem uma tendência idealista, uma democracia não nasce e, se nasce, debilita-se rapidamente. Mais do que qualquer outro regime político, a democracia vai contra a corrente, contra as leis inerciais que governam os grupos humanos. As monocracias, as autocracias, as ditaduras são fáceis, aparecem sozinhas; as democracias são difíceis, têm que ser promovidas e é preciso acreditar nelas. Giovanni Sartori, 1991, p. 119. 2 Dahl, 1999, p. 15. 36 A democracia na América Latina a própria vida. É mais que um método para eleger e ser eleito. Seu sujeito não é apenas aquele que vota, é o cidadão. Na América Latina, em 200 anos de vida independente, a democracia nasceu e morreu dezenas de vezes. Nas instituições a consagravam, na prática a destruíam. Guerras, tiranias e breves primaveras compõem grande parte dessa história independente, durante a qual até as violações à democracia foram feitas em seu nome. A América Latina é, provavelmente, a região do mundo que mais reivindicou a democracia, nos dois últimos séculos, até para a interromper invocando sua futura instauração. Nós, latino-americanos que, muitas vezes, vimos como nos era negado ou arrebatado o anseio de ser parte da construção da democracia, somos agora, finalmente, atores que assumem seus desafios e seu desenvolvimento. Após duas décadas de diversas formas de transição, os regimes democráticos estão amplamente vigentes na América Latina. Há vinte e cinco anos, dentre os dezoito países incluídos no Relatório, só a Colômbia, a Costa Rica e a Venezuela eram democráticos. Um quarto de século depois, todos os nossos países cumprem os critérios básicos do regime democrático, em sua dimensão eleitoral e política. As liberdades que hoje possuímos são um bem de valor incomensurável; essa é uma conquista que se deve ao impulso, à luta e ao sofrimento de milhões de seres humanos. Somos testemunhas do avanço mais profundo e amplo que a democracia obteve desde a independência de nossas nações. No entanto, como se verá neste Relatório, o que foi conquistado não está assegurado. A preservação da democracia e sua expansão não são fatos espontâneos. São construções voluntárias, formuladas em projetos, modeladas por lideranças e investidas do poder que se origina no apoio popular. Requerem partidos políticos que construam opções fundamentais, um Estado com poder para executá-las e uma sociedade capaz de participar de uma construção que excede as reivindicações setoriais. Uma política que omite os problemas centrais torna as opções dos cidadãos vazias de conteúdo. Um Esta- do sem poder transforma o mandato eleitoral em uma expressão de desejos sem conseqüências, e uma sociedade sem participação ativa leva, mais cedo ou mais tarde, a uma perigosa autonomia do poder, que deixa de expressar as necessidades dos cidadãos. Parece que nos afastamos dos riscos dos golpes militares de Estado, mas surgem outros perigos: a democracia aparenta perder vitalidade, dá-se preferência a ela porém se desconfia de sua capacidade para melhorar as condições de vida; os partidos políticos estão no nível mais baixo da estima pública;3 o Estado é visto, ao mesmo tempo, com expectativa e apreensão e, em alguns casos, o ímpeto democrático que caracterizou as últimas décadas do século passado está se debilitando. A sociedade está nas ruas, mas sem um objetivo que unifique as suas reivindicações e demandas. Qual a gravidade dessas novas fragilidades? Se a democracia perder relevância para os latino-americanos, se ela se divorciar de suas necessidades, poderá resistir aos novos perigos, aos seus adversários, às frustrações? Analisar, como nos propomos, o desenvolvimento da democracia na América Latina, leva-nos a sondar a vigência dos direitos dos latino-americanos, e o nível de concretização das esperanças que depositam em seus representantes. E também nos conduz a indagar sobre a sustentabilidade da democracia, isto é, sobre sua capacidade para perdurar e aperfeiçoar-se, a partir da legitimidade que gera em seus cidadãos, enfim, leva-nos a identificar os desafios da democracia, e as ameaças que sobre ela pairam. Como se resolvem as tensões entre a expansão democrática e a economia, entre a liberdade e a busca da igualdade, entre crescimento e pobreza, entre as demandas públicas manifestadas livremente e as reformas econômicas que exigem ajustes e sacrifícios? Quais são as chaves que explicam a crise de representação, a desconfiança da sociedade para com a política? Por que a esperança democrática não se traduziu em avanços nos direitos civis e sociais da mesma dimensão que as expectativas que gerou? Por que o Estado não possui o poder necessário? Por que o direito de escolher governantes não se traduziu, em muitos casos, em mais liberdade, mais justiça e maior progresso? Esses são dilemas cuja solução é complexa, como demonstra a nossa própria história recente. E não poderão ser resolvidos se não forem colocados no centro do debate público e das opções que os partidos oferecem. Infelizmente, em muitas ocasiões, parece que existe um debate proibido na América Latina. Questões sobre as quais é inconveniente falar, ou – ainda mais grave – não se deve falar. O silêncio da política e dos que constroem a agenda do debate público não pode continuar ignorando, indefinidamente, o clamor de milhões de pessoas, a não ser que se esteja disposto a pagar o preço do enfraquecimento paulatino da democracia latino-americana. Este Relatório trata dessas questões, identificando-as não por uma mera intuição, mas por meio da análise teórica, da observação empírica e do pensamento de intelectuais e políticos. Atacar esses dilemas demanda a maior informação possível para iluminar os critérios com que as políticas são formuladas. A falta de informação e de debate constitui uma carência grave, porque a democracia – que se baseia na reflexão e no debate dos cidadãos e de seus líderes – é a única forma de organização política que tem capacidade para retificar-se a si mesma. Essa é a principal vantagem para fazer da democracia um sistema justo e eficaz. A liberdade garantida pela democracia é, ao mesmo tempo, o principal instrumento que ela tem para se aperfeiçoar como sistema, mas a liberdade, ou melhor, a capacidade de optar, requer que a matéria da opção esteja presente. Na América Latina, a reflexão e o debate políticos requerem ser renovados e promovidos, porque perderam vitalidade e conteúdo. Isso está ocorrendo no período de maior difusão da democracia e em um mundo em que a globalização torna cada vez mais peremptório saber o que queremos como sociedades e como nações. 3 Segundo os dados da pesquisa Latinobarômetro 2002, apenas 14 por cento dos latino-americanos têm confiança nos partidos políticos. O desenvolvimento da democracia na América Latina 37 Na América Latina, a reflexão e o debate políticos requerem ser renovados e promovidos, porque perderam vitalidade e conteúdo. Pela primeira vez na história, uma região em desenvolvimento e com sociedades profundamente desiguais está completamente organizada politicamente sob regimes democráticos. Nossas democracias precisam, urgentemente, retomar o impulso inicial. Seus déficits não representam seu fracasso, são seus desafios. O que ainda não alcançamos é o que deve constituir a essência das políticas que permitirão o nascimento da segunda etapa da democracia latino-americana. Este é o fio condutor que deveria guiar a leitura dos materiais propostos pelo Relatório: a busca dos temas cruciais nos quais será testada a nossa capacidade de passar da democracia eleitoral à democracia de cidadania. Nessa transformação se definirá a questão da capacidade latino-americana de fazer da democracia um sistema que se estabilize, se regenere e se expanda. Nossa proposta é demonstrar que, como a aposta está no caminho a seguir para passar da democracia eleitoral à de cidadania, é inevitável uma séria reflexão conceitual, capaz de gerar idéias que orientem a observação da realidade e a coleta de dados que, por sua vez, construam a base empírica do Relatório. A partir daí, da soma desses dois componentes, sairá a proposição do núcleo de temas que configuram os desafios da agenda ampliada para o desenvolvimento da democracia na América Latina. Esses objetivos, que constituem a razão desta obra, encontrarão aqui uma primeira aproximação, um início. O Relatório é o começo de uma tarefa, de um debate que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) procura promover entre os latino-americanos. É só o primeiro passo para que a construção de alternativas e de políticas concretas seja assumida pelos atores sociais e políticos que devem relançar e regenerar nossas democracias. Estas reflexões, observações e conseqüências partirão de um reconhecimento inicial: a singular realidade da democracia em nossa região. O leque de desafios é novo porque também é nova a realidade que expõe uma região que é democrática e, ao mesmo tempo, pobre e desigual. A partir desse triângulo – democracia eleitoral, po- breza e desigualdade – iniciamos nossa exploração. Democracia, pobreza e desigualdade: um triângulo latino-americano Para entender as necessidades de expansão da democracia na América Latina e perceber suas fragilidades, é indispensável fazer uma apreciação do que a democracia possui de próprio e original nessa região. Na América Latina, as regras e instituições do regime são semelhantes às dos países democraticamente mais maduros, no entanto, as sociedades latino-americanas e as desses países são profundamente diferentes. Na América Latina, construir e ampliar os direitos cidadãos é uma tarefa que se desenvolve em um novo contexto. Nos últimos vinte anos, produziu-se um conjunto de grandes transformações. Pela primeira vez na história, uma região em desenvolvimento e com sociedades profundamente desiguais está completamente organizada politicamente sob regimes democráticos. Assim, define-se na América Latina uma nova realidade, sem precedentes4: o triângulo da democracia, da pobreza e da desigualdade. O primeiro vértice do triângulo é a difusão da democracia eleitoral na região. Todos os países que a integram satisfazem os requisitos básicos do regime democrático. Apenas os países agrupados na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) compartilham essa característica. O segundo vértice é a pobreza . Em 2002, a região contava com 218 milhões de pessoas (ou 42,9 por cento) com renda abaixo do nível de pobreza. É certo que essa situação varia de país para país. Apesar dessas diferenças, comparada com as outras grandes regiões democráticas do mundo, a América Latina oferece a singularidade da coabitação das liberdades políticas com as severas privações materiais de muitas pessoas. Democracia e riqueza, democracia e pobreza são duas combinações que geram necessidades, 4 Não afirmamos aqui que não se verifica a existência conjunta de democracia, pobreza e desigualdade em outros países ou regiões do planeta. O que apontamos é que a democracia latino-americana convive, em toda a sua região, com níveis amplamente difundidos de pobreza e situações de desigualdade extremas. 38 A democracia na América Latina dificuldades e riscos diferentes. O terceiro vértice é a desigualdade . As sociedades latino-americanas são as mais desiguais do mundo. Como no caso da pobreza, observa-se na região não apenas a profundidade do grau de desigualdade, em comparação com o resto do mundo, mas também sua persistência ao longo das três últimas décadas. Pela primeira vez, essas três características convivem e a democracia enfrenta o desafio de sua própria estabilidade, coexistindo com os desafios da pobreza e da desigualdade. Os riscos que derivam dessa situação são diferentes e mais complexos do que os riscos tradicionais do golpe militar de Estado que, por outro lado, não desapareceram totalmente. No entanto, apesar dessa experiência ter um caráter particular, é habitual que se pense na América Latina sob a perspectiva da experiência histórica das democracias desenvolvidas, desconhecendo que a estabilidade e a expansão democráticas têm aqui conteúdos e dilemas distintos, resultados de sua própria originalidade. Essas são democracias pobres e desiguais, cujos homens e mulheres, ao mesmo tempo em que consolidam seus direitos políticos, precisam também completar suas cidadanias civil e social. A limitada compreensão dessa realidade singular pode levar a duas conseqüências graves para a democracia. A primeira é ignorar a necessidade da viabilidade econômica da democracia. Isso significa ignorar a necessidade de construir bases sólidas de uma economia que torne possível atacar a pobreza e a desigualdade. Por exemplo, para muitos cidadãos latino-americanos, atingir maiores níveis de desenvolvimento em seus países é uma aspiração tão importante que muitos estariam dispostos a apoiar um regime autoritário que pudesse atender suas demandas de bem-estar. A segunda é desconhecer a viabilidade política dos programas econômicos. Isso significa ignorar que esses programas se aplicam em sociedades em que as demandas cidadãs e a opinião sobre essas políticas se expressam livremente. Na realidade, também é comum tender ao erro de pensar em termos de reforma econômica como se não houvesse democracia. Como se os difíceis e dolorosos processos de ajuste estrutural não influíssem nas decisões tomadas pelas maiorias – submetidas a condições de pobreza e de alta desigualdade – no momento de votar ou de expressar seu apoio ou rejeição a um gover- TABELA 1 DEMOCRACIA, POBREZA E DESIGUALDADE Região Participação eleitoral (1) Desigualdade (2) Pobreza PIB per capita América Latina 62,7 0,552 (3) 42,8 (6) 3792 (9) Europa 73,6 0,290 (4) 15,0 (7) 22600 (10) EUA 43,3 0,344 (5) 11,7 (8) 36100 Notas: (1) Votantes com base na população com direito a voto 1990-2002. Ver tabela 8. (2) Coeficiente de Gini. As cifras mais altas do coeficiente de Gini correspondem a um grau mais alto de desigualdade. (3) Média simples para a década de 90. Perry et al., 2004, p.57. (4) Eurostat PCM-BDU, dezembro de 2002. (5) Fontes: OCDE 2002, Social Indicators and Tables. (6) Média ponderada por população dos dados de pobreza entre 1998-2002, CEPAL, 2004. (7) Eurostat PCM-BDU, dezembro de 2002. (8) Fonte: US Census Bureau 2001, Poverty in the United States 2002. (9) Elaboração própria com base nos dados da CEPAL, 2004 (em dólares constantes). (10)Europa ocidental (EU15) e EUA, PIB per capita 2002. Fonte: OCDE (em dólares correntes) Dada a multiplicidade de fontes e as diversas metodologias de elaboração de dados sugere-se usar os dados desta tabela como referências indicativas. O desenvolvimento da democracia na América Latina 39 Só com mais e melhor democracia as sociedades latino-americanas poderão ser mais igualitárias e desenvolvidas. no, ou como se fosse possível levar adiante um plano econômico sem o apoio da população, ou pior ainda, apesar de sua manifesta hostilidade. Essa maneira de pensar a democracia latino-americana, independentemente de sua economia, ou, simetricamente, pensar sua economia separadamente de sua democracia, parece um erro ingênuo, mas não por isso menos recorrente e preocupante para o destino da democracia e da economia, se considerarmos a experiência das últimas décadas na América Latina. Conseqüentemente, o debate sobre a estabilidade democrática não deve ignorar a pobreza e a desigualdade, nem as políticas de crescimento devem esquecer que, pobres e desiguais, os cidadãos exercem sua liberdade para aceitar ou rejeitar essas políticas. Surge daí o desafio de resolver as tensões entre economia e democracia. Esse desafio parte da necessidade de não pensar a economia como se não houvesse democracias pobres, e de não atacar os problemas da estabilidade democrática independentemente das necessidades de resolver as questões do crescimento. É provável que um debate que ignore uma questão tão elementar termine levando a recomendações simplesmente impraticáveis. Essas características da América Latina foram utilizadas como argumento para concluir que a democracia seria inviável enquanto não fossem resolvidos os problemas da pobreza e não fosse alcançado um mínimo aceitável de igualdade. Em várias ocasiões, regimes autoritários instalaram-se com um discurso “restaurador” do regime democrático. “Assumimos o governo para criar as condições para que a democracia se instale solidamente no futuro”. Supostamente, seria preciso atingir um certo nível mínimo de riqueza para ter acesso à democracia. Contra essa visão, este Relatório sustenta que só com mais e melhor democracia as sociedades latino-americanas poderão ser mais igualitárias e desenvolvidas. A razão é que, somente na democracia, aqueles que não gozam de níveis mínimos de bem-estar e que sofrem as injustiças da desigualdade podem reivindicar, mobilizar-se e eleger em defesa de seus direitos. Para que isso se concretize, é indispensável indagar caminhos não explorados e abrir novos debates na América Latina, porque – reiteramos – o grande desafio é combater a pobreza e a desigualdade, com os instrumentos da democracia, para criar as bases de coesão e estabilidade social que são os requisitos do crescimento econômico. Na América Latina, ocorreram processos de reforma no plano político e econômico. Embora esses processos tenham ocasionado alguns progressos importantes, sobretudo na expansão da democracia eleitoral, subsiste um evidente contraste entre as reformas realizadas durante as duas últimas décadas e uma realidade que continua marcada por grandes carências no plano das diferentes cidadanias, particularmente a social. Esses não foram anos só de transformações políticas. A economia, especialmente na década de 90, também passou por um processo de profundas mudanças, de abertura, reformas e desregulamentações, que se tornou conhecido com a denominação genérica de ajustes estruturais. Dessa forma, com algumas exceções, “a nova onda de democratização na região, que teve início em meados dos anos oitenta, assumiu as reformas econômicas orientadas no sentido da ampliação das esferas do mercado como sua própria agenda”.5 Como conseqüência dessas transformações, as sociedades latino-americanas passam a ser sociedades em vias de desenvolvimento, em que as demandas sociais se expressam livremente e a economia se organiza em torno do mercado. Dessa maneira, demandas sociais manifestadas em um contexto de liberdade política (democracia) e liberdade econômica (mercado) formam outro triângulo singular. Um triângulo que deveria ser virtuoso e que, à luz dos últimos vinte anos, apresenta complexas dificuldades que requerem um pensamento renovado. A combinação entre liberdade política e liberdade econômica, em contextos de po- 5 José Antonio Ocampo, 2003 (texto preparado para o Relatório). 40 A democracia na América Latina breza e desigualdade, pode não gerar como resultado o fortalecimento da democracia e o desenvolvimento da economia. Nas páginas seguintes, mostra-se uma fotografia que contrasta reformas e realidades. Esta é também uma primeira fotografia do déficit democrático da América Latina, um indício da chave das frustrações, uma evidência da urgência de construir a democracia de cidadania. Balanço entre reformas e realidades Para este balanço foram utilizados sete indicadores básicos: as reformas estruturais na economia, as reformas democráticas, a evolução do produto interno bruto (PIB) per capita, a pobreza, a indigência, a concentração de renda e a situação trabalhista. Antes de iniciar a apresentação da tabela que mostra um resumo desses indicadores básicos (tabela 2), é necessário fazer alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, o Relatório não afirma que existe necessariamente uma relação causal entre as variáveis que serão utilizadas. Afirma, porém, que os cidadãos latino-americanos sentiram os efeitos dessas variáveis de forma mais ou menos simultânea. Em segundo lugar, na democracia, os cidadãos têm expectativas quanto ao funcionamento da economia. Elas têm origem na ideologia igualitária subjacente à democracia, no discurso dos políticos nacionais, nos meios de comunicação, nas organizações internacionais etc. Durante a década de 90, instalou-se, como promessa de desenvolvimento, um modelo econômico que defraudou a muitos. Em terceiro lugar, a percepção de uma grande parte dos cidadãos é de que as políticas implementadas “produziram” insuficiente crescimento aceitável, pobreza e desigualdade crescentes e agravamento da situação trabalhista (com seu conseqüente impacto sobre a desigualdade e os rendi- mentos futuros da previdência). 1. O índice de reforma econômica indica um avanço sustentado dessas reformas, medido entre 0 e 1, que subiu de 0,58 nos anos oitenta para uma média de 0,83 entre 1998 e 2002. Esse índice está composto de cinco subíndices: “políticas de comércio internacional”, “políticas impositivas”, “políticas financeiras”, “privatizações” e “contas de capital”, todos relacionados com o Consenso de Washington, assim denominado posteriormente. 2. Na América Latina hoje se reconhece o direito ao voto universal, sem restrição alguma de peso significativo. Essa é uma conquista notável e extremamente importante. O índice de democracia eleitoral (IDE), elaborado pelo Projeto sobre o Desenvolvimento da Democracia na América Latina (PRODDAL), demonstra que, em termos eleitorais, a democracia teve uma melhora constante ao longo do período considerado. Os processos de democratização e reforma de mercado, embora de natureza distinta, avançaram de maneira sustentada, provocando uma grande expectativa que contrastou visivelmente com a evolução dos fatos. 3. A média regional do PIB per capita não variou de maneira significativa nos últimos vinte anos. Em 1980, enquanto o índice de reforma econômica era de 0,55, o PIB per capita era de U$S 3.734 a valores constantes de 1995. Vinte anos mais tarde, no ano 2000, tendo-se avançado consideravelmente na aplicação das reformas, o índice era de 0,83, e o PIB per capita, de U$S 3.920, um avanço quase irrelevante. 4. Os níveis de pobreza tiveram uma leve diminuição em termos relativos. Em 1990, a porcentagem de pobres6 ponderada pelo tamanho da população representava 46 por cento para os dezoito países; entre 1998 e 2002 esse percentual tinha caído para 42,8 6 A medição da pobreza com o método da “Linha de Pobreza” (LP) elaborado pela CEPAL consiste em estabelecer, a partir da renda dos domicílios, sua capacidade para satisfazer – por meio da compra de bens e serviços – um conjunto de necessidades alimentícias e não alimentícias consideradas essenciais O desenvolvimento da democracia na América Latina 41 TABELA 2 REFORMAS E REALIDADES Índice de Reforma Econômica (1) Índice de Democracia Eleitoral (1) Crescimento do PIB Real per capita anualizado (3) % Pobreza (2) % Indigência (2) % Coeficiente de Desemprego Gini (2) Urbano (1) Sub-Região “Cone Sul” (Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai) 1981-90 0,66 0,44 -0,8% 25,6 1991-97 0,82 0,88 1,3% 21,2 1998-02 0,84 0,91 1,0% 32,3 7,1 5,7 12,9 0,502 0,527 0,558 8,8 8,7 12,1 Brasil Brasil 1981-90 1991-97 1998-02 23,4 17,1 13,1 0,603 0,638 0,640 5,2 5,3 7,1 Sub-Região Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) 1981 - 90 0,53 0,83 -0,6% 52,3 22,1 1991 - 97 0,76 0,86 0,9% 50,4 18,1 1998 - 02 0,82 0,83 0,1% 52,7 25,0 0,497 0,544 0,545 8,8 8,3 12,0 México 1981-90 1991-97 1998-02 0,521 0,539 0,528 4,2 4,0 2,6 0,52 0,75 0,79 0,61 0,78 0,81 0,70 1,00 1,00 0,31 0,70 1,00 1,7% 0,4% 1,1% 1,7% 0,4% 2,2% 48,0 40,6 37,5 47,8 48,6 42,5 18,8 19,1 15,4 Sub-Região América Central (C. Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Rep. Dom.) 1981-90 0,55 0,59 4,1% 55,3 35,6 0,532 9,1 1991-97 0,80 0,89 -3,5% 52,0 27,8 0,524 9,1 1998-02 0,85 0,97 2,8% 54,0 29,7 0,546 8,8 Região Latino-americana 1981-90 0,58 1991-97 0,79 1998-02 0,83 0,64 0,87 0,92 0,7% 0,6% 1,2% 46,0 42,8 42,8 20,4 18,3 17,7 0,551 0,574 0,577 8,4 8,8 10,4 (1) Média simples. (2) Ponderada por população. (3) De período a período. O índice de reforma econômica é composto por cinco componentes: políticas de comércio internacional, políticas impositivas, políticas financeiras, privatizações e contas de capitais. O índice vai de 0, que indica uma falta de reformas orientadas para o mercado, a 1, que indica a aplicação de reformas fortemente orientadas para o mercado. O “Índice de Democracia Eleitoral” vai de 0 (igual a falta de democracia eleitoral) a 1 (indica que os requisitos de democracia eleitoral são cumpridos). A taxa de crescimento do PIB real per capita anualizado foi calculada da seguinte maneira: a) foram somados os PIB reais (base dólares 1995) dos anos do período analisado, e se dividiu pelo número de anos do período; b) dividiu-se pela população média do período; c) o PIB per capita desse período foi dividido pelo do período anterior, extraindo, em seguida, a raiz geométrica, conforme o número de anos do período analisado. As cifras de crescimento real do PIB per capita foram calculadas com base em dólares 1995. As cifras sobre pobreza, indigência e o coeficiente de Gini são médias de somente alguns anos. Notas do Quadro atualizado em maio de 2004, para a segunda edição. Em todos os casos, as colunas sobre Pobreza e Indigência abarcam a porcentagem maior do território oferecida na base de dados CEPAL. Nesse sentido, e para certos países, foram utilizadas séries com cobertura espacial diferente, com o critério de utilizar o dado mais abrangente. Isto implica que os dados de Pobreza e Indigência podem estar subestimados e, no caso desses países, os saltos da série podem não refletir necessariamente os saltos nos níveis de Pobreza e Indigência. A atualização deste quadro foi feita com base nos novos dados fornecidos pela CEPAL e nos novos dados populacionais do CELADE. A partir dos censos mais recentes, o CELADE reestimou os dados populacionais da década de 90. Por conseguinte, isso se refletiu em todos os dados ponderados por população e nos dados per capita. Este exercício acrescentou vários milhões de pessoas aos dados oficiais anteriores. Fontes: Os dados sobre o Índice de Reforma Econômica são de Morley, Machado e Pettinato, CEPAL 1999; Lora 2001, e comunicação com Manuel Marfán, diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico da CEPAL, 4 de fevereiro de 2003. A metodologia e os dados do Índice de Democracia Eleitoral são apresentados no Compêndio Estatístico. Os outros dados são de várias publicações da CEPAL, com exceção dos dados sobre o coeficiente de Gini antes de 1990, cuja fonte é Deininger e Squire 1998. 42 A democracia na América Latina por cento. Esse avanço se produziu, fundamentalmente, em virtude das melhorias relativas do Brasil, do Chile e do México. Entretanto, em termos absolutos, o número de habitantes que se situava abaixo da linha de pobreza aumentou. Em 1990, 191 milhões de latino-americanos eram pobres. Em 2002, quando a população era de 508 milhões de habitantes, a quantidade de pobres chegava a 218 milhões. Poderia se acrescentar que, inclusive em termos relativos, durante esse período houve um crescimento da pobreza no Cone Sul (de 25,6 a 32,3 por cento) e nos países andinos (de 52,3 a 53,3 por cento). 5. Os níveis de desigualdade não diminuíram. Em 1990, o coeficiente de Gini7 (média regional ponderada por população) era de 0,554. Em 2002, esse coeficiente subiu para 0,576. A média mundial para os anos noventa foi de 0,381 e a dos países desenvolvidos de 0,337. A alta desigualdade também se expressa na relação entre os níveis superiores e inferiores de renda. Em 1990, a renda de 10 por cento da população latino-americana de mais alta renda era 25,4 vezes superior à renda de 10 por cento da população de renda mais baixa. Em 2002, essa relação era de 40 vezes.8 Em 2002, 20 por cento da população da região de mais alta renda recebeu quase 54,2 por cento da renda total, enquanto 20 por cento do setor de mais baixa renda, apenas 4,7 por cento. A região possui os níveis de desigualdade mais altos do mundo na distribuição da renda. 6. Durante os últimos quinze anos, a situação trabalhista agravou-se em quase toda a região . O desemprego e a informalidade aumentaram significativamente. Além disso, a proteção social dos trabalhadores sofreu uma queda (saúde, pensões e sindicalização). Isso está vinculado a um agravamen- to da distribuição da renda e a um aumento da pobreza atual, configurando um quadro cujos efeitos terão conseqüências muito negativas a médio e longo prazo. Esta primeira visão é um indício da imensidade e da complexidade das tarefas que a América Latina deveria assumir. Há vinte e cinco anos, a região tinha um desafio difícil e, ao mesmo tempo, simples. Era preciso audácia e imaginação para alcançá-lo, porém não havia dúvidas quanto ao seu conteúdo: vencer as ditaduras, superar as guerras e alcançar a democracia e a paz. Ninguém tinha dúvidas sobre a agenda da democracia. Hoje, regenerar seu conteúdo, dar impulso a uma nova etapa é uma meta muito mais ampla e plena de incertezas. O que quer dizer realmente ir rumo à democracia de cidadania? Quais são os temas centrais? Que condições nos são requeridas para resolvê-los? Quem são os novos adversários da democracia ampliada? Nenhuma dessas questões tem a clareza daquela opção binária dos anos setenta: democracia-ditadura, liberdade-opressão, vida-morte. Mobilizar a imaginação, o conhecimento e a política é, como nos ilustram esses contrastes que terminamos de mostrar, uma tarefa difícil, árdua e incerta. A primeira condição, à qual visamos nessa obra, é tomar consciência sobre até que ponto não existem desculpas para não encará-la. A tarefa inclui, é claro, a necessidade de enfrentar o legado histórico de atraso econômico e tecnológico, de fratura social e de inserção secundária e desvantajosa no sistema internacional. As páginas seguintes iniciam a exploração destas questões, da natureza dos desafios para o desenvolvimento da democracia, da centralidade dos direitos do cidadão para a etapa que se inicia, e de alguns temas – a própria noção de democracia e do papel do Estado – que constituem o ponto de partida 7 Este coeficiente é uma medida que surge de uma representação gráfica da distribuição da renda chamada Curva de Lorenz. Para o coeficiente de Gini, 0 representa a igualdade perfeita de distribuição e 1, a desigualdade absoluta. Um coeficiente de Gini de 0,25-0,35 pode ser considerado como uma distribuição “razoável” e um coeficiente de Gini de 0,55 representa uma desigualdade extrema. 8 Esses dados foram retirados de uma versão agregada da tabela 2. O desenvolvimento da democracia na América Latina 43 Hoje, regenerar seu conteúdo, dar impulso a uma nova etapa é uma meta muito mais ampla e plena de incertezas. de nossas proposições. Não se trata de um desenvolvimento teórico no sentido estrito, mas de alguns pontos-chave básicos que estão nos fundamentos teóricos de nosso trabalho. Ingressamos nesse campo não porque o objetivo do Relatório seja uma indagação acadêmica sobre a democracia, e sim porque as conseqüências práticas das diferentes concepções são fundamentais no momento de pensar as políticas e as estratégias de sustentabilidade democrática. Essas diferenças se referem às condições de expansão da democracia, aos seus riscos de desaparecimento, à maneira como certas políticas públicas são vistas e formuladas, às diferenças socioculturais e de gênero, à visão do Estado e suas transformações, ou ao papel da política e suas organizações. Além disso, dependendo da visão de democracia por nós adotada, existirão diferenças contundentes em relação ao que esperamos de outra forma de organização da sociedade: a economia . Em outras palavras, se a democracia fosse apenas um regime, poderíamos chegar ao paradoxo extremo da existência de uma sociedade pobre no tocante aos direitos sociais e econômicos de seus cidadãos, pobre, inclusive, em seus direitos civis básicos, mas plenamente democrática. Outra conseqüência importante, derivada de uma compreensão da democracia limitada a seu regime, é a visão segmentada das políticas públicas. Dessa forma, haveria políticas recomendáveis para assegurar as boas condições de funcionamento do regime de- quadro 3 A democracia e a promessa dos direitos cidadãos Apesar da instauração do regime democrático, por não contar com os recursos materiais nem não foi possível modificar a natureza e o com o respaldo da população. A fragmentação funcionamento do Estado por causa da dos interesses sociais e das representações presença de fatores internos e externos que políticas, que essa conduta acarreta, agrava os obstaculizaram o cumprimento dos direitos problemas da ação coletiva, ao mesmo tempo cidadãos. Conseqüentemente, as expectativas em que a proliferação de “aproveitadores” depositadas em tal ordenamento viram- (free-riders), que de maneira irresponsável se se frustradas, porque o desempenho das oferecem para resolver as demandas sociais representações políticas e das instituições por meio de propostas oportunistas de curto públicas não correspondiam às expectativas da prazo, causa desconcerto e intranqüilidade maioria da população, sujeita historicamente geral. a condições de “pobreza” e de “exclusão” Nessa conjuntura, não é de se estranhar – denominações tecnocráticas que escondem a existência de vozes que prognosticam as relações sociais geradoras dessas situações; desenlaces dramáticos; porém, mesmo com os mais ainda porque nas novas circunstâncias obscuros presságios, observa-se a presença internacionais, o regime e o Estado reforçam de atores que, apesar de tudo, persistem tais condições, em direção contrária à dos obstinadamente em defender a validade do discursos democráticos e liberais, e das regime democrático, alegando que esse regime promessas dos dirigentes políticos. constitui o único marco para nacionalizar e Por tais motivos, o descrédito do regime democratizar o Estado e a sociedade. Como democrático “realmente existente” propicia dizia há pouco tempo um dirigente sindical que amplos setores sociais, particularmente peruano: “a democracia não assegura a justiça os pobres e os excluídos, tanto do imaginário social, mas é o único espaço que permite lutar como da ação político-estatal, assumam para consegui-la”. comportamentos “informais”, às vezes ilegais, 44 para satisfazer suas aspirações individuais e Julio Cotler, texto elaborado para o PRODDAL, coletivas, que o Estado é incapaz de controlar 2002. A democracia na América Latina mocrático, outras aconselháveis para o adequado funcionamento da economia, e outras que indicassem as reformas apropriadas para, por exemplo, a organização estatal. Com essa visão fragmentada se julgaria estar fortalecendo a democracia com o simples recurso de melhorar o funcionamento de seu regime, e se estaria ignorando o impacto que, por exemplo, as reformas do Estado ou as reformas estruturais na economia teriam sobre ela. Tampouco se observariam fatos como o de que as políticas de reforma do Estado ou da economia sejam, em última instância, avaliadas por maiorias que medem seus resultados em termos do progresso de suas vidas ou de uma maior justiça na distribuição de bens. Por essa razão, a opinião cidadã é uma parte fundamental da viabilidade das políticas de reforma. Os organismos internacionais e a promoção da democracia O Relatório se inspira na letra e no espírito de diferentes documentos das Nações Unidas: ■ A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pelas Nações Unidas em 1948, estabelece uma concepção ampla de cidadania, abrangendo direitos civis, políticos e sociais. ■ A Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, estabelece que “a comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção da democracia e o desenvolvimento e respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais no mundo inteiro”. ■ A promoção do direito à democracia foi proclamada pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em sua resolução 1999/57. ■ Adicionalmente, no ano 2000, a Assembléia Geral das Nações Unidas, na Declaração do Milênio, estabelece que: “não mediremos esforços para promover a democracia e reforçar o cumprimento da lei, assim como o respeito por todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos e liberdades fundamentais, incluindo o direito ao desenvolvimento.” O Sistema das Nações Unidas, por meio de todos os seus organismos e programas, promove o respeito pelos direitos humanos e a realização de eleições livres e limpas. Com a Declaração do Milênio, a ONU e outros organismos internacionais de cooperação e financiamento reforçaram seu chamamento para a promoção da democracia, para o fortalecimento do estado de direito e para o desenvolvimento sustentável. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio de seus programas de governabilidade, inclui a promoção de diálogos democráticos, programas de reforma do Estado e de promoção do desenvolvimento econômico. Para o PNUD, democracia e desenvolvimento humano compartilham uma visão e um propósito comum: o desenvolvimento humano é um processo para fortalecer as capacidades do ser humano, expandindo as oportunidades de cada pessoa de chegar a ter uma vida respeitável e valiosa; e é necessário, como correlato, uma forma política que assegure tudo isso, a saber, a democracia. É destacável também, o papel de vários organismos e iniciativas regionais que deram prioridade à defesa e ao fortalecimento da democracia. Nesse sentido, é notável o compromisso que os países da região assumiram com a democracia, por meio da Organização de Estados Americanos (OEA). A OEA deu um passo fundamental em sua quadro 4 Declaração Universal de Direitos Humanos As Nações Unidas reafirmaram, na sua Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres; e declararam-se decididas a promover o progresso social e a elevar o nível de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade. ONU, 1948. O desenvolvimento da democracia na América Latina 45 quadro 5 Os direitos democráticos A Comissão de Direitos Humanos das Nações d. O direito ao sufrágio universal e igual, assim Unidas afirma que dentre os direitos a uma como a procedimentos livres de votação e a gestão pública democrática figuram os eleições periódicas livres. seguintes: e. O direito à participação política, incluindo a. O direito à liberdade de opinião e de a igualdade de oportunidades de todos expressão, de pensamento, de consciência os cidadãos para apresentarem-se como e de religião, de associação e de reunião candidatos. pacíficas. f. Instituições de governo transparentes e b. O direito à liberdade de investigar e de responsáveis. receber e difundir informações e idéias por qualquer meio de expressão. g. O direito dos cidadãos a eleger seu sistema de governo por meios constitucionais ou outros c. O império da lei, incluída a proteção meios democráticos. jurídica dos direitos, interesses e segurança pessoal dos cidadãos e a h. O direito de acesso, em condições de eqüidade na administração da justiça, igualdade, à função pública no próprio país. assim como a independência do Poder judiciário. reunião de Santiago do Chile, em 1991, quando seus países membros adotaram mecanismos para reagir diante de situações em que a democracia fosse interrompida. Outro passo-chave foi dado pela aprovação da Carta Democrática Interamericana em 2001. Indubitavelmente, a coordenação de esforços em prol da democracia por parte de líderes latino-americanos, especialmente por meio ONU, Comissão de Direitos Humanos, 1999. de organizações internacionais, é um marco que fortalece as democracias na América Latina. Além disso, cabe destacar o trabalho realizado pelo Grupo do Rio, pelas Cúpulas Ibero-americanas dos Chefes de Estado e de Governo, e pela OEA por meio da Unidade para a Promoção da Democracia, acerca de temas-chave para a democracia. Mais es- quadro 6 A democracia requer mais do que eleições A democratização verdadeira é algo mais do As eleições não são eventos isolados, mas sim que as eleições. […] O fato de conceder a todas parte de um processo mais amplo. as pessoas uma igualdade política oficial não é suficiente para criar, na mesma medida, a Kofi Annan, Secretário Geral da ONU 2003. vontade ou a capacidade de participar nos processos políticos, nem uma capacidade As eleições livres e justas são necessárias, igual de todos em influir nos resultados. mas não são suficientes. Não apreciamos Os desequilíbrios de recursos e de poder plenamente o valor da democracia, quando político minam, freqüentemente, o princípio realizamos eleições, como evidência de que “uma pessoa, um voto”, e a finalidade das existe uma democracia. instituições democráticas. Mark Malloch Brown, Administrador do PNUD, PNUD, 2002c, pp.4 e 14. 46 A democracia na América Latina 2002. pecificamente, essas iniciativas vêm impulsionando a definição de uma agenda política para a região, que ressalta a importância da política e dos partidos políticos, das organizações da sociedade civil e da participação cidadã nos diversos processos da vida pública, da cultura democrática, das instituições que garantem a transparência e a eficácia governamental, da governabilidade democrática, do estado de direito, da redução da pobreza, e do impacto da nova economia sobre o desenvolvimento econômico. É importante destacar que essas iniciativas internacionais não se restringem a promover a democracia em seu aspecto eleitoral. Pelo contrário, levando em con- sideração as preocupações dos cidadãos, os organismos internacionais globais e regionais incluem em suas metas tanto o estado de direito quanto o desenvolvimento econômico. Cada vez mais, a comunidade internacional está convergindo para a visão mais ampla de democracia, proposta por este Relatório, e para a idéia de que, para prevenir retrocessos no processo democrático, é necessário analisar o regime democrático não isoladamente, mas como parte do marco das cidadanias política, civil e social. O grande desafio reside em consolidar este consenso emergente e traduzi-lo em apoio a reformas que fortaleçam as democracias latino-americanas. O desenvolvimento da democracia na América Latina 47 48 A democracia na América Latina Exploração sobre o desenvolvimento da democracia9 ■ Quanto maior o grau de democracia, melhor. Essa é a idéia que guia nossa exploração sobre o desenvolvimento da democracia na América Latina. No entanto, mesmo assim, in dubio pro democratia. Embora este seja um critério geral válido, ele não resolve a discussão teórica e política sobre duas questões: quanta democracia e onde? A que esferas deveriam ser ampliados os mecanismos democráticos de tomada de decisão e os princípios e direitos de cidadania? Que custos, em termos de outros objetivos sociais, estamos dispostos a pagar para avançar na democratização? Deveriam os mecanismos democráticos e os princípios de cidadania se estender ao, digamos, funcionamento interno dos partidos e sindicatos, mas não a empresas, universidades, organizações internacionais e famílias? Podem existir critérios razoavelmente consistentes e amplamente aceitos sobre onde aplicar e onde não, os mecanismos e princípios da democracia? E, talvez ainda mais enigmático, quem deveria decidir este tipo de questão e por meio de que processos? Os democratas sinceros de diversas escolas e tradições sempre debaterão sobre onde, como, quando e por quem devem ser colocados os limites da democracia. A política, especialmente a política democrática, debate centralmente sobre os seus próprios limites e, por conseqüência, também sobre os do Estado10. Quais os males que podem ser prevenidos? Quais deles deveriam ser resolvidos pela política e pelo Estado adequado? Quais são os fatos inelutáveis ou que devem ser deixados à mercê do mercado ou da boa vontade de alguns atores sociais? Estas perguntas não admitem ser tratadas independentemente das circunstâncias específicas de cada país. No entanto, no contexto do presente Relatório não podemos deixar de registrar como, na história recente da América Latina, os limites da política, da democracia e do Estado se reduziram. Grande parte da teoria contemporânea da democracia se limita a caracterizá-la como um regime político. Esta restrição reflete e reforça uma concepção geral daquilo que a política, especificamente a política democrática, trata. Tais visões expulsam a democracia e, em geral, a política, de qualquer relação ativa diante da grande injustiça social que se manifesta na ampla carência de direitos sociais e civis, e também na anemia de um Estado que se mostra ineficaz e que perde credibilidade perante maiorias flutuantes de suas respectivas sociedades. Essa redução da capacidade criadora da democracia é produto, entre outras coisas, de uma deficiência conceitual: julgar a de- 9 Esta seção se baseia principalmente nos documentos preparados por Guillermo O’Donnell para este Relatório: “Notas sobre el estado de la democracia en América Latina” e “Acerca del Estado en América Latina contemporánea: Diez tesis para su discusión”. Este último documento é também de grande importância na Terceira Seção do Relatório, principalmente na parte intitulada: “A necessidade de uma nova “Estatalidad”. 10 Do mesmo modo, S. N. Eisenstadt (2000, p. 14) faz a importante observação de que um dos “aspectos centrais do processo político democrático […] [é] uma luta contínua sobre a definição do âmbito da política. Na verdade, é somente com o advento da modernidade que o traçado dos limites da política transforma-se em um dos maiores foci da luta e da contestação política aberta”. O desenvolvimento da democracia na América Latina 49 Na história recente da América Latina, os limites da política, da democracia e do Estado se reduziram. quadro 7 Os alicerces da democracia Não há nada misterioso quanto aos alicerces de uma democracia saudável e forte. As coisas básicas que nosso povo espera de seus sistemas políticos e econômicos são simples. Elas são: ■ A igualdade de oportunidade para os jovens e os demais. ■ Um trabalho para os que podem trabalhar. ■ A segurança (social) para os que dela precisam. ■ O fim do privilégio especial para alguns. ■ A preservação das liberdades civis para todos. A medida do desenvolvimento de uma democracia é dada, portanto, por sua capacidade de dar vigência aos direitos dos cidadãos e constituir seus cidadãos em sujeitos das decisões que a eles se referem. mocracia como a democracia do eleitor. Quando a cidadania é colocada como fundamento da democracia, muda a forma de avaliá-la. Na verdade, se o desenvolvimento da democracia for medido por sua capacidade de garantir e expandir a cidadania em suas esferas civil, social e política, abre-se uma dimensão diferente de reflexão e de ação. A noção de cidadania implica um status para cada pessoa como membro de pleno direito de uma comunidade, e abrange diversas esferas que se expressam em direitos e obrigações. A expansão da cidadania é uma condição do êxito de uma sociedade e da realização de suas aspirações. A qualidade da democracia deve ser julgada sobre essa base. A medida do desenvolvimento de uma democracia é dada, portanto, por sua capacidade de dar vigência aos direitos dos cidadãos e constituir seus cidadãos em sujeitos das decisões que a eles se referem. Em síntese, quando este Relatório analisa o grau de desenvolvimento da democracia, suas conquistas e carências, interroga-se sobre o sistema que possibilita o acesso aos cargos públicos, sobre a organização social gerada pela democracia – o Estado, os partidos, o poder – e sobre a qualidade da cidadania civil, social e política das mulheres e dos homens que integram uma Nação. 50 A democracia na América Latina ■ A participação nos frutos do progresso científico, em um padrão de vida constantemente crescente e amplamente compartilhado. Essas são as coisas simples e básicas que seria necessário nunca se perder de vista no tumulto e na incrível complexidade de nosso mundo moderno. A força interior e duradoura de nossos sistemas econômico e político depende do grau em que cumprem essas expectativas. Franklin Delano Roosevelt, “Discurso das Quatro Liberdades”, janeiro 1941. Um debate incompleto Durante quase duas décadas, particularmente nos anos noventa, a agenda e as políticas públicas na América Latina trataram da questão do fortalecimento democrático, da crise da política, das reformas do Estado, das reformas estruturais da economia e do impacto da globalização na região. No entanto, apesar de terem sido abordados aspectos fundamentais dessas questões, o debate marginalizou outros que, à luz da análise apresentada neste Relatório, deveriam ser colocados no centro da discussão. A democracia foi observada essencialmente em sua dimensão eleitoral; a política foi examinada sob o prisma da crise expressa pelos partidos, pelas estruturas clientelistas, pela corrupção ou pelos regimes eleitorais; a problemática do Estado centrou-se na questão do equilíbrio das contas fiscais, na modernização burocrática e na diminuição de sua interferência na economia; a economia teve como tema quase exclusivo a questão de seus equilíbrios e as reformas estruturais supostamente necessárias para atingi-los; e, finalmente, a globalização foi considerada ou como a origem de males inevitáveis ou como fonte de benefícios imensos, colocando inclusive em dúvida o sentido da continuidade dos Estados nacionais em um mundo que marchava a TABELA 3 PERCEPÇÕES SOBRE AS RAZÕES DE DESCUMPRIMENTO DE PROMESSAS ELEITORAIS POR PARTE DOS GOVERNANTES 2002. Cumprimento de promessas Pessoas (%) Os governantes cumprem suas promessas eleitorais 2,3 Não cumprem porque ignoram como os problemas são complicados 10,1 Não cumprem porque aparecem outros problemas mais urgentes 9,6 Não cumprem porque o sistema não os deixa cumprir 11,5 Não cumprem porque mentem para ganhar as eleições 64,7 Nenhuma das anteriores 1,7 Nota: n = 19.279. Fonte: Pergunta P25U da Seção Proprietária do PNUD, pesquisa Latinobarômetro 2002. caminho da “aldeia global”. Como dissemos, esses debates eram, naquele momento, imprescindíveis. Agora, são insuficientes. O desenvolvimento da democracia é muito mais do que a perfeição de seu sistema eleitoral. A crise da política se manifesta tanto na baixa credibilidade e prestígio dos partidos quanto na pouca eficácia dos governos para abordar as questões centrais detectadas como déficit de cidadania, em particular, os déficits que dizem respeito aos direitos civis e sociais (tabela 3). Ambas as dimensões da crise da política – instituições e conteúdos – são vitais, pois é a política que deve formular opções, representar os cidadãos e criar os nexos entre Estado e sociedade para gerar poder democrático. Grande parte das questões consideradas carências centrais está situada no plano da “estatalidad” – que entendemos como a capacidade do Estado para cumprir suas funções e objetivos, independentemente do tamanho e da forma de organização de suas burocracias. Ultimamente, o tema do Estado reduziu-se, no momento da discussão e das propostas públicas, a questões relacionadas com sua capacidade burocrática e sua estrutura de gastos e recursos, ou seja, à questão do déficit fiscal. Ficou fora da discussão a existência de Estados com legalidades truncadas, incapazes de monopolizar a coerção, carentes do poder necessário para colocar em prática o mandato eleitoral e que, geralmente, encontram sérias dificuldades para cumprir sua crucial responsabilidade de construir democracia.11 A questão econômica tem caminhos e uma diversidade de opções que o pensamento único ignora, e a relação entre economia e democracia é apresentada no debate atual a partir do impacto da segunda sobre a primeira. Desse modo, a democracia ocupa na análise uma posição subordinada aos objetivos do crescimento econômico. É preciso inverter os termos e perguntar qual é a economia necessária para fortalecer a democracia. Desse modo poderemos debater tanto o papel da economia no desenvolvimento da democracia, a partir de seu impacto nos direitos sociais, quanto a capacidade da democracia para influir na organização da economia e possibilitar a diversidade de opções da economia de mercado. 11 Do ponto de vista de George Soros (2001), esta questão se expressa assim: “O capitalismo cria riqueza, mas não se pode depender dele para garantir a liberdade, a democracia e o Estado de direito. As empresas estão motivadas pelo benefício, não têm por objetivo salvaguardar os princípios universais. Até a proteção do mercado requer muito mais que o benefício próprio: os participantes no mercado competem para ganhar, e se pudessem eliminariam a concorrência” (Soros, 2001). O desenvolvimento da democracia na América Latina 51 O desenvolvimento da democracia é muito mais do que a perfeição de seu sistema eleitoral. Finalmente, mesmo não ignorando suas importantes conseqüências, a globalização não deveria conduzir a conclusões fatalistas. Os espaços de participação e decisão democráticas são essencialmente nacionais e, embora a globalização imponha grandes restrições à capacidade de ação dos Estados nacionais, em vez de sucumbir à impotência, é preciso focar o debate na forma de gerar novos espaços de autonomia nacional a partir dos âmbitos regionais de cooperação e integração. Portanto, para discutir as condições do desenvolvimento da democracia, propomos ampliar os conteúdos da agenda que predominou ultimamente. Obviamente, o objeto deste Relatório não é propor políticas nacionais; cada país tem tempos e situações diferentes. Essas especificidades, porém, dizem respeito ao tipo de solução a ser aplicada em cada caso, e não à relevância dos problemas. As diversas respostas possíveis a esses problemas não alteram o conjunto de interrogações que apresentamos, em especial, a que se refere à necessidade de elaborar uma nova agenda de reformas democráticas para a América Latina. Assim sendo, de que estamos falando quando nos referimos à democracia? A partir de que marco conceitual aprequadro 8 Cidadania e comunidade de cidadãos A cidadania caracteriza uma situação de inclusão em uma “comunidade de cidadãos”. Mas esta última não pode ser definida simplesmente pelo direito de voto e pela garantia de ver protegido um certo número de liberdades individuais. A cidadania se caracteriza também pela existência de um mundo comum. Em outros termos, possui, necessariamente, uma dimensão social. Tocqueville foi o primeiro a destacar que a democracia caracterizava uma forma de sociedade e não apenas um conjunto de instituições e de princípios políticos. Pierre Rosanvallon, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. sentamos a idéia de desenvolvimento da democracia? Que democracia temos nós, latino-americanos? E, fi nalmente, qual é a agenda de debate necessária para desenvolver nossas democracias e expandir nossas cidadanias? Fundamentos teóricos Nesta seção, são apresentados alguns dos conceitos, argumentos e questões de debate que pertencem ao campo teórico do Relatório,12 partindo da base de que a definição dos sentidos da democracia também faz parte das tarefas que possibilitam transformá-la e enriquecê-la. Quando nos deparamos com a complexidade das questões em jogo, quando observamos novas realidades impossíveis de serem abordadas por meio da mera intuição, tomamos consciência de nossa insuficiente base teórica. Evidentemente, não estamos afirmando que a prática da política é o corolário de uma teoria apropriada; só estamos enfatizando a necessidade de sérios e fundados conhecimentos e debates para que a prática política possa orientar com êxito o futuro de nossos países. A teoria não é uma maneira de encerrar-se em um mundo distante da prática, ela é utilizada para entender como estamos, para onde vamos e o que seria prioritário transformar. A teoria política e, dentro dela, a teoria democrática deram importantes contribuições para a análise da nossa realidade. Entretanto, é provável que não haja exemplo mais eloqüente da distância entre teoria e prática do que o mundo da política. Por um lado, freqüentemente se discutem idéias sobre o complexo desenvolvimento político das sociedades e por outro – quase como se essas idéias pertencessem a outro universo – pratica-se a política. Desvalorizar a análise teórica, mais do que um afã de tratar imediatamente de 12 Os dados estatísticos e de opinião pública que constam neste Relatório têm origem em um marco conceitual. Sem esse marco, não poderíamos ter identificado os indicadores relevantes para interpretar o desenvolvimento da democracia. Os indicadores e a pesquisa utilizados neste Relatório são o resultado de uma determinada concepção da democracia. Essa teoria justifica e explica o método adotado em sua elaboração. 52 A democracia na América Latina coisas práticas, pode ser, às vezes, uma maneira de evitar o cotejo das decisões com as razões que as fundamentam, ou uma forma de encobrir as verdadeiras motivações dos que exercem o poder, público ou privado. A desvalorização da teoria costuma ser um recurso que abre caminho para o pensamento mágico, entendido como um conjunto de idéias que, por seu fascínio, parecem prescindir de demonstração. Este Relatório se propõe a basear suas descrições, análises e propostas em razões sistemáticas e rigorosas. Sua intenção não é abranger a totalidade do debate sobre a democracia, mas sim fundamentar as afirmações e propostas que apresenta. A idéia de democracia Parte-se aqui de uma idéia básica e geral de democracia, mas não se utiliza uma definição taxativa e rígida; procura-se encontrar nas diferentes esferas da vida social o que, sendo próprio delas, afeta e é afetado pela democracia. Nesse sentido, a democracia é o resultado da história das sociedades e não só de si mesma. A democracia é o resultado de uma intensa e corajosa experiência social e histórica que se constrói dia-a-dia nas realizações e frustrações, ações e omissões, ocupações, intercâmbios e aspirações de seus protagonistas: cidadãos, grupos sociais e comunidades, que lutam por seus direitos e edificam incessantemente sua vida em comum. A democracia implica uma forma de conceber o ser humano e de garantir os direitos individuais. Por conseguinte, ela contém um conjunto de princípios, regras e instituições que organizam as relações sociais, os procedimentos para eleger governos e os mecanismos para controlar seu exercício. A democracia é também o modo como a sociedade concebe o Estado e com o qual pretende fazê-lo funcionar. Mas isso não é tudo. A democracia também é um modo de conceber e resguardar a memória coletiva e de acolher, celebrandoas, diversas identidades de comunidades locais e regionais. A democracia é cada uma dessas definições e tarefas, assim como as diversas manei- quadro 9 A democracia: uma construção permanente Devemos relembrar que, depois dos seus princípios promissores, a evolução da democracia até nossos dias não seguiu um caminho ascendente. Houve altos e baixos, movimentos de resistência, rebeliões, guerras civis, revoluções. Durante alguns séculos […] inverteram-se alguns dos avanços anteriores. Olhando para trás, para a ascensão e queda da democracia, é evidente que não podemos contar com as forças sociais para assegurar que a democracia continue sempre avançando. […] A democracia, tal como parece, é um pouco incerta, mas suas possibilidades dependem também do que nós fizermos. Inclusive, ainda que não possamos contar com impulsos benignos que a favoreçam, não somos meras vítimas de forças cegas sobre as quais não temos nenhum controle. Com uma adequada compreensão do que a democracia exige e com a determinação de satisfazer seus requerimentos, podemos agir no sentido de satisfazer as idéias e práticas democráticas e, ainda mais, avançar nelas. Robert Dahl, 1999, pp. 32-33. ras em que elas se materializam em regras e instituições. Sustentamos que a democracia é mais do que um conjunto de condições para eleger e ser eleito, que chamamos de democracia eleitoral. É também, como já dissemos, uma maneira de organizar a sociedade com o objetivo de garantir e expandir os direitos que os indivíduos possuem. Este segundo aspecto é o que define a democracia de cidadania. Essas duas caras da democracia estão intimamente vinculadas e o grau de desenvolvimento de ambas incide substancialmente em sua qualidade e sustentabilidade. A diferença entre democracia eleitoral e de cidadania contém quatro argumentos básicos que guiam este Relatório: 1. A democracia encontra seu fundamento filosófico e normativo em uma concepção do ser humano como sujeito portador de direitos. Nela se distingue a idéia do ser humano como um ser autônomo, razoável e responsável. Esta concepção subjaz a toda e qualquer noção de cidadania, inclusive à de cidadania política. 2. A democracia é uma forma de organização da sociedade que garante o exercício O desenvolvimento da democracia na América Latina 53 A democracia implica uma forma de conceber o ser humano e de garantir os direitos individuais. e promove a expansão da cidadania; estabelece regras para as relações políticas e para a organização e o exercício do poder, que são coerentes com a já mencionada concepção do ser humano. 3. As eleições livres, competitivas e institucionalizadas, e as regras e os procedimentos para a formação e o exercício do governo (conjunto que denominamos democracia eleitoral) são componentes essenciais da democracia e constituem sua esfera básica. No entanto, no que se refere a seus alcances e a suas possibilidades de realização, a democracia não se esgota nessa esfera. 4. O desenvolvimento da democracia na América Latina constitui uma experiência histórica única, caracterizada por especificidades intimamente relacionadas com os processos de construção da Nação e das sociedades latino-americanas, incluindo suas diversas identidades culturais. Os déficits da sociedade como déficit da democracia Um corolário relevante desta maneira de entender a democracia e seu desenvolvimento é observar os déficits sociais como carências da democracia. Dessa forma, a pobreza e a desigualdade não são somente “problemas sociais”, mas também déficits democráticos. Portanto, resolvê-los é atacar uma das questões básicas da sustentabilidade democrática. Daí se derivará, em nossa quadro 11 Democracia e soberania O exercício da democracia é uma afirmação da soberania de uma nação: É necessário um marco democrático que devolva à reduzida noção de soberania seu sentido político prístino: não existe nação soberana no concerto internacional que não seja soberana na ordem nacional, isto é, que não respeite os direitos políticos e culturais da população concebida não como simples número, mas como complexa qualidade, não como quantidade de habitantes, mas como qualidade de cidadãos. Carlos Fuentes, 1998, p. 9. quadro 10 Democracia e igualdade Nenhuma teoria da democracia que omita dar à idéia igualitária um lugar central pode oferecer uma representação fidedigna do peso extraordinário da democracia na imaginação política moderna. […] Devemos ter em mente que, historicamente, um dos principais objetivos dos movimentos democráticos foi procurar compensação na esfera política para os efeitos das desigualdades na economia e na sociedade. C.R. Beitz, 1989, pp. xi, xvi. análise, uma crítica à perigosa cisão entre “política econômica”, “política social” e fortalecimento da democracia que, freqüentemente, são tratados como compartimentos estanques. O principal corolário desta crítica é que não deve haver uma agenda econômica social divorciada da agenda democrática. Como fundamento dos seus mecanismos e instituições, a democracia apela a uma certa visão da condição humana e de seu desenvolvimento: todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, dotados de razão e consciência.13 Os princípios que daí emanam projetam-se sobre o conjunto da sociedade. A escola, a família, a economia e, em geral, todas as formas de organizar a sociedade além das instituições próprias da democracia, são atingidos pelos princípios inerentes a ela. O desenvolvimento da democracia está relacionado com a intensidade com que esses princípios são capazes de impregnar os diferentes campos da vida social. É por essa razão que a democracia não aparece somente em sua dimensão institucional; é também uma promessa civilizadora que instala a expectativa de expansão da liberdade, da igualdade, da justiça e do progresso. 13 Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas. 54 A democracia na América Latina quadro 12 Uma definição de poliarquia Poliarquia deriva das palavras gregas que significam “muitos” e “governo”. Distinguese assim o “governo de muitos” do governo de um, ou monarquia, ou do governo de poucos, aristocracia ou oligarquia. […] Uma democracia poliárquica é um sistema político dotado das instituições democráticas [descritas]. A democracia poliárquica é, pois, diferente da democracia representativa com sufrágio restrito, como a do século XIX. É também diferente das democracias e repúblicas mais antigas, que tinham sufrágio restrito, e não possuíam Alcances da democracia no Relatório Conforme a perspectiva que adotamos, a democracia pressupõe um conjunto de características essenciais que definem suas condições necessárias. Essas características, raras vezes, existem plenamente, freqüentemente combinam-se em diversos graus e alcances.14 O que importa é colocar em evidência que a análise do grau de realização de cada um desses elementos é irrefutável no momento de avaliar o grau de desenvolvimento de uma democracia. A democracia inclui, como um de seus elementos centrais, uma livre delegação da soberania popular em um governo, para executar a opção majoritária da cidadania. Para que esse procedimento atinja seu objetivo é preciso que exista o conjunto de condições que serão descritas a seguir. 1. A democracia pressupõe como condição necessária a existência de um regime político que se desenvolve em um Estado e em uma Nação delimitados por uma população, por um território e pelo poder exercido em seu interior. Esse regime contém um conjunto de instituições e procedimentos que muitas das outras características cruciais das democracias poliárquicas, tais como: partidos políticos, direito a formar organizações políticas para influir em ou opor-se a governos existentes, grupos de interesse organizados etc. É também diferente das práticas democráticas próprias de unidades tão pequenas que possibilitem a realização de uma assembléia direta de seus membros e a decisão (ou recomendação) direta das políticas ou leis. Robert Dahl, 1987, p. 105. definem as regras e os canais de acesso às principais posições do Estado, ao exercício do poder estatal e ao processo de tomada de decisões públicas. Na ciência política contemporânea, existe consenso sobre as condições que devem ser cumpridas para que o acesso ao governo de um Estado possa ser considerado democrático:15 Autoridades públicas eleitas. Eleições livres e limpas. ■ Sufrágio universal. ■ Direito a competir por cargos públicos. ■ Liberdade de expressão. ■ Acesso à informação alternativa. ■ Liberdade de associação. ■ Respeito pela duração dos mandatos, segundo prazos constitucionalmente estabelecidos. ■ Um território que define claramente o demos votante. ■ A expectativa generalizada de que o processo eleitoral e as liberdades contextuais serão mantidos em um futuro indefinido. ■ ■ 2. A democracia implica o real acesso ao poder do Estado, ou seja, que não exista 14 Essas características, resumidas na seqüência, foram apresentadas e discutidas com um amplo conjunto de personalidades acadêmicas. 15 Segundo os aportes de Robert Dahl e Guillermo O’Donnell. O desenvolvimento da democracia na América Latina 55 no território outra organização (formal ou não) com poder igual ou superior ao próprio Estado. Isso define a soberania interior, atributo que implica: o monopólio do uso efetivo e legítimo da força; a capacidade para aplicar justiça de modo efetivo e definitivo, normatizar as condutas dos indivíduos e organizações, encontrar os meios – econômicos e organizativos – necessários para o cumprimento de seus fins e executar as políticas decididas. Em uma democracia, a capacidade de soberania do Estado deriva da renovada legitimidade outorgada pelos membros da sociedade. Este acesso ao real poder estatal requer também uma certa forma de inter-relação com os outros Estados soberanos, de maneira que os objetivos estabelecidos pela sociedade em exercício de suas opções só poderão ser substancialmente alterados por imposições de outros poderes fora do território como conseqüência da livre delegação de soberania a órgãos multilaterais. 3. A democracia também implica a vigência do estado de direito. Isso pressupõe a independência de poderes e um sistema legal que é democrático em três sentidos: protege as liberdades políticas e as garantias da democracia política, protege os direitos civis do conjunto da população e estabelece redes de responsabilidade e de prestação de contas por meio das quais os funcionários públicos, incluindo os cargos mais altos do Estado, estejam sujeitos a controles apropriados sobre a legalidade de seus atos. Pressupõe também a submissão da ação do Estado e de seus poderes às normas que emanam de poderes designados democraticamente. 4. A democracia pressupõe uma certa forma de organizar o poder na sociedade. Em democracia, as relações de poder, entre o Estado e os cidadãos, os cidadãos entre si, e entre o Estado, as organizações e os cidadãos, devem estar ajustadas ao exercício dos direitos políticos, civis e sociais de maneira tal que a imposição de uma conduta (império do poder) não vulnere esses direitos. A essência de uma democracia é que o poder – público ou privado – esteja organizado de 56 A democracia na América Latina modo que, além de não vulnerar os direitos, possa ser um instrumento central para sua expansão. A opinião acerca dessa relação entre poder e direitos deve ser objetiva, isto é, definida pela própria maioria dos membros de uma sociedade. 5. A democracia requer que as opções cidadãs abordem as questões substantivas. As regras e condições de concorrência procuram garantir uma eleição livre entre candidatos e programas de governo. Determinam o leque real de opções do cidadão. Esse temário eleitoral ou agenda pública excede o regime, mas é fundamental para a democracia, é parte de sua organização. Supondo a ausência de limitações sobre a capacidade de eleger, interessa-nos indagar qual é o leque real de opções e como se constrói. Essa é a função da agenda pública. Ela contém o temário dos problemas que uma sociedade deve resolver e os métodos para encará-los. A agenda identifica, para o cidadão, as metas desejáveis de um governo e o caminho para atingi-las. Eleger sobre o quê e entre quê? Essa eleição contém todas as opções necessárias, reais, para garantir e expandir a cidadania em um momento dado? Ou essas opções, submetidas a eleições, são somente uma parte do necessário para o desenvolvimento da cidadania e excluem outras essenciais? Se este fosse o caso, poderíamos ter regras de concorrência perfeitas, ótimas condições para a eleição, porém temas de eleição parciais ou limitados. Nessas condições, talvez o essencial esteja fora da eleição e o marginal centralize o debate da decisão eleitoral. O regime tenderia, então, a girar em falso, a separar-se do desenvolvimento da cidadania, a tornar-se irrelevante. Portanto, a agenda pública, entendida como o leque real de opções de que os cidadãos dispõem de acordo com as referências citadas acima, constitui um componente central da organização democrática. Essa agenda contém o conjunto de questões prioritárias em torno do qual se centram o debate público, a definição e as opções de políticas da opinião pública. A agenda deveria conter os desafios centrais para os interesses individuais, das organizações e do conjunto da sociedade. O que se pode eleger está dentro da agenda. A agenda define o campo da opção. Entretanto esta agenda não se constrói idealmente, independentemente das relações de poder. Escolhe-se a política econômica? Debatem-se as reformas fiscais? Estão claras as opções para combater a pobreza e a desigualdade? E se esses temas estiverem fora da oferta eleitoral, de sua agenda, como se vincula a democracia com as necessidades reais de expansão da cidadania social? Essa questão, o que deve ser debatido em uma sociedade e em uma região, é um dos interesses centrais deste Relatório. Promover um debate sobre nossa agenda, para saber se ela contém nossos problemas, ou se há questões omitidas, diluídas, ignoradas ou, simplesmente, proibidas é a primeira condição para utilizar nossas capacidades de evitar os perigos e de desenvolver nossa democracia. Discutir os alcances do debate público, as formas de abordá-lo e recuperar o que se escamoteia e ignora, é uma condição necessária das reformas democráticas de que nossa região precisa. A relevância ou não do conteúdo da agenda pública é determinante para nosso futuro democrático. Democracia, regime político e Estado Em um regime democrático, o acesso às principais posições governamentais (com exceção do poder judiciário, das forças armadas e, eventualmente, dos bancos centrais) é realizado por meio de eleições limpas e institucionalizadas. Por eleições limpas se entende aqui as que são competitivas, livres, igualitárias, decisivas e inclusivas, e nas quais são respeitadas as liberdades políticas.16 Essas liberdades são essenciais não só durante as eleições, como também nos períodos entre elas. Caso contrário, o governo no poder poderia facilmente manipular ou cancelar eleições futuras. Os indivíduos que gozam dessas liberdades estão habilitados e protegidos para o exercício de seus direitos de participação. Isso significa que a todos os cidadãos é concedido o direito, vinculatório em todo o território, de participar no Estado e no governo, não só por meio de eleições, como também por meio da tomada de decisões, seja de forma conjunta ou individual. Por outro lado, o requisito de inclusividade das eleições em um regime democrático indica que todos os adultos que satisfazem o critério de cidadania têm direito de participar nessas eleições.17 Além disso, em um regime democrático as eleições estão institucionalizadas: para a grande maioria dos cidadãos é indiscutível que, no futuro, continuem sendo realizadas eleições limpas nas datas ou ocasiões legalmente preestabelecidas. Existem quatro aspectos centrais da democracia: 1) eleições limpas e institucionalizadas; 2) inclusividade; 3) um sistema legal que sanciona e respalda os direitos e as liberdades políticas; e 4) um sistema legal que prescreve que nenhuma pessoa ou instituição retenha o arbítrio de eliminar ou suspender os efeitos da lei ou de evadir-se a seu alcance. Vemos então, que, enquanto os dois primeiros aspectos correspondem ao regime, os dois últimos correspondem ao Estado. O Estado não é um elemento alheio ou extrínseco à democracia, é um de seus componentes intrínsecos. Por isso, segundo o esquema conceitual que aqui propomos, é importante indagar acerca do caráter democrático do Estado e não só sobre o do regime. A relação entre regime democrático e Estado se fundamenta na existência de um sistema legal estatal que, em primeiro lugar, sanciona e respalda os direitos e liberdades decorrentes do regime democrático; e, em segundo lugar, coloca sob esse sistema legal a totalidade das instituições e dos funcionários do Estado. Sob esse prisma, se organiza o Estado segundo o princípio da 16 De acordo com Dahl (1989 e 1999), as liberdades políticas relevantes são as de expressão, associação e acesso à informação de caráter pluralista. Para uma lista detalhada, ver Diamond (1999). 17 A inclusividade é uma conquista bastante recente dos trabalhadores urbanos, dos camponeses, das mulheres e de vários tipos de minorias e setores discriminados. O desenvolvimento da democracia na América Latina 57 Essas liberdades são essenciais não só durante as eleições, como também nos períodos entre elas. quadro 13 Democracia e responsabilidade dos governantes Em uma democracia, espera-se que os governantes estejam submetidos a três tipos de prestação de contas18: a) a “vertical eleitoral”, resultado de eleições limpas e institucionalizadas, por meio das quais os cidadãos podem mudar o partido e os funcionários do governo, b) a “vertical de tipo societário”, exercida por indivíduos ou grupos com o objetivo de mobilizar o sistema legal para demandar o Estado e o governo com o objetivo de prevenir, compensar ou condenar ações (ou inações), presumivelmente ilegais, perpetradas por funcionários públicos, c) a “horizontal”, realizada quando algumas instituições do Estado, devidamente autorizadas, agem para prevenir, indenizar ou sancionar ações ou inações, presumivelmente ilegais, de outras instituições ou de funcionários estatais. Cabe, no entanto, observar, que há uma diferença importante entre essas prestações de contas. A vertical-eleitoral deve existir pela própria definição do regime democrático; sem ela esse regime simplesmente não existiria. Em compensação, o grau e a efetividade da prestação de contas societária e da horizontal são variáveis conforme os casos e o tempo. Essas variações são relevantes para avaliar o desenvolvimento da democracia; por exemplo, a inexistência de uma sociedade vigorosa e autônoma, ou a impossibilidade ou falta de determinação de certas instituições do Estado de exercer sua autoridade sobre outras instituições estatais são indicadores de uma democracia de escasso desenvolvimento. Guillermo O’Donnell, texto elaborado para o PRODDAL, 2002c. divisão, interdependência e controle de seus poderes, da existência de um poder judicial independente, da supremacia do poder civil sobre o militar e da responsabilidade dos governantes perante a cidadania. Um aspecto crucial do sistema legal é sua efetividade, o grau em que o Estado realmente organiza as relações sociais. Em um sistema legal democrático, nenhuma instituição estatal ou funcionário deveria negar-se ao controle legal de suas ações. Em uma dimensão territorial se supõe que o sistema legal se estende homogeneamente ao longo do espaço delimitado pelo Estado. No mesmo sentido, espera-se que o sistema jurídico dê o mesmo tratamento a casos similares, independentemente de considerações de classe, gênero, etnia ou outros atributos dos respectivos atores. Em todas essas A eficácia do sistema legal depende do entrelaçamento de suas regras com uma rede de instituições que, em democracia, devem atuar com propósitos e resultados coerentes com um Estado democrático de direito. dimensões, o sistema legal pressupõe um Estado eficaz,19 que não depende só de uma legislação apropriada mas também de uma rede de instituições estatais que operam para garantir o real império de um sistema legal democrático. Os cidadãos, fonte e justificativa da autoridade do Estado democrático Na democracia, o sistema legal, começando por suas mais altas regras constitucionais, estabelece que os cidadãos, ao votarem em eleições limpas e institucionalizadas, são a fonte da autoridade que o Estado e o governo exercem sobre eles. Os cidadãos não são somente portadores de direitos e obrigações, eles são também a fonte e a justificativa da pretensão de mando e autoridade que o Estado e o governo invocam quando tomam decisões coletivamente vinculatórias. Esta é outra característica específica da democracia: fundamenta o direito de governar na soberania popular que se manifesta em eleições limpas e institucionalizadas. Todos os outros sistemas políticos fundamentam esse direito em outras fontes. De tudo isso se depreende que um indivíduo não é, e nunca deveria, ser tratado 18 Por esse conceito se entende o equivalente à expressão do inglês accountability. 19 O’Donnell, 2000, 2002a, 2002c. 20 De acordo com esse ponto, Dworkin afirma que “uma demanda particular de moralidade política […] requer dos governos falar com uma voz, atuar de maneira coerente e com princípios para com todos os seus cidadãos, [e] ampliar para todos os cidadãos os padrões de justiça substantiva ou de eqüidade que usa para alguns”. 58 A democracia na América Latina como um súdito, um suplicante da boa vontade do governo e do Estado. Este indivíduo – portador de um conjunto de direitos civis, sociais e políticos – tem pretensão legalmente sustentada de ser tratado com plena consideração e respeito.20 Esse tratamento deve estar baseado na implementação de leis e regulamentos que são preexistentes, claros e discerníveis por todos os cidadãos21 e sancionados em concordância com os procedimentos democráticos. Na medida em que as instituições estatais reconhecem esses direitos, elas podem ser consideradas mais ou menos democráticas, ou coerentes com as obrigações impostas a elas pela cidadania. Na verdade, este aspecto das relações diretas e cotidianas dos cidadãos com o Estado é um dos mais problemáticos da democracia em nossa região. Com relação a eleições limpas e, geralmente, ao exercício dos direitos políticos, os cidadãos são colocados em um nível de igualdade genérica. No entanto, ao tratar com burocracias estatais, os cidadãos estão freqüentemente colocados em situações de aguda desigualdade de fato. Costumam enfrentar burocracias que agem sobre a base de regras formais e informais – que não são transparentes nem facilmente compreensíveis – e que tomam decisões (ou as omitem) com conseqüências importantes para os cidadãos. Este é um problema em todos os lugares, porém muito mais sério e sistemático em sociedades castigadas pela pobreza e pela desigualdade. Esses males expressam e cultivam o autoritarismo social,22 e repercutem na maneira desrespeitosa com que as burocracias estatais, às vezes, tratam muitos cidadãos, sobretudo imigrantes e estrangeiros. Em- bora seja comumente ignorada, esta é outra dimensão crucial da democracia: o grau em que as instituições estatais realmente respeitam os direitos de todos os habitantes, cidadãos ou não. O cidadão, sujeito da democracia A democracia reconhece em cada indivíduo uma pessoa moral e legal, portadora de direitos e responsável pela forma com que exercita tais direitos e suas obrigações decorrentes. Nesse sentido, concebe o indivíduo como um ser dotado da capacidade para escolher entre opções diversas, assumindo responsavelmente as conseqüências dessas escolhas, ou seja, como um ser autônomo, razoável e responsável.23 Essa concepção do ser humano não é apenas filosófica e moral, é também legal: considera o indivíduo como portador de direitos subjetivos que são sancionados e garantidos pelo sistema legal. A potencialidade inerente a essa concepção do indivíduo, cujos direitos não derivam da posição que ocupa na hierarquia social e sim de sua capacidade de comprometer-se a cumprir, voluntária e responsavelmente, as obrigações que assume livremente – com seu correlato do direito a demandar o cumprimento das obrigações contraídas – desencadeou conseqüências transcendentais para as lutas pela expansão da cidadania. Entendemos por cidadania um tipo de igualdade básica associada ao conceito de pertencimento a uma comunidade, o que em termos modernos é equivalente aos direitos e obrigações de que todos os indivíduos estão dotados por pertencer a um estado nacional.24 Destacamos vários atributos da cidadania assim definida: 21 Mesmo em situações onde esta desigualdade é a mais aguda possível (como sob encarceramento), permanece a obrigação moral de respeitar a agência. Hoje em dia, esta é também uma obrigação legal, embora seja muitas vezes ignorada. 22 Aristóteles (1968, p. 181) sabia disso: “Aqueles que gozam de muitas vantagens –força, riqueza, conexões, etc.– não estão dispostos a obedecer [o direito] e desconhecem como obedecer”. 23 Segundo o conceito desenvolvido por O’Donnell (2002c), a democracia considera o ser humano como um agente. “Um agente é um ser dotado de razão prática: usa sua capacidade cognitiva e motivacional para escolher opções que são razoáveis em termos de sua situação e de seus objetivos, para os quais, exceto prova em contrário, é considerado como o melhor juiz. Essa capacidade faz do agente um ser moral, no sentido de que normalmente se sentirá, e será considerado por outros seres relevantes, como responsável pela escolha de suas opções, ao menos pelas conseqüências diretas decorrentes de tais opções.” 24 T. H.Marshall (1965) destaca que “a cidadania moderna é, por definição, nacional”. O desenvolvimento da democracia na América Latina 59 Os cidadãos não são somente portadores de direitos e obrigações, eles são também a fonte e a justificativa da pretensão de mando e autoridade que o Estado e o governo invocam quando tomam decisões coletivamente vinculatórias. a. caráter expansivo, baseado na concepção, moral e legalmente respaldada, do ser humano como responsável, razoável e autônomo; b. condição legal de status que se concede ao indivíduo como portador de direitos legalmente sancionados e respaldados; c. sentido social ou intersubjetivo que costuma ser o resultado do pertencimento a um espaço social comum; 25 d. caráter igualitário, baseado no reconhecimento universal dos direitos e deveres de todos os membros de uma sociedade democraticamente organizada; e. inclusividade, ligada ao atributo de nacionalidade que implica o pertencimento dos indivíduos aos Estados nacionais; f. caráter dinâmico, contingente e aberto, como produto e condição das lutas históricas para enriquecer ou reduzir seu conteúdo, e aumentar ou diminuir o número dos que são reconhecidos. Podemos identificar três conjuntos de direitos de cidadania,26 cada um deles relacionado a uma área diferente da sociedade: civis, políticos e sociais.27 Muito antes da expansão universal da cidadania política, a formulação de uma visão legal e moral do indivíduo como portador de direitos subjetivos contou com uma longa trajetória de elaboração por meio de diversas doutrinas – religiosas, éticas, legais, filosóficas.28 Essa concepção do ser humano foi projetada no âmbito político pelos grandes teóricos do liberalismo29 e posteriormente transmitida às duas grandes 25 Esse aspecto da cidadania remete a uma concepção da política como espaço comum, no qual nos reconhecemos como participantes de uma comunidade política orientada para a construção e para a realização intersubjetiva de um bem público. Essa concepção foi amplamente desenvolvida pela tradição do republicanismo cívico, cujas origens remontam ao pensamento grego e romano, e que adquire uma renovada vigência nos debates contemporâneos entre liberais e comunitaristas. 26 Este enunciado não implica que ignoremos que algumas discussões atuais propõem acrescentar outras “gerações” de direitos aos que aqui enunciamos. Dadas as circunstâncias da América Latina, dentre essas discussões são importantes especialmente as relacionadas com seus povos indígenas, e nos parecem particularmente importantes as propostas de acrescentar uma área específica de direitos culturais. No entanto, para facilitar esta primeira exposição de um tema muito complexo, preferimos manter a classificação de direitos tradicional. Isso não impede que a questão dos povos indígenas seja tratada em outras partes deste Relatório, nem que em suas futuras versões revisemos a classificação aqui utilizada. 27 “Começarei propondo uma divisão da cidadania em três partes. [...] Chamarei cada uma destas três partes ou elementos, civil, político e social. O elemento civil se compõe dos direitos para a liberdade individual: liberdade da pessoa, de expressão, de pensamento e religião, direito à propriedade e a estabelecer contratos válidos, e direitos à justiça. Este último é de índole diferente dos restantes, porque se trata do direito de defender e fazer valer o conjunto dos direitos de uma pessoa em igualdade com os demais, mediante os devidos procedimentos legais. As instituições diretamente relacionadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político, entendo o direito a participar no exercício do poder político como membro de um corpo investido de autoridade política ou como eleitor de seus membros. As instituições correspondentes são o Parlamento e as juntas do governo local. O elemento social abarca todo o espectro, desde o direito à segurança e a um mínimo de bem-estar econômico até o de compartilhar plenamente a herança social e viver a vida de um ser civilizado conforme os padrões predominantes na sociedade. As instituições diretamente relacionadas são, nesse caso, o sistema educativo e os serviços sociais.” Marshall, 1965, pp. 22-23. 28 “O reconhecimento institucionalizado (i.e. legalmente sancionado e respaldado, e amplamente aceito) do indivíduo como portador de direitos subjetivos percorreu um longo e complicado caminho, cuja origem remonta historicamente a alguns sofistas e aos estóicos e a Cícero, atravessa a tradição do direito romano e dos legistas medievais, para depois ser refinado pelos teóricos do direito natural, e ser finalmente reapropriado e, por assim dizer, politizado, apesar de suas diferenças em outros aspectos, pelos grandes pensadores liberais –especialmente Hobbes, Locke e Kant–, assim como pelos não-liberais como Espinoza e Rousseau”. O’Donnell, 2000. 29 Pierre Rosanvallon (1992, p. 111) comenta que antes do advento do liberalismo “esta visão de autonomia da vontade certamente já havia aparecido juridicamente formulada no direito civil”. Isso, por sua vez, era parte das mudanças na própria concepção de moralidade; como Schneewind (1998, p. 27) indica: “durante os séculos XVII e XVIII, as concepções estabelecidas de moralidade como obediência começaram a ser fortemente contestadas por concepções emergentes de moralidade como auto-governo […] centradas na idéia de que todos os indivíduos normais são igualmente capazes de viver juntos em uma moralidade auto-governada”. 60 A democracia na América Latina constituições modernas: a dos Estados Unidos e a da França. A cidadania excede os direitos políticos, a democracia também A democracia de cidadania, como dissemos, excede o regime político, o exercício dos direitos políticos. Ela precisa ampliar-se em direção aos direitos civis e sociais. Esse é um ponto central da nossa análise, do qual se deriva a justificativa de conceber a democracia abrangendo um campo mais amplo e complexo. Como já mencionamos, as conseqüências práticas de sustentar esta tese são consideráveis. Se os direitos inerentes ao ser humano estão baseados em sua capacidade como ser moral, por que então atribuí-los somente a certas esferas da vida social e política? Já que a autonomia responsável implica escolher, que opções reais, ou capacidades, seriam razoavelmente coerentes com a condição que a democracia confere ao indivíduo? Em outros termos, quais são as condições reais do exercício de tais direitos? Essas perguntas apontam a um dos argumentos centrais na análise que este Relatório propõe: colocar a questão das capacidades na esfera política implica ir além da atribuição universal dos direitos de cidadania política, e leva à pergunta sobre as condições que podem permitir ou não o exercício real desses direitos. Embora sob diferentes condições histó- ricas, em todos os países, a resposta a tais perguntas resultou em numerosas lutas pela progressiva expansão dos direitos políticos, civis e sociais,30 destacando-se, entre eles, o direito de sufrágio até alcançar a sua atual inclusividade. Essa história foi construída ao longo de múltiplos conflitos, ao final dos quais, os setores sociais marginalizados foram sendo incluídos na democracia, isto é, obtiveram finalmente a cidadania política.31 Nos países centrais, esses processos provocaram inicialmente a expansão adicional de direitos na esfera civil, no duplo sentido de uma maior especificação de direitos e de incorporação de outros novos, que não eram ainda os direitos de participação próprios da democracia inclusiva, mas direitos civis concernentes às atividades sociais e econômicas privadas.32 No que se refere a esses direitos, chegou-se, de diversas maneiras, à conclusão de que seu exercício implica escolha, e escolha implica liberdade para escolher entre as diversas alternativas que cada indivíduo valoriza por alguma razão. Isso pressupõe a vigência de um critério de eqüidade: deve existir um patamar mínimo de igualdade entre os membros da sociedade que outorgue a todos um leque razoável de opções para exercer sua capacidade de escolha e sua autonomia. Por outro lado, também nos países centrais, o mencionado critério de eqüidade foi muito importante para o surgimento dos 30 O processo de progressiva expansão de direitos, que nos países centrais incluiu a extensão da cidadania civil prévia à expansão da cidadania política, foi o pano de fundo histórico da idéia central do liberalismo político: o governo e o Estado devem ser limitados e constitucionalmente regulados, pois ambos existem para, e em nome de, indivíduos portadores de direitos subjetivos sancionados e respaldados pelo mesmo sistema legal que o Estado e o governo devem obedecer e do qual extraem sua autoridade. 31 Cidadãos políticos são aqueles que, dentro do território de um Estado que inclui um regime democrático, cumprem o critério respectivo de nacionalidade. Como derivação do regime democrático, os cidadãos políticos possuem dois tipos de direitos. Primeiro, liberdades tais como as de associação, expressão, movimento, acesso a informação pluralista e outras que, embora em última instância sejam não definíveis ex ante, em conjunto tornam possível a realização de eleições limpas, institucionalizadas e – hoje em dia – inclusivas. O segundo tipo de direito é de caráter participativo: eleger e eventualmente ser eleito ou nomeado para cargos estatais. Os cidadãos políticos, assim entendidos, são o lado individual de um regime democrático, e nenhum deles pode existir sem o outro. 32 Como ressalta T. H. Marshall (1965, p. 18): “A história dos direitos civis em seu período formativo é uma história de adição gradual de novos direitos a um status que já existia e que já pertencia a todos os membros adultos da comunidade”. Estes direitos civis são, em sua definição clássica de cidadania civil, “os direitos necessários para a liberdade individual-liberdade pessoal, liberdade de palavra, pensamento e fé, o direito a possuir propriedade e a terminar contratos válidos, e o direito à justiça” (ibid., pp. 10-11). O desenvolvimento da democracia na América Latina 61 A democracia de cidadania, como dissemos, excede o regime político, o exercício dos direitos políticos. Ela precisa ampliar-se em direção aos direitos civis e sociais. direitos sociais.33 Novamente, ao longo de lutas freqüentemente árduas, diversos setores que haviam sido politicamente excluídos terminaram aceitando a democracia política em troca dos benefícios do bem-estar. Por meio da legislação social, e com avanços e retrocessos em termos das respectivas relações de poder, estas visões de eqüidade foram incorporadas aos sistemas legais. Os direitos sociais, sancionados pela legislação correspondente, uniram-se ao direito civil para expressar que a sociedade, e especialmente o Estado, não devem ser indiferentes, pelo menos nos casos em que existe severa privação de capacidades relevantes. Em resumo, nos países centrais, a questão das capacidades que habilitam a exercer a liberdade dos indivíduos foi encarada no âmbito dos direitos civis e sociais. A idéia que subjaz a essas construções legais é a da eqüidade, que, em termos de capacidades disponíveis e de ausência de coerção peremptória, considera os indivíduos como seres livres e responsavelmente capazes de escolher. Essa visão ficou inscrita na consciência moral da humanidade pela Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão.34 É importante destacar que a maioria desses direitos não foi simplesmente outorgada, que eles foram conquistados por meio de múltiplas lutas, conduzidas por setores sociais oprimidos, explorados e discriminados. Por esses caminhos complexos – tão simplificadamente resumidos – foram surgindo, nos países centrais, as instituições e práticas que hoje reconhecemos como democráticas. Poucos países da América Latina (Chile, Costa Rica e Uruguai) seguiram caminhos mais ou menos semelhantes. Nos outros, apesar de cada um com suas significativas particularidades, encontramos uma situação muito diferente à descrita: alcançamos a enorme conquista dos direitos políticos, mas ainda falta muito para conseguir, para todos, uma expansão satisfatória dos direitos civis e sociais. Essa circunstância realça ainda mais a enorme importância da democracia e de seus direitos políticos para a América Latina. Eles são, têm que ser, o principal ponto de apoio das lutas para alcançar os outros direitos, ainda tão limitados e conferidos de maneira parcial na prática. Veremos ecos dessas afirmações nas seções empíricas deste Relatório. Estado e cidadania O Estado é um fenômeno histórico contemporâneo, para o qual convergem as lutas pelo poder e as lutas pelos direitos. Seu aparecimento foi marcado pela expropriação, por parte dos governantes, de um centro de poder emergente, dos meios de coerção, de administração e de legalidade que haviam sido até então controlados por outros atores. O surgimento do Estado foi contemporâneo da expansão do capitalismo, que incluiu outra expropriação, a dos produtores diretos dos meios de produção. Esse surgimento foi também contemporâneo da construção política da Nação como referência privilegiada das decisões estatais. Todos os Estados sustentam que sua autoridade emana de ser Estados-para-a-Nação (ou, em alguns casos, para-o-povo), cuja missão é atingir o bem comum – ou o interesse geral – de uma Nação interpretada homogeneamente, à qual tanto governantes quanto governados devem supostamente dar prioridade em suas lealdades. 33 Uma vez mais, de acordo com Marshall (1965, p. 72), os direitos sociais incluem “desde o direito ao bem-estar e à segurança econômica básica até o direito a participar plenamente do patrimônio social e viver a vida de um ser civilizado de acordo com o padrão predominante na sociedade”. Para uma discussão útil e detalhada de Marshall com respeito a esses direitos, ver José Nun, 2001. 34 Podemos agregar: o Prólogo e a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, e mais tarde, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; o Acordo Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Declaração de Direitos Humanos de Viena, e muitos outros tratados e protocolos internacionais e regionais, todos eles ratificados por um grande número de países. 62 A democracia na América Latina Por Estado, entendemos um conjunto de instituições e relações sociais que cobre o território que ele delimita e sobre o qual exerce normalmente a supremacia no controle dos meios de coerção. Esta definição permite entender o Estado como: a) um foco de identidade coletiva para os habitantes de um território – aí reside sua credibilidade; b) um sistema legal, que aspira a um alto grau de efetividade na regulação de relações sociais; e c) um conjunto de burocracias, cujo funcionamento supostamente alcança eficácia no desempenho das funções que lhes são formalmente outorgadas. O grau de realização dessas dimensões em cada caso é uma variável historicamente contingente e, na verdade, problemática (O’Donnell, 2002b). Portanto, o Estado é: a. Um âmbito em que se concentra e se concede a identidade coletiva para todos ou quase todos os habitantes do território; convida ao reconhecimento generalizado de um “nós”, os membros da Nação. b. Um sistema legal, uma trama de regras jurídicas que aspira a regular numerosas relações sociais.35 c. É também um conjunto de entes burocráticos, uma trama institucional e administrativa com responsabilidades que formalmente visam a alcançar e a proteger algum aspecto do bem comum. Juntas, as burocracias do Estado e sua legalidade pretendem gerar, para os habitantes de seu território, o grande bem público da ordem e da previsibilidade das relações sociais em que os habitantes estão imersos. Dessa forma, o Estado também pretende garantir a continuidade histórica da unidade territorial respectiva, usualmente concebida como uma Nação. Esses aspectos do Estado são tendências que nenhum deles chegou a atingir completamente. No que diz respeito ao Estado como foco de identidade coletiva, sua pretensão de ser verdadeiramente um Estadopara-a-Nação pode ser pouco verossímil para boa parte de sua população. Quanto ao sistema legal, pode per se ter carências e/ou não se ampliar efetivamente a diversas relações sociais e também a vastas regiões. No que se refere ao Estado como conjunto de burocracias, seu desempenho pode se desviar seriamente do cumprimento das responsabilidades que lhe foram formalmente A enorme importância da democracia e de seus direitos políticos para a América Latina: eles são, têm que ser, o principal ponto de apoio das lutas para alcançar os outros direitos. quadro 14 Estado liberal e Estado democrático O Estado liberal não é apenas o pressuposto histórico, mas também o pressuposto jurídico do Estado democrático. Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em duas formas: 1. na linha que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o correto exercício do poder democrático; 2) na linha oposta, a que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é indispensável o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é improvável que um Estado não liberal possa garantir um correto funcionamento da democracia e, por outro lado, é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica dessa interdependência está no fato de que quando o Estado liberal e o Estado democrático caem, caem juntos. Norberto Bobbio, 1992, pp. 15-16. 35 Mesmo sob um regime democrático, a legalidade do Estado é uma mistura complexa de igualdade e desigualdade. Por um lado, essa legalidade sanciona os direitos universais da cidadania política e civil. Por outro, essa mesma legalidade sanciona dois tipos de desigualdades: uma, a resultante da organização hierárquica, legalmente regulada, das instituições burocráticas do Estado, bem como do respaldo ou da autorização que o sistema legal outorga a outras instituições privadas que também estão hierarquicamente organizadas; outra, a desigualdade resultante do fato de que esta mesma legalidade dá forma à condição capitalista da sociedade. Esta forma sanciona e respalda uma ordem social que inclui, de várias maneiras, a dominação social de quem controla os meios de produção, como também, e com crescente importância no mundo contemporâneo, o controle dos circuitos do capital financeiro. Isto nos leva a considerar o papel crucial que o Estado tem, em suas várias dimensões, na correção ou reprodução dessas desigualdades, ao mesmo tempo que promulga algumas igualdades democráticas fundamentais. O desenvolvimento da democracia na América Latina 63 quadro 15 O Estado: pressuposto da democracia independentemente dessa conexão.”36 Isso ressalta a importância que o Estado e a Nação tiveram e continuam tendo para a existência e o funcionamento da democracia.37 O Estado – como instituição na qual se reconhece a identidade coletiva, não voluntária, baseada em um território, sustentada em última instância por sua capacidade de coerção, altamente burocratizada e densamente legalizada – é a premissa histórica e social da democracia. Desde o “Estatalidad” truncada e fragilidade democrática início, a democracia política contemporânea implica uma cidadania de dupla face: a cidadania (potencialmente) ativa e participativa própria da democracia, e a cidadania implícita, que resulta do fato de pertencer a uma nação. Guillermo O’Donnell, texto elaborado para o PRODDAL, 2002c. outorgadas. Sejam quais forem as conquistas e carências nestas três dimensões, nos interessa ressaltar que a democracia política surgiu e continuou existindo com e no marco do Estado nacional. Foi devido a esta interseção que a “democracia nasceu com um sentido de nacionalidade. As duas estão fundamentalmente inter-relacionadas e nenhuma delas pode ser verdadeiramente entendida Como já vimos, pela primeira vez em dois séculos de vida independente, praticamente todos os países latino-americanos satisfazem a definição mínima de democracia. Eles têm em comum duas características: por um lado, realizam eleições razoavelmente limpas, institucionalizadas e inclusivas, e sancionam os direitos participativos correspondentes a tais eleições; por outro, sustentam a vigência de algumas liberdades políticas fundamentais, especialmente de opinião, expressão, associação, movimento e acesso a meios de comunicação razoavelmente livres e plurais, e afirmam a supremacia dos poderes constitucionais sobre os poderes fáticos. Contudo, há variações quanto ao grau em que os atributos mencionados são realmente cumpridos, assim como também existem variações significativas quanto ao quadro 16 Estado e globalização A globalização econômica de nenhuma maneira se traduz necessariamente na diminuição do poder do Estado; na verdade está transformando as condições sob as quais o poder do Estado é exercido. […] Há muitas e boas razões para ter dúvidas sobre as bases empíricas e teóricas de algumas afirmações de que o Estado-nação está sendo eclipsado pelos padrões contemporâneos da globalização.[...] No entanto, é preciso reconhecer que os novos padrões de mudança regional e global estão transformando o contexto da ação política, criando um sistema de centros de poder múltiplos e esferas de autoridade superpostas – uma ordem pósWestfalia. David Held, 1999, p. 441. 36 Greenfeld, 1992, p. 7. 37 Maíz, 2002a e Canovan, 1996. John Gray (2000, p. 123) concorda: “O Estado nacional soberano é a grande premissa não examinada do pensamento liberal. […] A instituição do Estado-nação é tacitamente pressuposta pelos ideais liberais da cidadania”. 64 A democracia na América Latina grau em que o Estado e seu sistema legal cobrem a totalidade do território desses países. Neste contexto, a avaliação social sobre o rendimento institucional e o grau de desenvolvimento de nossas democracias é sumamente crítica. Em geral, a opinião pública indica que as instituições e os governantes não estão tendo um bom desempenho. Uma razão para isso é que, com freqüência, os governos eleitos democraticamente às vezes parecem incapazes ou não dispostos a encarar questões básicas de desenvolvimento, bem como de desigualdade e de insegurança. Acreditamos que a esta imagem subjaz outro fato ao qual não foi dada a devida atenção nas recentes discussões: nas duas últimas décadas o Estado debilitou-se enormemente e, em algumas zonas dentro de nossos países, virtualmente evaporou-se. Crises econômicas, o fervoroso antiestatismo de muitos programas de reformas econômicas, a corrupção e o clientelismo amplamente difundidos em não poucos países, são alguns dos fatores que convergiram para gerar um Estado anêmico. Esta anemia também se manifesta no sistema legal. De fato, muitos de nossos países têm um regime democrático que coexiste com uma legalidade intermitente e parcial. A legalidade do Estado não alcança vastas regiões de nossos países (e parte de suas cidades), onde outros tipos de legalidade, basicamente variações da legalidade mafiosa, são os que operam na prática. Até mesmo em regiões onde o sistema legal tem atuação, ele costuma ser aplicado com características discriminatórias contra várias minorias e também maiorias, tais como as mulheres, certas etnias e os pobres. Esse sistema legal truncado gera o que se denominou de uma cidadania de baixa intensidade.38 Todos nós temos os direitos políticos e as liberdades que correspondem ao regime democrático, contudo, muitos não possuem os direitos sociais básicos. A esses setores também são negados de fato direitos civis não menos básicos. Não gozam de proteção contra a violência policial e contra várias formas de violência privada. Não conseguem acesso igualitário e respeitoso às burocracias do Estado, inclusive aos tribunais. Seus domicílios são invadidos arbitrariamente, e, em geral, são forçados a viver uma vida não só de pobreza, mas também de recorrente humilhação e medo da violência.39 Esses setores não são apenas materialmente pobres, mas também legalmente pobres. Com déficits tão importantes na eficácia de suas instituições, na efetividade de seu sistema legal e, não menos importante, em sua credibilidade como Estado-para-aNação, com poucas e parciais exceções, o Estado latino-americano atual, ao mesmo tempo em que abriga regimes democráticos, tem grande dificuldade em projetar um futuro que, embora não possa resolver rapidamente muitas das injustiças e desigualdades existentes, apareça para a maioria da população como realizável e valioso. Este tipo de Estado de baixa capacidade é um velho problema da América Latina. No entanto, nos últimos anos, transformou-se em um problema ainda mais sério e, em vários casos, isso ocorreu sob um regime democrático. O déficit de credibilidade do Estado é resultado da ineficácia operacional de suas instituições e, às vezes, de sua ostensiva colonização por parte de interesses privados que, dificilmente podese argumentar que sejam coerentes com algum tipo de interesse geral. Esse déficit torna-se ainda mais agudo se parte desses 38 Ver O’Donnell (1993) onde se traça um mapa metafórico de “zonas azuis, verdes e marrons”, das quais a marrom se refere a zonas em que a legalidade do Estado é apenas satisfatória. 39 Os relatórios de vários organismos de direitos humanos repetida e abundantemente documentam a ameaça permanente de violência a que as pessoas estão submetidas. Para o caso do Brasil, ver, entre outros, Dellasoppa et al. (1999) que documentam que a incidência de mortes violentas nas regiões mais pobres da cidade de São Paulo é dezesseis vezes maior que nas regiões mais ricas; para dados sobre a Argentina, ver, entre outros, CELS 2001. Mas, em geral, um estudo que analisa vários conjuntos de dados sobre crime violento encontrou em todos eles uma correlação positiva, forte e persistente, da violência com a pobreza e a desigualdade de renda (Hsieh e Pugh, 1993). O desenvolvimento da democracia na América Latina 65 Nas duas últimas décadas, o Estado debilitou-se enormemente e, em algumas zonas dentro de nossos países, virtualmente evaporou-se. interesses não for, em absoluto, de caráter nacional; na verdade, eles são parte de interesses extraterritoriais – públicos e privados – e das tendências relativamente anônimas da globalização econômica. É por todas essas razões que acreditamos ser tão importante inscrever a discussão sobre o Estado (incluindo por quê, para quê e com quem reformá-lo) na perspectiva estratégica, eminentemente política, do desenvolvimento da democracia. No entanto, é preciso ressaltar que não existe Estado neutro. Em suas três dimensões, o Estado é um espaço de condensação complexa e de mediação de forças sociais. Na verdade, a visão neutra é uma maneira de argumentar a favor de um tipo de Estado que, por meio de suas políticas e, certamente, de suas omissões, é um ativo reprodutor de desigualdade e uma grande barreira à expansão de direitos civis e sociais. Alguns tentaram explicar o enfraquecimento dos Estados na América Latina como uma conseqüência inevitável da globalização, diante da qual só seria possível e Como os ventos desejável uma adaptação passiva. Isso não é da globalização verdade e, em certas ocasiões, é até interesseiro. Como os ventos da globalização são são tão fortes, os tão fortes, os países precisam mais do que países precisam nunca de Estados-para-suas-nações. Esse mais do que nunca Estado não deve ser grande ou pesado. Deve ser um Estado forte, capaz de processar os de Estados-paraimpactos da globalização, adaptando-se suas-nações. seletivamente aos mais irresistíveis e assimilando e reorientando outros. Nesse sentido, a observação dos Estados de países centrais que contam com arraigadas instituições e práticas democráticas mostra quão ativamente eles procuram processar, assimilar e reorientar muitos aspectos e conseqüências da globalização. No entanto, uma condição necessária para um Estado capaz de construir democracia e eqüidade social é que alcance níveis razoáveis de eficácia, efetividade e credibilidade. Na América Latina, esse objetivo está travado por fatores que, embora já mencionados na discussão precedente, requerem especial consideração. Especificidade histórica das democracias latino-americanas Os problemas que discutimos até agora são comuns a muitas das novas e não tão novas democracias no mundo contemporâneo. O que a teoria democrática tem a dizer em relação a isso? Infelizmente, não muito. Em grande parte, isso se deve a que a maioria das teorias sobre a democracia foi formulada no marco da experiência histórica dos países europeus e dos Estados Unidos. Essas teorias deixam implícito que, nesses países, os direitos civis eram razoavelmente satisfatórios e atingiam praticamente a toda a sociedade antes da adoção da inclusividade e da universalização dos direitos políticos. Além disso, pressupõem que a legalidade do Estado se estende homogeneamente a todo o território e que, conseqüentemente, não apenas os regimes nacionais, como também os subnacionais são democráticos.40 Deveria ser óbvio, a esta altura, que essas suposições não se ajustam à trajetória histórica e à situação atual da América Latina. Em termos das trajetórias históricas da democracia, a América Latina apresenta um padrão bastante único. Por isso, uma conceitualização da democracia restrita ao regime pode ser aceitável desde que pressuponha que as cidadanias civil e social não são problemáticas. No entanto, quando essas dimensões da cidadania são intermitentes ou estão distribuídas irregularmente pelos diversos setores sociais ou até pelo próprio território do Estado, é crucial considerá-las cuidadosamente, se o objetivo for entender o funcionamento das respectivas democracias e dos principais desafios para seu desenvolvimento. “Ninguém […] pode gozar completamente de nenhum direito, que supostamente possui, se não conta com os elementos essenciais para uma vida razoavelmente 40 Na realidade, os Estados Unidos são uma exceção parcial, embora importante, a esta afirmação. Mas não podemos nos deter neste aspecto no presente Relatório. 66 A democracia na América Latina saudável e ativa.”41 Como conseqüência, “seria inconsistente reconhecer direitos referentes à vida ou à integridade física quando os meios necessários para o exercício e gozo desses direitos são omitidos”.42 Essas afirmações se referem às capacidades que facilitam ou dificultam o exercício dos direitos inerentes à condição de cidadãos. Onde, e baseado em que critério, poderíamos traçar uma linha firme e clara acima da qual a cidadania poderia ser razoavelmente exercida em termos de direitos e capacidades? Que direitos e capacidades seriam imprescindíveis para gozar plenamente da cidadania? Essas questões deram lugar a longos debates.43 Nesse ponto é necessário voltar a um aspecto dessas discussões, o que se refere às liberdades políticas. Sobre esse tema, sustentamos duas afirmações: primeiramente, que é impossível definir teoricamente de modo geral e universal o conjunto mínimo e suficiente desses direitos; e em segundo lugar, que essas liberdades (de expressão, associação, movimento e similares) são, na realidade, segmentos de direitos civis mais amplos – e antigos.44 Já argumentamos que esses direitos correspondem a todos os seres humanos, e que os direitos de cidadania na esfera política, dificilmente podem ser realizados se os indivíduos não possuem direitos sociais e civis “básicos”.45 Um indivíduo, pelo fato de ser um cidadão, tem direito a ser respeitado em sua dignidade, e também tem direito à provisão social das condições necessárias para exercer livremente todos os aspectos e as atividades de sua sociabilidade. Submeter esse indivíduo à violência física ou a privação de necessidades materiais básicas, ou ainda, suprimir seus direitos políticos, são atos que negam severamente sua condição de cidadão, sujeito-ator da democracia. Essa visão das condições mínimas que facultam a capacidade para escolher entre diversas opções, assumindo responsavelmente as conseqüências de tais escolhas, é clara já nas origens da tradição dos direitos humanos e, mais recentemente, também se tornou explícita no pensamento sobre o desenvolvimento humano. Como afirma Amartya Sen no Relatório do Desenvolvimento Humano de 2000: “Os direitos humanos e o desenvolvimento humano compartilham uma visão comum e um propósito comum: assegurar a liberdade, o bem-estar e a dignidade de todas as pessoas em todos os lugares”.46 Embora as constituições da América Latina consagrem os direitos à educação, à saúde e ao trabalho, outras dimensões como a satisfação das necessidades básicas – alimentação e moradia, seguridade social e meioambiente – recebem tratamentos desiguais, tanto reais quanto formais, nos diferentes países. Precisamente, esta priorização acompanha os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que emanam da Declaração do Milênio, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 2000. Atingir os Objetivos do Milênio na região Latino-americana significa levar adiante uma série de políticas públicas muito precisas, tais como: investir na infra-estrutura básica, aumentar a produtividade agrícola, promover a pequena e média empresa, fomentar a indústria, investir na saúde e na educação, dar continuidade a 41 Shue, 1996, p. 7 (itálico no original). 42 Vázquez, 2001, p. 102. 43 Ver Shue, 1996; Nussbaum, 2000b. 44 Nos países europeus e nos Estados Unidos, esses direitos foram realizados como direitos civis muito antes de serem “promovidos” à condição de direitos políticos. Esses direitos também são exercidos em espaços sociais muito distintos, além do âmbito do regime. 45 Como escreve Habermas (1999, p. 332),“sem direitos básicos que garantam a autonomia privada dos cidadãos, também não haveria meio algum para a institucionalização legal das condições sob as quais esses cidadãos fizessem uso de sua autonomia pública”. Esse autor (1998, p. 261) afirma que: “Portanto, a autonomia pública e privada pressupõem-se mutuamente, de tal maneira que nem os direitos humanos nem a soberania popular podem exigir primazia sobre sua contraparte”. 46 PNUD, 2000c, p. 1. O desenvolvimento da democracia na América Latina 67 “Os direitos humanos e o desenvolvimento humano compartilham uma visão comum e um propósito comum: assegurar a liberdade, o bem-estar e a dignidade de todas as pessoas em todos os lugares.” uma política pública de sustentabilidade ambiental. Essas políticas requerem um Estado com capacidade de ação, o que significa a necessidade de chegar a consensos políticos, manter a democracia dentro do estado de direito e aprofundá-la, tendo como meta chegar a uma sociedade em que a cidadania seja integral, em que os direitos e as obrigações não se limitem apenas ao campo político e civil, mas incluam também a área social. Essas políticas pressu- põem a ação do cidadão como indivíduo, como ator político que se expressa por meio de representantes e – nas circunstâncias previstas – diretamente, e como integrante da sociedade, atuando em sua comunidade e nas associações voluntárias que formam a rica trama da sociedade civil. Essa é a mesma visão que, como vimos, subjaz a nossa concepção de democracia. Todos estes direitos – os direitos civis e sua conexão com os direitos humanos, os quadro 17 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) 1. ERRADICAR A EXTREMA POBREZA E FOME ■ Reduzir à metade, entre 1990 a 2015, a proporção de pessoas com renda inferior a 1 dólar por dia, assim como a proporção de pessoas que passam fome. 2. ATINGIR O ENSINO BÁSICO UNIVERSAL ■ Assegurar que, até 2015, as meninas e os meninos de todo o mundo possam completar um ciclo completo de educação primária. 3. PROMOVER A IGUALDADE DE GÊNEROS E A AUTONOMIA DAS MULHERES ■ Reduzir à metade, até 2015, a proporção de pessoas sem acesso sustentável à água potável. ■ Ter atingido, até 2020, significativa melhoria nas condições de vida de pelo menos 100 milhões de moradores dos bairros mais precários. 8. ESTABELECER UMA PARCERIA MUNDIAL PARA O DESENVOLVIMENTO ■ Eliminar as disparidades de gênero na edu- ■ Desenvolver ainda mais um sistema comer- cação primária e secundária, preferencialmente até 2005, e em todos os níveis de educação antes do fim de 2015. cial e financeiro aberto, baseado em normas, previsível e não-discriminatório. 4. REDUZIR A MORTALIDADE INFANTIL ■ Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos. 5. MELHORAR A SAÚDE MATERNA ■ Reduzir em três quartos a taxa de mortali- dade materna, entre 1990 e 2015. 6. COMBATER O HIV/AIDS, A MALÁRIA E OUTRAS DOENÇAS ■ Deter e começar a reduzir, até 2015 , a pro- pagação do HIV/AIDS, a incidência de malária e outras doenças graves. 7. GARANTIR A SUSTENTABILIDADE DO MEIO AMBIENTE ■ Integrar os princípios de desenvolvimen- to sustentável nos programas e políticas 68 nacionais e reverter a perda de recursos ambientais. A democracia na América Latina ■ Atender às necessidades especiais dos países menos desenvolvidos e dos países sem acesso ao mar ou dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento. ■ Encarar por um prisma geral os problemas relativos a dívidas de países em desenvolvimento, elaborar e aplicar estratégias que proporcionem aos jovens trabalho digno e produtivo. ■ Em cooperação com a indústria farmacêu- tica, proporcionar acesso aos medicamentos essenciais nos países em desenvolvimento. ■ Em cooperação com o setor privado, empenhar-se para que possam ser aproveitados os benefícios de novas tecnologias, e especialmente as da informação e das comunicações. direitos sociais e sua conexão com o desenvolvimento humano, e os direitos políticos e sua conexão com a democracia – facilitam e promovem o exercício da cidadania. Isso ocorre assim, precisamente, porque cada um, ou alguma combinação deles, “empurra” em direção ao êxito dos outros ou, ao menos, cria oportunidades favoráveis para sua conquista. Como veremos adiante, o critério relevante para a atribuição de direitos civis, sociais e políticos mudou ao longo do tempo. Por exemplo, até países centrais conviveram por longo tempo com enormes desigualdades, que eram justificadas com o argumento de que os trabalhadores, as mulheres e outros eram, por alguma razão, intrinsecamente “inferiores”. Apesar do grande número de horrores e desigualdades ainda existentes, a crescente aceitação de que todos nós, os seres humanos, somos, em algum sentido essencial, iguais, é uma grande conquista da humanidade. De quanta cidadania uma democracia precisa As afirmações do item anterior não se detêm em várias discussões filosóficas e éticas que estão centradas na questão do equilíbrio entre liberdade e igualdade. Essas são questões extremamente importantes que excedem o âmbito do presente Relatório. Nos países centrais, discute-se sobre os princípios de liberdade e/ou de eqüidade que deveriam regular a atribuição dos bens sociais, quando todos os cidadãos, ou uma grande maioria, alcançaram um nível básico de direitos e capacidades.47 Na América Latina, a questão principal refere-se aos cidadãos que não gozam desses direitos e capacidades básicas. Isso suscita a pergunta sobre se existem boas razões para afirmar um direito universal para chegar a um nível, ou conjunto básico de direitos e capacidades. Sustentamos que essas razões existem e que o fundamento delas é ver os cidadãos e, em geral, os indivíduos como seres autônomos, razoáveis e responsáveis. Essas razões fazem referência a um aspecto primário da eqüidade: não igualdade plena, mas igualdade básica. Por igualamento básico entendemos o direito de cada um a, pelo menos, duas coisas: ser tratado com eqüidade e consideração, devido a sua condição de ser humano; obter, se necessário, por meio do Estado ou da previdência social, um patamar básico de direitos e capacidades que eliminem, ao menos, as privações que impedem o exercício das opções responsáveis e das liberdades que elas implicam. Reconhecemos que nesse plano existem complexas e árduas disputas. Contudo, nos parece inevitável a pergunta sobre se existe ou não obrigação moral, e também direitos acionáveis, para demandar capacidades e direitos básicos que facilitem a todos os cidadãos o exercício de sua cidadania. Seja qualquer for a resposta a essa questão, parece inegável que a democracia possibilita o melhor contexto possível para a sua discussão. Com respeito a isso, Sen argumenta que “a participação [democrática] política e social tem valor intrínseco para a vida humana e o bem-estar, [e também,] valor instrumental ao melhorar a possibilidade de as pessoas serem escutadas […] em suas reivindicações de atenção política [incluindo demandas sobre necessidades econômicas]”. Esse autor, além disso, sustenta48 que a democracia tem valor construtivo, pois “mesmo a idéia de ‘necessidades’, incluindo o entendimento de ‘necessidades econômicas’, requer discussão 47 Dasgupta (1993, p. 45, nota de rodapé) comenta corretamente: “A maior parte da teoria ética contemporânea assume no começo da indagação que essas necessidades [básicas] foram realizadas”. Esta suposição é explícita nos trabalhos de filosofia política que, pode-se dizer, foram os que tiveram mais influência nas últimas décadas, pelo menos no mundo anglo-saxão (Rawls, 1971, pp. 152, 542-543; sua teoria da justiça é considerada aplicável em países onde “apenas as necessidades materiais menos urgentes ainda não foram satisfeitas”; para uma reafirmação explícita dessa suposição, ver Rawls, 2001). Por sua vez, apesar de menos explícita, a mesma suposição está claramente contida no trabalho de Habermas. A questão pendente é o que pode ser dito de países, inclusive os que incluem um regime democrático, que não cumprem com esta suposição. 48 Sen, 1999a, p. 10 (itálico no original). O desenvolvimento da democracia na América Latina 69 É por isso que a democracia é e admite ser um horizonte aberto, no qual ocorrem incessantemente as lutas pela definição e redefinição de direitos e obrigações. pública e intercâmbio de informação, visões e análises […]. Os direitos políticos, incluindo a liberdade de expressão e discussão, não são fundamentais apenas para induzir respostas sociais a necessidades econômicas, são também centrais para a conceituação das necessidades econômicas em si mesmas”.49 Portanto, o conteúdo dos direitos, seu grau de especificidade, seu alcance, a prioridade relativa de uns sobre outros e outras questões desse tipo, são, e sempre serão, objeto de disputas. Existem demasiadas preferências contrapostas, teorias sobre o que é justo ou eqüitativo, e interesses sociais e posições, para que qualquer uma dessas questões possa ser clara e completamente resolvida. Este é um fato da vida social, uma conseqüência da liberdade e da diversidade de projetos de vida, pontos de vista, interesses e espaços sociais que ela sustenta. Corresponde à democracia, e especificamente à política democrática, celebrar e promover as disputas e os acordos que tal pluralidade de vozes e interesses admite. É por isso também que a democracia é e admite ser um horizonte aberto, no qual ocorrem incessantemente as lutas pela definição e redefinição de direitos e obrigações.50 quadro 18 A democracia: uma tensão entre fatos e valores O que a democracia é não pode ser separado do que a democracia deveria ser. […] Em uma democracia, a tensão entre fatos e valores alcança o ponto mais alto. Giovanni Sartori, 1967, p. 4. Qual é a resposta para esses problemas, restrições e incertezas? Simplesmente, mais democracia. A questão crucial é quem decide, como e sobre que base, que direitos são sancionados e implementados, e com que intensidade e alcance, e quais não são inscritos no sistema legal ou permanecem como letra morta. Mesmo quando estiverem embasados em características universais do ser humano, determinar quais são as reivindicações e as necessidades que devem ser transformadas em direitos, em que medida devem ser implementadas e qual é o equilíbrio que se estabelece com os outros direitos e obrigações, é uma construção social decorrente da política, pelo menos da política em suas melhores expressões. É importante para nós, ressaltar o que foi dito anteriormente porque, paradoxalmente, nos países onde mais se precisa discutir amplamente sobre necessidades e demandas e sua possível conversão em direitos acionáveis, é onde há mais dificuldade de incorporar essas questões à agenda pública. O que seria “um mínimo social decente”,51 em termos de um conjunto básico de direitos civis e sociais para todos os habitantes? Desse modo, se um país é pobre, tem um Estado anêmico e um sistema legal truncado, quais seriam as seqüências e trajetórias adequadas para alcançar esse mínimo?52 As necessidades e respectivas privações não são apenas o sofrimento de indivíduos isolados; são questões sociais, que devem ser tratadas em termos do reconhecimento de responsabilidades estatais e coletivas. São questões políticas, imbuídas de diferentes valores e ideologias, de teorias mais ou menos implícitas sobre o funcionamento de uma determinada sociedade e, hoje em dia, cada vez mais também sobre o funcionamento do sistema global. É preciso 49 Ibid., p. 11. 50 Ver Tille, 1990, 1996, 1998b. O autor (1998b, p. 55) conclui que “os direitos [são] produtos históricos, resultados das lutas”. 51 Nussbaum, 2000a, p. 125. 52 Como Tavares de Almeida (2002) argumenta, mesmo dentro da América Latina há variações importantes nessa questão, que deveriam ser consideradas ao traçar possíveis seqüências e trajetórias. Uma discussão detalhada dessa questão depende de uma avaliação país por país, que é uma tarefa que excede as possibilidades do presente Relatório. 70 A democracia na América Latina promover a abordagem desses temas na agenda pública porque é aí que são definidas as necessidades “reais” que um país enfrenta, ignora ou reprime. Na experiência histórica da humanidade, os avanços nos direitos civis e sociais dos setores populares tornaram muito difícil resistir aos pedidos de cidadania política; sua extensão deu às mulheres e a algumas minorias um trampolim importante para adquirir outros direitos civis e sociais; a extensão dos direitos civis impulsionou a conquista de direitos sociais e políticos;53 a disponibilidade de direitos políticos preveniu a fome.54 Estes e muitos outros processos mostram como diversos direitos tendem a ser invocados e reforçados entre si; há uma clara afinidade eletiva entre os direitos civis, sociais e políticos. A força que impulsiona essas relações é finalmente moral: o reconhecimento de que uma pessoa não deve ser privada de nenhum dos direitos e capacidades que normalmente a habilitam a atuar de modo livre e responsável. No que diz respeito à América Latina, agora que contamos com uma notável extensão dos direitos políticos, deveríamos usá-los não apenas no que se refere ao regime, mas também, como alavanca para a indispensável extensão de direitos civis e sociais. O próximo passo consiste na observação empírica do regime democrático, do desenvolvimento da cidadania e do poder. Explicitamos até aqui o fio condutor que guia este Relatório. Exploramos de modo sucinto as bases conceituais nas quais se alicerça a afirmação de que o desafio global do relançamento democrático é a passagem da democracia eleitoral à democracia de cidadania, e foram desenvolvidos os principais argumentos da íntima vinculação entre a idéia de democracia, cidadania e Estado. Essas idéias serviram de base, por sua vez, a uma busca empírica. Sem elas, a observação de dados seria desarticulada e provavelmente não nos guiaria em nossa busca. De modo que indagar como os quadro 19 A informação: uma necessidade básica A idéia de necessidades, incluindo o entendimento de necessidades econômicas, requer informação pública e intercâmbio de informação, visões e análises. […] Os direitos políticos, incluindo a liberdade de expressão e discussão, não são somente fundamentais para induzir respostas sociais a necessidades econômicas, eles são fundamentais para a conceitualização das necessidades econômicas em si mesmas. Amartya Sen, 1999a. Nessa análise, a noção de desenvolvimento da democracia baseia-se em um pressuposto fundamental: a existência de um regime democrático. Nesse regime encontramos o cidadão legalmente respaldado e reconhecido como sujeito na democracia política. Por outro lado, a noção de cidadania nos indicou que o caráter democrático é também um atributo do Estado. Prosseguindo nessa busca, encontramos as características e raízes comuns dos direitos políticos, civis e sociais. Essa tese foi baseada na afirmação de que a democracia significa não apenas cidadania política, mas também civil e social. Afirmamos também que a existência de um contexto diverso e plural, respaldado por um sistema legal consoante com o mesmo, é outro aspecto fundamental da democracia, especialmente como sustento das liberdades que são a cara social dos direitos individuais de cidadania. Na maioria desses aspectos observamos que as democracias da América Latina contemporânea apresentam deficiências. Por outro lado, porém, mostramos as potencialidades políticas e normativas da democracia, mesmo dentro do marco das restrições existentes na atualidade. Sob este ângulo, a democracia pode ser concebida como um conjunto de princípios gerais de organização da sociedade. Ela é, também, a princi- 53 Por exemplo, Touraine (1994) destaca que os trabalhadores europeus obtiveram seus direitos sociais lutando por princípios gerais, como a liberdade e a justiça. 54 Como argumenta Sen em sua op. cit., 1999a. O desenvolvimento da democracia na América Latina 71 O desafio global do relançamento democrático é a passagem da democracia eleitoral à democracia de cidadania. pal alavanca para tentar superar injustiças e desigualdades. A possibilidade que, com suas liberdades, a democracia cria para lutar contra essas injustiças e desigualdades faz dela um horizonte sempre aberto. Essa abertura e a dinâmica que permite, fazem com que a democracia, mesmo as que sofrem sérias deficiências, seja um bem imensamente valioso pelo qual vale a pena esforçar-se para preservar e expandir. cidadãos percebem a democracia em suas vidas, construir os indicadores do regime 72 A democracia na América Latina político e do desenvolvimento de cidadania e, finalmente, consultar os que conhecem o poder, os limites do Estado e os governos, são os eixos da pesquisa empírica que se desenvolve no próximo capítulo. Aí encontraremos a matéria das teses que foram levantadas até aqui. Finalmente, o leitor poderá apreciar as idéias dessas primeiras páginas, juntamente com os resultados empíricos da segunda seção, na terceira parte deste Relatório, onde serão elaboradas as idéias centrais dos dois principais desafios da democracia latinoamericana: garantir a liberdade e ampliar a cidadania de seus habitantes. segunda seção Bases empíricas do Relatório A partir da apresentação dos fundamentos teóricos do Relatório e da caracterização da singularidade das democracias latino-americanas, indaga-se e analisa-se seu correlato empírico. Esta seção contém: a. Um olhar dirigido ao regime democrático no sentido estrito (regras, procedimentos e instituições que determinam as formas de acesso à cúpula do Estado). Inclui um índice de democracia eleitoral (IDE), que indica que a América Latina progrediu visivelmente quanto à eleição democrática de governos, e inclui também um estudo de outros indicadores de cidadania política. b. Um conjunto de indicadores de cidadania civil que revela que o progresso representado pelo reconhecimento formal dos direitos não está necessariamente acompanhado por sua vigência real, e um conjunto de indicadores de cidadania social em que se observam apenas pequenos avanços em alguns temas e agudas deficiências em outros. c. Uma análise da visão dos latino-americanos sobre sua democracia, com base em uma pesquisa de opinião de 19.508 pessoas interessadas nos dezoito países considerados. A análise revela uma clara preferência pela democracia em relação a outras formas de governo, embora esta preferência não implique um claro e sustentado apoio, tal como o índice de apoio cidadão à democracia (IAD) e os perfis de intensidade cidadã evidenciam. d. Uma análise da rodada de consultas sobre aspectos centrais da democracia, realizadas com 231 dirigentes políticos e sociais latino-americanos, dentre eles, um grupo destacado de presidentes e vice-presidentes. As consultas incluíram temas como a participação política, os controles ao exercício do poder, o papel dos partidos políticos, os poderes fáticos, os poderes ilegais, os poderes políticos formais e a construção de uma agenda para o fortalecimento da democracia. Bases empíricas do Relatório 73 74 A democracia na América Latina Indicadores de desenvolvimento da democracia ■ Cidadania política, civil e social Foi construído para esta seção um conjunto de indicadores para descrever a atual situação da democracia na América Latina. O alcance, a interpretação e o uso desses indicadores devem basear-se nas notas metodológicas incluídas ao final do Relatório. É importante fazer alguns esclarecimentos a respeito dos dados aqui apresentados: a. Não proporcionam um sistema de qualificação dos governos latino-americanos. Os indicadores tentam iluminar o amplo cenário em que os representantes eleitos e outros atores atuam, e por isso não devem ser interpretados como qualificações das autoridades eleitas. Tampouco se trata de comparar os diferentes países entre si. b. Não constroem um índice ou ranking único de países. O marco teórico propõe, como tese fundamental, que a democracia inclui o regime político, porém não se esgota nele. Levando em consideração esse ponto de partida, os indicadores apontam vários aspectos ou dimensões da democracia, mediante diversos direitos políticos, civis e sociais. Esta realidade complexa não pode se resumir adequadamente em um único índice. Além disso, como os indicadores sempre captam a realidade com um certo grau de incerteza, não são apresentadas classificações precisas, que pressupõem a inexistência de erros. Por razões metodológicas básicas não se apresenta um índice único nem uma classificação de países. c. Apresentam medições parciais de uma realidade complexa. Para captar essa complexidade foram reunidos diferentes indicadores, alguns com o foco em processos, outros em políticas e outros em resultados. Embora eles possam, em seu conjunto, delinear um panorama detalhado, ofere- cem uma visão parcial da realidade e não esgotam o significado dos conceitos medidos. Além disso, em mais de um caso, a informação disponível diz respeito apenas a uma conjuntura e não a um período longo sobre o qual podem ser identificadas tendências. Certos aspectos, alguns realmente essenciais para captar a singularidade de cada país, dificilmente podem ser incorporados por meio de medições quantitativas e são melhor compreendidos com um enfoque qualitativo. d. Fazem referência ao momento em que a medição foi realizada e não devem ser considerados como uma qualificação da situação atual. Existe um lapso normal entre o momento da medição e sua posterior análise e publicação, que deve ser levado em conta no momento de interpretar os dados. Esse fenômeno adquire particular relevância quando ocorrem medições únicas ou iniciais, e essa relevância diminui quando se conta com séries históricas ou medições reiteradas ao longo de períodos prolongados. e. Os novos índices apresentados neste Relatório significam uma primeira aproximação qualitativa e quantitativa a fenômenos sociais e políticos complexos. Os dados selecionados que compõem os diversos indicadores obedecem ao processo de construção do índice. Uma mudança nos componentes que constituem o índice poderia modificar o seu valor. Os valores atribuídos às variáveis que compõem os índices fundamentam-se em um processo de codificação realizado por analistas. Apesar do cuidado ao atribuir valores semelhantes a situações semelhantes, existe uma margem de variabilidade vinculada à apreciação de cada analista acerca da realidade em questão. Conseqüentemente, na leitura dos resultados, esse complexo processo de construção Bases empíricas do Relatório 75 deve ser levado em conta. Cidadania política Índice de democracia eleitoral A análise do regime eleitoral é feita inicialmente a partir do índice de democracia eleitoral (IDE), construído para o Relatório. Este índice reúne medições que respondem quadro 20 O índice de democracia eleitoral (IDE) Uma contribuição à discussão sobre a democracia O Índice de Democracia Eleitoral (IDE) é uma a democracia em um mundo fragmentado”. nova medida do regime eleitoral democrático A construção do IDE apóia-se nos últimos produzida para este Relatório. Este tipo de avanços na matéria, cuja explicação encontra- medição tem uma evolução prolongada no se na nota técnica do compêndio estatístico. mundo acadêmico. Um passo importante O IDE apresenta uma agregação de quatro na discussão dessa metodologia foi dado componentes considerados essenciais em um na publicação do PNUD, Relatório do regime democrático, tal como está refletido na Desenvolvimento Humano 2002, “Aprofundar seguinte árvore conceitual: Índice de Democracia Eleitoral (IDE) Direito de voto Todos os adultos Eleições limpas O processo eleitoral Eleições livres É oferecido Cargos públicos eleitos As eleições são o meio em um país têm desenvolve-se sem ao eleitorado de acesso aos principais direito de voto ? irregularidades que um leque de cargos públicos de um possam influir na alternativas país, isto é, o Executivo expressão autônoma que não são e o Legislativo nacional, das preferências influenciadas por e os que ganham as dos votantes restrições legais eleições assumem e por candidatos e ou de fato? permanecem nesses alterem a contagem cargos públicos durante fidedigna dos votos os prazos estipulados emitidos? por lei? Por sua vez, a regra de agregação está como um dos critérios para identificar países expressa formalmente na seguinte fórmula: que seriam receptores de fundos destinados à promoção do desenvolvimento. Um Índice de democracia eleitoral (IDE) = Direito de voto x Eleições limpas x Eleições livres x Cargos públicos eleitos exemplo é o Millenium Challenge Accoumt (MCA) do Governo dos Estados Unidos, que utiliza, junto com outros dados, medidas de democracia e de estado de direito elaboradas 76 O IDE é um insumo para o processo de pela Freedom House e pelo Banco Mundial. discussão e análise da realidade latino- O PRODDAL considera que ainda não existe americana e não deve ser considerado suficiente consenso e uma metodologia como uma medida completa da democracia. comprovada e adequada para justificar a Recentemente, iniciou-se um debate sobre tomada desse tipo de decisões sobre a base o possível uso de medições da democracia de medidas de democracia. A democracia na América Latina às seguintes perguntas (para uma explicação mais detalhada, ver quadro 20): ■ O direito ao voto é reconhecido? ■ As eleições são limpas? ■ As eleições são livres? ■ As eleições são o meio de acesso a cargos públicos? O IDE capta informação sobre alguns dos componentes mais básicos e necessários do regime democrático. Violações, mesmo parciais, de qualquer um desses direitos cidadãos políticos indicam restrições muito importantes do regime democrático. No entanto, é necessário enfatizar que o IDE é uma medida relativamente minimalista da democracia. A conquista de uma democracia eleitoral plena, medida de acordo com os critérios usados pelo IDE, representa um avanço significativo dos direitos cidadãos. O estabelecimento de uma democracia eleitoral, porém, é apenas um passo que determina um piso mínimo na luta mais ampla pela expansão dos direitos cidadãos. A conclusão mais evidente que surge do IDE é que a América Latina progrediu notavelmente no que se refere à democratização do regime de acesso ao governo. A América Latina nunca teve regimes eleitorais tão democráticos e duráveis quanto os do início do século XXI. Antes de começar a onda de transições, no fim da década de 70, a maioria dos países na região tinha regimes autoritários. A partir daí, o progresso foi muito marcante. A média do IDE (cujo valor varia entre 0 e 1) para a América Latina passou rapidamente de 0,28 em 1977 para 0,69 em 1985, e para 0,86 em 1990; continuou melhorando e terminou 2002 com 0,93. As experiências variam bastante, como se pode ver no gráfico 1. Por volta de 1990, os países do Mercosul e Chile, com exceção do Paraguai, já haviam rompido com os regimes militares. A partir dessa época mantiveram regimes democráticos. Outra situação é a da sub-região América Central e República Dominicana que, com exceção da Costa Rica e da República Dominicana, nos anos noventa ainda estava resolvendo conflitos armados. A democratização coincidiu com a resolução pacífica desses conflitos e avançou a passos firmes. Em 2002, essa sub-região era eleitoralmente a mais democrática. Outra situação é a dos países andinos, que no início da década de 90 tinham regimes democráticos de longa data (Colômbia, Venezuela) ou foram os primeiros casos de transição de regimes militares na América do Sul, no final dos anos setenta e início dos anos oitenta (Equador, Peru, Bolívia). Entretanto, durante a década de noventa, essa sub-região começou a enfrentar sérios problemas que chegaram, inclusive, a colocar em risco seus regimes políticos. Por último, o México registrou uma transição para a democracia, lenta, porém constante, que culminou com a presidência de Ernesto Zedillo. Outras conclusões, mais específicas, surgem de uma observação mais minuciosa dos quatro indicadores utilizados pelo IDE: direito ao voto, eleições limpas, eleições livres e as eleições como o meio de acesso a cargos públicos. O primeiro componente-chave do regime democrático é o direito ao voto: sem esse direito, as outras conquistas perdem o Bases empíricas do Relatório 77 TABELA 4 ELEIÇÕES LIMPAS, 1990-2002 País Argentina Bolívia Brasil Chile 1990 1991 2 1992 1993 2 2 2 1994 1995 2 1996 1997 2 2 2 1 2 Guatemala Honduras México Nicarágua 1 1 2 1 2 2 2 2 2 1 2000 2 2 22 2 2 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 2 2 1 0* Uruguai Venezuela 2002 2 2 2 2 2 Panamá Paraguai Peru 2 República Dominicana 1-* 2001 2 1 2 2 2 2- 1999 2 2 2 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 1998 2 0* 2 2 2 2 2 2 2 2 2 Número de casos de eleições com irregularidades de alguma significação América Latina (**) 3 1 0 1 3 2 0 0 1 0 1 0 0 Notas: As eleições são consideradas “limpas” quando o processo eleitoral ocorre sem irregularidades que limitem os eleitores a expressar autônoma e fielmente suas preferências por algum candidato. Não inclui questões relacionadas com a competitividade do processo eleitoral nem se é permitido ao ganhador das eleições assumir seu cargo público, nem se todos os cargos públicos são eletivos. Valores: 0 = graves irregularidades no processo eleitoral que têm um efeito determinante sobre os resultados das eleições (por exemplo, alteram o resultado de uma eleição presidencial e/ou do equilíbrio de poder dentro do Parlamento); 1= irregularidades significativas no processo eleitoral (por exemplo, intimidação dos eleitores, violência contra os eleitores, fraude eleitoral); 2 = falta de irregularidades significativas no processo eleitoral (por exemplo, eleições que podem incluir irregularidades “técnicas”, mas que não possuem um viés sistemático de peso significativo). Sinais de mais e menos são usados para indicar situações intermediárias. Quando em um ano há eleições tanto para o Executivo quanto para o Parlamento e as irregularidades se aplicam apenas às eleições para o Executivo, indica-se esta situação com um asterisco (*). Nesses casos o valor para as eleições parlamentares é 2. (**) Os dados para a região abarcam o número total de eleições realizadas em um determinado ano com irregularidades significativas ou maiores, isto é, que não recebem uma pontuação de 2 ou 2-. Fontes: Cerdas-Cruz, Rial e Zovatto 1992, Rial e Zovatto 1998, Middlebrook 1998, Montgomery 1999, Pastor 1999, Hartlyn, McCoy e Mustillo 2003, relatórios da Organização dos Estados Americanos (OEA), da União Européia (UE), do Centro Carter e do Instituto Nacional Democrático; diversos artigos do Journal of Democracy; e consultas com especialistas. seu conteúdo. Em relação a esse componente, existe pouca variação na América Latina. Hoje em dia, em todos os países se reconhece o direito universal ao voto. Cabe observar que, mesmo nos casos em que existe o que geralmente é chamado de direito ao vo- to universal, podem subsistir restrições que afetam o direito ao voto de militares e policiais, do clero, de residentes estrangeiros55 e de cidadãos vivendo no estrangeiro. Além disso, em alguns países existem barreiras que dificultam a prática real do direito 55 Ver Paxton et al., 2003. 56 Ver, por exemplo, o estudo de Boeno e Torres Vivas, 2001. 78 A democracia na América Latina TABELA 5 ELEIÇÕES LIVRES, 1990-2002 País Argentina Bolívia Brasil Chile 1990 1991 4 1992 1993 4 4 4 1994 1995 4 1996 4 3 4 Guatemala Honduras México Nicarágua 3 3 4 3 2000 4 4 3 4 4 4 3 4 4 4 4 4 4 4 4 4- 4 4 4 4 3 4 4 Uruguai Venezuela 2002 4 4 4 4 Panamá Paraguai Peru 4 República Dominicana 4 2001 4 3 4 4 4 4 4 1999 4 4 3 4 4 4 3 1998 4 4 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 1997 4 4 4 3 4 4 4 4 4 4 4 4 4 Número de casos de eleições com restrições de alguma significação América Latina (*) 2 2 1 0 2 1 0 0 1 0 Notas: As eleições são consideradas “livres” quando o eleitorado tem uma variedade de opções que não está limitada nem por restrições legais nem pela força. Essa medida não inclui fatores que possam afetar a capacidade dos partidos e candidados para competir em igualdade de condições, tais como: financiamento público, acesso aos meios de comunicação e uso dos recursos públicos. Valores: 0= sistemas de partido único; 1= proscrição de um partido importante; 2 = proscrição de um partido menor; 3 = restrições de natureza legal ou prática que afetam significativamente a capacidade de candidatos potenciais a se apresentarem para eleições e/ou a formação de partidos políticos (por exemplo, assasinatos sistemáticos e intimidação de candidados, proscrições de candidatos populares, restrições de natureza legal ou prática que impedem a formação de partidos ou que levam certos partidos a boicotar as eleições); 4=condições essencialmente irrestritas para a postulação de candidatos e a formação de partidos. Sinais de mais e menos são usados para indicar situações intermediárias. (*) Os dados para a região abarcam o número total de eleições realizadas em um determinado ano com restrições significativas, isto é, que não recebam uma pontuação de 4 ou 4-. Fontes: Cerdas-Cruz, Rial e Zovatto 1992; Rial e Zovatto 1998, Middlebrook 1998, Montgomery 1999, Pastor 1999; diversos artigos no Journal of Democracy; e consulta com especialistas. ao voto.56 No entanto, o reconhecimento do direito universal ao voto é, sem dúvida, uma conquista importante, que vale a pena ressaltar. Algumas das lutas políticas mais destacadas da primeira metade do século XX centraram-se em estender o sufrágio às classes trabalhadoras, aos setores populares e às mulheres. O IDE também capta em que medida as preferências dos votantes são registradas fielmente por meio do processo eleitoral. Como se pode ver na tabela 4, entre 1990 e 2002 foram realizadas setenta eleições nacionais, no total, e em treze casos houve problemas significativos. Em duas oportunidades (República Dominicana 1994 e Peru 2000), a comunidade internacional considerou que os problemas foram de tal magnitude que coloBases empíricas do Relatório 79 0 0 1 cavam em questão o caráter democrático do procedimento eleitoral. Na maioria dos casos, porém, as irregularidades não parecem ter sido decisivas para o resultado das eleições. Além disso, o número de atos eleitorais problemáticos diminuiu consideravelmente: no período 1900-1996, em um total de trinta e cinco eleições, houve dez casos, enquanto no período 1997-2002, esse número caiu para dois sobre o mesmo total. O terceiro componente do IDE, as eleições livres, introduz um elemento que não é captado diretamente pelos conceitos de direito ao voto e de eleições limpas: a liberdade do eleitor de escolher entre várias alternativas. Nessa matéria subsistem alguns problemas, tal como mostra a tabela 5. Do total de setenta eleições nacionais, realizadas entre 1990 e 2002, houve dez casos em que a possibilidade de competir livremente em eleições foi restringida de maneira significativa. Apesar disso, a tendência é positiva. Enquanto no período 1990-1996 houve oito casos de eleições com restrições significativas em um total de trinta e cinco eleições, esse número caiu para dois sobre o mesmo total no período 1997-2002. Visto em perspectiva, a melhoria é notável. Já não existem as proscrições legais que em outras épocas atingiram partidos majoritários como o Partido Justicialista (PJ) na Argentina ou a Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) no Peru, e partidos de menor peso eleitoral, como os partidos comunistas do Brasil, do Chile e da Costa Rica. Essas restrições – de uso reiterado do final da década de 40 até a de 60 na maioria dos casos, mas até 1985 no caso do Brasil – foram superadas. Da mesma forma, com a resolução dos conflitos armados na América Central, durante a década de 90, as restrições devido à falta de capacidade estatal para garantir a integridade física dos candidatos, também foram superadas, com exceção da Colômbia. O quarto componente do regime democrático gira em torno das eleições como o meio de acesso a cargos públicos. Aqui surgem duas questões básicas. Uma é saber se os cargos públicos principais (presidentes e parlamentares) são ocupados ou não pe80 A democracia na América Latina los que ganham as eleições. A outra é saber se os que têm acesso a esses cargos permanecem neles durante os prazos estipulados por lei ou, no caso de serem substituídos, se isso ocorre de acordo com as normas constitucionais. Esse componente complementa a visão do processo eleitoral ao introduzir uma consideração acerca do que realmente está em jogo nas eleições. Foi introduzido porque sua violação determina que o regime deixa de ser democrático, embora as eleições em si mesmas tenham sido limpas. Como se observa na tabela 6, nessa questão a situação atual da América Latina é muito positiva. Estabeleceu-se como critério amplamente aceito que todos os cargos públicos principais (presidentes e parlamentares) sejam atribuídos por meio de eleições e que os governantes eleitos permaneçam em seus cargos durante o período de seus mandatos. A transferência do mandato presidencial tornou-se uma prática normal. Isso significa um contraste com a situação da América Latina durante o período 1950-1980, e é um dos sinais mais claros dos grandes avanços democráticos que transformaram o marco político da região. Existem, porém, duas exceções que merecem atenção. Uma delas pode ser observada no Chile, em virtude da criação dos senadores designados, fato que limita a possibilidade de as preferências da maioria cidadã se verem representadas no Parlamento. A outra exceção, de maior relevância, refere-se às tentativas de utilizar formas que não seguem, rigorosamente, as regras constitucionais, para afastar do poder os governantes eleitos. São exemplos: em 1992, no Peru, o fechamento do Parlamento pelo presidente Fujimori; em 1993, na Guatemala, a tentativa falida do presidente Serrano de imitar Fujimori; em 1997, no Equador, a destituição do presidente Bucaram; em 1999, no Paraguai, o assassinato do vice-presidente Argaña; em 2000, no Equador, o afastamento do presidente Mahuad; em 2001, na Argentina, a queda do presidente De la Rúa; e em abril de 2002, na Venezuela, a crise suscitada pela tentativa de destituir o presidente Chávez. Essas situações não resultaram em clássicos golpes militares, como os que fre- TABELA 6 ELEIÇÕES COMO O MEIO DE ACESSO A CARGOS PÚBLICOS, 1990-2002 País Argentina Bolívia Brasil Chile 1990 4 4 4 3 1991 4 4 4 3 1992 4 4 4 3 1993 4 4 4 3 1994 4 4 4 3 1995 4 4 4 3 1996 4 4 4 3 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 Guatemala Honduras México Nicarágua 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 3 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 2 4 4 4 4 4 4 4 4 4 Uruguai Venezuela 4 4 4 4 4 4 4 4 1997 4 4 4 3 1998 4 4 4 3 1999 4 4 4 3 2000 4 4 4 3 2001 44 4 3 2002 4 4 4 3 4 4 3+ 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 3 4 4 4 3 4 4 4 3 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 2+ 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 3- 1 1 1 2 1 2 2 2 3 Número de casos com restrições de alguma significação América Latina (*) 1 1 2 2 Notas: As eleições são consideradas o meio de acesso aos principais cargos públicos de um país, isto é, o Executivo e o Legislativo nacional, se os que ganham as eleições assumem seus cargos públicos e permanecem nos cargos durante os prazos estipulados pela lei. No caso de os ocupantes de cargos públicos serem substituídos, avalia-se a forma de remoção do cargo e de seleção de substitutos. Valores: 0 = nenhum dos cargos públicos principais é ocupado por meio de eleições, ou os que ocupam todos os principais cargos políticos são removidos pela força por governantes inconstitucionais; 1 = somente alguns dos principais cargos públicos são ocupados por ganhadores de eleições, ou a maioria dos ocupantes de cargos públicos são removidos de seus cargos pela força e substituídos por governantes inconstitucionais; 2 =o presidente ou o Parlamento não são eleitos ou são removidos do cargo pela força e substituídos por governantes inconstitucionais; 3 = o presidente ou o Parlamento são eleitos, mas o presidente é removido do cargo e/ou substituído por meios inconstitucionais, ou um número significativo de parlamentares não são eleitos ou são removidos dos cargos pela força; 4 = todos os cargos políticos principais são preenchidos por meio de eleições e nenhum dos ocupantes desses cargos políticos principais é removido do cargo a menos que sua remoção e substituição esteja baseada em fundamentos constitucionais estritos. Sinais de mais e menos são usados para indicar situações intermediárias. (*) Os dados para a região abarcam o número total de eleições realizadas em um determinado ano com restrições significativas, isto é, que não recebem uma pontuação de 4 ou 4-. Fontes: Domínguez e Lowenthal 1996, Domínguez 1998, Diamond et al.1999, Walker e Armony 2000, Pérez-Liñán 2001 e 2003, e consulta com especialistas. qüentemente aconteceram com a ruptura de regimes democráticos, em um passado não muito distante da América Latina. Essas tentativas encerram, no entanto, outra modalidade de interromper o exercício do poder. Os casos de restrição ao princípio de acesso democrático a cargos públicos não são poucos. Entre 1990 e 2002, em seis dos dezoito países considerados houve algum tipo de restrição de peso a esse princípio. A tendência não é positiva, pois os casos passaram de um, em 1990 para três, em 2002. Bases empíricas do Relatório 81 Outros indicadores do regime democrático de acesso ao governo Além dos aspectos do regime democrático incluídos no IDE, existem outros indicadores relevantes. Participação eleitoral A participação cidadã no processo eleitoral na América Latina, mesmo com diferenças significativas entre países, é positiva (tabela 8). No nível regional, 89,3 por cento dos eleitores em potencial estão inscritos nos registros eleitorais, 62,7 por cento votam e 56,1 por cento emitem um voto válido. Essas cifras indicam que é possível ganhar eleições sem que o candidato vencedor consiga o respaldo da maioria dos cidadãos. Esses percentuais de participação eleitoral estão abaixo dos da Europa ocidental, mas estão acima dos percentuais dos Estados Unidos. Os níveis latinoamericanos também mostram tendências estáveis durante períodos prolongados. Alguns países da América Latina têm uma participação eleitoral muito baixa. A porcentagem de eleitores na Venezuela (45,7), em El Salvador (38,7), na Guatemala (36,2) e na Colômbia (33,3) é baixa e é motivo de preocupação. A participação nas eleições da Bolívia, da República Dominicana e do Paraguai, mesmo sendo maior, também é baixa. Embora o absenteísmo não seja um problema regional, certamente é um problema em alguns países. Concorrência eleitoral e seleção de candidatos Outros indicadores oferecem informação mais detalhada sobre o processo de seleção dos candidatos, uma questão que influi na concorrência eleitoral. Trata-se de um processo complexo, que gira em torno dos partidos políticos que são, em toda a região, o veículo privilegiado por meio do qual os candidatos se apresentam para cargos públicos. Em relação a esse tema, entre os países latino-americanos existem diferenças significativas a respeito de três questões importantes: ■ 82 o monopólio dos partidos sobre as A democracia na América Latina candidaturas a cargos públicos e a possibilidade de apresentação de candidatos independentes; ■ os requisitos para a formação de partidos nacionais; ■ a exigência legal de realizar eleições internas nos partidos para a escolha de candidatos. Como se observa na tabela 9, um primeiro grupo de países apresenta frágeis barreiras para a entrada de novos atores na concorrência eleitoral e certo desenvolvimento de uma normativa e/ou prática de democracia partidária interna. São eles: Colômbia, Costa Rica, Honduras, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Um grupo intermediário está formado por Argentina, Brasil, Chile, Equador, Panamá e República Dominicana, onde barreiras de entrada mais altas coexistem com alguns requisitos legais para a indicação de candidatos ou com o pouco uso das primárias para escolher os candidatos partidários. Em um terceiro grupo de países, a seleção de candidatos está altamente centralizada nas mãos das elites partidárias: Bolívia, El Salvador, Guatemala, Nicarágua e Peru. Certamente, os temas de barreiras de entrada no processo eleitoral e de democracia interna são complexos. Antes de apresentar uma avaliação abrangente, é necessário obter mais informação do que a atualmente disponível sobre candidaturas independentes, formação de partidos e procedimentos para eleger seus candidatos, condições em que concorrem os pré-candidatos dentro dos partidos e formas de fiscalização das eleições internas. Um tema relevante que incide sobre a concorrência eleitoral é a existência de legislação que abra espaços políticos para as mulheres mediante a reserva de cotas nas listas partidárias para o Parlamento. Na última década, muitos países da região aprovaram esse tipo de legislação (tabela 10). De 1991 a 2003, doze dos dezoito países da América Latina introduziram leis de cotas que, em geral, requerem que entre 20 e 40 por cento de lugares nas listas parlamentares partidárias sejam atribuídos a mulheres. Esse mecanismo é uma melhora importante, pois expressa um reconhecimento formal da necessidade de criar mais oportunidades para a inclusão das mulheres. No entanto, esse é apenas um passo inicial no tratamento das múltiplas barreiras que ainda as impedem de competir na política, em igualdade de oportunidades. Outra questão relevante que se reflete na concorrência eleitoral são as regras para o financiamento político. Esse tema tem um impacto cada vez maior sobre a natureza da competição eleitoral, porque define se as eleições são, além de livres, justas, com igualdade de oportunidades para todos. Os dados de financiamento estatal revelam uma situação muito variada (tabela 11). Para assegurar que o dinheiro não se converta em um fator de desvirtuação do processo eleitoral, alguns países recorrem ao financiamento público de parte da campanha eleitoral, pagando por voto emitido ou facilitando o acesso aos meios de comunicação, substancialmente a TV. A maioria dos países utiliza um sistema misto de financiamento, mas a tendência é no sentido de maiores controles, sendo ainda difícil sua instrumentação. Representação eleitoral É importante também observar as características das pessoas e dos partidos que têm acesso a cargos públicos eleitos. No que diz respeito às mulheres, o número de parlamentares aumentou (tabela 12). Em pouco mais de uma década, as mulheres aumentaram seu nível de representação, de 8 para 15,5 por cento, ainda que com variações consideráveis entre os países. O número de indígenas nas câmaras baixas ou únicas do Poder Legislativo, durante o período 2001-2002, foi de 0,8 por cento (1 sobre o total de 120) no Peru; 3,3 por cento (4 sobre 121) no Equador; 12,4 por cento (14 sobre 113) na Guatemala; e 26,2 por cento (34 sobre 130) na Bolívia.57 Essas cifras contrastam com as de 43, 34, 60 e 61 por cento que representam aproximadamente as populações indígenas nesses países, respectivamente.58 Por último, o número de afrodescendentes na câmara baixa do Parlamento do Brasil foi de 0,8 por cento (4 sobre o total de 479) entre 1983 e 1987; de 2,1 por cento (10 sobre 487) entre 1987 e 1991; 3,2 por cento (16 sobre 503) entre 1991 e 1995, e de 2,8 por cento (15 sobre o total de 513) entre 1995 e 1999,59 enquanto os afrodescendentes são aproximadamente 44 por cento da população total do Brasil.60 A representação pode ser examinada também sob a perspectiva dos partidos políticos, sobre os quais apresentamos vários indicadores relevantes (ver tabela 13). Uma medida simples é o percentual de votos recebidos pelos partidos políticos que não chegam a obter representação na câmara baixa ou única do Parlamento. A média regional de 4,3 por cento é relativamente baixa e, em vários países – Honduras, Uruguai, Paraguai e Brasil, o percentual de votos válidos dos partidos sem representação parlamentar é sumamente baixo. Já em outros países – Costa Rica, Chile e Guatemala – esse percentual é alto, oscilando entre 7,8 e 12,3 por cento. Da mesma forma, o índice de desproporcionalidade – uma medida mais complexa, que capta a relação entre votos emitidos por partido e as cadeiras ocupadas por esses partidos na câmara baixa ou única do Parlamento – mostra um panorama bastante positivo. A média regional de 5,6 por cento é bastante moderada, indicando que existe um grau considerável de correspondência ou proporcionalidade entre o número de votos e as cadeiras de 57 Estas cifras podem mudar mesmo dentro do período indicado, segundo o critério de apreciação dos observadores que forem consultados. Comunicação pessoal, Luis Enrique López Hurtado, 2002, e Simón Pachano, FLACSOEquador, 2003; e Estado Unidos, Departamento de Estado, 2001. 58 Estas cifras são uma média das estimativas mais altas e baixas que oferecem Mato Mar, 1993, pp. 232-233; e Meentzen, 2002, p.12. 59 Johnson, 1998, pp. 103-105. 60 Torres, 2001, p. 94. Bases empíricas do Relatório 83 cada partido. Além disso, em vários países – Uruguai, Honduras, Nicarágua e Colômbia –, esse índice é particularmente baixo. Já em outros países – Guatemala e Panamá –, o percentual é bastante alto, oscilando entre 11,9 e 13,9 por cento. Balanço do regime de acesso democrático ao governo De acordo com os componentes do IDE observa-se que na América Latina: O direito ao voto é reconhecido sem restrições aos cidadãos residentes em cada país. ■ A prática de eleições limpas foi estabelecida como padrão geral. É clara a tendência no sentido de uma melhoria no componente de eleições livres. São isolados os episódios de irregularidades, fraude eleitoral e intimidação a votantes. ■ Produziram-se notáveis avanços no que diz respeito às eleições como o meio de acesso a cargos públicos. O normal é que os cargos principais da área executiva e legislativa do Estado (em nível nacional) sejam ocupados por meio de eleições, e que a sucessão entre governos obedeça a normas constitucionais, mesmo nos casos de crises políticas ou político-sociais que incluíram casos de renúncia dos primeiros mandatários eleitos. No entanto, existem exceções a essa situação, especialmente algumas tentativas de afastamento de governantes eleitos por meios não constitucionais. ■ Entre os aspectos do regime democrático não incluídos no IDE observamos que: ■ O nível de participação dos cidadãos em processos eleitorais é moderadamente alto na região, embora em alguns países se detecte uma tendência no sentido de uma menor participação eleitoral. ■ Não existem tendências marcantes quanto às barreiras para entrar na competição eleitoral, nem sobre a participação dos cidadãos na seleção dos candidatos. Entretanto, em vários países, as elites partidárias 84 A democracia na América Latina centralizam as decisões sobre a indicação de candidatos. ■ Existe uma tendência a introduzir normas legais tendentes a criar maiores oportunidades de inclusão cidadã. Esse é o caso de leis promulgadas na maioria dos países latino-americanos, que estabelecem um número mínimo para a representação feminina nas listas parlamentares. ■ Entre o fim da década de oitenta e hoje, as mulheres aumentaram seu nível de representação nos Parlamentos da América Latina, mas o nível atual ainda é muito inferior ao peso demográfico feminino. As deficiências são ainda mais significativas na representação parlamentar dos indígenas e afro-descendentes. ■ Os sistemas eleitorais possibilitam um grau considerável de proporcionalidade entre a força eleitoral e a representação parlamentar dos partidos políticos. ■ Poucos países aprovaram uma legislação sobre financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais que contemple um fácil acesso a fundos públicos e uma regulação eficaz do dinheiro na política. Outras dimensões da Cidadania Política A cidadania política não apenas está relacionada com o vínculo entre eleitores e os que tomam as decisões públicas, mas também com a orientação dos que tomam essas decisões – eleitos ou não: para o bem público ou para fins privados. Por isso, um aspecto importante a considerar é o do controle da gestão de funcionários públicos e sua obrigação de prestar contas na forma e prazo devidos. Nesta parte analisamos, em primeiro lugar, os poderes constitucionais clássicos (Executivo, Legislativo e Judiciário), em seguida os organismos públicos especializados no controle horizontal das atividades do Estado e, por último, alguns mecanismos de democracia direta que podem oferecer oportunidades de participação cidadã no controle e na formulação de políticas. Poderes constitucionais clássicos Um primeiro aspecto do tema do controle da política é a relação entre os poderes quadro 21 A petição cidadã perante as instituições públicas Embora uma petição cidadã seja negada, o tipo de trâmite (39,9%). Dentre elas, uma alta tratamento dispensado pelos funcionários porcentagem declarou ter recebido algum públicos deve cumprir duas condições: tipo de maltrato por parte dos funcionários respeitar os direitos e a dignidade das públicos (78%). Na maioria dos casos, tratou-se pessoas e amparar suas resoluções dentro de experiências de maltrato leves (espera em de um mandado legal aprovado mediante longas filas, trâmites desnecessários, negação normas democráticas. O contrário é o maltrato de informação ou problemas para obtê-la). ao cidadão. Uma proporção dos casos de Nessas experiências podem existir fatores como maltrato pode estar relacionada com razões a falta de instalações adequadas e a saturação contingentes, mas elas dificilmente explicam dos serviços. a existência de padrões de maltrato nas Um assunto preocupante é a quantidade de interações entre cidadãos e Estado. Por isso, relatos de experiências de maltrato “duro”: o Relatório explora se existem padrões de uma de cada quatro pessoas que interagiram maltrato para indagar se isso obedece a com as instituições públicas declarou ter uma razão mais estrutural: a persistência sido humilhada, ter recebido tratamento de modalidades pouco democráticas na desrespeitoso ou que lhe solicitaram uma organização e no funcionamento de um Estado. gorjeta ou propina (22,3%). Nesses casos, o Uma primeira constatação do Relatório é direito ao tratamento eqüitativo e o respeito que, em 2002, uma proporção minoritária de à dignidade pessoal foram, aos olhos dos pessoas declarou ter entrado em contato com entrevistados, vulnerados pelos funcionários uma instituição pública para realizar algum públicos que os atenderam. TABELA 7 EXPERIÊNCIAS NO TRATAMENTO DADO A PESSOAS QUE PROCURARAM UMA ENTIDADE PÚBLICA NOS ÚLTIMOS 12 MESES, 2002 Porcentagem Porcentagem dos que Situação Experiência no tratamento (1) Procuraram Más experiências graves e leves Más experiências graves Más experiências leves Sem más experiências (2) Total Não Procuraram Total do total 6,1 2,8 22,2 8,8 39,9 procuraram 15,4 6,9 55,7 22,0 100,0 60,1 100,0 A coluna “porcentagem do total” está baseada nas 19.536 entrevistados que indicaram ter procurado ou não ter procurado uma instituição pública nos últimos doze meses. Na coluna “Porcentagem dos que procuraram” se baseia unicamente nos 7.790 entrevistados que declararam ter procurado nos últimos 12 meses uma instituição pública e portanto são quem tem experiência no trato recebido. (1) Más experiências leves: longas filas, trâmites desnecessários, demora na obtenção da informação ou negaram informação. Más experiências graves: pedido de gratificação, sentiu-se humilhado ou foram descorteses ou falta de respeito no tratamento. (2)Entende-se que não tiveram más experiências se, em p12u responderam que tinham procurado uma instituição pública e em p13u não respondem. Isto é porque a pergunta p13u somente apresenta alternativas negativas. Fonte: Processamento da pergunta p13u, da Seção Proprietária do PNUD no Latinobarômetro 2002. Bases empíricas do Relatório 85 constitucionais clássicos. O controle da política é mais eficaz quando existe uma verdadeira divisão de poderes, cada um deles legalmente dotado de faculdades para controlar e sancionar a conduta dos outros. A relação entre os poderes Executivo e Legislativo é, talvez, a peça mais importante da relação entre os poderes do Estado. Isso é particularmente certo na América Latina devido a sua tradição de presidencialismo, autoritário ou não, e a sua tendência a impor-se sobre o Congresso. Registramos que os poderes formais dos presidentes latino-americanos continuam sendo relativamente altos comparados com o sistema presidencialista clássico, o dos Estados Unidos (tabela 14). Outro aspecto-chave é o poder da área judiciária do governo e seu grau de independência em relação aos outros poderes. Muitos países latino-americanos realizaram reformas constitucionais e legais dirigidas a fortalecer a independência do Poder Judiciário (tabela 15). Apesar dessas reformas, em vários países, o Executivo ainda possui importantes poderes no processo de indicação dos magistrados da Corte Suprema. No entanto, o critério cada vez mais generalizado é que os magistrados devem ser identificados inicialmente por Conselhos da Judicatura, ou Magistratura, um mecanismo que tem o potencial – na verdade ainda não totalmente demonstrado – de reduzir a politização do processo de seleção e de aumentar o profissionalismo e independência desse poder. Em quase todos os países existe outro órgão, geralmente no âmbito do Congresso, encarregado de selecionar os candidatos dentre uma relação de indicados e de ratificar essas indicações por maioria simples ou qualificada. Em resumo, os indicadores da tabela 14 sugerem que, pelo menos formalmente, a área judiciária do Estado conta com um grau considerável de poder e independência em suas funções. Entretanto, a informação disponível não nos permite chegar a um conceito preciso sobre a independência real dos poderes judiciários na América Latina, pois esses indicadores captam apenas aspectos formais e, freqüentemente, ignoram algumas realidades. Ainda não existe uma boa medida, amplamente aceita, em relação ao grau de independência do Poder Judiciário. De acordo com diversas pesquisas de opinião e opiniões de especialistas, alguns avanços notáveis foram alcançados em matéria de independência do Poder Judiciário, mas ainda subsistem graves problemas na América Latina.61 Outro tema que deverá merecer consideração, quando houver informação adequada, refere-se à forma em que, ao menos em alguns países, o Poder Judiciário utiliza sua crescente independência. Essa independência, por si mesma, não previne (e, em várias hipóteses, pode facilitar) tentações corporativas de interesse setorial e até a corrupção desse poder. Esperamos que os enormes esforços e as volumosas quantias de ajuda internacional destinada à reforma do Poder Judiciário considerem nossa preocupação com mais cuidado do que o até agora dispensado. A independência, o crescente profissionalismo e um adequado poder dessa área do Estado adquirem pleno sentido quando colaboram generosamente na instauração, não de um estado de direito, mas sim de um estado democrático de direito. Agências especializadas de controle Outras entidades estatais que contribuem para o controle político são aquelas especializadas no controle horizontal das atividades do Estado.62 Esses organismos se distinguem dos poderes constitucionais clássicos por suas funções mais delimitadas e específicas (tabela 16). Existem os organismos encarregados do controle da receita pública, isto é, de que os fundos públicos sejam empregados de acordo com as normas e os procedimentos legais: controladorias gerais, auditorias e tribunais de contas. Todos os países latino- 61 Jarquín e Carrillo, 1998; Domingo, 1999; Prillaman, 2000; Popkin, 2001; e Hammergren, 2002. 62 Peruzzotti e Smulovitz, 2002a. 86 A democracia na América Latina americanos contam com instituições que desempenham essas funções. No entanto, existem importantes diferenças quanto à independência entre esses organismos e o Poder Executivo (o poder de Estado que é objeto principal de seu controle) e ao peso real da fiscalização. Na maioria dos países da região, as máximas autoridades das controladorias são designadas pelo Poder Legislativo, com condições específicas, tais como: votação qualificada, recomendação prévia da Corte Suprema e, em certos casos, recomendação de organismos não governamentais. Em três países – Bolívia, Chile e Equador –, o Poder Executivo nomeia diretamente essas autoridades. Em doze dos dezoito países estudados, os poderes das controladorias são poucos ou fracos, suas resoluções não são vinculatórias ou, se são, não possuem potestade legal para forçar seu cumprimento. Outros organismos são as promotorias, procuradorias ou ministérios públicos , que se dedicam à representação legal do Estado e, em vários países, se encarregam da ação penal pública. Sobre eles, conta-se com menos informação. Todos os países têm controladorias, mas nem todos têm promotorias. O Poder Executivo intervém tanto na designação como na remoção de seu principal responsável. Por último, desde 1990 foram criadas defensorias do povo em quase toda a região, com exceção do Brasil, Chile e Uruguai. Esses novos órgãos de controle distinguem-se dos descritos acima por receberem denúncias cidadãs que potencialmente operam não apenas como agentes de controle horizontal como também de controle vertical. Em geral, a designação e remoção de seus responsáveis correspondem ao Poder Legislativo. A consolidação e o resultado das defensorias do povo na América Latina variam segundo o país.63 A existência desses órgãos expressa uma tendência positiva. Suas tarefas incluem, formalmente, o controle e, em alguns casos, quadro 22 Experiências de participação em governos locais Durante a década de 90, houve um processo de descentralização que abriu novos canais para a participação cidadã. Alguns dos exemplos mais notáveis são as experiências de participação popular da Bolívia, de orçamento participativo em Porto Alegre e Villa El Salvador, e de promoção da cultura cívica em Bogotá. Essas experiências têm elementos comuns e resultam de movimentos sociais fortes. Têm como objetivo a melhoria da qualidade de vida, das capacidades e da autonomia de seus participantes. E, embora se desenvolvam em um contexto de cultura patrimonialista, representam uma clara ruptura com os mecanismos de distribuição populista, uma prática comum na América Latina, que leva à cooptação política. Como parte de um projeto, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), orientado para a promoção de uma agenda de governabilidade local na América Latina, foram identificadas e documentadas muitas dessas experiências de sucesso de participação em governos locais, que podem ser consultadas na Internet em: www.logos.undp.org. a sanção de funcionários públicos. Oferecem aos poderes constitucionais clássicos, canais adicionais para o controle da gestão política, muito embora em alguns países careçam dos recursos necessários para cumprir suas funções adequadamente e/ou suas atividades sejam, na prática, controladas pelo Poder Executivo. É por isso que a existência desses órgãos, por si só, não pode ser interpretada necessariamente como evidência de maior controle real da gestão pública. Mecanismos de democracia direta Os mecanismos de democracia direta oferecem aos cidadãos, oportunidades para contribuir com a fiscalização e gestão dos assuntos políticos.64 Podem ser classificados em dois tipos. O primeiro compreende processos ativados “de cima” isto é, por agentes do Estado, tais como os plebiscitos vinculatórios e não vinculatórios. O segundo tipo inclui processos ativados “de baixo”, pe- 63 Uggla, 2003. 64 Como indicamos, os cidadãos também podem contribuir indiretamente para o controle político, por exemplo, quando apresentam denúncias sobre a conduta de agentes estatais e ativam, dessa forma, investigações por parte dos respectivos organismos. Bases empíricas do Relatório 87 los próprios cidadãos, tais como iniciativas vinculatórias e não vinculatórias, referendos e petições de revogação de mandato. Quanto à existência legal e ao uso desses mecanismos, os dados permitem distinguir três grupos de países (ver tabelas 17 e 18): ■ Aqueles em que os mecanismos de democracia direta simplesmente não existem, como Bolívia, Honduras, México e República Dominicana. ■ Aqueles em que existem alguns desses mecanismos, mas até agora não foram empregados, como Chile, Costa Rica, El Salvador, Nicarágua e Paraguai. ■ Países em que esses mecanismos são reconhecidos legalmente e onde se registram experiências de uso. Aqui encontramos nove casos, na maioria dos quais – Brasil, Equador, Guatemala, Panamá, Peru e Venezuela – só foram utilizados mecanismos de democracia direta “de cima”. A corrupção na função pública Um tema-chave é o controle da corrupção na função pública. A pouca informação disponível torna difícil saber sua dimensão real, mas mostra certa evidência sobre a gravidade do problema. Existem disponíveis duas fontes de informação complementares sobre as percepções do nível de corrupção (tabela 19). A persistência e a extensão da corrupção no exercício da função pública encontram um terreno fértil quando os cidadãos se resignam a ela ou ajudam a praticá-la. Uma grande rejeição cidadã às práticas corruptas é uma valiosa ferramenta de fiscalização e favorece o funcionamento de mecanismos eficazes de prevenção, controle e sanção. Nos dezoito países latino-americanos considerados, 41,9 por cento dos consultados estão de acordo em pagar o preço de certo grau de corrupção contanto que “as coisas funcionem” (tabela 20). Uma análise do perfi l social e político das pessoas que toleram a corrupção indica que, para a América Latina em seu conjunto, esta atitude pode ser encontrada de maneira similar em todos os estratos sociais e demográficos. 88 A democracia na América Latina Clientelismo O clientelismo gera privilégios e envolve uma utilização discricionária dos recursos públicos. Na pesquisa Latinobarômetro 2002, indagou-se aos consultados se conheciam casos de pessoas que tivessem recebido privilégios por serem simpatizantes do partido do governo. 31,4 por cento declararam conhecer um ou mais casos de clientelismo (tabela 21). Conclusões sobre a cidadania política: conquistas e deficiências ■ A informação que apresentamos sobre cidadania política, independentemente dos processos eleitorais, indica que foram obtidas algumas conquistas significativas na América Latina. ■ As bases institucionais da independência e profissionalização do Poder Judiciário se fortaleceram por meio de uma série de reformas recentes. No entanto, ainda não se sabe qual será a contribuição que elas darão para a plena instauração de um estado democrático de direito. ■ Os organismos especializados no controle da gestão dos funcionários públicos, eleitos ou não – alguns deles criados na última década –, oferecem novos canais para exercer esse controle que complementa a função controladora que deve ser exercida pelos poderes constitucionais clássicos. Entretanto, ainda existem deficiências que condicionam algumas das conquistas obtidas. Em particular, observam-se dificuldades de diversos desses organismos para exercer o controle na prática e, para coibir abusos cometidos por outras entidades do Estado. ■ O uso de mecanismos de democracia direta ainda é limitado. ■ Mesmo quando existem alguns mecanismos de controle, a informação de que se dispõe sugere que ainda se observam práticas de corrupção e clientelismo na gestão dos assuntos públicos. TABELA 8 A PARTICIPAÇÃO ELEITORAL, 1990-2002 País Deveres cidadãos Voto obrigatório (2002) Procedimentos para o registro de eleitores (2000) Participação cidadã (porcentagens) Eleitores registrados (referente à população com direito a voto) (média 1990-2002) Votantes (referente à população com direito a voto) (média 1990-2002) Votos válidos (referente à população com direito a voto) (média 1990-2002) Argentina Bolívia Brasil Chile Sim Sim Sim Sim Automático Não automático Não automático Não automático 98,3 76,8 92,4 83,6 78,0 55,2 75,9 74,4 70,9 51,8 54,6 66,6 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Não Sim Sim Sim Automático Automático Automático Não automático 78,2 90,9 98,1 88,3 33,3 68,8 65,8 38,7 30,0 66,5 52,5 36,6 Guatemala Honduras México Nicarágua Sim Sim Sim Não Não automático Automático Não automático Não automático 78,0 101,2(*) 90,2 95,8 36,2 68,3 59,3 77,9 31,5 63,7 57,3 73,7 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana Sim Sim Sim Sim Automático Não automático Não automático Não automático 98,0 72,7 87,0 85,1 72,3 53,9 66,6 53,6 68,2 51,9 49,2 55,2 Uruguai Venezuela Sim Não Não automático Automático 103,8(*) 80,9 94,8 45,7 91,6 35,6 89,3 62,7 56,1 96,2 69,5 73,6 43,3 América Latina (**) Referentes extra-regionais Europa Ocidental Estados Unidos Notas: (*) Os números sobre eleitores registrados que excedem 100 por cento indicam que o número de pessoas nos padrões eleitorais é maior do que o número de pessoas com direito a voto. Essa situação geralmente ocorre quando os padrões eleitorais não foram depurados adequadamente. (**) Os dados para a região são a média de todos os países. Fontes: Baeza 1998, EPIC 2002; Gratschew 2001 e 2002; International IDEA 2002b, León-Rosch 1998, Reyes 1998, várias Constituições nacionais, e cálculos sobre a base de dados no CD-ROM em Payne et al.2002, e dados sobre as eleições de 2001 e 2002 obtidos de fontes oficiais. Bases empíricas do Relatório 89 TABELA 9 OS PARTIDOS POLÍTICOS E A DEMOCRACIA INTERNA, 1990-2001* Uso de primárias para a indicação Controle dos partidos de candidatos sobre a seleção de presidenciais dos candidatos, 1990-2001 País Monopólio dos partidos sobre as candidaturas Permite-se a postulação de candidatos independentes principais partidos, Restrições para a formação dos partidos nacionais, 2002 Argentina Bolívia 1990-01 1990-01 Medianamente restritivo Medianamente restritivo Brasil Chile 1990-01 Pouco restritivo Medianamente restritivo Colômbia Costa Rica Equador 1990-01 1990-01 1990-01 1990-95 Requisitos legais para a indicação de candidatos presidenciais, 1990-2001 (2) eleição de 2001 Nenhum anterior(4) Alguns 1990-01 1990-99 ou imediatamente Pelo menos um Nenhum 1999-2001 (3) 1990-2001 1990-2001 1990-2001 Nenhum Pelo menos um Pouco restritivo Pouco restritivo Medianamente restritivo 1990-2001 Pelo menos um Todos Nenhum Muito restritivo 1990-2001 Pelo menos um 1990-2001 1995-01 El Salvador 1990-01 Guatemala Honduras México Nicarágua 1990-01 1990-01 1990-01 1990-01 1990-01 Medianamente restritivo Pouco restritivo Pouco restritivo Muito restritivo Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 1990-01(1) Muito restritivo Pouco restritivo Medianamente restritivo Medianamente restritivo Uruguai 1990-01 Pouco restritivo 1990-01 1990-01 1990-2001 1990-2001 Nenhum Todos Todos Pelo menos um 1990-2001 1990-2001 Todos Todos Nenhum Todos 1990-2001 1990-2001 1990-2001 1990-2001 1990-1997 Todos 1997-2001 Venezuela 1990-01 Pouco restritivo 1990-1999 Nenhum 1999-2001 Notas: (*) Reformas relevantes introduzidas desde o final de 2001 incluem: na Argentina a Lei Nº 25.611, de junho de 2002, e no Peru a Lei de Partidos Políticos de novembro de 2003. (1) Embora a legislação na República Dominicana permita a postulação de candidatos independentes, os requisitos para postular-se como candidato independente são similares aos que devem ser seguidos para formar um partido político. (2) Em “requisitos legais para a indicação de candidatos presidenciais ”, considera-se se a Constituição ou as leis eleitorais requererem que os candidatos sejam indicados por meio de uma primária ou uma convenção. (3) A Lei de Reforma dos Partidos Políticos de junho de 1999 na Bolívia ainda não foi aplicada na prática. (4) Define-se “primárias ”como um processo no qual os candidatos a presidente são eleitos de uma maneira livre e direta, por meio de um voto secreto, seja pelos membros de um partido ou pelos cidadãos registrados para votar em eleições nacionais. Fontes: Alcántara Sáez 2002, pp.20-34; Payne et al.2002, pp.156-166;Constituições nacionais e legislação sobre os partidos políticos, e consultas a especialistas associados – atualmente ou no passado – aos tribunais eleitorais em cada país. 90 A democracia na América Latina TABELA 10 COTAS PARA CANDIDATAS A CARGOS PARLAMENTARES, 2003 Câmara baixa ou única Senado Ano adotado Argentina Bolívia Brasil Chile 30 30 30 0 30 25 0 0 1991 1997 1997 - Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 0 40 20 0 0 - 1996 1997 - Guatemala Honduras México Nicarágua 0 30 30 0 30 - 2000 2002 - Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 30 20 30 25 20 - 1997 1996 1997 1997 0 0 0 - - País Uruguai Venezuela Notas: Os números são as porcentagens das listas parlamentares que cada partido deve destinar às mulheres. A informação inclui somente as cotas mencionadas na legislação sobre partidos políticos e parlamentos, e exclui cotas adotadas nos regulamentos internos dos partidos. O sinal menos indica que a informação não se aplica. Fontes: CEPAL 1999, p.69; Méndez-Montalvo e Ballington 2002, OEA-Comissão Interamericana de Mulheres 2002, e Internacional IDEA 2003. Bases empíricas do Relatório 91 TABELA 11 FINANCIAMENTO DE PARTIDOS E CAMPANHAS ELEITORAIS, 2003 Acesso a fontes privadas Financiamento Limites sobre Limites Limites doações sobre sobre por doações doações contratados particulares anônimas do Estado aos partidos aos partidos aos partidos Leis sobre divulgação pública Acesso à televisão Acesso à televisão gratuita Gasto de partidos destinado à televisão privada País público direto Argentina Bolívia Brasil Chile Sim, patamar baixo Sim, patamar alto Sim, patamar baixo Sim, patamar baixo Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Medianamente fortes Medianamente fortes Fortes Medianamente fortes Sim Sim Sim Sim Limitado Limitado Proibido Proibido Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Sim, patamar alto Sim, patamar alto Sim, patamar baixo Sim, patamar baixo Não Sim Não Não Sim Sim Sim Não Não Não Sim Não Medianamente fortes Fracas Muito fracos Não Sim Não Não Não Limitado Limitado Ilimitado Ilimitado Guatemala Honduras México Nicarágua Sim, patamar alto Sim, patamar baixo Sim, patamar baixo Sim, patamar alto Não Não Sim Não Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Não Não Não Muito fracos Fracas Sim Não Sim Sim Ilimitado Limitado Limitado Limitado Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana Sim, patamar baixo Sim, patamar baixo Sim, patamar baixo Sim, patamar baixo Não Sim Sim Não Não Sim Não Não Não Sim Não Sim Não Muito fracos Fracos Não Sim Sim Sim Não Ilimitado Limitado Limitado Ilimitado Uruguai (*) Venezuela Sim, patamar baixo Não Não Sim Não Sim Não Sim Não Não Sim Não Ilimitado Limitado Notas: A expressão “financiamento público direto ”refere-se à provisão direta de recursos financeiros aos partidos e se contrasta usualmente com as formas indiretas de financiamento, como a provisão de serviços e benefícios tributários. (*) No Uruguai há financiamento público desde 1928 por meio de leis ad hoc votadas antes de cada eleição. Fontes:Del Castillo e Zovatto 1998; Payne et al.2002, pp.169-172; Pinto-Duschinsky 2002a, pp.76-77, e 2002b;Ward 2002; Zovatto 2003; consulta a especialistas associados –atualmente ou no passado – aos tribunais eleitorais em cada país, e a várias Constituições e leis eleitorais nacionais. 92 A democracia na América Latina TABELA 12 CADEIRAS NO CONGRESSO GANHAS POR MULHERES, 1990-2003 Fim da década de 80 País Ano Meados da década 90 % mulheres Ano Última eleição % mulheres Ano %mulheres Argentina Bolívia Brasil Chile 1989 1989 1986 1989 6,3 9,2 5,3 5,8 1995 1997 1994 1997 21,8 11,5 7,0 10,8 2003 2002 2002 2001 34,1 18,5 8,6 12,5 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 1986 1986 1988 1988 4,5 10,5 4,5 11,7 1994 1994 1994 1994 10,8 14,0 4,5 10,7 2002 2002 2002 2003 12,0 35,1 16,0 10,7 Guatemala Honduras México Nicarágua 1985 1989 1988 1984 7,0 10,2 12,0 14,8 1994 1997 1994 1996 7,5 9,4 14,2 9,7 2003 2001 2003 2001 8,2 5,5 22,6 20,7 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 1989 1989 1985 1986 7,5 5,6 5,6 7,5 1994 1993 1995 1994 8,3 2,5 10,0 11,7 1999 2003 2001 2002 9,9 8,8 17,5 17,3 Uruguai Venezuela 1989 1988 6,1 10,0 1994 1993 7,1 5,9 1999 2000 12,1 9,7 América Latina (*) 8,0 9,9 15,4 Notas: Os números são porcentagens de cadeiras obtidas por mulheres na Câmara baixa ou única do Parlamento. Os dados correspondem ao resultado da eleição do ano mencionado e podem variar entre eleições. (*) Os dados para a região são a média de todos os países. Fonte: IPU 1995, 2003. Bases empíricas do Relatório 93 TABELA 13 PROPORCIONALIDADE NA REPRESENTAÇÃO VIA PARTIDOS POLÍTICOS, 1990-2002 Porcentagem de votos ganhos País por partidos sem Índice de desproporcionalidade representação parlamentar eleitoral (média 1990-2002) (média 1990-2002) Argentina Bolívia Brasil Chile 3,8 4,2 1,4 8,9 6,7 5,0 3,8 7,2 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 4,8 7,8 4,2 2,2 3,0 5,0 5,9 4,7 Guatemala Honduras México Nicarágua 12,3 0,4 3,7 2,4 11,9 2,5 5,7 2,7 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 4,9 0,7 3,5 5,4 13,9 6,1 5,2 6,3 Uruguai Venezuela 0,5 6,2 0,6 5,3 América Latina (*) 4,3 5,6 Notas: A expressão “porcentagens de votos ganhos por partidos sem representação parlamentar ”refere-se aos votos emitidos em eleições para a Câmara baixa ou única. A expressão “desproporcionalidade eleitoral ” refere-se à diferença entre a quantidade de cadeiras e votos obtidos por partido. O índice de desproporcionalidade eleitoral refere-se à Câmara baixa ou única, e é o resultado do método de mínimos quadrados, que se calcula mediante a somatória das diferenças entre os votos e as cadeiras obtidas por cada partido, elevadas ao quadrado, e o total dividido por dois. Finalmente, extrai-se a raiz quadrada desse resultado. Uma qualificação baixa indica que o número de cadeiras que os partidos obtêm é bastante proporcional ao número de votos recebidos, enquanto que uma qualificação alta indica que a relação entre cadeiras e votos é desproporcional. (*) Os dados para a região são a média de todos os países. Fontes: Cálculos sobre a base de dados no CD-ROM em Payne et al.2002, e dados sobre as eleições de 2001 e 2002 obtidos de fontes oficiais. 94 A democracia na América Latina TABELA 14 PODERES FORMAIS PRESIDENCIAIS, 2002 Índice de poderes País Poderes não legislativos (1) Poderes legislativos (2) presidenciais formais (3) Argentina Bolívia Brasil Chile 0,38 0,50 0,50 0,50 Médio baixo (*) Médio alto Médio alto Médio alto 0,44 0,23 0,62 0,66 Médio alto (*) Médio baixo Muito alto Muito alto 0,41 0,37 0,56 0,58 Médio alto (*) Médio baixo Muito alto Muito alto Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 0,00 0,50 0,50 0,50 Muito baixo Médio alto Médio alto Médio alto 0,59 0,23 0,59 0,33 Muito alto Médio baixo Muito alto Médio baixo 0,29 0,36 0,55 0,42 Muito baixo Médio baixo Muito alto Médio alto Guatemala Honduras México Nicarágua 0,25 0,50 0,50 0,50 Médio baixo Médio alto Médio alto Médio alto 0,29 0,25 0,24 0,25 Médio baixo Médio baixo Médio baixo Médio baixo 0,27 0,38 0,37 0,38 Muito baixo Médio baixo Médio alto Médio baixo Panamá Paraguai Peru República Dominicana 0,50 0,50 0,13 0,50 Médio alto Médio alto Muito baixo Médio alto 0,43 0,19 0,50 0,37 Médio alto Muito baixo Médio alto Médio baixo 0,46 0,34 0,31 0,44 Médio alto Médio baixo Médio baixo Médio alto Uruguai Venezuela 0,38 0,19 Médio baixo Muito baixo 0,38 0,30 Médio Médio baixo 0,38 0,25 Médio baixo Muito baixo América Latina 0,41 0,38 0,40 Referente extra-regional Estados Unidos 0,48 Médio alto 0,15 Muito baixo 0,31 Médio baixo Notas: (1) Esta medida é a média entre as pontuações atribuídas segundo a capacidade de censura legislativa sobre o gabinete e a capacidade de dissolução do Congresso por parte do Poder Executivo. As escalas foram padronizadas entre 0 e 1 para possibilitar sua comparação. (2) Média ponderada dos poderes legislativos do presidente. (3) O índice geral dos poderes presidenciais formais é uma média dos poderes presidenciais não-legislativos e legislativos. (*) O nível desses poderes é considerado sob uma perspectiva regional comparada. Um nível “muito alto ”em qualquer uma das dimensões dos poderes significa que esse país está acima do desvio padrão da média regional. “Médio alto” significa que sua qualificação [score] cai entre a média regional e o desvio padrão positivo. O mesmo método é utilizado para qualificar os níveis “médio baixo ”e “muito baixo ”. Fontes: Shugart e Carey 1992, Mainwaring e Shugart 1997, Carey e Shugart 1998, Samuels 2000; Altman 2001 e 2002; Payne et al.2002, e Universidade de Georgetown e OEA 2002. Bases empíricas do Relatório 95 96 A democracia na América Latina Constituição 1980, reforma de 1997 Constituição 1991, reforma de 1997 Constituição 1949, reforma de 1954 e 1993 Constituição 1978, reforma de 1986, 1993, 1996 e 1997 Constituição 1983, reforma de 1996 Constituição 1985, reforma de 1994 Constituição 1982, reforma de 2000 Constituição 1917, reforma de 1992, 1993 e 1994 Constituição 1987, reforma de 1995 Chile Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Guatemala Honduras México Nicarágua Constituição 1967, reforma de 1994 Bolívia Constituição 1988, reforma de 1998 Constituição 1853, reforma de 1994 Argentina Brasil Textos constitucionais País PODERES JUDICIÁRIOS, 2002 Seleção e nomeação Vitalício (aposentadoria obrigatória aos 75 anos) Período de nomeação Corte Suprema nomeia (2/3 de votos) Congresso seleciona da lista e nomeia Corte Suprema seleciona da lista e nomeia (maioria absoluta) Presidente seleciona da lista e Senado nomeia (2/3 votos) Senado nomeia (maioria absoluta) Executivo e Congresso apresentam lista Executivo apresenta lista Junta Nomeadora, com presença não governamental, apresenta lista Comissão de postulação, de composição governamental e não governamental, apresenta lista 15 anos, sem reeleição 7 anos, reeleição sucessiva 5 anos, reeleição permitida 9 anos, reeleição sucessiva Vitalício 8 anos, reeleição permitida 8 anos, sem reeleição Vitalício (aposentadoria obrigatória aos 75 anos) Vitalício (aposentadoria obrigatória aos 70 anos) Congresso seleciona da 5 anos, reeleição permitida lista e nomeia (6/10 dos votos) Senado seleciona da lista e nomeia (2/3 de votos presentes) Congresso seleciona da lista e nomeia (2/3 de votos) Congresso seleciona da lista e nomeia (2/3 de votos) Conselho Nacional Judicial e as Congresso seleciona da lista Associações de Advogados de e nomeia (2/3 de votos) El Salvador, apresentan lista Corte Suprema indica candidatos Congresso identifica candidatos Conselho Superior da Judicatura apresenta lista Corte Suprema apresenta “Quinária” (listado de 5 pessoas) Executivo indica candidatos Conselho Judicial apresenta Congresso em pleno seleciona 10 anos, reeleição alterna “Terna” (listado de 3 pessoas) da lista e nomeia depois de um período (2/3 de votos) Executivo indica candidatos (*) Senado nomeia (2/3 de votos) Identificação inicial de candidatos Condições para a nomeação de magistrados Corte Suprema Corte Suprema Sala Constitucional Corte Constitucional Sala especializada de Corte Suprema Tribunal Constitucional Sala especializada de Corte Suprema Corte Constitucional Tribunal Constitucional Tribunal Supremo Federal Tribunal Constitucional Corte Suprema Controle de constitucionalidade TABELA 15 Bases empíricas do Relatório 97 Constituição 1992 Constituição 1993 Constituição 1966, reforma de 1995 Constituição 1967 Paraguai Peru República Dominicana Uruguai Comité de Postulações Judiciais apresenta lista Congresso identifica candidatos Conselho Nacional da Judicatura identifica candidatos Conselho Nacional da Magistratura aprova (2/3 votos) Conselho de Magistrados apresenta lista Presidente e gabinete apresentam lista Identificação inicial de candidatos Congresso seleciona da lista e nomeia Congresso em pleno (ambas as câmaras) aprova (2/3 de votos) Conselho Nacional da Judicatura nomeia (maioria absoluta) Conselho Nacional de Magistrados nomeia (2/3 de votos) Senado nomeia com consentimento do Executivo Congresso nomeia (maioria absoluta) Seleção e nomeação Comparado 2003; Comissão Andina de Juristas 2003, e várias Constituições nacionais. Fontes: Projeto Estado da Nação 1999, p. 199; Skaar 2001, Apêndice 1; PNUD 2002b, 78, 81; OEA- CIDH 2003; Instituto de Direito Público Corte Suprema Controle de constitucionalidade 12 anos, sem reeleição 10 anos, reeleição alterna 5 anos após a conclusão do período (aposentadoria obrigatória aos 75 anos) Vitalício (aposentadoria obrigatória aos 75 anos) Aposentadoria obrigatória aos 70 anos Tribunal Supremo de Justiça Corte Suprema Corte Suprema Tribunal Constitucional 5 anos, a reeleição implica Corte Suprema período vitalício (aposentadoria obrigatória aos 75 anos) 10 anos, reeleição permitida Período de nomeação Condições para a nomeação de magistrados (*) Na Argentina, o processo de nomeação de magistrados da Corte Suprema foi modificado pelo Decreto N º222, de 19 de junho de 2003. Nota: Constituição 1999 Constituição 1972, reformas de 1978, 1983 e 1984 Panamá Venezuela Textos constitucionais País PODERES JUDICIÁRIOS, 2002 CONTINUAÇÃO TABELA 15 98 A democracia na América Latina Legislativo++ Legislativo Executivo+ Legislativo Legislativo Legislativo LegislativoLegislativo- Legislativo Legislativo+ Legislativo- Legislativo- Legislativo Legislativo++ Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Guatemala Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana Uruguai Venezuela Legislativo Legislativo++ .. Poder Judiciário Executivo++ Legislativo Legislativo Legislativo LegislativoLegislativo++ Poder Judiciário Legislativo Legislativo Legislativo .. Legislativo++ Poder Judiciário Legislativo+ Destituição 4/ Intermediário Fraco Fraco Forte Intermediário Fraco Forte Fraco Fraco Intermediário Forte Intermediário Fraco Forte Fraco Fraco Forte Forte Poder 5/ Executivo++ Legislativo++ Executivo++ Executivo++ Junta de Fiscais Supremos Executivo Executivo Legislativo Executivo ++ Legislativo- LegislativoCorte Suprema LegislativoLegislativo Ejecutivo++ Legislativo Executivo++ Executivo++ Nomeação 4/ Executivo++ Legislativo++ Executivo Corte Suprema Legislativo+ Legislativo Executivo Legislativo Executivo Legislativo Corte Suprema Não se define Legislativo Legislativo No se define Legislativo Legislativo Legislativo++ Destituição 4/ Promotoria (2) 1999 2001 1997 1992 1993 1985 1992 1990 1995 1991 1992 1998 1991 1993 1994 - Criação Legislativo++ Legislativo Executivo+ Legislativo Legislativo Legislativo++ Legislativo Legislativo Legislativo++ LegislativoLegislativo Legislativo++ Legislativo Legislativo+ Legislativo - Nomeação 4/ Ombudsman (3) Legislativo+ Corte Suprema Corte Suprema Legislativo+ Legislativo Legislativo Sin especificar Legislativo Legislativo Sin especificar Legislativo Legislativo Legislativo Legislativo+ Legislativo - Destituição 4/ Fontes: Groisman e Lerner 2000, Maiorano 2000; Payne et al. 2002, cap. 9, Universidade de Georgetown e OEA 2002, e Uggla 2003. vinculatórias e, além disso possuem potestades legais para forçar seu cumprimento. sociedade civil ou do Poder Judiciário. ( 5) Fraco: as resoluções não são vinculatórias. Intermediário: as resoluções são vinculatórias, mas não possuem potestades legais para forçar seu cumprimento. Forte: as resoluções são Legislativo+ : a nomeação ou remoção é de responsabilidade do Parlamento, mas requer procedimento bicameral. Legislativo+ + : a nomeação ou remoção é feita pelo Poder Legislativo com a participação de entidades da enviada pelo Executivo ou existe um sistema misto de nomeação com potestades do Executivo e do Legislativo para a nomeação ou remoção. Legislativo: a nomeação ou remoção é responsabilidade exclusiva da câmara baixa. confeccionada pelo Parlamento. Executivo+ + : a nomeação ou remoção é feita pelo Executivo, mas requer aprovação ou ratificação legislativa. Legislativo- : a nomeação é feita pelo Poder Legislativo, a partir de uma lista procuradorias de direitos humanos. ( 4) Executivo: a nomeação ou remoção é de responsabilidade exclusiva do Executivo. Executivo+ : a nomeação ou remoção é feita pelo Executivo, com base na lista de candidatos ( 2) Inclui os órgãos encarregados da acusação penal do Estado: promotorias, procuradorias, ministérios públicos. ( 3) Inclui os órgãos encarregados de defender os direitos dos habitantes perante o Estado: Defensorias, Notas: O dois pontos seguidos ( . . ) indicam que a informação não está disponível. ( 1) Inclui os órgãos encarregados de fiscalizar as contas públicas: Tribunais de Contas, Auditorias nacionais e Controladoria Geral da República. Legislativo Executivo+ LegislativoExecutivo++ Nomeação 4/ Argentina Bolívia Brasil Chile País Controladoria (1) ORGANISMOS ESPECIALIZADOS DE CONTROLE, 2002 TABELA 16 Bases empíricas do Relatório 99 8 Sim Sim Sim Não Sim - Sim - Sim Não Sim Não Não Sim Não Uso 33 2 3 2 1 - 5 - 1 17 (2) - 2 - Vezes usado 21 1 3 0 1 - 1 - 1 14 - 0 - Êxito no uso 2 Não .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. Sim .. Sim Não .. .. Existência 2 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. Sim .. Sim .. .. Uso 17 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 16 (3) .. 1 .. .. Vezes usado Plebiscito não vinculatório 7 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 6 .. 1 .. .. Êxito no uso TABELA 17 Fontes: Altman 2002, p. 8, e várias Constituições e leis eleitorais nacionais. mecanismos foram usados. ( * ) Os dados para a região referem-se ao total de países que permitem o uso de mecanismos de democracia direta e, também, ao total de vezes que esses ( 3) Quinze desses foram realizados em duas ocasiões: agosto de 1994 e novembro de 1995. ( 2) Quatorze desses foram realizados em uma determinada data: maio de 1997. ( 1) Somente em relação à integração centro-americana. pontos seguidos ( . . ) , que a informação não está disponível. mecanismos foram criados, mas só registra seu uso dentro do contexto de regimes democráticos. O hífen ( - ) indica que a informação não é relevante; os dois Notas: A informação se refere somente a mecanismos de democracia direta oficiais e no âmbito nacional. As datas são de 1978 em diante ou desde que esses 13 Sim Sim Sim Não Panamá Paraguai Peru República Dominicana América Latina (*) Sim Não Não Não Guatemala Honduras México Nicarágua Sim Sim Sim Sim Sim Sim (1) Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Uruguai Venezuela Sim Não Sim Sim Existência Argentina Bolívia Brasil Chile País Plebiscito MECANISMOS DE DEMOCRACIA DIRETA DE CIMA PARA BAIXO, 1978-2002 TABELA 18 MECANISMOS DE DEMOCRACIA DIRETA DE BAIXO PARA CIMA, 1978-2002 Iniciativa vinculatória Iniciativa Não-vinculatória Referendo País Existência Uso Vezes usado Êxito no uso Existência Argentina Bolívia Brasil Chile Sim Não Sim Não Não Não - - - Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Sim Sim Sim Não Não Não Não - - Guatemala Honduras México Nicarágua Sim Não Não Sim Não Não Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana Não Sim Sim Não Uruguai Venezuela América Latina(*) Uso Vezes usado Êxito no uso Sim .. .. .. Não .. .. .. .. .. .. .. .. .. - Sim .. .. .. Sim .. .. .. 2 .. .. .. - - .. .. .. .. .. .. .. .. Não Não - - - .. .. .. .. Sim Sim Sim Não 5 - 2 - 11 1 5 2 Existência Revogação de mandato Uso Vezes usado Êxito no uso Existência Uso Vezes usado Êxito em uso Não Não Sim Não Não - - - Não Não Não Não - - - 2 .. .. .. Sim Sim Não Não Não Não - - - Sim Não Não Não Não - - - .. .. .. .. .. .. .. .. Não Não Não Não - - - Não Não Não Não - - - .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. Não Sim Sim Não Não Não - - - Não Não Sim Não Não - - - Não Sim Não - - Sim Sim Sim Não 6 - 2 - Não Sim Não - - 3 1 2 2 7 1 6 2 3 0 0 0 Notas: A informação se refere apenas a mecanismos de democracia direta oficiais e no âmbito nacional. As datas são de 1978 em diante ou desde que esses mecanismos foram criados, mas somente registra seu uso dentro do contexto de regimes democráticos. O hífen ( - ) indica que a informação não é relevante; os dois pontos seguidos ( . . ) , que a informação não está disponível. ( * ) Os dados para a região referem-se ao total de países que permitem o uso de mecanismos de democracia direta e, também, ao total de vezes que esses mecanismos foram usados. Fontes:Altman 2002, p.8,e várias Constituições e leis eleitorais nacionais. 100 A democracia na América Latina TABELA 19 INDICADORES DE PERCEPÇÕES SOBRE CORRUPÇÃO, 2002 País Transparência Internacional 1999-2001 2002 Fórum Econômico Mundial 2001 2002 Argentina Bolívia Brasil Chile 3,5 2,0 4,0 7,5 2,8 2,2 4,0 7,5 4,28 4,26 4,45 6,35 4,42 3,56 4,82 6,34 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 3,8 4,5 2,3 3,6 3,6 4,5 2,2 3,4 4,73 4,60 3,91 4,47 5,14 4,41 3,67 5,16 Guatemala Honduras México Nicarágua 2,9 2,7 3,7 2,4 2,5 2,7 3,6 2,5 4,12 3,64 4,40 3,76 3,81 3,84 4,82 4,31 Panamá Paraguai Peru República Dominicana 3,7 .. 4,1 3,1 3,0 1,7 4,0 3,5 4,26 2,77 2,31 4,46 4,52 3,55 5,21 4,43 Uruguai Venezuela 5,1 2,8 5,1 2,5 4,78 4,05 5,88 3,85 3,6 7,1 3,4 7,8 4,37 6,07 4,52 6,08 REGIÃO América Latina Europa ocidental Notas: Os dois pontos seguidos (..) indicam que a informação não está disponível. Ambas as organizações constroem seu índice entrevistando grupos de especialistas selecionados por cada uma delas. Obviamente, o resultado não tem significação estatística numéricamente. Os dados da Transparência Internacional consistem em uma escala de 11 pontos, com números mais altos indicando menos corrupção. A escala do Fórum Econômico Mundial é de 7 pontos, com números mais altos indicando menor corrupção. Fontes: Lambsdorff 2001, pp. 234-236 e TI 2002. Bases empíricas do Relatório 101 TABELA 20 PERFIL DAS PESSOAS COM DIFERENTES ATITUDES EM RELAÇÃO À CORRUPÇÃO, 2002 Categorias Estrutura da amostra Pode-se pagar o preço de certo grau de corrupção no governo desde que os problemas do país sejam solucionados Totalmente de acordo América Central e México (1) Região Andina Mercosul e Chile América Latina % de pessoas % de pessoas % de pessoas % de pessoas Sexo % Homens % Mulheres Idade % 16 a 29 anos % 30 a 64 anos % 65 a 99 anos Média de idade Nível educativo Nível ecomômico (2) Orientação Democrática De acordo Em desacordo Significância (3) Totalmente em desacordo n=7,424 n=5,238 n=5,351 n=18,013 16,1 11,3 6,8 12,0 31,4 32,2 25,5 29,9 31,5 37,6 39,4 35,6 21,0 18,9 28,3 22,6 .. .. .. .. 49,6 50,4 50,3 49,7 49,9 50,1 49,0 51,0 49,9 50,1 ns 37,0 54,6 8,4 38,43 43,0 50,2 6,7 36,17 38,5 53,7 7,9 37,71 35,7 55,4 8,9 39,03 34,0 56,7 9,3 39,63 ** % Sem estudos % 1 a 6 anos % 7 a 12 anos % Superior completa ou incompleta Média de anos de estudo 8,1 33,8 41,6 16,4 9,04 11,9 34,7 38,4 14,9 8,52 8,4 35,8 42,0 13,7 8,79 7,2 31,8 43,3 17,7 9,31 7,2 33,8 40,3 18,7 9,22 ** % Baixo % Médio % Alto Média de índice ecomômico 43,9 47,5 8,6 3,92 50,7 41,5 7,8 3,68 46,6 46,1 7,3 3,80 40,1 50,7 9,2 4,04 42,9 47,4 9,7 4,00 ** % Democratas % Ambivalentes % Não democratas 42,8 30,5 26,7 29,7 47,9 22,4 31,9 38,6 29,5 48,8 23,8 27,4 55,0 21,1 23,8 ** ** ** ** Notas: (1) Inclui República Dominicana. (2) Com base no índice econômico construído a partir da propriedade artefatos e da educação do chefe de família. Este índice pode variar entre 0 e 10. Se o índice estiver entre 0 e 3,33 considera-se nível econômico baixo, se estiver entre 3,34 e 6,66 considera-se nível econômico médio e se estiver entre 6,67 e 10 considera-se nível econômico alto. (3) Indica-se com um “*”quando a medida de associação utilizada ou a Análise de Variância (ANOVA sigla em inglês) resultar significativa a 5%. Indica-se com “**”quando o resultado for significativo a 1%. Indica-se “ns “quando a prova não resultar significativa nem a 1% nem a 5%. Quando não for pertinente o cálculo de uma medida de associação ou da ANOVA, indica-se com “..”. Sobre provas realizadas em cada caso, consulte o compêndio estatístico. Fontes: Processamento de pergunta P23UF da Seção Proprietária do PNUD (pergunta p23uf: O/A senhor/a está totalmente de acordo, de acordo, em desacordo ou totalmente em desacordo com a seguinte afirmação? “Pode-se pagar o preço de certo grau de corrupção no governo desde que os problemas do país sejam solucionados?”), e de outras perguntas de caráter socioeconômico no Latinobarômetro 2002. 102 A democracia na América Latina TABELA 21 REDES CLIENTELISTAS, 2002 Nível de conhecimento (1) País (2) Baixo conhecimento de casos de clientelismo Brasil (23,9); Colômbia (16,3); Chile (16,0); Equador (24,4); El Salvador (23,3) Conhecimento intermediário de casos de clientelismo Argentina (32, 4); Bolívia (33,9); Costa Rica (27,2); Honduras (36,7); Nicarágua (35,2); Panamá (27,4); Paraguai (34,0); Peru (32,2); Uruguai (32,3); Venezuela (31,8) Alto conhecimento de casos de clientelismo Guatemala (42,3); México (43,4); República Dominicana (53,1) Tradição democrática Proporção de pessoas que conhecem um ou mais casos de clientelismo Democracias mais velhas (3) Democracias mais novas Média América Latina 24,7 34,0 31,4 Notas: n =19.366. (1) Pouco conhecimento: 25% ou menos dos consultados afirmaram conhecer um ou mais casos de privilégios. Conhecimento intermediário: entre 25% e 40% das pessoas afirmam conhecer um ou mais casos de privilégios. Alto conhecimento: mais de 40% das pessoas têm conhecimento. (2) A cifra entre parênteses depois do país indica a proporção de pessoas que afirmaram conhecer um ou mais casos de privilégios. (3) Democracias mais velhas: inclui Colômbia, Costa Rica e Venezuela. Fonte: Processamento da pergunta p7u da Seção Proprietária do PNUD (pergunta p7u:”O/A senhor/a conhece pessoalmente um caso de uma pessoa que tenha recebido privilégios por ser simpatizante do partido do governo?”), no Latinobarômetro 2002. Bases empíricas do Relatório 103 Bases empíricas do Relatório 113 Convenção 29 da OIT: Eliminação do Trabalho Forçado e Compulsivo Convenção 87 da OIT: Liberdade de Associação e Proteção do Direito de Organização Convenção 98 da OIT: Direito à Organização e à Negociação Coletiva Convenção 105 da OIT: Abolição do Trabalho Forçado Convenção 100 da OIT: Igualdade nas Remunerações Convenção 111 da OIT: Discriminação no Emprego e no Trabalho Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres Convenção Interamericana de Prevenção, Castigo e Erradicação da Violência contra as Mulheres, “Convenção de Belém do Pará” Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) Convenção da OIT 169 sobre Povos Indígenas e Tribais Direitos trabalhistas Direitos de mulheres Direitos de indígenas e grupos étnicos 1973 1989 1999 2 0 3 1 6 0 1994 1965 1989 0 0 0 1 2 2 0 0 0 0 ratificar 1951 1958 1979 1930 1948 1949 1957 1966 1966 1969 Ano México, Paraguai Bolívia, Colômbia, Venezuela Panamá Chile, El Salvador, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Uruguai - - Bolívia Brasil, El Salvador El Salvador, México - - Países sem ratificar Fontes: ONU 2003a, OIT 2003, e OEA 2003. 2003. Notas: O hífen ( - ) indica que o dado não é aplicável. A informação sobre os direitos de indígenas e minorias étnicas está atualizada até 24 de novembro de 2002. O restante da informação está atualizado até 1 º de abril de Convenção da OIT 138 sobre Idade Mínima Convenção da ONU dos Direitos da Criança Convenção da OIT 182 sobre Piores Formas do Trabalho Infantil Pacto Internacional da ONU sobre Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional da ONU sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “Pacto de San José de Costa Rica” Direitos gerais Direitos de menores Tratado Direito países sem Número de TRATADOS DA ONU, DA OIT E DA OEA: DIREITOS GERAIS E DIREITOS DE CATEGORIAS DE CIDADÃOS, 2002 TABELA 24 TABELA 25 DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, 2000 Direitos constitucionais País Constituição Argentina Bolívia Brasil Chile (*) 1853/1994 1967/1994 1988 1980 Fracos Sim Não Não Não, mas não existe idioma oficial Não, mas não existe idioma oficial Não, o português é o idioma oficial Não, mas não existe idioma oficial Colômbia 1991 Sim Costa Rica Equador 1949 1998 Não Sim El Salvador 1983/1992 Não Sim, o espanhol é o idioma oficial, mas as línguas indígenas e os dialetos são oficiais em seus territórios Não, o espanhol é o idioma oficial Sim, o espanhol é o idioma oficial, mas as línguas indígenas são para uso oficial restrito Não, mas as “línguas autóctones” são respeitadas Guatemala 1985 Sim Honduras México Nicarágua 1982 1917/1992 1987/1995 Não Sim Sim Panamá 1972/78/83/93/94 Sim Paraguai Peru 1992 1993 Sim Sim Direitos multiculturais República Dominicana .. .. Uruguai Venezuela Não Sim 1967/97 1999 Existência de direitos relacionados com o uso do idioma Sim, as línguas indígenas têm status oficial nas áreas onde são faladas Não, o espanhol é o idioma oficial Não, mas as línguas indígenas são fomentadas Sim, os idiomas das comunidades da costa atlântica são oficiais nessas regiões Não, mas as “línguas aborígenes” são conservadas e difundidas Sim, o guarani é um idioma oficial Sim, o espanhol é o idioma oficial, mas as línguas indígenas são de uso oficial nas áreas onde predominam .. Não Sim, as línguas indígenas são de uso oficial para os indígenas e devem ser respeitadas em todo o território Notas: As datas das constituições se referem aos documentos originais e à última reforma ou emenda. Os direitos multiculturais referem-se ao fato de as múltiplas identidades étnicas serem ou não reconhecidas pelo Estado. Os direitos apresentados neste quadro são considerados, às vezes, como direitos coletivos, e não estritamente direitos civis. (*) No Chile, a Lei Indígena N º19.253, de outubro de 1993, estabelece a promoção das culturas e idiomas indígenas e dos sistemas de educação intercultural bilíngüe (art.39), e garante o uso de línguas indígenas em processos judiciais (art.74). Fontes :OIT 2002b;Barié 2000,pp.42,572-574;Van Cott 2003,e Universidade de Georgetown e OEA 2002. 114 A democracia na América Latina TABELA 26 MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO 1990-2000 Participação na atividade econômica 1990 1995 2000 Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres 49,37 70,30 28,81 50,77 70,55 31,32 Total Homens 52,23 Mulheres 70,86 33,93 Disparidade salarial por gênero (renda média nas áreas urbanas) Início dos anos 90 PEA Meados dos anos 90 assalariados 61,99 PEA 70,89 Fim dos anos 90 assalariados 64,90 72,23 PEA assalariados 67,34 77,89 Notas: Os dados sobre disparidade salarial por gênero representam a porcentagem da renda masculina recebida pelas mulheres. A coluna PEA (População Economicamente Ativa) compara diferenças da renda entre homens e mulheres no contexto da PEA global. A coluna “assalariados “compara as diferenças salariais entre homens e mulheres unicamente no contexto da população assalariada. As cifras regionais são a média ou termo médio de todos os casos em que existem dados para qualquer ano. Fontes: CEPAL 2001a, pp. 201-202, quadro 8; 2002b, pp. 201-202, quadro 8; e 2003, pp. 20-21, quadro 15. TABELA 27 INCIDÊNCIA DO ABUSO DE MENORES NAS DIFERENTES REGIÕES DO MUNDO, 2000 Região Economias desenvolvidas Ásia e Pacífico África subsaariana Oriente Médio e Norte da África África América Latina e Caribe Crianças economicamente Crianças implicadas nas piores formas ativas (5-14 anos) de trabalho infantil número de crianças (em milhões) proporção que trabalha (%) 2,5 127,3 48,0 13,4 .. 17,4 2 19 29 15 .. 16 tráfico (em milhares) .. 250 .. .. 200 550 trabalho forçado e servil (em milhares) .. 5.500 .. .. 210 3 conflito armado (em milhares) 1 120 .. .. 120 30 prostituição e pornografia (em milhares) atividades ilícitas (em milhares) 420 590 .. .. 50 750 110 220 .. .. .. 260 Notas: A “proporção que trabalha” refere-se ao número de crianças que trabalham em relação ao número total de crianças. As cifras sobre crianças implicadas nas “piores formas de trabalho” são estimativas. Fontes: IPEC-SIMPOC 2002, p. 17, quadro 2, e p. 27, quadro 10. Bases empíricas do Relatório 115 TABELA 28 TRATADOS DA ONU E DA OEA SOBRE DIREITOS CIVIS FUNDAMENTAIS, 2003 Países sem ratificar sem ratificar Ano Convenção da ONU contra a tortura e outras formas de tratamento e castigo cruéis, inumanos ou degradantes 1984 2 Nicarágua, República Dominicana Convenção Interamericana da OEA para prevenir e castigar a tortura 1995 3 Bolívia, Honduras, Nicarágua Protocolo da Convenção Interamericana de Direitos Humanos para abolir a pena de morte 1990 10 Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Peru, República Dominicana Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçoso de Pessoas 1994 9 Brasil, Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Peru, República Dominicana Nota: A informação está atualizada a 1º de abril de 2003. Fontes: ONU 2003, e OEA 2003. 116 Número de países Tratado A democracia na América Latina TABELA 29 HOMICÍDIOS DOLOSOS NA AMÉRICA LATINA E EM OUTRAS PARTES DO MUNDO, C.2000 N° de mortes por 100.000 País Ano Argentina Bolívia Brasil Chile 2001 2000 2001 2001 3.048 2.558 39.618 699 8,2 32,0 23,0 4,5 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 2000 1999 1999 2001 29.555 245 3.217 2.196 70,0 6,2 25,9 34,3 Guatemala Honduras México Nicarágua 1994 1998 2000 1998 3.239 9.241 13.829 1.157 33,3 154,0 14,0 24,1 Panamá Paraguai Peru República Dominicana 1998 2001 2001 1998 54 890 1.298 1.121 2,0 15,6 5,0 15,8 Uruguai Venezuela 2000 2000 154 8.022 4,6 33,2 América Latina c. 1997 109.135 25,1 Europa Ocidental Mediterrâneo Oriental Ásia do Sul e Oriental África Pacífico Ocidental c. 2000 c. 1995-99 c. 1995-99 c. 1995-99 c. 1995-99 4.519 31.000 78.000 116.000 59.000 1,4 7,1 5,8 22,2 5,1 Total mundial c. 1995-99 521.000 8,8 N° de mortes habitantes Referentes extra-regionais Nota: As cifras regionais são a soma de todos os casos em que existem dados disponíveis, e refletem uma média nãoponderada, para América Latina corresponde o ano 1997. O número de homicídios para El Salvador e Honduras é estimado. A Europa Ocidental não inclui Luxemburgo nem o Reino Unido. Fontes: Interpol 2004, UNODC 2002; Krug 2002, pp. 274, 308-312. ONU, e ONU, Divisão de População, Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais 2001 e 2002. Bases empíricas do Relatório 117 TABELA 30 RECURSOS FINANCEIROS E HUMANOS DEDICADOS AO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE JUSTIÇA, 2001 Recursos financeiros % orçamento nacional Número de defensores públicos Número de juízes Número de juízes por 100.000 habitantes Número de defensores públicos Número de defensores públicos por 100.000 habitantes País Ano Argentina Bolívia Brasil Chile 2000 2001 2000 2002 3,2 1,5 2,1 0,9 2000 2002 2000 2002 11,1 9,1 3,6 5,0 2001 2001 2001 2004 857 82 3000 417 2,3 0,9 1,7 2,7 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 2002 2001 2001 2002 1,2 5,2 1,5 4,5 2002 2001 2002 2002 7,4 16,0 5,6 9,2 2000 2001 2001 2001 1.126 128 33 274 2,7 3,2 0,3 4,3 Guatemala Honduras México Nicarágua 2002 2002 2000 2001 3,4 7,2 1,0 2,9 2002 2002 2000 2001 6,0 8,2 0,7 6,0 2001 2002 2001 2001 92 200 686 15 0,8 3,0 0,7 0,3 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 2000 2001 2002 2001 2,6 1,6 1,5 1,4 2002 2001 2002 2001 8,0 10,5 6,0 7,0 2001 2001 2001 2001 48 200 263 39 1,7 3,6 1,0 0,5 Uruguai Venezuela 2001 2002 1,6 1,4 2000 2000 15,5 6,1 2001 1998 74 159 2,2 0,7 América Latina Ano 2,5 4,9 Ano 1,5 Notas: O número de juízes para o México refere-se unicamente ao nível federal. Os dados sobre advogados públicos para a Argentina referem-se ao total de funcionários e para o Brasil são estimados. Os dados regionais para a porcentagem do orçamento não são ponderados; para o número de Juízes e Defesores públicos a média é ponderada. Fontes: CEJA,2003a e 2003b; Banco Mundial, Legal and Judicial Reform Practice Group 2003; 118 A democracia na América Latina TABELA 31 POPULAÇÃO CARCERÁRIA, PRESOS SEM CONDENAÇÃO E SUPERLOTAÇÃO, 2002 Total de população Presos sem carcerária processo e presos sem condenação (inclui presos processados Taxa de população (porcentagem Nível de ocupação e presos sem carcerária (por da população (sobre a base da condenação) 100.000 habitantes) carcerária) capacidade oficial) País Ano Argentina Bolívia Brasil Chile 1999 1999 2002 2002 38.604 8.315 240.107 33.098 107 102 137 204 55,2 36,0 33,7 40,4 119,9 162,5 132,0 134,3 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 2001 1999 2002 2002 54.034 8.526 7.716 10.278 126 229 59 158 41,1 39,5 69,9 49,7 136,5 109,6 115,0 167,5 Guatemala Honduras México Nicarágua 1999 2002 2000 1999 8.460 11.502 154.765 7.198 71 172 156 143 60,9 78,5 41,2 30,8 112,9 207,6 127,8 113,0 Panamá Paraguai Peru República Dominicana 2002 1999 2002 2001 10.423 4.088 27.493 15.341 359 75 104 178 55,3 92,7 67,2 64,5 136,5 151,0 137,8 175,3 Uruguai Venezuela 2002 2000 5.629 15.107 166 62 72,5 57,5 150,8 97,2 c. 2002 36.705 145 54,8 138,2 2001 1.962.220 686 18,8 106,4 América Latina Referente extra-regional Estados Unidos Nota: As cifras regionais são a média dos casos.A populación presa total para América Latina é de 660.684, a populaçao regional de 508 milhoes para 2002. Fontes: Centro Internacional para Estudos Penitenciários,2003. Os dados sobre o nível de ocupação para a Argentina foram retirados de CELS 2001,cap.2,fig.2.4,e correspondem ao ano 2000. Bases empíricas do Relatório 119 TABELA 32 LIBERDADE DE IMPRENSA, 2001-2002 País Freedom Repórteres House sem Fronteiras 2001 2001/2002 TABELA 33 MORTE DE JORNALISTAS, 1993-2002 País 1993-1997 1998-2002 Argentina Bolívia Brasil Chile 1 0 6 0 1 1 4 0 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 13 0 0 1 18 1 0 0 Guatemala Honduras México Nicarágua 2 1 5 0 2 0 3 0 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 0 0 1 1 0 1 0 0 Uruguai Venezuela 0 1 1 1 32 1 33 2 Argentina Bolívia Brasil Chile 39 30 38 22 12,0 14,5 18,8 6,5 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 63 14 41 38 40,8 4,3 5,5 8,8 Guatemala Honduras México Nicarágua 58 51 38 40 27,3 .. 24,8 .. Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 34 55 35 33 15,5 8,5 9,5 .. Uruguai Venezuela 30 68 6,0 25,0 Região América Latina 40,4 15,2 América Latina Europa Ocidental Notas: As escalas de liberdade de imprensa da Freedom Nota: Os índices medem unicamente o número de casos House e de Repórteres sem Fronteiras vão de 0 a 100, as claramente confirmados de jornalistas assassinados no cifras mais baixas indicam maior grau de liberdade. A in- cumprimento do dever, seja por represália direta por seu formação de Repórteres sem Fronteiras refere-se ao perío- trabalho ou por fogo cruzado. do setembro 2001-outubro 2002.Os dois pontos seguidos Fonte: CPI 2003. (..) indicam que a informação não está disponível. Fontes: Karlekar 2003, e Repórteres sem Fronteiras 2003. 120 A democracia na América Latina TABELA 34 DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO PÚBLICA E HABEAS DATA, 2002 Habeas data Direito ao acesso à informação pública Opção legal Argentina Bolívia Brasil Chile Sim Não Sim Sim, mas ambígua Sim Não Sim Não 1994 1988 - Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Sim Não Não Não Sim Não Sim Não 1997 1996 - Guatemala Honduras México Nicarágua Sim Sim Sim Sim, mas ambígua Sim Não Sim Sim 1995 2002 1995 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Não 2002 1992 1993 - Uruguai Venezuela Não Sim Não Sim 1999 País Ano de adoção Notas: A expressão “direito ao acesso à informação pública” refere-se ao direito a obter informação de fontes estatais sobre a administração dos assuntos públicos. A expressão “Habeas data” refere-se a uma ação que garanta o acesso de qualquer indivíduo à informação existente em bases de dados públicas ou privadas, referente à sua pessoa ou à sua propriedade e, caso seja necessário, a possibilidade de atualizar, corrigir, remover ou preservar tal informação com o objetivo de proteger certos direitos fundamentais. Fontes: OEA-CIDH, Relatório para a Liberdade de Expressão 2001,cap.3,quadro 1; e Guadamuz 2000 e 2001. Bases empíricas do Relatório 121 Bases empíricas do Relatório 113 Convenção 29 da OIT: Eliminação do Trabalho Forçado e Compulsivo Convenção 87 da OIT: Liberdade de Associação e Proteção do Direito de Organização Convenção 98 da OIT: Direito à Organização e à Negociação Coletiva Convenção 105 da OIT: Abolição do Trabalho Forçado Convenção 100 da OIT: Igualdade nas Remunerações Convenção 111 da OIT: Discriminação no Emprego e no Trabalho Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres Convenção Interamericana de Prevenção, Castigo e Erradicação da Violência contra as Mulheres, “Convenção de Belém do Pará” Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) Convenção da OIT 169 sobre Povos Indígenas e Tribais Direitos trabalhistas Direitos de mulheres Direitos de indígenas e grupos étnicos 1973 1989 1999 2 0 3 1 6 0 1994 1965 1989 0 0 0 1 2 2 0 0 0 0 ratificar 1951 1958 1979 1930 1948 1949 1957 1966 1966 1969 Ano México, Paraguai Bolívia, Colômbia, Venezuela Panamá Chile, El Salvador, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Uruguai - - Bolívia Brasil, El Salvador El Salvador, México - - Países sem ratificar Fontes: ONU 2003a, OIT 2003, e OEA 2003. 2003. Notas: O hífen ( - ) indica que o dado não é aplicável. A informação sobre os direitos de indígenas e minorias étnicas está atualizada até 24 de novembro de 2002. O restante da informação está atualizado até 1 º de abril de Convenção da OIT 138 sobre Idade Mínima Convenção da ONU dos Direitos da Criança Convenção da OIT 182 sobre Piores Formas do Trabalho Infantil Pacto Internacional da ONU sobre Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional da ONU sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “Pacto de San José de Costa Rica” Direitos gerais Direitos de menores Tratado Direito países sem Número de TRATADOS DA ONU, DA OIT E DA OEA: DIREITOS GERAIS E DIREITOS DE CATEGORIAS DE CIDADÃOS, 2002 TABELA 24 TABELA 25 DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, 2000 Direitos constitucionais País Constituição Argentina Bolívia Brasil Chile (*) 1853/1994 1967/1994 1988 1980 Fracos Sim Não Não Não, mas não existe idioma oficial Não, mas não existe idioma oficial Não, o português é o idioma oficial Não, mas não existe idioma oficial Colômbia 1991 Sim Costa Rica Equador 1949 1998 Não Sim El Salvador 1983/1992 Não Sim, o espanhol é o idioma oficial, mas as línguas indígenas e os dialetos são oficiais em seus territórios Não, o espanhol é o idioma oficial Sim, o espanhol é o idioma oficial, mas as línguas indígenas são para uso oficial restrito Não, mas as “línguas autóctones” são respeitadas Guatemala 1985 Sim Honduras México Nicarágua 1982 1917/1992 1987/1995 Não Sim Sim Panamá 1972/78/83/93/94 Sim Paraguai Peru 1992 1993 Sim Sim Direitos multiculturais República Dominicana .. .. Uruguai Venezuela Não Sim 1967/97 1999 Existência de direitos relacionados com o uso do idioma Sim, as línguas indígenas têm status oficial nas áreas onde são faladas Não, o espanhol é o idioma oficial Não, mas as línguas indígenas são fomentadas Sim, os idiomas das comunidades da costa atlântica são oficiais nessas regiões Não, mas as “línguas aborígenes” são conservadas e difundidas Sim, o guarani é um idioma oficial Sim, o espanhol é o idioma oficial, mas as línguas indígenas são de uso oficial nas áreas onde predominam .. Não Sim, as línguas indígenas são de uso oficial para os indígenas e devem ser respeitadas em todo o território Notas: As datas das constituições se referem aos documentos originais e à última reforma ou emenda. Os direitos multiculturais referem-se ao fato de as múltiplas identidades étnicas serem ou não reconhecidas pelo Estado. Os direitos apresentados neste quadro são considerados, às vezes, como direitos coletivos, e não estritamente direitos civis. (*) No Chile, a Lei Indígena N º19.253, de outubro de 1993, estabelece a promoção das culturas e idiomas indígenas e dos sistemas de educação intercultural bilíngüe (art.39), e garante o uso de línguas indígenas em processos judiciais (art.74). Fontes :OIT 2002b;Barié 2000,pp.42,572-574;Van Cott 2003,e Universidade de Georgetown e OEA 2002. 114 A democracia na América Latina TABELA 26 MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO 1990-2000 Participação na atividade econômica 1990 1995 2000 Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres 49,37 70,30 28,81 50,77 70,55 31,32 Total Homens 52,23 Mulheres 70,86 33,93 Disparidade salarial por gênero (renda média nas áreas urbanas) Início dos anos 90 PEA Meados dos anos 90 assalariados 61,99 PEA 70,89 Fim dos anos 90 assalariados 64,90 72,23 PEA assalariados 67,34 77,89 Notas: Os dados sobre disparidade salarial por gênero representam a porcentagem da renda masculina recebida pelas mulheres. A coluna PEA (População Economicamente Ativa) compara diferenças da renda entre homens e mulheres no contexto da PEA global. A coluna “assalariados “compara as diferenças salariais entre homens e mulheres unicamente no contexto da população assalariada. As cifras regionais são a média ou termo médio de todos os casos em que existem dados para qualquer ano. Fontes: CEPAL 2001a, pp. 201-202, quadro 8; 2002b, pp. 201-202, quadro 8; e 2003, pp. 20-21, quadro 15. TABELA 27 INCIDÊNCIA DO ABUSO DE MENORES NAS DIFERENTES REGIÕES DO MUNDO, 2000 Região Economias desenvolvidas Ásia e Pacífico África subsaariana Oriente Médio e Norte da África África América Latina e Caribe Crianças economicamente Crianças implicadas nas piores formas ativas (5-14 anos) de trabalho infantil número de crianças (em milhões) proporção que trabalha (%) 2,5 127,3 48,0 13,4 .. 17,4 2 19 29 15 .. 16 tráfico (em milhares) .. 250 .. .. 200 550 trabalho forçado e servil (em milhares) .. 5.500 .. .. 210 3 conflito armado (em milhares) 1 120 .. .. 120 30 prostituição e pornografia (em milhares) atividades ilícitas (em milhares) 420 590 .. .. 50 750 110 220 .. .. .. 260 Notas: A “proporção que trabalha” refere-se ao número de crianças que trabalham em relação ao número total de crianças. As cifras sobre crianças implicadas nas “piores formas de trabalho” são estimativas. Fontes: IPEC-SIMPOC 2002, p. 17, quadro 2, e p. 27, quadro 10. Bases empíricas do Relatório 115 TABELA 28 TRATADOS DA ONU E DA OEA SOBRE DIREITOS CIVIS FUNDAMENTAIS, 2003 Países sem ratificar sem ratificar Ano Convenção da ONU contra a tortura e outras formas de tratamento e castigo cruéis, inumanos ou degradantes 1984 2 Nicarágua, República Dominicana Convenção Interamericana da OEA para prevenir e castigar a tortura 1995 3 Bolívia, Honduras, Nicarágua Protocolo da Convenção Interamericana de Direitos Humanos para abolir a pena de morte 1990 10 Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Peru, República Dominicana Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçoso de Pessoas 1994 9 Brasil, Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Peru, República Dominicana Nota: A informação está atualizada a 1º de abril de 2003. Fontes: ONU 2003, e OEA 2003. 116 Número de países Tratado A democracia na América Latina TABELA 29 HOMICÍDIOS DOLOSOS NA AMÉRICA LATINA E EM OUTRAS PARTES DO MUNDO, C.2000 N° de mortes por 100.000 País Ano Argentina Bolívia Brasil Chile 2001 2000 2001 2001 3.048 2.558 39.618 699 8,2 32,0 23,0 4,5 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 2000 1999 1999 2001 29.555 245 3.217 2.196 70,0 6,2 25,9 34,3 Guatemala Honduras México Nicarágua 1994 1998 2000 1998 3.239 9.241 13.829 1.157 33,3 154,0 14,0 24,1 Panamá Paraguai Peru República Dominicana 1998 2001 2001 1998 54 890 1.298 1.121 2,0 15,6 5,0 15,8 Uruguai Venezuela 2000 2000 154 8.022 4,6 33,2 América Latina c. 1997 109.135 25,1 Europa Ocidental Mediterrâneo Oriental Ásia do Sul e Oriental África Pacífico Ocidental c. 2000 c. 1995-99 c. 1995-99 c. 1995-99 c. 1995-99 4.519 31.000 78.000 116.000 59.000 1,4 7,1 5,8 22,2 5,1 Total mundial c. 1995-99 521.000 8,8 N° de mortes habitantes Referentes extra-regionais Nota: As cifras regionais são a soma de todos os casos em que existem dados disponíveis, e refletem uma média nãoponderada, para América Latina corresponde o ano 1997. O número de homicídios para El Salvador e Honduras é estimado. A Europa Ocidental não inclui Luxemburgo nem o Reino Unido. Fontes: Interpol 2004, UNODC 2002; Krug 2002, pp. 274, 308-312. ONU, e ONU, Divisão de População, Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais 2001 e 2002. Bases empíricas do Relatório 117 TABELA 30 RECURSOS FINANCEIROS E HUMANOS DEDICADOS AO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE JUSTIÇA, 2001 Recursos financeiros % orçamento nacional Número de defensores públicos Número de juízes Número de juízes por 100.000 habitantes Número de defensores públicos Número de defensores públicos por 100.000 habitantes País Ano Argentina Bolívia Brasil Chile 2000 2001 2000 2002 3,2 1,5 2,1 0,9 2000 2002 2000 2002 11,1 9,1 3,6 5,0 2001 2001 2001 2004 857 82 3000 417 2,3 0,9 1,7 2,7 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 2002 2001 2001 2002 1,2 5,2 1,5 4,5 2002 2001 2002 2002 7,4 16,0 5,6 9,2 2000 2001 2001 2001 1.126 128 33 274 2,7 3,2 0,3 4,3 Guatemala Honduras México Nicarágua 2002 2002 2000 2001 3,4 7,2 1,0 2,9 2002 2002 2000 2001 6,0 8,2 0,7 6,0 2001 2002 2001 2001 92 200 686 15 0,8 3,0 0,7 0,3 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 2000 2001 2002 2001 2,6 1,6 1,5 1,4 2002 2001 2002 2001 8,0 10,5 6,0 7,0 2001 2001 2001 2001 48 200 263 39 1,7 3,6 1,0 0,5 Uruguai Venezuela 2001 2002 1,6 1,4 2000 2000 15,5 6,1 2001 1998 74 159 2,2 0,7 América Latina Ano 2,5 4,9 Ano 1,5 Notas: O número de juízes para o México refere-se unicamente ao nível federal. Os dados sobre advogados públicos para a Argentina referem-se ao total de funcionários e para o Brasil são estimados. Os dados regionais para a porcentagem do orçamento não são ponderados; para o número de Juízes e Defesores públicos a média é ponderada. Fontes: CEJA,2003a e 2003b; Banco Mundial, Legal and Judicial Reform Practice Group 2003; 118 A democracia na América Latina TABELA 31 POPULAÇÃO CARCERÁRIA, PRESOS SEM CONDENAÇÃO E SUPERLOTAÇÃO, 2002 Total de população Presos sem carcerária processo e presos sem condenação (inclui presos processados Taxa de população (porcentagem Nível de ocupação e presos sem carcerária (por da população (sobre a base da condenação) 100.000 habitantes) carcerária) capacidade oficial) País Ano Argentina Bolívia Brasil Chile 1999 1999 2002 2002 38.604 8.315 240.107 33.098 107 102 137 204 55,2 36,0 33,7 40,4 119,9 162,5 132,0 134,3 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 2001 1999 2002 2002 54.034 8.526 7.716 10.278 126 229 59 158 41,1 39,5 69,9 49,7 136,5 109,6 115,0 167,5 Guatemala Honduras México Nicarágua 1999 2002 2000 1999 8.460 11.502 154.765 7.198 71 172 156 143 60,9 78,5 41,2 30,8 112,9 207,6 127,8 113,0 Panamá Paraguai Peru República Dominicana 2002 1999 2002 2001 10.423 4.088 27.493 15.341 359 75 104 178 55,3 92,7 67,2 64,5 136,5 151,0 137,8 175,3 Uruguai Venezuela 2002 2000 5.629 15.107 166 62 72,5 57,5 150,8 97,2 c. 2002 36.705 145 54,8 138,2 2001 1.962.220 686 18,8 106,4 América Latina Referente extra-regional Estados Unidos Nota: As cifras regionais são a média dos casos.A populación presa total para América Latina é de 660.684, a populaçao regional de 508 milhoes para 2002. Fontes: Centro Internacional para Estudos Penitenciários,2003. Os dados sobre o nível de ocupação para a Argentina foram retirados de CELS 2001,cap.2,fig.2.4,e correspondem ao ano 2000. Bases empíricas do Relatório 119 TABELA 32 LIBERDADE DE IMPRENSA, 2001-2002 País Freedom Repórteres House sem Fronteiras 2001 2001/2002 TABELA 33 MORTE DE JORNALISTAS, 1993-2002 País 1993-1997 1998-2002 Argentina Bolívia Brasil Chile 1 0 6 0 1 1 4 0 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 13 0 0 1 18 1 0 0 Guatemala Honduras México Nicarágua 2 1 5 0 2 0 3 0 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 0 0 1 1 0 1 0 0 Uruguai Venezuela 0 1 1 1 32 1 33 2 Argentina Bolívia Brasil Chile 39 30 38 22 12,0 14,5 18,8 6,5 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 63 14 41 38 40,8 4,3 5,5 8,8 Guatemala Honduras México Nicarágua 58 51 38 40 27,3 .. 24,8 .. Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 34 55 35 33 15,5 8,5 9,5 .. Uruguai Venezuela 30 68 6,0 25,0 Região América Latina 40,4 15,2 América Latina Europa Ocidental Notas: As escalas de liberdade de imprensa da Freedom Nota: Os índices medem unicamente o número de casos House e de Repórteres sem Fronteiras vão de 0 a 100, as claramente confirmados de jornalistas assassinados no cifras mais baixas indicam maior grau de liberdade. A in- cumprimento do dever, seja por represália direta por seu formação de Repórteres sem Fronteiras refere-se ao perío- trabalho ou por fogo cruzado. do setembro 2001-outubro 2002.Os dois pontos seguidos Fonte: CPI 2003. (..) indicam que a informação não está disponível. Fontes: Karlekar 2003, e Repórteres sem Fronteiras 2003. 120 A democracia na América Latina TABELA 34 DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO PÚBLICA E HABEAS DATA, 2002 Habeas data Direito ao acesso à informação pública Opção legal Argentina Bolívia Brasil Chile Sim Não Sim Sim, mas ambígua Sim Não Sim Não 1994 1988 - Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Sim Não Não Não Sim Não Sim Não 1997 1996 - Guatemala Honduras México Nicarágua Sim Sim Sim Sim, mas ambígua Sim Não Sim Sim 1995 2002 1995 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Não 2002 1992 1993 - Uruguai Venezuela Não Sim Não Sim 1999 País Ano de adoção Notas: A expressão “direito ao acesso à informação pública” refere-se ao direito a obter informação de fontes estatais sobre a administração dos assuntos públicos. A expressão “Habeas data” refere-se a uma ação que garanta o acesso de qualquer indivíduo à informação existente em bases de dados públicas ou privadas, referente à sua pessoa ou à sua propriedade e, caso seja necessário, a possibilidade de atualizar, corrigir, remover ou preservar tal informação com o objetivo de proteger certos direitos fundamentais. Fontes: OEA-CIDH, Relatório para a Liberdade de Expressão 2001,cap.3,quadro 1; e Guadamuz 2000 e 2001. Bases empíricas do Relatório 121 Cidadania social A cidadania social refere-se aos aspectos da vida dos cidadãos relacionados com o potencial para desenvolver suas capacidades básicas. Diferentemente dos outros tipos de cidadania, a cidadania social nem sempre tem uma clara base legal nas constituições e legislações nacionais, e sua aceitação internacional, mediante convenções ou tratados, é menos difundida.66 No entanto, a ação constante da sociedade civil possibilitou avançar não apenas no debate como também na permanente mobilização para conseguir que a cidadania social seja um efetivo componente da cidadania integral. Debate-se, em âmbitos acadêmicos e políticos, acerca dos conteúdos da cidadania social. Surgiu desses debates um certo consenso a respeito dos componentes básicos dessa cidadania. Nesse sentido, a contribuição dada pelos relatórios de desenvolvimento humano67 foi importante. Os direitos à saúde e à educação são considerados componentes básicos da cidadania social. Por sua vez, a falta de emprego, a pobreza e a desigualdade foram amplamente reconhecidas como aspectos que obstaculizam a integração dos indivíduos na sociedade. Em condições de extrema pobreza e desi- quadro 29 Cidadãos pobres e desiguais Este é um problema em todos os lugares. Vimos que é inerente à dimensão burocrática do Estado. É mais severo e sistemático quando o “sujeito” dessas relações está em situação de pobreza e desigualdade ampla e severa. Esses males cultivam o autoritarismo social, amplamente praticado na América Latina por ricos e poderosos, e repercutem na maneira em que as burocracias do Estado tratam muitos indivíduos. Essa é, acredito, outra dimensão crucial da qualidade da democracia; na América Latina, com suas profundas e persistentes desigualdades, essa dimensão é uma das mais deficientes. Guillermo O’Donnell, texto elaborado para o PRODDAL, 2002c. gualdade, torna-se difícil a realização de um pressuposto chave da democracia: que os indivíduos são cidadãos plenos que atuam em uma esfera pública em que se relacionam em condição de iguais. A seguir, apresentamos alguns indicadores centrais da cidadania social: saúde, educação, emprego, pobreza e desigualdade, agrupados nas duas dimensões indicadas no quadro 30. A leitura desses indicadores nos dará uma aproximação da capacidade real de exercício da cidadania na América Latina. Os dados sobre a cidadania social mostram que a maioria dos países da América Latina possui severas deficiências com conseqüências para grandes e, algumas vezes, majoritários segmentos de suas populações. Todos os países da região são mais desiguais do que a média mundial e dezesseis, de um total de dezoito, podem ser catalogados como sumamente desiguais. Em 2002, em quinze casos, mais de 25 por cento da população vivia abaixo da linha de pobreza, e em sete, a proporção de pobres era superior a 50 por cento. Necessidades básicas Nessa dimensão registram-se alguns avanços embora os indicadores ainda continuem distantes do que seria desejável. Observam-se, na região, melhoras nos indicadores de desnutrição infantil e analfabetismo, e três países – Chile, Costa Rica e Uruguai – destacam-se por apresentar níveis relativamente baixos desses problemas. Especificamente, a desnutrição infantil diminuiu em treze países e, de maneira notável, no Brasil, na Guatemala e na Bolívia. No entanto, ela ainda atinge mais de 5 por cento das crianças em dezesseis dos dezoito países considerados e, em sete, pelo menos uma de cada cinco (tabela 35). O índice de analfabetismo reduziu-se em todos os países da região, registrando-se os 66 Por exemplo, o Protocolo Adicional da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos na área dos direitos econômicos, sociais e culturais, denominado Protocolo de San Salvador foi assinado só em 1988. 67 Em relação ao impacto da desigualdade e da pobreza sobre as capacidades dos cidadãos, ver Sen, 1999b, pp.2024 e capítulo 4. Sobre a saúde e a educação como duas necessidades básicas, ver PNUD, 2002c, pp.252-253. 122 A democracia na América Latina maiores avanços na Guatemala, na Bolívia, em El Salvador e em Honduras. Entretanto, em quatorze dos dezoito países, o analfabetismo ainda atinge mais de 5 por cento da população de mais de quinze anos, e em quatro atinge 20 por cento ou mais (tabela 36). As conquistas em matéria de redução da desnutrição infantil e do analfabetismo evidenciam que, nos últimos anos, em muitos casos, essas deficiências relacionadas com a cidadania social puderam ser atendidas com resultados positivos. Outros indicadores, como mortalidade infantil (tabela 37), expectativa de vida (tabela 38) e nível de escolarização (tabela 39), também permitem observar alguns avanços, embora algumas vezes o nível de melhoria resulte baixo diante da extensão e profundidade dos déficits existentes. Em matéria de indicadores de saúde e educação existe, na região, uma tendência geral positiva. No entanto, é necessário ser prudente na valorização desses indicadores. Há outros dados disponíveis que colocam em dúvida alguns dos indicadores aqui utilizados. Nesse sentido, o estudo “Aptidões lingüísticas para o mundo de amanhã”, realizado pela OCDE e pela UNESCO, que abarcou quarenta e um países, mostra que, mesmo alfabetizados, um número enorme – mais da metade – dos alunos da América Latina, não tem real capacidade de ler e entender o que lê (tabela 40). Os seis países latino-americanos incluídos no estudo encontram-se entre os últimos lugares nos índices de qualidade educativa e de desempenho dos alunos. Integração social Nessa dimensão, evidenciam-se as mais graves carências de cidadania social na América Latina. Os problemas de emprego, pobreza e desigualdade registram níveis muito altos. Tanto é assim que até quando é possível notar certas melhorias, como no caso da pobreza, isso não é suficiente para deixar quadro 30 Dimensões da cidadania social Dimensão Questões relevantes Necessidades básicas Integração social Saúde e educação Trabalho, pobreza e desigualdade de caracterizar a situação como sumamente grave. A situação do emprego piorou e os níveis de desigualdade mantiveram-se estacionários ou aumentaram. O nível de desemprego da América Latina situa-se entre os mais altos do mundo e o de desigualdade é o mais alto do mundo. Como a cidadania social possui um componente econômico, para a maioria da população, o emprego significa um pilar básico de sua cidadania. O trabalho é o aporte dos cidadãos para a produção da sociedade, e é a forma por meio da qual obtêm os meios que lhes permitem gozar de seus direitos. Para a enorme maioria dos latino-americanos, o emprego é a via para enfrentar a pobreza, e para dela sair. No entanto, com freqüência, essa expectativa não se satisfaz, o que significa um enorme desafio para a política e para a democracia na região. Tudo indica que, na América Latina, o emprego perdeu qualidade e força como meio de inserção social. Como destaca a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL): “O emprego é o vínculo mais importante entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, pois é a principal fonte de renda dos lares (gera 80 por cento do total). A exclusão e a segmentação derivadas da falta de acesso a empregos de qualidade são, por isso, fatores determinantes da pobreza e das desigualdades sociais que se reproduzem no tempo, manifestadas na elevada e persistente concentração de renda que prevalece na região”.68 68 “Globalização e desenvolvimento social”, discurso do secretário executivo da CEPAL, José Antonio Ocampo, no II Encontro de ex-Presidentes Latino-americanos, Santiago, Chile, 22-23 de abril de 2002. Bases empíricas do Relatório 123 quadro 31 Inserção genuína para os “supranumerários” Quase todo mundo recusa abertamente o modelo de “sociedade dual”. Mas muitos lhe abrem as portas festejando qualquer realização – do desenvolvimento de um setor de “utilidade social” à abertura de “novas fontes de trabalho” – desde que proporcione alguma atividade para os supranumerários. Porém, do ponto de vista da problemática da integração social, não se trata apenas de conseguir ocupação para todos, mas também de conseguir um estatuto. Robert Castel , 1995, pp. 454-455. Como já indicamos, a situação do emprego agravou-se na América Latina.69 A taxa de desocupação aberta (ponderada) em 2002 foi de 10,8 por cento, o nível mais alto desde que se dispõe de cifras confiáveis (tabela 41). O índice de desemprego urbano caiu no Equador e, mais levemente, na Colômbia, em El Salvador, e no Chile, ao passo que na Argentina, no Panamá, na Venezuela, no Brasil, na Costa Rica, no México e no Uruguai, esse índice aumentou. Entre os jovens latino-americanos, na maioria dos países da região, o índice de desemprego duplica ou quase duplica a média nacional de desocupação (tabela 42). Por sua vez, a cobertura social dos trabalhadores diminuiu e o emprego informal cresceu: sete de cada dez novos empregos criados na região desde 1990 correspondem ao setor informal. Além disso, de cada dez novos empregos gerados no setor formal desde 1990, apenas seis têm acesso a algum tipo de cobertura social. Esta situação motiva um sério alarme sobre o futuro de nossas sociedades: muitos dos latino-americanos, além das carências que sofrem atualmente, correm o risco de desproteção ao chegar à idade de retiro (tabelas 43 e 44). A expansão da informalidade é um eloqüente indicador da crise de emprego. Além disso, é uma resposta inadequada para atenuar o desemprego, pois cria ocupações de baixa qualidade e baixa utilidade social, que são geralmente insuficientes como forma de integração social que garanta mínimos níveis de bem-estar. Segundo dados da OIT, em 1990, o déficit primário de trabalho decente70 atingia 49,5 por cento da força de trabalho urbana da América Latina. Em 2002, subiu para 50,5 por cento. O aumento do déficit atinge 15,7 por cento da força de trabalho. Em 2002, o déficit primário de trabalho decente atingia 93 milhões de trabalhadores na região, 30 milhões a mais do que em 1990. A brecha de emprego ampliou-se, alcançando 21 milhões de trabalhadores, entre desempregados e informais, e a brecha de proteção social cresceu atingindo nove milhões de novos trabalhadores ocupados (basicamente informais).71 Entre 1990 e 2002, a pobreza diminuiu em doze países, especialmente no Chile, no Equador, no México, no Panamá e no Brasil. Entretanto, em quinze dos dezoito países considerados, um quarto da população vive abaixo da linha de pobreza, e em sete, mais de cinqüenta por cento da população é pobre (tabela 45). No entanto, como afirma José Nun, “o problema não se reduz ao acesso marginal dos ‘pobres estruturais’ aos direitos de cidadania. Atualmente, nas áreas mais modernizadas da América Latina, abundam mu- 69 OIT, Escritório Regional para as Américas, 2002. 70 O déficit primário de trabalho decente é um indicador elaborado e calculado pela OIT. Para isso examina a evolução das brechas de emprego e previdência social. Para fazer uma estimativa da brecha de emprego usa dois componentes: desemprego e informalidade. O primeiro corresponde à diferença entre a taxa de desemprego real e a média de um período de trinta anos (1950-1980), que dá como resultado a denominada taxa de desemprego “histórica”. O segundo componente leva em conta as pessoas ocupadas em atividades informais de baixa qualidade (baixa produtividade, níveis de renda voláteis e próximos à linha da pobreza, instabilidade de trabalho). Para o cálculo da brecha de proteção social, são considerados, dentre os empregados nos setores formais e informais, aqueles que não contribuem para a previdência social. O somatório das brechas de emprego e proteção social determina o déficit primário de trabalho decente. OIT, Escritório Regional para as Américas, 2002., pp. 30-31. 71 OIT, Escritório Regional para as Américas, 2002. 124 A democracia na América Latina quadro 32 O papel da sociedade civil Os invisíveis nas sociedades latinoamericanas [são] aqueles que não formam parte das sociedades civis, simplesmente porque não têm identidade, projeto, organização social e forma de luta para afirmar-se, defender-se, para conquistar direitos e reconhecimento público. São os politicamente destituídos de todo poder real. Em nome da verdade, é necessário reconhecer o avanço da cidadania formal, aquela com direito a voto, particularmente no período de recente democratização. Mas ter o direito político de voto não é o mesmo que ser cidadão, exatamente em função do que mencionei acima, quanto à inclusão e à garantia prática de direitos fundamentais, não apenas civis e políticos, mas também o direito ao trabalho e à renda, a comida, a casa, a saúde, a educação, etc. Entre 30% e 60% da população de nossos países sofre alguma forma de exclusão social, negadora de sua cidadania.Essa população, quando não consegue se organizar e lutar, para voltar a incluir-se politicamente e a ter alguma perspectiva de mudança na situação geradora de desigualdade, pobreza e exclusão social, constitui o enorme contingente de invisíveis de nossas sociedades. Perdem as sociedades civis e perde a democracia. Mas se, por alguma razão, os grupos de invisíveis se organizam, ganha a sociedade civil e ganha a democracia, pois sua presença como atores concretos é a condição indispensável de sua inclusão sustentável na cidadania. […] [A] garantia da democracia […] passa necessária e indispensavelmente pela sociedade civil, sobretudo pelas possibilidades de tornar visíveis os invisíveis. Simplesmente porque não podem existir direitos de cidadania se não são para todos. Direitos para algumas pessoas, por mais numerosas que sejam, não são direitos, são privilégios. Cidadania é expressão de uma relação social que tem a todos como premissa, sem exceção. Como se incluir na relação de cidadania? Pensando em nossa realidade de milhões e milhões que ainda permanecem fora do sistema, sem que sua cidadania tenha sido reconhecida; tentando ver como e em que condições podem se transformar em sujeitos históricos de sua própria inclusão, iniciando um processo virtuoso de rupturas e de reorganização social, econômica, política e cultural, de modo democrático e sustentável. É sempre bom recordar que os grupos populares em situação de pobreza e desigualdade, quase na exclusão social, não são ontológica ou necessariamente democráticos. Do mesmo modo que todos os sujeitos sociais, eles precisam tornar-se democráticos ao longo do próprio processo pelo qual tornam-se sujeitos. A questão crucial é o entrelaçamento social organizativo, em que se baseia um grupo – de membros de favelas ou de camponeses sem terra, por exemplo – para desenvolver sua identidade, construir sua visão do mundo, tomar consciência dos direitos e da importância de sua participação, formular propostas e estratégias. No processo, literalmente, adquirem poder de cidadania, mesmo estando longe de mudar efetivamente o conjunto de relações que os excluem. Entendendo o empoderamento como conquista de poder cidadão – de visibilidade dos até então invisíveis nas relações constitutivas do poder – estamos falando do que o grupo, a sociedade civil e a democracia ganham. O processo de “empoderamento” traz consigo novas organizações, uma cultura democrática de direitos e uma real capacidade de incidência na luta política. O que se constata na América Latina é que o atropelamento da democratização por parte da globalização neoliberal estancou e, inclusive, fez retroceder processos consistentes de emergência de novos sujeitos. A luta contra essa globalização, ao contrário, está revelando as contradições que permitem novamente a emergência desses setores. No entanto, o quadro é novo e depende de como a maior segmentação produzida entre incluídos e excluídos é vista e vivida nas diferentes sociedades. As grandes cidades da América Latina não são apenas uma soma de partes, como o Rio de Janeiro do asfalto e das favelas. Uma parte não pode dar as costas para a outra, ignorando e desprezando-a. Cândido Grzebowsky, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. Bases empíricas do Relatório 125 ca Dominicana e Venezuela pioraram). Por outro lado, ao chegar a 2002 apenas Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e Uruguai tinham conseguido reduzir a desigualdade.73 Há razões para afirmar que somente reduzindo a desigualdade será possível fazer com que a pobreza continue diminuindo, e também que a diminuição da desigualdade tende a melhorar a possibilidade de crescimento econômico em ritmos aceitáveis (gráfico 4). A possibilidade de maior igualdade vincula-se a força da democracia. O cumprimento dos objetivos sociais do desenvolvimento, especialmente do desenvolvimento humano, não pode ser alcançado unicamente por meio do funcionamento dos mercados. O impulso de igualdade não vem do mercado e sim da promessa implícita na democracia. A igualdade dos cidadãos fortalece e consolida a democracia. tações muito profundas nos sistemas de produção e de emprego, que conduzem ao aumento da desocupação e da sub-ocupação, e a uma grande crise dos laços sociais e políticos. Tudo isso gera outra classe de baixa qualidade, a dos ‘novos pobres’,72 provocada, na verdade, por um tipo de desfiliação cidadã dos que já estiveram integrados”. De 1991 a 2002, quinze dos dezoito países avançaram em seu crescimento econômico per capita. E doze países obtiveram uma redução no nível da pobreza (de fato, só Argentina, Bolívia, Paraguai, Peru, Repúbli- A sociedade civil como promotora da cidadania social Os problemas e dificuldades encontrados pelos estados de bem-estar para manter a proteção de seus cidadãos, assim como a difusão da ação das grandes organizações não governamentais (ONG’s) que procuram atenuar os efeitos da pobreza, possibilitaram inicialmente a expansão de organizações voluntárias que, aos poucos, estenderam seu campo de ação a um grande número de áreas preocupantes no que se refere ao bem-estar dos cidadãos. O crescimento da sociedade civil recebeu maior impulso nos países onde houve ditaduras, em que os partidos políticos não podiam expressar as demandas dos cidadãos, ou nas zonas, tanto urbanas quanto rurais, onde o Estado deixou de atender adequadamente às necessidades básicas em saúde, educação, apoio a setores em risco, entre outros. Contudo, também floresceu um número importante de organizações dedicadas à promoção dos valores cívicos que velam pe- 72 Nun, José, texto produzido para o PRODDAL, 2002. 73 Reduzir o nível de pobreza significa diminuir a porcentagem da população com renda abaixo da linha de pobreza (baseado na medida da pesquisa de domicílios). A desigualdade é medida pelo coeficiente de Gini. Ambas as medidas referem-se à 1999 (o ano mais próximo) e são contrastadas com as de 2002. 126 A democracia na América Latina quadro 33 A decência como valor coletivo O que vou sugerir é vincular a superação da pobreza e da desigualdade com algo que se poderia argumentar que constitui um interesse público geral: a democracia. Então, por que a democracia interessaria aos privilegiados? […] O argumento moral e político válido é que a democracia funda-se em valores que exigem uma atitude respeitosa para com a dignidade e a autonomia de cada ser humano; nada mais e la inscrição dos cidadãos nos registros eleitorais, pela realização de eleições limpas e trabalham para melhorar a ação dos partidos, dos movimentos políticos e das instituições representativas. No campo da ação prática para reduzir a pobreza, muitas ONGs (em rigor, diríamos não estatais) assumem funções que até então, conforme se supunha, eram de responsabilidade do Estado. Atualmente, uma parte relevante das políticas públicas sociais é conduzida por ONGs em acordo com as instituições estatais. A ação dessas organizações aumentou o nível participativo dos habitantes. Em muitos casos, a organização da sociedade civil visa a promover valores democráticos em sua prática corrente e atinge também a forma com que se tomam decisões. Embora seja preciso uma vigorosa ação estatal para recuperar políticas sociais universais, que abarquem a totalidade da cidadania e que atendam às necessidades básicas da população, essas políticas deveriam ser executadas incluindo a dimensão participativa originária das diversas organizações da sociedade civil, e promover a transparência. Conclusões sobre a cidadania social: conquistas e deficiências As deficiências no campo da cidadania social são um dos desafios mais importantes que a região enfrenta. Em nenhum outro plano da cidadania, a democracia está mais comprometida do que no da cidadania social. Por último, existem boas razões nada menos […] o principal aglutinador só pode ser um motivo ético: o tratamento decente que todo ser humano merece. Um motivo adicional é de interesse público: a melhoria da qualidade de nossas democracias equivale a avançar em direção a essa decência como um valor coletivo de toda a sociedade. Guillermo O’Donnell, 1999c. p. 82. para afirmar que os cidadãos que sofrem exclusões em uma dimensão da cidadania são os mesmos que sofrem exclusões em outras dimensões. A pobreza material dos cidadãos incide negativamente nas oportunidades de educação, nas questões de nutrição e de saúde, nas oportunidades de emprego, na capacidade para exercer e fazer valer os direitos civis, políticos, sociais, etc. A educação, a saúde e o emprego requerem alimentação, moradia e vestimenta. Estas, por sua vez, conduzem à liberdade, ao progresso e à justiça. Abaixo de certos níveis mínimos de direitos sociais, o próprio conceito de cidadania é questionado pela realidade. O panorama fica ainda mais complexo quando se considera que a expectativa de melhoria em algum desses temas costuma estar vinculada à evolução de algum ou de alguns dos outros aspectos. quadro 34 Disfunções da economia mundial Se o capitalismo, ao excluir o político, se tornasse totalitário, correria o risco de desmoronar-se […]. Porque em nenhum outro período de nossa história, com a exceção muito transitória dos anos trinta, as disfunções da economia mundial (desocupação em massa, formidável incremento das desigualdades e da pobreza nos países ricos) foram tão graves como hoje; miséria insustentável e crises recorrentes em numerosos países em desenvolvimento, e exacerbação da desigualdade de renda por habitante entre os diferentes países. A democracia não pode permanecer indiferente a tudo isso. Jean-Paul Fitoussi, texto elaborado para o PRODDAL, 2003. Bases empíricas do Relatório 127 quadro 35 Pobreza e desigualdade: pouca variação significativa [Constatam-se], em várias oportunidades, as relações que existem entre a desigualdade e a pobreza econômicas, por um lado, e a qualidade da democracia, por outro. […] Nesse sentido, convém ler atentamente resultados como os de um trabalho econométrico que acaba de ser difundido: “A conclusão mais importante a que se pode chegar com o presente estudo é que o principal obstáculo que se interpõe no caminho do êxito dos esforços para reduzir a pobreza na América Latina e no Caribe consiste em que o melhor remédio Em síntese, o desenvolvimento da democracia na América Latina requer abordar decididamente os problemas que impedem a vigência e a expansão da cidadania social. Para isso, parece necessário centrarse no ataque à pobreza e na geração de empregos de boa qualidade, tendo presente que isso será muito difícil de conseguir sem reduzir também os enormes níveis de desigualdade existentes na região. Um dos desafios mais urgentes que a região enfrenta são as deficiências no campo da cidadania social. ■ Os dados, em sua maior parte, refletem uma grave situação. A América Latina se caracteriza por sofrer grandes carências em 74 CEPAL, IDEA, PNUD, 2003, p. 49 128 A democracia na América Latina para tratar a pobreza que aflige a região – a redução da desigualdade– parece ser um que é muito difícil de receitar. Uma leve diminuição da desigualdade contribuiria muito para reduzir as privações extremas que ocorrem na região. No entanto, parece que são muito poucas as economias da região que foram capazes de conseguir esse resultado, ainda que em pequena medida”. José Num, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. múltiplos aspectos da cidadania social. Os avanços de alguns países nesse plano, embora significativos em si mesmos, são pequenos em comparação com a escala dos problemas. ■ Existem exclusões sociais superpostas. As privações em um componente da cidadania social costumam coincidir com privações em outros campos. Esta situação sugere a idéia de déficits estruturais em matéria de cidadania social. ■ O panorama social regional é, portanto, insuficiente; a busca de uma maior e melhor cidadania social, começando pela satisfação das necessidades básicas da população, representa um desafio central para a América Latina. TABELA 35 DESNUTRIÇÃO INFANTIL ENTRE 1980 E 2000 Tendência recente Último ano País Ano Porcentagem Anos de comparação Mudança percentual Argentina Bolívia Brasil Chile 1995/96 1998 1996 1999 12,4 26,8 10,5 1,9 1994-95/96 1989-98 1989-96 1986-99 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 2000 1996 1998 1998 13,5 6,1 26,4 23,3 1989-00 1989-96 1986-98 1993-98 -3,1 -3,1 -7,6 0,2 Guatemala Honduras México Nicarágua 1999 1996 1999 1998 46,4 38,9 17,7 24,9 1987-99 1991/92-96 1988-99 1993-98 -11,3 2,6 -5,1 2,4 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 1997 1990 2000 1996 18,2 13,9 25,4 10,7 1985-97 .. 1991/92-00 1991-96 -0,6 .. -6,4 -5,8 Uruguai Venezuela 1992/93 2000 9,5 12,8 1987-92/93 1990-00 -6,4 -1,0 América Latina 18,9 7,7 -10,9 -15,4 -7,7 -4,2 Notas: A baixa estatura para a idade é uma medida que compara a estatura de uma criança de acordo com sua idade em relação à média da população de referência. Este indicador reflete um crescimento acumulado deficiente e constitui uma medida de deficiências prévias no crescimento físico. Está associado a um conjunto de fatores de longo prazo tais como: uma alimentação cronicamente insuficiente, infecções freqüentes, persistentes más condutas de alimentação e um baixo nível econômico do lar. Fonte: Cálculo baseado em dados da OMS, Departamento de Nutrição para a Saúde e o Desenvolvimento 2002. Bases empíricas do Relatório 129 TABELA 36 ANALFABETISMO EM MAIORES DE 15 ANOS, 1970-2001 País 1970 1980 1990 2000 Argentina Bolívia Brasil Chile 7,0 42,3 31,9 12,2 5,6 31,2 24,5 8,5 4,3 21,8 19,1 5,9 3,2 14,5 14,8 4,2 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 22,1 11,8 25,7 42,0 15,9 8,3 18,1 34,1 11,5 6,1 12,3 27,5 8,3 4,4 8,4 21,3 Guatemala Honduras México Nicarágua 54,8 46,7 25,1 45,5 46,9 38,6 17,7 41,2 38,9 31,5 12,1 37,2 31,4 25,4 8,6 33,5 Panamá Paraguai Peru República Dominicana 20,8 20,2 28,5 32,8 15,2 14,1 20,5 26,1 11,0 9,7 14,5 20,6 8,1 6,7 10,1 16,4 Uruguai Venezuela 7,0 23,6 5,1 16,0 3,4 11,0 2,3 7,4 América Latina 27,8 21,5 16,6 12,7 Nota: Os dados representam a proporção da população adulta que é analfabeta. Referem-se à população de mais de 15 anos de idade que não é capaz de ler ou escrever uma pequena frase em sua vida cotidiana. Os dados para a Região são a média de todos os casos. Fonte: UNESCO, Instituto de Estatísticas 2002a. 130 A democracia na América Latina TABELA 37 MORTALIDADE INFANTIL, 1970-2000 País 1970-75 1975-80 1980-85 1985-90 1990-95 1995-2000 Argentina Bolívia Brasil Chile 48,1 151,3 90,5 68,6 39,1 131,2 78,8 45,2 32,2 109,2 65,3 23,7 27,1 90,1 55,3 18,4 24,3 75,1 46,8 14,0 21,8 65,6 42,1 12,8 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 73,0 52,5 95,0 105,0 56,7 30,4 82,4 95,0 48,4 19,2 68,4 77,0 41,4 16,0 57,1 54,0 35,2 13,7 49,7 40,2 30,0 12,1 45,6 32,0 Guatemala Honduras México Nicarágua 102,5 103,7 69,0 97,9 90,9 81,0 56,8 90,1 78,8 65,5 47,0 79,8 65,0 53,3 39,5 65,0 51,1 45,4 34,0 48,0 46,0 37,1 31,0 39,5 Panamá Paraguai Peru República Dominicana 43,4 53,1 110,3 93,5 35,4 51,0 99,1 84,3 30,4 48,9 81,6 63,9 28,4 46,7 68,0 54,6 25,1 43,3 55,5 46,5 21,4 39,2 45,0 40,6 Uruguai Venezuela 46,3 48,7 42,4 39,3 33,5 33,6 22,6 26,9 20,1 23,2 17,5 20,9 América Latina 80,69 68,28 55,91 46,08 38,40 33,34 Nota: A mortalidade infantil é medida em termos da probabilidade de morte entre o nascimento e o primeiro ano de vida. Expressa-se em termos de mortes para cada 1.000 nascimentos. Os dados da região são a média de todos os casos. Fonte: Nações Unidas, Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, Divisão de População, 2001. Bases empíricas do Relatório 131 132 A democracia na América Latina 61,6 67,9 58,8 58,2 53,7 53,8 62,4 55,1 66,2 65,9 55,4 59,7 68,7 65,7 60,54 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Guatemala Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru República Dominicana Uruguai Venezuela América Latina 62,67 69,5 67,5 68,8 66,5 58,4 61,8 56,0 57,3 65,1 57,5 63,8 70,8 61,3 56,7 68,5 50,0 61,5 67,1 1975-80 64,74 70,8 68,6 70,5 67,1 61,4 62,8 58,0 60,9 67,5 59,3 66,6 73,5 64,3 56,6 70,0 53,7 63,1 70,6 1980-85 Fonte: Nações Unidas, Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, Divisão de População, 2001. Nota: Este indicador expressa, em anos, a esperança de vida ao nascer. Os dados para a região são médias de todos os casos. 67,1 46,7 59,5 63,4 1970-75 Argentina Bolívia Brasil Chile País ESPERENÇA DE VIDA AO NASCER, 1970-2000 66,79 71,9 70,3 71,4 67,6 64,1 64,7 59,6 64,3 69,6 62,0 67,6 74,5 66,8 63,2 70,8 56,8 64,6 72,5 1985-90 68,50 72,8 71,4 72,5 68,5 66,5 66,5 62,5 65,0 71,2 65,9 68,2 75,3 68,5 66,8 71,9 59,3 66,0 74,2 1990-95 69,76 73,9 72,4 73,6 69,6 68,0 67,3 64,0 65,6 72,2 67,7 70,4 76,0 69,5 69,1 72,9 61,4 67,2 74,9 1995-2000 TABELA 38 TABELA 39 ESCOLARIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA, 1999 Taxa de Escolarização Taxa de Escolarização Taxa de Escolarização Primária Secundária Terciária 100,0 99,1 96,5 88,9 76,0 .. 68,5 71,8 48,0 32,9 14,8 37,5 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 88,1 91,3 97,7 80,6 54,3 43,4 46,9 .. 22,2 .. .. 18,2 Guatemala Honduras México Nicarágua 81,0 .. 100,0 79,4 18,4 .. 57,4 .. .. 13,0 19,8 .. Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 98,0 91,5 100,0 90,6 60,9 45,0 61,5 40,0 .. .. 28,8 .. Uruguai Venezuela 93,6 88,0 77,4 50,4 33,6 29,2 América Latina 92,0 55,1 27,1 País Argentina Bolívia Brasil Chile Notas: Os dois pontos seguidos (..) indicam que a informação não está disponível. A taxa de escolarização primária e secundária é a porcentagem de crianças em idade escolar (segundo a definição de cada país) efetivamente inscritos na escola. As taxas de escolarização terciária não estão disponíveis. Os dados para El Salvador (todas as categorias) e para o Peru (secundária e terciária) são de 1998/1999, o restante está baseado em informações de 1999/ 2000. Os dados para a região são a média de todos os casos disponíveis. Fonte: UNESCO, Instituto de Estatísticas,2002b,2002c e 2002d. TABELA 40 QUALIDADE EDUCATIVA E PERFORMANCE DO ALUNO, 2002 Porcentagem de alunos em cada nível País Baixo Médio Alto Argentina Brasil Chile México Peru Finlândia Coréia do Sul Estados Unidos 43,9 55,8 48,2 44,2 79,6 6,9 5,7 17,9 45,8 40,6 46,6 48,8 19,4 43 55,4 48,4 10,3 4,7 5,3 6,9 1,1 50,1 36,8 33,7 Notas: Porcentagem de estudantes em cada nível de rendimento na escala combinada de capacidade de leitura. O conceito de alfabetismo empregado no Programa para Avaliação de Estudantes Internacionais (PISA) é mais amplo do que a noção tradicional, ou seja, “poder ler e escrever”. Aqui o alfabetismo é medido sobre um contínuo, não como algo que um indivíduo possui ou não possui, inclusive em casos em que é necessário ou desejável para alguns propósitos definir um ponto no contínuo do alfabetismo abaixo do qual os níveis de competência são considerados inadequados. Na verdade, não existe uma linha que distinga uma pessoa completamente alfabetizada de outra que não é. O PISA – teste de capacidade de leitura – foi realizado com alunos de 15 anos. O estudante tinha que procurar a informação, entender e interpretar os textos, refletir sobre os conteúdos e avaliá-los. Fontes: OCDE e UNESCO 2003, p.274. Bases empíricas do Relatório 133 TABELA 41 DESEMPREGO ABERTO URBANO (TAXAS ANUAIS MÉDIAS), 1985-2002 País 1985 1990 1995 2000 2002 Argentina Bolívia Brasil Chile 6,1 5,7 5,3 17,0 6,1 7,2 4,3 7,4 16,4 3,6 4,6 6,6 15,1 7,5 7,1 9,2 19,7 8,7 7,1 9,0 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 13,8 7,2 10,4 .... 10,5 5,4 6,1 10,0 8,8 5,2 7,7 7,0 20,2 5,2 9,7 6,5 16,2 6,8 6,3 6,2 Honduras México Nicarágua 11,7 4,4 3,2 6,9 2,8 7,6 6,6 6,2 16,9 .... 2,2 9,8 5,9 2,7 12,1 Panamá Paraguay Peru República Dominicana 15,7 5,1 10,1 .... 20,0 6,6 8,3 .... 16,4 5,3 7,9 15,8 15,3 10,0 7,0 13,9 16,4 14,7 9,4 17,2 Uruguai Venezuela 13,1 14,3 9,2 11,0 10,8 10,3 13,6 13,9 17,0 15,9 8,3 5,7 7,4 8,5 10,8 América Latina Notas: Os dois pontos seguidos (..) indicam que a informação não está disponível. Para Argentina, Bolívia, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, Uruguai e Venezuela a pesquisa é nacional urbana. No Brasil consideramse seis regiões metropolitanas (não se inclui aqui uma série nova para o Brasil). No Chile cobre o total do país. Para Colômbia só se pode considerá-los sob sete áreas metropolitanas; desde 2000 o universo se expandiu, incluindo treze áreas metropolitanas. No Equador, toma-se o total do país até 1997; a partir de 1998 só Quito, Guaiaquil e Cuenca estão incluídos. No México, observam-se 39 áreas urbanas. A OIT não inclui dados para Guatemala. No Paraguai apenas se realizou a pesquisa em Assunção. Os dados da República Dominicana incluem desemprego oculto. Finalmente, para o Peru, leva-se em conta a Lima metropolitana, de 1996 a 2000 corresponde ao nacional urbano. As cifras, a partir de 2001, correspondem a Lima metropolitana. Para América Latina as médias foram ponderadas pela OIT. Fontes: Elaboração com base na informação das Pesquisas de Domicílios dos países, OIT, Panorama Trabalhista 2003, anexo estatístico. Atenção: os dados desta tabela não coincidem necessariamente com os da Tabela 2, que utiliza os dados da CEPAL (2003). 134 A democracia na América Latina TABELA 42 DESEMPREGO JUVENIL (TAXAS ANUAIS), 1990-2002 País Idade 1990 1995 2000 2002 Argentina 15-19 15-24 10-19 20-29 15-17 18-24 15-19 20-24 21,7 15,2 13,3 9,5 .. .. 15,9 12,0 46,8 30,1 5,0 5,4 11,0 9,3 15,8 10,1 39,5 .. 14,7 10,8 17,8 14,7 26,1 20,1 45,4 .. 20,0 10,7 34,5 21,4 28,4 20,0 12-17 18-24 12-24 15-24 15-24 .. .. 10,4 13,5 18,6 21,0 16,6 13,5 15,3 13,3 33,3 32,4 10,9 17,4 14,3 32,7 32,0 16,3 17,4 .. 10-24 12-19 20-24 15-24 15-19 20-24 10,7 7,0 .. .. 18,4 14,1 10,2 13,1 9,9 31,9 10,8 7,8 .. 5,4 4,0 32,6 .. .. 8,8 6,5 5,2 34,1 20,6 16,7 14-24 14-24 15-24 15,4 26,6 18,0 11,2 25,5 19,9 17,1 31,7 25,3 15,1 40,0 27,2 Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Honduras México Panamá Paraguai Peru Uruguai Venezuela Notas: Os dois pontos seguidos (..) indicam que a informação não está disponível. Na Argentina a Pesquisa de Lares se realiza na Grande Buenos Aires; na Bolívia, em áreas urbanas nacionais 1996 (15-25 anos); no Brasil, em seis áreas metropolitanas (novas séries a partir de 2001);no Chile, é o total nacional; na Colômbia, em sete áreas metropolitanas, em setembro de cada ano, e, a partir de 2001, em treze áreas metropolitanas. Na Costa Rica, Equador, El Salvador e Honduras os dados cobrem o total nacional (urbano). No México a pesquisa se realiza em 41 áreas urbanas; no Panamá, na região metropolitana; e no Paraguai, em Assunção. Para o Peru, a partir de 1996, os dados cobrem o total nacional (urbano); e, a partir de 2001, a Lima metropolitana. No Uruguai a pesquisa cobre Montevidéo; e, os dados da Venezuela são nacionais urbanos. Não há dados da República Dominicana, Guatemala nem Nicarágua. Fontes: Elaboração com base em informação das Pesquisas de Domicílios dos países, OIT, Panorama Trabalhista 2003, Anexo Estatístico. Bases empíricas do Relatório 135 TABELA 43 AMÉRICA LATINA: ESTRUTURA DO TRABALHO NÃO AGRÍCOLA (PORCENTAGENS) 1990-2002 Setor Formal Setor Informal Ano Total Total 1990 Total Homens Mulheres 42,8 39,4 47,4 57,2 60,6 52,6 1995 Total Homens Mulheres 46,1 42,7 51,0 53,9 57,3 49,0 2000 Total Homens Mulheres 46,9 44,5 50,3 53,1 55,5 49,7 2002 Total Homens Mulheres 46,5 44,3 49,4 53,5 55,7 50,6 Nota: Só há informação para quinze países. Os países cobertos são: Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Panamá, Peru (Lima metropolitana), Uruguai (cobre Montevidéo) e Venezuela. Fonte: Baseado na informação das Pesquisas de Domicílios em cada país, em conjunto com outros dados de fontes oficiais OIT, Panorama Trabalhista 2003, anexo estatístico, 2003. TABELA 44 AMÉRICA LATINA: ASSALARIADOS QUE CONTRIBUEM PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL, (PORCENTAGENS) 1990-2002 Setor Informal Ano Setor Formal Total 1990 Total Homens Mulheres 29,2 32,5 27,0 80,6 79,1 82,8 66,6 68,4 65,1 1995 Total Homens Mulheres 24,2 25,4 24,0 79,3 78,2 81,1 65,2 66,6 65,7 2000 Total Homens Mulheres 27,2 26,6 27,9 79,6 78,4 81,5 64,6 66,0 62,9 2002 Total Homens Mulheres 26,2 25,5 27,0 78,9 77,9 80,6 63,7 64,9 62,3 Notas: As Pesquisas de Domicílios cobrem as seguintes áreas: Argentina (nacional urbano), Brasil (área urbana), Chile (total do país), Colômbia (10 áreas metropolitanas), Costa Rica (total do país), Equador (área urbana), México (área urbana), Panamá (total do país), Peru (Lima metropolitana), Uruguai (total do país) e Venezuela (área urbana). Fonte: Elaboração com base nas informações das Pesquisas de Domicílios dos países, OIT, Escritório Regional para as Américas 2003. 136 A democracia na América Latina TABELA 45 CIDADANIA SOCIAL: DESIGUALDADE E POBREZA, 2002 Desigualdade: Pobreza: porcentagem abaixo coeficiente de Gini, c.2002 da linha de pobreza, 2002 Argentina Bolívia Brasil Chile 0,590 0,614 0,639 0,559 45,4 62,4 37,5 20,6 Colômbia Costa Rica Equador El Salvador 0,575 0,488 0,513 0,525 50,6 20,3 49,0 48,9 Guatemala Honduras México Nicarágua 0,543 0,588 0,514 0,579 59,9 77,3 39,4 69,3 Panamá Paraguai Peru Rep. Dominicana 0,515 0,570 0,525 0,544 34,0 61,0 54,8 44,9 Uruguai Venezuela 0,455 0,500 15,4 48,6 País Nota: As cifras mais altas do coeficiente de Gini correspondem a um grau mais alto de desigualdade. A informação para Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai é das áreas urbanas. Os valores para os outros países correspondem à média nacional. A média mundial do coeficiente de Gini para 1999 é de 0,381. Pobreza: as cifras indicam a porcentagem de indivíduos abaixo da linha de pobreza. Os indivíduos pobres são aqueles cuja renda é menor do que o dobro do custo da cesta básica de alimentos. Fontes: CEPAL, 2004. Bases empíricas do Relatório 137 138 A democracia na América Latina Como os latino-americanos vêem a sua democracia ■ O apoio dado pelos cidadãos à democracia é um componente-chave de sua sustentabilidade. A experiência histórica nos ensina que as democracias foram derrubadas por forças políticas que contavam com o apoio (ou, pelo menos, com a passividade) de uma grande parte, às vezes majoritária, da cidadania. As democracias se tornam vulneráveis quando, entre outros fatores, as forças políticas autoritárias encontram, nas atitudes cidadãs, terreno fértil para atuar. Daí a importância de conhecer e analisar os níveis de apoio com que a democracia conta na América Latina. Com esse propósito, em maio de 2002, realizou-se uma pesquisa sobre as opiniões cidadãos acerca da democracia com 19.508 pessoas entrevistadas, abrangendo uma população de mais de 400 milhões de habitantes, nos dezoito países considerados no Relatório. Uma primeira leitura das opiniões cida- dãos, comparada com as pesquisas anteriores de Latinobarômetro, indica que por volta de 1996, 61 por cento dos entrevistados, no âmbito da região, preferiam a democracia a qualquer outro regime; por volta de 2002, esse percentual era de 57 por cento. Essa preferência pela democracia não implica necessariamente um sólido apoio. Na realidade, muitas pessoas que dizem preferir a democracia a outros regimes têm atitudes pouco democráticas em relação a diversas questões sociais. Em 2002, quase metade (48,1 por cento) dos entrevistados que diziam preferir a democracia a qualquer outro regime, preferia igualmente o desenvolvimento econômico à democracia, e um percentual semelhante (44,9 por cento), que dizia preferir a democracia, estava disposto a apoiar um governo autoritário, desde que resolvesse os problemas econômicos do seu país. Grande parte das pessoas que manifesTABELA 46 FRAGILIDADES DA PREFERÊNCIA PELA DEMOCRACIA EM RELAÇÃO A OUTROS SISTEMAS DE GOVERNO, 2002 Porcentagem dos que preferem Atitudes específicas relacionadas com a vigência e importância da democracia Porcentagem da a democracia a amostragem total qualquer outra dos 18 países forma de governo Estão de acordo com que o Presidente passe além do âmbito das leis Acreditam que o desenvolvimento econômico é mais importante que a democracia Apoiariam um governo autoritário se resolvesse os problemas econômicos Não acreditam que a democracia solucione os problemas do país Acreditam que pode haver democracia sem partidos Acreditam que pode haver democracia sem um Congresso Nacional Estão de acordo com que o presidente imponha ordem pela força Estão de acordo com que o presidente controle os meios de comunicação Estão de acordo com que o presidente deixe de lado o Congresso e os partidos Não acreditam que a democracia seja indispensável para alcançar o desenvolvimento 42,8 56,3 54,7 43,9 40,0 38,2 37,2 36,1 38,1 25,1 Nota: n varia entre 16.183 (pode haver democracia sem congresso) e 17.194 (democracia vrs desenvolvimento econômico). Fontes: Elaboração própria com base no Latinobarômetro 2002. Bases empíricas do Relatório 139 38,6 48,1 44,9 35,8 34,2 32,2 32,3 32,4 32,9 14,2 tam sua preferência pela democracia tem atitudes contrárias a algumas regras básicas desse regime. Aproximadamente, de três pessoas, uma opina que a democracia pode funcionar sem instituições como o Parlamento e os partidos políticos. Essas respostas são um chamado de atenção: uma proporção significativa de latino-americanos dá mais valor ao desenvolvimento econômico do que à democracia, e estaria disposta a deixar de lado a democracia por um governo não-democrático que pudesse solucionar seus problemas econômicos. Para avançar na compreensão dessa situação, realizamos uma análise das respostas a onze perguntas que refletem não apenas preferência pela democracia, mas também atitudes em relação à forma de exercer o poder em democracia, a suas instituições básicas e a diversos temas sociais.75 Três tendências em relação à democracia: democrática, ambivalente e não-democrática Identificamos três tendências ou perfis principais em que se agrupam as opiniões e atitudes dos latino-americanos em relação à democracia: democrática, ambivalente e não-democrática (gráfico 5). Os democratas são pessoas que dão respostas favoráveis à democracia em todos os assuntos consultados. Preferem a democracia a qualquer “outra forma de governo” e apóiam a aplicação das regras democráticas na gestão de governo, até mesmo em épocas de dificuldades. Colocados na situação de escolher entre a democracia e o desenvolvimento, os democratas respondem que preferem a primeira ou que ambas as metas são igualmente importantes. E ainda mais, con- 75 Ver metodologia de elaboração do IAD. As seguintes são as perguntas-chave que guiaram este componente do estudo: (1) Com qual das seguintes frases o/a senhor(a) está mais de acordo?: a) a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo; b) em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível; c) para pessoas como nós, dá no mesmo um regime democrático ou um não democrático. (2) Se o/a senhor(a) tivesse que escolher entre a democracia e o desenvolvimento econômico: a) o desenvolvimento econômico é o mais importante; b) a democracia é o mais importante; c) ambos são iguais. (3) O/A senhor(a) acredita que a democracia é indispensável para um país ser desenvolvido?: a) a democracia é indispensável para um país ser desenvolvido; b) não é indispensável, pode-se chegar a ser um país desenvolvido com outro sistema de governo que não seja a democracia. (4) Não me importaria que um governo não-democrático chegasse ao poder se pudesse resolver os problemas econômicos: a) totalmente de acordo; b) de acordo; c) em desacordo; d) totalmente em desacordo. (5) Algumas pessoas dizem que a democracia permite que se solucionem os problemas: a) a democracia soluciona os problemas; b) a democracia não soluciona os problemas. Apoio às instituições democráticas : (6) a) Sem Congresso Nacional não pode haver democracia; b) a democracia pode funcionar sem Congresso Nacional. (7) a) Sem partidos políticos não pode haver democracia; b) A democracia pode funcionar sem partidos. Dimensão delegativa : Se o país está com sérias dificuldades, o/a senhor(a) está totalmente de acordo, de acordo, em desacordo ou totalmente em desacordo com que o presidente? (8) a) não se limite ao que dizem as leis; (9) b) imponha a ordem pela força; (10) c) controle os meios de comunicação; (11) d) deixe de lado o Congresso e os partidos. 76 O conceito de democracia delegativa foi construído por O’Donnell (1994) para referirse a países onde são realizadas eleições livres e limpas, mas nos quais os governantes (especialmente presidentes) sentem-se autorizados a atuar sem restrições institucionais. Nessa concepção fortemente majoritária e plebiscitária do poder político, o governante não deixa de ser democrático, no sentido de que surge de eleições livres e limpas, e não tenta suprimilas no futuro. Mas, por outro lado, não se sente obrigado a aceitar as restrições e os controles de outras instituições constitucionais (Parlamento e Poder Judiciário) nem de diversos organismos estatais ou sociais de controle; ao contrário, costuma dedicar-se a ignorar, anular ou cooptar essas instâncias. A idéia básica dessa concepção é que os eleitores vêem o presidente como o depositário exclusivo da legitimidade democrática, a quem conseqüentemente delegam o direito e a obrigação de resolver os problemas do país como bem entender. Essa idéia (que não exclui a de futuras eleições livres e limpas em que o presidente e seu partido poderão ser mudados) autoriza ações antiinstitucionais do presidente e também, como se verá mais adiante, decisões “para pôr ordem” ou “resolver crises” 140 A democracia na América Latina sideram que “a democracia é indispensável para um país ser considerado desenvolvido”. Os democratas não estão de acordo com posições do tipo delegatório76 para resolver os problemas do país: opõem-se a que o presidente prescinda do Parlamento, controle os meios de comunicação e imponha ordem pela força, mesmo em tempos de crise. Os não-democratas são pessoas que, em todos os assuntos consultados, expressam opiniões contrárias à democracia. Prefe- rem um regime autoritário a um democrático. São da opinião que atingir o desenvolvimento do país é uma meta mais importante do que a de preservar a democracia, e não acreditam que a democracia seja indispensável para atingir esse objetivo. Quando colocados na situação de ter que escolher entre essas metas, optam pelo desenvolvimento. Estão de acordo com as seguintes posições: que “um governo não-democrático chegue ao poder desde que possa resolver os proble- de nítido cunho autoritário. Isto não implica, claro está, que o presidente delegativo seja onipotente, pois choca com os Ressaibos de institucionalidade subsistentes, com diversas relações fáticas de poder e, dependendo das conjunturas, com movimentos opositores, principalmente de prestação de contas à sociedade. Bases empíricas do Relatório 141 Na maior parte dos países latinoamericanos, a existência de uma maioria que respalde a democracia depende da capacidade dos democratas para atrair os ambivalentes para suas posições. mas econômicos” e que “o presidente deixe de lado o Congresso e os partidos políticos, se o país estiver em sérias dificuldades”. Finalmente, não parecem dar muita chance para que a solução dos problemas do país seja encontrada dentro da democracia, mesmo que se trate de uma democracia de tipo delegatório. Em síntese, inclinam-se a preferir a substituição de qualquer tipo de democracia por outro sistema de governo. Os ambivalentes são pessoas com opiniões ambíguas, para não dizer contraditórias. As opiniões que expressam, em geral, concordam com concepções delegatórias da democracia. Eles estão, a priori, de acordo com a democracia, mas consideram válido tomar decisões antidemocráticas na gestão de governo se, na sua opinião, as circunstâncias assim exigirem. Conseqüentemente, em alguns temas, eles estão de acordo com as opiniões dos democratas e em outros, com as dos não-democratas. Assim como os democratas, eles manifestam preferir um governo democrático a um autoritário, consideram que “a democracia soluciona problemas” e que é indispensável para o desenvolvimento. Mas, por outro lado, estão de acordo com os não-democratas quando opinam que atingir o desenvolvimento do país é mais importante do que preservar a democracia, e não objetariam que um governo não-democrático chegasse ao poder, se pudesse resolver os problemas econômicos. Além disso, os ambivalentes se distinguem dos outros dois grupos por aceitar que, em tempos de crise, o presidente imponha ordem pela força, controle os meios de comunicação e prescinda do Parlamento e dos partidos. Pode parecer paradoxal que os ambivalentes, que expressam preferir a democracia, manifestem acordo com medidas de governo de clara tendência autoritária. Consideramos que essas opiniões derivam da concepção delegatória da democracia adotada por esses consultados. Esta comprovação é importante: a preferência dos ambivalentes por uma liderança de base democrática, mas com traços que, embora autoritários, aumentem a eficácia da sua gestão, poderia ser eventualmente capitalizada pelos adversários da democracia. 142 A democracia na América Latina Magnitude das tendências em relação à democracia Em 2002, os democratas pertenciam à tendência mais difundida entre os latinoamericanos, não chegando, porém, a formar uma maioria (gráfico 6). Somaram 43 por cento dos consultados nos dezoito países da América Latina. Entretanto, o apoio majoritário à democracia depende dos ambivalentes, que são a segunda tendência mais difundida (30,5 por cento). Finalmente, os não-democratas pertenciam à tendência menos difundida: 26,5 por cento dos consultados. Cada sub-região apresenta uma situação diferente: vantagem para os democratas, equilíbrio e polarização. Na América Central e no México, os democratas são quase a metade da população, representam mais do que o dobro dos não-democratas e têm ampla vantagem sobre os ambivalentes. Nos países do Mercosul e no Chile há uma situação polarizada: as tendências mais difundidas são as opostas, os democratas e os não-democratas. Além disso, a diferença de magnitude entre ambos é estreita. Finalmente, na Região Andina existe um equilíbrio entre as três tendências: a diferença entre os democratas e os ambivalentes é pequena, e nenhuma consegue uma vantagem ampla sobre os não-democratas. Distância entre as tendências em relação à democracia De que tendência os ambivalentes estão mais próximos? Na maior parte dos países latino-americanos, a existência de uma maioria que respalde a democracia depende da capacidade dos democratas para atrair os ambivalentes para suas posições. A distância entre as atitudes dessas duas tendências é relevante para considerar o efeito da dimensão da tendência democrática. Nas perguntas relativas ao apoio às instituições representativas (Congresso Nacional e partidos políticos), preferência pela democracia, consideração desta como indispensável para o desenvolvimento, e expectativa de que com a democracia os problemas do país possam ser resolvidos, as opiniões dos ambivalentes e dos democratas são signifi- cativamente mais próximas do que entre os não-democratas e os ambivalentes. Em dois temas em particular, “A democracia soluciona problemas” e “A democracia é indispensável para o desenvolvimento”, praticamente não há diferenças entre os ambivalentes e os democratas. Além disso, em todos esses casos, os ambivalentes se encontram na zona de atitudes democráticas (tabela 47), com um elevado número de pontos nas respectivas escalas. No entanto, tratando-se de atitudes delegatórias e da tendência a apoiar um governo não-democrático se “assim os problemas do país puderem ser resolvidos”, a situação se inverte. A distância entre os não-democratas e os ambivalentes é significativamente menor do que a existente entre democratas e ambivalentes. Em dois temas, particularmente, a distância entre os ambivalentes e os democratas é muito evidente: no apoio a um presidente que deixar de lado o Congresso e os partidos, e no apoio a um eventual governo não-democrático. Finalmente, a respeito da opção entre democracia e desenvolvimento, observamos que as três tendências se deslocaram “para baixo”: os democratas se encontram na zona de atitudes intermediárias (média de pontos = 2,47), os ambivalentes beiram a zona de atitudes não democráticas (média de pontos = 2) e os não-democratas assumem uma posição fechada (média de pontos = 1,47). Embora as diferenças entre tendências se mantenham em relação a essa opção, o fato de o número de pontos ser menor nos três casos é um chamado de atenção: é na opção entre desenvolvimento econômico e democracia que se evidencia uma maior tensão entre as preferências dos latino-americanos. De um ponto de vista geral, a distância entre as atitudes dos ambivalentes e as dos democratas é quase igual à existente entre os ambivalentes e os não-democratas. Os ambivalentes não se inclinam, por enquanto, para um ou para outro lado. Em resumo, a relativa eqüidistância entre democratas, ambivalentes e não-democratas parece ser resultado de uma tensão: Bases empíricas do Relatório 143 quadro 36 Quantos democratas e não-democratas “puros” existem na América Latina? Em toda a população entrevistada nos 18 países da América Latina, foram detectados, somente 7 não-democratas “puros” e 142 democratas “puros” (os dois somam apenas 1 porcento das pessoas). Um não-democrata “puro” é uma pessoa que em todos os aspectos incluídos na pesquisa das tendências sempre escolheu a resposta mais hostil à democracia. Devido ao fato de que a escala de medição empregada varia entre 1 (atitude mais hostil) e 4 (atitude mais pró-democrática), essas pessoas obtiveram uma pontuação média igual a 1. Como era de se esperar, esses 7 recalcitrantes pertencem à tendência não democrática. Pelo contrário, um democrata “puro” é uma pessoa que, em todos os casos, escolheu a resposta mais favorável à democracia: sua pontuação média foi a máxima (4). A imensa maioria dos entrevistados tem pontos de vista um pouco mais misturados, menos extremos, embora com tendências claramente discerníveis. Como foi indicado, os democratas tendem a pontuar na zona alta das escalas para medir as atitudes democráticas em todos os temas considerados: 70% dos assim classificados têm pontuações médias entre 3,01 e 4 pontos, enquanto poucos ambivalentes – 9,8% do total – e ne- 144 A democracia na América Latina nhum não-democrata obtêm essa pontuação. Em contrapartida, na zona de atitudes não-democráticas, em que a pontuação média varia entre 1 e 2 pontos, predominam os não-democratas: constituem 75% das pessoas que estão nessa zona. Na zona intermediária (pontuação média entre 2 e 3 pontos) pode ser verificada uma situação menos definida, pois nela coexistem importantes segmentos das três tendências. No entanto, mesmo assim é possível identificar tendências. Em primeiro lugar, quase todos os ambivalentes estão localizados nessa zona (84,2% do total). Em segundo lugar, há uma presença importante de não-democratas na faixa entre 2,01 e 2,50, abaixo do ponto médio da escala, e alguma concentração de democratas na faixa entre 2,51 a 3,0, uma área acima do ponto médio. Em ambos os casos, trata-se de áreas adjacentes a suas respectivas “zonas naturais”. Em resumo, embora na realidade haja poucos “tipos puros”, as tendências conseguem agrupar as pessoas de acordo com padrões de apoio à democracia. Elaboração própria com base no Latinobarômetro, 2002. TABELA 47 DISTÂNCIA ENTRE AS TENDÊNCIAS EM RELAÇÃO À DEMOCRACIA NOS DIVERSOS TEMAS ESTUDADOS, AMÉRICA LATINA, 2002 Distância entre tendências (2) Pontuação na escala de atitudes democráticas (1) Zona de atitudes democráticas (3 a 4 pontos) Zona intermediária (2 a 3 pontos) Di Maior proximidade entre democratas e ambivalentes Preferência democracia Democracia indispensável para o desenvolvimento Democracia soluciona problemas Apoio ao Congresso Apoio aos partidos Maior proximidade entre não democratas e ambivalentes 0,45 0,04 0,05 0,57 0,52 Democracia vs. desenvolvimento 0,90 Apoio a governo democrático para resolver problemas Presidente respeite leis Presidente não use força Presidente não controle meios Presidente deixe de lado Congresso e partidos Zona de atitudes não democráticas (1 a 2 pontos) Notas: Os n variam entre 14.532(p41st) e 15.216 (p39st e p40st). (1) O intervalo de variação das escalas de medição das atitudes democráticas nas perguntas empregadas para o estudo das tendências em relação à democracia foi padronizado. Um valor de 4 foi estipulado para as atitudes mais favoráveis em relação à democracia e o valor de 1, para as atitudes mais negativas em relação à democracia. (2) Consulte explicação sobre o conceito de distância e seu respectivo indicador sob o título “Terceira dimensão: distância entre as tendências” da Nota Técnica do IAD que aparece em Anexos (p.225). Fonte: Elaboração própria com base no Latinobarômetro 2002. a maior proximidade entre ambivalentes e democratas no tema do apoio à democracia e suas instituições compensa a maior proximidade entre os ambivalentes e os não-democratas no que se refere a atitudes delegatórias. Tendências em relação à democracia: perfil social No que se refere às tendências em relação à democracia, a base social que as sustenta é heterogênea; as pessoas que apóiam uma tendência determinada não pertencem majoritariamente a um grupo ou classe social. Em particular, a composição social dos democratas revela que o apoio à democracia está arraigado de um modo bastante semelhante nos distintos setores da sociedade. Mesmo assim, observam-se as seguintes re- Di lações (tabela 48): ■ Pessoas com educação superior (completa ou incompleta) tendem a ser democratas. ■ Não há, em compensação, maiores diferenças entre pessoas com educação primária e secundária. ■ Os democratas tiveram maior mobilidade educativa em relação aos pais. ■ Há uma maior presença relativa de jovens entre os não-democratas. ■ Os não-democratas são, em média, pessoas que percebem que tiveram uma mobilidade econômica descendente mais intensa do que os outros grupos em relação aos pais. ■ Os não-democratas são os que mais tendem a pensar que os filhos terão uma menor mobilidade econômica ascendente. Bases empíricas do Relatório 145 4,61 1,76 1,80 1,65 2,13 TABELA 48 PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS PESSOAS SEGUNDO SUA TENDÊNCIA EM RELAÇÃO À DEMOCRACIA, 2002 Categorias Estrutura da amostragem Tendência em relação à democracia Democratas América Central e México (1) Região Andina Mercosul e Chile América Latina % de pessoas % de pessoas % de pessoas % de pessoas Sexo % Homens % Mulheres Idade % 16 a 29 anos % 30 a 64 anos % 65 a 99 anos Média de idade Nível educativo Nível econômico (2) Corte (3) Ambivalantes Significância (4) Não democratas n=6.402 n=4.377 n=4.438 n=15.217 46,6 37,3 43,6 43 33,8 34,4 21,9 30,5 19,7 28,3 34,5 26,5 .. .. .. .. 51,5 48,5 52,9 47,1 50,8 49,2 50 50 ** 37,6 54,3 8 38,16 35,1 56,3 8,6 39,24 38,5 53,3 8,1 37,83 40,8 52,2 7 46,8 ** 7,2 32 43,1 17,7 9,33 6,3 30,4 41,9 21,4 9,69 8,5 34,2 43,2 14,1 8,84 7,2 31,8 45 16 9,29 ** 41,5 49,2 9,3 4,01 -0,44 40 49,5 10,5 4,12 -0,42 44,8 47,3 7,9 3,84 -0,38 40,2 50,9 8,9 4,05 -0,52 51,8 11,6 36,6 48,8 11,9 39,4 53,3 11 35,7 55,1 11,9 33 ** 6,36 6,04 6,49 6,74 ** % sem estudos % 1 a 6 anos % 7 a 12 anos % Superior completa ou incompleta Média de anos de estudo % Baixo % Médio % Alto Média do índice econômico Média de mobilidade econômica acontecida (4) % Socializado em regime autoritário % Socializado em período de transição % Socializado em democracia Média de anos de socialização em não democracia ** ** * ** Notas: (1) Inclui República Dominicana. (2) Com base no índice econômico elaborado a partir da posse de artefatos e da educação do chefe de família. Esse índice pode variar entre 0 e 10. Se o índice encontra-se entre 0 e 3,33 considera-se nível econômico baixo, se encontra-se entre 3,34 e 6,66 considera-se nível econômico médio e se encontra-se entre 6,67 e 10 considera-se nível econômico alto. (3) De acordo ao número de anos de socialização nos que se viveu sob um regime autoritário, se determina se uma pessoa foi socializada em democracia, num período de transição ou em um regime autoritário. Considera-se que o número de anos de socialização de uma pessoa é de onze anos (entre os 7 e os 17 anos). (4) O índice de mobilidade econômica é elaborado segundo a avaliação que os entrevistados fazem sobre a situação econômica dos seus pais e a comparação de esta em relação com a situação atual própria. Fonte: Processamento de várias perguntas do Latinobarômetro 2002. 146 A democracia na América Latina Um pouco mais da metade dos habitantes da América Latina foi socializada sob regimes autoritários (52,8 por cento). No caso dos democratas, esta proporção cai para 48,8 por cento; entre os não-democratas a proporção se eleva a 55,1 por cento. Não há maiores diferenças de opinião acerca dos problemas prioritários que devem ser solucionados no país: democratas, ambivalentes e não democratas coincidem em apontar os problemas de pobreza e desemprego como os mais importantes. Heterogeneidade O estudo de opiniões em outros âmbitos de interesse permite analisar se pessoas de uma mesma tendência em relação à democracia compartilham, também, opiniões a respeito do que deveria ser feito e de quem deveria ser apoiado eleitoralmente em um país. Os dados levantados indicam que as tendências são politicamente heterogêneas. Em particular, as pessoas que compartilham uma tendência positiva em relação à democracia não se concentram em forças políticas determinadas, nem manifestam opiniões muito diferentes das opiniões do resto dos consultados (tabela 49). Entretanto, há algumas diferenças interessantes: Pela análise do perfil dos não-democratas e de suas opiniões sobre a realidade política e econômica, é possível também comprovar que essa tendência está associada a menor educação, socialização em períodos autoritários, baixa mobilidade social em relação aos pais, menores perspectivas positivas quanto ao futuro dos filhos e à solução de seus problemas públicos, e a uma grande desconfiança nas instituições e nos políticos. ■ Os não-democratas tendem a opinar, com maior freqüência do que os outros, que o problema para eles prioritário não está sendo solucionado ou que existe um retrocesso na sua solução. ■ Os não-democratas tendem a notar, com maior freqüência, que o setor político ao qual pertencem não tem igualdade de oportunidades no que se refere a acesso ao poder. ■ Os não-democratas tendem a estar menos satisfeitos com a democracia do que os democratas e os ambivalentes (apenas 19 por cento, comparados com 40 e 43,9 por cento, respectivamente). ■ Os não-democratas tendem a confiar menos do que os outros nas instituições e nos políticos. ■ Os não-democratas acreditam com maior freqüência do que os outros que, se for preciso, os políticos mentem para ganhar as eleições. ■ Os democratas, mais do que os nãodemocratas e os ambivalentes, tendem a favorecer um maior protagonismo do Estado no desenvolvimento do país. ■ Formas de participação dos cidadãos na vida política Embora não seja possível determinar de maneira geral o nível ótimo de participação que deveria existir em uma democracia, toda democracia precisa de algum nível de participação dos cidadãos. Nas mais dinâmicas, as pessoas encontram uma série de caminhos para exercer esse direito. Mediante o exame da participação cidadã, pode-se determinar qual das tendências já examinadas é a mais ativa e, dessa forma, acrescentar um novo elemento de juízo para o estudo sobre o apoio – e a vulnerabilidade – das democracias na região (tabela 50). A maioria dos cidadãos na América Latina não está desconectada da vida política e social dos seus países. Só uma pequena minoria dos consultados, 7,3 por cento do total, não aderiu a nenhum ato de participação cidadã nos anos recentes. Adicionais 22,1 por cento se limitaram a exercer o voto na última eleição presidencial do seu país. No total, em torno de 30 por cento das pessoas podem ser classificadas como cidadãos desmobilizados: ou não exercem seus direitos de participação ou exercem de maneira intermitente, na modalidade de participação política que menos esforço pessoal requer: o voto. Em cada dez pessoas entrevistadas, quase quatro (37,6 por cento) intervêm na vida pública do seu país, independentemente Bases empíricas do Relatório 147 TABELA 49 PERFIL POLÍTICO DAS PESSOAS SEGUNDO SUA TENDÊNCIA EM RELAÇÃO À DEMOCRACIA, 2002 Categorias Estrutura da amostragem Tendência em relação à democracia Democratas América Central e México (1) Região Andina Mercosul e Chile América Latina % de pessoas % de pessoas % de pessoas % de pessoas Voto % votou na última eleição % não votou por desencanto ou desinteresse % manifesta ter um partido Média do índice de eficácia do voto Democracia Outras atitudes políticas Problemas prioritários Resposta a problemas prioritários 46,6 37,3 43,6 43,0 33,8 34,4 21,9 30,5 19,7 28,3 34,5 26,5 .. .. .. .. 78,3 82,3 76,9 73,6 ** 8,9 47,5 7,2 51,7 10,2 46,6 10,2 41,7 ** ** 3,01 3,03 3,13 2,84 ** 5,4 2,4 3,8 12,8 ** 35,6 40,0 43,9 19,0 ** 32,5 29,5 31,0 39,3 ** 80,7 5,93 79,0 5,77 78,9 6,33 85,5 5,75 ** ** 1,93 1,97 2,03 1,77 ** 5,0 3,8 5,1 6,8 ** 42,0 41,8 43,6 40,7 53,0 54,4 51,3 52,6 3,82 4,05 3,55 3,76 ** 60,2 12,0 7,4 62,6 12,3 5,7 58,2 11,6 7,8 58,6 12,0 9,6 ** ns ** 32,0 31,9 27,4 37,8 ** 7,5 6,9 9,5 6,3 ** 82,9 84,2 80,3 83,6 ns 64,4 65,3 58,3 69,7 ** % opina não ter igualdade de oportunidades políticas % opina que é preciso ser cuidadoso ao tratar com os demais Média na escala esquerda-direita Média de índice de confiança em instituições e atores políticos % menciona emprego, pobreza, desigualdade e renda insuficiente % menciona corrupção % menciona violência política % opina que está retrocedendo na solução ou não tem solução % opina que o problema prioritário está sendo solucionado % menciona um tema prioritário não tratado em campanha % opina que políticos não cumprem promessas de campanha porque mentem Não democratas n=6.402 n=4.377 n=4.438 n=15.217 % dá significado negativo de democracia % satisfeito com o funciona mento da democracia Estratégias de desenvolvimento % opina: instituições públicas sem solução ou privatizar % a favor de medidas administrativas de reforma % a favor de melhoramento de “accountability” no Estado Média índice de intervenção econômica do Estado Ambivalantes Significância (2) Notas: (1) Inclui República Dominicana. (2) Indica-se com um (*) quando a medida de associação utilizada ou a Análise de Variância (ANOVA por sua sigla em inglês) resulta significativa a 5%. Indicase com (**) quando o resultado é significativo a 1%. Quando não é pertinente o cálculo de uma medida de associação ou da ANOVA indica-se com dois pontos seguidos (..). Sobre as provas realizadas em cada caso, consulte o Compêndio Estatístico. Fonte: Processamento de várias perguntas do Latinobarômetro 2002. 148 A democracia na América Latina da participação eleitoral. Além de votar, entram em contato com autoridades públicas quando há problemas que afetam suas comunidades, participam de manifestações públicas e colaboram com tempo, trabalho ou dinheiro na resolução dos problemas da comunidade. São cidadãos que exercitam ativamente seus direitos. Dentre eles, distinguem-se dois grupos. Em primeiro lugar, existe um setor altamente participativo, composto por pessoas que, literalmente, “fazem de tudo”. Registrou-se atividade em todos os âmbitos de participação cidadã pesquisados (participação eleitoral, em manifestações coletivas, em instituições sociais, e contatando autoridades). Na América Latina, são aproximadamente 25 por cento do total, um número ligeiramente inferior ao dos cidadãos desmobilizados. O segundo setor, composto aproximadamente por uma de cada oito pessoas (13,3 por cento), também realiza atividades de participação política independentemente da eleitoral, mas sem atingir o nível e a diversidade das ações dos cidadãos altamente participativos. Combinam o exercício do sufrágio com pelo menos uma outra modalidade de participação política: votam e entram em contato com autoridades; votam e participam de manifestações públicas; em alguns casos, podem também colaborar com a comunidade. Não estão, porém, ativas em todas as frentes. Existe um setor que desenvolve atividades políticas não eleitorais de participação cidadã: abstém-se de votar, porém entra em contato com autoridades públicas e participa de manifestações públicas (4,9 por cento). Finalmente, um terço (33,2 por cento) dos latino-americanos são pessoas socialmente ativas, a maioria das quais tem, no mínimo, uma intervenção esporádica na política por meio do voto. Neste grupo, as pessoas se encontram em uma posição intermediária entre os cidadãos desmobilizados e os politicamente ativos. Por um lado, colaboram com organizações da sua comunidade e, nesse sentido, exercitam seu direito de participar de atividades de seu interesse. Por outro lado, essa atividade se desenvolve principalmente em um âmbito não político. Participação cidadã e tendências em relação à democracia O último aspecto na análise da participação é seu vínculo com as opiniões em relação à democracia. Na América Latina, os democratas tendem levemente a participar mais ativamente na vida política de seus países do que os ambivalentes e os não- democratas. 43 por cento dos democratas realizam outras atividades políticas, tais como, entrar em contato com autoridades e funcionários públicos e manifestar-se publicamente, além de que quase todos votam; 37 por cento dos não-democratas podem ser classificados como ativos, assim como 39 por cento dos ambivalentes. Uma comprovação importante é que nem sempre os democratas são os mais participativos. Perfis de intensidade da cidadania A análise integrada da dimensão, da distância e do ativismo das tendências em relação à democracia ajuda a proporcionar uma estimativa do grau de respaldo cidadão com que ela conta. Com esse propósito preparamos o índice de apoio à democracia (IAD), que oferece uma visão sintética sobre o apoio e a possível vulnerabilidade das democracias latino-americanas. Esse índice permite avaliar o atual equilíbrio de forças e o potencial para criar coalizões cidadãs amplas de apoio à democracia, incluindo os setores ambivalentes. É uma ferramenta que distingue as situações políticas favoráveis das desfavoráveis e arriscadas. Nas situações favoráveis, há um balanço de forças positivo para a democracia, pois os democratas são maioria, são os politicamente mais ativos, e os ambivalentes estão relativamente próximos de suas posições. No caso oposto, quando o balanço de forças é negativo, os não-democratas são maioria, são mais ativos e têm os ambivalentes mais próximos. Com o IAD será possível, mediante futuras medições, examinar as variações na situação política e na suposta solidez das bases de estabilidade democrática na cidadania. As fontes de informação do IAD também podem ser empregadas para estudar a intensidade da cidadania, isto é, como as pessoas exercitam, se é que o fazem, seu status de ciBases empíricas do Relatório 149 150 A democracia na América Latina % de pessoas % de pessoas % de pessoas % de pessoas % Homens % Mulheres % 16 a 29 anos % 30 a 64 anos % 65 a 99 anos Média de idade % Sem estudos % 1 a 6 anos % 7 a 12 anos % Superior completo ou incompleto Média de anos de estudo América Central e México (1) Região Andina Mercosul e Chile América Latina Sexo Idade Nível educativo Categorias 14,1 38,5 39,8 7,6 7,64 15,9 8,79 51,0 38,4 10,6 35,78 41,8 58,2 7,3 7,9 6,6 7,3 Não faz nada 9,2 35,4 39,5 33,1 57,8 9,0 39,68 48,5 51,5 n=7.387 n=5.178 n=5.330 n=17.895 Estrutura da amostragem 8,23 12,6 11,7 37,4 38,4 28,3 59,8 11,9 42,06 45,5 54,5 20,2 23,1 23,8 22,1 Só vota 8,58 13,2 9,3 37,6 39,9 34,9 57,3 7,8 38,72 46,3 53,7 35,2 34,3 29,2 33,2 Colabora com ou sem voto 9,18 16,6 6,9 33,2 43,2 31,7 58,4 9,8 40,58 49,0 51,0 6,9 8,0 11,1 8,5 Ação política com ou sem voto Modos de participação cidadã 8,97 16,5 9,2 30,6 43,7 49,7 44,6 5,8 33,96 52,1 47,9 5,0 4,3 5,2 4,8 Colabora e ação política sem voto 9,77 24,8 6,3 31,2 37,7 26,8 65,1 8,1 40,83 55,4 44,6 25,4 22,6 24,0 24,2 Colabora e ação política com voto PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS PESSOAS SEGUNDO MODOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ, 2002. ** ** ** * ** ** ns ** .. .. .. .. ** ** .. .. .. .. (As provas são realizadas comparando as pessoas que participam nos seis modos) (As provas são realizadas comparando as pessoas que não fazem nada ou que só votam com as que realizam ação política só ou combinada) Significância (2) TABELA 50 Bases empíricas do Relatório 151 % Menciona um tema sem tratar % Não menciona um tema sem tratar Média de confiança em instituições e atores Agenda não tratada (4) Confiança (5) 1,84 68,6 81,6 1,91 31,4 3,45 52,8 43,2 4,0 Não faz nada 18,4 3,85 45,4 46,5 8,1 Estrutura da amostragem 1,88 72,8 27,2 3,60 51,3 42,7 6,0 Só vota 1,90 85,5 14,5 3,73 47,6 45,7 6,7 Colabora com ou sem voto 1,96 78,3 21,7 3,95 42,9 49,3 7,8 Ação política com ou sem voto Modos de participação cidadã 1,89 88,8 11,2 4,02 44,1 45,8 10,2 Colabora e ação política sem voto 1,97 86,2 13,8 4,29 35,8 51,3 12,9 Colabora e ação política com voto ** ** ** ** ** ** ** ** (As provas são realizadas comparando as pessoas que participam nos seis modos) (As provas são realizadas comparando as pessoas que não fazem nada ou que só votam com as que realizam ação política só ou combinada) Significância (2) Fonte: Processamento de perguntas da Seção Proprietária do PNUD e de outras perguntas no Latinobarômetro 2002. Cidadão altamente participativo. Está ativo em todos os âmbitos da participação cidadã. Cidadão ativo: Contacta autoridades e participa de manifestações públicas, mas sem atividade em todos os âmbitos da participação cidadã. Cidadão não ativo: Não tem participação política ou realiza a que, além de esporádica, requer menor esforço: votar). Pode colaborar em atividades sociais. o país “. ( 5) Com base no índice de confiança em instituições e atores, construído a partir de perguntas sobre confiança em “ “Poder judiciário “, “Governo “, “Municípios “, “Congresso “, “Partidos políticos “ e “Pessoas que dirigem ( 4) Com base na pergunta p27u: “Qual é o tema que lhe interessa e que os candidatos na última eleição não se atreveram a abordar? “. se encontra-se entre 3,34 e 6,66 considera-se nível econômico médio e se encontra-se entre 6,67 e 10 considera-se nível econômico alto. ( 3) Com base no índice econômico construído a partir da posse de utensílios e da educação do chefe de família. Esse índice pode variar entre 0 e 10. Se o índice encontra-se entre 0 e 3,33 considera-se nível econômico baixo, pertinente o cálculo de uma medida de associação ou da ANOVA indica-se com dois pontos seguidos (..). Sobre as provas realizadas em cada caso, consulte o Compêndio Estatístico. (2) Indica-se com um (*) quando a medida de associação utilizada ou a Análise de Variância (ANOVA por sua sigla em inglês) resulta significativa a 5%. Indica-se com (**) quando o resultado é significativo a 1%. Quando não é ( 1) Inclui República Dominicana. Notas: % Baixo % Médio % Alto Média de índice econômico Nível econômico (3) Categorias PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS PESSOAS SEGUNDO MODOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ, 2002. CONTINUAÇÃO TABELA 50 dadão ou cidadã. O conceito de intensidade cidadã vem do termo cidadania de baixa intensidade, criado por O’Donnell.77 Entende-se por intensidade cidadã o livre e ativo exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres genéricos próprios do status de cidadania. A ferramenta utilizada para se aproximar desse tema é uma tipologia de perfis de intensidade cidadã que permite classificar as pessoas conforme a maneira de exercitar seu status de cidadão (tabela 47). Com base na informação das tendências em relação à democracia e nas formas de participação cidadã na América Latina, existem quatro perfis de intensidade cidadã: os democratas participativos; os democratas desmobilizados; ■ os ambivalentes e não-democratas desmobilizados; ■ ■ os ambivalentes e não-democratas participativos. ■ Os dois primeiros grupos compartilham uma tendência democrática, mas diferem em seu nível de participação na vida política. Os dois últimos grupos compartilham sua ausência de compromisso com a democracia e também diferem em seu nível de participação política. Aproximadamente, uma de cada cinco pessoas na América Latina (18,9 por cento) pode ser classificada como democrata participativa. Pouco mais de um terço dos consultados (34,9 por cento) são ambivalentes ou não-democratas desmobilizados. Essas pessoas têm dúvidas ou se opõem à democracia, mas estão retiradas da vida política. Os ambivalentes e não-democratas participativos representam uma proporção muito similar à dos democratas participativos. quadro 37 Cidadania de baixa intensidade Em 1993, O’Donnell definiu que, na América Latina, uma proporção considerável das cidadãs e dos cidadãos não pode exercer seus direitos civis e é discriminada, embora seus direitos políticos estejam razoavelmente protegidos. Ele denominou esse fenômeno “cidadania de baixa intensidade”, e o atribuiu a barreiras objetivas como a debilidade do Estado democrático de direito e o efeito das desigualdades sociais extremas. Um estudo da cidadania de baixa intensidade requer, então, a utilização de diversas fontes de informação, tanto percepções quanto registros institucionais. Além desses obstáculos, a intensidade no exercício da cidadania pode ser influenciada pelo grau em que as pessoas se sintam obrigadas a cumprir seus deveres e a exercer seus direitos. Esta é precisamente a perspectiva estudada neste capítulo, com a informação do Latinobarômetro. Trata-se de uma perspectiva inspirada no pensamento 77 O’Donnell, 1993. 152 A democracia na América Latina de O’Donnell, embora diferente, pois está centrada no estudo das atividades e dos comportamentos dos indivíduos. Uma democracia na qual uma proporção significativa da cidadania decide não exercer seus direitos nem cumprir seus deveres, encontra-se com problemas. Para avançar no estudo desse tema, preparouse uma tipologia de perfis de intensidade cidadã, que classifica as pessoas combinando os seguintes critérios: ■ Sob a perspectiva dos deveres cidadãos, o dever de aceitar a vigência das normas democráticas. Para isso utilizou-se o estudo das tendências em relação à democracia. ■ Sob a perspectiva dos direitos cidadãos, o grau em que as pessoas participam na vida política, para o qual foi utilizado o estudo sobre os modos de participação cidadã. quadro 38 O Índice de Apoio à Democracia (IAD) A elaboração do IAD baseia-se: pesquisa, no Compêndio Estatístico. ■ Nas tendências em relação à democracia. Nas situações favoráveis à democracia, o ■ No tamanho de cada tendência e, depois, IAD chega a um valor bastante superior a na proporção entre democratas e não- 1. Quando o IAD tem um valor próximo a democratas. 1, resume situações de equilíbrio político ■ Na distância média nas atitudes entre entre as tendências democrática e não- cada tendência, se os democratas ou os democrática. São situações com um não-democratas estão mais próximos dos potencial de instabilidade, pois o apoio ambivalentes. cidadão à democracia não está garantido. ■ No nível de ativismo político das pessoas Quando o IAD assume valores muito que apóiam as tendências e na situação dos inferiores a 1 e próximos a zero, o apoio democratas e dos não-democratas. cidadão à democracia é precário. Caso O IAD, então, pondera o tamanho das haja uma crise política severa, o futuro orientações com a distância e o ativismo. da democracia poderia estar facilmente Uma explicação mais detalhada pode comprometido pela precariedade do apoio ser encontrada na nota técnica sobre a cidadão. Segundo nossos dados, na América Latina, aproximadamente uma de cada cinco pessoas (21,6 por cento) pode ser classificada com este perfil: pessoas que têm dúvidas ou se opõem à democracia e são politicamente ativas. As características sociais das pessoas que compõem cada um dos perfis de intensidade cidadã são similares às descritas para a base social das tendências em relação à democracia, mas sob a presente perspectiva, o panorama pode ser observado com maior precisão. Em termos gerais, podem ser formuladas duas conclusões: os dois grupos socialmente mais parecidos entre si são, paradoxalmente, os que poderiam chegar a enfrentar-se no caso de uma crise que ameace a estabilidade de uma democracia, os democratas participativos e os ambivalentes ou não-democratas participativos. Ambos os grupos têm estruturas de idade, nível de instrução e nível econômico mais parecidos entre si do que em relação aos outros dois grupos. A segunda conclusão é que os ambivalentes ou não-democratas desmobilizados parecem concentrar, em maior proporção do que os outros grupos, as pessoas mais jovens e de menor nível econômico. Os jovens são mais numerosos neste grupo do que entre os democratas participativos (38,4 por cento dos primeiros e 30 por cento dos segundos). As pessoas sem estudos ou com escola primária completa ou incompleta (1 a 6 anos de escolaridade) têm uma distribuição similar: proporcionalmente tendem a agrupar-se mais entre os ambivalentes ou nãodemocratas desmobilizados, ao passo que as pessoas com educação superior completa ou incompleta são mais numerosas entre os democratas participativos. O Índice de Apoio Cidadão à Democracia O resultado do IAD para a região tendeu a ser positivo para a democracia. Os democratas, em termos de correlação de forças, estão em melhor posição do que seus contrários, os não-democratas. Na verdade, os democratas constituem a tendência em relação à democracia mais difundida e tenderam (embora levemente) a participar mais na vida política e social dos seus países do que as pessoas com outras tendências. Bases empíricas do Relatório 153 De qualquer maneira, os ambivalentes são um grupochave para ser observado, pois na maioria dos países, os democratas requerem seu apoio para formar grupos majoritários de cidadãos. Índice de apoio à democracia Tamanho das tendências Distância média entre as tendências Eles também tiveram os ambivalentes ligeiramente mais próximos de suas posições do que das posições dos não-democratas (gráfico 8). O IAD agregado para a região revelou um valor de 2,03. De qualquer maneira, os ambivalentes são um grupo-chave para ser observado, pois na maioria dos países, os democratas requerem seu apoio para formar grupos majoritários de cidadãos. É preciso também tomar nota dos fatores associados mais fortemente aos não-democratas, pois esses fatores estão relacionados com carências da ci- 154 A democracia na América Latina Ativismo político das orientações dadania social e com baixas perspectivas de mobilidade econômica e educativa, questões em que, como já vimos, a região ainda tem sérios déficits. Resumindo os resultados desta análise, encontramos: Processando dados da pesquisa de Latinobarômetro de 2002, 43% dos entrevistados tinham uma tendência pró-democrática, sendo esta a mais difundida. ■ Evidencia-se uma tensão quando se pergunta sobre a alternativa entre desen■ volvimento econômico e democracia. Parece que muitos preferem a primeira. ■ Os entrevistados pertencentes a países onde há menores níveis de desigualdade social tendem a ser mais favoráveis à democracia. ■ Da análise do perfil dos denominados “não-democratas”, surge que esta tendência tem maiores adeptos nos setores com menos educação, nos que têm uma socialização proveniente de períodos autoritários, nos que têm uma percepção de baixa mobilidade social em relação aos pais e baixas expectativas quanto a uma futura melhoria para os filhos, e naqueles que têm maior desconfiança nas instituições. ■ A maioria dos cidadãos não está desconectada da vida política e social de seus países. ■ Em média, os democratas tendem levemente a participar mais ativamente na vida política de seus países. Bases empíricas do Relatório 155 156 A democracia na América Latina ■A percepção dos dirigentes latino-americanos A indagação sobre o desenvolvimento da democracia na América Latina se enriquece com as percepções e opiniões dos que tomam as decisões de mais impacto na vida política da região. Esta parte expõe e sistematiza as opiniões que surgem da rodada de consultas a 231 líderes latino-americanos, que inclui 41 presidentes e vice-presidentes atuais e anteriores. Analisamos aqui suas opiniões sobre o grau de desenvolvimento de nossas democracias, colocando ênfase na participação dos cidadãos, nos limites do poder democrático, na confiança nas instituições – particularmente nos partidos políticos – e nas relações com os poderes fáticos novos ou tradicionais. Foram observados também a tensão entre pobreza/desigualdade/ democracia, os problemas em torno da elaboração da agenda pública e os desafios enfrentados pelas democracias. Expressamos nosso agradecimento às 231 personalidades que se dispuseram a contribuir generosamente para que pudéssemos realizar as entrevistas, e lamentamos a impossibilidade de realizar todas as que pretendíamos, o que resultou na omissão de importantes dirigentes. Perfil dos atores consultados Para a realização das consultas – que tiveram lugar entre julho de 2002 e junho de 2003 – seguimos dois critérios: a) fazer um mínimo de seis consultas por país, e b) fazer um número maior de consultas nos países maiores (os dois grupos mais numerosos são os brasileiros, com trinta e quatro líderes consultados, e os mexicanos, com vinte e cinco). Esta não é uma amostra aleatória e, portanto, os dados não têm valor estatístico. A meta é levantar opiniões fundamentais de um conjunto relevante de líderes sobre as democracias da região. Procuramos detectar as formas de ver e de pensar manifestadas nas respostas dos líderes, em uma entrevista cuja agenda era previamente desconhecida. Na parte final do Relatório, oferecemos mais informação sobre a metodologia e os critérios de processamento empregados. É importante levar em conta que o estudo não pretende substituir e, sim, complementar outros tipos de estudos de opinião. A pergunta que merece resposta é: quais são as opiniões e formas de pensar de um grupo de 231 pessoas que exercem funções de liderança na América Latina? Trata-se de importantes protagonistas da vida política, econômica, social e cultural latino-americana, que integram uma amostragem cuja significação decorre da relevância de suas trajetórias: a) líderes políticos que detêm ou detiveram o poder em seu máximo nível institucional, em chefias partidárias, parlamentares, funcionários de alto escalão ou prefeitos; b) protagonistas sociais em um amplo espectro que inclui líderes sindicais, empresários, acadêmicos, jornalistas, religiosos e dirigentes de movimentos ou organizações sociais; e c) membros das Forças Armadas. 51 por cento dos consultados são políticos. Entre os restantes, observa-se um número significativo de empresários (11 por cento) e intelectuais (14 por cento). As restantes categorias se distribuem em: sindicalistas (7 por cento), jornalistas (6 por cento), líderes da sociedade civil (7 por cento), religiosos (2,5 por cento) e militares (1,5 por cento). O ponto de partida conceitual As declarações coincidem em ressaltar um diagnóstico que pode ser assim resumido: nunca antes houve tanta democracia na América Latina nem esteve tão controlado o Bases empíricas do Relatório 157 Há coincidência em que maior participação através dos partidos políticos é saudável para a democracia. perigo de golpe de Estado, mas, mesmo assim, a democracia está exposta a fragilidades, como as que derivam do baixo prestígio dos partidos políticos e da chamada crise da sociedade política.78 Na atualidade, todos os países cumprem os requisitos do regime democrático, que são especialmente valorizados pelos consultados, em contraste com o passado autoritário. Sob essa perspectiva, a conquista e afirmação dos atributos básicos da democracia são consideradas uma etapa necessária e um progresso significativo. Esta visão deixa em aberto uma gama de questões a serem abordadas e de objetivos não atingidos, dentro de um acordo generalizado em apontar o caráter inacabado da construção da democracia na América Latina, inclusive onde dito processo histórico tem duração mais longa. Condições necessárias para a Democracia Embora não as interpretem exatamente da mesma forma, os líderes latino-americanos consideram que a participação política e os controles sobre o exercício do poder são duas condições básicas da democracia, e que ambas se fortaleceram ao longo da última década. A expansão da participação política Por mais que a palavra participação tenha diferentes significados políticos, em um sentido mais estreito, sua abrangência costuma se restringir à participação eleitoral. Em seu sentido mais amplo, pressupõe alguma forma estável de conexão com a tomada de decisões públicas, principalmente através da mediação dos partidos políticos ou das organizações da sociedade civil. Alguns sentidos intermediários aludem a formas mais ou menos ativas de exercício da cidadania, tais como a participação em consultas populares ou em âmbitos deliberativos a nível local. A quase unanimidade das pessoas con- sultadas pensa que uma maior participação em qualquer uma de suas formas tende a fortalecer o funcionamento das instituições democráticas. Nesse sentido amplo, em geral, mais participação aparece como preferível a menos participação. Entretanto, como veremos mais abaixo, esta opinião genérica se relativiza quando boa parte dos consultados se refere a formas mais específicas de participação. Também há coincidência em que maior participação através dos partidos políticos é saudável para a democracia. Os líderes consultados tendem a compartilhar essa idéia, mesmo quando são céticos quanto ao funcionamento adequado dos partidos como canais de participação ou à possibilidade de recuperação de protagonismo nesse terreno. Para a maioria dos consultados, a participação da população no sentido amplo (isto é, tanto no que se refere à eleição dos governos quanto à definição de suas políticas) aumentou significativamente durante a última década. No momento de considerar o ato eleitoral como uma expressão da participação política, existem duas tendências. Nos países com menor tradição democrática, o voto é visto como um ato que concretiza a participação, pois permite expressar uma posição crítica em relação a velhas estruturas patrimonialistas e, eventualmente, um prêmio ou um castigo aos governantes. Identifica-se o crescimento da participação eleitoral com o progresso da participação. Em compensação, nas democracias de maior continuidade, o fato de votar é visto como algo habitual, que não é considerado no momento de avaliar o nível de participação, pois, para os consultados nesses países, a participação implica formas mais ativas de exercer os direitos cidadãos. Em quase toda a América Latina, o aumento da participação é interpretado como uma das caras mais visíveis do processo de construção democrática. Já a diminuição ou o estancamento da participação apontado pelos líderes chilenos, uruguaios e costarri- 78 Garretón, documento elaborado para o PRODDAL, 2003. 158 A democracia na América Latina quenhos parece próprio de democracias que se sentem profundamente arraigadas historicamente. Isso não significa que esses países estejam livres de dificuldades (de fato, dois deles padeceram de duras experiências de regimes autoritários); mesmo assim, trata-se de um problema diferente dos problemas enfrentados por países onde esse envolvimento é menor ou mais recente. Um dirigente consultado no Chile acrescenta detalhes: “A participação que caracteriza a democracia era mais institucionalizada [de meados do século passado até o golpe de Estado de 1973], fundamentalmente através das organizações políticas e sociais. [...] Hoje em dia, a realidade chilena é muito preocupante: [...] nas votações e nas eleições, o interesse da cidadania vem diminuindo progressivamente enquanto a abstenção eleitoral vem aumentando. [...] [Agora] há uma participação mais desorganizada, mais circunstancial [...]. Os partidos perderam presença e representatividade”. Por sua vez, um líder brasileiro destaca a expansão da participação: “A pobreza é difusa, não organizada [...]. Quanto mais se aperfeiçoa o poder democrático, mais aumentam as pressões de baixo para cima [para que seus problemas sejam levados em conta]. E isso é o que ocorre [...], [há] mais organizações democráticas, mais organizações da sociedade e mais pressão de baixo para cima. Essa é a prova pela qual temos que passar agora”. Uma diferença significativa entre os países com democracias historicamente mais arraigadas e os outros são os canais por meio dos quais se exerce a participação. Os consultados dos países do primeiro caso tendem a pressupor que os partidos são um dos canais naturais (não o único, mas um dos mais importantes). Mas em vários países com tradições democráticas menos arraigadas, alguns consultados opinam que a maior participação se produz quando os cidadãos atuam fora dos partidos, quer seja porque tomam a distância suficiente para fazer um exercício independente do voto (por exemplo, apoiando candidatos independentes) ou porque se incorporam a organizações da sociedade civil que se apresentam como alternativa para os partidos. Segundo esses consultados, não se trata apenas da imagem negativa dos partidos, mas também do fato de que são vistos como um obstáculo para a participação. Sempre, segundo os consultados, esse fenômeno de maior participação por canais alternativos às estruturas partidárias aparece freqüentemente associado à outra tendência vigorosa, o fortalecimento das instâncias de deliberação e de decisão no âmbito local. É a essa escala (a aldeia, o distrito rural, a cidade, o estado) em que apareceriam dirigentes capazes de gerar níveis importantes de adesão e em que melhor funcionariam as organizações da sociedade civil que conseguem atrair os cidadãos com mais facilidade. TABELA 51 AUMENTOU A PARTICIPAÇÃO NA AMÉRICA LATINA? A participação aumentou Honduras, México, Bolívia, Brasil, Paraguai Colômbia, República Dominicana, Venezuela, El Salvador, Panamá, Equador, Guatemala, Nicarágua, Peru, Argentina. A participação não aumentou nem diminuiu Costa Rica A participação diminuiu Uruguai, Chile Nota: Os países estão classificados segundo “resultados de opinião”, ou seja, a diferença entre os que dizem que a participação aumentou e os que dizem que a participação diminuiu. O primeiro país é o que tem um maior balanço positivo, ou seja, aquele em que a diferença é mais favorável para os que pensam que a participação aumentou. Depois a classificação é feita por ordem decrescente desse resultado. Fonte: PRODDAL, Rodada de consultas com líderes da América Latina, 2002. Bases empíricas do Relatório 159 Em quase toda a América Latina, o aumento da participação é interpretado como uma das caras mais visíveis do processo de construção democrática. De maneira geral, a existência de meios de comunicação independentes é vista como um fator que contribuiu decisivamente para o aumento dos controles. Assim descreve um dos líderes consultados na Colômbia: “Em Bogotá, [...] governos sucessivos [...] geraram uma transformação radical da cidade: [...] as políticas públicas tornaram-se uma essência vital, [...] o público passou a ter prioridade em relação ao privado, que não era como se via antes, [...] as conseqüências para os cidadãos geraram um convencimento e uma continuidade em política, [mas] quase nada em relação aos partidos, porque os últimos três candidatos eleitos são independentes”. Entre os consultados, a percepção sobre a participação social é heterogênea. Os novos movimentos sociais e o crescimento da participação fora dos partidos levam esses movimentos a serem vistos, por muitos dos consultados, como uma ameaça à governabilidade. Existe também desacordo sobre a institucionalização da participação social. Certos países contam com canais institucionais através dos quais as demandas podem ser viabilizadas e negociadas. Para alguns consultados, a resistência a desenvolver mecanismos de participação institucionalizada influi negativamente no desenvolvimento da democracia; outros objetam esses processos por considerá-los particularistas e por gerar consensos contingentes que limitam o pluralismo da democracia. A expansão dos controles sobre o exercício do poder Na maioria dos países latino-americanos, a idéia predominante é a de que os governos estão mais controlados e limitados do que no passado. Isso é tido, em geral, como um fato positivo, porque implica a presença de uma cidadania mais atenta e decidida a fazer valer seus direitos (o que é coerente com a percepção de uma maior participação). A idéia de que os controles sobre o exercício do poder se aperfeiçoaram predomina entre os líderes de doze dos dezoito países estudados. Os políticos e funcionários de governo são os que mais freqüentemente consideram que os controles aumentaram. Vários líderes consultados também mencionam a presença de tradições desfavoráveis aos controles do exercício do poder em alguns países centro-americanos, onde a au160 A democracia na América Latina sência de controles eficazes aparece associada a problemas de longa data. Por outro lado, os consultados relacionam o exercício do controle com o fortalecimento da sociedade civil (sobretudo a partir do papel assumido pelas ONGs) e dos meios de comunicação. Estes são considerados, simultaneamente, um controle e um grupo de pressão, o que permite compreender sua paradoxal percepção: ser uma condição sine qua non da democracia e, ao mesmo tempo, um instrumento de grupos de poder que exercem indevida influência na tomada de decisões públicas. De maneira geral, a existência de meios de comunicação independentes é vista como um fator que contribuiu decisivamente para o aumento dos controles. Numerosos líderes consultados insistem na capacidade dos meios de detectar irregularidades e excessos (ou simples erros e dificuldades) e de dar-lhes difusão pública. Mas esta mesma relevância dos meios é vista como um perigo pela maioria dos líderes consultados: apoiados na popularidade que as denúncias lhes proporcionam, certos meios terminam por construir sua própria agenda e por perseguir interesses particulares (os do grupo econômico a que pertencem ou os de certos setores de poder a que estão associados). Para muitos de nossos consultados, um grave problema é que não existem mecanismos eficazes para controlar os eventuais excessos, sem com isso atentar contra a liberdade de imprensa. Contudo, tanto em suas melhores como nas piores versões, os meios são vistos pelos líderes como um dos principais contrapesos do poder político. Opiniões sobre o caráter da democracia Os líderes latino-americanos acreditam que as condições políticas necessárias para a democracia avançaram significativamente durante a última década. Consideremos a definição de democracia de um entrevistado na Guatemala: “Se em 1986 nós tivéssemos perguntado aos guatemaltecos o que era para eles a democracia, teriam nos respondido ‘um regime cujo governo seja civil e seja eleito popularmente’, e isso é basicamente o que deve suceder em toda a Améri- TABELA 52 AUMENTARAM OS CONTROLES SOBRE O PODER NA AMÉRICA LATINA? Os controles aumentaram El Salvador, México, Peru, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Guatemala, Chile, Honduras, Costa Rica, Bolívia, Paraguai Os controles não aumentaram nem diminuíram Uruguai, Nicarágua Os controles diminuíram Equador, Panamá, Argentina, Venezuela Nota: Os países estão classificados segundo “resultados de opinião”, ou seja, a diferença entre os que dizem que os controles aumentaram e os que dizem que diminuíram. O primeiro país no primeiro lugar é o que tem o balanço mais positivo, ou seja, aquele em que a diferença é mais favorável para os que pensam que os controles aumentaram. Os restantes são classificados à medida que o balanço diminui. Fonte: PRODDAL, Rodada de consultas com líderes da América Latina, 2002. ca Latina”. Partindo do princípio de que esta definição seja aceitável, não há dúvida de que a grande maioria dos consultados coincidiria em que seus países são democráticos. A pauta das consultas previa que, ao término de uma conversa extensa, os consultados fossem convidados a responder sobre a presença ou ausência de democracia em seu país (“Levando tudo isso em conta, o senhor diria que seu país é hoje uma democracia?”). Só 14 por cento dos consultados responderam de maneira inequívoca (6 por cento que sim, 8 por cento que não). Para os outros, foi necessário precisar e decompor o conceito. Precisamos então explorar o sentido desses condicionamentos e relativizações. Para 6 por cento, como foi mencionado, existe uma “democracia plena” em seu país; para um robusto percentual de 66 por cento, em seu país existe uma democracia com poucas ou algumas limitações; 17 por cento consideram que há numerosas limitações em seu país, e 8 por cento opinam que seu país não é uma democracia. Portanto, pelo menos como uma primeira aproximação, a grande maioria dos consultados (quase nove em cada dez) aceita o termo “democracia” para descrever suas respectivas situações nacionais, ainda que faça isso complementando com várias especificações adicionais. Esta observação pode parecer trivial, mas ratifica todos os avanços dos últimos anos. Pela primeira vez na história do continente, os líderes de todos os países incluídos no es- tudo vêem que seus países satisfazem a definição mínima de democracia: há concorrência genuína, os governos têm pelo menos algumas limitações ao seu poder e os consultados acreditam que houve um progresso significativo nesses dois planos. A resposta predominante poderia ser sintetizada desse modo: “Pode-se falar de democracia, sim, sobretudo comparando com o passado, mas...”. Por outro lado, para 25 por cento dos consultados, em seu país “ainda falta muito” para que se possa dizer que se vive em democracia. Em alguns casos, as pessoas consultadas insistem em que a debilidade da democracia não tem tanta relação com bloqueios políticos, problemas de legitimidade ou questões de projeto institucional (embora estes problemas também sejam mencionados), mas sim com as condições de vida da população: “Do ponto de vista econômico e social, realmente temos gravíssimos problemas de distribuição da riqueza, de participação dos panamenhos [...]. Como pode haver democracia nessas condições?”. A idéia da desigualdade e da segmentação social como impedimento para a construção de uma democracia plena aparece com muita freqüência associada às opiniões mais pessimistas. No conjunto de consultas, o comentário mais freqüentemente ligado a uma opinião cética sobre o grau de força ou de realização da democracia refere-se, usualmente, às condições de vida da população. Um dos consultados na Nicarágua afirBases empíricas do Relatório 161 Pela primeira vez na história do continente, os líderes de todos os países incluídos no estudo vêem que seus países satisfazem a definição mínima de democracia. A tensão entre poderes institucionais e poderes fáticos continua presente na realidade latinoamericana. ma, por exemplo: “Para nós, foi muito difícil chegar aonde chegamos: mortos, lutas intestinas [...]. Avançamos mais do que muitos países no que se refere à consolidação da democracia, mas ainda há muito para ser feito, pois não é possível conceber democracia plena em uma situação de pobreza e miséria. Enquanto a única liberdade existente for a de morrer [...] fica difícil”. A mesma idéia aparece neste resumo formulada por um dos líderes consultados no Peru: “54 por cento da população vive abaixo da linha de pobreza extrema e 23 por cento abaixo da linha de pobreza extrema-extrema [...]. A participação dessa gente em política resume-se a ir votar no dia da eleição, porque é obrigatório e quem não vota tem que pagar uma multa, mas isso não é democracia. A democracia não é um ato político eleitoral. Quem vai dormir esta noite sem saber se amanhã terá algo para comer não é livre”. No outro extremo, as respostas mais positivas são encontradas especialmente entre personalidades provenientes das democracias mais arraigadas e nos países maiores. Como destaca um dos consultados no Brasil, as recentes eleições contribuem para um clima de confiança na democracia: “Estamos vendo um momento em que uma pessoa [Luiz Inácio Lula da Silva] sai da extrema pobreza nordestina e chega ao poder máximo do país; [...] a mobilidade social é um dos ingredientes da democracia: [...] quanto mais possibilidades houver de se atravessar as barreiras [entre as classes sociais], acho que mais democracia haverá”. Estes casos indicam que, na América Latina, o vínculo entre condições socioeconômicas e atitudes em relação à democracia não é automático nem necessariamente determinante. O que distingue as atitudes das lideranças desses países não radica, então, nas condições socioeconômicas “objetivas” de seus países, mas sim em seu grau de confiança na capacidade das instituições democráticas de conviver com, e de modificar, em médio prazo, essas situações de pobreza e exclusão. Para os que vêem as coisas sob esse prisma, a pobreza e a exclusão são problemas que devem ser solucionados por um sistema político claramente 162 A democracia na América Latina democrático. “Chegamos à república e ainda temos que construir a democracia. A república é a que preserva as liberdades individuais, evita que um governo despótico nos mate, que nos leve preso [...], mas além dessas liberdades chamadas negativas, estão as outras liberdades, as positivas da democracia, concentradas nos direitos sociais” (ex-presidente). Causas das limitações das democracias latino-americanas Poderes institucionais e poderes fáticos Um problema tradicional dos países latino-americanos foi o divórcio entre os poderes institucionais e os poderes fáticos: embora os textos constitucionais outorguem grande peso ao Poder Executivo e uma importante capacidade de ação ao Legislativo e ao Judiciário, o poder real costuma residir em instituições às quais as normas delegam outras funções (como foi o caso, no passado recente, das Forças Armadas) ou em grupos que não fazem parte da ordem político-institucional (famílias tradicionais, grupos econômicos e outros). A tensão entre poderes institucionais e poderes fáticos continua presente na realidade latino-americana. Há informação que sugere, e as consultas realizadas confirmam, que nas últimas décadas, apesar do fortalecimento das instituições democráticas, os poderes fáticos continuam assumindo um papel muito importante. As Forças Armadas são vistas como o fator de poder mais importante para alguns consultados na Guatemala e na República Dominicana e, em menor medida, no Equador, no Chile e na Venezuela. Mas as Forças Armadas não são mencionadas nos países restantes, incluindo os que viveram recentemente crises políticas agudas (Argentina, Colômbia e Paraguai). Esse forte debilitamento das Forças Armadas como fator político é uma novidade importante para a democracia latino-americana. No entanto, alguns líderes consultados identificam três riscos principais que poderiam ameaçar o bom funcionamento da ordem democrática: TABELA 53 QUEM EXERCE O PODER NA AMÉRICA LATINA? SEGUNDO O PONTO DE VISTA DOS LÍDERES CONSULTADOS Quantidade de menções % de Líderes que fazem a menção 150 122 (79,8%) (64,9%) Poderes fáticos Os grupos econômicos/ empresários/ O setor financeiro Os meios de comunicação Poderes constitucionais Poder Executivo Poder Legislativo Poder Judiciário 68 24 16 (36,2%) (12,8%) (8,5%) Forças de segurança As Forças Armadas A Polícia 40 5 (21,3%) (2,7%) Instituições políticas e líderes políticos Partidos políticos Os políticos/ operadores políticos/ líderes políticos 56 13 (29,8%) (6,9%) Fatores extraterritoriais EUA/ A embaixada norte-americana Organismos multilaterais de crédito O fator internacional/ o fator externo Empresas transnacionais 43 31 13 9 (22,9%) (16,5%) (6,9%) (4,8%) Nota: n=188. O total não soma 100% porque foram permitidas respostas múltiplas. Fonte: PRODDAL, Rodada de Consultas com Líderes da América Latina, 2002. 1. Segundo os líderes dos países maiores e dos que têm tradições democráticas mais arraigadas, as limitações têm duas origens. As limitações internas provêm da proliferação de controles institucionais inadequados, assim como da multiplicação de grupos de interesses (em especial empresariais) que funcionam como poderosos lobbies. As limitações externas provêm, basicamente, do comportamento dos mercados internacionais (em especial, mas não exclusivamente, dos financeiros), da vigilância das avaliadoras de risco e do papel dos organismos internacionais de crédito. Por sua vez, em países menores ou com tradições democráticas menos arraigadas, os consultados também destacam limitações externas e internas, mas as descrevem de maneira diferente. No âmbito interno, mencionam os grupos de interesses (particularmente empresários e grandes latifundiários), mas os métodos empregados já não são só lobbies, e sim práticas tais como a compra de votos e a “fabricação” de candidatos. No externo, mencionam a dependência de organismos internacionais de crédito, e acrescentam a desmesurada influência de empresas estrangeiras instaladas nos pró- prios países. 2. O segundo tema considerado é a ameaça do narcotráfico. Como é natural, a importância atribuída pelos líderes latinoamericanos a esse fator está diretamente ligada ao grau de desenvolvimento de tal fenômeno em seus respectivos países. Entretanto, quase todas as opiniões recolhidas convergem em indicar que o narcotráfico implica um duplo desafio. É um desafio direto porque tenta controlar parte do aparelho estatal e partes significativas do território, enquanto cria fortes incentivos para a passagem da economia formal à informal. Além disso, o narcotráfico cria desafios indiretos, dois dos quais são destacados pelos consultados. O primeiro é que, ao atrair a atenção do governo dos Estados Unidos, gera novas formas de pressão externa que limitam ainda mais a esfera de ação dos governos nacionais. O segundo tem relação com a corrupção: o “dinheiro sujo” tem efeitos devastadores sobre o comportamento de uma parte dos dirigentes políticos e sobre o funcionamento das instituições. 3. O terceiro fator, ao qual atribuem capacidade de limitar o poder das instituições Bases empíricas do Relatório 163 De maneira geral, pode-se dizer que, com algumas exceções, o ceticismo em relação aos partidos é muito amplo e a disposição para se vincular a eles tende a diminuir em toda a América Latina. políticas, são os meios de comunicação. Essa grande influência dos meios é vista como parte do aumento dos controles que permitiram democratizar o exercício do governo, e também, como uma restrição ao processo democrático, segundo, principalmente, os políticos consultados. Os meios têm a capacidade de gerar agenda, de predispor a opinião pública a favor ou contra diferentes iniciativas e de deteriorar a imagem de fi guras públicas mediante a manipulação de denúncias. Existe amplo consenso entre os consultados quanto ao fato de que a grande influência da mídia limita o poder das instituições políticas. Em realidade, sempre tiveram muita influência e os políticos tentaram servir-se dela. A novidade, além da maior exposição do público à mídia, é que anteriormente estavam em grande parte vinculados aos partidos políticos que, em alguns casos, exerciam certo controle sobre eles; atualmente muitos meios de comunicação tornaram-se independentes das estruturas partidárias e passaram a fazer parte de grupos econômicos não subordinados ao poder político e com interesses muito diversificados. O papel dos partidos políticos Segundo os líderes consultados, os partidos políticos, atores fundamentais para o funcionamento das democracias contemporâneas, sofrem uma séria crise. Um dado revelador é que não apenas a maior parte dos líderes consultados acha que os partidos não estão cumprindo adequadamente sua função, como também, esta opinião é predominante, (59 por cento) entre os próprios políticos consultados. Nesse caso, as opiniões favoráveis (“evidentemente sim”) representam 18 por cento e as opiniões neutras (“por um lado sim, por outro não”), 16 por cento. Esse ceticismo generalizado oculta diferenças significativas de país para país. Em alguns casos (Argentina e Equador), o desprestígio dos partidos atinge um grau extremo. Em outros casos (Honduras, Uruguai e, ainda que em menor medida, Chile), os partidos aparecem em condições bastante melhores. De maneira geral, pode-se dizer que, com algumas exceções, o ceticismo em relação aos partidos é muito amplo e a disposição para se vincular a eles tende a diminuir em toda a América Latina. Estas opiniões referem-se à conjuntura política de 2002 e início de 2003. Uma nova rodada de consultas daria presumivelmente novos resultados. Quais são as razões que fundamentam essa opinião? Como acusação mais freqüente temos o personalismo e a ausência de democracia interna. Nas palavras de um líder costarriquenho: “São as mesmas caras, as mesmas pessoas nos últimos quarenta anos, é bater na mesma tecla, o que hoje é deputado, amanhã é embaixador, e recebe um ministério outra vez [e depois] será sua vez novamente”. Essa rejeição às oligarquias partidárias pode ser atribuída, parcialmente, a uma modernização das expectativas dos cidadãos (o TABELA 54 OS PARTIDOS ESTÃO CUMPRINDO SEU PAPEL? Sim, ou na verdade, sim Uruguai, Honduras Não, ou na verdade, não Chile, Peru, México, República Dominicana, El Salvador, Bolívia, Panamá, Brasil, Guatemala, Paraguai, Venezuela, Argentina, Colômbia, Equador, Nicarágua, Costa Rica Nota: Os países estão classificados segundo “balanços de opinião”, ou seja, a diferença entre os que dizem que os partidos estão cumprindo seu papel e os que dizem que não. O primeiro país no primeiro lugar é o que tem o balanço mais positivo, ou seja, aquele em que a diferença é mais favorável para os que pensam que os partidos cumprem seu papel adequadamente. Em seguida, são classificados à medida que o resultado diminui. Fonte: PRODDAL, Rodada de consultas com líderes da América Latina,2002. 164 A democracia na América Latina velho caudilhismo e o velho estilo patrimonialista têm mais dificuldades em ser aceitos). Além disso, a aguda deterioração sofrida pelo Estado, por várias razões, em boa parte de nossos países, levou ao enfraquecimento de um dos atrativos que os partidos podiam ter no passado: ao menos para uma parte significativa da cidadania, os partidos já não conseguem, mediante sua influência em diversos segmentos do Estado, “resolver os problemas da população”. Mas, ao mesmo tempo em que o atrativo clientelista se debilitou, os partidos também não foram capazes de modernizar-se em grau suficiente para destacar-se nem por sua capacidade de proposta nem pela consistência de suas equipes de governo. Nas palavras de um entrevistado peruano: “Os partidos políticos não foram capazes de sentir o ritmo da América Latina”. Os partidos políticos atravessam uma forte crise de representação que incide na diminuição da participação eleitoral e em sua canalização por outras vias (em geral, organizações da sociedade civil). No entanto, quase todos os líderes reconhecem a centralidade dos partidos políticos e a necessidade de que assumam um papel de maior responsabilidade. “Nossas sociedades passaram por uma rápida metamorfose e nós, os políticos, não a monitoramos de perto, por isso existe um grande desencontro” (presidente). “O povo quer participar e sente que o formalismo do voto nas urnas, por mais transparentes que sejam as eleições, não lhe dá esse sentimento de participação [...]. A democracia precisa dos partidos políticos, mas eu não posso fazer parte de um partido, porque todos têm dono” (empresário). Nossos consultados vinculam essa crise de representação à ausência de democracia interna nos partidos, à lógica clientelista de manipulação do eleitorado que incentiva os personalismos, ao esquecimento das plataformas político-partidárias (falta de diferenciação ideológica, carência de programas), à geração de dissidências personalistas e não ideológicas, a sua vinculação a poderes fáticos e a alianças em que se confundem as identidades políticas. Por essas razões, a maioria dos consulta- dos entende que os partidos – em particular os tradicionais – não tiveram êxito como canalizadores das demandas da cidadania. Por sua vez, as oposições políticas aparecem fragmentadas e seu discurso se configura mais contra figuras políticas controvertidas do que a partir de propostas programáticas. Em geral, longe de expressar uma vontade majoritária da população, segundo essas opiniões, os partidos atuam em função de interesses particularistas e sofrem demasiadas pressões dos grupos de poder, tanto legais quanto ilegais. “[Os partidos] têm muitas dificuldades para manter-se em contato com as demandas da população porque a carreira política depende acima de tudo dos dirigentes dos partidos e não tanto dos cidadãos. É curioso, há uma partidocracia mais ou menos sólida e os partidos têm um bom percentual de votos, embora as pessoas não tenham uma boa opinião a respeito deles” (acadêmico). Certos atores, particularmente os jornalistas, vêem os partidos políticos como instituições frágeis, divorciadas das necessidades cidadãs, submetidas a caudilhismos, que se ocupam apenas da sociedade incluída e perdem contato com suas bases sociais – atuam, às vezes, como verdadeiras máfias –. Por sua vez, os acadêmicos tendem a vincular a crise de representação dos partidos políticos aos déficits institucionais que cada país apresenta. A revisão do sistema de proporcionalidade em alguns países, das forças que aparecem representadas no Parlamento e dos mecanismos de promoção de candidaturas intra ou extrapartidárias, é a dimensão mais ressaltada. Sob esse ponto de vista, os problemas da representação política descansariam mais na forma institucional de funcionamento do sistema de representação, do que na credibilidade dos partidos políticos diante da cidadania. Por sua vez, segundo nossos consultados, o descrédito da população em relação aos partidos políticos favoreceu a expansão e a diversificação de organizações da sociedade civil, assim como a capacidade destas de encaminhar as demandas. O desequilíbrio entre os níveis de participação alcançados pelos partidos e pelas organizações da socieBases empíricas do Relatório 165 Os partidos políticos atravessam uma forte crise de representação que incide na diminuição da participação eleitoral e em sua canalização por outras vias. dade civil gera olhares críticos a respeito do papel que ambos desempenham no processo democrático. Os consultados das ONG´s expressam fortes críticas aos partidos, baseadas fundamentalmente em sua corrupção, em seu distanciamento em relação aos interesses sociais e em sua busca do poder como aval de interesses particularistas. No entanto, para alguns dos consultados mais próximos dos partidos, o problema não está no fato de eles não terem se modernizado plenamente, mas sim de não terem conseguido que isso fosse percebido. Um líder consultado no Chile expressou-se desta forma: “Acho que aqui é preciso fazer um mea culpa. Acho que os partidos não tiveram a capacidade de clarificar ante a opinião pública suas proposições, a alternativa que representam, o caminho que oferecem”. Explicações desse tipo não são suficientes para os consultados de países que enfrentam crises muito severas. Entre eles, uma idéia recorrente é que não foi a cidadania que deu as costas aos partidos, mas sim os partidos que deram as costas ao povo. Nas palavras de um entrevistado argentino: “Os políticos falam muito mais de candidaturas, de internas, de eleições, de mecanismos eleitorais, e falam muito pouco de desemprego, de pobreza, de marginalização, de insegurança pública, que são os temas que preocupam a população. [...] Essa crise teve origem basicamente em uma classe política dirigente que se negou a aceitar responsabilidades e esforços. O único objetivo foi durar o maior tempo possível”. Das consultas também surgem elementos para avaliar a situação de outras instituições da democracia. A baixa confiança nessas instituições manifestada pela cidadania (ver o capítulo precedente) é percebida pelos líderes. Alguns apontam um esgotamento da capacidade de representação e o vinculam à elevada influência dos poderes não eleitos. Ao mesmo tempo em que reconhecem, com diferentes matizes, o caráter central dos partidos políticos como instrumen- tos de representação em uma democracia de boa qualidade, os consultados ressaltam que os partidos sofrem de modo particular a influência dos poderes fáticos. Existe grande coincidência entre os consultados no que diz respeito ao poder acumulado na última década pelos grandes empresários, pelo setor financeiro e pelos meios de comunicação que constituem, segundo eles, o principal fator de poder nas democracias da região. Além disso, ressaltam a influência exercida pelos organismos multilaterais de crédito. Existe amplo consenso de que a agenda dos governos é determinada centralmente pelos temas e pelas perspectivas promovidas por esses atores. Os poderes fáticos Empresas Dos consultados da América Latina, 80% ressaltam o poder acumulado, na última década, pelos empresários, pelo setor financeiro e pelos meios.79 Eles são o principal grupo de poder que limita o poder de decisão dos governos. O condicionamento imposto pelos poderes fáticos aos regimes democráticos favorece a noção de que se conta com governos e partidos políticos que não podem responder às demandas da cidadania. “O grande poder fático da incipiente democracia é o poder econômico privado. Integrado por grupos de pressão que condicionam a conduta do presidente, de legisladores, juízes e outros funcionários do governo e da administração pública” (ex-presidente). “Nós temos uma democracia desvinculada do interesse geral e, fundamentalmente, vinculada a fatores fáticos que acabam por oligarquizar a economia do país e transformar o governo democrático em um governo plutocrático” (político). Os líderes destacam que a relevância do setor empresarial repousa na sua capacidade de lobby diante dos governos, defenden- 79 Diferentemente do restante dos países da América Latina, no Brasil não se faz menção à vinculação entre o setor econômico financeiro e os meios de comunicação. No entanto, é reconhecida sua grande incidência sobre a opinião pública. 166 A democracia na América Latina do e promovendo seus interesses e direcionando ações políticas em seu benefício. “O governo está a serviço da empresa privada e dos que tomam as decisões [...], os multimilionários são os que decidem o que se faz ou se deixa de fazer no país” (religioso).“ O poder do dinheiro se converte rapidamente em poder político, com capacidade de limitar o poder político democrático” (presidente). “Sua capacidade de influência se baseia [...] no fato de que financiam as campanhas eleitorais” (político). “O mundo empresarial tem um poder muito forte. Como os empresários tomam as decisões de investimento, e sem investimento não há desenvolvimento nem crescimento, eles têm assim um poder de veto. [...] O poder da direção empresarial com seus capitais e com o poder de veto que conduz ao desemprego, não cabe dúvida de que é muito forte” (político). Na opinião de alguns presidentes consultados, no Cone Sul é preocupante o peso de corporações que aparecem como um obstáculo para uma democracia mais ampla, porque são outorgados privilégios a certos grupos, em um contexto de partidos frágeis e de um Estado que deveria ser mais republicano. Em países menores, como os da América Central, aponta-se a pressão exercida pelo setor privado –ligado a uma estrutura oligárquica de poder– sobre o presidente, e a cooptação de altos funcionários, o que permite a alguns dos consultados falar de um processo de captura do Estado. A estreita vinculação entre grupos econômicos e meios de comunicação é destacada pela maioria dos consultados. Mediante os meios, os empresários concentram mais poder ainda, quer seja porque são seus proprietários ou porque impõem condições por meio do controle das pautas publicitárias. Essa aliança lhes confere grande capacidade de gerar opinião, determinar temas de agenda e incidir sobre a imagem pública dos funcionários, dos partidos políticos e das instituições. Os meios de comunicação Os meios de comunicação são caracterizados como um controle sem controle, que cumpre funções que excedem o direito à in- formação. “Formam a opinião pública, decidem as pesquisas de opinião e, conseqüentemente, são os que mais têm influência na governabilidade” (político). “Atuam como suprapoderes, [...] passaram a ter um poder que excede o Executivo e os poderes legitimamente constituídos, [...] substituíram totalmente os partidos políticos” (político). A maioria dos jornalistas consultados vê o setor econômico-financeiro e os meios de comunicação como os principais grupos de poder. Os meios de comunicação têm a peculiaridade de operar como mecanismo de controle e/ou limitação às ações dos três poderes constitucionais e dos partidos políticos, sejam quais forem os proprietários desses meios. “A verdadeira vigilância que se exerce é a da imprensa” (jornalista). Além disso, reconhecem que atuam como uma corporação que define os temas da agenda pública e que até traça a agenda presidencial. Em geral, os consultados consideram problemática a relação entre os meios de comunicação e os políticos. “Aqui a classe política os teme. Porque podem fazer desmoronar uma figura pública a qualquer momento” (sindicalista). “A forma através da qual se construíram as concessões e os interesses com os quais se teceu toda a estrutura dos meios de comunicação os converteram em um poder” (político). Para alguns, no entanto, a influência exercida pelos meios de comunicação é positiva: “Graças aos meios, ainda podemos estar falando de democracia” (empresário). Valorizam seu papel fiscalizador: “Está claro que se não fosse pela vigília da imprensa, as coisas seriam muito piores”. “[A imprensa] sofistica os mecanismos de engano, mas, por outro lado, opera como limite” (jornalista). Os fatores extraterritoriais O papel dos Estados Unidos e dos organismos multilaterais de crédito (Banco Mundial, BIRD; Fundo Monetário Internacional, FMI; Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID) como fatores de grande influência são mencionados pela metade dos consultados, aproximadamente. Eles apontam a ingerência dos organismos nas Bases empíricas do Relatório 167 “[A imprensa] sofistica os mecanismos de engano, mas, por outro lado, opera como limite” (jornalista). questões internas e a perda de autonomia. A dependência se vê expressa nas prioridades da agenda pública, particularmente na coincidência entre as sugestões oferecidas por esses organismos e as pautas de reformas econômicas, fiscais e estatais, previstas a curto e médio prazo. “O rumo, a direção, os ritmos da coisa estão predeterminados por condicionamentos externos [...] com o FMI, com os bancos, com o BID” (jornalista). “A aprovação do governo dos Estados Unidos perante os organismos multilaterais é essencial. Sem uma visão favorável do FMI, do BIRD e do BID, a economia do país entraria em colapso em curto prazo, pela situação de endividamento [...]. A ajuda norte-americana é vital para a correlação de forças internas neste período” (político). “A política econômica não é dirigida democraticamente [...].Existe uma pauta única para a região. E quem quiser seguir outro caminho, ou vai se enfrentar com a impossibilidade de concretizá-lo ou, se o fizer, terá que assumir todos os riscos. [Esta é a] limitação do caráter internacional e global dos vetores econômicos” (alto funcionário).“O povo vota e as instituições que surgem desse voto são facilitadores de decisões que foram tomadas em outro lugar [...]. Gradualmente, as fronteiras vão caindo devido a esses poderes fáticos que fazem com que as decisões do Parlamento, do Poder Executivo, da Justiça, de cada jurisdição sejam, na verdade, só de fachada” (jornalista). Embora os consultados reconheçam a influência desses poderes, alguns consideram que o poder político mantém capacidade de autonomia. “O desafio é como adaptar as instituições democráticas à existência dos poderes fáticos. Provavelmente não haja nenhuma forma de institucionalizá-los, porém é preciso saber que existem, que influenciam e que essas influências pesam” (político). Nesse contexto e sob um ponto de vista de futuro, um presidente identifica o desafio que significa dirimir o vínculo entre os fatores extraterritoriais e as prioridades nacionais, que incluem a superação da pobreza e o conseqüente fortalecimento da democracia: “Este quadro nos coloca perante um enorme desafio: se nós, os governantes da região, so168 A democracia na América Latina mos ou não capazes de fazer com que o controle responsável das políticas econômicas funcione com eficácia e visão de futuro.” As igrejas A metade dos consultados considera que as igrejas continuam tendo influência, ainda que decrescente em relação ao passado. Menciona-se que a expansão das igrejas evangélicas está minando o poder das católicas. “Acho que a Igreja Católica ainda continua sendo a hegemônica. [...] Os setores mais conservadores se fortaleceram, [...] os que mais avançaram são alguns grupos pentecostais, evangélicos que hoje têm grande influência, porque controlam os meios de comunicação, [...] têm um discurso que atrai as pessoas como solução para seus problemas e que é extremamente alienante do ponto de vista da consciência democrática [...]. As pessoas não precisam participar para construir a democracia, têm que ir lá rezar e Deus sabe o que faz. Além disso, essas igrejas estão se transformando em um poder econômico extraordinário” (líder da sociedade civil). Em alguns casos mencionam-se autoridades da Igreja Católica que em épocas de campanha eleitoral manifestam opiniões políticas em suas homilias. “Eles são os que na campanha eleitoral, lá do púlpito, vão influenciar ou insinuar em quem votar” (política). “Isso traz como conseqüência que a Igreja Católica exerça não só uma função estritamente pastoral, mas que adicionalmente exerça uma influência real no processo de tomada de decisões políticas” (funcionário de alto escalão). O sindicalismo O sindicalismo é reconhecido por aproximadamente um terço dos consultados como fator de poder, particularmente por sua capacidade de veto através de pressões e mobilizações, bem como por sua influência na construção da agenda pública relativa a temas trabalhistas. Mencionam-se, em especial, os sindicatos do setor público, ressaltando sua vinculação com o poder político, ao mesmo tempo em que se faz alusão aos do setor privado como fator de poder decrescente. Os poderes ilegais O peso dos poderes ilegais constitui uma especial preocupação em alguns países. São grupos relacionados com todo tipo de atividades ilícitas: tráfico de drogas, contrabando, prostituição, jogo clandestino etc. “Alguns setores do crime organizado são um poder em crescimento. Em grandes centros urbanos muito vinculados com o tráfico de drogas, contam com o braço policial e com outros recursos como o dinheiro abundante. Então, esse poder é realmente uma ameaça à democracia” (empresário). “Na próxima eleição, vão se apresentar pela primeira vez, em forma direta, representantes diretos desses grupos mafiosos. Antigamente, tinham seus contatos com o poder político, agora têm seus próprios representantes. Nas listas de candidatos a senadores e deputados podemos reconhecer, por exemplo, o filho, o genro, o cunhado e em alguns casos, até o próprio líder do grupo mafioso [...]. São os grupos de maior influência e de maior capacidade de manobra em operações à margem da lei relacionadas com a falsificação, isto é, todo o comércio de fronteira e esse tipo de atividades que são as que dão maior lucro atualmente em nosso país” (prefeito). Destaca-se a influência que esses grupos exercem sobre os poderes do Estado e sobre as empresas. “[Em certas zonas] onde há uma produção importante de coca, o narcotráfico tem influências, obviamente obscuras, secretas, através da corrupção das autoridades” (presidente). “Trata-se de um poder agressivo, antidemocrático e terrível [...]: compra tudo, juízes, fronteiras, policiais, instituições inteiras” (funcionário de alto escalão). A influência dos grupos ilegais foi favorecida pelas mudanças na economia e por um Estado frágil e permeável: “Esses grupos extralegais têm o poder que têm porque existe um Estado débil, instituições desprestigiadas como o Congresso [...]. Em uma alta porcentagem, o narcotráfico foi capaz de corrompê-las, e continuam corrompidas [...]. No Congresso continua existindo gente paga pelo narcotráfico [que] chegou a corromper a cúpula dos partidos tradicionais [...]. São as fontes de financiamento da insurgência e dos paramilitares” (sindicalista). Os poderes políticos formais O Poder Executivo Um forte presidencialismo caracteriza a maioria dos regimes democráticos na América Latina. É interessante ver que os presidentes da América Central e do Caribe reforçam essa caracterização incluindo o Executivo na identificação dos grupos com maior poder. Aproximadamente um terço dos consultados considera que o Executivo é um poder forte na América Latina. Entretanto, esta avaliação assume diferentes matizes. Por um lado, é considerado um poder positivo, que favorece a construção de acordos e possibilita a governabilidade. Por outro, destaca-se que, apesar de sua capacidade de iniciativa, está condicionado e subordinado a fatores extraterritoriais e fáticos. Independentemente de suas atribuições e restrições constitucionais, os presidentes tentam manter a primazia sobre o Congresso e o Poder Judiciário. “Tentaram ter mais ingerência na Corte e na Assembléia […]. Este é um regime presidencialista e se faz o que o presidente diz […]. Ele tem um poder que está muito acima dos poderes muito fortes que a Constituição lhe dá” (presidente).“Quando alguém tem uma liderança forte e ganha as eleições arrasadoramente [...], o Congresso não controla o presidente em nada” (presidente). As Forças Armadas Aproximadamente um quinto dos consultados atribui às Forças Armadas uma importante influência. Apesar disso, tendem a considerar que perderam peso, devido a que se encontram em um processo de institucionalização e, em alguns casos, devido às conseqüências de disputas internas, que também minaram o grande poder que tiveram em épocas passadas. Em apenas dois países –Equador e Venezuela – comenta-se que atuam como controle da democracia, contam com forte reconhecimento Bases empíricas do Relatório 169 A influência dos grupos ilegais foi favorecida pelas mudanças na economia e por um Estado frágil e permeável. público, construíram bases de apoio vinculadas às organizações sociais e à política social, e estão relacionadas com o movimento indígena. Nesse contexto, as Forças Armadas aparecem politizadas. Aponta-se como indicador relevante a militarização da administração pública, mediante a incorporação de pessoal militar em serviço ativo. “Quando há alguma ameaça, esse poder militar vai para as ruas” (jornalista). A visão dos presidentes e vice-presidentes Os testemunhos dos que foram ou são presidentes e vice-presidentes (de agora em diante, “os mandatários”) da América Latina têm uma importância particular: suas reflexões estão intimamente ligadas ao exercício concreto do poder político em sua máxima expressão institucional. Avaliação da figura do presidente no mapa de poder de cada região Como já vimos, há ampla coincidência em que um presidencialismo forte caracteriza os regimes democráticos na América Latina. Os mandatários da América Central e do Caribe reforçam esta caracterização incluindo o Executivo na identificação dos grupos com maior poder. Segundo um deles: “A presidência ainda tem um poder muito forte [que se manifesta em] as atitudes do presidente, em sua missão, em seu comportamento, em sua maneira de entender as coisas”. Em alguns países aparecem críticas ao desempenho presidencial: detectam-se práticas personalistas que confundem a identidade dos partidos com a figura presidencial. Outros mandatários reconhecem o poder presidencial, mas não o consideram irrefutável, identificando nele certas fissuras; esse debilitamento lhes parece preocupante. Outros mandatários observam que o regime eleitoral distorce sua base de apoio político. E o contexto do exercício do poder também impõe condicionamentos. Entre os mandatários do Cone Sul, detecta-se uma disparidade entre o poder formal do 170 A democracia na América Latina presidente e sua efetiva capacidade de exercê-lo. Segundo eles, a imagem do presidente como “caudilho” ou “monarca criollo” dista em grande medida da realidade. “O presidente é uma pessoa cuja capacidade está, em geral, bastante limitada.” Outro mandatário de um país do Mercosul agrega que o maior número de controles a partir de mecanismos de democracia direta e da criação de novas instituições, devido a reformas constitucionais, gera maior legitimidade no exercício do papel presidencial e um conseqüente fortalecimento da democracia. “Eu governei em um marco institucional que me permitiu legislar.” O desafio principal se centra na capacidade presidencial de dirigir ou não o processo político: “O problema é quando não se tem a capacidade de propor uma direção”. Pressões dos poderes fáticos sobre a autoridade presidencial Os mandatários consultados analisam o exercício da presidência diante da pressão de diversos poderes fáticos. Nessa abordagem, aparecem referências e reflexões de caráter pessoal no tocante à capacidade de impor decisões. “Ao exercer a presidência não me senti muito pressionado. Talvez porque estávamos começando, porque a base de sustentação do governo democrático tinha muita força; talvez porque, sem falsa modéstia, as pessoas me conhecem, e sabiam que não iam poder me pressionar.” Mas, por outro lado, a pressão exercida por poderes extraterritoriais, centrados fundamentalmente no governo dos Estados Unidos e nos organismos multilaterais de crédito, é uma característica da experiência de governo dos mandatários. As pressões sobre a autonomia das decisões presidenciais são avaliadas negativamente em todos os casos. Segundo vários mandatários consultados, “é um poder exercido de maneira negativa, é mais um poder de perturbação do que de decisão”. “Estamos totalmente condicionados, eles nos impõem as regras […]. Os governos soberanos estão dependendo da avaliação de uma agência particular de risco, da decisão de um organismo internacional, ‘te ajudo ou não te aju- do’.” “Os governos têm mais limitações para exercer o poder. Perdemos capacidade de decisão nacional, posto que os organismos internacionais de crédito estabelecem condições que atentam contra o próprio crescimento e, enfim, contra a democracia, quando direitos humanos fundamentais são lesados.” “Tu tens então um presidente da República, com uma pressão bilateral brutal e com uma influência da cooperação internacional, não direi brutal, mas muito significativa.” “Os organismos bilaterais, com suas exigências de seguir modelos e programas determinados com condições politicamente inviáveis, não são os responsáveis pelo resultado político que essas obrigações acarretam, que te impõem [...]. Ou seja, vem um burocrata internacional e, seguindo as diretivas de seu organismo, marca uma diretriz e depois esse senhor cumpre sua missão e vai embora.” O papel dos meios de comunicação Os mandatários identificam a intervenção onipresente dos meios de comunicação como um contrapeso a seu poder, na medida em que a opinião pública tende a orientar-se a respeito das ações governamentais, basicamente pela opinião e avaliação realizadas pelos meios. “O meio de comunicação informa, opina, julga e condena […]. É um fator de poder que pode ser bem ou mal exercido, e que está influenciado por interesses econômicos, paixões, sentimentos e idéias, e por sua vez não está submetido a nenhum controle. […] Então, é por isso que o governante se sente hostilizado pela imprensa […].Não interessa a tendência do governo, sempre vai se sentir hostilizado.” Reconhece-se também uma enorme capacidade dos meios para incidir no destino de um governo: “A incidência midiática pode tornar inútil uma sólida formulação institucional se tiver ataques ou rivais desse setor” .“A imprensa tem uma influência decisiva sobre o Congresso […]. Se a imprensa se move contra uma lei, é muito difícil que ela saia.” Apesar de valorizarem o papel dos meios de comunicação como controle do poder, os mandatários avaliam com certa apreensão o crescente papel que os meios assumiram como expressão de interesses de grupos econômicos, sem estar submetidos a nenhum controle. “Não podemos descartar nessa paisagem o papel que os meios de comunicação mais desenvolvidos, mais profissionalizados cumpriram no que se refere a tarefas de denúncia e controle, […] mas, há também maior interferência no livre decorrer da vida democrática. [...] O grande capital é um fator de poder muito mais real hoje, porque veio se apoderando dos instrumentos midiáticos, então isso lhes permite não só ter poder mas também exercê-lo.” A falta de controles estatais sobre a imprensa, que como vimos é um elemento próprio da democracia, pode se transformar em uma ameaça ao desempenho dos mandatários. A crítica dos mandatários centrase na falta de responsabilidade com que os meios de comunicação difundem informação, com aval de seu posicionamento no mapa de poder de cada país. “Os meios são de uma influência enorme, talvez os mais fortes e consistentes. […] Caem na estratégia do sensacionalismo fácil e dificultam a governabilidade e a consistência de gestão. [… ] Não creio que esteja claro para a sociedade o que isso implica. Estive conversando com mandatários da região e todos nós sentimos o mesmo problema.” A pressão exercida pelos meios de comunicação se reflete também no grande peso que eles têm na construção da agenda pública. “Os meios de comunicação estão atravessando um processo de evolução em que temos uma confusão de poder como nunca jamais eles tiveram em sua história, que é o poder total e a responsabilidade zero […]. Os meios hoje têm um poder que pode derrubar um ministro, que pode influir em uma política e que está definindo a agenda, às vezes em uma superdimensão injusta.” Os elementos resultantes do que já foi exposto aparecem conjugados por um líder que resume as percepções de muitos mandatários da América Latina: “Os meios de comunicação passaram a ser suprapoderes [...], vinculados aos setores econômicos, evidentemente, têm mais poder do que o poder militar, do que o Executivo, do que a próBases empíricas do Relatório 171 “Este quadro nos coloca perante um enorme desafio: se nós, os governantes da região, somos ou não capazes de fazer com que o controle responsável das políticas econômicas funcione com eficácia e visão de futuro.” pria Igreja e do que os partidos políticos. Substituíram totalmente os partidos políticos. Instalaram-se no centro da sociedade, o que é bom para o controle dos outros poderes, mas, ao mesmo tempo, se existe um controle, esse poder pode se tornar uma inquietante perversão”. Valoração das organizações sociais na vida política do país No momento de avaliar o papel dessas organizações sociais, vários mandatários vêem os partidos em uma relação de competição e até oposição com diversas organizações da sociedade civil. A tensão é manifestada por um mandatário ao mencionar que: “ Foram criadas muitas ONGs que são úteis e geram participação, que realizam assembléias e escutam as pessoas, que incrementam, dentro do possível, uma democracia representativa […], mas em geral existe uma certa posição antipolítica e isso não é bom, do mesmo modo que na política existe uma certa tensão com as ONGs. Isso tem que ser superado com o avanço de uma tarefa comum que será difícil levar adiante”. Outro mandatário se manifesta com mais firmeza sobre este tema: “Nós nos encontramos com um fenômeno que é de toda a América, que é perigoso se não o soubermos organizar, que é o das ONGs e da mal denominada sociedade civil. […] Os partidos estão enfrentando a concorrência de ONGs e de organizações intermediárias que não têm a legitimidade que os partidos têm. Então, temos que fortalecer essa legitimidade porque os partidos são a única organização que, através do exercício do poder, pode aprovar normas, atos, regras, obrigatórios para a sociedade”. O conjunto de organizações sociais é um espectro amplo e diverso, não claramente definido, segundo os consultados. Isso inclina alguns mandatários a considerá-las preocupantes fatores de poder. “A importância da sociedade civil está aumentando. Ninguém sabe ainda quem são e o que representam, e essa é uma das preocupações.” Para outro mandatário, esse poder está incluído no âmbito da globalização. “Veio 172 A democracia na América Latina uma onda das grandes potências e houve uma onda de exigências do poder mundial; era preciso minimizar os governos, era preciso delimitar o Estado e era preciso fortalecer as ONGs.” O papel das ONGs também é questionado quanto à representação dos interesses populares que pretendem assumir. “As ONGs são privilegiadas, mas não se colocam questões. Falam em nome do povo, mas fazem isso contra reformas que são para o bem do povo.” Na visão desses mandatários, as controvérsias entre partidos políticos e organizações da sociedade civil se refletem nas concepções sobre democracia representativa e participativa. Junto a elas se entrelaçam os questionamentos sobre os alcances da democracia em sentido institucional e/ou seu fortalecimento a partir de seu conteúdo de eqüidade social. “Para recuperar a base democrática, não basta dizer às pessoas que se organizem, que participem. É preciso incluílas e a inclusão não é só um problema de canais para que as pessoas falem ou protestem, é ir ao conceito de liberdade sobre a base da solução da necessidade […], é o investimento social, é ampliar a cobertura, a qualidade da educação […]. Participação significa que as pessoas se sintam parte do Estado.” “O grande segredo para que haja participação é aproximar-se o máximo possível dos problemas das pessoas, que são basicamente saúde, educação, cultura e esporte.” O fortalecimento da democracia Após termos apresentado algumas opiniões dos mandatários, voltamos agora ao conjunto dos consultados. Nós lhes perguntamos quais os passos a seguir para fortalecer a democracia nos próximos anos. Esta pergunta deu lugar a uma dispersão relativamente importante de respostas. No entanto, um grupo de respostas, agrupável em três grandes blocos, foi mencionado por dois terços dos consultados. O primeiro bloco reúne a necessidade de realizar uma reforma política para fortalecer as instituições, inclusive os partidos políti- TABELA 55 cos. As características dessa reforma variam de país para país: alguns falam de reforma eleitoral, outros de reforma do Congresso, outros de reforma do Estado ou de fortalecimento geral das instituições. A idéia comum, porém, é que um melhor projeto dos dispositivos e incentivos institucionais poderia melhorar, e muito, o funcionamento da democracia. Uma proporção importante dessas respostas indica que a reforma política deveria construir novos canais que facilitassem a participação da sociedade civil organizada. Para muitos dos líderes consultados, a apatia cidadã e a desconfiança em relação às instituições se revertem melhorando os canais de participação e ampliando seu número e seus alcances. Este primeiro grupo de respostas é o mais freqüentemente mencionado pelos consultados e sugere que, diferentemente do que ocorria há algumas décadas, as instituições não são vistas como um reflexo secundário do essencial, mas sim como parte do essencial. O mesmo ocorre em relação aos partidos políticos. Embora muitos consultados coincidam em que os partidos não estão desempenhando seu papel de maneira adequada, uma quantidade semelhante indica a necessidade de fortalecê-los. O interesse dessa resposta reside em que a constatação das dificuldades que os partidos enfrentam não leva à adoção de posturas de rejeição ou à busca de canais alternativos: os partidos vão mal, mas é preciso melhorá-los. O segundo bloco de respostas inclui a necessidade de tomar medidas significativas (não “puramente institucionais”) que ajudem a enfrentar as profundas iniqüidades das sociedades latino-americanas. Elas conspiram contra o fortalecimento da democracia e são detectadas tanto em termos econômicos (pobreza extrema e falta de recursos mínimos, como a alimentação) quanto em aspectos culturais (marginalização de setores camponeses e urbanos, marginalização de indígenas). Incorporar genuinamente toda a população à política democrática requer derrotar essas formas de exclusão. Para isso é necessário desenvolver políticas sociais e econômicas que conduzam a uma melhoria generalizada dos níveis de vida. PROBLEMAS A ENFRENTAR PARA FORTALECER A DEMOCRACIA % dos consultados 45 13 32 Reforma política Aumentar participação Institucionais, partidárias Combater desigualdade Políticas sociais Políticas econômicas 18 8 10 Educar para a democracia 11 Combater a corrupção 9 Outros 17 Todos 100 Nota: Os valores são a proporção dos consultados que fazem menção no primeiro lugar a este problema Fonte: PRODDAL, Rodada de consultas com líderes da América Latina, 2002. O terceiro bloco refere-se à necessidade de fortalecer a educação em geral (não só o acesso a ela, mas também sua qualidade) e a cultura democrática em particular. Pelo menos parte dos problemas políticos enfrentados pelas sociedades latino-americanas deve-se ao pouco conhecimento das regras do jogo democrático ou, mais freqüentemente, a um conhecimento superficial dessas regras, que não leva a uma adesão suficientemente firme aos valores democráticos. Os consultados acreditam que um esforço deliberado para desenvolver a educação, em particular a educação para a democracia, poderia melhorar ou reverter essa situação. Um último ponto em que coincidiram vários consultados foi a necessidade de intensificar a luta contra a corrupção. Isso é coerente com seu próprio diagnóstico. Se a corrupção é um dos problemas que mais afeta a democracia e a deslegitimiza perante a cidadania, a luta contra ela deve ser uma das metas fundamentais. Convém acrescentar que as opiniões dos consultados sobre os principais problemas a enfrentar, para fortalecer a democracia, diferem segundo sua visão acerca do estado atual de seus respectivos países. Os consultados que afirmam que seu país é uma democracia ou uma democracia com poucas limitações dão mais ênfase à necessidade de reformas institucionais e partidárias. Essa ênfase diminui entre os que detectam várias limitações e diminui ainda mais entre os que vêem muitas limitações a suas democracias (ou, Bases empíricas do Relatório 173 Para muitos dos líderes consultados, a apatia dos cidadãos e a desconfiança em relação às instituições se revertem melhorando os canais de participação e ampliando seu número e seus alcances. TABELA 56 PROBLEMAS A ENFRENTAR PARA FORTALECER A DEMOCRACIA SEGUNDO OPINIÃO SOBRE O ESTADO DA DEMOCRACIA EM SEU PAÍS Democracia plena, ou democracia com poucas limitações Democracias com várias limitações Democracia com muitas limitações, ou não é democracia Reforma política Aumentar participação Institucionais, partidárias 45 3 42 46 14 32 45 19 26 Combater desigualdade 22 16 20 Educar para a democracia 12 13 7 Combater corrupção 10 8 10 Outros 11 17 18 100 100 100 Todos Nota: Os valores são a proporção dos consultados que fazem menção no primeiro lugar a este problema Fonte: PRODDAL, Rodada de consultas com líderes da América Latina, 2002. simplesmente, acham que não existe democracia). Com as opiniões favoráveis a uma maior participação, ocorre o contrário: são mais freqüentes onde não se vê democracia ou onde é considerada muito limitada, e muito menos no extremo oposto. A construção da agenda pública na América Latina As opiniões dos consultados a respeito da agenda política atual apresentam significativas variações. A corrupção é o tema mais mencionado (36 por cento). O papel deficiente dos partidos políticos e sua reforma são referidos por 20 por cento dos consultados. Em relação à agenda econômica, o tema da reativação – incluindo o uso de recursos produtivos, as privatizações e as reformas financeiras – aparece como o mais mencionado (53 por cento). A dívida externa e a integração regional são apontadas por 23 por cento dos líderes consultados. Na agenda social, o desemprego e a violência (34 por cento) definem as prioridades. Observa-se também uma quebra na homogeneidade das opiniões acerca dos grupos influentes e dos temas da agenda. Os consultados convergem amplamente em indicar os grupos empresariais (80 por cento) e os meios de comunicação (65 por cento) como os grupos com maior capacidade de modelar e impor a agenda. Por sua vez, os consensos mais freqüentes aparecem no 174 A democracia na América Latina que diz respeito à necessidade de reativação econômica. As prioridades de agenda dos líderes não políticos não se distanciam das do conjunto dos consultados; para eles o tema central da agenda é também a reativação econômica (57 por cento), mas o restante das questões econômicas recebe poucas menções. Quanto à agenda social, questões tais como a violência e a segurança cidadã, assim como as reformas setoriais em saúde e educação, são mencionadas principalmente pelos acadêmicos, enquanto o desemprego e a pobreza aparecem como problemas prioritários para os jornalistas. Se considerarmos a perspectiva das mulheres líderes, a reforma fiscal atinge os mesmos níveis de importância que a reativação econômica (45 por cento). No caso da agenda social, a pobreza ascende ao segundo lugar (27 por cento) e diminuem as menções acerca da violência (21 por cento), com valores iguais aos das reformas de saúde e educação (21 por cento). A agenda política, no entanto, mantém a mesma ordem de prioridades que a do conjunto de consultados, embora as mulheres líderes mencionem com menos freqüência a corrupção (22 por cento). A agenda futura A agenda futura que se identifica com os interesses e as preocupações dos consultados não apresenta variações significativas em relação à agenda atual. TABELA 57 AGENDA ATUAL SEGUNDO TEMA 80 Temas N° de atores que mencionam Agenda econômica A reativação econômica (debate sobre uso de recursos produtivos (gás, petróleo, coca; privatizações, reforma financeira) Questão fiscal Dívida externa Integração regional andina/Mercosul/ALCA Tratados de livre comércio Acordo com o FMI 80 24 9 9 8 3 (53%) (16%) (6%) (6%) (5%) (2%) Agenda social Desemprego Violência, delinqüência, segurança cidadã Reforma da educação/Saúde Pobreza 52 51 40 37 (34%) (34%) (26%) (24%) 55 30 23 (36%) (20%) (15%) 12 12 11 9 6 (8%) (8%) (7%) (6%) (4%) Agenda política A corrupção Reforma política/ Papel dos partidos/ Descentralização Reforma do Estado (abertura, modernização) Solução do conflito político institucional/ Reconstrução institucional/ Fragilidade institucional Lavagem de dinheiro e narcotráfico. A questão/O tema da coca Reforma do sistema judiciário. Estado de direito. Segurança jurídica Reforma constitucional Relação governo-sociedade, conciliação nacional Fonte: PRODDAL, Rodada de consultas com líderes da América Latina,2002. No plano econômico, a reativação concentra 42 por cento das respostas e as problemáticas ligadas à integração regional, 24 por cento, valores semelhantes aos da agenda atual. Quanto à agenda social, a dispersão de respostas se mantém, mesmo quando se perfilam com mais prioridade as reformas setoriais de saúde e educação, e os temas de pobreza e desigualdade, mencionados por aproximadamente um terço dos líderes. O desemprego e a violência perdem importância relativa. A agenda política se centra em um conjunto amplo de temas. O tema prioritário é a reforma política, mas só é mencionada por 35 por cento dos consultados. Os temas que envolvem a defesa das liberdades e os direitos humanos são considerados como temas de agenda por 10 por cento dos consultados. Chama a atenção que a menção às reformas – tanto na agenda social como na política – não faz alusão ao conteúdo das mesmas. Os acadêmicos coincidem majoritariamente com os percentuais gerais em relação aos temas da agenda futura. No entanto, enquanto 32 por cento dos consultados consideram que a reforma educativa e a saúde deveriam ingressar na agenda futura, só 17 por cento dos acadêmicos se expressa nesse sentido. Estes tendem a priorizar uma estratégia vinculada à estabilidade do regime democrático e suas instituições. Por essas razões, a reforma política, o questionamento do papel dos partidos políticos e a descentralização concentram suas prioridades, que chegam a 48 por cento das menções contra 36 por cento que os consul- 80 A tabela referente à agenda atual foi elaborada sobre a base dos 152 entrevistados que efetivamente responderam às perguntas sobre o tema. Bases empíricas do Relatório 175 TABELA 58 AGENDA FUTURA SEGUNDO TEMA Temas N° de atores mencionados Agenda econômica A reativação econômica, debate sobre o uso de recursos produtivos (gás, petróleo, coca; privatizações, reforma financeira) Questão fiscal Integração regional andina/ Mercosul/ ALCA Dívida externa Tratados de livre comércio Papel do FMI, Banco Mundial, BID 66 28 22 13 4 1 (42,3%) (17,9%) (14,1%) (8,3%) (2,5%) (0,6%) Agenda social Reforma da educação/Saúde Pobreza e Desigualdade Desemprego Violência, delinqüência, segurança cidadã 45 44 26 13 (28.8%) (28,2%) (16,6%) (8,3%) 55 33 9 15 (35,2%) (21,1%) (16,0%) (9,6%) Agenda política Reforma política/ Papel dos partidos/ Descentralização Reforma do Estado (abertura, modernização, reforma administrativa) Reforma constitucional Reforma do sistema judiciário. Estado de direito. Segurança jurídica Segurança democrática (defesa de liberdades democráticas, direitos humanos, paz) A corrupção Solução do conflito político institucional/ Reconstrução institucional/ Fragilidade institucional Lavagem de dinheiro e narcotráfico. A questão da coca Relação governo-sociedade; conciliação nacional Total 15 (9,6%) 10 (6,4%) 9 (5,8%) 5 (3,2%) 2 (1,2%) 156 Nota: n=156 Fonte: PRODDAL, Rodada de consultas com líderes da América Latina,2002. tados em geral atribuem a esse ponto. Um panorama similar é apresentado pela reforma judicial, pelo funcionamento do estado de direito e pela segurança jurídica, que concentram 22 por cento das menções dos atores acadêmicos contra 15 por cento das menções gerais. No caso dos presidentes e ex-presidentes, a centralidade da questão da reativação econômica na região se destaca tanto na agenda atual quanto na futura. Outros temas como a questão do desemprego e a violência, que concentram suas opiniões sobre os temas da agenda atual, sustenta-se de maneira frágil na agenda futura. A agenda política, levando em conta o número de menções, aparece como a menos relevante para esses mandatários. 176 A democracia na América Latina Os desafios Quais deveriam ser os passos para fortalecer o desenvolvimento da democracia nos próximos anos? Um grupo de respostas, agrupáveis em três blocos, foi mencionado por dois terços dos consultados. A seguir, resumimos as opiniões dos consultados acerca dos passos futuros; isso implica certa repetição a respeito de suas posições sobre a situação atual. O primeiro bloco se refere à necessidade de realizar uma reforma política que fortaleça as instituições, inclusive os partidos políticos. As características das reformas propostas variam de país para país: alguns falam do sistema eleitoral, outros, do Congresso e outros, do Estado. Mas, de maneira geral, a idéia é que um melhor projeto dos dispositivos e incentivos institucionais deveria me- lhorar o funcionamento da democracia. Novamente, as instituições não são vistas como um reflexo secundário do essencial, mas sim como parte essencial da democracia. O segundo bloco inclui a necessidade de fortalecer a educação em geral e a cultura democrática em particular, assim como a necessidade de enfrentar as profundas iniqüidades das sociedades latino-americanas. O primeiro aspecto deveria ser encarado mediante um esforço de educação cívica e, em termos mais gerais, elevando o nível educativo da população. Os consultados acreditam que um esforço deliberado para desenvolver a educação, em particular a educação para a democracia, poderia melhorar ou reverter essa situação. A desigualdade educativa, em particular, é uma das caras mais visíveis e importantes do problema. Para incorporar genuinamente toda a população à sociedade e à defesa da democracia é necessário enfrentar essas desigualdades. O terceiro bloco ressalta a necessidade de construir novos canais que facilitem a participação da sociedade civil organizada. Para muitos dos líderes consultados, a apatia cidadã e a desconfiança em relação às instituições se revertem melhorando os canais de participação e ampliando seu número e seus alcances. Um último aspecto de coincidência, mais pontual do que os anteriores, é a necessidade de intensificar a luta contra a corrupção como uma prioridade para fortalecer a ordem democrática. Alcances da democracia na América Latina. Um balanço Qual é a visão da democracia que prevalece? Todos os consultados valorizam altamente a sustentabilidade e expansão da democracia na América Latina. Essa visão reconhece a vigência das liberdades e a regularidade das eleições (em alguns casos, com alternância no poder entre situação e oposição), como grandes conquistas dos processos democráticos em curso. Reconhece também as reformas constitucionais que habilitaram mecanismos de democracia di- reta e reformularam e/ou criaram mecanismos de controle. Entretanto, observa-se uma forte tensão entre os alcances da democracia e os níveis de pobreza e exclusão social. Entre os consultados aparece como tema central a capacidade – ou incapacidade – das democracias para atingir níveis aceitáveis de integração social. Instituições políticas que perdem credibilidade e a persistência das situações de pobreza e exclusão social constituem um cenário complexo que torna as democracias vulneráveis diante da ingerência dos poderes fáticos. As dificuldades para atingir um nível aceitável de integração social são visíveis no divórcio entre o diagnóstico feito pelos consultados sobre o funcionamento e as debilidades da democracia, por um lado, e por outro, nos temas atualmente vigentes na agenda pública. As restrições para formular uma agenda em longo prazo dão conta das dificuldades para pensar um “projeto de país” – e também de região – que possa prever respostas programáticas para os graves problemas existentes. As limitações para formular uma agenda socialmente compartilhada também suscitam o risco de que essas democracias se tornem “irrelevantes”. Como se exerce o poder nessas democracias? Como vimos, na opinião de muitos de nossos consultados, o Poder Executivo costuma encontrar limitações ao exercício de suas funções que se devem, principalmente, à ingerência de poderes fáticos. O Poder Executivo não conta com partidos políticos sólidos que o sustentem, nem com uma oposição que contribua para fortalecer a institucionalidade democrática. No mapa do poder traçado por nossos consultados, destaca-se o grande peso de certos poderes fáticos, em particular do setor econômico-financeiro e dos meios de comunicação. Entre nossos consultados existe a percepção de que os condicionamentos impostos por esses poderes conduzem à existência de governos com sérias limitações para responder às demandas da cidadania. Eles também enfatizam que os partidos não Bases empíricas do Relatório 177 conseguem formular projetos coletivos que possam convertê-los em expressão autêntica da cidadania. Dão ênfase também à influência de poderes extraterritoriais que, entre outros aspectos, se expressa na importância relativamente baixa que se atribui, na agenda, à integração entre países da região. Por outro lado, a institucionalização dos processos de participação social é vista como débil ou incipiente. Muitos dos consultados afirmam a importância de fortalecer a participação social; no entanto, quando esta se materializa, são poucos os que apontam os benefícios dela decorrentes. Isso parece estar vinculado à falta de canais institucionais adequados a essa participação. Síntese da rodada de consultas O resumo que apresentamos permite enunciar algumas conclusões sobre as opiniões predominantes entre os líderes latinoamericanos, em relação ao desenvolvimento da democracia na região. 1. Uma primeira constatação é que a América Latina deu passos muito importantes no caminho da democratização. O aumento da participação e dos controles institucionais é reconhecido como um passo decisivo nesse sentido. 2. Para os líderes consultados, toda a região é, ao menos formalmente, democrática. Esta segunda constatação indica algo que antes nunca existiu na região e que está associado a uma idéia muito importante: apesar de os líderes latino-americanos opinarem majoritariamente que os aspectos institucionais não são suficientes para afirmar que existe democracia, também opinam que eles são necessários. A dimensão institucional não é vista como um epifenômeno do que realmente importa, mas sim como parte constitutiva da democracia. 3. Algumas das ameaças tradicionais às democracias latino-americanas desapareceram ou enfraqueceram significativamente. O quase desaparecimento dos riscos de in178 A democracia na América Latina subordinação militar é o caso mais notável, mas também é importante o enfraquecimento das práticas patrimonialistas e dos personalismos, mencionados pelos consultados. 4. Embora as ameaças tradicionais tenham se desvanecido ou atenuado, apareceram outras que continuam colocando em questão a continuidade e a expansão da democracia. A mais ostensiva dessas ameaças é o narcotráfico, com suas seqüelas de poder paralelo, violência, corrupção e destruição da economia formal. 5. Outras ameaças que pesam sobre a democracia latino-americana são políticas. As mais importantes estão interrelacionadas: a reduzida autonomia de decisão dos poderes institucionais e o debilitamento dos partidos políticos. 6. A crise dos partidos não ocorre devido a uma perda do desejo dos cidadãos de participação, ao contrário, ela se dá em um contexto de aumento desse desejo. Os partidos latino-americanos não enfrentam a versão regional de um problema mais geral (como a fuga em direção ao privado que ocorre em outras regiões); enfrentam um problema novo e, em certa medida, específico, que combina três elementos distintos: um desejo de maior participação e controle do poder político, uma rejeição bastante generalizada aos partidos como canais de participação, e um deslocamento da participação e do exercício de controles para outros tipos de organizações, em geral pertencentes à sociedade civil. 7. Os líderes consultados, apesar de verem esses problemas com clareza, não estão buscando soluções fora da política, mas sim dentro dela. Estão persuadidos de que é importante ter partidos fortes e governos com capacidade de decisão, e se perguntam sobre os caminhos que permitirão atingir ambas as metas. 8. Esses resultados gerais não ocultam, é claro, algumas diferenças entre os países. Uma delas é a que separa as opiniões das li- deranças dos maiores países da região (Brasil e México), das opiniões dos consultados em outras democracias jovens. Tanto no Brasil como no México se encontra mais otimismo sobre o progresso das condições necessárias para a democracia e mais satisfação com as conquistas já obtidas. 9. Do que foi dito pode-se concluir que, segundo nossos consultados, o primeiro desafio da democracia latino-americana é encontrar soluções políticas para seus problemas políticos. Isso pressupõe buscar novas maneiras de canalizar a participação, o controle, a gestão de agendas e a construção de acordos políticos, no âmbito de uma situação caracterizada por uma crescente “globa- lização das influências” e por uma transnacionalização dos problemas”. Em parte, esse é um problema universal, mas adquire matizes específicos na América Latina. 10. O segundo desafio da democracia latino-americana é encontrar soluções para a desigualdade, para a pobreza e para a atual impossibilidade de acesso de grande parte da população aos níveis de bem-estar necessários para o pleno exercício dos direitos. No passado, esses lamentáveis problemas foram esgrimidos como razão para justificar a busca de caminhos alternativos para a democracia. Hoje são tomados como os grandes desafios que a própria democracia deve resolver. Bases empíricas do Relatório 179 180 A democracia na América Latina terceira seção Rumo a uma democracia de cidadania Durante quase duas décadas, mas particularmente nos anos noventa, a agenda latino-americana incluiu o fortalecimento democrático, a crise da política, as reformas do Estado, as reformas estruturais da economia e o impacto da globalização na região. No entanto, embora tenham sido abordados aspectos substantivos dessas questões, o debate deixou de lado outros que, à luz da análise realizada, devem ser colocados novamente no centro da discussão. O Relatório chega à conclusão de que o desenvolvimento da democracia está intimamente vinculado à busca de maior igualdade social, à luta eficaz contra a pobreza e à expansão dos direitos dos cidadãos. Desse modo, é essencial revisar as políticas e as ações implementadas até o presente, aprender das experiências históricas recentes, auscultar as realidades sociais emergentes e explorar novos caminhos. Isso possibilitará abrir o horizonte para fórmulas que permitam recriar o debate sobre a política e seu lugar na América Latina, por exemplo, por meio dos seguintes temas: ■ A necessidade de uma nova “estatalidad”: qual é o papel do Estado no fortaleci- mento da democracia? ■ A economia do ponto de vista da democracia: quais são as políticas econômicas que favorecem o desenvolvimento da democracia? ■ As democracias latino-americanas no contexto da globalização atual: que espaços de autonomia requerem para sua expansão? Rumo a uma democracia de cidadania 181 182 A democracia na América Latina Quatro temas para uma agenda de debate ■ Nesta seção, abordamos as considerações necessárias para elaborar uma agenda ampliada para o desenvolvimento da democracia. Entendemos por agenda, para os fins deste Relatório, a apresentação dos temas que precisam ser debatidos. Não é, portanto, uma enumeração de ações ou políticas públicas. O significado e o alcance dessas contribuições são o resultado de três caminhos convergentes: uma certa concepção da democracia, o reconhecimento da singularidade latino-americana e o conjunto de dados resultantes de nossa pesquisa empírica. Trata-se de temas que constituem preocupações comuns à região latino-americana. Entretanto, as políticas que possam deles derivar devem expressar o que há de original e singular em cada situação nacional. Na seção anterior tratamos do estado da cidadania na região. Em face dessa realidade, foram propostos, muitas vezes, receitas, princípios técnicos e programas ambiciosos de reforma. Alguns foram implementados com certo êxito e obtiveram resultados significativos. No entanto, após uma década de reformas, as carências de cidadania não foram resolvidas. É preciso encontrar outros critérios de ação que permitam avançar no caminho das soluções que nossas sociedades esperam. Toda democracia encerra a promessa de liberdade, justiça e progresso para seus cidadãos e, como afirma Rosanvallon, “é preciso considerar o não cumprido, as fraturas, as tensões, os limites e as denegações que desvirtuam a experiência da democracia”. Na distância existente entre essa promessa e a realidade descrita na segunda seção, surgem com força os grandes temas que compõem a agenda do desenvolvimento da democracia. Mas, o que restaria da liberdade exercida ao eleger democraticamente os governos, se grandes esferas da vida social relacionadas com os mais básicos direitos cidadãos conti- nuam fora do alcance da deliberação pública e da vontade cidadã, se os governos não podem executar as políticas decididas democraticamente? Ou se, mesmo contando com governos e Estados eficientes e eficazes, não é possível exercer o mandato eleitoral porque outros poderes internos ou externos não permitem? Para enfrentar os déficits de nossas democracias, é preciso poder democrático, isto é, capacidade de agir de modo efetivo diante dos problemas para expandir a cidadania. Para construir esse poder, a política é indispensável. Mas é preciso que a política seja relevante, que proponha caminhos para abordar os temas-chave da sociedade, que os empreenda com a firmeza da determinação dos líderes e dos cidadãos e os sustente com a idoneidade dos instrumentos para a ação coletiva, dentre os quais os partidos políticos são atores centrais, mas não únicos. As propostas de ação dos partidos políticos têm, nas instituições representativas e de governo do Estado, o principal instrumento para sua execução. O poder democrático também se constrói a partir da “e statalidad”. Ao mesmo tempo, a sociedade civil, constante criadora de novas organizações de voluntários que aumentam a participação, é outro dos instrumentos substanciais para a expansão da cidadania e, conseqüentemente, da democracia. Por trás de todo direito há um Estado que o garante. E por trás de todo direito truncado há um Estado que não chega a torná-lo efetivo. Essa inoperância do Estado está relacionada com a qualidade de suas instituições e, fundamentalmente, com o poder que flui por meio delas e com a conseqüente capacidade – ou incapacidade – do Estado para atingir suas metas. Dessa forma, os problemas do desenvolvimento da democracia vistos nas seções anteriores aparecem em um amálgama em que os limites do Estado se conjugam com as Rumo a uma democracia de cidadania 183 Para enfrentar os déficits de nossas democracias, é preciso poder democrático, isto é, capacidade de agir de modo efetivo diante dos problemas para expandir a cidadania. Trata-se, enfim, de encher a sociedade de política e, conseqüentemente, a política de sociedade. exigências do crescimento econômico e seus resultados freqüentemente geradores de desigualdades, com a impotência da política para encarnar as aspirações da cidadania em poder democrático, com as tensões de sociedades fraturadas, com a existência de poderes fáticos que evadem a legalidade, traficam influências e permeiam as mais altas instâncias de decisão, com a evidência de uma globalização que limita o espaço próprio da democracia ao escamotear do campo da escolha dos cidadãos, os temas centrais que dizem respeito ao futuro da sociedade. Em outros termos, a agenda que estamos tratando está relacionada com os complexos caminhos que habilitam e obstruem a expansão da cidadania e a reconstrução da sociedade política no marco das democracias latino-americanas. Trata-se de abordar a discussão das condições que permitam a nossas democracias encarar a solução dos problemas que registramos, por meio da expansão dos instrumentos que a própria democracia oferece. Em síntese, os problemas evidenciados, que constituem os desafios para o desenvolvimento da democracia na América Latina, manifestam-se nessas quatro esferas centrais (a política, o Estado, a economia e a globalização), todas elas atravessadas pela questão do poder, condição indispensável para que a vontade da maioria se traduza em políticas que transformem a realidade. Os critérios aqui apresentados constituem um ponto de partida, procuram desencadear um debate, são o início e não o final desse processo. Propomos que essa agenda inclua: como passar de uma democracia cujo sujeito é o eleitor para outra cujo sujeito é o cidadão que tem direitos e deveres ampliados, no campo político, civil e social; como passar de um Estado de legalidade truncada para um Estado com alcance universal em todo o território, e cujo principal objetivo seja garantir e promover os direitos – um Estado de e para uma Nação de cidadãos –; como passar de uma economia concebida segundo os dogmatismos do pensamento único para outra com diversidade de opções, e como construir um espaço de autonomia na globalização. Trata-se, enfim, de 184 A democracia na América Latina preencher a sociedade com política e, conseqüentemente, a política com sociedade. A política, primeira condição A política cumpre uma função vital no processo democrático: concebe as políticas públicas para atacar os problemas que considera centrais e as concretiza em projetos que são parte essencial das opções básicas da sociedade; proporciona os dirigentes para executar esses projetos; agrupa a enorme quantidade de vocações cidadãs em denominadores comuns que permitem escolher entre um número razoável de alternativas eleitorais; e finalmente constrói o poder público necessário para executar os projetos que apresenta à sociedade. Em suma, a política encarna as opções, agrupa as vocaçõ es e cria poder. Estas são três condições indispensáveis para o desenvolvimento da democracia. Uma política que não as cumpra põe em perigo a sustentabilidade democrática. Na América Latina, há crise da política e crise de representação porque essas três condições são cumpridas apenas parcialmente e, em certas ocasiões, nem existem. O debate sobre a política deve estar centrado em como superar essa situação, da qual se deriva não só uma crise de representação, como também um perigo para a democracia. Para isso, é preciso que existam instituições eficazes, partidos políticos e práticas transparentes e responsáveis. Essas condições estão longe de ser cumpridas em muitos países da região, o que debilita perigosamente a função dos partidos como principais construtores da política para a democracia. Sobre essa carência, notória e difundida, centrou-se a maior parte do debate público sobre a política. No entanto, mesmo sendo central, esse debate ocupou o lugar da discussão sobre outras questões que parecem mais decisivas do que as debilidades institucionais: a crise de conteúdo da política e a dificuldade para construir poder democrático. Mesmo na hipótese de contarmos com excelentes instrumentos institucionais, se a capacidade da política para construir opções substantivas e poder não for recuperada, tanto a democracia eleitoral quanto a democracia de cidadania tenderão a ser não sustentáveis e irrelevantes para os cidadãos. Uma política que não nutre a sociedade de opções e de poder, não tem representatividade. Na análise realizada na segunda seção do Relatório, chama muita atenção o fato de que os diversos instrumentos de estudo empírico tenham levado a coincidir em um conjunto similar de déficit em nossas democracias. Esses déficits devem estar no centro dos esforços para a renovação dos conteúdos da política. Nesse sentido, foram apontadas as seguintes questões: Os problemas de expressão da cidadania política são os menos marcantes. Embora em alguns países a participação eleitoral ainda seja baixa, estudam-se mecanismos para incrementar essa participação, por meio da melhora nos procedimentos de cadastramento eleitoral, e da incorporação de facilidades para o acesso aos lugares de votação. Praticamente não há casos de fraude flagrante e a intimidação de votantes diminuiu notoriamente. Como em todo país, sempre há margens para a manipulação de certo número de eleitores. Em muitos casos, ainda, as cúpulas partidárias continuam dominando o esquema de indicação de candidatos. A normativa que permite a discriminação positiva de gênero para ter acesso a cargos representativos melhorou. Pouco a pouco, aprovam-se normas para controlar o efeito das doações privadas sobre a ação política, embora, em muitos casos, esse controle ainda não tenha relevância prática. ■ Em toda a América Latina a fórmula política está centrada na figura do presidente constitucional e a instituição presidencial costuma ter poderes formais relativamente altos. Isso nem sempre se traduz em eficácia na ação de governar, o que cria outra fonte de descontentamento da cidadania e de frustração para os políticos. O Parlamento, por sua vez, não possui muito prestígio entre a massa cidadã e é considerado como uma instância pouco eficaz para representar e defender os interesses da maioria. Embora a área judiciária do Estado goze ■ de independência formal, em vários países subsistem severas limitações para seu pleno desempenho cotidiano. Os organismos especializados de controle da gestão pública, tais como as controladorias de contas, ou os organismos de promoção ou defesa de direitos cidadãos, como as promotorias especiais ou as defensorias do povo, às vezes não têm a independência necessária e em outras, não possuem poder para exercer suas funções. Como se sabe, as defensorias públicas do povo não podem ter poder próprio no campo judiciário ou administrativo, pois invadiriam a área de competência de outros poderes estatais. Os mecanismos de democracia direta, embora tenham ampliado o campo da participação política da cidadania, em alguns casos, contribuíram para a desestabilização política, e não fica claro se representaram um instrumento eficaz para o desenvolvimento da democracia. ■ Apesar dos avanços fundamentais em matéria de direitos humanos, cuja violação sistemática caracterizou a região nos períodos autoritários e de guerra civil, continuam registrando-se abusos no que se refere aos direitos à vida e à integridade física, provenientes, particularmente, da incapacidade do Estado de controlar a violência e o uso da força pública. A liberdade de imprensa melhorou notoriamente e apesar de os primeiros passos no sentido de assegurar o direito de acesso à informação em poder do Estado estarem sendo dados, esse é um desafio no qual é preciso avançar. ■ Os déficits da cidadania sociais relacionados com a “ estatalidad” e a economia são os mais notórios: subsistem altos níveis de desigualdade e pobreza e, em muitos países, as desigualdades sociais não diminuíram, mas, ao contrário, aumentaram. Em um número considerável de países persistem os níveis de necessidades básicas não satisfeitas. Essas comprovações coincidem com a percepção da cidadania que, no estudo de opinião, indicou como problemas principais: desemprego, pobreza, desigualdade e renda insuficiente, delinqüência e drogas, corrupção, e serviços e infra-estrutura insuficientes. Rumo a uma democracia de cidadania 185 Coincidentemente também, os líderes consultados mencionam como problemas da agenda: reativação econômica, corrupção, desemprego, violência e delinqüência, saúde e educação. Dar um conteúdo à política significa não apenas tornar “visíveis” os déficits indicados: também é indispensável construir um leque de opções substantivas para solucioná-los de modo efetivo, e colocar essa opções no eixo da discussão pública. Resumimos alguns temas desse debate nos seguintes enunciados: A política, especialmente a política democrática, é o âmbito onde são concebidos os diferentes projetos e alternativas de uma sociedade. 1. A política, especialmente a política democrática, é o âmbito onde são concebidos os diferentes projetos e alternativas de uma sociedade. A política é representação, reivindicação social e busca coletiva de sentido. No entanto, hoje observamos uma séria incapacidade da política para articular projetos coletivos. Ela passou a ser, quase exclusivamente, uma atividade pouco vinculada às identidades, aos interesses e às aspirações da sociedade. 2. A crise da política manifesta-se na ruptura que existe entre os problemas para os quais a cidadania requer uma solução e a capacidade da política para enfrentá-los. A política tende então a esvaziar-se, sem ser capaz de construir o poder e os instrumentos para enfrentar os principais desafios de nossos países. Aí reside boa parte dos problemas de confiança e legitimidade que a democracia, a política, suas instituições básicas e seus líderes enfrentam na América Latina. 3. É preciso então, perguntar-se qual deveria ser o lugar da política em uma América Latina que, ao mesmo tempo em que conquistou o importante direito de gozar de eleições livres, limpas e periódicas, está atravessando o processo de globalização, apresenta graves problemas sociais e tem Estados deficitários para garantir e expandir a cidadania. Pode a política encarnar as aspirações cidadãs de redução da pobreza e da desigualdade, de expansão do emprego e da solidariedade? Pode a política ajudar a construir um horizonte de progresso para nossos países e nossos cidadãos? 186 A democracia na América Latina 4. Muitos dos temas que antes eram próprios da política e dos Estados nacionais hoje são tratados e decididos em outras esferas. A economia, os poderes fáticos e alguns meios de comunicação ocuparam boa parte desse lugar. A política tende a perder conteúdo por três vias vinculadas entre si: Os Estados nacionais perdem soberania interior. Por um lado, em face dos poderes fáticos e ilegais, e, por outro, como conseqüência dos déficits que limitam a capacidade estatal, por ineficiência e ineficácia de suas organizações burocráticas. ■ Há um desequilíbrio na relação entre política e mercado, que tende a reduzir o espaço da primeira e limitá-la a âmbitos de menor relevância, excluindo, por exemplo, importantes problemas econômicos do seu âmbito de decisão e deliberação. Esta situação não é coerente com a democracia e com os direitos de cidadania dela decorrentes. ■ Uma ordem internacional que limita a capacidade dos Estados para atuar com razoáveis graus de autonomia e que, portanto, restringe as opções nacionais. ■ Esses problemas debilitam a vocação transformadora da política, e tornam especialmente grave a situação na América Latina. Neste contexto, às privações materiais atuais se une uma certa perda da noção de progresso, da própria possibilidade de projetos coletivos viáveis. A aparente impotência da política enfraquece seriamente a democracia, não apenas no que se refere às suas possibi lidades de expansão, como também – talvez – à sua sustentabilidade. 5. Na América Latina, as instituições democráticas básicas, principalmente os partidos e o Parlamento, gozam de um baixo conceito. Aproximadamente 36% dos latino-americanos (Latinobarômetro 2002) concordam em aceitar que, se for necessário, o presidente deixe de lado os partidos políticos e o Parlamento na hora de governar. A maior parte dos latino-americanos opina que não há democracia sem partidos e Parlamento, mas seu funcionamento gera insatisfação. 6. Os meios de comunicação, às vezes, aparecem ocupando o vazio de representação originado na crise da política e suas instituições; esse vazio subsistirá enquanto a política não assumir suas faculdades diante de temas relevantes e enquanto os partidos se mostrarem incapazes de articular projetos coletivos e de alcançar a condução do Estado. quadro 39 O poder dos meios de comunicação Evidentemente, em todos os grandes grupos sobre os quais temos alguns dados, o controle sobre a comunicação encontra-se distribuído de uma maneira tão desigual, que alguns indivíduos possuem uma influência consideravelmente maior que outros… aqui temos um problema enorme… o número de indivíduos que exerce um controle importante sobre as alternativas programadas corresponde somente, na maioria das 7. Quando a política se esvazia de conteúdos, quando o Estado ignora as grandes questões da cidadania, a sociedade os recupera. Nos últimos anos, paralelamente à crise de representação e à deserção do Estado, surgiram, de maneira crescente e nas formas mais diversas, organizações da sociedade que ocuparam o espaço das questões não resolvidas ou ignoradas. Trata-se de um sistema auto-organizado de grupos intermediários relativamente independentes do Estado e das empresas privadas, que é capaz de deliberar e levar adiante ações coletivas em defesa e promoção de seus interesses e opiniões, respeitando a estrutura legal e civil existente.81 8. O cidadão e as organizações da sociedade civil desempenham um papel essencial na construção democrática, no controle da gestão governamental, na expressão de demandas e no fortalecimento do pluralismo que toda democracia promove e precisa. Eles são atores relevantes da democracia de cidadania. Seu papel é complementar ao dos atores políticos tradicionais da democracia. Apesar das dificuldades e dos obstáculos inerentes à aceitação da sociedade civil como âmbito de participação e fortalecimento da democracia, sua importância na democratização da América Latina deve ser claramente reconhecida. Assim, para viabilizar a passagem à democracia de cidadania, a política deve recuperar seus conteúdos essenciais e também rever cuidadosamente sua tarefa incompleta, assumindo as deman- organizações, a uma fração muito reduzida do total dos membros. Parece que esse é o caso, inclusive, nas organizações mais democráticas, se o número de membros é considerável. Robert Dahl, 1987, pp. 97-98. quadro 40 Sociedade civil, política e participação As pessoas que se organizam por meio de entidades independentes da sociedade civil superam a dicotomia entre autonomia pública e privada. Elas exercem a cidadania civil, não apenas para proteger seus próprios interesses, mas também para ampliar as possibilidades de proteção dos interesses de outros menos afortunados. Essas pessoas exercem também a cidadania política, não apenas ao votar e decidir em função de seus interesses pessoais, mas também quando ampliam as possibilidades de acesso e participação dos relegados pelo sistema político. Por isso, eles encarnam em si mesmos toda a potencialidade do ser humano como agente, porque abarcam tanto a dimensão pessoal quanto a dimensão social da cidadania. Na América Latina há um crescimento impressionante das organizações independentes da sociedade civil. Especialmente no âmbito dos direitos humanos, a transição democrática trouxe uma nova geração para os organismos nascidos para lutar contra a repressão ilegal das ditaduras, e propiciou também o surgimento de novas entidades dedicadas aos direitos da mulher, das crianças, dos povos indígenas, dos afrodescendentes e de diversos setores excluídos. […] A sociedade entende a política em um sentido mais amplo e mais rico que o da concorrência eleitoral. Juan Méndez, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. 81 Conseqüentemente, não podem incluir organizações que tendem à ilegalidade para atingir seus objetivos, sejam elas “máfias” ou organizações políticas subversivas, nem atores com fins mais precisos, que são parte da sociedade, como: os sindicatos; os meios de comunicação, que são organismos de informação e entretenimento; os partidos; as associações, ou as Igrejas formais, mas sim inclui os organismos colaterais que entram na definição adotada. Rumo a uma democracia de cidadania 187 quadro 41 A dimensão associativa da democracia A qualidade da democracia está determinada tanto pelos que estão envolvidos em práticas associativas quanto pelos que estão excluídos delas. Costuma suceder, em toda a América Latina, que um mundo hobbesiano de segmentos totalmente desorganizados da população convive com um mundo muito menor inspirado em Tocqueville. Nesse sentido, apresentam-se dois problemas: um, que tem a ver com a definição do espaço público mediante a silenciosa ação cotidiana dos que administram o acesso ao aparato estatal. Daí a necessidade de democratizar a cultura de elites e seus resultados vinculados à apropriação do espaço público por parte de interesses especiais organizados. O segundo problema refere-se a uma avaliação dos padrões associativos em si mesmos, tanto em termos de sua difusão quanto de seu conteúdo e qualidade. Supondo que sejam produzidas conseqüências institucionais positivas do capital social, a dinâmica de associação deve ser considerada como um ingrediente essencial da democracia. Renato Boschi, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. das de uma sociedade que se organizou para reivindicar, controlar e propor. 9. Na América Latina, os espaços conquistados pela sociedade civil foram fundamentais para abrir caminhos políticos que estavam fechados para a construção democrática. Dessa forma, a sociedade civil amplia o espaço público por meio da participação, da expressão de identidades e demandas, e da organização cidadã. Atualmente, há necessidade de formas alternativas de representação que, sem substituir as tradicionais (partidos políticos, eleições, Parlamentos), as complementem e fortaleçam, respondendo a novas necessidades, às particularidades dos setores excluídos ou sub-representados, à necessidade de agregação política gerada pela saudável e crescente expressão da diversidade, e à imprescindível reapropriação cidadã dos espaços de construção de vontade democrática. 10. Esta questão está vinculada a certos âmbitos de poder onde se tomam decisões que afetam gravemente a sociedade, sem que ela possa participar dessas discussões. Esses claustros cerrados de decisão econômica e os poderes fáticos legais e ilegais, nacionais ou extraterritoriais, contribuem para esvaziar a política. A democracia abre caminho e convida à participação cidadã; no entanto, se os âmbitos em que essa participação ocorre têm pouco peso nas grandes decisões nacionais, a conseqüência tende a ser a apatia e a desconfiança generalizadas. quadro 42 Política, partidos e democracia na América Latina Ao falar de uma transformação das relações entre Estado e sociedade estamos nos referindo a uma transformação da política. Se a crise da política, que influi na qualidade e relevância das democracias novas, repercute na sociedade inteira, com mais intensidade isso acontece em relação aos atores principalmente políticos, isto é, aos partidos, que são julgados severamente pela opinião pública. No novo cenário gerado pelas transformações sociais, estruturais e culturais das últimas décadas que decompõem a unidade da sociedade-polis, tende a desaparecer a centralidade exclusiva da política como expressão da ação coletiva. Mas ela adquire uma nova centralidade, mais abstrata, pois é seu papel abordar e articular as diversas esferas da vida social, sem destruir sua autonomia. Desse modo, há menos espaço para políticas altamente ideologizadas, voluntaristas ou globalizantes, mas 188 A democracia na América Latina há uma exigência de política por “sentido”, que as forças do mercado, o universo mediático, os particularismos ou os meros cálculos de interesses individuais ou corporativos, não são capazes de dar. A grande tarefa do futuro é a reconstrução do espaço institucional, a polis, em que a política volte a ter sentido como articulação entre atores sociais autônomos e fortes e um Estado que recupere seu papel de agente de desenvolvimento em um mundo que ameaça destruir as comunidades nacionais. A opção é o fortalecimento, autonomia e complementaridade entre o Estado, o regime, os partidos e os atores sociais autônomos, isto é, uma nova matriz sociopolítica. Manuel Antonio Garretón, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. A necessidade de uma nova “estatalidad” É indispensável ampliar o debate sobre o Estado na América Latina. Enquanto a ênfase, durante os últimos vinte anos, foi dada a questões como privatizações, tamanho e gasto do Estado e modernização de suas burocracias, dois temas principais foram deixados de lado: o poder real do Estado para pôr em prática o mandato eleitoral e o poder para democratizar, isto é, sua capacidade para chegar, de maneira universal, a todas as classes sociais, em todo seu território. Esta última questão é condição necessária para que os direitos e as obrigações tenham vigência real para todos, em todos os lugares. Se estas condições não forem cumpridas, o resultado será um déficit de “estatalidad” : sérias falhas na vigência do estado de direito afetarão diretamente a sustentabilidade e o desenvolvimento da democracia. Com o pretexto da aplicação de reformas institucionais que possibilitariam um melhor funcionamento dos mercados, essas questões foram ignoradas ou ocultas. Um Estado para a democracia busca igualar a aplicação de direitos e deveres, o qual – inexoravelmente – modifica as relações de poder, particularmente em regiões como a América Latina, onde a grande concentração de rendas leva à concentração de poder. Este é um debate urgente, porque na América Latina existe uma crise de “ estatalidad” , entendida como a capacidade do Estado para cumprir suas funções e objetivos, independentemente do tamanho e da forma de organização de suas burocracias. Em muitos casos, os Estados latino-americanos perderam capacidade como centro de tomada de decisões legítimas, eficazes e eficientes, orientadas para a resolução dos problemas que as sociedades reconhecem como relevantes. É imperioso recuperar essa capacidade para promover as democracias. Não existe democracia sem Estado e não existe desenvolvimento da democracia sem um Esta- do para todos, capaz de garantir e promover universalmente a cidadania. Se esta condição não for cumprida, a democracia deixa de ser uma forma de organização do poder, capaz de resolver as relações de cooperação e conflito. O poder escapa da democracia e ela perde substância. Recuperar um Estado para a cidadania é um desafio central do desenvolvimento da democracia na América Latina. Com Estados frágeis e mínimos, pode-se aspirar unicamente a conservar democracias eleitorais. A democracia de cidadania precisa de uma “ estatalidad” que assegure a universalidade dos direitos.82 É necessário um Estado capaz de conduzir o rumo geral da sociedade, administrar os conflitos de acordo com princípios democráticos, garantir eficazmente o funcionamento do sistema legal (direitos de propriedade e direitos de cidadania, simultaneamente), regular os mercados, estabelecer equilíbrios macroeconômicos, estabelecer sistemas de proteção social baseados no princípio de universalidade da cidadania, e Recuperar um Estado para a cidadania é um desafio central do desenvolvimento da democracia na América Latina. quadro 43 A democracia como princípio de organização da sociedade A ordem social já não pode descansar sobre uma regulação exclusivamente estatal da convivência, mas tampouco opera como um sistema auto-regulado. O problema de fundo consiste em redefinir a coordenação social em uma sociedade em que o Estado e a política deixaram de ser as principais instâncias de coordenação. Nesse contexto, do meu ponto de vista, deve estar situada a discussão sobre a “questão democrática” na América Latina. Enquanto a tendência atual aponta para uma “democracia eleitoral”, cabe perguntar, ao contrário, sobre o papel da democracia como um âmbito privilegiado de coordenação social. Em lugar de restringi-la a um princípio de legitimação, deveria ser explorado seu potencial como princípio de organização. Na verdade, as instituições e os procedimentos democráticos sempre tiveram a função de mediação de interesses e opiniões plurais com o objetivo de decidir “aonde vamos”. Norbert Lechner, 1996. 82 Seja qual for a definição de cidadania que adotemos, o vínculo entre cidadania e democracia comporta sempre a idéia de universalidade. Rumo a uma democracia de cidadania 189 assumir a preeminência da democracia como princípio de organização da sociedade. A “e statalidad” é uma condição indispensável para que uma democracia aspire a desenvolver-se além do plano eleitoral, para que seja capaz de enfrentar, de maneira efetiva, os desafios democráticos. A partir dessa proposição, enunciamos os temas que, em nossa opinião, deveriam ser contemplados em uma agenda abrangente sobre a expansão da “e statalidad” democrática: 1. A agenda de reformas democráticas deve considerar o Estado em suas três dimensões: como conjunto de entes burocráticos, como sistema legal e como âmbito de identidade coletiva. Estas três dimensões variam historicamente. Na maior parte da América Latina, elas exibem deficiências. As burocracias estatais freqüentemente não têm poder nem eficácia; a efetividade do sistema legal é social e territorialmente limitada; e, para muitos de seus cidadãos, as pretensões de ser um Estado-para-a-Nação, dedicado seriamente a resolver problemas de interesse geral, não são dignas de crédito. Essas deficiências estão na origem do reduzido poder dos governos latino-americanos para democratizar. 2. Cada país da região tem suas peculiaridades, mas em quase todos há uma ampla proporção da população que se encontra abaixo de um nível mínimo de desenvolvimento humano, em termos não apenas de bens materiais e de acesso a serviços públicos, como também de direitos básicos. A solução desses lamentáveis problemas não exige – obviamente – apenas adequadas políticas econômicas e sociais, mas também reclama um Estado abrangente e abarcador, além de razoavelmente eficaz, efetivo e confiável. Requer também uma sociedade civil pujante, que pela via da participação vise a complementar a implementação de políticas públicas. 3. O problema do Estado latino-americano não é apenas o tamanho de suas burocracias, mas sua ineficiência e ineficácia, além da falta de efetividade de seu siste190 A democracia na América Latina ma legal e da pouca credibilidade do Estado e dos governos. Isso contrasta com a forte reivindicação cidadã de presença estatal, que surge, entre outros elementos, da pesquisa apresentada na segunda seção deste Relatório. 4. Além da eliminação de burocracias desnecessárias e, em geral, da racionalização de processos administrativos, um problema que alguns Estados latino-americanos evidenciam é o alto grau de fragmentação e a freqüente falta de diferenciação entre o interesse público e o privado. Quando isso ocorre, o Estado se desvirtua e se transforma em uma série de agências desconexas com funcionários e políticos ocupados na busca de benefícios. 5. Existe um problema particularmente inquietante: a legalidade do Estado não alcança, ou alcança de modo intermitente, grandes, e em alguns casos crescentes, áreas da região. Chama a atenção o fato de uma questão dessa natureza ser freqüentemente ignorada nos programas de reforma do Estado. O problema central do Estado na América Latina é o de um Estado inconcluso, débil, com pouca capacidade para ser efetivo de modo universal. 6. Outra dimensão desse problema é a presença de vários tipos de “legalidade” real, de caráter informal, patrimonial e delituoso. Às vezes, essas “legalidades” originamse em regimes discricionários subnacionais que coexistem com regimes que, a nível nacional, são democráticos. Os atores desempenham-se sobre a base de instituições informais tais como o personalismo, parentesco, sinecurismo, caciquismo e similares. Esses circuitos de poder baseiam-se no desaparecimento da fronteira entre o privado e o público, e no truncamento da legalidade do Estado. Por outro lado, o clientelismo – uma trama de relações por meio do qual um “patrão” consegue o apoio de outros em troca de certos benefícios – gera privilégios e exclusões, e costuma envolver um tratamento discricionário de recursos públicos. 7. Uma função fundamental do Estado é proteger as pessoas da violência privada. A democracia pressupõe a existência de um Estado que obteve o controle sobre a violência em seu território. No entanto, esse não é o caso em algumas regiões da América Latina. Nelas operam grupos terroristas, organizações delituosas, “paramilitares” e outros fenômenos similares. Esses grupos têm seus códigos legais, cobram seus próprios “impostos” e, algumas vezes, chegam a ter quase o monopólio da coerção em “seu” território. Esse tipo de violência privada, não controlada pelo Estado, é uma das principais fontes de violação de direitos fundamentais da população. 8. A proteção dos cidadãos, por parte do Estado democrático, está comprometida também pela violência associada aos delitos contra as pessoas e a propriedade. Seu nível e persistência colocam em evidência a fragilidade de um Estado incapaz de cumprir suas funções de modo universal. Essa situação é ainda mais grave no ambiente social da região, marcado pela pobreza e pela desigualdade, em que os cidadãos mais pobres são os que mais sofrem a violência. 9. Entre outras conseqüências do que vem sendo abordado é preciso mencionar a crítica redução da autonomia do Estado; de fato, existe um conjunto muito restrito de políticas que podem ser definidas e implementadas à margem de poderes fáticos locais e internacionais, que influem decisivamente sobre o aparelho estatal. 10. Uma agenda de um Estado para a democracia deveria construir-se a partir da idéia de Nação para a qual pretende-se que o Estado atue. Deveria entender o Estado como centro de tomada de decisões legítimas, eficazes e eficientes, orientadas no sentido de enfrentar os problemas que as sociedades reconhecem como mais relevantes. 11. Para isso, é preciso debater as questões que, na América Latina, colocam em dúvida a eficiência e eficácia de suas burocracias, a efetividade de seu sistema legal e a quadro 44 Privatização perversa do Estado Um meticuloso diagnóstico do desenvolvimento da região pode evidenciar um crônico déficit democrático que, freqüentemente, traduziu-se em fenômenos de autoritarismo, clientelismo, amiguismo e, em casos extremos, de nepotismo, que foram a expressão, em termos de regime político, de uma “captura” das instituições e políticas públicas por interesses particulares (de um partido político ou sindicato ou grupo econômico ou uma família, ou interesses regionais e locais). Essa espécie de “privatização perversa” do Estado, presente na base dos fenômenos de corrupção, conduziu a intervenções estatais desencorajadoras de um funcionamento eficiente do mercado e promotoras da busca de rendas e da especulação. Enrique V. Iglesias, texto elaborado para o PRODDAL, 2003. própria credibilidade do Estado. São elas: ■ Ineficiência da ação do Estado e a redução de sua autonomia, que deriva de sua colonização por interesses particularistas (corrupção). ■ Falta de efetividade do sistema legal como conseqüência da presença de sistemas legais patrimonialistas. ■ Incapacidade de alguns Estados para abranger o conjunto de seu território e todos os seus habitantes, o que gera uma legalidade truncada (desigualdade perante a lei, vigência assimétrica dos direitos cidadãos). ■ Falta de um real monopólio da força por parte de alguns Estados, que se traduziu, entre outros efeitos, na persistência do nível de violação dos direitos humanos. ■ Incapacidade estatal para assumir a representação da diversidade no interior da sociedade. ■ Perda de credibilidade que provém da falta de transparência e responsabilidade (prestação de contas) do Estado perante os cidadãos. ■ A questão política, mais abrangente, da capacidade estatal de construir seu próprio poder, de maneira a exercer soberanamente o mandato popular. O Estado é uma das caras da democracia: um Estado sem poder é uma democracia sem poder. Rumo a uma democracia de cidadania 191 Uma economia para a democracia Os problemas da cidadania social atentam diretamente contra a perduração da democracia na América Latina. A sustentabilidade democrática depende, em grande parte, da solução dessa questão. Para isso, o debate sobre a economia e a diversidade de formas de organização do mercado deve estar presente na agenda pública e na opção cidadã, porque é na economia que reside a solução de boa parte dos déficits de cidadania social. No início deste Relatório, afirmamos que um aspecto singular e historicamente novo da América Latina é o de ser a primeira região inteiramente democrática composta por sociedades com níveis muito altos de pobreza e com a maior desigualdade social do mundo. Dessa forma, referimo-nos ao triângulo: democracia eleitoral, pobreza e desigualdade, para sintetizar a natureza dessas democracias e a necessidade de impulsionar um novo pensamento que refletisse essa realidade. Não obteremos respostas úteis para os questionamentos sobre sustentabilidade democrática latino-americana se forem ignorados os desafios peculiares que nascem da coexistência desses três fenômenos. Quando descrevemos os resultados das indagações empíricas na segunda seção do Relatório, a questão das condições materiais de vida dos latino-americanos aparecia claramente como o maior déficit da “democracia de cidadania”. Tamanha é a dimensão dos problemas da cidadania social, que várias vezes reiteramos uma pergunta dramática: A quanta pobreza resiste a liberdade? No entanto, o debate sobre a democracia omite a questão econômica e é realizado, freqüentemente, em termos das restrições institucionais que a democracia significa para o crescimento econômico. O debate sobre a economia, com o pretexto de sua complexidade técnica, está cada vez mais ausente da discussão pública e das opções reais dos cidadãos no momento de votar. À luz dessas realidades, parece útil opormos à conhecida frase “as questões técnicas não se votam”, a de que “o bem-estar de uma sociedade não se decide em um laboratório de técnicos”, por mais ilustrados que eles sejam. Esse não é um problema exclusivo de nossa região. Em certos países centrais, a tendência crescente no sentido do desenvolvimento de instituições econômicas com níveis de autonomia quase total, influi diretamente na sua transparência e, portanto, na sua responsabilidade (accountability) perante a sociedade, o que deriva na perda de sua credibilidade perante a opinião pública. Decisões econômicas substantivas distanciadas da vontade geral pressagiam, na visão de Jean-Paul Fitoussi, um século em que a crise da democracia será dominante.83 Na América Latina, onde os déficits de cidadania sociais atingem a dimensão que indicamos, essa questão assume uma importância e uma urgência ainda maiores, a tal ponto que questões como o nível de desenvolvimento da democracia, a sustentabilidade do siste- quadro 45 A economia e a política Sem descartar a importância de instâncias técnicas em todo bom ordenamento do Estado e sem deixar de reconhecer o aspecto científico da análise econômica, a economia deve estar sujeita à política e, em particular, a processos políticos democráticos, porque essa é a forma em que a sociedade dirime suas controvér- 83 Ver Fitoussi, 2002. 192 A democracia na América Latina sias.[...] É necessário contar com partidos políticos sólidos que ofereçam à cidadania opções alternativas de ordenamento econômico e social. José Antonio Ocampo, texto elaborado para o PRODDAL, 2003. ma e a resolução da crise de representação política, dependem de nossa capacidade para incorporar a economia e suas opções como um tema da democracia e da sociedade. A economia é uma questão-chave para a democracia. Esta afirmação não implica confundir duas formas de organização social claramente diferenciadas: a democracia, que organiza relações de poder; a economia, que organiza relações de produção, reprodução e troca. No entanto, o resultado da organização econômica é uma questão decisiva para a democracia, especialmente para a democracia de cidadania, como foi definida neste Relatório. A economia é uma questão da democracia porque dela depende o desenvolvimento da cidadania social e porque é ela que gera e altera as relações de poder. Portanto, a agenda da sustentabilidade democrática deve incluir o debate sobre a diversidade possível de políticas e de organização do mercado, e a questão do papel regulador do Estado. Na América Latina aprendeu-se que o Estado não pode tratar a economia com leviandade: o Estado (democrático) tem um irrefutável papel orientador sobre a economia, o que implica uma forte capacidade de fazer política econômica. Existem “cinco funções que as instituições públicas devem oferecer para que os mercados funcionem adequadamente: a proteção de direitos de propriedade, a regulação do mercado, a estabilização macroeconômica, o seguro social e a administração de conflitos de interesses”84. O Estado e o mercado são suscetíveis de serem combinados de modos diferentes dando origem à diversidade de formas que a economia de mercado pode adotar. Uma concepção dos mercados como um conjunto de instituições “existentes na natureza” leva à aceitação do funcionamento da economia de modo totalmente autônomo das decisões tomadas democraticamente. Do ponto de vista democrático, porém, as políticas econômicas são parte dos instrumentos utilizados pelas sociedades para atingir a cidadania plena. Por isso, a econo- quadro 46 Uma economia para a democracia A economia política clássica criou um mundo econômico que não existe, um Guterwelt, um mundo isolado que é sempre idêntico a si mesmo, e no qual os conflitos entre forças puramente individuais solucionam-se de acordo com leis econômicas imutáveis. Na realidade, é no interior de coletividades bastante diferentes umas das outras que os indivíduos tratam de enriquecer, e tanto a natureza quanto o sucesso desses esforços variam de acordo com a natureza da coletividade em que aparecem [...] isso torna sempre indispensável a ação do Estado para organizar os mercados, garantir os contratos, fixar os padrões de moeda e crédito, a oferta de mãode-obra, as relações trabalhistas, os serviços de infra-estrutura, o comércio exterior, as pautas de distribuição da renda, as cargas tributárias, etc. José Nun, texto elaborado para o PRODDAL, 2002. mia deve ser um dos temas do debate político, e não ser excluída sob o pretexto de ser uma questão que “contextualiza” a organização do Estado. Isso se dá porque: ■ A eventual eliminação da desigualdade não é um problema econômico marginal, resultante (ou residual) de uma boa política econômica. Pelo contrário, a distribuição tem conseqüências sobre a eficiência e a própria sobrevivência do sistema econômico. ■ O Estado tem um papel sumamente importante na distribuição da renda via fisco, regulação dos mercados, e subsídios ou promoção de certos setores ou políticas de longo prazo. Esse papel requer um Estado forte e capaz, não raquítico. Fazer o Estado dar um passo atrás, a palavra de ordem dominante nos anos noventa, que significava que seu papel não passava de manter a estabilidade econômica e de prover alguns bens públicos, foi um erro grave cujos resultados são visíveis. ■ Quando esse papel estatal não é assumido, a democracia torna-se irrelevante e não fiável para desenvolver a cidadania social. ■ A democracia oferece a garantia mais efetiva de boa governabilidade, tanto na es- 84 D. Rodrik, 2000. Rumo a uma democracia de cidadania 193 A economia é uma questão da democracia porque dela depende o desenvolvimento da cidadania social e porque é ela que gera e altera as relações de poder. quadro 47 Democracia e Mercado O avanço da democracia e o estabelecimento de regras macroeconômicos claras e fortes não devem ser vistos como situações antagônicas, mas sim complementares. da primazia da disciplina democrática sobre a disciplina dos mercados deveria ser clara e freqüente. ■ Os mercados necessitam de governabilidade e regras. A boa governabilidade só é assegurada por via da democracia. E a democracia continua sendo co-extensiva com o Estado-Nação.85 José Antonio Ocampo, texto elaborado para o PRODDAL, 2003. fera econômica quanto na política. Os direitos civis, a liberdade política e os procedimentos participativos são a melhor maneira de assegurar padrões de trabalho, sustentabilidade do meio ambiente e estabilidade econômica. O desempenho das democracias em todas essas áreas foi superior ao dos regimes com participação política restritiva. ■ Quanto mais amplo for o domínio da disciplina de mercado, maior será o espaço para a governabilidade democrática. Em princípio, e na medida em que a disciplina de mercado estiver baseada no que se denomina os fundamentais (economic fundamentals) e em considerações de longo prazo, não existe razão para haver conflito entre os mercados e a governabilidade democrática. Mas a realidade está longe desse ideal. O trade-off é autêntico, não apenas porque os mercados se orientam por razões puramente financeiras, mas porque são excessivamente voláteis e dominados por considerações de curto prazo. Nessa situação, a reafirmação Por isso, a agenda da sustentabilidade democrática deve incluir, sob pena de perder o conteúdo, essas questões da economia, suas opções e sua diversidade. As opções econômicas devem ser parte do conteúdo renovado da política, elas são um componente substancial da agenda pública, assim como o debate sobre a diversidade é uma necessidade imperiosa para reunir a melhor combinação entre o papel do mercado, o Estado e o contexto histórico de cada um de nossos países. Pelo contrário, o pensamento único, as receitas universal e atemporal atentam contra o desenvolvimento da democracia e da própria economia. A seguir, indicamos os temas que, sob o ponto de vista adotado neste Relatório, devem fazer parte de uma agenda centrada em uma visão da economia a partir das necessidades do desenvolvimento da democracia da América Latina: 1. Em nenhum outro período da história mundial – com a exceção transitória da década de 30 – os problemas da economia mundial foram tão graves como hoje: de- quadro 48 Modelo único de desenvolvimento O “fetichismo” das reformas implantadas pelo “fundamentalismo de mercado”, que teve como uma das expressões o “Consenso de Washington”, nega-se a reconhecer a diversidade existente na democracia [...]. Por trás do discurso do chamado “Consenso de Washington”, encontra-se o pressuposto da existência de um modelo único de desenvolvimento, aplicável a todos os países 85 Para estas citações ver Rodrik, 2001. 194 A democracia na América Latina sejam quais forem suas circunstâncias, e uma visão da “economia de mercado” como antagônica ao intervencionismo estatal. Essa idéia, compartilhada pelos organismos de crédito internacionais, é “a-histórica”, nociva e contrária à democracia. José Antonio Ocampo, texto elaborado para o PRODDAL, 2003. semprego em massa, aumento das desigualdades e da pobreza nos países ricos, extensa miséria e crises recorrentes em numerosos países em desenvolvimento, exacerbação da desigualdade entre países. 2. A democracia não pode permanecer indiferente a essa situação. Não devemos esquecer que vivemos simultaneamente em democracias e em economias de mercado. Por isso, é inelutável que exista tensão entre duas dimensões: de um lado, o individualismo, e a desigualdade que tende a ser resultado do funcionamento do mercado; do outro, as igualdades consagradas pela cidadania democrática, e a conseqüente necessidade de existência de um espaço público para a tomada de decisões, agora não individuais, mas coletivas. Isso obriga a buscar uma conciliação entre ambas as esferas. 3. A tensão entre ambos os princípios é dinâmica, porque permite que o sistema se adapte, em vez de romper-se, como acontece, geralmente, em sistemas regidos por um único princípio de organização (por exemplo, o sistema soviético). Somente as formas em movimento conseguem sobreviver; as outras, sucumbem à esclerose. Ou melhor, o capitalismo não sobreviveu como forma dominante de organização econômica apesar da democracia, mas sim graças a ela. 4. Existem duas correntes que se enfrentam no debate sobre as relações entre o mercado e a democracia. De acordo com a primeira corrente, hoje dominante, a ampliação da esfera do mercado exigiria a limitação do campo da democracia. A segunda corrente postula que a tensão sempre existente entre mercado e democracia, no que se Rumo a uma democracia de cidadania 195 quadro 49 Quatro vantagens econômicas da democracia Além do mais, quem sustenta a primeira posição costuma considerar indiferente para a economia o tipo de regime político existente em cada caso. No entanto, [Dani Rodrik] coloca a hipótese de que a democracia possui pelo menos quatro vantagens em relação aos regimes autoritários: a variância do crescimento em longo prazo é menor; a estabilidade macroeconômica de curto e médio prazo é maior; as crises exógenas são mais bem controladas e o nível dos salários (e de sua participação na renda nacional) é mais elevado. Dani Rodrik, 1997, p. 15. refere a sua aspiração de igualdade, deveria ser resolvida mediante a busca de sua complementaridade. 5. Muitas das teorias hoje prevalecentes sustentam que as intervenções do Estado costumam reduzir a eficácia da economia. O discurso dos que advogam por mais e mais mercado é claramente antiestatal: “O Estado é um mal necessário, é preciso limitar radicalmente sua capacidade de intervenção”. Este Relatório sustenta, pelo contrário, que um Estado ajustado à democracia – eficaz, eficiente e fiável – é um componente indispensável do desenvolvimento. 6. A democracia pressupõe uma hierarquia entre a política e o sistema econômico e, por conseguinte, autonomia da sociequadro 50 Complementaridade entre democracia e mercado As relações entre democracia e mercado são então mais complementares do que conflitantes. A democracia, ao impedir a exclusão por razões de mercado, aumenta a legitimidade do sistema econômico, e o mercado, ao limitar o poder da política sobre a vida das pessoas, possibilita uma maior adesão à democracia. Desse modo, cada um dos princípios que regem as esferas política e econômica encontra sua limitação, e, ao mesmo tempo, sua legitimação, no outro. Jean-Paul Fitoussi, texto elaborado para o PRODDAL, 2003. 86 Burdeau, 1985. 196 A democracia na América Latina dade na escolha das formas em que organiza seu mercado. 7. A democracia, em sua busca por limitar as exclusões provocadas pelo mercado, aumenta a legitimidade do sistema econômico; o mercado, ao limitar o poder do Estado e da política sobre a vida dos cidadãos, possibilita uma maior adesão à democracia. A liberdade coletiva precisa apoiar-se sobre as liberdades individuais, e vice-versa. Tanto uma quanto as outras estão em relação iterativa, mostrando que a democracia é uma forma em movimento. “A história prova que a democracia realizada nunca é mais que um momento do movimento democrático. Um movimento que não se detém jamais”.86 8. As sociedades nacionais – inclusive, claro, as dos países centrais – não têm os mesmos sistemas de eqüidade social; existe, de fato, grande diversidade nesses sistemas. Isso não deve nos surpreender: a democracia implica diversidade; existem diferentes “variedades de capitalismo”, diferentes combinações entre Estado e mercado, e nas formas de acionar do Estado. Esta é uma importante verdade que, contra toda evidência, o pensamento único nega. 9. A abertura das economias favorece os fatores mais móveis, não apenas o capital financeiro como também alguns tipos de conhecimentos. O aumento da mobilidade desses fatores tem, como efeito, transferir aos fatores menos móveis – ou seja, principalmente ao trabalho – o peso da insegurança econômica. Isso encerra o risco de reduzir a adesão das populações à democracia e ao próprio mercado. 10. Diante dessa situação, convém rever com atenção alguns critérios sobre políticas econômicas e sua relação com a democracia, tal como surgem das experiências latino-americanas das últimas décadas: ■ É necessário um debate que identifique políticas que redistribuam a renda sem distorcer severamente o funcionamento dos mercados, evitando assim o “populismo” ou o “facilismo” tão presentes na história da América Latina. ■ A busca de maiores níveis de bem-estar para a população exige um crescimento econômico sustentado que se revela, porém, insuficiente, quando vem acompanhado de conseqüências redistributivas desfavoráveis. ■ A experiência internacional demonstra que as vantagens competitivas baseadas em baixos salários são frágeis e instáveis. Para competir no mundo atual, é fundamental a produção eficiente, a inovação de processos, o projeto e a diferenciação de produtos, e o desenvolvimento de serviços de apoio adequados. Para isso, é essencial contar com um capital humano qualificado. Por sua vez, a política social deve guiar-se por quatro princípios básicos: universalidade, solidariedade, eficiência e integralidade. ■ Os limites à grande propriedade e à empresa privada estão relacionados com os níveis de desigualdade que uma sociedade está disposta a tolerar, e também com as modalidades de sua tributação. Um segundo tipo de limite está relacionado com o possível abuso do poder de mercado que os grandes proprietários e empresas podem chegar a conseguir. O terceiro refere-se à capacidade desses proprietários e empresas de expandir sua influência além dos mercados, graças a sua capacidade de lobby e à ampliação de seu controle a outras esferas de poder, típicas da sociedade contemporânea – em particular, os meios de comunicação –. ■ Um acordo político dos distintos setores sociais sobre o que o Estado deve fazer ajuda a legitimar o nível, a composição e a tendência do gasto público e da carga tributária necessária para seu financiamento. Finalmente, ressaltamos que nossos dados mostram dois aspectos de grande importância prática. O primeiro deles é que muitos latino-americanos têm em comum uma visão extremamente crítica sobre o funcionamento da economia de mercado. O segundo aspecto – decerto em contraposição à frustração – é a majoritária opinião favorá- Rumo a uma democracia de cidadania 197 A política social deve guiar-se por quatro princípios básicos: universalidade, solidariedade, eficiência e integralidade. vel à intervenção do Estado na economia. Poder e políticas democráticas na globalização A globalização trouxe o mundo exterior para o interior de nossas sociedades. O mundo está em todos os lugares. Mas o poder do mundo, não. Uma agenda mais ampla sobre a globalização deve incluir um debate sobre sua natureza política e militar, sua restrição à diversidade, e as fortes limitações ao poder estatal. A globalização coloca cruamente as questões do poder dos Estados nacionais e do poder dentro dos Estados. Expressa-se aqui, de outra maneira, novamente o problema vital da democracia: a existência ou não de poder para executar a vontade da maioria. O debate que naturalmente existiu até agora deu ênfase aos assuntos financeiros e comerciais da globalização e deixou relativamente à margem, seu dado dominante: os poderes exteriores deixaram de ser exteriores, são tão interiores quanto os locais. Condicionam ou determinam as decisões do Estado e seu campo não se limita às finanças ou ao comércio. Abrangem, cada vez mais, as questões políticas, de segurança e organização interior, dos sistemas educativos, de saúde e de previdência social. Conseqüentemente, é preciso ampliar o debate sobre a globalização em duas áreas para: dimensionar o impacto real da soberania interior dos Estados; e conceber as estratégias possíveis para aumentar as capacidades nacionais e regionais, para que o poder nacional não desapareça em nome de um incontrolável poder global. A globalização trouxe o mundo exterior para o interior de nossas sociedades. O mundo está em todos os lugares. Mas o poder do mundo, não. No entanto, e ao mesmo tempo em que isso acontece, reconhecer a natureza das relações que regem o mundo em que vivemos não deveria nos fazer abandonar a idéia de uma ordem mundial regida por normas. Uma coisa é a realidade que nos rodeia; outra coisa são nossas aspirações, utopias talvez, mas não fantasias. A luta por um sistema internacional democrático de direito não deveria deixar de ser uma reivindicação permanente de uma civilização que apresenta, como uma de suas conquistas, a democracia e a idéia de que as 198 A democracia na América Latina condutas são regidas por normas destinadas a preservar o direito igualitário de todos, indivíduos e Estados. Com efeito, no mundo que surgiu após o término do pós-guerra fria, as relações de poder, basicamente militares e econômicas, regulam o sistema internacional. Nessas condições, o tema que emerge como prioridade é a contradição entre a necessidade da diversidade – que reclama um importante grau de autonomia dos países e um sistema mundial baseado em normas claras e comuns – e um mundo homogeneizado por relações de poder que deixam aos atores nacionais a capacidade de regulação normativa apenas em questões relativamente marginais. Nessas condições, que escolha sobre questões substantivas os cidadãos podem fazer? Qual é a possibilidade de que seja cumprido o que decidiram? Em relação a essa questão central, o Relatório apresenta, a seguir, um conjunto de reflexões e temas que deveriam nutrir o debate sobre a globalização e o desenvolvimento da democracia: 1. Ao mesmo tempo em que favoreceu o progresso da democracia, a globalização impôs restrições, inclusive aos Estados mais fortes e desenvolvidos. Na América Latina, essas restrições questionam a credibilidade do Estado como construtor de sociedade e promotor de cidadania; além disso, trazem consigo grandes conseqüências sobre o tipo de políticas possíveis para os governos da região. A ação isolada da maior parte dos Estados nacionais latino-americanos revela-se insuficiente para influir, controlar e regular esse processo, ou beneficiar-se com ele, ou ainda para opor resistência a suas tendências. 2. Paradoxalmente, a globalização, enquanto desgastou a capacidade de ação dos governos, particularmente a eficácia de seus instrumentos de regulação econômica, deixou nas mãos dos Estados nacionais a complexa tarefa de manter a coesão social, mas com menores margens de ação. E ainda mais, como resultado do peso crescente da condicionalidade imposta pelos organismos internacionais de crédito e, em geral, pe- la mobilidade do capital financeiro, vêm se reduzindo os espaços para a diversidade de modelos de organização social e econômica próprios da democracia. quadro 51 Globalização e impotência da política A globalização não apenas aumenta a participação do mercado no sistema 3. Entretanto, há uma grande distância entre essa constatação e a passividade governamental. O reconhecimento das restrições existentes não obriga necessariamente a aceitar o statu quo. A construção de um espaço de autonomia dos Estados nacionais face à globalização constitui um desafio próprio da política democrática que, como afirmamos ao longo deste Relatório, deve ser proposto como meta central para a construção e expansão de diversas cidadanias. 4. É perigoso cair no fatalismo face à globalização, sustentando que a assimetria de forças é tal que não há lugar para políticas autônomas. Esse fatalismo, infelizmente muito difundido, ignora os espaços reais de negociação que existem no mundo, bem como que esses espaços podem ser ampliados se houver uma vontade política, consistente e sustentada, de construção de instâncias regionais. 5. Os lugares institucionais de realização da cidadania política continuam sendo essencialmente nacionais. Isso significa que o reconhecimento da democracia como valor universal só adquire pleno sentido se os processos nacionais de representação, de participação e de tomada de decisões puderem determinar as estratégias de desenvolvimento econômico e social, e exercer uma mediação eficaz com as tensões próprias da globalização. 6. Por sua vez, sob a perspectiva do desenvolvimento da democracia também é preciso debater a construção dos espaços de autonomia mencionados no ponto anterior; eles são necessários para que as democracias latino-americanas possam adquirir sólida sustentação e expandir-se. 7. A democracia se vê severamente prejudicada pela crescente transferência de importantes decisões para âmbitos que estão de eqüidade e reduz a participação da democracia, mas o faz em nome da eficácia do mercado e de uma ordem superior à da democracia. É o que se denomina atualmente impotência do político. Jean-Paul Fitoussi, texto elaborado para o PRODDAL, 2003. fora do alcance do controle dos cidadãos. Isso tende a colocar em questão nada menos que a relevância real da democracia para os cidadãos e, conseqüentemente, a sua lealdade em relação a ela. Esta preocupação deve ser enfatizada porque podemos estar nos dirigindo a uma política que maneja agendas especificamente limitadas que, mais cedo ou mais tarde, podem nos conduzir a agendas irrelevantes ou negadoras da diversidade de caminhos e critérios que a especificidade de cada um de nossos países deveria refletir. 8. Como conseqüência do que foi colocado anteriormente, entende-se que, encontrar a maneira de aumentar a capacidade de autonomia na definição e solução dos grandes problemas que nos afetam, é uma questão que diz respeito não apenas a cada país, como também à região em seu conjunto. 9. Isso implica debater também políticas de alcance regional que possibilitem um aumento compartilhado dessa autonomia. Por isso passa a ter sentido e urgência o renascimento político dos esforços regionais que, além de serem esforços meramente comerciais, recriem e aumentem os espaços políticos de decisão própria, os nacionais e os dos cidadãos. 10. Isso não significa necessariamente a criação de novas organizações para assumir essas tarefas nem, muito menos, que tenham caráter supranacional. O fundamental é que os Estados da região decidam abordar o tratamento desses temas no plano político. Para isso, as atuais instituições regionais e subRumo a uma democracia de cidadania 199 regionais possibilitam uma razoável base de ação, com os ajustes de agenda e estrutura que serão indispensáveis. de quando a questão da segurança torna-se o prisma central sob o qual a política e as relações internacionais são observadas. 11. Assim colocada, a tarefa da integração política é a construção da Nação e a construção da região, uma região de nações em que umas e outras se complementam e reforçam. Isto é, uma associação política de Estados soberanos. 17. Por sua vez, a região tem uma forte carga de antecedentes nessa matéria. Em um passado recente, foi objeto de vários atentados terroristas graves. Além disso, durante várias décadas alguns países latino-americanos sofreram grande violência, tanto de grupos insurgentes quanto do próprio Estado. Portanto, o perigo da violência terrorista não é uma hipótese abstrata para a região. 12. O ordenamento internacional deveria respeitar a diversidade dos países (entre eles e em cada um deles), dentro dos limites da interdependência. No entanto, as práticas de poder imperantes nas relações internacionais não tendem a levar em conta essa necessidade. 13. A capacidade de construção autônoma em um mundo globalizado, com uma única potência hegemônica, envolve novos desafios. Não se trata apenas dos problemas clássicos da relação centro-periferia, o império e suas zonas de controle, mas, além de tudo, trata-se dessas relações no contexto da globalização atual. Nela, os fenômenos exteriores são tão imediatos e cotidianos quanto os produzidos no próprio território das nações. 14. O pós-guerra fria terminou em 11 de setembro de 2001, com o ataque terrorista aos Estados Unidos. A questão da segurança voltou ao centro do cenário, transformando-se na matéria prioritária da política mundial. Por sua vez, a partir desse momento, os acontecimentos marcaram uma mudança substancial nas relações mundiais, com forte impacto sobre os sistemas multilaterais de defesa coletiva. 15. A centralidade da questão da segurança na agenda internacional suscita uma tensão com a democracia e as liberdades. Os países centrais têm melhores contrapartidas que os nossos para resolver essa tensão. 16. A experiência que tivemos na América Latina, nas décadas anteriores ao fim da guerra fria, é um bom exemplo do que suce200 A democracia na América Latina 18. Recentemente, as relações de poder militar marcaram de maneira decisiva os vínculos mundiais. A idéia de que a globalização havia transferido o centro das relações internacionais das questões militares e de segurança para as financeiras, de que a economia substituía a política, dissipouse. A preeminência da questão do terrorismo traz para a análise, por um lado, o impacto de uma potencial agressão terrorista sobre as capacidades estatais e, por outro, as conseqüências de respostas inapropriadas sobre essas capacidades e sobre a própria democracia. A resposta apropriada refere-se à capacidade estatal de responder eficazmente ao perigo de agressão e, ao mesmo tempo, evitar que essa resposta enfraqueça sua capacidade de democratizar ou diminua a qualidade da democracia. 19. É fundamental para a democracia que os problemas de segurança não figurem como parte de uma agenda imposta, mas que sejam assumidos com soluções próprias. Nesse sentido, a questão da segurança adquire centralidade. Uma posição passiva nessa matéria pode nos tornar altamente vulneráveis a estratégias exteriores, definidas sem levar em consideração importantes interesses, próprios de nossa região. 20. Os países da região devem formular, à luz do que ocorreu em 11 de setembro e suas conseqüências, bem como da singularidade de suas democracias, critérios próprios para inspirar suas opções de resposta ao perigo instaurado pelo terrorismo. Em síntese O Relatório propôs que a democracia entendida de maneira minimalista, como a possibilidade de exercer o direito de voto periodicamente para eleger governantes, dentro de um marco de plena vigência do estado de direito, não apenas é importante como é uma condição sine qua non para poder qualificar um regime de democrático. O Relatório, porém, vai mais além. Considera que se deve ampliar o horizonte da democracia, não apenas aperfeiçoando os mecanismos institucionais da política e a implementação efetiva dos direitos civis para todos os cidadãos, como também atendendo à expansão efetiva da cidadania social. Trata-se de discutir como se pode avançar no caminho de uma cidadania integral, colocando a política no centro, de maneira que o cidadão, e mais precisamente a comunidade de cidadãos, possa participar em decisões substanciais. A globalização é um dado, mas não se trata pura e exclusivamente de admitir que tudo o que sucede como conseqüência da transformação tecnológica e da expansão dos mercados deve ser aceito sem reflexão e sem ação. É preciso entender a transformação constante e rápida que ocorre no mundo de hoje, é preciso conviver com incertezas, mas também é preciso atuar para modificar essas macrotendências na conjuntura de cada país. Trata-se de implementá-la regional e localmente com uma atitude pró-ativa e não meramente passiva, para que possa arraigar-se. Desse modo, a economia não é tampouco um dado a ser assumido passivamente; não existe uma maneira única de pensar e de fazer funcionar o mercado. Já se sabe que há diversas formas históricas bem-sucedidas que conviveram em marcos culturais diferentes. Essa comunidade de cidadãos deve, então, promover uma nova legitimidade para o Estado, esse organismo que deve não apenas proporcionar a máquina burocrática administrativa de cada país, mas também respeitar e ampliar as instituições políticas e o estado de direito, e lançar as bases para assegurar a eqüidade, para poder construir políticas sociais que visem à ampliação da cidadania social. Criar uma visão integral da cidadania e articular o funcionamento da economia com as decisões políticas da comunidade de cidadãos são alguns dos temas que emergem deste Relatório para suscitar uma nova forma de debater a democracia na região latino-americana. Rumo a uma democracia de cidadania 201 202 A democracia na América Latina Reflexões finais O eterno desafio Em um de seus célebres ensaios, Isaiah Berlin nos recorda que “há mais de cem anos, o poeta alemão Heine advertiu os franceses de que não deviam subestimar o poder das idéias: os conceitos filosóficos alimentados no silêncio do escritório de um acadêmico podiam destruir toda uma civilização”. A América Latina foi filha de uma idéia, e essa idéia continua sendo o cerne de sua visão de futuro: construir uma sociedade democrática. Seu processo de independência esteve indissoluvelmente ligado à concepção republicana e, para ela, os libertadores canalizaram seu esforço. O devir histórico mostrou, no entanto, um estranho périplo, repleto de contradições, interrupções e retomadas, entardeceres e alvoradas. Algumas vezes foram os fatos, sociais, econômicos, militares, que ultrapassaram as fronteiras dos princípios, mas as idéias também caíram em suas próprias armadilhas, pois todas as vezes que liberdade e justiça se conjugaram separadamente, ambas se viram em situação de risco. Foi assim que ocorreu, infelizmente, quando se sonhou em superar o núcleo central da idéia democrática, que não é outro senão o de assegurar as liberdades e organizar um governo representativo do povo, capaz, portanto, de fazer com que essa liberdade se concilie com o máximo possível de igualdade entre as pessoas. Quanto de construção desse ideal foi, de fato alcançado? Que deve ser feito para assegurar o que foi alcançado e seguir avançando? Desafiados por essas básicas interrogações é que este trabalho foi lançado há dois anos, consultando, perguntando, removendo, despertando interesses, procurando encontrar alguns métodos objetivos para medir realidades sempre mais complexas do que qualquer estatística. Idéia e realidade vivem uma constante tensão. Se nos mantemos exclusivamente no território da idéia, podemos traí-la na ação. Se a perdemos de vista em uma luta acirrada contra as realidades injustas, arriscamos cair em um perigoso e desconexo empirismo. É preciso, então, definir conceitos e contrastálos, em passos aproximativos, com a realidade. Devemos recordar que se hoje isso é possível para o PNUD é porque a região atingiu um nível de desenvolvimento da democracia como nunca antes. Nos anos setenta, qualquer caminho para um trabalho dessa natureza estava interditado, porque o mapa latino-americano era sombrio, com tantas ditaduras que não existiam condições para que a organização internacional tentasse uma profunda reflexão sobre a questão. A partir dessa premissa cheia de esperança abriuse, então, o trabalho que contou com a colaboração, sem exceção, de governos e partidos, atores políticos e civis, protagonistas econômicos e acadêmicos. ReuniReflexões finais 203 ões, seminários, entrevistas, relatórios, estudos, investigações estatísticas foram povoando um grande conjunto que, além de seu valor intrínseco, gerou em toda a região um interesse no tema, uma convicção de que é necessário – e possível – atuar sobre nossa situação. O propósito inicial de gerar um clima estimulante à reflexão foi ganhando corpo. E hoje se chega a este Relatório sobre a democracia com a convicção de que, independentemente de suas inevitáveis limitações e necessárias imperfeições, coloca-se à disposição de toda a sociedade latino-americana um instrumento de trabalho. Não está aqui a tomografia computadorizada de nenhum Estado concreto. Tampouco a análise específica de alguma patologia determinada. O que realmente se define é uma idéia geral da saúde democrática, uma aproximação sobre realidades que merecem preocupação e a configuração de alguns instrumentos para que a constante revisão permita a todos nós seguir construindo. Como nos disse Pierre Rosanvallon, “a democracia formula uma pergunta que permanece continuamente aberta: é como se nenhuma resposta adequada pudesse lhe ser dada”. Esta incômoda sensação de que nunca nada está terminado constitui a própria idéia da liberdade, e com ela temos de conviver. Todas as vezes que se quis tentar, em nome da democracia, algum sistema com todas as respostas, construiu-se um totalitarismo. O século passado, talvez tenha sido o que gerou maiores tragédias nessa busca. Herdeiros dessa experiência, hoje, assumimos que a realidade nunca nos deixará conformados porque, comparada com a idealização pura, sempre será insatisfatória; mas também sabemos que sendo a democracia “antes de tudo um ideal”, como nos diz Giovanni Sartori, devemos procurar seu constante aperfeiçoamento, sempre e a toda hora, sem pressa, mas sem pausa. A pobreza, as desigualdades sociais, o choque étnico, o divórcio entre as expectativas e as realidades, em um momento histórico em que uma revolução científica transforma a nossa vida todos os dias, introduzem notas de instabilidade. Daí a necessidade constante de prevenir. Se este Relatório contribui para instalá-la na preocupação afirmativa de todos os seus atores, terá conseguido seu propósito fundamental, que não é julgar ninguém, mas sim estimular a todos. Foi o que o PNUD fez com o Índice de Desenvolvimento Humano e assim conseguiu que esse modo de avaliar, independente do parcial e insuficiente PIB, fosse assumido na sociedade. Na mesma linha inovadora, hoje se pretende que a melhora democrática não seja simplesmente uma expressão retórica, sempre questionável, mas sim uma realidade sobre a qual se atua, registrando avanços e retrocessos que possam ser vistos com objetividade. Esses avanços, essas buscas respondem à idéia de que democracia e desenvolvimento humano são apenas duas caras da mesma moeda. Subestimar o progresso atingido, colecionando déficits e carências, é desalentar a sociedade em seu necessário e constante aperfeiçoamento. Deleitar-se nele, caindo na ilusão de uma meta alcançada, seria colocar tudo em risco. Por isso 204 A democracia na América Latina aqui, simplesmente, abre-se uma nova etapa no caminho. O esforço das últimas duas décadas foi formidável e suas conquistas devem ser apresentadas com toda plenitude. Esse esforço deve prosseguir e até pode-se abrir aqui, a partir desses instrumentos elaborados, um procedimento permanente de observação e análise e, ao mesmo tempo, de difusão de experiências e prevenção de riscos. A consciência alerta é o único estado de ânimo para que a democracia continue sua vida, adaptando-se aos tempos. Ela permanece, ainda, como a mais revolucionária das idéias e, por ser sempre inacabada, é a mais desafiante. Não haverá respostas definitivas para suas interrogações, mas sempre haverá, como no destino do homem, oportunidades para fazer o bem aos semelhantes. Julio María Sanguinetti Ex-Presidente da República Oriental do Uruguai Presidente da Fundação Círculo de Montevidéu Reflexões finais 205 206 A democracia na América Latina ■ Agradecimentos Este Relatório não poderia ter sido elaborado sem a generosa colaboração de muitas pessoas e organizações às quais expressamos nosso agradecimento. Gostaríamos de expressar um especial reconhecimento à União Européia, particularmente a Chris Patten, Comissário de Relações Exteriores da Comissão Européia, Eneko Landaburu, Diretor Geral, Fernando Valenzuela, Diretor Geral Adjunto e Tomas Dupla del Moral, Diretor da América Latina, Direção de Relações Exteriores, e Fernando Cardesa, Diretor da América Latina de EUROPEAID, bem como a todos os funcionários da Direção Geral de Relações Exteriores e do Escritório de Cooperação EuropeAid que colaboraram neste projeto, pelo respaldo e interesse demonstrado para a publicação e difusão deste Relatório. Instituições que colaboraram na elaboração e discussão do Relatório Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização dos Estados Americanos (OEA), Clube de Madri, Círculo de Montevidéu, Corporação Latinobarômetro, Fundação Chile XXI, Universidade de Bolonha, Centro de Estudos Sociais e Ambientais, Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA) e Associação Civil Transparência (Peru). Autores de artigos sobre temas da agenda Manuel Alcántara, Raúl Alconada Sempé, Willem Assies, Natalio Botana, Fernando Calderón, Dante Caputo, Fernando Henrique Cardoso, Jean-Paul Fitoussi, Eduardo Gamarra, Marco Aurélio Garcia, Manuel Antonio Garretón, César Gaviria, Julio Godio, Felipe González, Rosario Green, Cândido Grzybowski, Osvaldo Hurtado, Enrique Iglesias, José Antonio Ocampo, Celi Pinto, Lourdes Sola, Augusto Ramírez Ocampo, Rubens Ricupero, Joseph Stiglitz, Cardenal Julio Terrazas e Francisco Thoumi. Participantes da Rodada de Consultas Argentina: Raúl Alfonsín, Jaime Campos, Elisa Carrió, Jorge Casaretto, Víctor De Genaro, Fernando de la Rúa, José Manuel De la Sota, Jorge Elías, Rosendo Fraga, Aníbal Ibarra, Ricardo López Murphy, Juan Carlos Maqueda, Joaquín Morales Solá, Hugo Moyano, Adolfo Rodríguez Saá, Rodolfo Terragno, Horacio Verbitsky e Oscar Vignart. Bolívia: Esther Balboa, Carlos Calvo, Carlos Mesa, Gustavo Fernández Saavedra, Martha García, Fernando Mayorga, Jaime Paz Zamora, Jorge Quiroga Ramírez, Edgar Ramírez, e Gonzalo Sánchez de Losada. Brasil: Luiz Gonzaga Belluzo, Frei Betto, Luiz Carlos Bresser-Pereira, José Márcio Camargo, Fernando Henrique Cardoso, Suely Carneiro, Marcos Coimbra, Fábio K. Comparato, Paulo Cunha, Antônio Delfim Neto, Joaquim Falcão, José Eduardo Faria, Ruben César Fernandes, Argelina Figueiredo, Oded Grajew, Cândido Grzybowski, Luiz Suplicy Hafers, Helio Jaguaribe, Miriam Leitão, Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima, Ives Martins, Filmar Mauro, Henrique Meirelles, Jarbas Passarinho, João C. Pena, Celso Pinto, Márcio Pochmann, Clóvis Rossi, Pedro Simon, Luiz E. Soares, João Paulo dos Reis Velloso, Vicentinho, Arthur Virgílio e Ségio Werlang. Chile: Andrés Allamand, Patricio Aylwin, Benito Baranda, Edgardo Boeninger, Eduardo Frei, Juan Pablo Illanes, Jorge Inzunza, Ricardo Lagos, Norbert Lechner, Arturo Martínez, Jovino Novoa, Ricardo Nuñez, Carlos Ominami, e Carolina Tohá. Colômbia: Ana Teresa Bernal, BelisaAgradecimentos 207 rio Betancur, Héctor Fajardo, Guillermo Fernández de Soto, Luis Jorge Garay, Hernando Gómez Buendía, Julio Roberto Gómez, Carlos Holguín, Fernando Londoño, Antonio Navarro, Sabas Pretelt de la Vega, Jorge Rojas, Ernesto Samper, Francisco Santos,Horacio Serpa, Álvaro Valencia Tovar e Luis CarlosVillegas. Costa Rica: Oscar Arias, Leonardo Garnier, Eduardo Lizano, Elizabeth Odio Benito, Ottón Solis, Albino Vargas e Samuel Yankelewitz. Equador: Rodrigo Borja, Marena Briones, Joaquín Cevallos, José Eguiguren, Ramiro González, Susana González, Lucio Gutiérrez, Osvaldo Hurtado, Miguel Lluco, Alfredo Negrete, Jaime Nebot, Benjamín Ortiz, Alfredo Palacio, Rodrigo Paz, Gustavo Pinto, Mesías Tatamuez Moreno, Luis Verdesoto e Jorge Vivanco. República Dominicana: Manuel Esquea Guerrero, Leonel Fernández Reyna, Antonio Isa Conde, Carlos Guillermo León, Hipólito Mejía e Jacinto Peynado. El Salvador: Armando Calderón Sol, Gregorio Rosa Chávez, Humberto Corado, David Escobar Galindo,Mauricio Funes, Salvador Samayoa, Héctor Silva e Eduardo Zablah Touché. Guatemala: Marco Vinicio Cerezo, Marco Augusto García, Gustavo Porras, Alfonso Portillo, Rosalina Tuyuc e Raquel Zelaya. Honduras: Isaías Barahona, Rafael Leonardo Callejas,Miguel Facusse, Carlos Flores Facusse, Ricardo Maduro e Leticia Salomón. México: Lorenzo Meyer, José Woldenberg, Carlos Elizondo, José Francisco Paoli Bolio, Luis Felipe Bravo Mena, Beatriz Paredes, Francisco Hernández, Soledad Loaeza, César Verduga, Luis H. Álvarez, Amalia García, José Luis Reina, Raúl Benitez, Felipe Calderón Hinojosa, Felipe de Jesús Cantú, Cuauhtémoc Cárdenas, Sergio Aguayo, Eugenio Clariond, Arturo Montiel, Bernardo Sepúlveda, Juan Sánchez Navarro, Manuel Arango, Jorge G. Castañeda, Gilberto Borja Navarrete, Rolando Cordera, Santiago Creel, Juan Ramón de la Fuente, Vicente Fox, Santiago Levy, Andrés Manuel López Obrador, Roberto Madrazo, Arturo Núñez, Jesús 208 A democracia na América Latina Reyes Heroles, Rosario Robles, Luis Téllez, Ernesto Zedillo, Mariano Palacios Alcocer, Carmen Lira, Sergio Sarmiento. Nicarágua: Carlos Fernando Chamorro, Violeta Granera, Wilfredo Navarro Moreira, René Núñez Tellez, Sergio Ramírez Mercado e José Rizo Castellón. Panamá: Miguel Candanedo,Norma Cano, Guillermo Endara, Angélica Maytin, Martín Torrijos e Alberto Vallarino. Paraguai: Martín Almada, Nelson Argaña, Nicanor Duarte Frutos, Pedro Fadul, Ricardo Franco, Cristina Muñoz, Enrique Riera, Milda Rivarola, Humberto Rubin, Miguel Abdón Saguier e Aldo Zucolillo. Peru: Julio Cotler, Jorge Del Castillo, Carlos Ferrero Costa, Lourdes Flores Nano, Gastón Garatea Vori, Diego García-Sayán, Juan José Larrañeta, Roberto Nesta, Valentín Paniagua, Rafael Roncagliolo, Javier Silva Ruete, Luis Solari de la Fuente, Alejandro Toledo e Alan Wagner. Uruguai: Diego Balestra, Jorge Batlle, Héctor Florit, Luis Alberto Lacalle, José Mujica, Romeo Pérez, Juan José Ramos, Julio María Sanguinetti, Liber Seregni e Ricardo Zerbino. Venezuela: José Albornoz, Alejandro Armas, Carlos Fernández, Eduardo Fernández, Guillermo García Ponce, Alberto Garrido, Janet Kelly, Enrique Mendoza, Calixto Ortega, Teodoro Petkoff, Leonardo Pisani, José Vicente Rangel, Cecilia Sosa, Luis Ugalde e Ramón Velásquez. Participações especiais Belisario Betancur, ex-Presidente da Colômbia; Rodrigo Borja, ex-Presidente do Equador; Kim Campbell, ex-Primeiro Ministro do Canadá e Presidente do Clube de Madri; Aníbal Cavaco Silva, ex-Primeiro Ministro de Portugal; Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente do Brasil; Eduardo Frei, ex-Presidente do Chile; Felipe González, exPresidente do Governo Espanhol; Antonio Guterres, ex-Primeiro Ministro de Portugal; Osvaldo Hurtado, ex-Presidente do Equador; Valentín Paniagua, ex-Presidente do Peru; Jorge Quiroga Ramírez, ex-Presidente da Bolívia; Carlos Roberto Reina, ex-Presidente de Honduras; Miguel Ángel Rodríguez, ex- Presidente da Costa Rica; Ernesto Zedillo, ex-Presidente do México; Julio María Sanguinetti, ex-Presidente do Uruguai e Presidente da Fundação Círculo de Montevidéu; César Gaviria, ex-Presidente da Comlômbia e Secretário Geral da OEA; Enrique Iglesias, Presidente do BID; José Antonio Ocampo, ex-Secretário Executivo da CEPAL e atual Subsecretário Geral da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais; Fernando Valenzuela, Diretor Geral Adjunto de Relações Exteriores da União Européia; Guillermo de la Dehesa, ex-Secretário de Estado de Economia da Espanha; Miguel Ángel FernándezOrdoñez, ex-Secretário de Estado de Economia da Espanha; Ernesto Garzón Valdés, Presidente Clube de Tampere; Antonio Álvarez-Couceiro, Secretário Geral do Clube de Madri; Fernando Carrillo-Florez, Conselheiro Principal Escritório BID na Europa e Lucinio Muñoz, Adjunto ao Secretário Geral do Clube de Madri. Nossos agradecimentos especiais a Jacques Le Pottier, Decano da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Toulouse Le Mirail, que ofereceu seu apoio e facilitou o acesso aos recursos dessa universidade. Funcionários do Escritório do Administrador do PNUD Nossos agradecimentos aos funcionários do Escritório do Administrador do PNUD, especialmente a Marck Suzman, Jessica Faietta, William Orme e Victor Arango do Escritório de Comunicações do Administrador. Funcionários da Direção para América Latina e Caribe do PNUD A equipe do projeto agradece, particularmente, a estreita colaboração dos funcionários do PNUD, e em especial a Freddy Justiniano, Myriam Méndez-Montalvo, Enrique Ganuza, Gilberto Flores, Jacqueline Carbajal, Isabel Chang, Elisabeth Díaz, Cristina Fasano, Elena García-Ramos, Lydia Legnani, Cielo Morales, Susana Pirez, Juan Manuel Salazar, Luis Francisco Thais, MaríaNoel Vaeza e Gemma Xarles. Funcionários do Escritório de Enlace do PNUD em Bruxelas Nossos agradecimentos aos funcionários do Escritório de Enlace do PNUD em Bruxelas, Omar Baquet, María Noel Vaeza, e Susana Etcheverry. Funcionários do Escritório do PNUD na Argentina O Escritório do PNUD na Argentina, lugar Sede do projeto, ofereceu uma inestimável colaboração, e apoio organizativo e administrativo, especialmente Carmelo Angulo Barturén, Jessica Faieta, Silvia Rucks, Susana Gatto, Pablo Vinocur, José Ignacio López, Gerardo Noto, Liliana De Riz, Elba Luna, Sonia Urriza, Aldo García, Ana Inés Mulleady, María Angélica Wawrzyk, Ana Edmunds, Pablo Basz, Marcelo Bagnasco, Beatriz Martínez, Saioa Royo, Itziar Abad, Mercedes Ansotegui, Natalia Aquilino, Andrea Botbol, Cecilia Del Río, Daniela Del Río, Myriam Di Paolo, Claudio Flichman, Oscar González, Guillermo Iglesias, Beatriz López, María Inés Jezzi, Vivian Joensen, Juan Carlos Magnaghi, Marina Mansilla Hermann, Jorge Martínez, Santiago Redecillas, Walter Ricciardi, Ricardo Salas e Geraldine Watson, aos quais expressamos nosso agradecimento. Representantes Residentes, Adjuntos e Auxiliares dos Escritórios do PNUD na América Latina Jeffrey Avina, Kim Bolduc, Katica Cekalovic, Renata Claros, Juan Pablo Corlazzoli, Jorge Chediek, Juan Carlos Crespi, Ligia Elizondo, Jafet Enríquez, Niki Fabiancic, Elisabeth Fong, Walter Franco, Roberto Galvez, Susana Gatto, Peter Grohmann, Elizabeth Hayek, José Manuel Hermida, Henry Jackelen, Lorenzo Jiménes de Luis, Thierry Lemaresquier, Carlos Lopes, Carlos Felipe Martínez, Pablo Martínez, Alfredo Marty, César Miquel,Antonio Molpeceres, Roberto Monteverde, Bruno Moro, Clemencia Muñoz, Lucien Muñoz, Adelina Paiva, Barbara Pesce-Monterio, Irene Phillip, Benigno Rodríguez, Beat Rohr, Martín Santiago, Rosa Santizo, Ilona Szemzo, Aase Smedler, Claudio Tomasi, René Mauricio Valdés, Jan-Jilles Van der Hoeven, Alfredo Witschi-Cestari. Agradecimentos 209 Funcionários dos Escritórios do PNUD na América Latina Bolívia: Cecilia Ledesma, Christian Jetté e Patricia Cusicanqui. Brasil: Filipe Nasser, Gilberto Chaves, Johanna Clarke de Voest Silva, José Carlos Libânio e Wilson Pires Soares. Chile: Alejandra Cáceres, Carla Pietrantoni, Eugenio Ortega, Josefa Errázuriz, María Teresa Vergara e Oscar Muñoz. Colômbia: Adriana Anzola, Alice Ayala, Amalia Paredes, Carlos Mauricio García, Daniel Igartua, Hernando Gómez Buendía, María del Pilar Rojas, Mauricio Ramírez e Patricia Lizarazu. Costa Rica: Arlene Méndez Solano, Henry González e Vera Brenes. Equador: José Balseca, Norma Guerrero e Santiago Burbano. El Salvador: Esther López e Morena Valdez. Honduras: Doris Rivas, Fátima Cruz, Karina Servellón e Lesly María Sierra. Guatemala: Carmen Morales, Cecilia Zúñiga, Ingrid Melgar, Juan Alberto Fuentes e Myriam de López. México: Arturo Fernández, Luz Patricia Herremann e Patricia Marrón. Nicarágua: Dina Garcia e Gloria Altamirano. Panamá: Marta Alvarado. Paraguai: Inés Brack e María Clavera. Peru: Carolina Aragón, Mario Solari e Pilar Airaldi. República Dominicana: Martha Elizabeth Martínez Correa e Solange Bordas. Uruguai: Mónica Voss e Verónica Nori. Venezuela: Alberto Fuenmayor e Mayra Cartaya. Participantes em seminários e reuniões No projeto do Compêndio Estatístico e na construção de índices contamos com comentários de Kenneth Bollen, Fernando Carrillo-Florez, Michael John Coppedge, Freddy Justiniano, Fernando Medina, John Mark Payne, Adam Przeworski, Arodys Robles Soto, Michael Smithson, Jay Verkuilen, Gemma Xarles e Daniel Zovatto. Em uma reunião para revisar o Índice de Democracia Eleitoral contribuíram com seus conhecimentos Horacio Boneo, Dante Caputo, Leandro Garcia Silva, Hernando Goméz Buendía, Freddy Justiniano, Juan Fernando Londoño, Myriam Mendez-Montalvo, Simón Pachano, Juan Rial, Elisabeth Spehar, Maria Hermínia Tavares de Almeida e José Woldenberg. Na análise do estado atual e das perspectivas da democracia na América Latina participaram Héctor Aguilar Camín, Raúl Alconada Sempé, Soledad Alvear, Julio Angel, Sergio Bitar, Dante Caputo, Jorge Castañeda, Marcelo Contreras, Nicolás Eyzaguirre, Álvaro Díaz, Marco Aurélio Garcia, Manuel 210 A democracia na América Latina Antonio Garretón, Gabriel Gaspar, Rodolfo Gil, Alonso González, Eduardo Graeff, Katty Grez, Jorge Heine, José Miguel Insulza, Ricardo Lagos, Ester Levinsky, Thierry Lemaresquier, Edgardo Lepe, Rodolfo Mariani, Elena Martínez, Guttemberg Martínez, Gonzalo Martner, Jorge Levi Mattoso, Heraldo Muñoz, José Antonio Ocampo, Carlos Ominami, Verónica Oyarzún, Augusto Ramírez Ocampo, Juan Ramírez, Jorge Reyes, Camila Sanhueza, Julio María Sanguinetti, Joseph Stiglitz, Federico Storani, Juan Gabriel Valdéz e Isabel Vásquez. Na discussão sobre a crise da política, juntamente com o Círculo de Montevidéu, participaram Carmelo Angulo Barturén, Danilo Arbilla, Dante Caputo, Antonio Álvarez Cruceiro, Joaquín Estefanía, Aníbal Fernández, Eduardo Frei, Felipe González, Osvaldo Hurtado, Elena Martínez, Bartolomé Mitre, Alfredo Negrete, Andrés Oppenheimer, Rodrigo Pardo, J.C. Pereyra, Rafael Poleo, Julio María Sanguinetti, Martín Santiago, Enrique Santos, Thomas Scheetz,Javier Solanas e Ernesto Tiffenberg. Na análise sobre democracia e Estado contribuíram com sua participação Diego Achard, Giorgio Alberti, Raúl Alconada Sempé, Antonio Álvarez Couceiro, José Luis Barros, Rodrigo Borja, Dante Caputo, Fernando Henrique Cardoso, Elisa Carrió, Marcelo Contreras Nieto, Alberto Couriel, Sonia Draibe, Gilberto Dupas, Gustavo Fernández Saavedra, Walter Franco, Manuel Antonio Garretón, Rodolfo Gil, George Gray Molina, Edmundo Jarquín, José Carlos Libânio, Rodolfo Mariani, Elena Martínez, Marcus Melo, Augusto Ramírez Ocampo, Arturo O’Connell, Guillermo O’Donnell, Beatriz Paredes, Celi Pinto, Eduardo Piragibe Graeff, Márcio Pochmann e Lourdes Sola. No debate sobre sociedade civil e narcotráfico participaram Carlos Basombrío, Fernando Calderón, Eduardo Gamarra, Luis Jorge Garay, Gonzalo Perez del Castillo, Elías Santana, Edelberto Torres Rivas, Franciso Thoumi e Luis Verdesoto. Na discussão sobre democracia e multiculturalismo nos acompanharam Álvaro Artiga, Willem Assies, Santiago Bastos, Antonio Cañas, Julieta Castellanos, Isis Duarte, Galo Guardián, Francesca Jessup, Carlos Benjamín Lara, Carlos Mendoza, Arodys Robles Soto, Ignacio Rodríguez, Gonzalo Rojas, Manuel Rojas, Leticia Salomón, Edelberto Torres Rivas, Jorge Vargas e Agatha Williams. Na análise sobre democracia e economia participaram Raúl Alconada Sempé, Alberto Alesina, Carlos Amat y León, José Luis Barros, María Elisa Bernal, Tim Besley, Dante Caputo, Alberto Couriel, Ricardo Ffrench-Davis, Enrique Ganuza, Innocenzo Gasparini, Rebeca Grynspan, Eugenio Lahera, Oscar Landerretche, Thierry Lemaresquier, Manuel Marfán, Juan Martín, Elena Martínez, Gonzalo Martner, Oscar Muñoz, Arturo O’Connell, José Antonio Ocampo, Carlos Ominami, Torsten Persson, Thomas Scheetz, Jorge Schvarzer, Andrés Solimano e Guido Tabellini. Na análise sobre democracia e globalização, juntamente com o Clube de Madri, participaram Andrés Allamand, Antonio Alvarez- Couceiro, Rodrigo Borja, Dante Caputo, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Carrillo- Florez, Aníbal Cavaco Silva, Tarcísio Costa, Miguel Darcy, Guillermo de la Dehesa, Miguel Ángel Fernández-Ordóñez, Eduardo Frei, Ernesto Garzón Valdés, Felipe González, Antonio Guterres, Carlos Lopes, Elena Martínez, Lucinio Muñoz,Carlos Ominami, Beatriz Paredes, Jorge Quiroga Ramírez e Fernando Valenzuela. Na discussão sobre condições para a estabilidade das instituições democráticas na América Central participaram: Alberto Arene, Miguel Angel Barcárcel, Rafael Guido Béjar, Marcia Bermúdez, Miguel Antonio Bernal, Roberto Cajina, Antonio Cañas, Zenayda Castro, Carlos Cazzali, Elvira Cuadra, Jorge Chediek, Francisco Díaz, Mirna Flores, Dina García, Jorge Giannareas, Ricardo Gómez, Valdrack Jaentschke, Francesca Jessup, Walter Lacayo, Semiramis López, José Raúl Mulino, Isabela Orellana , Alfonso Peña, Kees Rade, Juan Carlos Rodríguez, María del Carmen Sacasa, Gabriela Serrano, Héctor Hérmilo Soto, Edelberto Torres Rivas, Arnoldo Villagrán e Knut Walter. Reunião com o Secretário Geral da ONU Participaram da reunião com o Secretário Geral da ONU, Sr. Kofi Annan, em Nova York, em 12 de novembro de 2002, Belisario Betancur, ex-Presidente da Colômbia; Kim Campbell, Presidente do Clube de Madri (ex-Primeiro Ministro do Canadá); Eduardo Frei, ex-Presidente de Chile; Jorge Quiroga Ramírez, ex-Presidente de Bolívia; Carlos Roberto Reina, ex-Presidente de Honduras; Julio María Sanguinetti, ex-Presidente do Uruguai; Ernesto Zedillo, ex-Presidente do México; Zéphirin Diabré, Administrador Associado do PNUD; Shoji Nishimoto, Administrador Auxiliar e Diretor de Desenvolvimento de Políticas, PNUD; Elena Martínez, Administradora Auxiliar e Diretora Regional para América Latina e Caribe (DRALC) do PNUD; José Antonio Ocampo, ex-Secretário Executivo, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e atual Subsecretário Geral para Assuntos Econômicos e Sociais da ONU; Danilo Türk, Secretário Geral Assistente, Departamento de Agradecimentos 211 Assuntos Políticos (DPA); Marta Maurás, Diretora do Escritório do Secretário Geral Adjunto (EOSG); Michael Moller, Diretor de Assuntos Humanitários, Políticos e de Manutenção da Paz (EOSG); Angela Kane, Diretora Divisão para as Américas e Europa (DPA); Freddy Justiniano, Coordenador do Programa Regional, DRLAC/PNUD; e os seguintes participantes do Projeto: Dante Caputo, Gonzalo Pérez del Castillo, Edelberto Torres Rivas, e Augusto Ramírez Ocampo. Reunião com o Administrador do PNUD Participaram da reunião com o Administrador do PNUD, Mark Malloch Brown, em 4 de novembro de 2003, Elena Martínez, Administradora Auxiliar e Diretora Regional para América Latina e Caribe do PNUD; Víctor Arango, Especialista em Comunicações para América Latina e Caribe, Escritório do Administrador; Magdy Martínez-Solimán, Chefe de Escritório, Prática de Governabilidade, BDP/PNUD; William Orme, Chefe da Seção Meios, Escritório do Administrador; Stefano Pettinato, Assessor em Políticas, Escritório do Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD; Carmelo Angulo Barturén, Representante Residente do PNUD na Argentina; Dante Caputo, Diretor do Projeto; Freddy Justiniano, Coordenador do Programa Regional, DRLAC, PNUD; Myriam Méndez- Montalvo, Assessora de Governabilidade do Programa Re- gional, DRALC, PNUD; Leandro García Silva, Consultor Acompanhamento Técnico e Acadêmico do Projeto, e Luis Francisco Thais, Consultor do Programa Regional, DRALC, PNUD. Apoio na preparação de reuniões e seminários Agradecemos a especial colaboração de Isabel Vásquez, do Círculo de Montevidéu; Katty Grez e Verónica Oyarzún, da Fundação Chile XXI; Ángeles Martínez e Irene Fraguas, do Clube de Madri; Bernardita Baeza, Carolina Ries e Valerie Biggs da CEPAL. Produção e tradução Para a transcrição das entrevistas da Rodada de Consultas contou-se com a colaboração de Maximiliano Bourel, Marcelo Burello, María Eva Cangiani, Valentina Farrell, Virginia Gallo, Guadalupe Guzmán, Erika Moeykens, Josefina Pittaluga, Julia Ramos, Natalia Rosenberg, Gisela Urriza e Geraldine Watson. A depuração do som da gravação das consultas foi realizada por Federico M. Guido Calvo. A tradução foi realizada por Marcelo Canosa, María Esperanza Clavell, Yvonne Fisher, Liliana Hecht, Gabriela Ippólito, Claudia Martínez e Merril Stevenson. A correção de estilo esteve a cargo de Hinde Pomeraniec. Fizemos questão de expressar nosso agradecimento a cada uma das pessoas que contribuíram para a realização deste Relatório. Esperamos que saibam desculpar qualquer possível omissão, totalmente involuntária, sem nenhuma dúvida. 212 A democracia na América Latina Nota técnica sobre o Índice de Democracia Eleitoral (IDE) ■ Esta nota descreve os passos dados e as provas estatísticas realizadas para a construção do Índice de Democracia Eleitoral (IDE), uma medida composta sobre os direitos políticos relacionados com a eleição dos governos. Apresentam-se, também, esclarecimentos sobre sua interpretação e utilização. Construção do IDE A escolha dos componentes O primeiro passo para a construção do IDE, e provavelmente o mais importante, consistiu na escolha dos seus quatro componentes: sufrágio, eleições limpas, eleições livres e cargos públicos eleitos. Eles foram selecionados considerando os elementos centrais tradicionalmente invocados pelos teóricos sobre a democracia para a definição de um regime democrático, e abarcam uma série de temas que, em geral, foram considerados centrais, inclusive necessários, para qualquer avaliação sobre o caráter democrático de um regime político (figura 1). Em segundo lugar, esses elementos referem-se a direitos de cidadania, cuja vigência é responsabilidade do Estado, e que podem ser interpretados claramente em termos da teoria da democracia vigente. Desse modo, evitam-se problemas associados com elementos tais como o comparecimento dos eleitores às urnas ou a desproporcionalidade eleitoral, que refletem tanto as ações estatais como as dos cidadãos. Isso permite garantir que o índice possa ser interpretado claramente como uma medida do grau em que o Estado garante os direitos da cidadania referentes ao regime político, de modo diferenciado da ação dos cidadãos. Da mesma maneira, evitam-se problemas relacionados com medidas de significação pouco claras com respeito ao grau de democracia de um regime, tais como a diferença entre regulamentações eleitorais proporcionais e majoritárias, ou entre sistemas presidencialistas ou parlamentaristas. Esses FIGURA 1 Índice de Democracia Eleitoral (IDE) Direito de voto Têm direito de voto todos os adultos de um país? Eleições limpas O processo eleitoral transcorre sem irregularidades que constranjam a expressão autônoma das preferências dos eleitores pelos candidatos e alterem o conteúdo fidedigno dos votos emitidos? Eleições livres É oferecido ao eleitorado um leque de alternativas que não estejam constrangidas por restrições legais ou de fato? aspectos, certamente, têm importância, mas não estão tão claramente conectados com o grau de democracia de um regime como os quatro escolhidos. Em terceiro lugar, esses elementos possibilitam contar com dados válidos e confiáveis do último ano civil. Deu-se ênfase na medição de componentes estritamente observáveis, evitando o uso de pesquisas sobre percepções. Desse modo, alguns componentes que poderiam ter sido incluídos foram deixados de lado por razões “práticas”. Por último, analisou-se um conjunto de fatores que poderiam ter sido incluídos e não foram, em grande parte devido à dificuldade de desenvolver medições apropriadas e a tempo para este primeiro Relatório. Isso inclui fatores associados ao exercício do direito ao voto, tais como o processo de obtenção de documentos de identidade, a inscrição ou registro para votar e a própria votação, e as condições para a concorrência livre, em que influem fatores como: o financiamento dos partidos e das campanhas, o uso de recursos Nota técnica sobre o Índice de Democracia Electoral (IDE) 213 Cargos públicos eletivos As eleições são o meio de acesso aos principais cargos públicos de um país, ou seja, o Executivo e o Legislativo nacional; e os que ganham as eleições assumem seus cargos públicos e neles permanecem durante os prazos estipulados pela lei? públicos, o acesso aos meios de comunicação e a liberdade de imprensa. Outras questões importantes dizem respeito às práticas eleitorais a nível subnacional e à estabilidade do regime. A conveniência da construção de novos índices fica como tema para futuras discussões. A medição dos componentes Para o segundo passo para a construção do IDE – a medição de seus quatro componentes – foi preciso tomar duas decisõeschave. A primeira diz respeito às regras do processo de codificação e a segunda, ao processo de codificação propriamente dito. Quanto às regras do processo de codificação, as escalas – três ordinais de cinco pontos e um ordinal de três pontos – foram construídas determinando primeiro os pontos finais teoricamente significativos e, em seguida, identificando valores de escala, distanciados conceitualmente o máximo possível, começando com o ponto médio. Os valores da escala foram escolhidos para refletir diferenças relevantes da bibliografia, evitando pequenas variações entre casos, mesmo que fossem verificáveis. Nos casos que não correspondiam com precisão a nenhum dos pontos das escalas ordinais, introduziu-se o uso de sinais mais e menos, como forma de registrar valores intermediários. As escalas foram construídas também de modo que cada ponto correspondesse a situações e acontecimentos relativamente concretos, e que as decisões de sua codificação pudessem ser tomadas, rigorosamente, sobre a base de fatores observáveis. Não foram incluídos no índice dados baseados em pesquisas sobre percepções. Além disso, como uma forma de garantir a replicabilidade do exercício de codificação, e em face de possíveis arbitrariedades, destacou-se a importância de documentar as bases das decisões de codificação por meio da referência a fontes de informação disponíveis publicamente. Não foram requeridas pontuações para cada caso em cada ano. Na verdade, só foram requeridas pontuações para três dos componentes – direito a voto, eleições limpas e eleições livres – para os anos em que foram realizadas eleições. As condições para as eleições dependem de 214 A democracia na América Latina acontecimentos e decisões tomadas entre as eleições, e a codificação coletou informação entre os períodos eletivos. Mas a significação desses acontecimentos e decisões, para o processo pelo qual os atores obtêm o acesso aos cargos governamentais, que é o interesse central do exercício de medição, cristaliza-se no acontecimento eleitoral em si. Desse modo, embora as pontuações tenham sido atribuídas a alguns componentes somente durante os anos de eleições, essas pontuações foram entendidas como a síntese de processos mais amplos. O segundo conjunto de decisões referese ao processo de codificação propriamente dito. Nesse sentido, foram utilizados dois procedimentos complementares para codificar os casos. Um codificador particular realizou uma codificação baseando-se em uma pesquisa extensa e em consultas com numerosos especialistas, durante muitos meses. As pontuações definidas foram apresentadas e discutidas em profundidade em vários encontros, inclusive um, com um grupo de participantes convidados que trabalhavam em diversos contextos (política, âmbito acadêmico, organizações internacionais), provenientes de diferentes países das Américas (Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia, Equador, Estados Unidos, México e Uruguai). Essas discussões conduziram à identificação de discordâncias que levaram a sucessivas pesquisas e mais discussões grupais. Finalmente, após esse processo iterativo, chegou-se a um alto grau de consenso em relação à codificação das quatro dimensões do IDE. A geração de uma base de dados retangular com escalas normalizadas O terceiro passo na construção do IDE foi a transformação das pontuações nas escalas dos componentes em uma base de dados retangular, ou seja, uma base de dados que inclui pontuações numéricas para todos os casos, em todas as variáveis e em todos os anos, com escalas normalizadas. Esse passo envolveu uma série de procedimentos. Primeiro, enfrentaram-se aspectos bastante mecânicos. Os sinais mais e menos foram convertidos em números, somando e subtraindo 0,33 da pontuação base (por exemplo, um 3+ foi convertido em 3,33). Os hífens (-) utilizados para indicar que a atribuição de uma pontuação não era aplicável, devido a que o governo não era proveniente de uma eleição, foram convertidos em zeros (0). Além disso, as pontuações de dois dos componentes que tinham pontuações apenas para os anos em que houve uma eleição – sufrágio e eleições livres – foram estendidas para os anos intermediários, simplesmente transferindo a pontuação de um determinado ano para os anos subseqüentes, até ser atribuída uma nova pontuação (seja porque foi realizada uma eleição após um período de um governo não eleito, ou porque se realizou uma nova eleição, ou porque o processo eleitoral foi interrompido). A justificativa para esse procedimento é que a forma em que um governo se origina continua sendo uma característica que afeta sua natureza mesmo depois do momento de sua instalação. No caso das eleições limpas, seguiu-se um processo um pouco mais complexo. Na codificação desse item foi utilizada uma escala de três pontos para facilitar a interpretação. Contudo, o 1 dessa escala não representa na realidade um ponto médio; está muito mais próximo do 2. Desse modo, cada 1 foi convertido em um 3 e cada 2 em um 4. Além disso, devido a que esse elemento distingue os valores atribuídos às eleições presidenciais e parlamentares, as pontuações não foram simplesmente transferidas de eleição para eleição. As pontuações são uma média das pontuações das eleições presidenciais e parlamentares. Um segundo aspecto considerado foi a atribuição de uma única pontuação por país e por ano. Essa prática habitual obedece a razões de parcimônia e está bem justificada, porque o objetivo de gerar um índice é oferecer uma síntese da situação de um país. Mas um índice único implica vários problemas, devido a que a situação de um país muda no curso de um ano, e utiliza-se apenas uma pontuação para caracterizar todo o período anual. Em alguns casos, a solução é relativamente simples: quando um acontecimento-chave – como a realização de uma eleição – ocorria no fim do ano, a mudança de status em função desse acontecimento foi registrada no ano seguinte. Por exemplo, quando em 1985 foram realizadas, na Guatemala, as eleições que terminaram com um período de governos dominados pelos militares, essas eleições foram realizadas no fim do ano, e a mudança de governo realizou-se em janeiro de 1986. Portanto, embora as pontuações para os elementos componentes tenham sido registradas em 1985, ao computar o IDE, essas pontuações foram ingressadas em 1986. Quando os acontecimentos ocorreram na primeira metade do ano, foram computados para o mesmo ano. Por exemplo, as eleições de 1994 em El Salvador foram realizadas em março, e a mudança de governo em junho, portanto a mudança foi registrada em 1994. Em outros casos, a solução foi mais complicada, pois quando um acontecimento ocorreu na segunda metade do ano, foi registrado nesse mesmo ano. Esse é o caso, por exemplo, das eleições fraudulentas realizadas em maio na República Dominicana, e da nova presidência que assumiu em agosto. Foram também problemáticos os casos em que ocorreu mais de um acontecimento crítico no mesmo ano. Por exemplo, em 2000, no Peru, realizaram-se duas eleições fortemente questionadas, em abril e em maio, que levaram Fujimori, em julho, à presidência e, em seguida, à sua renúncia em novembro. Nesse caso, as eleições problemáticas foram registradas em 2000 e a retificação da situação, em 2001. Em terceiro lugar, as escalas dos componentes foram normalizadas, isto é, foram trasladadas a uma métrica comum, por meio de uma normalização linear simples do intervalo unidade: valor normalizado = valor de escala original / máximo valor possível em escala original Praticamente, qualquer opção que fosse tomada teria sido um pouco arbitrária, pois não existem unidades de medida para a liberdade eleitoral amplamente aceitas e comparáveis com unidades como quilogramas ou dólares. No entanto, a escolha do procedimento de normalização tal como foi aplicado às escalas ordinais de cinco pontos Nota técnica sobre o Índice de Democracia Electoral (IDE) 215 – com a modificação introduzida no elemento eleições limpas, ao transformar as pontuações das escalas componentes em uma base de dados retangular, todas as escalas utilizadas para medir os quatro componentes são escalas ordinais de cinco pontos – é transparente e justificável. Por um lado, todas as escalas têm pontos finais com significação teórica, e podese supor que caem no intervalo unidade, no qual 0 indica ausência total da propriedade e 1 indica presença total da propriedade. O valor inferior da escala ordinal corresponde à negação da propriedade em questão, enquanto o valor superior corresponde à sua presença completa. Um caso com valor de sufrágio 0 não apresenta direito a voto de modo nenhum, enquanto um caso com valor de direito a voto 1 depois da normalização tem direito a voto adulto completo, o padrão teoricamente estabelecido. Desse modo, o problema da distância se refere unicamente aos pontos compreendidos entre o ponto inicial e o ponto final. Por outro lado, a maior parte das escalas foi construída de modo que cada ponto da escala pudesse ser interpretado teoricamente, e que os diferentes valores da escala estivessem, conceitualmente, o mais distante possível entre si. Os valores da escala foram escolhidos para refletir diferenças identificadas como relevantes na bibliografia, evitando variações menores entre os casos verificáveis. Portanto, a probabilidade de introdução de um erro importante é relativamente pequena. Embora pudessem ser utilizados outros métodos psicométricos mais sofisticados, eles seriam mais complicados, menos acessíveis, fortemente dependentes dos dados e, freqüentemente, não funcionam muito melhor do que esse procedimento simples. A escolha de regras de agregação O quarto passo para a construção do IDE – a escolha de regras de agregação para formalizar a relação entre os elementos componentes do índice – foi resolvido por meio do uso de uma regra de agregação simples. A idéia central utilizada para isso é a opinião bem estabelecida de que os quatro elementos componentes do IDE são partes que consti216 A democracia na América Latina tuem um sistema, em virtude da forma em que estão combinados, e ainda mais, que esses quatro componentes são tão fundamentais para a caracterização global de um regime, que sua ausência o tornaria diretamente não-democrático. Por exemplo, como os teóricos argumentaram, amplamente, sobre a democracia, o fato de que os sistemas de tipo soviético tivessem eleições com direito a voto completo não tem significação do ponto de vista da democracia, devido a que o eleitorado não tinha opção entre candidatos alternativos e a que essas eleições não levaram ao acesso a cargos que exercessem efetivamente poder estatal. Os quatro elementos componentes do IDE são, portanto, postulados como condições individualmente necessárias, insubstituíveis e de igual peso. Essa concepção se formaliza calculando o produto do valor de cada um dos elementos componentes. Em termos formais, o IDE é calculado seguindo a seguinte equação: Índice de Democracia Eleitoral = Direito a voto x Eleições Limpas x Eleições Livres x Cargos Públicos Eleitos Essa equação retoma uma idéia-chave da teoria sobre a democracia: quando um elemento componente está completamente ausente, o regime deve ser considerado como não-democrático. Na prática, essa operação garante que um valor zero em qualquer dos quatro elementos componentes leva a classificar o caso como não-democracia. Esse é um padrão “duro”, que pode ser visto como menos “perdoador” do que outras regras de agregação. A concepção de que os elementos componentes do IDE são condições individualmente necessárias é altamente exigente, por isso foi utilizada conjuntamente com um critério conservador na atribuição de zeros aos elementos componentes. Isso é assim, tanto para as escalas construídas de modo tal que um zero seja utilizado apenas em casos extremos, em que uma propriedade amplamente considerada como vital para a existência da democracia esteja totalmente ausente, quanto no sentido de que a evidência necessária para atribuir um zero deve ser convincente. Portanto, o IDE qualificará um país como não-democrático apenas quando as normas democráticas foram, indiscutivelmente, deixadas de lado. Testando o IDE Confiabilidade entre codificadores e estimativa de erro Por razões de tempo, não foi realizada uma prova formal de confiabilidade entre os codificadores. No entanto, para saber se outros codificadores poderiam ter tido atribuição de valores diferentes dos elementos componentes do IDE, realizou-se uma análise de sensibilidade. Essa análise baseia-se em perturbações nas codificações, de acordo com um projeto experimental e com o exame do índice global “replicado” resultante. Desse modo, utiliza-se a matemática para criar codificadores “virtuais” deformados de diversos modos; por exemplo, com um viés em uma valoração inferior de um ou mais componentes. Os resultados dessa prova demonstraram que o IDE é bastante estável – as correlações de intervalo de medição com todas as outras “réplicas” foram 0,99 ou maiores – e as mudanças na média e na dispersão foram bastante previsíveis, mostrando um viés negativo ou positivo, esperado de acordo com o projeto experimental. Essa prova também proporcionou algumas margens de erro básicas do IDE sobre a base das “réplicas”. Para valores do índice entre 0,25 e 0,75, uma amplitude de margem generosa é de aproximadamente ±0,07, e uma amplitude de margem razoavelmente conservadora é de ±0,1. De acordo com o padrão mais conservador possível, os valores do IDE estão dentro de ±0,2. Essa amplitude é razoavelmente constante ao longo do intervalo citado, mas os limites precisos dependem do valor do índice e, em geral, são mais estreitos perto dos pontos finais. Realizou-se um controle matemático utilizando a inversão da conhecida e muito conservadora prova de Kolmogorov- Smirnov para a função de distribuição – baseada em matemáticas completamente diferentes – e foram obtidos resultados semelhantes. A solidez das regras de agregação Realizou-se uma prova de comparação de quatro possíveis regras de agregação para combinar os elementos componentes do IDE: o produto dos quatro componentes utilizados no IDE, o valor mínimo dos quatro componentes da escala, a média geométrica dos quatro componentes e a média aritmética dos quatro componentes. Os resultados mostraram que, sem importar a regra utilizada, as correlações de intervalo de medição são sempre muito altas, o que indica que se preserva o ordenamento geral dos casos. Mas existem diferenças entre os índices, sendo por um lado, a média aritmética e a geométrica semelhantes entre si, e por outro lado, também semelhantes entre si o valor mínimo e o IDE. A diferença mais importante encontra-se entre as médias e os desvios padrão (DE). As médias geométrica e aritmética são de 0,92 e 0,91, respectivamente, e o DE de 0,20 e 0,21, respectivamente. Em compensação, o valor mínimo e o IDE têm médias de 0,84 e 0,82, respectivamente, e o DE de 0,26 e 0,28, respectivamente. Isso sugere que aplicando essas últimas regras, é melhor a dispersão dos casos para evitar o conglomerado de casos que torna difícil interpretar suas diferenças com clareza. O caráter dimensional dos elementos componentes A prova de escalabilidade dos quatro elementos componentes do IDE deu como resultado um alfa de Cronbach de 0,92; o que sugere que o IDE é uma medida de um fenômeno unidimensional. Contudo, quando se realizou uma prova em dois períodos (1960-1985 e 1990-2002), os alfas de Cronbach resultantes foram de 0,95 e 0,23, respectivamente. Isso indica que, enquanto no primeiro período os componentes foram unidimensionais, isso já não era válido no período posterior a 1990. Esse resultado é consistente com a teoria utilizada para selecionar as regras de agregação para o IDE. Com efeito, é importante notar que os modelos de medição aditivos padrão descansam na presunção de que a agregação opera em múltiplas medições paralelas. Em oposição, dado que os componentes do IDE são, por Nota técnica sobre o Índice de Democracia Electoral (IDE) 217 teoria, considerados insubstituíveis, a decisão de agregá-los a uma pontuação única não é invalidada por nenhum desvio potencial da unidimensionalidade. Desse modo, a prova de escalabilidade torna ainda mais válida a escolha das regras de agregação propostas em lugar da muito habitual regra de adição. Interpretando e usando o IDE O IDE é uma escala de 0,00-1,00; na qual 0,00 indica um regime não democrático e qualquer número maior do que 0,00 um grau de democracia, sendo que as pontuações mais altas indicam um maior grau de democracia. Para evitar confusões, é importante notar que o índice não deve ser interpretado como uma avaliação das ações do governo. É uma medida do estado de um sistema, que se vê afetado pela ação ou inação de um governo, bem como por outros agentes estatais e atores sociais. Além disso, é preciso ressaltar que o conceito que está sendo medido é o de democracia eleitoral. Este conceito não é tão estreito como alguns o consideram. Portanto, ainda que esteja focalizado completamente na celebração de eleições inclusivas, livres e limpas, abarca mais do que “simples eleições”. O índice leva em consideração, também, o que ocorre com os próprios governos entre as eleições, e o que sucede nesse período, que influi nas condições para realizar tais eleições. O IDE não é certamente uma medida ampla da democracia. É, na verdade, uma medida de uma concepção do regime político democrático baseada nos postulados mais amplamente compartilhados no que se refere aos direitos políticos fundamentais. Isso é muito significativo. Por um lado, significa que qualquer defeito detectado pelo IDE deve ser considerado como uma restrição importante aos direitos políticos dos cidadãos. Por outro lado, o fato de que um país tenha recebido uma pontuação perfeita de 1,00 não deve ser interpretado no sentido de que não possa melhorar, tanto as dimensões não incluídas no índice quanto os padrões mais exigentes dos elementos componentes do IDE. O IDE pode ser utilizado para propósitos 218 A democracia na América Latina comparativos, tanto para comparar um país consigo mesmo ou com outros países. Dessas duas formas, a comparação de um país consigo mesmo, em diferentes momentos é, em geral, a mais simples de interpretar. Afinal, um país pode até ter introduzido melhorias notáveis e, no entanto, ficar em inferioridade em comparação com outros países, se estes tiverem avançado mais. No entanto, é importante notar que qualquer comparação devese basear em diferenças consideráveis e não menores. Porque o IDE, como qualquer índice, tem um certo grau de erro de medição e dentro dos limites desse erro não é aconselhável realizar qualquer afirmação categórica sobre diferenças. De fato, como foi estimado por meio da análise de sensibilidade, para os valores do IDE entre 0,25 e 0,75, uma amplitude de margem de erro generosa é de aproximadamente ±0,07. Desse modo, os casos que difiram em menos desse valor – por exemplo, um país com um IDE de 0,85 e outro com um de 0,92 – estão demasiado próximos para que seja possível distingui-los de maneira válida. Portanto, é metodologicamente injustificável oferecer um ranking excessivamente preciso de países, como é habitual no contexto de outros índices, que simplesmente transformam as pontuações do IDE em um ranking, sem levar em consideração os graus de incerteza associados a elas. A identificação de casos de referência que sejam representações prototípicas dos traços associados com uma gama de pontuações pode ajudar a proporcionar maior concretude ao significado de cada número. O IDE pode ser utilizado também como um sinal, pois as pontuações específicas de cada país convidam o leitor a voltar aos quadros dos elementos que o compõem, para identificar precisamente que aspecto ou aspectos estão refletidos nessa pontuação. Desse modo, o IDE pode ser usado como uma ferramenta analítica valiosa, pois oferece uma pontuação resumida que ajuda os que a utilizam a identificar o aspecto distintivo do regime político de cada país, não apenas em termos de seus elementos, mas também em termos da relação entre as partes constitutivas do regime e sua contribuição para o conjunto. Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) ■ Apresentação Esta nota técnica descreve a fonte de informação, o desenho metodológico e os procedimentos estatísticos utilizados na elaboração dos principais índices e indicadores empregados para a análise das percepções e comportamentos das cidadãs e dos cidadãos na América Latina. Explica o sentido, utilidade e alcance destes índices e indicadores. As descrições contidas neste documento complementam os quadros apresentados no compêndio estatístico. Para explicações mais detalhadas é conveniente consultar a memória do processo metodológico e estatístico aplicado, composta de 7 documentos mais extensos, disponível na página web do Relatório sobre A Democracia na América Latina: www.democracia.undp.org (Benavides e Vargas Cullell, 2003; Gómez, 2003; Kikut, Gómez y Vargas Cullell, 2003ª, 2003b; Kikut e Vargas Cullell, 2003; Vargas Cullell, Benavides y Gómez, 2003a, 2003b; Vargas Cullell e Benevides, 2003; Vargas Cullell e Gómez, 2003). O documento contém duas seções. Na primeira, que introduz o estudo de opinião sobre a democracia, é apresentada uma valorização geral sobre a pesquisa Latinobarômetro como fonte de informação e uma indicação sobre os dados e métodos de análise empregados no estudo. Na segunda seção se descreve, com detalhe, o processo metodológico para a elaboração do Índice de apoio à democracia (IAD) e suas partes componentes, que constituem a principal inovação do estudo. I- Pesquisa de opinião sobre a democracia americanos vêem a sua democracia” está baseada no trabalho realizado por uma equipe coordenada por Jorge Vargas Cullell e integrada por Miguel Gómez, Lorena Kikut e Tatiana Benavides. Essa equipe elaborou o marco conceitual e metodológico a partir do qual foram definidos os índices e indicadores respectivos e realizou a análise da informação cujo principal objetivo foi possibilitar um estudo comparativo sobre o exercício dos direitos e deveres cidadãos na América Latina e indagar sobre o apoio cidadão à democracia. Esta seção descreve as fontes de dados em que a análise apresentada no Relatório se baseia. Convidamos o leitor especializado que desejar mais informação a consultar a documentação detalhada sobre a definição conceitual e as decisões metodológicas da análise no site web do PRODDAL www.democracia.undp.org. Os dados do PRODAL são elaborados a partir de definições conceituais próprias e de procedimentos metodológicos e aplicações técnicas que permitem chegar a resulta- Latinobarômetro como fonte de informação Latinobarômetro é um estudo comparativo realizado periodicamente em todos os países da região. Em 2002 mediante um convênio entre PNUD e Latinobarômetro foram incorporadas à pesquisa 28 perguntas (62 variáveis), aproximadamente um terço do questionário, dedicadas a temas definidos pelo PRODDAL. A pesquisa foi feita em espanhol em 18 países (pela primeira vez foi realizada na República Dominicana), com o mesmo questionário e o mesmo livro de códigos. Foram entrevistadas 19.508 pessoas. As amostras variam entre 1.000 e 1200 pessoas por país. Todos os esquemas empregam alguma versão da amostragem polietápica e praticamente em todos a seleção final dos entrevistados foi realizada usando amostragem de quota. Em função disso, as amostras podem estar afetadas pelos vieses e limitações conhecidos da amostragem de cota. (ver, CD/Compêndio Estatístico, Segunda Seção, “Estudo de Opinião sobre a Democracia”, p. 187 e ss.). A seção do Relatório “Como os LatinoNota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 219 dos específicos que não são necessariamente coincidentes com os das fontes utilizadas. Os índices e indicadores sobre percepções e comportamentos cidadãos utilizam informação de três fontes, com base em um convênio entre o PNUD e o Latinobarômetro. ■ A seção regular da pesquisa de opinião realizada pela Corporação Latinobarômetro em 2002. 1 ■ A seção proprietária do PNUD . ■ A série histórica de perguntas do Latinobarômetro, de modo secundário. A partir dessas fontes e sobre a base conceitual e metodológica, foi elaborado o Índice de Apoio à Democracia. Para sua construção foi preciso analisar: ■ A questão geral do apoio cidadão à democracia, a maneira de medi-lo e as fragilidades do método mais amplamente usado. ■ As tendências dos cidadãos em relação à democracia, a maneira de determiná-las e a classificação das opiniões. ■ O tamanho de cada uma das tendências, seu ativismo político e distância relativa. ■ A regra de agregação do Índice e sua validação estatística. Esses temas são apresentados a seguir. Dados e metodologia O objetivo principal da seção proprietária do PNUD foi possibilitar um estudo comparativo sobre o exercício dos direitos e deveres dos cidadãos na América Latina. Isso complementou a pergunta que a seção regular do Latinobarômetro faz sobre as atitudes políticas em um amplo conjunto de temas. Os índices e indicadores sobre as percepções e comportamentos dos cidadãos utilizam informação de três fontes: a seção regular, a seção proprietária do PNUD e, de forma suplementar, a série temporal. A informação proveniente da seção proprietária está refletida nos quadros do compêndio estatístico. Entretanto, a informação proveniente da seção regular unicamente se apresenta de forma já processada, como parte de um determinado indicador ou índice. Desenho das amostras O Relatório metodológico permite um comentário sobre as amostras utilizadas no Latinobarômetro 2002, com a finalidade de identificar aspectos relevantes para o uso adequado da informação. Trata-se de uma avaliação simples, já que o texto não apresenta a informação necessária para uma auditoria técnica das amostras, o que impede dar atenção a algumas das eventuais fraquezas do projeto técnico (Gómez, 2003)2. Em conseqüência, as observações desta seção são de caráter geral e inevitavelmente insuficientes. Mesmo assim, permitem identificar as precauções para a manipulação dos dados no futuro. Do exame das principais características dos desenhos utilizados em cada um dos países. dessa informação derivam-se as seguintes conclusões gerais. ■ Todos os desenhos empregam alguma versão da amostragem polietápica e praticamente em todos a seleção final dos entrevistados é realizada usando amostragem de quota. Em um par de casos é empregada a técnica aleatória “último aniversário”, mas, na prática, se substitui o selecionado quando não está em sua casa ou não aparece em prazo curto. Por isso, todas as amostras são afetadas pelas limitações e viés conhecidos da amostragem da quota, particularmente por uma subestimação das pessoas que têm menor disponibilidade – especialmente aquelas que têm trabalhos de tempo integral – e uma superestimação das que trabalham por conta própria ou em casa. ■ Praticamente todos os desenhos empregam estratificação geográfica e segundo o tamanho das localidades e cidades. A metade das amostras utiliza afixação desproporcionada. Cabe assinalar que isso, em si, não representa um problema, porque logo são empregados fatores de ponderação para obter resultados em proporção à população de referência. 1 A seção proprietária do PNUD, de uso exclusivo, compreende as perguntas P1U a P28U do questionário utilizado para o estudo. 220 A democracia na América Latina Para alguns dos países, existe um viés na amostra em relação à população urbana, o que supõe nestes casos uma super-representação das opiniões da população urbana nos promédios destes paises. Em resumo, pode-se dizer que, embora o Latinobarômetro reflita para alguns dos paises fundamentalmente a opinião da população urbana – o que pode produzir uma distorção nos dados finais – o Latinobarômetro é sem dúvida a fonte de informação que melhor apresenta as opiniões da população na região em conjunto. Portanto, neste Relatório, foi adotada esta base de dados para a análise de opinião sobre a democracia na América Latina. ■ Análises estatísticas Na análise estatística realizada para o Relatório sobre A Democracia na América Latina, baseado no Latinobarômetro, foi utilizado o software SPSS versão 11. Os métodos de análises estatísticas empregados foram simples. Para estabelecer a associação entre duas variáveis numéricas é usado o coeficiente de correlação de Pearson, cujos valores oscilam entre 0 e 1. Para estabelecer a associação entre variáveis nominais empregou-se a medida V de Crammer e, quando se trata de uma variável ordinal e outra nominal utilizou-se Tau-c. Para integrar a informação de perguntas que, a primeira vista, parecem referir-se a um mesmo tema, em todos os casos foram feitas análises fatoriais com a finalidade de determinar dimensões implícitas e foram elaboradas escalas por soma simples. Como indicador da consistência ou confiabilidade interna das escalas assim construídas é utilizado o coeficiente Alfa de Crombach (coeficientes de 0,70 ou mais são considerados confiáveis e consistentes). Se não for alcançado este valor, deve-se descartar a respectiva escala. Quando isso ocorre, aplica-se cada uma das variáveis de maneira independente (como se fez no Índice de apoio à democracia). Durante o processo de análise da infor- mação, foram utilizadas técnicas de análise de profiling (perfil), para examinar se os valores de uma variável dependente estão associadas a determinados fatores sóciodemográficos e atitudes políticas. Foram destacadas aquelas que tivessem um nível de significação igual ou inferior a 1% (Ver Compêndio estatístico). Unidade de análise As unidades de análise para o estudo do tema de apoio à democracia, em particular, o Índice de apoio à democracia (IAD) e seus componentes, foram os países. Foram obtidos valores para América Latina em seu conjunto (18 países) e para três sub-regiões: (a) México, República Dominicana e América Central (que inclui Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá; (b) Região Andina (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia); (c) Mercosul e Chile (Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile). Nesse caso os valores expressam médias do grupo de países dentro da unidade maior, considerando cada país como uma unidade com um mesmo peso. Por isso, não foi ponderada a amostra para chegar a conclusões sobre “América Latina” ou para uma das sub-regiões mencionadas anteriormente. As razões para não ponderar são as seguintes: • As cidadãs e os cidadãos expõem opiniões e avaliações sobre o sistema político do qual fazem parte e não em relação com uma “macrounidade” política latino-americana. A maioria dos assuntos aos que elas fazem referência são problemas de caráter nacional (por exemplo, o desempenho da democracia). Por isso as diferenças nacionais são importantes e, em princípio, todas são de igual importância. Se, para efeito de estudo, fosse ponderada a amostra pela população para obter tendências a nível latino-americano, basicamente seriam refletidas as opiniões e avaliações de brasileiros e mexicanos (aproximadamente 60% da população total). No entanto, tanto uns quanto outros fazem referência, apesar do peso que teriam dentro 2 Para uma análise critica do Latinobarômetro 2002 consultar o documento preparado por Miguel Gómez para o relatório A Democracia na América Latina (Gómez, 2003). Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 221 da amostra ponderada, à experiência de seus próprios países e não aos da América Latina. ■ Os tamanhos originais da amostra para cada país não foram estabelecidos pela Corporação Latinobarômetro para facilitar uma análise posterior que, ao mesmo tempo que obtivesse resultados representativos para a população da América Latina em seu conjunto, proporcionasse resultados representativos para cada um dos países incluídos no estudo. Se ponderássemos a base de dados consolidada atual por população, aos países pequenos (por exemplo, Uruguai, Nicarágua, Costa Rica) lhes corresponderia uma quota muito pequena. ■ Os desenhos das amostragens nos países incluídos no estudo são claramente diferentes. Como foi indicado em seções anteriores, umas amostras são nacionais; outras são urbanas e, inclusive, em alguns países, cobrem só alguns centros urbanos. Por exemplo, o universo da amostra do Brasil são algumas cidades e não toda a população; se ponderássemos a amostra do Brasil por população, na realidade estaríamos dando um peso excessivo aos habitantes dos centros urbanos em relação aos habitantes de outros países onde as amostras parecem um pouco mais “nacionais”. Quando se fez o “profiling” das pessoas com diferentes tendências à democracia, foi utilizada a amostra em seu conjunto sem ponderar. Nestes casos, os resultados refletem a situação da população entrevistada em seu conjunto, e não “das e dos latinoamericanos”. Precisão dos resultados3 Toda pesquisa por amostragem é afetada por dois tipos de erros: os erros de não amostragem4 e de amostragem5. Como não são conhecidos os resultados de uma auditoria técnica do Latinobarômetro 2002, não é possível fazer referência aos erros de não amostragem. Por outra parte, a análise dos erros de amostragem é muito limitada porque a informação contida no Relatório metodológico 2002 não permite apresentar os erros da amostragem (erros padrão, EP) e os efeitos de desenho (DEF) para índices e perguntas selecionadas. Não há informação a nível de unidade primária de observação. Em conseqüência, não se pode apresentar uma opinião sobre a precisão das estimativas. Em termos gerais, podemos dizer que em casos como o da Costa Rica, as outras nações centro-americanas e o Brasil, onde o tamanho médio do conglomerado final não é muito alto – cerca de 13 entrevistados – se são supostos valores de roh usuais de 0,02 a 0,04, o ED alcança no máximo 1,50, o que 3 A explicação sobre os erros de amostragem e não amostragem é tomada literalmente da redação feita por Luis Rosero-Bixby para o estudo sobre Cultura democrática em Costa Rica 2004 do Projeto de Opinião Pública da Universidade de Vanderbilt (Vargas Cullell e Rosero-Bixby, 2004). 4 Os erros de não amostragem são os cometidos durante a coleta e processamento da informação, mas podem ser controlados construindo um adecuado instrumento de medição, treinando os pesquisadores para uma correta aplicação do instrumento, supervisionando o trabalho de campo, criando um programa de captura de dados eficiente, revisão de questionário e adequada codificação, assim como uma limpeza do arquivo, entre outros. Esses erros podem ser controlados mas não quantificados. A comparação dos resultados da amostra com os da população, porém, dá uma idéia sobre a possível geração de viés que diminui a representatividade da amostra. 5 Os erros de amostragem são produtos do acaso e são resultado do fato de se entrevistar uma amostra e não a totalidade da população. Quando selecionamos uma amostra ela é uma das tantas amostras possíveis a serem selecionadas na população. A variabilidade existente entre todas essas possíveis amostras é o erro da amostragem, que poderia ser medido se fosse possível dispor de todas essas amostras, situação obviamente irreal. Na prática, o que se faz é calcular esse erro sobre a variação obtida a partir da amostra. Para calcular o erro da amostragem de uma estatística (médias, porcentagens, diferenças e totais), calcula-se o erro padrão que é a raiz quadrada da variação populacional da estatística. Isso permite medir o grau de precisão com que esse dado estatístico se aproxima ao resultado obtido nas entrevistas com todos os elementos da população sob as mesmas condições. Para o cálculo deste erro é muito importante considerar o desenho com o qual foi selecionada a amostra. 222 A democracia na América Latina significa que a conglomeração aumenta a variância de p em um 50% e o erro de amostragem em 22%, magnitudes totalmente toleráveis. Entretanto, em outros casos, como de Equador, o procedimento de selecionar cidades ou municípios e logo depois subamostrá-los, produz níveis de conglomeração elevados (50 ou mais entrevistados) e ED que podem ser de 3 ou 4, o que implica erros de amostragem de 1,73 ou 2 vezes aos obtidos usando a fórmula usual. Amostras totais, amostras válidas e não-respostas O tamanho da amostra total consolidada do Latinobarômetro 2002 nos 18 países onde foi realizado o estudo é de 19.508 casos6. Aos dados do Paraguai foram dados uma ponderação dupla com a finalidade de simular uma amostra de 1.200 pessoas nesse país. Isso aumentou o tamanho da mostra de 19.508 a 20.108 registros (Quadro 1). Todos os cálculos e estimativas foram realizados com base nessa amostra que inclui a dupla ponderação do Paraguai. Os motivos que justificaram essa decisão foram os seguintes: ■ Permitir conferir ao Paraguai, no estudo, um peso similar ao dos outros 18 países; do contrário, pesaria como “meio país” quando se acrescenta informação para analisar a situação regional (América Latina) ou sub-regional (Mercosul e Chile). ■ Se tivesse sido empregada uma amostra de 1.200 pessoas nas mesmas localidades onde foi aplicada a amostra, os resultados não deveriam ser muito diferentes dos que efetivamente foram obtidos com o estudo de 600, se fossem utilizados os mesmos critérios e fossem aplicadas de forma apropriada as técnicas de amostragem estatística. Ao dar maior peso ao Paraguai mudam, muito levemente, os resultados médios do conjunto dos países da América Latina (em décimos de ponto percentual) e mudam um pouco os resultados médios dos países da sub-região do Mercosul e Chile (dois a três pontos percentuais), em relação aos que seriam obtidos se não houvesse ponderação quadro 1 TAMANHO DA AMOSTRA DO ESTUDO Amostra # casos Número de entrevistas ou tamanho da amostra não ponderada (17 países) 18.508 Tamanho da amostra ponderada (17 Países) 18.501 Tamanho da amostra ponderada (18 países após a inclusão da República Dominicana) 19.501 Tamanho da amostra ponderada (18 países após a dupla ponderação do Paraguai) 20.101 da amostra. Por tudo que foi mencionado, supõe-se, que essas mudanças seriam as esperadas se tivesse sido realizado um estudo com 1.200 pessoas. Na prática, devido às “não resposta”, as amostras válidas são menores do que o total e diferentes segundo a variável sob consideração. As tabelas do compêndio estatístico apresentam as amostras totais e as amostras válidas para a maioria das variáveis que foram empregadas na análise. Em alguns casos a porcentagem de não resposta é baixa – por exemplo, quando se trata de variáveis sóciodemográficas como a idade, sexo ou o nível educacional do entrevistado. Em outros casos, porém, a porcentagem de não resposta é elevada, especialmente quando as perguntas foram agrupadas para formar os índices empregados na análise de resultados, o que leva ao tamanho de amostras válidas inferiores. O Quadro 2 apresenta essa diferença em relação ao Índice de Apoio a Democracia, que se analisara com detalhe na seção seguinte. A não consideração da “não resposta” Desde o início da análise decidiu-se não considerar a “ não resposta”. Os “não sabe” e “não responde” foram unidos e declarados 6 Quando o estudo cobria 17 países, o tamanho da amostra consolidada era de 18.508 casos. Incluindo República Dominicana acrescentaram-se mais 1.000 registros. Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 223 como missing (valores faltantes). Isso também foi feito no cálculo das tendências em relação à democracia no cálculo do Índice de Apoio à Democracia (IAD). Nesse caso, para efeitos de análise, é necessário suprimir a “não resposta”, para não serem levantadas hipóteses sobre as atitudes das pessoas que se encontram nessa categoria. A decisão adotada é conseqüente e consistente com o conteúdo total dos textos. Para realizar as análises multivariadas e a construção de índices complexos, a não consideração da “não resposta” como alternativa foi sistemática. Para evitar a indução ao erro da não consideração da “não resposta”, para todos os resultados inclui-se o tamanho da amostra em que estão baseados, ou amostra efetiva quadro 2 AMOSTRAS TOTAIS E AMOSTRAS VÁLIDAS PARA O ÍNDICE DE APOIO A DEMOCRACIA EMPREGADO NA ANÁLISE DO LATINOBARÔMETRO País Amostra total Índice de apoio à democracia Amostra válida* Argentina Bolívia Brasil Colômbia Costa Rica Chile Equador El Salvador Guatemala Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru Rep.Dominicana Uruguai Venezuela América Latina 1.200 1.242 1.000 1.200 1.006 1.188 1.200 1.014 1.000 1.005 1.210 1.016 1.010 1.200 1.224 1.000 1.187 1.200 20.101 % não resposta* 964 886 663 768 808 873 938 577 703 747 1.031 833 794 1.011 856 909 926 928 15.217 19,7 28,7 33,7 36,0 19,7 26,5 21,8 43,1 29,7 25,7 14,8 18,0 21,4 15,8 30,1 9,1 22,0 22,7 24,3 * Após o resgate de casos através dos procedimentos indicados nos seguintes documentos: Kikut, Gómez e Vargas Cullell, 2003ª; 2003; Vargas Cullell e Kikut, 2003. ** Os valores para a região são diferentes da soma dos totais por país, isto é devido a necessidade de arredondar os totales ponderados, feito automaticamente pelo programa estatístico Fonte: Compêndio estatístico (“n” de respostas válidas). Dessa maneira, sempre é possível a reconstrução dos valores originais e a dedução do volume de “não resposta”. Apresentação de resultados No texto principal do Relatório, as porcentagens de quadros e gráficos são das amostras válidas e não das amostras totais. Em todos os casos, foi incluído o tamanho da amostra na qual se basearam, ou amostra efetiva, e por isso sempre é possível a reconstrução dos valores originais e deduzir assim o volume da não resposta. No caso dos quadros e gráficos referidos ao IAD e aos modos de participação dos cidadãos, a amostra válida inclui os casos resgatados através do procedimento descrito no texto metodológico respectivo (Kikut, Gómez y Vargas, 2003: 13-16). São excluídos os valores que faltam, ou não resposta (não sabe e não responde). A exclusão da “não resposta” dos resultados na análise dos dados é necessária com a finalidade de não fazer suposições sobre as atitudes das pessoas que se encaixaram nessa categoria e que poderiam ter influência sobre os resultados das análises multivariadas e na construção de índices. O método de medição do apoio cidadão à democracia mais amplamente utilizado e suas fragilidades Na pesquisa Latinobarômetro foi usada uma pergunta para acompanhar a lealdade das cidadãs e dos cidadãos latino-americanos em relação à democracia7. A pergunta diz: Com qual das seguintes frases o(a) senhor(a) está mais de acordo? 1.A democracia é preferível a qualquer outra forma de governo. 2.Em algumas circunstâncias, um go- 7 Em círculos acadêmicos, políticos e jornalísticos essa pergunta é tratada como uma medida-resumo do apoio cidadão à democracia e, indiretamente, da “saúde” da democracia; ano após ano seus resultados são observados com especial atenção. 224 A democracia na América Latina verno autoritário pode ser preferível a um democrático. 3.Para pessoas como nós, dá no mesmo um regime democrático e um não democrático. Assim, as pessoas que escolhem a resposta 1 (“a democracia é preferível”) são as que apóiam a democracia; as que escolhem a resposta 2 são as que apoiariam sua substituição por um sistema autoritário e as que selecionam a resposta 3 têm um comportamento ambivalente, potencialmente problemático. Se, ao longo do tempo, a freqüência da resposta 1 aumenta, supõe-se que o apoio à democracia aumenta; se diminui, o apoio declina. A melhor situação para a democracia de um país seria aquela em que quase todos os entrevistados escolhem a resposta 1 e, por outro lado, a pior seria aquela em que a maioria se inclina pela resposta 2. A pergunta – codificada na pesquisa Latinobarômetro com a chave P32ST - foi criticada como medida do apoio à democracia8 (Seligson, 2000). Não obstante, é útil como ponto de entrada no tema, pois as pessoas adotam uma posição, prima facie, em relação à sua idéia de democracia. Embora a pergunta P32ST seja um ponto de entrada útil, como medida-resumo inicial, para o tema da lealdade cidadã em relação à democracia, isso não significa que, por si só, seja suficiente para um tratamento mais profundo do apoio cidadão, ou uma boa medida indireta da “saúde” da democracia. Quando se relaciona a pergunta P32ST com outras que medem o apoio ou a aceitação de regras democráticas, surgem resultados que, à primeira vista, podem parecer inesperados ou simplesmente inconsistentes. Uma significativa proporção das pessoas que dizem apoiar a democracia demonstra, quadro 3 PROPORÇÃO DE PESSOAS QUE APÓIAM A DEMOCRACIA COM RESPOSTAS “INESPERADAS” EM RELAÇÃO AO APOIO A MEIOS AUTORITÁRIOS PARA RESOLVER PROBLEMAS P32ST Pergunta O(A) senhor(a) está de acordo...? Porcentagem que apóia sistema democrático e que está de acordo com… P28UA P28UB P28UC P28UD P38STB Com que o presidente não se limite às leis Com que o presidente imponha ordem pela força Com que o presidente controle os meios de comunicação Com que o presidente deixe de lado o Congresso e os partidos Não me importaria que um governo não democrático chegasse ao poder, se resolvesse os problemas do país 38.6 32.3 32.4 32.9 44.9 Notas: Não foram incluídas respostas NS/NR. No caso das pessoas que manifestam apoiar um sistema democrático, foram somadas as respostas “em desacordo” e “muito em desacordo” com cada uma das afirmações. 8 Seligson argumenta que, ao não especificar a idéia de democracia que as pessoas possuem, a pergunta P32ST tem um componente de indeterminação. Propõe explorar o apoio ao sistema mediante uma bateria alternativa de perguntas (Seligson, 2000). Embora sua observação coloque a necessidade de manter uma atitude cautelosa na interpretação dos resultados, sua crítica não invalida necessariamente a pergunta como ponto de entrada para o exame do apoio cidadão à democracia. A debilidade indicada por Seligson pode ser resolvida examinando a pergunta P32ST em relação a outras do mesmo Latinobarômetro, em particular às perguntas P30ST (“Para o(a) senhor(a), o que significa democracia?”) e P31ST (“As pessoas, freqüentemente, diferem em seus pontos de vista sobre as características mais importantes da democracia. Da lista, escolha só uma característica que para o(a) senhor(a) seja a mais essencial em uma democracia”). Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 225 quadro 4 PROPORÇÃO DE PESSOAS QUE APÓIAM A DEMOCRACIA COM RESPOSTAS “INESPERADAS” EM RELAÇÃO A SUA AVALIAÇÃO SOBRE A OPÇÃO ENTRE DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO Pergunta 32ST Pergunta 35ST Porcentagem que apóia sistema democrático e que está de acordo com… Democracia mais importante 32.8 Ambas por igual 20.7 Desenvolvimento mais importante 46.4 Nota: Não foram incluídas respostas NS/NR. ao mesmo tempo, atitudes contrárias ao funcionamento de instituições básicas da democracia (como o Congresso e os partidos) e apóia a governantes que utilizarem meios autoritários para resolver os problemas do país. Respostas igualmente “inesperadas” surgem quando se examina o apoio declarado à democracia em relação a, por exemplo, a avaliação da democracia como um bom sistema de governo, ou sua prioridade diante de outros valores socialmente relevantes, como na alternativa entre desenvolvimento e democracia (quadros 3 e 4). Ante essas respostas inesperadas, podem ser adotadas, basicamente, duas posições. Por um lado, podem ser empregadas como evidência para argumentar a veleidade do apoio declarado a um regime. Se a preferência pela democracia é apenas retórica, a pergunta P32ST como medida da lealdade cidadã ao regime teria que ser desprezada, devido a seu escasso interesse analítico. Seria preciso, então, procurar outras variáveis que evidenciem comportamentos mais estáveis. Na opinião deste estudo, tal posição é equivocada. Implica não apenas assumir que as respostas inesperadas são sempre o reflexo de atitudes inconsistentes, o que não é, necessariamente, verdadeiro, mas também que o inesperado não faz parte do nosso estudo. Em sentido contrário à posição anterior, as respostas inesperadas podem ser empregadas como ponto de partida para um estudo das lealdades cidadãs à democracia. 226 A democracia na América Latina Se esse fosse o caso, a pergunta P32ST, que indaga sobre o apoio “em geral” à democracia, deveria ser analisada em relação a outras perguntas que exploram dimensões mais concretas desse apoio, com o objetivo de determinar se as respostas “inesperadas” obedecem a atitudes meramente inconsistentes das cidadãs e dos cidadãos ou se, vistas em seu conjunto, revelam padrões de opinião. Em princípio, a idéia seria examinar se é possível distinguir os setores que consistentemente têm atitudes democráticas, tanto em termos gerais quanto em assuntos específicos, daqueles que demonstram atitudes pró-autoritárias. Esta segunda posição é a adotada no Relatório. Do ponto de vista indutivo, explorar a inter-relação entre variáveis coloca a necessidade de contar com um conceito que permita estudar se as atitudes de apoio ou rejeição ao regime democrático configuram posições determinadas. Este conceito deveria ser também uma ferramenta que -adaptando o enfoque de Linz- possibilitasse a análise da vulnerabilidade das democracias latino-americanas. Para cumprir ambos os fins, define-se o conceito de “tendências em relação à democracia”. Cabe colocar um último comentário sobre a fonte de informação disponível. O estudo das tendências em relação à democracia na América Latina utiliza informação proveniente de uma pesquisa de opinião pública. Embora trate-se de um material va- lioso, deve-se lembrar que, às vezes, as opiniões refletem apenas de maneira aproximada o pensamento das pessoas. Os indivíduos podem encobrir seus verdadeiros pontos de vista; as perguntas e escalas de medição podem ter defeitos que impedem cumprir o fim para o qual foram elaboradas e, mesmo quando as e os entrevistados respondem com honestidade e as perguntas funcionam bem, o que as pessoas respondem não reflete necessariamente os valores e as crenças que guiarão suas reações diante de situações concretas. II- O IAD e as tendências em relação à democracia O Índice de apoio à democracia (IAD), elaborado para o Relatório, é a medida-resumo para estudar o respaldo dos cidadãos à democracia9. Combina os indicadores de tamanho, ativismo político e distância das tendências para a democracia. É a alternativa metodológica á análise deste tema baseado na leitura de variáveis separadamente10. Essa seção inicia-se com uma descrição do procedimento e provas aplicadas para determinar essas tendências e depois descreve o IAD e seus componentes. As tendências para a democracia são posições de apoio ou rejeição à democracia, identificadas a partir de um conjunto de atitudes sobre a preferência pela democracia e a aceitação das normas em que está baseada. Este conceito – e os indicadores e índices elaborados pelo Relatório – surgem de uma adaptação da teoria de Juan Linz sobre a falência das democracias (Linz, 1978).Linz diz que, em relação com a permanência ou substituição de um regime democrático, podem ser encontrados entre os cidadãos três posicionamentos: as forças políticas leais ao sistema; as desleais, que procuram derrubá-lo, e as semi-leais, que têm atitudes ambivalentes e contraditórias. Estabelece, também, as condições propícias para a quebra da democracia; afirma que uma crise do regime derruba uma democracia quando os desleais são capazes de atrair para as suas posições os semi-desleais. As tendências para a democracia conservam o significado dos posicionamentos de Linz (leal, semi-leal e desleal). Para facilitar o entendimento da análise, por parte dos leitores não especializados, as tendências foram rebatizadas da seguinte maneira: os leais foram chamados “democratas”; os semi-leais, “ambivalentes” e os desleais, “não-democratas”. A análise das tendências procura responder as seguintes perguntas: existe entre os cidadãos latino-americanos uma corrente de opinião contrária à democracia, que pode constituir base de apoio social de uma força política “desleal”? Qual é a extensão dessa corrente de opinião frente à que apóia a democracia? Quem são os mais ativos na vida política do país: os que se opõem ao sistema ou os que o apóiam? Qual a dimensão do segmento com atitudes ambivalentes? Do ponto de vista de suas atitudes, estão os ambivalentes mais perto dos que se opõem ao sistema? Como varia o tamanho da base social destas correntes de opinião? O conceito de tendências para a democracia não é, porém, idêntico ao dos posicionamentos políticos de Linz. Em primeiro lugar, Linz estuda situações históricas para tirar daí uma teoria comparativa. As tendências são uma ferramenta para chegar perto do tema da vulnerabilidade da democracia diante da eventualidade de uma crise do regime, e estuda o apoio que os cidadãos 9 Na elaboração do IAD foi buscada a coerência com o conceito amplo de democracia defendido pelo Relatório (a democracia é muito mais que um regime político). De fato, as perguntas consideradas para determinar as tendências das pessoas sobre a democracia, que é a base do IAD, incluem tanto atitudes sobre a democracia como regime político e suas instituições políticas representativas, fazendo referência, segundo Mazzuca, à dimensão do exercício do poder, como sobre a democracia além do regime político ou dimensão do exercício do poder. A leitura de freqüências simples de variáveis foi o ponto de entrada para a análise, mas não são seu fundamento. Toda pergunta deve ser contextualizada, examinada em relação a outras, para ter uma melhor aproximação ao significado dos dados. Do contrário, há o risco de formular interpretações baseadas na “espetacularidade” ou a conveniência de um dado. Evitar esse risco é justamente um dos propósitos da análise das tendências. Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 227 quadro 5 ONZE PERGUNTAS EMPREGADAS PARA IDENTIFICAR AS TENDÊNCIAS EM RELAÇÃO À DEMOCRACIA Pergunta p32st: Com qual das seguintes frases o/a senhor(a) está mais de acordo? “A democracia é preferível a qualquer outra forma de governo ”,“Em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível a um democrático ”,“Para pessoas como nós, dá na mesma um regime democrático que um não democrático ”. Pergunta p35st: Se o/a senhor(a) tivesse que escolher entre a democracia e o desenvolvimento econômico, qual diria que é o mais importante? Pergunta p37no2: O/A senhor(a) acha que a democracia é indispensável como sistema de governo para que este país possa ser um país desenvolvido?, ou O/A senhor(a) acha que não é indispensável; é possível chegar a ser um país desenvolvido com outro sistema de governo que não seja a democracia? Pergunta p38stb: Está totalmente de acordo, de acordo, em desacordo ou totalmente em desacordo com a seguinte afirmação: “Não me importaria que um governo não democrático chegasse ao poder, desde que pudesse resolver os problemas econômicos”. Pergunta p39st: Algumas pessoas dizem que sem Congresso Nacional não pode haver democracia, enquanto outras dizem que a democracia pode funcionar sem Congresso Nacional. Qual frase está mais próxima de sua maneira de pensar? Pergunta p40st: Algumas pessoas dizem que sem partidos políticos não pode haver democracia, enquanto outras dizem que a democracia pode funcionar sem partidos. Qual dessas frases está mais próxima de sua maneira de pensar? Pergunta p41st: Algumas pessoas dizem que a democracia permite que os problemas que temos no país sejam solucionados. Outras pessoas dizem que a democracia não soluciona os problemas. Qual dessas frases está mais próxima de sua maneira de pensar? Pergunta p28ua: Se o país estiver em sérias dificuldades, está totalmente de acordo, de acordo, em desacordo ou totalmente em desacordo com que o presidente …“não se limite ao que dizem as leis ”? Pergunta p28ub: Se o país estiver em sérias dificuldades, está totalmente de acordo, de acordo, em desacordo ou totalmente em desacordo com que o presidente …“imponha ordem por meio da força ”? Pergunta p28uc: Se o país estiver em sérias dificuldades, está totalmente de acordo, de acordo, em desacordo ou totalmente em desacordo com que o presidente …“controle os meios de comunicação ”? Pergunta p28ud: Se o país estiver em sérias dificuldades, está totalmente de acordo, de acordo, em desacordo ou totalmente em desacordo com que o presidente …“deixe de lado o Congresso e os partidos ”? Fonte: Latinobarômetro 2002. 228 A democracia na América Latina lhe dão. Em segundo lugar, as tendências identificam os padrões de atitudes dos cidadãos e das cidadãs, mas não possibilitam uma observação direta do comportamento desses atores. O ponto de partida para a identificação das tendências para a democracia foi a revisão do questionário do Latinobarômetro 2002. Foram aplicadas sucessivas análises fatoriais a um amplo conjunto de perguntas para medir, em princípio, atitudes sobre a democracia, o desenvolvimento, os valores e a confiança interpessoal. O propósito foi identificar as perguntas diretamente relacionadas com o tema das atitudes de apoio à democracia11. Esse processo permitiu selecionar onze perguntas (quadro 5). Em todas as análises, as perguntas selecionadas foram agrupadas consistente- mente em três fatores (Quadro 6). O fator 1 forma a dimensão de atitudes delegativas. Explica um 23.5% de variância. O fator 2 compõe a dimensão de apoio à democracia como sistema de governo (16.5% da variância), e o fator 3 está localizado em uma dimensão de apoio a instituições da democracia representativa (13.8% da variância). A variância explicada acumulada foi de 53.8%12. As provas de confiabilidade mostraram que não era conveniente usar índices de adição derivados das dimensões geradas pela análise fatorial, e por isso foi usado de maneira independente com cada uma das variáveis. A técnica selecionada para determinar a localização dos entrevistados e entrevistadas em uma ou outra tendência para a democracia, foi a análise de conglomerados e clusters. quadro 6 CARGAS FATORIAIS PARA ONZE PERGUNTAS DE INTERESSE NA DETERMINAÇÃO DE TENDÊNCIAS PARA A DEMOCRACIA. Dimensão Pergunta Atitudes delegativas Presidente além das leis Presidente imponha ordem pela força Presidente controle a mídia Presidente deixe de lado partidos e Congresso Preferência por democracia Democracia ou desenvolvimento Democracia indispensável para desenvolvimento Não importa governo autoritário se resolver problemas Democracia soluciona problemas Democracia sem Congresso Democracia sem partidos Apoio à democracia como sistema de governo Apoio a instituições representativas Variância explicada Fator 1 Fator 2 Fator 3 0.74 0.81 0.80 0.77 0.67 0.58 0.69 0.48 0.57 0.84 0.85 23.5% 16.5% 13.8% Nota: Estão incluídas apenas cargas fatoriais maiores de 0.450. Fonte: Elaboração própria com base no Latinobarômetro 2002. 11 O coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin de adequação da amostra para as onze variáveis foi de 0,77, considerado apropriado para sua utilização em uma análise fatorial . 12 A agrupação das onze variáveis de interesse nos três fatores indicados cumpre com o método Kaiser-Guttman (“eigenvalores” maiores que um), se bem que a variância explicada por eles não é particularmente alta. São determinadas as porcentagens obtidas no fatorial aplicado com as variáveis de interesse –sem incluir o resto das variáveis inicialmente consideradas. Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 229 Essa é uma ferramenta exploratória utilizada com a finalidade de resolver problemas de classificação, já que contribui para revelar associações e estruturas presentes nos dados que não são observáveis previamente. Seu objetivo é atribuir os casos a grupos, denominados clusters, de forma que os membros de um mesmo grupo sejam similares entre si quanto às características selecionadas, enquanto que os membros de diferentes grupos sejam relativamente diferentes. A análise de conglomerados pode ser realizada de diversas maneiras, dependendo da medida de similaridade e do método empregado. Neste caso, devido à magnitude da base de dados disponível, foi calculada a distância euclidiana como medida de similaridade e foi utilizado o método de partição de k-médias. Este procedimento requer que o pesquisador determine a priori o número (k) de conglomerados que deseja obter13 a teoria de Linz permitiu definir k = 3. Em geral, é desejável fundamentar o número de conglomerados em uma teoria existente, porque isso permite descrever cada um deles e, especialmente, contar com elementos de juizo para entender suas implicações. O método selecionado de k-médias deve estar orientado para a classificação de variáveis quantitativas. As onze perguntas utilizadas na determinação das tendências para a democracia têm uma escala de medição que não chega a alcançar o nível de intervalo. Entretanto, todas elas evidenciam uma clara direcionalidade relacionada com a atitude para a democracia das pessoas entrevistadas. Por isso, julgou-se apropriado empregar este método. Com essa finalidade, as variáveis foram recodificadas para dar às suas escalas de medição um mesmo nível e direção. Postequadro 7 CENTRÓIDES OBTIDOS PARA CADA UMA DAS VARIÁVEIS RELACIONADAS COM DEMOCRACIA, POR CLUSTER IDENTIFICADO Dimensão Atitudes delegativas Apoio à democracia como sistema de governo Apoio a instituições representativas Pergunta Centróides padronizados Presidente além de leis Presidente imponha ordem pela força Presidente controle a mídia Presidente deixe de lado partidos e Congresso Preferência por democracia Democracia ou desenvolvimento Democracia indispensável para desenvolvimento Não importa governo autoritário se resolver problemas Democracia soluciona problemas Democracia sem Congresso Democracia sem partidos Centróides sem padronizar Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Positivo Central Negativo Positivo Central Negativo .511 .609 .582 .612 .464 .345 .455 .514 -0.707 -0.816 -0.812 -0.755 0.080 -0.017 0.383 -0.268 -0.004 -0.010 0.037 -0.107 -0.772 -0.438 -1.090 -0.416 3.09 3.25 3.26 3.25 3.72 2.47 3.83 2.88 2.01 1.97 2.01 1.99 3.28 2.00 3.75 2.17 2.63 2.68 2.77 2.58 2.29 1.47 1.78 2.02 .274 .379 .372 0.326 0.006 0.029 -0.691 -0.595 -0.572 3.07 3.38 3.32 3.15 2.87 2.85 1.64 1.98 1.94 Nota: em todas as variáveis, o nível da escala é de 1 (atitude mais contrária à democracia) e 4 (atitude mais favorável à democracia). As perguntas da dimensão do apoio a instituições representativas são binárias e isso lhes diminui poder de discriminação. 13 O algoritmo de análise de clusters encontrará grupos uma vez que tenham sido definidas as variáveis que entrarão em jogo e se tenha estabelecido a instrução do número de clusters que se deseja obter. É importante, então, contar con um modelo que respalde a identificação desses grupos e depois validar seus resultados teórica e empiricamente, de acordo com as características dos indivíduos atribuídos a cada um deles. 230 A democracia na América Latina riormente, as respostas recodificadas foram aplicadas na análise de conglomerados14. As provas de estabilidade e confiabilidade dos clusters deram resultados satisfatórios. Por uma parte, diferentes ordens da base de dados deram variações muito pequenas nos centróides das onze variáveis: 50% tinham desvios padrão menores que 0,03. Por outra parte, para assegurar que os resultados sejam confiáveis, foi estimada a média de 42 resultados, com a finalidade de utilizar essa informação como os “centróides” iniciais que se proporcionam ao algoritmo da análise de conglomerados15. Além disso, foi desenhada uma metodologia para resgatar os casos com uma ou duas respostas que faltavam, o que permitiu elevar de 12.020 a 14.308 os casos habilitados para o estudo (74,9% da amostra total). O cluster 1 é consistentemente positivo em seus valores padronizados, por isso podemos dizer que os indivíduos localizados neste grupo têm uma tendência democrata. O cluster 2 pode considerar*se como de pessoas ambivalentes, pois tende a apresentar valores positivos nas dimensões de apoio à democracia e de apoio às instituições da democracia representativa, mas valores negativos na dimensão de atitudes delegativas. Por último, o cluster 3 apresenta centróides negativos em dez das variáveis, sendo o único valor positivo muito próximo de zero, por isso podemos afirmar que as cidadãs e os cidadãos classificados neste grupo têm uma tendência não-democrata (Quadro 7). Com o propósito de verificar a importância das diferenças das médias dos conglomerados nas variáveis empregadas para defini-los, foi usada uma análise de variância por cluster. Foi feito um estudo post hoc com a prova de Scheffé a 5% de significância16. O resultado foi que as diferenças são significativas para as onze variáveis nos três conglomerados. Isto é, todas as perguntas incluídas na análise são úteis para diferenciar os três grupos. O agrupamento da análise de conglomerados foi validado por meio da análise discriminante. Com este objetivo, tomouse uma amostra aleatória de aproximadamente 30% dos dados, à qual foi dada informação sobre os grupos de pertinência dos casos, de acordo com o obtido nos clusters. Com base nisso, foram obtidas as funções discriminantes, as quais foram aplicadas aos demais 70% dos casos para determinar em que grupos se localizariam. Em 30% da amostra utilizada, 93,4% dos dados foram localizados corretamente no grupo designado pela análise de conglomerados baseada nas funções discriminantes geradas. Em 70% dos dados empregados para validação, obteve-se que 92,6% dos casos foram atribuídos corretamente. Foi obtida uma atribuição certeira da amostra global de 92,9%. Pode-se dizer que tal percentual é alto e determina a validade da agrupação 14 Zhexue Huang (1997) indica que “o procedimiento habitual de converter dados categóricos em valores numéricos não necessariamente produz resultados interpretáveis naqueles casos em que os domínios categóricos não estão ordenados”. Porém, tal como se ha mencionado, neste caso os dados têm um sentido e, como veremos posteriormente, os resultados são relevantes. 15 É importante indicar que, uma vez introducidos os centroides iniciais, o resultado da análise de clusters não varia diante de diferentes ordens da base de dados. 16 Quando, ao fazer uma análise de variância, se rejeita a hipôtese nula, se aceita que pelo menos uma das médias dos grupos é diferente. Para conhecer a relação entre essas médias e determinar qual o quais são diferentes e quais são iguais entre si, se utilizam os procedimentos post hoc. Este tipo de técnica é empregada para provar as diferentes entre os dados comparando todos os possíveis pares de médias, com a finalidade de determinar aquelas que são diferentes. Existe uma ampla variedade de provas post hoc. A proposta por Scheffé é útil para provar a significancia de todos os possíveis pares de médias e é a recomendada quando se compara grupos com diferente número de casos, como ocorre neste exercício (Steel e Torrie, 1996). Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 231 feita pela análise de conglomerados17. As três dimensões do IAD O Índice de Apoio à Democracia (IAD) é uma medida-resumo do apoio dos cidadãos à democracia. É elaborado a partir da atribuição das pessoas a cada um dos clusters que identificam as três tendências em relação à democracia. Combina três dimensões que respondem às seguintes questões: ■ Qual é o tamanho de cada uma das mocrata é não apenas a de maior tamanho, mas, também, a mais ativa. ■ Qual é a distância ou a magnitude das diferenças de opinião entre as tendências. O ponto crítico é determinar se, em termos gerais, os ambivalentes estão mais perto da tendência democrata ou da não-democrata. A melhor situação é aquela em que a distância entre os ambivalentes e os democratas é bem menor do que a existente entre os primeiros e os não-democratas. Os indicadores e índices de apoio dos quadro 8 PROCEDIMENTO APLICADO PARA DETERMINAR OS MODOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ Dimensão Descrição Participação eleitoral PE 0 1 = = Não vota Vota Participação social PSO 0 1 Participação contatando autoridades PCO 0 1 = = Não contata Contata ao menos a 1 autoridade Participação em manifestações coletivas PMC 0 1 = = Não participa Participa em ao menos 1 manifestação coletiva Participação violenta PVI 0 1 = Não participa = Participa em ao menos 1 ato violento, independentemente de 0 ou 1 no resto Não colabora Colabora em ao menos 1 atividade Essas dimensões não podem ser hierarquizadas sem recorrer a premissas adicionais. Os números 0 e 1 são empregados para denotar a presença ou ausência de atividade. tendências em relação à democracia na cidadania?. A melhor situação para uma democracia é aquela em que a tendência democrata agrupa a maioria dos cidadãos e das cidadãs. ■ Qual é o grau de ativismo político das tendências? A melhor situação para uma democracia é aquela em que a orientação de- cidadãos são escalas de intervalo. Não têm zero absoluto; os valores expressam uma maior ou menor proximidade em relação a uma situação, mas não expressam proporções. Por serem ferramentas em processo de depuração, não há critérios para categorizálas e criar escalas de intensidade. 17 A totalidade dos casos usados pela análise discriminante se reduz até 12.020 pessoas que responderam as onze perguntas de interesse , pelo que esta análise se materializa unicamente com aqueles casos que têm toda a informação. Não se esperariam grandes diferenças na situação daqueles dados “resgatados” por ter uma ou duas perguntas sem resposta, em virtude de se haver comprovado que o perfil desses indivíduos não difere muito do das pessoas para as quais se tinham valores para as onze variáveis relevantes. 232 A democracia na América Latina quadro 9 Primeira dimensão: tamanho de uma tendência Por tamanho de uma tendência em relação à democracia, entende-se a quantidade de pessoas que pertencem a um cluster. Para medir essa dimensão, o IAD emprega o indicador de proporção de democratas com relação aos não-democratas18. Este indicador ilustra uma situação crítica: se, mesmo sendo minoria, a tendência democrata é ou não de maior tamanho que a não-democrata, sua adversária “natural”19. CLASSIFICAÇÃO DE MODOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ Nome Não faz nada Só vota Vota e colabora Só ação política Vota e ação política Colabora e ação política Vota, colabora e ação política Participação violenta Descrição Tem 0 em todas as dimensões de participação cidadã 1 em PEL e 0 em PSO, PCO e PMC 1 em PEL e PSO; 0 em PCO e PMC. 1 em PCO e PMC; 0 em PEL e PSO 1 em PEL, PCO e PMC; 0 em PSO 1 em PSO, PCO e PMC; 0 em PEL 1 em todas as dimensões de participação cidadã Qualquer combinação em que a participação violenta for 1 (1) Proporção democratas para não-democratas = Qd / Qnd onde Qd = número de pessoas com tendência democrata; Qnd = número de pessoas com tendência não-democrata. Quando em um país ou sub-região os democratas são mais numerosos que os nãodemocratas – uma condição minimamente desejável – o indicador assume um valor superior a 1. A pior situação ocorre quando esses indicadores têm um valor inferior a 1 e próximo de 0. Existem, por outro lado, diversas situações de equilíbrio político que apresentam valores próximos de 1. Segunda dimensão: ativismo político das tendências Por ativismo de uma tendência em relação à democracia, entende-se a proporção de seus membros que participa ativamente na vida política do país. Uma tendência é mais ativa quanto maior for a proporção dos cidadãos participativos que a compõem. Nessa dimensão, foi aplicado um procedimento composto de dois passos. O primeiro é a determinação do ativismo político de cada tendência. O IAD toma essa informação da variável “Modo de participação dos cidadãos” (MPC). Essa variável distingue os diferentes tipos de intervenção das pessoas na vida social e política de um país e permite elaborar diversas classificações conforme o interesse do pesquisador. Os “Modos de participação dos cidadãos” (MPC) são os tipos de intervenção que os cidadãos e cidadãs praticam na vida social e política. Um modo descreve um perfil característico de atividades de um cidadão. Reconstrói-se examinando as coisas que as pessoas fazem nas diversas dimensões de participação cidadã. Esta é uma classificação nominal cujas categorias não foram planejadas pensando em ordená-las com base em um critério que permita hierarquizá-las; Dessa forma, a ordem de sua 18 Existem outros dois indicadores de tamanho cujos resultados são comentados no Relatório, mas que não foram empregados pelo IAD. O primeiro é o indicador de maioria democrática. Este indicador indica a proporção de democratas em relação ao resto (ambivalentes e não-democratas) e determina se os democratas constituem ou não uma maioria. O indicador é igual ou maior que 1 quando a proporção de democratas é igual ou superior a 50% da cidadania. O segundo indicador é o tamanho relativo da tendência democrata em relação à tendência ambivalente. Quando tem valores maiores que 1, indica que os democratas são mais numerosos que os ambivalentes. 19 Esta idéia foi adotada da análise financeira, na qual existe um indicador denominado “prova ácida”. Este determina, em curto prazo, a vulnerabilidade de uma empresa, ou seja, se ela tem capacidade para pagar suas dívidas de curto prazo. É definida como a razão entre o ativo circulante e o passivo circulante. Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 233 apresentação expressa a aplicação flexível de certos critérios20. niente; se o resultado for 1, o ativismo dessas tendências é igual21. Classificação de modos de participação cidadã Terceira dimensão: distância entre as tendências Desta maneira, Foram diferenciados 8 modos de participação cidadã. Ver quadro 9. Por distância, entende-se a maior ou menor diferença de opinião nas atitudes de apoio ou rejeição à democracia, entre pessoas que pertencem a tendências diferentes. Em cada uma das variáveis que compõem uma tendência, o indicador examina a afinidade média nas respostas dos membros de duas tendências. Quanto maior a afinidade, menor é a distância, e vice-versa. O procedimento para incorporar a dimensão de distância ao IAD é semelhante ao empregado para a dimensão do ativismo. Primeiro calcula-se a distância dos ambivalentes em relação a cada uma das tendências adversárias. Para calcular a distância entre duas tendências deve-se obter, para cada uma das variáveis, o valor absoluto das diferenças entre os centróides (valores médios padronizados conforme a análise de conglomerados) e, depois, somá-los. (2)Ativismo (OX) = (QmpcX)/QX onde: QmpcX = número de pessoas da tendência “X” que exercem a participação política além do voto: modos de participação dos cidadãos onde há estabelecimento de contatos com autoridades e participação em manifestações públicas; Qx = número de pessoas que apóiam a tendência “X”. X pode ser a tendência democrata, a ambivalente ou a não-democrata. O segundo passo é comparar o ativismo das tendências adversárias – democrata e não-democrata – e saber qual delas é a mais ativa. Esse indicador, denominado “ativismo democrático” (AC), é o utilizado para o IAD. É obtido dividindo o ativismo da tendência democrata pelo ativismo da tendência nãodemocrata. (3)AC = ativismo D/ativismo ND onde:AC = ativismo democrático, D = democratas, ND = não-democratas. Se a divisão apresentar um valor maior que 1, os democratas são mais ativos que os não-democratas, uma situação favorável para a democracia; se o valor for inferior a 1, os não-democratas são mais ativos do que os democratas, uma situação pouco conve- (4)Di(Ox/A)=∑|Cxvi – Cavi| onde: Di=distância, Ox=tendência democrata ou não-democrata, A=tendência ambivalente. Cxi=centróide da tendência democrata ou não-democrata na variável i; Cavi=centróide da tendência ambivalente na variável i. Posteriormente, comparam-se os resultados dos democratas e dos não-democratas, por meio do indicador de distância (ID). Esse indicador expressa a distância média entre as tendências não-democrata 20 Em termos gerais, a ordem de apresentação se inicia com as categorias em que há menor custo pessoal (investimento de tempo, dinheiro), compromisso e liderança, e se conclui com as categorias que implicam maior custo pessoal, compromisso e liderança. Ao fim se acrescenta uma categoria que responde a outros critérios. 21 Existem outras duas situações que não são analisadas: (a) quando o ativismo é similar em todas as tendências (distribuição uniforme) e (b) quando o ativismo das tendências adversárias (democratas e não-democratas) é similar e muito superior ao dos ambivalentes. Ambas são situações políticas potencialmente instáveis para uma democracia, pois os democratas não têm uma vantagem particular. 234 A democracia na América Latina quadro 10 e ambivalente como uma proporção da distância entre as tendências democrata e ambivalente. (5)IDD = Di(D/A) / Di(ND/A) onde: IDD = Distância dos democratas como proporção da distância dos não-democratas. Di(D/A) = distância entre tendências democrata e ambivalente; Di(ND/A) = distância entre tendências não-democrata e ambivalente. Se a divisão apresentar um valor superior a 1, os ambivalentes estão mais próximos das posições não-democratas; se o valor for inferior a 1, os ambivalentes estão mais próximos dos democratas; se o resultado for 1, existe uma eqüidistância dos ambivalentes com relação às tendências contrárias. Ao contrário dos indicadores de tamanho e de ativismo, nos quais os maiores valores a favor dos democratas apontam para situações excelentes para a democracia, em matéria de distância, o ideal é que, entre os ambivalentes e os democratas, a distância seja pequena (indica atitudes mais afins). EXEMPLOS DE SITUAÇÕES E VALORES QUE O IAD ASSUME. Quando o IAD assume valores superiores ou próximos a 5, as condições são muito favoráveis à democracia, isto é, os democratas tendem a ser maioria, a ser mais politicamente ativos que os adversários e a ter os ambivalentes muito mais próximos de suas posições. A situação contrária seria quando as condições tendem a ser desfavoráveis para a democracia: os não democratas são maioria, estão politicamente mais ativos e têm os ambivalentes muito próximos de suas posições. Um valor de 0,15 do IAD corresponderia a essa situação. Quando o IAD adota valores superiores a 1, mas não muito distante dessa cifra, a situação tende a ser favorável para a democracia, porém mais atenuadamente. Em alguma dimensão ou componente do índice, a situação é desfavorável para a democracia, mas isso é mais que compensado por resultados favoráveis nas outras dimensões; ou pode ser que nas três dimensões a situação seja favorável para a democracia, ainda que por margens relativamente estreitas. Por exemplo, um valor de 1,43 do IAD resume uma situação na qual os democratas são os mais numerosos (mas não a maioria), têm os ambivalentes ligeiramente mais próximos de suas posições, mas são politicamente menos ativos que os não democratas. O IAD é uma ferramenta que precisa ser refinada. Seu algoritmo atual, baseado na hipótese de que os três componentes do IAD são independentes entre si e têm o mesmo peso, não funciona apropriadamente em certas situações22. Mais pesquisas são necessárias para encontrar respostas metodológicas válidas aos problemas que a simples formulação do IAD não pode resolver. Contudo, cabe ressaltar que a observação dos resultados do IAD em 2002, para os diversos países da América Latina, sugere que, apesar dessas limitações, o índice não apontou resultados inesperados. Por outro lado, nenhum dos componentes do IAD teve um comportamento “anômalo” que pudesse introduzir distorções no resultado global do índice. A regra de agregação do IAD O IAD combina o tamanho, o ativismo e a distância das tendências. No índice, todos os fatores têm peso igual. Há a necessidade de uma teoria que hierarquize estes elementos e de pesquisas prévias que ofereçam critérios para ponderar a importância de cada fator. Para não introduzir pressupostos dificilmente justificáveis, escolheu-se a opção que, de forma mais simples, expressa a proposta conceitual. (6) IAD = tamanho [AD] * (Ativismo [AC] / Distância [ID]) Se em um país a maioria dos cidadãos é leal à democracia, e estes são mais participativos que o resto das pessoas e apresentam uma pequena distância em relação aos ambivalentes, pode-se concluir que a democracia tem um respaldo dos cidadãos. Nestas situações, o IAD apresenta um valor bastante superior a 1. Ao contrário, se em um país a maioria dos cidadãos é não-democrata, os não-democratas são mais participativos do que o resto das pessoas e apresentam uma pequena distância em relação aos ambivalentes, pode-se concluir que o respaldo à democracia é frágil. Nestas situações, o índice assume valores muito inferiores a 1 e próximos de 0. A inferência é que um sistema político com estas características é mais 22 Por exemplo, num país em que a quantidade de democratas seja quase a metade dos não democratas (AD= 0,5), os não democratas estejam politicamente mais ativos que os democratas (AC=0,5), mas os ambivalentes se situem majoritariamente mais perto das posições democratas do que as não democratas (ID=0,2), teria um IAD=12,5. Esta situação esta longe de ser favorável para a democracia, como resultado do IAD parece sugerir . Pode que se trate de uma situação pouco provável , porém, certamente, uma que pode acontecer. Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 235 vulnerável a uma crise do que um que conte com um forte respaldo dos cidadãos. Podem ocorrer diferentes combinações de tamanho, ativismo e distância, que configuram situações intermediárias de força e debilidade da democracia. Em situações de equilíbrio, o valor do IAD está por volta do 1. A interpretação do IAD Dada a fórmula empregada para calcular o IAD, os valores do índice podem oscilar entre 0 e um número extremamente alto (tende a infinito em um país onde quase todos os democratas são participativos e os poucos ambivalentes estão muito próximos dessas posições). Neste nível de conhecimento sobre o tema, não existem elementos suficientes para padronizar essa variação em um intervalo que varie, por exemplo, entre 0 e 1, nem para categorizar os valores em uma escala de intensidade. A padronização exigiria aplicar procedimentos relativamente sofisticados sobre a base de pressupostos adicionais. A criação de uma escala de intensidade, além disso, implicaria justificar os pontos de corte entre as categorias definidas, o que será possível de realizar quando se dispuser de mais observações do que as existentes na atualidade (medição de 18 países em um ano). Não obstante, a observação do comportamento do IAD diante de algumas situações hipotéticas permite realizar um primeiro exercício de interpretação (Quadro 10) democracia não pode ser replicada na série de tempo do Latinobarômetro. Algumas das variáveis empregadas para a análise pertencem ao segmento regular do Latinobarômetro, mas não são incluidas todos os anos; outras perguntas foram elaboradas especificamente para o segmento proprietário do PNUD na pesquisa; por isso, não há observações prévias. Algumas perguntas empregadas para as tendências têm limitações que influem na medição. As perguntas com escalas de resposta de duas ou três alternativas não se ajustam plenamente aos requisitos de uma análise de conglomerados. Além disso, nessas variáveis, o desvio padrão foi superior ao das outras variáveis. Essas dificuldades são particularmente palpáveis no caso das perguntas da dimensão de apoio às instituições da democracia representativa, cujas escalas de resposta são binárias. Apesar dessas limitações, como foi explicado, os resultados obtidos foram sólidos. Efetuou-se uma prova da validade externa da análise das tendências. Utilizou-se a pergunta “Estaria disposto(a) a defender a democracia se ela fosse ameaçada?”, que foi incluída nos Latinobarômetro 1996 e 1998. Foram correlacionados os resultados obtidos por país com o tamanho das tendências em 2002. Em geral, em 1996 e 1998, os países onde mais pessoas estavam dispostas a defender a democracia foram os países onde, em 2002, havia mais democratas (r = 0,27 e r = 0,25, respectivamente); a correlação com a porcentagem de não-democratas é inversa (r = -0,29 e r = -0,36). Validação e confiabilidade do IAD Pressupostos e limitações do IAD Não se conhecem estudos prévios que tenham aplicado esta metodologia para estudar o respaldo dos cidadãos à democracia. A análise das tendências em relação à A metodologia proposta baseia-se em três pressupostos. O primeiro é que as tendências em relação à democracia são 23 A série de tempo do Latinobarômetro não permite medir a estabilidade das tendências em relação à democracia. Comparações feitas entre a pergunta sobre a situação econômica do lar e as perguntas sobre a preferência pela democracia e a satisfação com a democracia, em distintos anos (1996, 1997, 2001 e 2002), apontam que a preferência pela democracia não varia segundo a boa ou má situação econômica do lar, mas sim de acordo com a satisfação com seu funcionamento. 236 A democracia na América Latina relativamente estáveis no tempo. Não se descartam as flutuações diante do efeito acumulado, por exemplo, da deterioração econômica de um país; porém, por tratar-se de atitudes relacionadas com o apoio difuso (ou rejeição) à democracia, infere-se que as variações são menos explícitas do que as que exibiriam as percepções relacionadas com a satisfação em relação ao funcionamento das instituições ou aos resultados econômicos e sociais do sistema23. O segundo pressuposto consiste em que, embora as pessoas que pertencem a uma tendência não constituam, necessariamente, uma força política com capacidades organizativas e condução ideológica própria, podem chegar a sê-lo no caso de enfrentar um evento político polarizador24. É preciso lembrar que as tendências não ajudam a predizer o comportamento das pessoas em termos da subversão ou defesa do sistema. Existe uma série de fatores, difíceis de determinar a priori, que influem sobre a transformação das atitudes em comportamentos. Em terceiro lugar, pressupõe-se que, em matéria de defesa ou oposição ao sistema democrático, os ambivalentes não têm iniciativa própria. São, portanto, objeto da disputa entre as tendências democrata e não-democrata. Além disso, presume-se que a resistência oferecida pelos ambivalentes, ainda que de magnitude desconhecida, é a mesma perante ambas as tendências. Esses dois pressupostos são uma herança e uma implicação lógica da proposição de Linz, que é a fonte de inspiração desta análise. Quando a questão política do dia é a sobrevivência da democracia, não há uma “terceira via”: ou defende-se ou subverte-se o regime. No entanto, enquanto a vida política não enfrenta a alternativa da sobrevivência ou morte da democracia, esses pressupostos não serão necessariamente certos. Na prática, os ambivalentes podem ter iniciativa política própria sobre um amplo leque de assuntos, apesar de não formarem uma força política determinada25. Por último, certas características das amostragens do Latinobarômetro aconselham prudência na avaliação do IAD, especialmente em certos países. São desconhecidos os efeitos de uma eventual inclusão do “mundo rural” e dos segmentos urbanos mais empobrecidos sobre os resultados. Os dados da pesquisa de opinião utilizados neste Relatório foram fornecidos pelo Latinobarômetro, no marco de uma relação contratual de trabalho e de cooperação com o PNUD. Em 2002, o Latinobarômetro incrementou em um terço seu estudo anual, com perguntas específicas solicitadas pelo PNUD para o presente Relatório. Dentro do acordo interinstitucional, o Latinobarômetro colocou à disposição do PNUD as séries de tempo com dados de pesquisas prévias, que também foram utilizadas como um dos antecedentes incluídos na base empírica do Relatório. 24 Por evento político polarizador entende-se uma crise econômica, social ou política, que gere a possibilidade de substituição do sistema democrático por outro tipo de regime. 25 Estabelecer o perfil político e social dos ambivalentes é um dos pontos mais importantes deste estudo. Nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção do Índice de Apoio à Democracia (IAD) 237 238 A democracia na América Latina ■ Bibliografia ACKERMAN, B. Social justice in the liberal State. Yale University Press, New Haven, 1980. –––––––––––. Texto preparado para o PRODDAL, 2002. ACUÑA, Carlos e SMULOVITZ, Catalina. “Adjusting the armed forces to democracy: successes, failures, and ambiguities in the Southern Cone”. 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Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil IPU União Interparlamentar UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância UNODC Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime Abreviaturas 255 Índice de quadros 35 36 44 45 46 46 50 52 53 54 54 55 58 63 64 64 68 70 71 76 85 87 quadro 1 A democracia: uma busca permanente quadro 2 A democracia: um ideal quadro 3 A democracia e a promessa dos direitos cidadãos quadro 4 Declaração Universal de Direitos Humanos quadro 5 Os direitos democráticos quadro 6 A democracia requer mais do que eleições quadro 7 Os alicerces da democracia quadro 8 Cidadania e comunidade de cidadãos quadro 9 A democracia: uma construção permanente quadro 10 Democracia e igualdade quadro 11 Democracia e soberania quadro 12 Uma definição de poliarquia quadro 13 Democracia e responsabilidade dos governantes quadro 14 Estado liberal e Estado democrático quadro 15 O Estado: pressuposto da democracia quadro 16 Estado e globalização quadro 17 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) quadro 18 A democracia: uma tensão entre fatos e valores quadro 19 A informação: uma necessidade básica quadro 20 O índice de democracia eleitoral (IDE) Uma contribuição à discussão sobre a democracia quadro 21 A petição cidadã perante as instituições públicas quadro 22 Experiências de participação em governos locais Índice de quadros 257 104 106 107 107 108 110 122 123 124 125 127 127 128 144 152 153 187 187 188 188 189 191 192 193 194 194 258 quadro 23 Dimensões da cidadania civil quadro 24 Legislação sobre violência contra a mulher, 2002 quadro 25 Povos Indígenas e cidadania quadro 26 A democracia étnica e o multiculturalismo quadro 27 A percepção cidadã sobre a igualdade perante a Lei quadro 28 A petição cidadã ao sistema de administração de justiça quadro 29 Cidadãos pobres e desiguais quadro 30 Dimensões da cidadania social quadro 31 Inserção genuína para os “supranumerários ” quadro 32 O papel da sociedade civil quadro 33 A decência como valor coletivo quadro 34 Disfunções da economia mundial quadro 35 Pobreza e desigualdade: pouca variação significativa quadro 36 Quantos democratas e não-democratas “puros” existem na América Latina? quadro 37 Cidadania de baixa intensidade quadro 38 O Índice de Apoio à Democracia (IAD) quadro 39 O poder dos meios de comunicação quadro 40 Sociedade civil, política e participação quadro 41 A dimensão associativa da democracia quadro 42 Política, partidos e democracia na América Latina quadro 43 A democracia como princípio de organização da sociedade quadro 44 Privatização perversa do Estado quadro 45 A economia e a política quadro 46 Uma economia para a democracia quadro 47 Democracia e Mercado quadro 48 Modelo único de desenvolvimento A democracia na América Latina 196 196 199 quadro 49 Quatro vantagens econômicas da democracia quadro 50 Complementaridade entre democracia e mercado quadro 51 Globalização e impotência da política Índice de quadros da nota técnica sobre os índices derivados na análise da pesquisa Latinobarômetro 2002 – A construção de um Índice de Apoio à Democracia (IAD) 223 224 225 226 228 229 230 232 233 235 quadro 1 Tamanho da amostra do estudo quadro 2 Amostras totais e amostras válidas para o Índice de Apoio a Democracia empregado na análise do Latinobarômetro quadro 3 Proporção de pessoas que apóiam a democracia com respostas “inesperadas” em relação ao apoio a meios autoritários para resolver problemas quadro 4 Proporção de pessoas que apóiam a democracia com respostas “inesperadas” em relação a sua avaliação sobre a opção entre democracia e desenvolvimento quadro 5 Onze perguntas empregadas para identificar as tendências em relação à democracia quadro 6 Cargas fatoriais para onze perguntas de interesse na determinação de tendências para a democracia. quadro 7 Centróides obtidos para cada uma das variáveis relacionadas com democracia, por cluster identificado. quadro 8 Procedimento aplicado para determinar os modos de participação cidadã quadro 9 Classificação de modos de participação cidadã quadro 10 Exemplos de situações e valores que o IAD assume Índice de quadros 259 Índice de tabelas 39 42 51 78 79 81 85 89 90 91 92 93 94 95 96 98 99 100 101 102 103 108 tabela 1 Democracia, Pobreza e Desigualdade tabela 2 Reformas e Realidades tabela 3 Percepções sobre as razões de descumprimento de promessas eleitorais por parte dos governantes, 2002. tabela 4 Eleições limpas, 1990-2002 tabela 5 Eleições livres, 1990-2002 tabela 6 Eleições como meio de acesso a cargos públicos, 1990-2002 tabela 7 Experiências no tratamento dado a pessoas que procuraram uma entidade pública nos últimos 12 meses, 2002 tabela 8 A participação eleitoral, 1990-2002 tabela 9 Os partidos políticos e a democracia interna, 1990-2001* tabela 10 Cotas para candidatas a cargos parlamentares, 2003 tabela 11 Financiamento de partidos e campanhas eleitorais, 2003 tabela 12 Cadeiras no congresso ganhas por mulheres, 1990-2003 tabela 13 Proporcionalidade na representação via partidos políticos, 1990-2002 tabela 14 Poderes formais presidenciais, 2002 tabela 15 Poderes judiciários, 2002 tabela 16 Organismos especializados de controle, 2002 tabela 17 Mecanismos de democracia direta de cima para baixo, 1978-2002 tabela 18 Mecanismos de democracia direta de baixo para cima, 1978-2002 tabela 19 Indicadores de percepções sobre corrupção, 2002 tabela 20 Perfil das pessoas com diferentes atitudes em relação à corrupção, 2002 tabela 21 Redes clientelistas, 2002 tabela 22 Percepção sobre a igualdade legal de grupos específicos, 2002 260 A democracia na América Latina 110 113 114 115 115 116 117 118 119 120 120 121 129 130 131 132 133 133 134 135 136 136 137 139 tabela 23 Experiência dos cidadãos com o sistema de administração de justiça, 2002 tabela 24 Tratados da ONU, da OIT e da OEA: direitos gerais e direitos de categorias de cidadãos, 2002 tabela 25 Direitos dos povos indígenas, 2000 tabela 26 Mulheres no mercado de trabalho 1990-2000 tabela 27 Incidência do abuso de menores nas diferentes regiões do mundo, 2000 tabela 28 Tratados da ONU e da OEA sobre direitos civis fundamentais, 2003 tabela 29 Homicídios dolosos na América Latina e em outras partes do mundo, c.2000 tabela 30 Recursos financeiros e humanos dedicados ao sistema de administração de justiça, 2001 tabela 31 População carcerária, presos sem condenação e superlotação, 2002 tabela 32 Liberdade de imprensa, 2001-2002 tabela 33 Morte de jornalistas, 1993-2002 tabela 34 Direito ao acesso à informação pública e habeas data, 2002 tabela 35 Desnutrição infantil entre 1980 e 2000 tabela 36 Analfabetismo em maiores de 15 anos, 1970-2001 tabela 37 Mortalidade infantil, 1970-2000 tabela 38 Esperança de vida ao nascer, 1970-2000 tabela 39 Escolarização primária, secundária e terciária, 1999 tabela 40 Qualidade educativa e performance do aluno, 2002 tabela 41 Desemprego aberto urbano (taxas anuais médias), 1985-2002 tabela 42 Desemprego juvenil (taxas anuais), 1990-2002 tabela 43 América Latina: estrutura do trabalho não agrícola, (porcentagens) 1990-2002 tabela 44 América Latina: Assalariados que contribuem para a previdência social, (porcentagens) 1990-2002 tabela 45 Cidadania Social: Desigualdade e Pobreza, 2002 tabela 46 Fragilidades da preferência pela democracia em relação a outros sistemas de governo, 2002 Índice de tabelas 261 145 146 148 150 159 161 163 164 173 174 175 176 tabela 47 Distância entre as tendências em relação à democracia nos diversos temas estudados, américa latina, 2002 tabela 48 Perfil socioeconômico das pessoas segundo sua tendência em relação à democracia, 2002 tabela 49 Perfil político das pessoas segundo sua tendência em relação à democracia, 2002 tabela 50 Perfil socioeconômico das pessoas segundo modos de participação cidadã, 2002. tabela 51 Aumentou a participação na América Latina? tabela 52 Aumentaram os controles sobre o poder na América Latina? tabela 53 Quem exerce o poder na América Latina? Segundo o ponto de vista dos líderes consultados. tabela 54 Os partidos estão cumprindo seu papel? tabela 55 Problemas a enfrentar para fortalecer a democracia tabela 56 Problemas a enfrentar para fortalecer a democracia, segundo opinião sobre o estado da democracia em seu país tabela 57 Agenda atual segundo tema tabela 58 Agenda futura segundo tema Índice de gráficos 77 105 105 126 141 143 262 gráfico 1 Índice de democracia eleitoral (IDE), 1977, 1985, 1990-2002 gráfico 2 Ambiente de negócios, América Latina e Europa Ocidental, 1990-2000 gráfico 3 Direitos dos trabalhadores, América Latina e Europa Ocidental, 1990-2000 gráfico 4 Distribuição da renda na América Latina, 2002 gráfico 5 Perfil das tendências em relação à democracia, 2002 (1) gráfico 6 Proporção de pessoas que constituem as tendências em relação à democracia, médias sub-regionais, 2002 A democracia na América Latina 144 154 195 197 gráfico 7 Democratas, ambivalentes e não democratas segundo sua posição nas escalas de atitude democrática, América Latina, 2002 gráfico 8 Panorama regional do IAD, 2002 gráfico 9 A agenda dos cidadãos: principais problemas, 2002 gráfico 10 Posição face à intervenção do Estado na economia, 2002 Conteúdo do CD-ROM incluído no relatório Relatório: A democracia na América Latina, rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos. Anexo I: Compêndio Estatístico Anexo II: O debate Conceitual sobre a democracia Livro: “Contribuiciones para el Debate” Resumo: Idéias e Contribuições. Conteúdo do CD-ROM (parte integrante do Relatório) 263