1 O USO CRESCENTE DAS DROGAS E O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA Mariana Glenda Santos1 Thais Elizabeth Santos Silveira2 RESUMO O presente artigo busca através da correlação entre a sociedade de produção capitalista e as determinações sociais engendradas pela mesma, discutir o processo de criminalização da pobreza desencadeado pelas ferramentas privadas do capital que buscam reproduzir tanto a condição de miséria generalizada da vida do trabalhador quanto o domínio político-social e, sobretudo, econômico que a classe burguesa empreende para a manutenção de sua condição hegemônica. A permanência dos moldes sociais capitalistas e a ausência de políticas sociais que alcancem de fato o cerne da questão social resultam em aparelhos privados de hegemonia favoráveis a processos na contramão da emancipação dos sujeitos, tais como a criminalização da pobreza e as consequências da questão social. De tais consequências, o aumento do uso progressivo de drogas é o foco da nossa discussão, que aponta a criminalização da pobreza como um meio usado pelo Estado ‘de classe’ para garantir que a sua hegemonia se mantenha resguardada. Palavras- chave: Drogas - Capitalismo - Sociedade Capitalista - Criminalização da Pobreza Política Pública 1 Departamento de Ciências Sociais Aplicadas –DECSO da UFOP. Aluna do curso de graduação em Serviço Social, turma 2010.1. Email: [email protected] 2 Departamento de Ciências Sociais Aplicadas – DECSO da UFOP. Aluna do curso de graduação em Serviço Social, turma 2010.1. E-mail: [email protected] 2 1. INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é, a partir da correlação entre a sociedade de produção capitalista e as condicionantes sociais oriundas dela, desnudar a vinculação entre processos como a criminalização da pobreza e as consequências da questão social. Este artigo trata-se de uma análise que considera determinações macro societárias incidentes sobre a processualidade da vida cotidiana dos sujeitos político-sociais que convivem neste contexto. A discussão se faz interessante devido ao contexto contemporâneo que se revela ainda mais brutal à classe trabalhadora, que além de se ver expropriada de toda a sua produção, sofre também com a criminalização da pobreza, que se traduz em ações repressivas, coercitivas e reprodutoras da condição estável e precária que vêm sendo posta e reposta como opção à classe trabalhadora. Este estudo conta com a reflexão a partir das ideias de autores como Nonticuri (2010) e Costa (2010), que discutem e contextualizam a questão do aumento abusivo do uso de drogas e sobre ele, a incidência das condicionantes próprias da sociedade capitalista. A reflexão que propomos, então, é que a relação existente entre a criminalização da pobreza – advinda da própria lógica capitalista, e a exacerbação das expressões da questão social e suas consequências - gestadas a partir da própria sociedade do capital e o uso abusivo de drogas lícitas3 e ilícitas4 - que têm aumentado tanto nas camadas populares quanto nas elitizadas, resultam na violência generalizada contra o sujeito, maximando os fatores propícios à reprodução do capital. Tais condições de funcionamento da sociedade modelam a mesma como sendo uma sociedade punitiva, que não dá alternativa ao sujeito que não a de contribuir com esse sistema de produção explorador, que desvaloriza o principal produtor de sua riqueza. O uso crescente das drogas nesta sociedade em que se faz comum a utilização de medidas repressivas a favor dos interesses capitalistas, condiciona a continuidade, a 3 Drogas lícitas - são aquelas permitidas por lei, as quais são compradas praticamente de maneira livre, e seu comércio é legal. (http://www.infoescola.com/drogas/drogas-licitas-e-ilicitas/ Arquivo eletrônico – Acessado em 10/4/2013) 4 Drogas ilícitas - são as cuja comercialização é proibida pela justiça, estas também são conhecidas como “drogas pesadas” e causam forte dependência. (http://www.infoescola.com/drogas/drogas-licitas-e-ilicitas/ Arquivo eletrônico – Acessado em 10/4/2013) 3 produção e a reprodução ininterruptas, revelando a ótica pela qual o capital vê a questão social: o Estado capitalista age estrategicamente a fim de ser mínimo para o social, criminalizando expressões consequentes da questão social, isentando-se de ações efetivas de enfrentamento às demandas populares. Assim, o Estado usa seu poder políticoeconômico em favor da garantia e continuidade da manutenção dos seus interesses gerais capitalistas, para os quais o trabalhador deve permanecer subsumido e alienado, tornandose determinante no processo de maximização da expansão dos lucros e domínios por parte do capital. Deste modo, o trabalhador, sujeito aos mandos capitalistas sofre com as mais diversas determinações deste sistema, inclusive as implícitas, das quais ele sequer imagina que são manipuladas e colocadas em funcionamento pelo próprio capitalista. 2 - Construção da sociedade capitalista O passado histórico do homem é, ao mesmo tempo, a história da origem e desenvolvimento das formas de organização social e por isso, torna-se determinante quanto a sua condição de vida atual. Para Marx, a história é um movimento conseqüente das próprias ações do homem; através desta reflexão, ele analisa a realidade de forma crítica, avançando na discussão com um olhar muito à frente do seu tempo. Seja no passado ou no presente, a atividade que marcou mais profundamente o desenvolvimento humano é o trabalho – esfera determinante na constituição do ser social. Nos moldes iniciais, o trabalho constitui-se então, numa práxis5, ou seja, torna possível ao homem a prática de sua autonomia, sua criatividade, sua consciência, enfim, permite que o homem realize tarefas dotadas de teleologia - a realização de uma atividade que possui uma finalidade e foi idealizada antes de se dedicar à execução. Ainda nesse contexto histórico, o homem, detentor de sua força de trabalho, não era ‘forçado’ a vendê-la em troca de salário ou gratificação para a manutenção das suas condições básicas de vida, empregava-a de acordo com suas vontades e necessidades, além de usar de sua liberdade e da teleologia, o que reforça a afirmativa de que a atividade do trabalho era realizada como práxis. A produção dos utensílios e bens de consumo em maior escala gera o excedente de produto - resultado 5 Marx concebe a práxis como atividade humana prático-crítica, que nasce da relação entre o homem e a natureza. É o conjunto das objetivações humanas, a exemplo: o trabalho, a política, a cultura, a educação, as artes; todas essas atividades não podem ser realizadas se não for pela via da atividade livre, consciente, que desenvolva os sentidos humanos promovendo a transformação da matéria prima e do próprio homem. 4 da produção em maior quantidade do que a necessária para atender as necessidades-, o que ocasiona o início das atividades de troca entre os produtores, onde se estabelece as primeiras modalidades de comércio entre os homens. A vida na cidade começa então, a se organizar em todos os sentidos: tanto à distribuição dos serviços necessários - água, iluminação, etc, quanto à construção de moradias, entre outros serviços, o que pressupõe a instauração de uma administração, ou seja, de um poder político. Tudo isso contribui e dá os primeiros passos em direção à construção do que chamamos sociedade civil6. O mundo do trabalho começa a surgir de forma não proposital, transformando de forma decisiva as relações dos homens entre si e dos homens com o meio externo. Esse novo mundo de relações produz uma figura determinante na história da humanidade: o ser social. O trabalho é fundante do ser social, é através dele que o homem se constitui histórica e socialmente. Ao transformar a natureza por meio do trabalho, o homem passa de sua condição anterior à esfera social, fundando a esfera social do ser. O homem é parte integrante da sociedade civil, a qual é, segundo Gramsci, a responsável pela difusão das ideologias através dos aparelhos privados de hegemonia7 – nestes, a participação é política e a adesão é voluntária; na sociedade civil a hegemonia, que é a construção de poder de uma determinada classe sobre outra, se constrói dando ao capitalismo8 as mais perfeitas condições para o seu pleno desenvolvimento e sua legitimação enquanto modo de produção, enquanto regente das relações de trabalho, enquanto modo de ordenamento societário, enfim, enquanto modo de vida e organização de uma sociedade. Esse modo de ordenamento societário conta, para o seu aprimoramento, com um desenvolvimento inédito das forças produtivas9, o que gera uma contradição entre o maior 6 Em Gramsci, é a portadora material da hegemonia; é composta pelos aparelhos privados de hegemonia, os quais são usados para o garantir o exercício da hegemonia, dada a clara característica de classe desta sociedade. Nela a hegemonia se constrói, oferecendo ao capital condições de ‘criar’ formas de viver e sentir a vida, a política, a educação, formas de pensar, ideologias, nada mais é que a esfera da reprodução. 7 Segundo Gramsci, são os organismos presentes na sociedade, nos quais a participação é política e a adesão é voluntária; estes aparelhos não se caracterizam pelo uso da repressão, ou seja, a participação neles não é obrigatória, são instituições das quais participamos não por determinação Estatal, e sim, por expontânea vontade. A Igreja, as escolas, os partidos políticos são alguns exemplos. 8 Para Marx, é um determinado modo de produção de mercadorias com fins de troca e não de uso, que surge durante a Idade Moderna e que chega ao seu desenvolvimento completo com as implementações tecnológicas da Revolução Industrial. 9 Para Netto e Braz, é o conjunto dos seguintes elementos: os meios de trabalho, que é tudo aquilo de que se vale o homem para trabalhar (instrumentos, ferramentas, instalações etc), bem como a terra, que é um meio universal 5 desenvolvimento do ser social e o maior grau de alienação do mesmo. Nesta sociedade e nesta dinâmica do modo de produção, a alienação, ou seja, a completa exclusão de consciência por parte do trabalhador quanto ao produto e ao processo de produção em que ele está inserido, torna o trabalhador uma mercadoria como outra qualquer. Essa mercantilização ocorre porque na organização social contemporânea o homem, ao contrário das primeiras modalidades de trabalho,continua detentor da sua força de trabalho, porém, não tem escolha quanto ao seu emprego; isso porque na sociedade capitalista, o homem é destituído dos antigos meios que tinha para produzir para si, tornando-se completamente dependente do modo de produção capitalista por ser o capitalista o dono dos meios de produção, o único capaz de comprar a força de trabalho do homem, que tem a sua força de trabalho como único bem de que dispõe como mercadoria para venda. 2.1 - Sociedade capitalista: Uma sociedade de classes e contradições A sociedade capitalista é aquela onde perpassam as relações capitalistas em todos os seus modos de configuração, seja no campo da produção – no espaço e nas relações de trabalho, seja na relação do homem com outrem ou nas mais diversas áreas de vivência e convivência do ser social. Seja no campo da produção, nas relações de trabalho, ou nas mais diversas áreas de vivência e convivência do ser social, este é um modo de organização econômico-social que tem por objetivo central a acumulação da riqueza socialmente produzida por uma pequena parcela dos que detém os meios de produção – capitalistas. Nesta sociedade, o pertencimento à determinada classe social revela a totalidade das condições em que se vive; nesta mesma sociedade, coexistem basicamente duas classes que convivem numa constante relação de antagonismo e contradição: a classe social burguesa e a classe trabalhadora. A classe burguesa (capitalista) é a classe que detém os meios de produção, que regula a economia, a política, o mundo do trabalho, as condições de manutenção da classe de trabalho; os objetos de trabalho, que é tudo sobre o que incide o trabalho humano, (matérias naturais brutas ou matérias naturais modificadas pela ação do homem); e a força de trabalho, que se trata da energia humana que, no processo de trabalho, é utilizada para - valendo-se dos meios de trabalho – transformar os meios de trabalho em bens úteis à satisfação das mecessidades. 6 trabalhadora, que forja a maneira como a arte, a educação, a religião entre outros podem moldar o trabalhador tornando-o funcional e adequado à ordem social capitalista. A classe burguesa consegue ordenar o meio social segundo seus interesses e conveniências através dos aparelhos privados de hegemonia e dos meios que a classe tem para regular as condições básicas de vida do trabalhador, dos quais podemos citar como exemplo: o estabelecimento do valor da remuneração (salário) de forma a somente reproduzir as condições de miséria em que vive o trabalhado - que lhe garante a manutenção do que for, apenas, o imprescindível à continuidade da vida, o regulamento dos valores de mercado (preços) de modo a impedir que com os baixos salários o trabalhador acesse melhores condições de saúde, alimentação, educação, moradia e outros, as condições exaustivas a que o trabalhador é submetido, o tempo regulado para descansos semanais, a extração de mais valia10, entre tantos outros. A classe trabalhadora (proletariado) – é a classe que com o seu trabalho, produz a riqueza que é apropriada somente pela classe burguesa (dominante), o que reproduz e mantém as condições de precariedade provocadas pela dinâmica capitalista. A classe trabalhadora é composta por homens que detém somente a sua força de trabalho como mercadoria para venda, a partir do que ocorre a sua exploração pela classe capitalista que compra a sua força de trabalho de maneira a reproduzir a condição permanente de miséria a que o trabalhador é submetido; o trabalhador por sua vez realiza trabalho em tempo excedente, mas não se apropria do que é produzido por ele, seja do lucro, seja da mercadoria. A classe proletária também se constitui em um segmento/parcela que, mesmo trabalhadora, não consegue vender sua força de trabalho, é expulsa do mercado pela própria dinâmica do capital, pelo surgimento e emprego de novas tecnologias, o que é completamente adequado à lógica capitalista, pois contribui com o mercado pressionando os trabalhadores que, mesmo inseridos no processo de produção, vivem em condições de miserabilidade devido à tamanha exploração que sofrem por compor o mundo do trabalho. 10 A extração da mais valia ocorre no processo de produção, onde o trabalhador através da relação de trabalho com o capitalista, realiza atividades de trabalho por um tempo chamado excedente, ou seja, aumenta-se no tempo real da jornada de trabalho mas o trabalhador não é remunerado por ele; este excedente gera lucro única e exclusivamente ao capitalista, perpetuando as condições precárias de vida e trabalho a que o modo de produção e ordenamento social capitalista o submete. A mais valia é acumulada pelo capitalista às custas do trabalho não pago, ela é a finalidade direta e determinante do modo de produção capitalista.Podemos compreender então a mais-valia como sendo a parte não paga ao trabalhador por aquilo que ele mesmo produziu, ou seja, é aquela parcela apropriada pelo capitalista que chamamos de ‘lucro’(onde mais valia não é igual a lucro) 7 Esta é a população excedente, que não tem sua força de trabalho empregada no processo de produção, é produto necessário da acumulação e alavanca da mesma. Essa população excedente constitui um “Exército Industrial de Reserva” disponível, que pertence ao capital. “Além de ser o fundamento do processo de acumulação de capital, o exército industrial de reserva mantém os trabalhadores empregados - sob pressão, rebaixam os salários e o nível das condições de trabalho tornando cada vez mais escravo do capital - e também funciona como uma oferta ilimitada de mão-de-obra em caso de precisar-se aumentar a oferta para suprir um aumento repentino na demanda por produtos de um determinado setor.” (Disponível em http://julianatigre.blogspot.com/2011/10/o-surgimento-do-exercito- industrial-de.html) A apropriação da riqueza por parte da classe dominante conduz sempre e massivamente a classe proletária ao pólo onde é gerada a pobreza ao mesmo tempo em que no outro pólo, ocupado pela classe burguesa, é gerada a riqueza. O modo de produção capitalista particulariza-se historicamente por uma reprodução peculiar que se torna compreensível quando consideramos a acumulação do capital, a qual ocorre através do processo de extração de mais valia. No processo de produção, onde ocorre a exploração do trabalhador por parte do comprador de sua força de trabalho, a mercadoria representa mais que uma forma de produto, está no centro das relações, representa uma forma de sociabilidade humana, sob a qual a relação de satisfação da necessidade não vai ser direta, são relações mediatizadas através do mercado, onde ocorre a troca da mercadoria; com a troca, o valor da mercadoria se exprime numa mercadoria diferente. Sem a mercadoria, por ser a mesma célula base da sociedade, não podemos entender a complexidade da sociedade burguesa. Todas as mercadorias são produto da cristalização do trabalho humano e o seu valor de troca é proporcional a quantidade de trabalho humano investido – tempo de trabalho socialmente necessário - em cada uma dessas mercadorias. Assim, em função de toda essa conjuntura, a falta de acesso a oportunidades que tornariam mais próximas as possibilidades de superação da condição em que o capital mantém o trabalhador - e as múltiplas maneiras a partir das quais o capital investe na manutenção da ordem por ele instaurada, aprisionam o sujeito trabalhador às amarras capitalistas, dificultando que o mesmo desenvolva uma consciência ativa e crítica acerca da sua realidade exploração e miséria generalizada. Nesta sociedade e nesta dinâmica do modo 8 de produção, a alienação, ou seja, a completa exclusão de consciência por parte do trabalhador quanto à sua condição de ‘mercadoria’ para o capital, quanto à mercadoria por ele produzida e ao processo de produção em que ele está inserido, torna-o ainda mais coisificado: mercadoria como outra qualquer. Essa mercantilização ocorre porque na organização social contemporânea o homem, ao contrário das primeiras modalidades de trabalho, continua detentor da sua força de trabalho, porém, não tem escolha quanto a atividade remunerada que realizará, a necessidade do trabalho é vital, urgente e objetiva. Isso porque na sociedade capitalista, o homem é destituído dos antigos meios que tinha para produzir em prol de sua subsistência, tornando-se completamente dependente do modo de produção capitalista. A capacidade de compra do capitalista existe devido ao poder que seus bens lhe conferem e ao modo como se organiza a vida econômica e social na sociedade em que está inserido o capitalista. Assim, o ordenamento e posição da sociedade capitalista não são fatores surpresa se considerarmos a peculiaridade deste sistema: seja na esfera da produção ou da reprodução, o capital possui o poder de manipular e dominar a política, a cultura, as relações econômicas, comerciais, sociais tanto em função dos seus interesses de acumulação contínua e expansão de seus domínios quanto por ‘comprar’ para si o Estado, que possui caráter de classe. A perversidade deste sistema camufla suas contradições, o que promove a dificuldade do trabalhador em perceber o quanto ele é expropriado da riqueza que produz. 2.2 – Compromisso do Estado (de classe): segurança ou criminalização da pobreza? Na presente sociedade capitalista, onde o ter é muito mais importante que o ser, os jovens das periferias das grandes cidades brasileiras são geralmente vítimas da violência e da criminalidade, decorrentes de um violento processo de criminalização que a questão social vem sofrendo, e que atingem as classes subalternas. Recicla-se a noção de “classes perigosas”, sujeitas à repressão e extinção. Evoca-se ao passado , quando era concebida como caso de policia, ao invés de ser objeto de uma ação sistemática do Estado nos atendimentos às necessidades básicas da classe operaria e outros segmentos trabalhadores. Onde consequentemente o Estado deixa de lado a sua função de bem-estar social e age de forma a penalizar estes jovens, estes sendo então culpabilizados por suas condições de vida, isto se tornando um problema individual. Assim, leva-se a ter uma sociedade punitiva, que 9 necessita de uma ampliação do Estado social, por meio de políticas públicas e de garantia de direitos. Vivemos em uma sociedade onde as pessoas nunca foram efetivamente livres para determinar o seu próprio destino, assim, os graves problemas dessa sociedade capitalista e as crises sociais são transformados e compreendidos como um fracasso pessoal. Assim, percebe-se um processo mundial de diminuição do Estado social e de ampliação do Estado penal, onde há um aumento do número dos encarcerados, e dos excluídos da vida econômica e social. O Estado, tendo por objetivo controlar a população, impor regras, se baseando na ideia de exclusão; Sendo que, a responsabilidade pela situação humana é privatizada, e as tarefas que eram antes coletivas, perderam espaço para a necessidade de esforço individual. Trata-se então, de uma sociedade centrada no consumo, onde a atividade de consumir é meramente individual, colocando os indivíduos em campos opostos. Assim, o padrão estabelecido de consumo é o fim a ser alcançado, como uma tarefa individual, onde os fins justificam os meios e amplia-se o espaço para a crescente criminalidade. A pobreza é então criminalizada, os pobres em vez de serem sujeitos de direitos, são merecedores de ódio e condenação. Relacionando acerca da sociedade brasileira, temos por um lado, uma forte disparidade social e uma grande parte de sua população em situação de pobreza; e por outro lado, uma ausência de um Estado social comprometido com as necessidades da população, e um Estado autoritário; sendo assim, podemos perceber que isso tem gerado um crescimento da violência criminal. Percebe-se então que há uma grande propagação da punição e repressão como solução para conter a forma de violência específica da criminalidade. Havendo então, um grande discurso justificador do uso da violência pelo Estado, como forma de garantir a segurança da população. Utilizando também da difusão de um pânico tal acerca da criminalidade, que se faz crer que a única solução é efetivamente o encarceramento ou o sistema penal utilizado em grande escala. Partindo da ideia de que o sistema penal é de fato a solução para o que se pode chamar de problemas sociais. Na ilusão ou crença de uma sociedade sem conflitos, os criminosos são identificados como um mal que precisa ser combatido, intimidados por uma política criminal ostensiva e intolerante. Assim, segundo Costa, “a partir da concepção maniqueísta de homem e de 10 sociedade, a tarefa da política criminal é o combate aos inimigos sociais, por meio de uma cruzada moral, de massas, protagonizada pela mídia e pela opinião pública, contra a desordem e o caos social” (COSTA, 2010; 73). O inimigo, que é objeto da política criminal, é a categoria de pessoas supérfluas, sem participação, função ou papel; o inimigo é o nãocidadão da sociedade do consumo. E para justificar a prisão e pena como solução para a criminalidade, a sociedade punitiva identifica-a (a criminalidade) como atributo de uma minoria qualificada como bandidos ou marginais; sustentando um modelo de combate, de guerra contra a criminalidade, vendo o criminoso como o inimigo a ser combatido com segregação. Assim, “os gastos com a chamada segurança publica torna-se uma necessidade justificada socialmente. Antes se oferecer políticas sociais, se gasta com aparatos repressivos, não porque sejam mais caros ou mais baratos, mas porque são mais eficazes do ponto de vista higienista. A culpabilização individual faz com que não reste alternativa senão a de terminar com aqueles que provam ser incapazes de pertencer à sociedade de consumo.” (COSTA, 2010: 74) Na sociedade brasileira, criaram-se um mito em relação as adolescentes em conflito com a lei, um hiperdimensionamento do problema, pela periculosidade do adolescente e pela impunidade, ou seja, os adolescentes são vistos como causadores do aumento do índice de criminalidade do país, e que não são punidos devidamente por isso. Assim, tem-se a falsa ideia de que a redução da idade de imputabilidade penal seja uma solução mágica para todos os conflitos e problemas sociais, relativizando a tarefa estatal de garantia a direitos individuais. Mas, esta evidente que o desafio da sociedade brasileira encontra-se em ampliar suas políticas publicas de caráter social, garantindo a todas as crianças e adolescentes o conjunto dos direitos previstos na Constituição Federal e no ECA. 2.3 – Carências materiais, subjetivas e liberdade na sociedade capitalista: de quê e para quem? Atualmente, o dia a dia do homem na sociedade, tal como se configura, é marcado por pressões, insegurança, situações complexas e relações sem cumplicidade, individualistas, que buscam resguardar o “eu” a todo custo. Ante a tantas condicionantes e inseridos num contexto marcado por múltiplas carências, a dificuldade em lidar com ‘situações problema’ é consequente e não surpreende, levando a buscas perigosas que saciem o vazio ou a 11 ansiedade provocada pelos fatos, carências ou anseios que condicionaram tal busca, e como exemplo da mesma pode-se dizer o ingresso no universo obscuro das drogas. A busca incessante pelo ter, lei que é pregada na retórica e ética capitalistas gera anseios nos homens que o levam a dar importância coisas que nada lhe garantem de concreto. O homem não tem consciência desta busca vazia que parece preencher com os seus resultados o espaço vazio, ou seja, ele é completamente capturado pela lógica capitalista de viver e assim, buscando onde se sentir seguro fecha-se em si mesmo, tornando-se alienado às questões que realmente o envolvem, sem conseguir apreender o cerne das mesmas. A disponibilidade de uma infinidade de opções de escolha diante da busca permanente em que se encontra o homem também deve ser considerada, o que pode ser indício de um risco ainda maior devido à esse vasto campo Ou seja, na sociedade regida pela ordem capitalista, o homem pensa que certamente pode exercer poder e controle sobre tudo e todos, pensa que seus recursos pessoais disponíveis lhe garantem resultados para seus anseios individualistas e prepotentes. Como instrumento danoso da busca pela satisfação das vontades pessoais ou de classe na sociedade capitalista, a violência tornou-se há muito, meio legitimador. “Um flagelo da sociedade atual é a violência. A violência se expressa atualmente (...) como condição de manutenção de negócios ilegais, que se beneficiam dos mecanismos modernos de produção de riqueza, dos instrumentos técnicos e de comunicação. As gangues de narcotraficantes constroem sistemas de circulação e troca de produtos ilegais como drogas e armas e também de lavagem de dinheiro.” (NONTICURI, 2010: 25, 26) A dependência química na sociedade capitalista está intrinsecamente ligada à falta de projetos futuros, a influência do meio social, a ideologia pregada pela mídia que incentiva o uso de drogas lícitas, o que muitas vezes é a porta de entrada para que vícios cada vez mais acentuados se reproduzam, tornando o retorno cada vez mais difícil. As drogas têm invadido as pequenas cidades, distritos, ao contrário do que (des)informa a mídia ao dizer que é um problema apenas dos grandes centros urbanos e das cracolândias. São exemplos de conseqüências do avanço assustador do uso abusivo das drogas na ordem capitalista: o aumento da violência, furtos, intervenções policiais, risco maior de contaminação por 12 doenças sexualmente transmissíveis, entre outros. Assim, tem-se a ideia de que o consumo de drogas é uma questão pertinente à contemporaneidade, mas baseados nas palavras de Nonticuri é possível perceber que essa problemática envolve outras questões, mas que em sua maioria das vezes ficam ‘camufladas’, com base nisso a respectiva autora diz que, o uso de drogas sempre existiu, mas atualmente o abuso de entorpecentes acentuou-se a partir da combinação de vários fatores que marcam também as mudanças ocorridas na sociedade no último século. A mundialização do capital, a dificuldade dos Estados em manter sua soberania e governança diante de um poder transnacional, o consequente enfraquecimento dos Estados, com uma economia de incertezas promovida pela globalização, às mudanças no mundo do trabalho e a emergência da sociedade de consumo, trouxe o aumento das desigualdades da miséria e do desemprego. Neste contexto, a sociedade entra em um novo estágio de individualismo, trazendo a identidade simbolizada por Narcizo, figura mitológica que representa a beleza vaidosa de si mesma, mas fragilizado e inseguro. Nas relações consigo e com os outros Narcizo tem dificuldades e medo de sofrer. Quer o prazer imediato. Com esses sentimentos, as relações são fluidas, pouco comprometidas. Consumir passa a ser o objetivo da existência, uma compensação para o que não vai bem na vida. (NONTICURI, 2010: 115, 116) O uso de drogas pode ser então um pedido de socorro que, indiretamente, faz um sujeito quando enfrenta uma dificuldade emocional ou social, como depressão abandono, rejeição e desamparo. Sendo que podem ser considerados como o excesso de consumo de drogas, casos como: desempenho escolar insatisfatório, uso de drogas por parte de familiares ou pessoas próximas, baixo autoestima, sintomas depressivos, ausência de regras, necessidade de desafios e emoções, pouco ou nenhum relacionamento com os pais, uso muito cedo do álcool, presença de maus tratos na infância e juventude, baixo nível socioeconômico. O uso do álcool entre os jovens constitui-se num dado preocupante, uma vez que é uma droga lícita. Apesar de no Estatuto da Criança e do Adolescente ser proibida a venda de álcool para menores de 18 anos, o abuso quanto ao uso desta substância é muito grande na atual conjuntura social. O álcool, por ser uma das primeiras drogas utilizadas pelos adolescentes e poder gerar uma futura dependência química, traz uma solicitação ao Estado, que é a de formular políticas públicas que direcionem um cuidado maior tanto à fiscalização para que se cumpra à legislação concernente, quanto o desenvolvimento de ações direcionadas ao enfrentamento desta mazela, incentivando a prevenção do uso do álcool e antecipando desta forma, a prevenção ao uso de outras drogas. 13 O Estado tem o papel de fornecer os recursos necessários para a prevenção e o tratamento das Drogas. Mas mesmo com o Brasil tendo uma política nacional sobre drogas, assistimos a um rápido crescimento do consumo destas, o que mostra o quão insuficiente o papel do Estado se configura em relação a isso, com políticas publicas cada vez mais seletivas, fragmentas e focalizadas. O dependente químico necessitando então de tratamento, ao invés de perseguição policial ou criminalização. Mas em razão de o usuário cometer atos contra a lei, antissociais e violentos, o Estado tem se apresentado através de mecanismos de repressão. Assim no Brasil, segundo Nonticuri, a condenação do usuário de drogas é mais rápida que o tratamento, como um caso resolvido (por enquanto), é o que tem maior visibilidade social. Está na mídia todos os dias, enquanto os recursos de tratamento são insuficientes, pouco divulgados, burocratizados, sem falar na própria característica da dependência química, que é lenta, progressiva e incurável, o que pro si só acarreta um tempo longo para apresentar resultados. Tal realidade repercute na vida dos jovens que se envolvem com drogas, criando histórias dramáticas, com a presença de doenças psíquicas associadas, violência, abandono e morte. (NONTICURI, 2010: 50) Portanto, em uma sociedade onde tudo está disponível e acessível aos jovens, alguns escolhem percorrer pelo caminho mais fácil para adquirir dinheiro, entrando assim no caminho das drogas, e com isso abandonando os estudos, e ficando “deslumbrados” com o tráfico de drogas, que é onde se adquirem dinheiro muito fácil. Considerações finais Na sociedade capitalista coexistem basicamente duas classes sociais (a burguesa e a proletária) - que convivem numa relação contínua de antagonismos e contradições, e é onde também a organização ocorre segundo uma lógica favorável à expansão e acúmulo contínuos do capital, o que coloca o indivíduo escravizado pelas relações e condições perversas de trabalho: condenando-o a uma vida miserável em função das jornadas cada vez mais intensas de trabalho – isto devido ao fato de ser a força de trabalho a única mercadoria de que dispõe para vender e em troca, ser remunerado. Assim, resta ao trabalhador procurar por si só alternativas alienadas para lidar com a sua condição miserável, que diariamente se reprodução e se firma ante a sua realidade. 14 O Estado - executor particular do capital – realiza ações direcionadas a problemática das drogas tal como se revelam, ineficientes, tendo em vista o alastramento de seu consumo atualmente. Quanto às possíveis intervenções neste campo, deve - se pensar em formas que atendam às reais necessidades da sociedade civil atual, a qual se encontra completamente organizada segundo a lógica capitalista – que coloca o indivíduo escravizado pelas relações de trabalho, contrata sua força de trabalho para que o mesmo o faça em condições subumanas, o remunera de forma injusta e assim, o condena a uma vida de miséria devido às jornadas de trabalho cada vez mais intensas e às condições adversas que estas jornadas lhes causam – e que não atende ao cidadão em suas reais necessidades, como o acesso às políticas que lhes são de direito e que garantiriam formas justas e mais dignas de vida, o acesso à saúde e educação de qualidade são exemplos de tais políticas, quase inacessíveis aos cidadãos que realmente precisam acessá-las. Existem então, mecanismos que favorecem o consumo das drogas, que vão desde atividades relacionadas à mídia, que propaga drogas licitas (como o álcool e o tabaco), até o valor atribuído a elas pela sociedade. Não faltam notícias, filmes, novelas, que abordam de maneira fantasiosa o uso das drogas. Assim, o adolescente busca nos meios de comunicação de massa valores para construir sua identidade e meios para atingir o sucesso exigido por uma sociedade extremamente competitiva. A partir do contexto descrito, têm-se uma sociedade desigual, com expressiva ausência de oportunidades para as classes subalternas e grande impossibilidade de consumo, de acesso à cultura e ao reconhecimento social; assim, o caminho do uso da violência, da criminalidade e de atividades consideradas constitucionalmente ilegais, passam a se configurar como uma escolha viável, num cenário de crescente desemprego e exclusão social, cultural e econômica. Uma sociedade em que se pregam uma falsa liberdade entre os trabalhadores, condena o trabalhador à superexploração, com péssimas condições de vida e de trabalho; ainda assim, os trabalhadores são obrigados a se submeterem às determinações capitalistas, pois é o único meio de subsistência que eles possuem. E é por isso que muitos decidem ir pelo caminho mais fácil, o da criminalidade, o do tráfico ou consumo de drogas, o da ilegalidade, reforçando e reproduzindo a criminalização da pobreza, pois de modo irreal, isso se torna um meio de prazer para eles. Na contramão, o que se considera quando jovens de classe média e alta que consomem drogas é que eles buscam diversão ou, em casos mais 15 graves, são pessoas que necessitam de tratamento médico. Contudo, tem-se uma sociedade injusta e desigual, onde o ter é mais importante que o ser, onde disparidades como essas ocorridas entre ricos e pobres tornam-se comuns, na verdade, necessárias ao sistema de reprodução material e imaterial do capital. Assim, na sociedade capitalista, a mazela de que aqui tratamos – que é a dependência química, torna-se um refúgio mediante as condições que podem levar o usuário a percorrer esse caminho. Nota-se que o aumento do uso das drogas licitas e ilícitas neste modo de ordenamento societário é consequente das condições de vida que se colocam ao cidadão: más condições de vida, de trabalho, de acesso à saúde, educação, lazer, aos bens de consumo – seja ele material ou espiritual. É uma consequência legítima da expressão da questão social que se coloca mostrando sua face cada vez mais abrangente, perigosa, alienadora. 16 REFERÊNCIAS BARROCO, Maria Lúcia S. “Ética: fundamentos sócio-históricos. São Paulo: Cortez, 2008 (Biblioteca básico do Serviço Social; v.4) COSTA, Ana Paula Motta. “Adolescência, violência e sociedade punitiva”. São Paulo: Cortez editora, 2010. COUTINHO, Carlos Nelson. “Gramsci”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. http://www.eumed.net/libros/2008a/372/CONCENTRACAO%20E%20CENTRALIZACAO%20D E%20CAPITAL.htm http://www.infoescola.com/drogas/drogas-licitas-e-ilicitas/ MARX, K. O Capital - Crítica da Economia Política. Livro I, Tomo 2. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1984. NONTICURI, Amélia Rodrigues. As Vivências de Adolescentes e Jovens com o Crack e Suas Relações com as Políticas Sociais Protetoras Neste Contexto, 2010. Conteúdo eletrônico disponível em http://ebookbrowse.com/dissertacao-amelia-rodrigues-nonticuri-pdf-d234872589 IAMAMOTO, Marilda Vilella. A questão social no capitalismo. Temporalis, n. 3, Brasília: ABEPSS, 2001, p. 09-32.