SERVIÇO SOCIAL NO PERÍODO DITATORIAL BRASILEIRO: OS ASPECTOS QUE IMPULSIONARAM O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO DA PROFISSÃO Emanuela Alves Martins1 (Orientador): Pablo Martins Bernardi Coelho2 RESUMO Pretendemos analisar através do presente trabalho, os principais fatores que impulsionaram o processo de Reconceituação do Serviço Social, especificamente nas décadas de 60, 70 e 80, período em que vigorou no Brasil a Ditadura Militar, tendo seu início em 1964 através de um Golpe de Estado. Partimos da hipótese de que, os diversos aspectos que marcaram esse período como a repressão intelectual, cultural, trabalhista e popular, além do agravo das expressões da questão social, impulsionaram a reatualização do trabalho do profissional de Serviço Social. Dessa forma, demonstraremos a importância desse movimento para o Serviço Social em um contexto histórico de regime militar repressivo em que as lutas e movimentos sociais são protagonistas de um cenário onde os direitos constitucionais foram ignorados e violados por meio de Atos Institucionais e pela Doutrina de Segurança Nacional. PALAVRAS-CHAVE: Ditadura Militar. Questão Social. Repressão. Movimento de Reconceituação. Profissional de Serviço Social. 1. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL O processo de renovação do Serviço Social durante o período da Ditadura Militar no Brasil (1964 a 1985) e a redemocratização na década de 80 é um marco histórico para a profissão passível de reflexões a serem debatidas. Dessa forma, a análise do movimento de reconceituação está totalmente vinculada ao desenvolvimento e o fim do regime ditatorial brasileiro como um todo. Porém, esse processo de transformação da profissão tem raízes na década de 60 devido às consequências sociais advindas do período desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek. Nesse contexto, ocorreram mudanças na realidade social devido a inúmeras transformações de nível econômico e político vinculado ao processo de industrialização do país garantindo a libertação econômica e a continuidade da expansão capitalista. Em relação à política econômica, o governo de JK foi marcado pelo acelerado aumento da dívida externa causado pelo crescente empréstimo estrangeiro e pelo alto índice de inflação que acabou gerando um grande fluxo migratório, principalmente da região nordeste. Diante desse contexto, constatamos que o projeto desenvolvimentista agravou as 1 Estudante do 6º Período de Serviço Social na Universidade Presidente Antônio Carlos de Uberlândia/UNIPAC. E-mail: [email protected] 2 Doutor em História - UNESP/Franca-SP. Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES). Professor na Universidade Presidente Antônio Carlos de Uberlândia/UNIPAC. 1 expressões da questão social, como a miséria, desnutrição, mortalidade infantil dentre outros, que se consolidam durante a ditadura militar, período em que se afirmou a determinação e o movimento de renovação da profissão. A tensão que permeava o Brasil precedente ao Golpe de Estado em 64 rondava entre a disputa ideológica entre “capitalistas e comunistas”, como demonstra Gláucio Ary: “O clima ideológico da Guerra Fria, por sua vez, contribuiu para exacerbar as posições ideológicas antagônicas” (SOARES, 1994, p, 25). Assim, partindo do governo de João Goulart (1961 – 1964)3 a ameaça comunista se torna ponto chave para um dos mais importantes motivos para o Golpe realizado em Março de 1964 utilizando-se da justificativa de abuso de poder por parte do então presidente. Muitos militares associavam o presidente Jango ao comunismo, apoiando tal associação na observação de uma comunhão entre o vice-presidente na época e os grupos e partidos de extrema esquerda. “O apoio sindical a João Goulart e o clima de intensa mobilização ideológica confirmaram as suspeitas de muitos.” (SOARES, 1994). Suspeitas que também vinham de militares, da classe média e até setores da classe trabalhadora. Ainda de acordo com Gláucio Ary (1994), dentre as razões mais comuns dadas por militares para o Golpe de 64 destacam-se o caos, a desordem; o perigo comunista; a crise hierárquica militar; a corrupção e o apoio popular ao golpe. Ainda podemos destacar os fatores econômicos e os fatores externos, mais especificamente a influência norte-americana. Ao que se refere ao caos e a desordem política do governo de João Goulart, podemos analisar o trecho de Gláucio Ary: O amplo período que se estendeu da renúncia de Jânio Quadros até o Golpe de 64 foi caracterizado por uma sucessão de crises políticas que impediram o funcionamento normal do sistema político e administrativo. As críticas ao regime parlamentarista basearam-se, em sua maioria na ineficiência e na desordem que o caracterizaram. (SOARES, 1994, p, 23). Para FARIAS, 1981 apud SOARES, 1994, Goulart e seus assessores começaram a sabotar o parlamentarismo. Fabricaram-se crises no Congresso com o objetivo de enfraquecer o parlamentarismo a fim de torna-lo inviável. Tal fato perturbava os militares, os quais tinham apatia pelo perigo comunista. A associação do presidente Jango ao comunismo se consolidou com o plano de Reformas de Base criado pelo presidente. De acordo com Júlio Chiavenato: 3 João Goulart toma posse a partir da renúncia do então presidente da República à época Jânio Quadros em Agosto de 1961. 2 A marca principal do governo de João Goulart foram as reformas de base. Em um país miserável, com estruturas políticas anacrônicas, economia estrangulada e privilégios aparentemente eternos das elites, sua proposta entusiasmou grande parcela da população. A aliança com a esquerda, sindicalistas e intelectuais e a figura simpática de Goulart serviram para popularizar ainda mais o governo. (CHIAVENATO, 1994, p, 14). As reformas de base abarcavam quase toda a sociedade. Sendo nas áreas eleitoral, tributária, administrativa, urbana, bancária, cambial, universitária e a agrária. De acordo com Júlio Chiavenato (1994), a Reforma Urbana propunha, entre outras medidas, a desapropriação dos imóveis excedentes desocupados que seriam entregue a novos donos, que pagariam com o financiamento do Estado. Porém, o governo de Goulart não dispunha de apoio político suficiente para conseguir tal façanha. É possível avaliar o pânico gerado entre proprietários e especuladores e, por outro lado, a simpatia dos que seriam beneficiados pela Reforma Urbana. Referente à crise dentro da hierarquia militar que também impulsionou o golpe de 64 podemos destacar o fato de que os comícios feitos pela presidência instigavam os indecisos, apoiavam as revoltas de marinheiros e sargentos, davam apoio à indisciplina dos sargentos nos quartéis, pois os sargentos não queriam mais prestar obediência a seus superiores. Esses fatores, aliados a interferência de Jango nos assuntos sobre a hierarquia militar geraram motivos para que os militares criassem pretextos para o golpe. Sobre a corrupção, o que fez piorar a imagem do governo foi a utilização do próprio problema em questão (a corrupção política), como tema de campanha, o que contribuiu para uma imagem ainda mais negativa. A corrupção, segundo Gláucio Ary (1994), estava presente como uma das explicativas para o Golpe na mente de alguns militares que o fizeram - o regime autoritário seria um modo novo de governar e poderiam usá-lo para mudar a imagem da política. Tais fatores geraram na população o medo de um caos ainda maior no país, aumentando o apoio popular ao golpe de Estado. Dentro deste apoio interno ao golpe, destacam-se: latifundiários, burguesia e classe média (principalmente devido à ameaça trazida pelo plano das reformas de base, destacando a agrária4 e a urbana); Igreja Católica (o ideal comunista iria contra os ideais humanistas cristãos) e ainda, segundo Júlio Chiavenato (2004), o medo da classe média e o pavor da quebra de uma hierarquia rígida, tanto nas Forças Armadas como na Igreja, consolidaram a resistência em relação às mudanças que pretendiam resgatar o Brasil da miséria social. 4 Na Reforma Agrária era considerado a expropriação de propriedades rurais improdutivas com mais de 500 hectares e localizadas até dez quilômetros das margens das rodovias e ferrovias. Também enquadrava as propriedades de 30 hectares situadas num raio de 10 quilômetros a partir das represas federais. 3 Ainda como oposições internas, citamos os possíveis candidatos à sucessão de João Goulart como Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek; também os meios de comunicação como jornais impressos, telejornais, revistas e rádios (todos estes meios de comunicação transmitiam comícios, encontros, passeatas como apoio ao ideário do golpe, que a nação precisava de um novo governo com ordem e progresso). Outro aspecto de relevante importância que se deve destacar de influência ao golpe militar foi à questão econômica da época. Para os militares os fatores econômicos não tiveram tanta relevância como o caos, o perigo comunista e as questões militares. Mas não significa que foram ausentes. Portela de Melo (1979), vinculou a situação econômica com a corrupção: Enquanto isso, a situação econômica se agravava e a corrupção ia campeando sem o menor freio, nos diversos setores da administração pública, atingindo a inflação taxas insuportáveis. A produção nacional caía e as exportações também diminuíram, provocando desequilíbrio na balança comercial e no balanço de pagamentos. Os salários se aviltavam e o custo de vida subia de maneira vertiginosa. (MELO, 1979 apud SOARES, 1994, p, 44). Em relação aos fatores externos de influência para o golpe, destacam-se os norteamericanos. Os Estados Unidos da América apoiaram o golpe e o subsequente regime que se impôs. Porém o que mostra as análises de entrevistas aos militares feitas por Gláucio Ary (1994), é a irrelevância do fato. O apoio dado pelos EUA ao golpe pode ter tido mais importância, principalmente em relação ao auxílio financeiro, pois o Brasil se encontrava em crise econômica, caos e desordem, fatores que por sinal eram contrários ao regime dos militares. Devido ao seu potencial físico e econômico, ao aumento da popularidade das esquerdas e ao anúncio das reformas sociais, o Brasil foi um dos principais alvos da intervenção norte-americana. Após o golpe militar no Brasil, em 1964, a ditadura militar foi norteada pelo modelo político adotado, a Doutrina de Segurança Nacional5. Tal doutrina possuía grande força de influência sobre o direcionamento do golpe e posterior regime militar, sob o apoio norte americano, principalmente de cunho econômico, bélico e ideológico, que de acordo com Gláucio Ary (1994), não há a menor dúvida de que muitas multinacionais, assim como empresas nacionais e também o Governo norte americano apoiaram o Golpe de 1964. Depois do Golpe, aquele receio de perda de bens, posses de terras etc., pela classe média referente às mudanças sociais do governo de Goulart, transformou-se em medo da 5 Doutrina estimulada por forças internas e externas para “limpar” o Brasil de perigos sindicais, comunistas, corruptos etc. O projeto em questão se mostrou autoritário, liquidando o processo democrático. 4 ditadura e da repressão e a realidade brasileira passou a ser entendida como “guerra revolucionária”6, o que intensificou a implantação da Doutrina de Segurança Nacional. A realidade brasileira passou a ser um ambiente tenso, onde não se cogitava a liberdade de expressão, principalmente contra o governo e a ordem estipulada pelo mesmo. A fim de controlar a sociedade, foram criados Órgãos de Segurança, trazendo a tona e intensificando o medo e a repressão. Em 13 de Junho de 1964, criou-se o SNI (Serviço Nacional de Informações) que supervisionava os outros departamentos de segurança como o DSI (Divisão de Segurança e Informação) e os serviços de segurança do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Cada cidadão era suspeito, um potencial perigo à segurança interna; o Cenimar (Centro de Informação da Marinha) e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) torturavam e interrogavam, disseminavam o medo com o pretexto de combater a subversão; e a ESG (Escola Superior de Guerra) criada anteriormente ao golpe, mas que considerava a defesa nacional mais importante do que os preparativos para conter inimigos externos, entendiam que o verdadeiro inimigo estava dentro da Nação. A repressão que se seguiu foi concentrada em forças que poderiam contrapor-se diretamente à nova ordem, como o movimento operário e sindical, organizações políticas e sociais democráticas vinculadas. Esse “terrorismo” militar visava desmanchar as organizações e instituições mais representativas como a repressão intelectual e cultural. A partir de então, a ditadura passou a utilizar seu instrumento principal de repressão à cultura: a censura. No início dos anos sessenta, essas tendências procuraram e encontraram articulação junto às forças e movimentos sociais do arco democrático e popular como o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). A repressão na ditadura militar brasileira também foi legitimada pela criação de Leis Ditatoriais Repressivas, tomemos como exemplo a Lei de Imprensa: com ela, praticamente toda denúncia contra o presidente, fundamentada ou não, era ilegal e a Lei de Segurança Nacional, que praticamente tornaram todos os cidadãos suspeitos de ameaça comunista; torturavam ignorando os direitos humanos e as noções de direito constitucional, criando sua própria “legalidade” por meio dos Atos Institucionais. Os Atos Institucionais eram decretos que foram validados sem que para isso houvesse a aprovação de um órgão legislativo. Dentro dos Atos Institucionais, os AI’s, destacam-se o Ato Institucional n°1 criado em nove de abril de 1964 6 Pode ser entendia como guerra revolucionária de duas formas, pois estaria então alarmada a repressão contra aqueles considerados “inimigos” da Nação e da Ordem, aqueles aliados ao comunismo e a subversão. Mas também começava a insuflar a luta do povo perante a opressão. 5 que teve como principais ações caçar mandatos políticos e suspender direitos políticos; o AI-2 criado em 27 de outubro de 1965 trazia eleições indiretas para presidente e a dissolução de todos os partidos, estabelecendo o bipartidarismo, sendo a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro); o AI-3 criado em cinco de fevereiro de 1966 estipulou eleições indiretas também para governador e prefeitos; o AI-4: criado em doze de Dezembro de 1966 possuía o Projeto da Constituição de 1967. E ainda deve-se ressaltar o AI-5, um dos mais importantes Atos Institucionais, pelo qual trouxeram as ações mais repressivas. O AI-5 de 13 de dezembro de 1968 impunha o recesso indeterminado do Congresso Nacional (mais 69 deputados foram cassados), permitia a intromissão dos militares nos Ministérios desrespeitando os direitos e as leis; o presidente poderia fechar além do congresso nacional, assembleias legislativas e as câmaras de vereadores; poderia intervir nos estados e municípios; suspender os direitos políticos de qualquer cidadão; demitir, aposentar e remover funcionários públicos. Tais atos de repressão impulsionaram à época o fervor de lutas clandestinas, subversões, passeatas e greves; movimentos estudantis e trabalhistas que vigoraram durante o regime militar. Poucos líderes sindicais e estudantes escaparam da repressão da época. De acordo com Júlio Chiavenatto (1994), o ano-chave da institucionalização da repressão e tortura foi 1969. Nesse ano, com a intensificação da guerrilha e dos assaltos de bancos por grupos de esquerda, deu-se início à organização metódica da repressão. Ainda, a respeito dos movimentos repressivos do regime: Este desenvolvimento econômico foi acompanhado por uma forte repressão política, marcada por prisões, interrogatórios, torturas e censura. Repressão, justificada pela necessidade de se manter a estabilidade política e a segurança do país, frente aos considerados suspeitos de oposição ao regime, comunistas e simpatizantes (GONÇALVES E FERREIRA, 2013, p, 33). No Governo Médici (1969-1974), o país passou pelo “Milagre Econômico”. Tal fator estava vinculado o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, durante esse período. Para isso, a política econômica brasileira era pautada pelos empréstimos externos e investimentos estrangeiros, além da expansão industrial (automóveis e eletrodomésticos), aumento das exportações industriais e produtos agrícolas (soja, laranja). Também foi um período de grandes obras, entre elas, a ponte Rio – Niterói e a estrada Transamazônica. Esses “fatores positivos” eram usados pelos governos militares como propaganda a seu favor. Porém, as consequências do “Milagre Econômico” não foram tão positivas como propagavam os governos militares. Nesse sentido, em meados da década de 70 deliberou-se 6 uma profunda crise econômica (principalmente devido ao endividamento externo, desregulamentação na balança comercial, alto índice inflacionário e consequente desigualdade social) e o agravamento do problema social, onde muito brasileiros foram marginalizados, sobrevivendo entre o desemprego e a subnutrição; para exemplificar melhor, como mostra Júlio Chiavenato (1994), durante o milagre econômico, em menos de cinco anos a concentração de renda era abusiva e privilegiava poucos, e o restante se afundava na miséria que se agravava mais a cada dia e que provocou o mais violento processo de desnutrição da nossa história. Assim, o crescimento econômico brasileiro gerou mazelas sociais irreparáveis, especialmente a concentração de renda e o desemprego. Com o Milagre Econômico (1969 - 1973), houve aumento do Produto Interno Bruto (PIB) devido à exploração trabalhista (tinham que produzir mais em menos tempo e recebiam salários baixos em quanto a classe alta recebia aumentos salariais valorosos) e a concentração de renda, o que consequentemente aumentava a desigualdade social, agravando expressões da questão social como a miséria, trabalho infantil, desnutrição, doenças e óbitos. Assim, seu crescimento econômico estava baseado, ainda em 1979, no crescente endividamento externo. E ainda institucionalizou-se a corrupção. Ou seja, um país onde pessoas morriam de desnutrição, enquanto seu PIB aumentava, caracterizava de forma evidente que o país era administrado para o favorecimento das classes média e alta. E assim as oposições foram reprimidas e eliminadas, como os direitos dos cidadãos. 2. O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO7 DO SERVIÇO SOCIAL Entre muitos aspectos que norteiam as motivações sócio-políticas que intensificaram e influenciaram o movimento de reconceituação do serviço social nas décadas de 60 e 70 principalmente, se encontra a conscientização da opressão e dominação. Neste contexto de repressão, dominação e crise econômica, de certa forma, gerou-se um nível de insatisfação por parte de assistentes sociais no que diz respeito principalmente ao ferimento dos direitos humanos, que todo cidadão haveria de possuir, principalmente o direito de expressão e de liberdade. Também foram pontos importantes para ampliar a visão que nortearia o movimento de reconceituação, os movimentos da classe trabalhadora, cultural e estudantil que lutavam 7 O Movimento de Reconceituação do Serviço Social ocorreu a fim de gerir, criar e renovar as bases de sua atuação profissional para uma prática mais efetiva junto à sociedade, principalmente as classes excluídas e repreendidas. O movimento se consolida em virtude do que a ditadura militar proporcionou, referindo-se principalmente a suas ações opressoras que impulsionaram movimentos sociais e o agravamento das expressões da questão social, o qual é o objeto de trabalho do profissional de Serviço Social. 7 pela reconquista, conformidade e fixação de seus direitos como classe, essa foi uma abertura para que os assistentes sociais pensassem e refletissem sobre sua atuação, percebessem que a prática assistencialista (doações, favores, cestas básicas dentre outros) da época, não sanaria ou solucionaria tais reivindicações, que agora lutavam por objetivos mais amplos. Era necessária uma mudança no agir profissional, saindo do conservadorismo e humanismo cristão e encaminhando para um sistema com técnicas e instrumentos de trabalho mais eficazes. O controle social, baseado na repressão das classes populares atinge também os profissionais do serviço social, onde a sua atuação é limitada. Posteriormente, através do amadurecimento de setores da categoria profissional; a articulação com outros profissionais e com movimentos sociais provocaram a erosão do tradicionalismo do serviço social de forma mais intensa. Outro aspecto influente foi a extensão do movimento estudantil nas escolas de serviço social, carregado por formas de expressão crítica e nacional populares. Diante dessa conjuntura da sociedade brasileira o Serviço social buscou assumir uma prática com tendências modernizadoras que priorizava as demandas e interesses das pessoas atendidas pela ação do Serviço Social. Dessa forma, o assistente social desejava sair da condição caritativa8 para um agente de transformação, rompendo com o conservadorismo cristão9. Conforme citado acima, o processo de renovação profissional do serviço social se inicia mesmo antes do golpe de 64, mais especificamente, em 1961 onde foi realizado o “II Congresso Brasileiro de Serviço Social”, no Rio de Janeiro, no qual exprimiu como o serviço social passou a exaltar a intervenção no desenvolvimento de Comunidades10 como a forma mais eficaz para atender as demandas da sociedade brasileira daquela época. Porém, em 1965, com o golpe militar, os programas de Desenvolvimento de Comunidades foram interrompidos, alterando o ambiente de desdobramento das iniciativas propostas pela classe. O regime militar instaurado suprimiu os profissionais que defendiam o ideal crítico e progressista à crise em desenvolvimento no serviço social ‘tradicional’ e que estavam envolvidos com a democratização da sociedade e do Estado. Porém, ao mesmo tempo em que a ditadura brecava o movimento e a mudança ideológica da profissão, possibilitou a antecipação dessa “crise” na categoria, pois impulsionava a “chama de renovação social”. E em pleno momento histórico da efervescência 8 Eram práticas voltadas para a caridade, eram realizados atendimento como doações de cestas básicas e favores. Este conservadorismo cristão se deve ao fato de ser um agente de fundamentação da profissão, o qual fez parte da criação do serviço social, era baseado no humanismo e ideário católico. 10 Possuía como objetivo promover a melhoria de vida da comunidade, onde a própria comunidade se torna agente de seu progresso. 9 8 do domínio da ditadura militar brasileira, o espaço do Assistente Social se limitava a meros executores de políticas sociais nas comunidades. Os profissionais nesta época possuíam pouquíssima autonomia, deixando seu papel se traduzir como cumpridores de políticas sociais em expansão dos trabalhos do Desenvolvimento de Comunidades. Em relação às políticas sociais da época, de acordo com Sônia Miriam (1994), estas políticas eram moldadas à realidade coercitiva e autoritária, mantendo sua essência, com um modelo de cooperação das categorias e definição de seus privilégios, assim como a dinâmica clientelista de distribuição dos benefícios. Atuavam também como mediadores entre Estado e oposição, em relação à resistência cultural dentre outros, que representasse ameaças aos planos de desenvolvimento do regime. As políticas sociais tornavam-se meios utilizados para amenizar principalmente as consequências das contradições existentes na relação Capital X trabalho. 3. A CONSOLIDAÇÃO DA RENOVAÇÃO DA PROFISSÃO NO PERÍODO DITATORIAL Sobre a renovação da profissão, neste período, ocorreram mudanças representativas no campo prático da profissão, demandas mudaram e também os instrumentos utilizados, a intermediação necessária se altera em seu eixo de pensar e agir, ou seja, os processos de trabalho dos assistentes sociais se renovam junto ao movimento de reconceituação realizado a partir de reuniões e encontros onde foram debatidos aspectos de necessária mudança, os quais possuem potencial relevância para o cumprimento ético do agir profissional junto ao seu objeto de trabalho, as expressões da questão social. Assim, de acordo com Mirian Bartasson (2011), inicia-se a articulação do movimento de reconceituação do serviço social, embasado na insatisfação dos profissionais, em relação às condições de vida dos trabalhadores e do povo brasileiro, tendo seus direitos civis e humanos feridos pelo regime militar. Conscientizaram-se de suas limitações tanto no campo teórico - instrumental quanto no político-ideológico, percebendo a necessidade de promover atendimentos e intervenções junto à população que trouxesse resultados mais efetivos. Neste contexto brasileiro vivido à época ditatorial militar, as pressões sociais e a mobilização dos setores populares, atingidos pela desigualdade social ligada ao acúmulo do capitalismo, - contrário a qualquer tentativa de expressão esquerdista e popular -, enquanto expressão coletiva motivou os assistentes sociais à necessidade de ruptura com o 9 conservadorismo da prática profissional, onde a ação desenvolvida era atrelada aos interesses da classe dominante. Porém, a reconceituação do serviço social não consistiu em uma revolução linear e uniforme, na luta constante pela construção de uma sociedade sem exploração e dominação, mudando-se as relações pessoais, políticas, ideológicas e econômicas nas diferentes instituições da cotidianidade (FALEIROS, 1978 apud SILVA, 2002, p.79). Em relação a essa não homogeneidade do movimento, trazemos como exemplo o “I Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social”, em Porto Alegre, em maio de 1965 que desempenhou um papel fundamental no processo de atualização da classe, onde se discutiu os eixos temáticos da prática do Serviço Social. Os Seminários de Serviço Social que nortearam o movimento da profissão foram desenvolvidos em grande parte pelo CBCISS (Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais) para a elaboração das teorias profissionais, e junto a estes, organismos ligados às agências de formação profissional – ABESS (Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social.) associações e sindicatos profissionais. Foram necessárias, outras reuniões entre os profissionais, para que delimitassem as novas vertentes teórico-metodológicas do serviço social, já baseadas nos novos rumos que a profissão haveria de tomar. São assumidas duas análises principais de pensamento: a modernista, que possuía base funcionalista, a qual expõe o questionamento para o aprimoramento técnico-metodológico do profissional objetivando a capacitação para contribuição no sucesso do projeto desenvolvimentista institucionalizado pelos militares. Na segunda metade da década de 70 a segunda análise dá inicio a um processo de ruptura profissional nas bases conservadoras da profissão, representada pela busca de um novo profissional do serviço social. No que se refere ao processo de renovação do serviço social são assumidas três perspectivas gerais: a modernizadora, a de reatualização do conservadorismo e a perspectiva de ruptura. Segundo Mirian Bartasson (2011), na perspectiva modernista, os assistentes sociais procuraram assumir uma adequação do serviço social no contexto socioeconômico da realidade brasileira, onde o profissional tem por base a manutenção do poder, inserindo-se na ideologia do desenvolvimento econômico da época. Na perspectiva de reatualização do conservadorismo é uma volta ao passado recuperando os componentes mais estratificados da herança conservadora da profissão. Já na perspectiva de ruptura com o conservadorismo; a qual é a vertente seguida até os dias atuais pela classe profissional; surge uma oposição ao serviço social tradicional, rumo a 10 reconceituação, passando a questionar sua vinculação histórica de atuação aos interesses do poder. Neste contexto, de relação contraditória do poder, exemplificada pela contradição capital x trabalho de Marx; a ditadura militar enfrenta crises, com grandes lutas e mobilização dos trabalhadores. Entre as marcas do autoritarismo, as desigualdades sociais e as questões sociais é gerado um amplo processo de discussão interna entre os assistentes sociais na busca de um novo perfil profissional e de uma identidade com as classes trabalhadoras aumenta. Documentos que retratam a situação do Serviço Social em seus momentos históricos foram produzidos através de estudos e análises de profissionais e elaborados a partir dos seminários promovidos pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS). São eles: Teresópolis, Sumaré e Alto da Boa Vista; considerados marcos históricos do Serviço Social. Assim, é marcada a ruptura com o serviço social conservador, clientelista e assistencialista tradicional, como mostra o trecho: “A história do serviço social está arraigada em ações paternalistas e clientelistas de combate focalizado na pobreza, a assistência social estava identificada como prática social de doações de auxílios e manutenção do poder”. (BARTASSON, 2011). E ainda, para esclarecer mais este contexto da necessidade de mudança profissional: O descontentamento da classe trabalhadora com a ditadura imposta se organiza em movimentos na luta contra a opressão e exploração. Esse grito coletivo exige do profissional de serviço social uma postura de superação de sua prática antes baseada na manutenção do poder e assistencialismo, para uma prática de neutralidade, com uma ação articulada com as lutas de movimentos populares, objetivando a transformação social ( BARTASSON, 2011) Nesse sentido, o Serviço Social desenvolveu o processo de reconceituação com renovações altamente voltadas para o trabalho direcionado às camadas extremamente excluídas da sociedade. Objetivando construir no bojo da profissão, uma revisão crítica a partir das propostas necessárias e urgentes aos problemas sociais que cada sociedade tem que enfrentar. As atividades desenvolvidas no final da década 70 e durante a década de 80 permitiram pesquisas, seminários e o aumento das publicações para a conscientização e enriquecimento da análise crítica do serviço social. A partir da década de 80, com a abertura política no Brasil, a partir do governo Geisel (1974-1979), o marxismo se afirma como o pensamento mais hegemônico e crítico à realidade política e social brasileira. 11 A forma de pensar e fazer assistência social na década de 80 muda, tendo como forte influência a teoria marxista, fazendo com que o debate sobre a “pessoa humana” (visão sentimental) passe para uma visão mais ética, como “ser social”, trazendo o indivíduo como inserido na sociedade. Também em 1986 ocorre a criação em cartilha do Código de Ética do serviço social. Essa elevação teórica e interventiva se faz em sintonia com a nova realidade social, provocando mudanças significativas no desempenho do profissional para questões mais amplas na sociedade. Porém, segundo Miriam Bartasson (2011), somente com a Constituição de 1988, é que a assistência social passa a assumir o formato na perspectiva da construção de um padrão público e universal de proteção social, visando atender a quem dela necessitar. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos a partir da hipótese de que, os diversos aspectos que marcaram o período que abrange a Ditadura Militar no Brasil e o Movimento de Reconceituação do Serviço Social nacional, dentre eles: a repressão intelectual, cultural, trabalhista e popular, além do agravo das expressões da questão social impulsionou a renovação da atuação profissional do Serviço Social e que o período ditatorial brasileiro com o movimento de reconceituação do serviço social são totalmente vinculados, pois é neste período histórico que a renovação profissional se consolida. Somente com todos estes fatores expostos aqui, que a mudança de perspectiva dos profissionais da época se concretiza em relação à sua prática profissional, quando sua atuação conservadora se encontra defasada e insuficiente para atender a uma classe que necessitava de respostas práticas e eficientes, de atitudes que defendesse e lutassem pela efetivação de seus direitos como cidadãos. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALECRIM, Edinei Messias. O Serviço Social no Contexto da Ditadura Militar no Brasil. Universidade Norte do Paraná. 2008. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfnB0AD/servico-social-no-contexto-ditaduramilitar-no-brasil>. Acesso em: Vinte e Nove de Junho de Dois Mil e Quatorze. BARTASSON, Mirian. ARTIGONAL. Diretório de Artigos Gratuitos. O Profissional de Serviço Social no contexto da Ditadura Militar. 2011. Disponível em: <http://www.artigonal.com/ensino-superior-artigos/o-profissional-de-servico-social-nocontexto-da-ditadura-militar-5303326.html>. 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