serviço social no período ditatorial brasileiro: os aspectos que

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SERVIÇO SOCIAL NO PERÍODO DITATORIAL BRASILEIRO: OS ASPECTOS
QUE IMPULSIONARAM O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO DA
PROFISSÃO
Emanuela Alves Martins1
(Orientador): Pablo Martins Bernardi Coelho2
RESUMO
Pretendemos analisar através do presente trabalho, os principais fatores que impulsionaram o
processo de Reconceituação do Serviço Social, especificamente nas décadas de 60, 70 e 80,
período em que vigorou no Brasil a Ditadura Militar, tendo seu início em 1964 através de um
Golpe de Estado. Partimos da hipótese de que, os diversos aspectos que marcaram esse
período como a repressão intelectual, cultural, trabalhista e popular, além do agravo das
expressões da questão social, impulsionaram a reatualização do trabalho do profissional de
Serviço Social. Dessa forma, demonstraremos a importância desse movimento para o Serviço
Social em um contexto histórico de regime militar repressivo em que as lutas e movimentos
sociais são protagonistas de um cenário onde os direitos constitucionais foram ignorados e
violados por meio de Atos Institucionais e pela Doutrina de Segurança Nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Ditadura Militar. Questão Social. Repressão. Movimento de
Reconceituação. Profissional de Serviço Social.
1. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL
O processo de renovação do Serviço Social durante o período da Ditadura Militar no
Brasil (1964 a 1985) e a redemocratização na década de 80 é um marco histórico para a
profissão passível de reflexões a serem debatidas. Dessa forma, a análise do movimento de
reconceituação está totalmente vinculada ao desenvolvimento e o fim do regime ditatorial
brasileiro como um todo.
Porém, esse processo de transformação da profissão tem raízes na década de 60 devido
às consequências sociais advindas do período desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek.
Nesse contexto, ocorreram mudanças na realidade social devido a inúmeras transformações de
nível econômico e político vinculado ao processo de industrialização do país garantindo a
libertação econômica e a continuidade da expansão capitalista.
Em relação à política econômica, o governo de JK foi marcado pelo acelerado
aumento da dívida externa causado pelo crescente empréstimo estrangeiro e pelo alto índice
de inflação que acabou gerando um grande fluxo migratório, principalmente da região
nordeste. Diante desse contexto, constatamos que o projeto desenvolvimentista agravou as
1
Estudante do 6º Período de Serviço Social na Universidade Presidente Antônio Carlos de Uberlândia/UNIPAC.
E-mail: [email protected]
2
Doutor em História - UNESP/Franca-SP. Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional
(GEDES). Professor na Universidade Presidente Antônio Carlos de Uberlândia/UNIPAC.
1
expressões da questão social, como a miséria, desnutrição, mortalidade infantil dentre outros,
que se consolidam durante a ditadura militar, período em que se afirmou a determinação e o
movimento de renovação da profissão.
A tensão que permeava o Brasil precedente ao Golpe de Estado em 64 rondava entre a
disputa ideológica entre “capitalistas e comunistas”, como demonstra Gláucio Ary: “O clima
ideológico da Guerra Fria, por sua vez, contribuiu para exacerbar as posições ideológicas
antagônicas” (SOARES, 1994, p, 25). Assim, partindo do governo de João Goulart (1961 –
1964)3 a ameaça comunista se torna ponto chave para um dos mais importantes motivos para
o Golpe realizado em Março de 1964 utilizando-se da justificativa de abuso de poder por parte
do então presidente.
Muitos militares associavam o presidente Jango ao comunismo, apoiando tal
associação na observação de uma comunhão entre o vice-presidente na época e os grupos e
partidos de extrema esquerda. “O apoio sindical a João Goulart e o clima de intensa
mobilização ideológica confirmaram as suspeitas de muitos.” (SOARES, 1994). Suspeitas
que também vinham de militares, da classe média e até setores da classe trabalhadora. Ainda
de acordo com Gláucio Ary (1994), dentre as razões mais comuns dadas por militares para o
Golpe de 64 destacam-se o caos, a desordem; o perigo comunista; a crise hierárquica militar;
a corrupção e o apoio popular ao golpe. Ainda podemos destacar os fatores econômicos e os
fatores externos, mais especificamente a influência norte-americana.
Ao que se refere ao caos e a desordem política do governo de João Goulart, podemos
analisar o trecho de Gláucio Ary:
O amplo período que se estendeu da renúncia de Jânio Quadros até o Golpe de 64
foi caracterizado por uma sucessão de crises políticas que impediram o
funcionamento normal do sistema político e administrativo. As críticas ao regime
parlamentarista basearam-se, em sua maioria na ineficiência e na desordem que o
caracterizaram. (SOARES, 1994, p, 23).
Para FARIAS, 1981 apud SOARES, 1994, Goulart e seus assessores começaram a
sabotar o parlamentarismo. Fabricaram-se crises no Congresso com o objetivo de enfraquecer
o parlamentarismo a fim de torna-lo inviável. Tal fato perturbava os militares, os quais tinham
apatia pelo perigo comunista. A associação do presidente Jango ao comunismo se consolidou
com o plano de Reformas de Base criado pelo presidente. De acordo com Júlio Chiavenato:
3
João Goulart toma posse a partir da renúncia do então presidente da República à época Jânio Quadros em
Agosto de 1961.
2
A marca principal do governo de João Goulart foram as reformas de base. Em um
país miserável, com estruturas políticas anacrônicas, economia estrangulada e
privilégios aparentemente eternos das elites, sua proposta entusiasmou grande
parcela da população. A aliança com a esquerda, sindicalistas e intelectuais e a
figura simpática de Goulart serviram para popularizar ainda mais o governo.
(CHIAVENATO, 1994, p, 14).
As reformas de base abarcavam quase toda a sociedade. Sendo nas áreas eleitoral,
tributária, administrativa, urbana, bancária, cambial, universitária e a agrária. De acordo com
Júlio Chiavenato (1994), a Reforma Urbana propunha, entre outras medidas, a desapropriação
dos imóveis excedentes desocupados que seriam entregue a novos donos, que pagariam com o
financiamento do Estado. Porém, o governo de Goulart não dispunha de apoio político
suficiente para conseguir tal façanha. É possível avaliar o pânico gerado entre proprietários e
especuladores e, por outro lado, a simpatia dos que seriam beneficiados pela Reforma Urbana.
Referente à crise dentro da hierarquia militar que também impulsionou o golpe de 64
podemos destacar o fato de que os comícios feitos pela presidência instigavam os indecisos,
apoiavam as revoltas de marinheiros e sargentos, davam apoio à indisciplina dos sargentos
nos quartéis, pois os sargentos não queriam mais prestar obediência a seus superiores. Esses
fatores, aliados a interferência de Jango nos assuntos sobre a hierarquia militar geraram
motivos para que os militares criassem pretextos para o golpe.
Sobre a corrupção, o que fez piorar a imagem do governo foi a utilização do próprio
problema em questão (a corrupção política), como tema de campanha, o que contribuiu para
uma imagem ainda mais negativa. A corrupção, segundo Gláucio Ary (1994), estava presente
como uma das explicativas para o Golpe na mente de alguns militares que o fizeram - o
regime autoritário seria um modo novo de governar e poderiam usá-lo para mudar a imagem
da política.
Tais fatores geraram na população o medo de um caos ainda maior no país,
aumentando o apoio popular ao golpe de Estado. Dentro deste apoio interno ao golpe,
destacam-se: latifundiários, burguesia e classe média (principalmente devido à ameaça trazida
pelo plano das reformas de base, destacando a agrária4 e a urbana); Igreja Católica (o ideal
comunista iria contra os ideais humanistas cristãos) e ainda, segundo Júlio Chiavenato (2004),
o medo da classe média e o pavor da quebra de uma hierarquia rígida, tanto nas Forças
Armadas como na Igreja, consolidaram a resistência em relação às mudanças que pretendiam
resgatar o Brasil da miséria social.
4
Na Reforma Agrária era considerado a expropriação de propriedades rurais improdutivas com mais de 500
hectares e localizadas até dez quilômetros das margens das rodovias e ferrovias. Também enquadrava as
propriedades de 30 hectares situadas num raio de 10 quilômetros a partir das represas federais.
3
Ainda como oposições internas, citamos os possíveis candidatos à sucessão de João
Goulart como Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek; também os meios de comunicação
como jornais impressos, telejornais, revistas e rádios (todos estes meios de comunicação
transmitiam comícios, encontros, passeatas como apoio ao ideário do golpe, que a nação
precisava de um novo governo com ordem e progresso).
Outro aspecto de relevante importância que se deve destacar de influência ao golpe
militar foi à questão econômica da época. Para os militares os fatores econômicos não tiveram
tanta relevância como o caos, o perigo comunista e as questões militares. Mas não significa
que foram ausentes. Portela de Melo (1979), vinculou a situação econômica com a corrupção:
Enquanto isso, a situação econômica se agravava e a corrupção ia campeando sem o
menor freio, nos diversos setores da administração pública, atingindo a inflação
taxas insuportáveis. A produção nacional caía e as exportações também diminuíram,
provocando desequilíbrio na balança comercial e no balanço de pagamentos. Os
salários se aviltavam e o custo de vida subia de maneira vertiginosa. (MELO, 1979
apud SOARES, 1994, p, 44).
Em relação aos fatores externos de influência para o golpe, destacam-se os norteamericanos. Os Estados Unidos da América apoiaram o golpe e o subsequente regime que se
impôs. Porém o que mostra as análises de entrevistas aos militares feitas por Gláucio Ary
(1994), é a irrelevância do fato. O apoio dado pelos EUA ao golpe pode ter tido mais
importância, principalmente em relação ao auxílio financeiro, pois o Brasil se encontrava em
crise econômica, caos e desordem, fatores que por sinal eram contrários ao regime dos
militares. Devido ao seu potencial físico e econômico, ao aumento da popularidade das
esquerdas e ao anúncio das reformas sociais, o Brasil foi um dos principais alvos da
intervenção norte-americana.
Após o golpe militar no Brasil, em 1964, a ditadura militar foi norteada pelo modelo
político adotado, a Doutrina de Segurança Nacional5. Tal doutrina possuía grande força de
influência sobre o direcionamento do golpe e posterior regime militar, sob o apoio norte
americano, principalmente de cunho econômico, bélico e ideológico, que de acordo com
Gláucio Ary (1994), não há a menor dúvida de que muitas multinacionais, assim como
empresas nacionais e também o Governo norte americano apoiaram o Golpe de 1964.
Depois do Golpe, aquele receio de perda de bens, posses de terras etc., pela classe
média referente às mudanças sociais do governo de Goulart, transformou-se em medo da
5
Doutrina estimulada por forças internas e externas para “limpar” o Brasil de perigos sindicais, comunistas,
corruptos etc. O projeto em questão se mostrou autoritário, liquidando o processo democrático.
4
ditadura e da repressão e a realidade brasileira passou a ser entendida como “guerra
revolucionária”6, o que intensificou a implantação da Doutrina de Segurança Nacional. A
realidade brasileira passou a ser um ambiente tenso, onde não se cogitava a liberdade de
expressão, principalmente contra o governo e a ordem estipulada pelo mesmo.
A fim de controlar a sociedade, foram criados Órgãos de Segurança, trazendo a tona e
intensificando o medo e a repressão. Em 13 de Junho de 1964, criou-se o SNI (Serviço
Nacional de Informações) que supervisionava os outros departamentos de segurança como o
DSI (Divisão de Segurança e Informação) e os serviços de segurança do Exército, da Marinha
e da Aeronáutica. Cada cidadão era suspeito, um potencial perigo à segurança interna; o
Cenimar (Centro de Informação da Marinha) e o DOPS (Departamento de Ordem Política e
Social) torturavam e interrogavam, disseminavam o medo com o pretexto de combater a
subversão; e a ESG (Escola Superior de Guerra) criada anteriormente ao golpe, mas que
considerava a defesa nacional mais importante do que os preparativos para conter inimigos
externos, entendiam que o verdadeiro inimigo estava dentro da Nação.
A repressão que se seguiu foi concentrada em forças que poderiam contrapor-se
diretamente à nova ordem, como o movimento operário e sindical, organizações políticas e
sociais democráticas vinculadas. Esse “terrorismo” militar visava desmanchar as organizações
e instituições mais representativas como a repressão intelectual e cultural. A partir de então, a
ditadura passou a utilizar seu instrumento principal de repressão à cultura: a censura. No
início dos anos sessenta, essas tendências procuraram e encontraram articulação junto às
forças e movimentos sociais do arco democrático e popular como o Centro Popular de Cultura
da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB).
A repressão na ditadura militar brasileira também foi legitimada pela criação de Leis
Ditatoriais Repressivas, tomemos como exemplo a Lei de Imprensa: com ela, praticamente
toda denúncia contra o presidente, fundamentada ou não, era ilegal e a Lei de Segurança
Nacional, que praticamente tornaram todos os cidadãos suspeitos de ameaça comunista;
torturavam ignorando os direitos humanos e as noções de direito constitucional, criando sua
própria “legalidade” por meio dos Atos Institucionais. Os Atos Institucionais eram decretos que
foram validados sem que para isso houvesse a aprovação de um órgão legislativo. Dentro dos Atos
Institucionais, os AI’s, destacam-se o Ato Institucional n°1 criado em nove de abril de 1964
6
Pode ser entendia como guerra revolucionária de duas formas, pois estaria então alarmada a repressão contra
aqueles considerados “inimigos” da Nação e da Ordem, aqueles aliados ao comunismo e a subversão. Mas
também começava a insuflar a luta do povo perante a opressão.
5
que teve como principais ações caçar mandatos políticos e suspender direitos políticos; o AI-2
criado em 27 de outubro de 1965 trazia eleições indiretas para presidente e a dissolução de
todos os partidos, estabelecendo o bipartidarismo, sendo a ARENA (Aliança Renovadora
Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro); o AI-3 criado em cinco de
fevereiro de 1966 estipulou eleições indiretas também para governador e prefeitos; o AI-4:
criado em doze de Dezembro de 1966 possuía o Projeto da Constituição de 1967. E ainda deve-se
ressaltar o AI-5, um dos mais importantes Atos Institucionais, pelo qual trouxeram as ações mais
repressivas. O AI-5 de 13 de dezembro de 1968 impunha o recesso indeterminado do Congresso
Nacional (mais 69 deputados foram cassados), permitia a intromissão dos militares nos Ministérios
desrespeitando os direitos e as leis; o presidente poderia fechar além do congresso nacional,
assembleias legislativas e as câmaras de vereadores; poderia intervir nos estados e municípios;
suspender os direitos políticos de qualquer cidadão; demitir, aposentar e remover funcionários
públicos.
Tais atos de repressão impulsionaram à época o fervor de lutas clandestinas,
subversões, passeatas e greves; movimentos estudantis e trabalhistas que vigoraram durante o
regime militar.
Poucos líderes sindicais e estudantes escaparam da repressão da época. De
acordo com Júlio Chiavenatto (1994), o ano-chave da institucionalização da repressão e
tortura foi 1969. Nesse ano, com a intensificação da guerrilha e dos assaltos de bancos por
grupos de esquerda, deu-se início à organização metódica da repressão. Ainda, a respeito dos
movimentos repressivos do regime:
Este desenvolvimento econômico foi acompanhado por uma forte repressão política,
marcada por prisões, interrogatórios, torturas e censura. Repressão, justificada pela
necessidade de se manter a estabilidade política e a segurança do país, frente aos
considerados suspeitos de oposição ao regime, comunistas e simpatizantes
(GONÇALVES E FERREIRA, 2013, p, 33).
No Governo Médici (1969-1974), o país passou pelo “Milagre Econômico”. Tal fator
estava vinculado o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, durante esse período.
Para isso, a política econômica brasileira era pautada pelos empréstimos externos e
investimentos estrangeiros, além da expansão industrial (automóveis e eletrodomésticos),
aumento das exportações industriais e produtos agrícolas (soja, laranja). Também foi um
período de grandes obras, entre elas, a ponte Rio – Niterói e a estrada Transamazônica. Esses
“fatores positivos” eram usados pelos governos militares como propaganda a seu favor.
Porém, as consequências do “Milagre Econômico” não foram tão positivas como
propagavam os governos militares. Nesse sentido, em meados da década de 70 deliberou-se
6
uma profunda crise econômica (principalmente devido ao endividamento externo,
desregulamentação na balança comercial, alto índice inflacionário e consequente desigualdade
social) e o agravamento do problema social, onde muito brasileiros foram marginalizados,
sobrevivendo entre o desemprego e a subnutrição; para exemplificar melhor, como mostra
Júlio Chiavenato (1994), durante o milagre econômico, em menos de cinco anos a
concentração de renda era abusiva e privilegiava poucos, e o restante se afundava na miséria
que se agravava mais a cada dia e que provocou o mais violento processo de desnutrição da
nossa história.
Assim, o crescimento econômico brasileiro gerou mazelas sociais irreparáveis,
especialmente a concentração de renda e o desemprego.
Com o Milagre Econômico (1969 - 1973), houve aumento do Produto Interno Bruto
(PIB) devido à exploração trabalhista (tinham que produzir mais em menos tempo e recebiam
salários baixos em quanto a classe alta recebia aumentos salariais valorosos) e a concentração
de renda, o que consequentemente aumentava a desigualdade social, agravando expressões da
questão social como a miséria, trabalho infantil, desnutrição, doenças e óbitos. Assim, seu
crescimento econômico estava baseado, ainda em 1979, no crescente endividamento externo.
E ainda institucionalizou-se a corrupção. Ou seja, um país onde pessoas morriam de
desnutrição, enquanto seu PIB aumentava, caracterizava de forma evidente que o país era
administrado para o favorecimento das classes média e alta. E assim as oposições foram
reprimidas e eliminadas, como os direitos dos cidadãos.
2. O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO7 DO SERVIÇO SOCIAL
Entre muitos aspectos que norteiam as motivações sócio-políticas que intensificaram e
influenciaram o movimento de reconceituação do serviço social nas décadas de 60 e 70
principalmente, se encontra a conscientização da opressão e dominação. Neste contexto de
repressão, dominação e crise econômica, de certa forma, gerou-se um nível de insatisfação
por parte de assistentes sociais no que diz respeito principalmente ao ferimento dos direitos
humanos, que todo cidadão haveria de possuir, principalmente o direito de expressão e de
liberdade. Também foram pontos importantes para ampliar a visão que nortearia o movimento
de reconceituação, os movimentos da classe trabalhadora, cultural e estudantil que lutavam
7
O Movimento de Reconceituação do Serviço Social ocorreu a fim de gerir, criar e renovar as bases de sua
atuação profissional para uma prática mais efetiva junto à sociedade, principalmente as classes excluídas e
repreendidas. O movimento se consolida em virtude do que a ditadura militar proporcionou, referindo-se
principalmente a suas ações opressoras que impulsionaram movimentos sociais e o agravamento das expressões
da questão social, o qual é o objeto de trabalho do profissional de Serviço Social.
7
pela reconquista, conformidade e fixação de seus direitos como classe, essa foi uma abertura
para que os assistentes sociais pensassem e refletissem sobre sua atuação, percebessem que a
prática assistencialista (doações, favores, cestas básicas dentre outros) da época, não sanaria
ou solucionaria tais reivindicações, que agora lutavam por objetivos mais amplos. Era
necessária uma mudança no agir profissional, saindo do conservadorismo e humanismo
cristão e encaminhando para um sistema com técnicas e instrumentos de trabalho mais
eficazes. O controle social, baseado na repressão das classes populares atinge também os
profissionais do serviço social, onde a sua atuação é limitada.
Posteriormente, através do amadurecimento de setores da categoria profissional; a
articulação com outros profissionais e com movimentos sociais provocaram a erosão do
tradicionalismo do serviço social de forma mais intensa.
Outro aspecto influente foi a extensão do movimento estudantil nas escolas de serviço
social, carregado por formas de expressão crítica e nacional populares. Diante dessa
conjuntura da sociedade brasileira o Serviço social buscou assumir uma prática com
tendências modernizadoras que priorizava as demandas e interesses das pessoas atendidas
pela ação do Serviço Social.
Dessa forma, o assistente social desejava sair da condição caritativa8 para um agente
de transformação, rompendo com o conservadorismo cristão9. Conforme citado acima, o
processo de renovação profissional do serviço social se inicia mesmo antes do golpe de 64,
mais especificamente, em 1961 onde foi realizado o “II Congresso Brasileiro de Serviço
Social”, no Rio de Janeiro, no qual exprimiu como o serviço social passou a exaltar a
intervenção no desenvolvimento de Comunidades10 como a forma mais eficaz para atender as
demandas da sociedade brasileira daquela época. Porém, em 1965, com o golpe militar, os
programas de Desenvolvimento de Comunidades foram interrompidos, alterando o ambiente
de desdobramento das iniciativas propostas pela classe. O regime militar instaurado suprimiu
os profissionais que defendiam o ideal crítico e progressista à crise em desenvolvimento no
serviço social ‘tradicional’ e que estavam envolvidos com a democratização da sociedade e do
Estado. Porém, ao mesmo tempo em que a ditadura brecava o movimento e a mudança
ideológica da profissão, possibilitou a antecipação dessa “crise” na categoria, pois
impulsionava a “chama de renovação social”. E em pleno momento histórico da efervescência
8
Eram práticas voltadas para a caridade, eram realizados atendimento como doações de cestas básicas e favores.
Este conservadorismo cristão se deve ao fato de ser um agente de fundamentação da profissão, o qual fez parte
da criação do serviço social, era baseado no humanismo e ideário católico.
10
Possuía como objetivo promover a melhoria de vida da comunidade, onde a própria comunidade se torna
agente de seu progresso.
9
8
do domínio da ditadura militar brasileira, o espaço do Assistente Social se limitava a meros
executores de políticas sociais nas comunidades. Os profissionais nesta época possuíam
pouquíssima autonomia, deixando seu papel se traduzir como cumpridores de políticas sociais
em expansão dos trabalhos do Desenvolvimento de Comunidades.
Em relação às políticas sociais da época, de acordo com Sônia Miriam (1994), estas
políticas eram moldadas à realidade coercitiva e autoritária, mantendo sua essência, com um
modelo de cooperação das categorias e definição de seus privilégios, assim como a dinâmica
clientelista de distribuição dos benefícios. Atuavam também como mediadores entre Estado e
oposição, em relação à resistência cultural dentre outros, que representasse ameaças aos
planos de desenvolvimento do regime. As políticas sociais tornavam-se meios utilizados para
amenizar principalmente as consequências das contradições existentes na relação Capital X
trabalho.
3. A CONSOLIDAÇÃO DA RENOVAÇÃO DA PROFISSÃO NO PERÍODO
DITATORIAL
Sobre a renovação da profissão, neste período, ocorreram mudanças representativas no
campo prático da profissão, demandas mudaram e também os instrumentos utilizados, a
intermediação necessária se altera em seu eixo de pensar e agir, ou seja, os processos de
trabalho dos assistentes sociais se renovam junto ao movimento de reconceituação realizado a
partir de reuniões e encontros onde foram debatidos aspectos de necessária mudança, os quais
possuem potencial relevância para o cumprimento ético do agir profissional junto ao seu
objeto de trabalho, as expressões da questão social. Assim, de acordo com Mirian Bartasson
(2011), inicia-se a articulação do movimento de reconceituação do serviço social, embasado
na insatisfação dos profissionais, em relação às condições de vida dos trabalhadores e do povo
brasileiro, tendo seus direitos civis e humanos feridos pelo regime militar. Conscientizaram-se
de suas limitações tanto no campo teórico - instrumental quanto no político-ideológico,
percebendo a necessidade de promover atendimentos e intervenções junto à população que
trouxesse resultados mais efetivos.
Neste contexto brasileiro vivido à época ditatorial militar, as pressões sociais e a
mobilização dos setores populares, atingidos pela desigualdade social ligada ao acúmulo do
capitalismo, - contrário a qualquer tentativa de expressão esquerdista e popular -, enquanto
expressão coletiva motivou os assistentes sociais à necessidade de ruptura com o
9
conservadorismo da prática profissional, onde a ação desenvolvida era atrelada aos interesses
da classe dominante.
Porém, a reconceituação do serviço social não consistiu em uma revolução linear e
uniforme, na luta constante pela construção de uma sociedade sem exploração e dominação,
mudando-se as relações pessoais, políticas, ideológicas e econômicas nas diferentes
instituições da cotidianidade (FALEIROS, 1978 apud SILVA, 2002, p.79).
Em relação a essa não homogeneidade do movimento, trazemos como exemplo o “I
Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social”, em Porto Alegre, em maio de
1965 que desempenhou um papel fundamental no processo de atualização da classe, onde se
discutiu os eixos temáticos da prática do Serviço Social. Os Seminários de Serviço Social que
nortearam o movimento da profissão foram desenvolvidos em grande parte pelo CBCISS
(Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais) para a elaboração das
teorias profissionais, e junto a estes, organismos ligados às agências de formação profissional
– ABESS (Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social.) associações e sindicatos
profissionais.
Foram necessárias, outras reuniões entre os profissionais, para que delimitassem as
novas vertentes teórico-metodológicas do serviço social, já baseadas nos novos rumos que a
profissão haveria de tomar. São assumidas duas análises principais de pensamento: a
modernista, que possuía base funcionalista, a qual expõe o questionamento para o
aprimoramento técnico-metodológico do profissional objetivando a capacitação para
contribuição no sucesso do projeto desenvolvimentista institucionalizado pelos militares. Na
segunda metade da década de 70 a segunda análise dá inicio a um processo de ruptura
profissional nas bases conservadoras da profissão, representada pela busca de um novo
profissional do serviço social. No que se refere ao processo de renovação do serviço social
são assumidas três perspectivas gerais: a modernizadora, a de reatualização do
conservadorismo e a perspectiva de ruptura. Segundo Mirian Bartasson (2011), na perspectiva
modernista, os assistentes sociais procuraram assumir uma adequação do serviço social no
contexto socioeconômico da realidade brasileira, onde o profissional tem por base a
manutenção do poder, inserindo-se na ideologia do desenvolvimento econômico da época.
Na perspectiva de reatualização do conservadorismo é uma volta ao passado
recuperando os componentes mais estratificados da herança conservadora da profissão. Já na
perspectiva de ruptura com o conservadorismo; a qual é a vertente seguida até os dias atuais
pela classe profissional; surge uma oposição ao serviço social tradicional, rumo a
10
reconceituação, passando a questionar sua vinculação histórica de atuação aos interesses do
poder. Neste contexto, de relação contraditória do poder, exemplificada pela contradição
capital x trabalho de Marx; a ditadura militar enfrenta crises, com grandes lutas e mobilização
dos trabalhadores. Entre as marcas do autoritarismo, as desigualdades sociais e as questões
sociais é gerado um amplo processo de discussão interna entre os assistentes sociais na busca
de um novo perfil profissional e de uma identidade com as classes trabalhadoras aumenta.
Documentos que retratam a situação do Serviço Social em seus momentos históricos
foram produzidos através de estudos e análises de profissionais e elaborados a partir dos
seminários promovidos pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
Sociais (CBCISS). São eles: Teresópolis, Sumaré e Alto da Boa Vista; considerados marcos
históricos do Serviço Social.
Assim, é marcada a ruptura com o serviço social conservador, clientelista e
assistencialista tradicional, como mostra o trecho: “A história do serviço social está arraigada
em ações paternalistas e clientelistas de combate focalizado na pobreza, a assistência social
estava identificada como prática social de doações de auxílios e manutenção do poder”.
(BARTASSON, 2011).
E ainda, para esclarecer mais este contexto da necessidade de mudança profissional:
O descontentamento da classe trabalhadora com a ditadura imposta se organiza em
movimentos na luta contra a opressão e exploração. Esse grito coletivo exige do
profissional de serviço social uma postura de superação de sua prática antes baseada
na manutenção do poder e assistencialismo, para uma prática de neutralidade, com
uma ação articulada com as lutas de movimentos populares, objetivando a
transformação social ( BARTASSON, 2011)
Nesse sentido, o Serviço Social desenvolveu o processo de reconceituação com
renovações altamente voltadas para o trabalho direcionado às camadas extremamente
excluídas da sociedade. Objetivando construir no bojo da profissão, uma revisão crítica a
partir das propostas necessárias e urgentes aos problemas sociais que cada sociedade tem que
enfrentar.
As atividades desenvolvidas no final da década 70 e durante a década de 80
permitiram pesquisas, seminários e o aumento das publicações para a conscientização e
enriquecimento da análise crítica do serviço social. A partir da década de 80, com a abertura
política no Brasil, a partir do governo Geisel (1974-1979), o marxismo se afirma como o
pensamento mais hegemônico e crítico à realidade política e social brasileira.
11
A forma de pensar e fazer assistência social na década de 80 muda, tendo como forte
influência a teoria marxista, fazendo com que o debate sobre a “pessoa humana” (visão
sentimental) passe para uma visão mais ética, como “ser social”, trazendo o indivíduo como
inserido na sociedade. Também em 1986 ocorre a criação em cartilha do Código de Ética do
serviço social. Essa elevação teórica e interventiva se faz em sintonia com a nova realidade
social, provocando mudanças significativas no desempenho do profissional para questões
mais amplas na sociedade. Porém, segundo Miriam Bartasson (2011), somente com a
Constituição de 1988, é que a assistência social passa a assumir o formato na perspectiva da
construção de um padrão público e universal de proteção social, visando atender a quem dela
necessitar.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos a partir da hipótese de que, os diversos aspectos que marcaram o período
que abrange a Ditadura Militar no Brasil e o Movimento de Reconceituação do Serviço Social
nacional, dentre eles: a repressão intelectual, cultural, trabalhista e popular, além do agravo
das expressões da questão social impulsionou a renovação da atuação profissional do Serviço
Social e que o período ditatorial brasileiro com o movimento de reconceituação do serviço
social são totalmente vinculados, pois é neste período histórico que a renovação profissional
se consolida. Somente com todos estes fatores expostos aqui, que a mudança de perspectiva
dos profissionais da época se concretiza em relação à sua prática profissional, quando sua
atuação conservadora se encontra defasada e insuficiente para atender a uma classe que
necessitava de respostas práticas e eficientes, de atitudes que defendesse e lutassem pela
efetivação de seus direitos como cidadãos.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALECRIM, Edinei Messias. O Serviço Social no Contexto da Ditadura Militar no Brasil.
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