Agenda Presidencial 2015/2016: Radiografia do Brasil Contemporâneo O projeto Radiografia do Brasil Contemporâneo pretende ir além do assessoramento conjuntural às políticas do Estado brasileiro, atividades nas quais o Ipea desenvolve, há décadas, trabalho de comprovada excelência, e propor conhecimento inovador e estratégico ao desenvolvimento social, econômico e político brasileiro para uma agenda propositiva pós-ajuste fiscal. Não existe investimento público bem feito sem adequado conhecimento prévio das pré-condições sociais nas quais a política deve intervir. Isso é ainda mais importante quando o gasto público é limitado. Ao Ipea cabe a função pública, portanto, que as universidades brasileiras, seja pela hiperespecialização, seja pela fragmentação de pesquisa daí decorrente, não conseguem desenvolver, apesar dos esforços individuais de muitos pesquisadores capazes e diligentes, de produzir conhecimento ousado e inovador para as necessidades atuais da sociedade brasileira. Para isso, é necessário contemplar as duas dimensões de análise clássicas em todas as ciências sociais, desde a economia à sociologia, que podem ser definidas como a dimensão do “agente social”, por um lado, e da dimensão “institucional”, por outro. Embora essas dimensões possam ter nomenclatura diversa em cada tradição de pensamento, o que importa é perceber que temos de conhecer as disposições e a “mentalidade” do agente social para antecipar e prever em alguma medida seu comportamento; do mesmo modo que temos de conhecer a lógica institucional do complexo organizacional no qual todos estão inseridos. O problema é que não possuímos ainda conhecimento adequado nem de uma, nem da outra dimensão. As causas desse estado de coisas são muitas e complexas e podem ser discutidas em foros específicos de debate, mas, não nos interessam aqui. No essencial, o desconhecimento do agente deve-se à simplificação de imaginar seu comportamento sendo determinado unicamente por estímulos econômicos. Nesse raciocínio, bastaria saber a faixa de renda de dado agente para se antecipar e compreender seu comportamento provável. Imagina-se agentes sem passado, sem família e sem classe social, cuja renda diferencial foi produto do acaso e não de uma construção social muito particular a qual devemos conhecer se não quisermos continuar a reproduzir uma sociedade para uma minoria privilegiada. O mesmo desconhecimento é reproduzido na esfera do estudo das instituições. Assim, apenas a título de exemplo, estuda-se o aparelho institucional repressivo e punitivo e a “violência” social como se a mesma fosse um fenômeno localizado e fragmentado na realidade social e como se sua compreensão não exigisse um esforço interpretativo global e totalizante. Na verdade, é apenas a relação recíproca entre diversas práticas institucionais e sociais que explica qualquer fenômeno singular. Tendo em vista essas limitações, cabe a um instituto de pesquisa com a capacidade acumulada e com o prestígio do Ipea prover o Estado brasileiro e a sociedade brasileira do conhecimento totalizante, inovador e inédito nessas duas dimensões do conhecimento científico, cuja falta nos ressentimos até hoje. Como este é um empreendimento coletivo, usaremos não apenas a excelência dos técnicos do Ipea em diversas áreas, mas também a inteligência nacional e internacional que pudermos arregimentar neste esforço coletivo. A produção de conhecimento inovador é atributo da ciência em qualquer sociedade moderna e não se intervém na sociedade de modo politicamente inteligente sem conhecimento adequado da realidade social. O conhecimento social aplicado e útil a serviço da sociedade e do Estado brasileiro, escopo maior do Ipea, exige ambição e ousadia no projeto e humildade e diligência na execução. Pretendemos atingir esse desiderato em dois passos articulados e intimamente relacionados os quais podem e devem ser, no entanto, separados analiticamente para seu melhor estudo: 1) Estudo das Classes Sociais para a Inovação Institucional A pesquisa proposta pretende resultar, pela primeira vez em nosso país, em um estudo abrangente da sociedade brasileira unindo todas as três dimensões do conhecimento aplicado nas ciências sociais: 1) O conhecimento estatístico e quantitativo das diversas esferas sociais, muito especialmente da esfera econômica, jurídica, política e religiosa; 2) O conhecimento compreensivo e hermenêutico das disposições préreflexivas para o comportamento das diversas classes e frações de classe sociais, assim como das representações conscientes das diversas classes e frações de classes; 3) A aplicação, pela escolha seletiva de projetos-piloto em diversas regiões brasileiras, de experiências de “inteligência institucional” que permitam tornar aplicado e concreto o conhecimento aferido nas duas etapas anteriores. 2) Radiografia das Instituições Brasileiras Eficiência e Desempenho Institucional em Perspectiva Comparada Este projeto tem como objetivo maior a compreensão do encadeamento institucional que une Estado, mercado e sociedade em uma sociedade complexa, moderna e dinâmica, como a sociedade brasileira atual, de modo a compreender melhor os obstáculos para o desenvolvimento brasileiro. O referido projeto é percebido como a contraparte institucional do outro projeto fundamental da atual agenda presidencial do Ipea, que se refere ao estudo das classes sociais brasileiras e de suas respectivas frações nas dimensões tanto quantitativa quanto qualitativa. Enquanto o projeto sobre as classes sociais pretende oferecer um quadro totalizante e aprofundado que permita uma “radiografia da sociedade brasileira”, enfatizando a forma peculiar de socialização familiar e das formas de mentalidade e ação peculiares a cada estrato social estudado; o estudo internacional comparado das principais instituições brasileiras pretende oferecer uma “radiografia do complexo institucional que articula as relações entre mercado, Estado e sociedade” no Brasil contemporâneo. Combinados, os dois projetos pretendem contribuir para uma percepção totalizadora e compreensiva da sociedade brasileira como um todo nas duas dimensões do conhecimento nas ciências sociais pensadas em sentido amplo que se referem ao comportamento provável dos agentes sociais, por um lado, e à eficácia institucional na dimensão das organizações e das práticas institucionais, por outro. As duas perspectivas combinadas devem fornecer os elementos necessários para uma percepção inovadora da questão central do aprimoramento e da inovação institucional tanto do aparelho estatal quanto da relação deste com as instituições sociais e de mercado. A ambição pragmática das duas pesquisas combinadas é a construção de projeto alternativo para as dificuldades pelas quais passa a sociedade brasileira atual, que exige engenho e criatividade sob o fundamento do conhecimento científico rigoroso. Procedimento Teórico e Metodológico O desafio aqui é compreender o efeito combinado e articulado das várias práticas institucionais concretas em todas as três dimensões da vida social moderna – mercado, Estado e sociedade – de tal modo que seu efeito social, econômico e político seja mais bem conhecido. Pretende-se aqui, também, a exemplo do estudo sobre as classes sociais, a união das perspectivas quantitativa/estatística e “qualitativa” – como a análise de discursos e seu maior ou menor descolamento da realidade concreta – nas ciências sociais para a remodelação e aprimoramento de instituições. Normalmente as práticas institucionais são, por exemplo, cegas para as necessidades particulares de seu público na medida em que são construídas para um público com necessidades supostamente universais e intercambiáveis. O resultado são processos de ineficiência institucional, onde o público, muito especialmente das classes populares, recebe, muitas vezes, o contrário do prometido por essas práticas institucionais. Daí que o necessário e indispensável mapeamento quantitativo e estatístico do objeto de estudo deva ser acompanhado de um enfoque compreensivo também das práticas institucionais concretas para iluminar a ação do Estado e o conhecimento de toda a sociedade para além do discurso quase sempre autojustificador das instituições sobre elas mesmas. A aferição do desempenho e da eficácia de complexos institucionais concretos exige a estratégia de pesquisa baseada na comparação com outros sistemas institucionais complexos de outras sociedades. Sem uma referência comparativa ficaríamos sem um critério que possa aferir e medir o desempenho e a eficiência de instituições concretas. Por conta disso, elegemos como contraponto comparativo para o estudo do complexo institucional brasileiro sociedades admiradas tanto por sua eficiência institucional quanto pelo seu desempenho societário, como Alemanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. A busca de parcerias com instituições de pesquisa renomadas e a escolha de complexos institucionais estratégicos nos levam à seleção do seguinte eixo de análises: 1) O estudo das agências de controle estatal tendo em vista a eficiência e a inovação institucional das organizações do Estado e do mercado; 2) O estudo do complexo formado por instituições de pesquisa, universidades e mercado visando à inovação de tecnologia e de processos produtivos; 3) O estudo das instituições parlamentares e representativas tendo como foco suas inter-relações com a sociedade e o mercado; 4) O estudo das instituições da mídia e da esfera pública sob o ponto de vista do fortalecimento tanto das instituições quanto da consciência democrática; 5) O estudo das novas relações entre sistema financeiro e sistema produtivo tendo em vista as necessidades de inovação tecnológica, de política fiscal, de novas políticas de emprego e qualificação profissional, além de suas novas relações com o sistema político e social. O estudo de todos esses eixos de análise deve se dar de modo combinado e articulado, evitando-se a estratégia hoje dominante de fragmentação dos objetos de estudo que tendem a perder de vista as relações recíprocas que existem entre os diversos complexos institucionais.