1 A CIÊNCIA GEOGRÁFICA NO CONTEXTO DA DISCUSSÃO AMBIENTAL Nathan Zanzoni Itaborahy* Resumo: Vivemos um momento no qual a discussão sobre o meio ambiente está à tona, e como nunca, necessitamos de uma revisão dos modos de produção e vida. Diante de todo este embate a Geografia se vê cheia de responsabilidades por ser uma ciência com o caráter exclusivo de analisar a relação sociedade-natureza, na verdade os dois maiores atores dessa trama moderna. Os termos “Meio Ambiente” e “Geografia” se confundem, o que só justifica a pesquisa na área. A relação entre os temas ainda chama a atenção pela multidisciplinariedade inerente a Geografia, e pela Geografia como formadora de opinião, ensinada nos diversos meios de ensino. A produção da Ciência Geográfica vem para reforçá-la, elevando cada vez mais a figura do “profissional geógrafo”. Palavras-chave: Epistemologia, Meio Ambiente, Geografia, relação sociedade-natureza. INTRODUÇÃO Nasce o século 21 e juntamente com ele seus novos desafios. Uma crise ambiental do mundo chama atenção pelos resíduos sem destino, pela escassez da água, pelo consumismo exacerbado, pelo aquecimento global (denunciado nos Painéis Intergovernamentais sobre Mudanças Climáticas - IPCC), a queda exponencial de áreas verdes nativas, e a conseqüente perda de biodiversidade, entre outras questões. Neste plano, tal crise tem sido tema dos inúmeros meios de comunicação, assim como nas academias de ciência. Carlos Walter PortoGonçalves (1989) chama atenção de como a ciência moderna cria concepções de natureza, sendo que como um reflexo da dialética das ciências humanas e naturais, uma delas o homem aparece se opondo a natureza. Surgem assim críticas, hipóteses, pesquisas, contrariedades. Segundo Martins (MARTINS; GUIMARÃES, 2003), os problemas ambientais estão ligados à maneira como o homem vê e se relaciona com o mundo. ________________________ * Estudante de Gestão Ambiental nas Faculdades Integradas Vianna Júnior e de Geografia na Universidade Federal de Juiz de Fora. 2 Sendo assim, necessariamente passaremos por uma revisão paradigmática, concernente à forma como vemos e utilizamos os recursos naturais. Além disso, deveremos situar o homem neste meio, como ator relevante e que influencia todo o sistema, para só assim entendermos nosso nicho, nosso papel, sem atingirmos necessariamente o do outro e, sem atingir o meio, já que esse não se recupera em um espaço de tempo curto e não necessita de nossa presença aqui. Cabe à Geografia estudar os fenômenos em suas distribuições espaciais e suas diversas correlações (FERREIRA; SIMÕES, 1986), sendo estes fenômenos físicos ou humanos. Cabe primordialmente a ela (o que lhe traz o aspecto ideográfico), estudar os passos do Homem sobre o meio físico em suas diversas formas, sendo esta façanha geográfica o que a permite ter uma visão diferenciada sobre meio ambiente e sua crise. GEOGRAFIA E MEIO AMBIENTE Dentro desta perspectiva a produção científica num todo se vê carregada de responsabilidades, cada uma em sua abrangência, seja ela exata, humana ou da vida, analisando o meio, transformando-o e transformando seu habitante pensante, que é quem o molda ou degrada o espaço. Partindo do pressuposto de que o empírico é necessário à teoria, a pesquisa deve ser apoiada e desenvolvida seriamente pelos acadêmicos, com intuito de quebrar paradigmas sociais, convencendo a sociedade de modo inteligente, de que não só o ambiente está em crise, mas também o sistema e sua forma de produção e de conhecimento. A ciência geográfica, como nenhuma outra, analisa o global e o local, e a forma com a qual os atores sociais modificam e delineiam o espaço, ou na concepção ambientalista, o meio ambiente. Tendo esses atores sociais dimensões das mais diversas, como diferentes territórios, em diferentes épocas, com diferentes histórias, o que cada vez mais reafirma a produção diversa dessa ciência (como já citado, o caráter ideográfico). Assim ela se destaca e ganha suma importância por dois aspectos relevantes: primeiramente, pelo fato de além de ter uma área de atuação em diversas escalas espaçostemporais, ser multidisciplinar (VEYRET, 2007), ou seja, ela tece em suas análises e discussões, interfaces com outras disciplinas, sejam elas da área de humanas (Antropologia, História, Sociologia, entre outras) ou da área de exatas ou biológicas (Biologia, Física, Química, 3 Geologia, entre outras), com as quais ela fundamenta suas próprias áreas, tais como a Geomorfologia, a Etnobiogeografia, a Geografia da População e assim por diante. Ela não se faz simplesmente como um tecido de retalhos científicos superficiais, se não que, ela monta abordagens totalmente diferentes a tais ciências, que muita das vezes se remetem a essa abordagem assim tecida para a compreensão de uma série de questões. Num segundo plano, o que chama a atenção, e o que fundamentalmente a diferencia das demais ciências colocadas em questão, é o fato de que seu instrumento primordial é a reflexão da relação sociedade-natureza (FERREIRA; SIMÕES,1986), ou seja, ela analisa o homem, sua dinâmica e diversos processos; analisa o meio físico natural, também compreendendo seus processos e dinamismo, para numa perspectiva mais complexa, descritiva e muitas vezes crítica, compreender como o homem modifica o meio. Vale ressaltar a especificidade de cada subdivisão geográfica, que tem abordagens altamente diferenciadas, mas que em suma, seguem essa premissa. Contudo, ela acompanhou o processo de degradação do ambiente, pós-colonialista (PORTO-GONÇALVES, 2002), com um olhar sistêmico e crítico, abraçado por seus maiores nomes e inspiradores, a exemplo de Karl Marx e toda sua crítica ao sistema do capital. Ela sempre chamou atenção para a carência de políticas ambientais e sociais, com forte orientação empírica, espaço e tempos específicos, além da gestão territorial (MARANDOLA; HOGAN, 2004), pregando sempre uma adaptação social aos limites naturais, nunca o afastamento da mesma com finalidade de conservação, o que por sua vez gera a dicotomia (BORTOLOZZI; FILHO, 2000) do natural e do não natural. Tais relevâncias, de forma alguma, retiram importância das outras ciências ou as colocam em jogo. Pelo contrário, a Geografia assim, cria alguma dependência com as mesmas, por "beber nas fontes" de algumas de suas teorias (até por sua já citada forte orientação empírica), e delas levantar suas reflexões. Além do fato de muitas das vezes tais ciências se aprofundarem mais em seu campo de estudo, chegando a conclusões mais específicas. Carlos Eduardo Mazzetto Silva (2005) reflete acerca da tensão territorial no Domínio do Cerrado, e para tal, lança-mão de conhecimentos que associam o espaço e a sociedade. O Cerrado apresenta uma importância ambiental ímpar, pois além de sua diversidade de vida e de sua peculiaridade de contactar com outros diferentes domínios brasileiros, caracteriza-se como um ecossistema de chapada, com baixo consumo de água (oriundo da baixa produção de biomassa), funcionando assim como caixa d´água, realizando a recarga hídrica à outros ecossistemas e a rios como o São Francisco. Assim, o autor desenvolveu uma análise, com a qual pôde afirmar o quão monoculturas (como a da soja) são prejudiciais a todo esse privilégio 4 ambiental, e como, para o plantio e exportação destas, populações são severamente dissipadas, sendo que as relações que estes povos desenvolvem com o meio, são altamente sustentáveis, e até mesmo que geram aumento de biodiversidade, ou seja, co-evoluem com o meio biótico. De certo, só uma visão geográfica permite uma abstração como esta. Ela mostra como são indissociáveis o meio e o homem, e como o ser humano desenvolve relações com o meio físico. Haja vista a possibilidade das relações bem feitas, a Geografia prega a discussão de agriculturas sustentáveis, produções sustentáveis, ao invés do simples afastamento do meio, ou do "cercamento" de áreas, que afastam o homem, como Cox (2005) também se remete ao dissertar sobre o uso da terra de alguns assentados do Movimento dos Sem-Terra próximos a Reserva Biológica Poço das Antas (estado do Rio de Janeiro). Ela descreve a relação dos mesmos com a terra, e como por meio desta atuou como amortecedor positivo à biodiversidade da Unidade de Conservação. Bortolozzi e Filho (2000), elucidam a Educação Ambiental na perspectiva do ensino da Geografia, e neste terceiro momento que novamente ela se cruza com a discussão acerca do meio ambiente. A Geografia se faz presente nas mais diversas academias de ensino, seja ela de ensino infantil, fundamental, médio e acadêmico, tomando assim um caráter de formadora de opinião, e neste caso de concepções diferenciadas de relação com o meio e do ele que significa, ou seja, ela molda um comprometimento com o entendimento de mundo (SANTOS, 1995). Assim metodologias específicas devem ser discutidas com esse intuito, visto que além da ciência geográfica tecer visões sobre o meio ambiente, ela as transmite, se comprometendo com a educação, com a didática, com a conversa entre as visões locais e globais, delimitando proporcionalidades de fácil entendimento. “Os problemas ambientais estão profundamente determinados por uma forma reducionista, simplista e inadequada de se compreender o mundo, que não leva em conta processos sistêmicos (interrelacionados), psicológicos e orgânicos (ecológicos) presentes nas relações entre o indivíduo e a sociedade, entre a sociedade e o meio natural ou construído”. (MARTINS; GUIMARÃES, 2003, p. 2 ). Nesta afirmação, as autoras notoriamente apontam para a perspectiva de visões que geram relações, reafirmando a importância do ensino da Geografia ao meio ambiente, que com certeza vai além de uma educação ambiental visando atitudes ambientalmente corretas, sinalizando para uma revisão total de conceitos e concepções de mundo, ambiente e as relações da sociedade. 5 Assim, a Ciência Geográfica revela uma capacidade ímpar (por as já colocadas, pluralidade de análise e capacidade de interpretação das alterações do homem sobre o meio) de entender a chamada crise ambiental global, sendo que o ator principal desta é o homem e partindo destes princípios, a figura do geógrafo ganha força na alteração do quadro atual, nas tomadas de decisão e nos numerosos debates, o que deveria refletir em uma grande demanda dessa profissão, o que por sua vez pouco acontece. Mendonça (2001) elucida que o termo "Meio Ambiente" é considerado por muitos geógrafos quase um sinônimo de Geografia. Falta ao grande capital e aos poderes políticos a consciência da grande importância desta profissão. O geógrafo tem embasamento para fazer parte de equipes de licenciamento ambiental, de planejamentos políticos e ambientais, de processos de produção, com certeza agregando grande valor a estas equipes. Aos poucos a visão geográfico-humana pode ser inserida nos diversos meios de tomada de decisão, o que por sua vez refletirá em melhorias, um espaço mais bem dividido, em um meio ambiente mais ecologicamente (e por que não geograficamente) correto, logicamente associado a atitudes corretas advindas dos cidadãos, dos grande capitais produtores e poluidores, e de um monitoramento adequado dos processos que colocam em risco a qualidade e só afasta o ideário de sustentabilidade do bem difuso natural/ambiental. Segundo Veyrett (2007) a questão social interroga necessariamente a Geografia que se interessa pelas relações sociais e por suas traduções espaciais. O problema social está altamente interligado ao ambiental, sendo a recíproca quase sempre verdadeira. Cabe aos especialistas na área lutar com qualidade, com embasamento. Se impor diante de injustiças em planos diversos, implementando discussões sobre o meio ambiente e o uso dos recursos, e nessas afirmar a Geografia. A Ciência Geográfica está presente em tudo e a todo o momento, e ela é de todos, portanto social. A luta por populações tradicionais, por cultura, por acesso a água, por acesso aos alimentos, se mistura facilmente com a luta ambiental. Logo o geógrafo é um ambientalista robusto, e que lida com situações reais, propostas concretas e nunca com radicalismos, que substancialmente não dão frutos. A luta se dá iniciada. CONCLUSÃO Uma breve análise dos fundamentos e razões da Ciência Geográfica permite uma conclusão bem consolidada: a Geografia lida diretamente com o Meio Ambiente. Tendo em 6 vista consolidação, chega-se a alguns pontos de intersecção das discussões que permite o levantamento alguns pontos fundamentais dessa co-relação, como a multidiciplinariedade intrínseca ao pensamento geográfico, a relevância do estudo da relação sociedade-natureza (que facilmente se confunde com toda a discussão ambientalista), e como esta ciência é formadora de opinião, sendo que esta opinião molda concepções, que por sua vez moldam o meio. THE GEOGRAPHICAL SCIENCE IN THE CONTEXT OF ENVIRONMENTAL DISCUSSION Nathan Zanzoni Itaborahy* Abstract: Nowadays, the discussion about environment is happening, and as never before, we need to carry out a review of the mode of production and knowledge. In front of all that challenge, The Geography has an important responsibility, as it is a science that, exclusively, can analyze the relationship society- nature, the biggest actors in that modern play. In fact, it is easy to mix up the terms "Environment" and "Geography”. For that reason, researches in those areas are so important. The relationship between those subjects gets attention for the multi-disciplinary inherent in the Geography and for its characteristic as a creator of opinion in the education. The scientific production in Geography comes to fortify that subject and to raise the professional's image. Key-words: Epistemology, Human Society, Environment, Geography, Relation societynature. REFERÊNCIAS BORTOLOZZI, A. & PEREZ FILHO, A. Diagnóstico da Educação Ambiental no ensino de Geografia. Cadernos de Pesquisa, n° 109, p. 145-171, março/ 2000. FERREIRA, Conceição C., SIMÕES, Natércia N. A evolução do pensamento geográfico. Lisboa, Gradiva, 1986. 140 p. MARANDOLA JR., Eduardo & HOGAN, Daniel J. Vulnerabilidades e riscos: entre Geografia e Demografia. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 14, 2004, 7 Caxambu. Anais... Campinas: ABEP, 2004. 24p. MARTINS, E. F.; GUIMARÃES, G. M. A. As Concepções de Natureza nos livros de Ciências.Pesquisa em Educação em Ciências, Goiás, Vol. 04, n. 2 ,2002. MAZZETTO, Carlos E. Silva . Lugar-hábitat e Lugar-mercadoria: territorialidades em tensão no domínio dos cerrados. In: Andréa Zhouri; Klemens Laschefski; Doralice Barros Pereira. (Org.). A Insustentável Leveza da Política Ambiental: desenvolvimento e conflitos socioambientais. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, v. 1, p. 217-244. MENDONÇA, F. Geografia socioambiental. TerraLivre, vol 16, 2002. PEREIRA, M. C. B. . Reforma Agrária e Meio Ambiente: interfaces da função social e ambiental da terra. GEOgraphia (UFF), v. VII, p. 93-111, 2005. PORTO-GONÇALVES, C. W. O latifúndio genético e a r-existência indígeno-campesina. GEOgraphia, Rio de Janeiro, ano IV, n.8, p.39-60, 2002. ______. Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: Contexto. 1989. SANTOS, M. A questão do meio ambiente: desafios para a construção de uma perspectiva transdiciplinar. 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