Universidade Estadual de Santa Cruz Reitor Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos Vice-reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro Pró-reitora de Graduação Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa Diretora do Departamento de Ciências da Educação Profª. Maria Olívia Lisboa Ministério da Educação Ficha Catalográfica S678 Sociologia e educação: módulo 1, volume 4/ Elaboração de conteúdo : Rogéria Martins e Elias Lins Guimarães.– [Ilhéus, BA] : UAB/UESC, [2009]. 121p. : il. Módulo: Pedagogia: Educação, História e Sociedade / EAD-UESC Inclui bibliografias. ISBN: 978-85-7455-183-8 1. Educação. 2. Sociologia. I. Martins, Rogéria. II. Guimarães, Elias Lins. III. Pedagogia: Educação, História e Sociedade. CDD 370.1 Coordenação Adjunta UAB – UESC Profª. Ms. Flaviana dos Santos Silva Coordenação do Curso de Licenciatura em Pedagogia (EAD) Profª. Ds. Maria Elizabete Souza Couto Elaboração de Conteúdo Profª. Ms. Rogéria Martins Prof. Dr. Elias Lins Guimarães Instrucional Design Profª. Ms. Marileide dos Santos de Olivera Profª. Ds. Gessilene Silveira Kanthack Revisão Profª. Ms. Aline de Santos Brito Nascimento Coordenação de Design Profª. Ms. Julianna Nascimento Torezani Diagramação Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro Ilustração e Capa Sheylla Tomás Silva EAD - UESC Profª. Ds. Maridalva de Souza Penteado PEDAGOGIA Coordenação UAB – UESC Sumário UNIDADE I O que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado..................11 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 13 2. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE............................................................................... 14 2.1 Socialização - relação do indivíduo com o meio................................................ 15 3. RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO................................................ 18 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 21 UNIDADE II Entrando no misterioso novo mundo: modernização e surgimento da sociologia... 23 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 25 2. CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA E COMO DISCIPLINA ACADÊMICA ........................................................................................... 26 2.1 A questão social e o surgimento da sociologia.................................................. 29 2.2 Afinal, para que serve a Sociologia?............................................................... 33 3. RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO................................................ 34 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 37 UNIDADE III Os clássicos da sociologia: Èmile Durkheim............................................................. 39 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 41 2. ÈMILE DURKHEIM - ELABORAÇÕES INICIAIS DO AUTOR: UM CONVITE À SOCIOLOGIA DA MORAL . .................................................................................................................. 42 3. O QUE ISSO TEM A VER COM A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO?.................................... 46 4. RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO................................................ 52 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 54 UNIDADE IV Os clássicos da sociologia: Max Weber................................................................... 57 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 59 2. WEBER: UMA VIAGEM NA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA............................................ 60 3. A CONTRIBUIÇÃO WEBERIANA PARA A EDUCAÇÃO................................................... 68 4. RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO................................................ 70 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 72 UNIDADE V Os clássicos da sociologia: Karl Marx...................................................................... 75 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 77 2. MARX - O MOTOR DA HISTÓRIA É A LUTA DE CLASSES............................................. 78 2.1 Marx e a educação....................................................................................... 82 3. RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO................................................ 85 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 88 UNIDADE VI Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus ....... 91 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 93 2. PIERRE BOURDIEU............................................................................................... 94 2.1 Bourdieu e a noção de habitus....................................................................... 98 3. RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO...............................................100 REFERÊNCIAS.....................................................................................................103 UNIDADE VII François Dubet – sociologia da experiência: uma nova versão da socialização escolar........................................................................................................................ 105 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................107 2. FRANÇOIS DUBET – SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA: UMA NOVA VERSÃO DA SOCIALIZAÇÃO ESCOLAR..........................................................................................108 2.1 Conceito de desinstitucionalização.................................................................109 2.2 Sociologia da experiência.............................................................................111 3. RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO...............................................113 REFERÊNCIAS.....................................................................................................116 CONCLUSÃO DOS AUTORES..................................................................................119 DISCIPLINA SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO Profª. Ms. Rogéria Martins Ementa Prof. Dr. Elias Lins Guimarães Formação e desenvolvimento do pensamento sociológico. Análise dos fundamentos da sociologia da educação, articulando-os com o cotidiano escolar, o fenômeno do fracasso escolar, as políticas públicas e suas implicações sociais no contexto da sociedade tecnológica. Carga Horária: 60 horas-aula unidade 1 Objetivo Meta O QUE PERMITE OS INDIVÍDUOS VIVEREM EM SOCIEDADE: FUTURO NO PASSADO Apresenta a problematização da relação indivíduo e sociedade, enfatizando as análises da teoria sociológica sobre a reflexão das sociedades capitalistas. Compreender a teorização sociológica sobre a estruturação da sociedade e o processo de socialização, o qual condiciona e assegura a vida societária. 1 Unidade UNIDADE I 1 INTRODUÇÃO Nesta primeira unidade, através de um enfoque ideográfico e analítico da teoria sociológica, você terá a oportunidade de perceber as relações e os contextos socioeconômicos e culturais que condicionam e possibilitam os indivíduos viverem em sociedade. UESC Pedagogia 13 Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado 2 O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE Os seres humanos são sociais, culturais e socializados. Faz parte de sua natureza viver na organização social. Neste sentido, todos nós nascemos em uma sociedade que desenvolve processos sociais, a exemplo da socialização, através dos quais aprendemos os costumes, as regras, as normas, as convenções sociais, os padrões sociais que vão, paulatinamente, FIGURA 1 - vamos socializar, vamos interagir? Fonte: http://www.moodle.ufba.br/course/view.php?id=8855 permitindo a interação com os demais membros e com as diversas instituições. Aos poucos, vamo-nos tornando membros, reconhecendo-nos como atores sociais e sendo reconhecidos pelos grupos e pela vida social como um todo. Você, aluno, vai perceber que diversas são as abordagem que afirmam a necessidade de os seres humanos viverem em sociedade, a exemplo do realismo (a sociedade tem uma existência concreta) e do nominalismo sociológico, (a sociedade é um mero nome), ou segundo sua U V SAIBA MAIS a FR K C AM Socialização é a perspectiva de internalização ou interiorização que cada indivíduo faz das normas, condutas e valores compartilhados com o seu meio social, através das instituições morais: família, escola, comunidade, o direito etc. É um processo social básico que possibilita ao indivíduo introjetar valores, normas, comportamentos, atitudes, condutas que são necessários e fundamentais para a convivência na sociedade. Repare que esse é um conceito que vai atravessar todo o trabalho. Observe bem o que cada autor vai dizer sobre esse conceito. Vários autores, na sociologia, defendem uma construção teórica a esse respeito. Para a educação, esse é um conceito crucial para compreender os fenômenos sociais, uma vez que a escola é uma instituição moral e oferece um tipo de socialização aos indivíduos. Naturalistas: A sociedade é instituída a partir da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação humana, cuja finalidade é obter os meios necessários para a consecução dos fins de sua existência, sejam estes morais, intelectuais ou técnicos. Seus expoentes são Aristóteles, São Tomas de Aquino e Cícero. Contratualistas: A sociedade é o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato tácito celebrado entre os homens. Neste sentido, nega-se o fundamento do impulso associativo natural humano e concebese ser a vontade humana a única justificativa para a existência da sociedade. As obras de Thomas Hobbes, em especial a que foi publicada em 1651, intitulada O Leviatã, constituíram o ponto de partida para as ideias contratualistas. 14 Módulo 1 origem, a partir das abordagens dos naturalistas e a dos contratualistas. A possibilidade de o ser humano estabelecer uma vivência longe de qualquer convívio parece impossível. Entretanto, deve-se entender, conforme Berger e Luckmann (2003), que a realidade da vida cotidiana está organizada em torno do “aqui” do corpo do indivíduo e do “agora” do seu presente. Assim, a vida cotidiana é um mundo intersubjetivo, isto é, um mundo em que os indivíduos participam, comunicam, inter-relacionam, interagem, colaboram com outros indivíduos e com as instituições sociais, possibilitando e assegurando uma frequente correspondência e interdependência entre os sentidos e significações I Volume 4 (produção humana de EAD 1 sinais – a dança, a linguagem) construídos socialmente. Unidade Antes da criação do campo disciplinar das Ciências Sociais, várias abordagens foram construídas ao longo da edificação do conhecimento sobre a formação da sociedade. Contudo, a sociologia nasce no bojo do empreendimento do mundo moderno para desenvolver um saber sistematizado da realidade das sociedades ocidentais capitalistas. O Estado Moderno exige, em razão de sua complexidade com a divisão Racionalização do pensamento é necessidade de se produzir um conhecimento estabelecer um conhecimento pautado em mais exato para conduzir suas decisões sobre o teórico e por uma metodologia apropriada processo de racionalização do pensamento. Esse modelo do pensamento racional tem uma natureza totalitária, diferente de outras técnicas racionais – mediadas por um corpo para verificação do objeto a ser investigado. O que faz as ciências sociais produzirem um conhecimento científico é a explicação racional do comportamento da sociedade, segundo sua validação teórica e metodológica. Isso formas de conhecimento que não tenham sido a diferencia do conhecimento científico, do produzidas, alguns chamam, dos estudos humanísticos. não submetidas aos princípios conhecimento do senso-comum ou, como epistemológicos (teoria) e às regras metodológicas (método). Reside aqui uma forma de conhecimento regida pelo modelo científico. Uma das preocupações entre os pensadores modernos é essa: estabelecer um elemento fundante da racionalidade científica mediada pela teoria e pelo método. Durante muito tempo, as ciências sociais ficaram submetidas a um modelo de explicação dos fenômenos sociais, do modelo das ciências naturais. Isso significa que as ideias presidiam de uma observação e experimentação, baseadas em explicações genéricas, universais sobre os fenômenos. Imagine você tentando explicar o fenômeno da violência por um único aspecto... Você estaria reduzindo a complexidade do fenômeno. Foi preciso reconhecer a especificidade do ser humano e sua distinção radical em relação à natureza. Por isso as ciências sociais, ao longo de sua construção do campo disciplinar, reivindicam um postulado próprio de produção de um conhecimento social, construindo seu próprio paradigma científico. 2.1 Socialização - relação do indivíduo com o meio Sendo o humano um ser eminentemente social, é UESC Pedagogia U V a FR K C AM 15 SAIBA MAIS social do trabalho e as relações produtivas, a Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado inerente a própria natureza humana a capacidade e a tendência de agrupar-se, de unir-se aos seus semelhantes e conhecer as estruturas socioeconômicas, as conveniências e convenções sociais que têm importância para si e para os outros, mantendo Cultura é a capacidade que o homem tem de transformar o meio e adequá-lo às suas necessidades. Está ligada à capacidade humana de trabalhar. Neste processo, geram produtos materiais (equipamentos, máquinas e utensílios) e intelectuais (ideias, valores, sistemas filosóficos, jurídicos, éticos, que orientam as normas e os comportamentos sociais). mútuas e constantes relações de colaboração e de dependência. Entretanto, apesar de a vida humana decorrer dessa capacidade de convivência, vale salientar que o ser humano ocupa um lugar diferenciado no reino animal. Ao inter-relacionar-se com o meio ambiente, transforma-o, adequando-o as suas necessidades, imprimindo, através do trabalho, sentido e significado ao seu fazer, criando cultura. A concepção marxista, que será apresentada e discutida adiante, é um exemplo de composição societária. Afirma que a sociedade é uma estrutura composta de partes interdependentes e contraditórias, em constante movimento e transformação, não se constituindo através de um processo evolutivo, mas mediante rupturas socioeconômicas, políticas e culturais no seu contexto. Autores clássicos da sociologia e também alguns mais contemporâneos vão se debruçar sobre a explicação dessa relação entre indivíduo e sociedade. Para Durkheim, por exemplo, a sociedade é um todo organizado, tal como os organismos vivos – veja a semelhança dos fenômenos da natureza com os Contradição entre forças produtivas e relações de produção. Por forças produtivas, entende-se a ação dos indivíduos sobre a natureza; grau de desenvolvimento da técnica e das tecnologias; processos de cooperação entre os indivíduos; modos de divisão do trabalho; habilidades; conhecimentos; instrumentos. Por relações de produção, compreende-se o modo como os homens se organizam para produzir e se inteirar com outros homens. fenômenos sociais que o autor coloca. Esse autor ainda está preso a um paradigma de explicação baseado no paradigma das ciências naturais. E o que vai estabelecer a relação entre a sociedade e os indivíduos é a coesão social, no sentido de fazer a sociedade funcionar. A sociedade não é um somatório de indivíduos porque ela tem regras próprias de funcionamento que se diferenciam das consciências individuais. Os indivíduos têm consciência própria, mas a consciência coletiva está acima de sua consciência individual e, por isso, a sociedade exerce uma coerção social sobre os indivíduos. Parsons é outro que chama atenção para essa relação entre indivíduo e sociedade. Segundo este autor, é a partir de um sistema que os indivíduos vão encontrar as respostas para suas necessidades, seja em relação ao sistema cultural, seja em relação ao social ou à personalidade. E os componentes para o funcionamento da sociedade são estabelecidos pelos papéis que cada um desempenha na sociedade. Por exemplo: você, 16 Módulo 1 I Volume 4 EAD 1 enquanto indivíduo, desempenha vários papéis na sociedade: Unidade papel de profissional, de pai, de filho etc. Costumam identificar estes autores, Durkheim e Parsons, como funcionalistas, pela organicidade que vislumbram na sociedade e nas relações sociais. Nobert Elias já trabalha com uma perspectiva mais diferenciada. Ele diz que a sociedade é formada por indivíduos e essa relação é associável. A relação é dinâmica, relacional, fundindo-se, refundindo-se, numa contínua integração social. Essa relação mútua, tensa e dinâmica entre os indivíduos configura o fenômeno da individualização. Como você está percebendo, a sociedade é um sistema complexo com várias possibilidades de compreensão. Como afirma Charon (2000), ela situa cada indivíduo e grupos, define, elabora e distribui posições sociais, atribui papéis e status sociais, assegura e suprime poder, privilégio e prestígio, construindo e distribuindo identidades e perspectivas. Entretanto, a existência humana é contraditória. As relações humanas são complexas demais e o mundo nos é apresentado em múltiplas realidades as quais, muitas A visão funcionalista ancora-se na analogia do corpo social a partir do corpo humano, ou seja, assim como este é constituindo de partes heterogêneas, diferentes, mas interdependentes, a sociedade é constituída de instituições com diversas e diferentes funções, que procuram manter o equilíbrio, a harmonia, a coesão social. Quando ocorre uma disfunção no corpo social, assim como no corpo humano, precisa ser imediatamente corrigida para que não comprometa o funcionamento e a organicidade do todo. vezes, requerem grande esforço para sua compreensão. As mesmas forças que trazem a individualização podem trazer a impessoalização. Da mesma forma, os conflitos entre indivíduo e sociedade estão sempre presentes. Procurando atender suas necessidades e anseios, os indivíduos unem-se, estabelecem laços de cooperação, relacionam-se por meio de vínculos das mais variadas naturezas: econômicos, políticos, culturais, familiares, religiosos etc. Na sociedade, um conjunto de normas de controle social (morais, religiosas, comportamentais, jurídicas) orienta condutas e comportamentos, possibilitando ao homem estabelecer formas de relações sociais. Contudo, também traz consigo a possibilidade da criação de inúmeras limitações e interdições que, em certos momentos e determinados lugares, são de tal modo numerosas e frequentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana. Nobert Elias chama esse processo de individualização uma dinâmica entre a sociedade e os indivíduos, que ocorre de diferentes formas em cada sociedade e em cada tempo histórico, como modos e ritmos diferenciados formados por modos particulares. Por isso, não é possível, segundo o autor, generalizar como em cada sociedade essa relação será produzida e constituída. A sociedade produz o indivíduo, na qual este se molda em contínua ação com outros indivíduos. Você deve perceber que a sociedade em si é dinâmica e constitui-se num contexto amplamente complexo e que, portanto, requer várias interpretações. Através do presente estudo, busca-se conceituá-la, explicar seu surgimento, sua UESC Pedagogia 17 Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado evolução e a classificação das diversas formas de sociedades que foram surgindo paulatinamente com a evolução humana. 3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO A existência humana passa por um acúmulo de experiências sociais que alimenta um ponto de vista científico, a observação e a explicação dos fenômenos sociais. Isso quer dizer que o homem é o objeto de indagações sociológicas, que foram manifestando consistência científica somente no mundo moderno, graças à expansão e à extensão dos princípios e do método da ciência. Segundo Inkeles (1980, p. 106), [...] essas são as condições a que qualquer unidade social deve satisfazer, a fim de que a vida se mantenha e continue através das gerações. As maneiras pelas quais essas exigências preliminares são satisfeitas representam o que é caracteristicamente ação social, comparada com o que é humano, mas não pode ser distinguido do comportamento de outros animais. Ao resolver seus problemas básicos de existência, o homem cria uma série de padrões de ação que são as formas básicas de organização social. Tais formas vão desde os costumes mais simples, tais como as que governam cumprimentos e despedidas, passam por unidades de complexidade, completude e tamanhos intermediários, tais como comunidades e culminam na sociedade autossuficiente. Como você pode perceber, o autor está analisando sobre a relação indivíduo e sociedade, na qual existe um padrão característico entre indivíduos que se assemelham e se aglutinam. Ressalta, ainda, que [...] onde quer que exista vida social, existe um padrão característico de repouso e recreação, algum desenvolvimento de artesanato, a arte, certa forma de religião que se exprime em um conjunto específico de idéia ou mitos, e freqüentemente, em ritual bem complexo (INKELES, 1980, p. 109). O processo social denominado socialização é uma discussão clássica na sociologia, mormente as pessoas são 18 Módulo 1 I Volume 4 EAD 1 sociais, ou seja, tendem à vida gregária, à associação humana Unidade e dela necessitam. No decorrer da vida, a pessoa humana aprende, introjeta, assimila os elementos socioculturais do seu meio, o que Simmel vai chamar de “ato de entrar em relação social” (SIMMEL apud BOUDON; BORRICAUD, 1993). Através da linguagem cinematográfica, a exemplo do filme “O enigma de Kaspar Hauser”, você entenderá como a pessoa humana, ao privar-se do convívio social, isto é, viver o isolamento social, encontra dificuldade para constituir a estrutura de sua personalidade, constituindo-se naquilo que os sociólogos denominam homo ferus – seria uma produção de um indivíduo não socializado, um homem criado isoladamente ao mundo social. 4 SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: PESQUISAR E REFLETIR VAMOS Você deverá ler os fragmentos de textos abaixo e, em seguida, responder as questões: O processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser membro da sociedade é designado pelo nome de socialização. O mesmo revela uma série de facetas diversas. Vista sob este ângulo, a socialização é a imposição de padrões sociais à conduta individual [...]. Conclui-se que na biografia do indivíduo a socialização, especialmente em sua fase inicial, constitui um fato que reveste dum tremendo poder de constrição e duma importância extraordinária [...]. Dependem não apenas das características individuais dos adultos que cuidam da criança, mas também dos vários grupamentos a que pertencem esses adultos. Assim, por exemplo, a natureza dos padrões de conduta aplicados a uma criança depende não somente do fato de ser a mesma um gustil ou um americano, mas também da circunstância de pertencer à classe média ou à classe operária dos Estados Unidos (MARTINS; FORACCHI, 1977, p. 204). Segundo, ainda, estes autores, [...] o caráter absoluto com que os padrões sociais atingem a criança resulta de dois fatores simples: o grande poder que os adultos exercem numa situação como aquela em que se encontra a criança UESC Pedagogia 19 Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado e a ignorância desta sobre a existência de padrões alternativos [...]. Só posteriormente a mesma descobre que existem alternativas fora desse mundo familiar, que o mundo de seus pais é relativo no tempo e no espaço e que padrões diferentes podem ser adotados. Só então o indivíduo toma conhecimento da relatividade dos padrões e dos mundos sociais (MARTINS; FORACCHI, 1977, p. 205). ATIVIDADES 1 - Estabeleça uma relação entre socialização e controle social. 2 - Descreva sobre a diferença dos conceitos de indivíduo e sociedade (procure num Dicionário de Sociologia) e apresente duas versões teóricas sobre esses conceitos. FILME RECOMENDADO O ENIGMA DE KASPAR HAUSER (Jeder für und Gott gegen alle) Direção: Werner Herzog. Elenco: Helmut Döring, Bruno S, Walter Landengast e outros. Ano de Produção: 1974. País de produção: Alemanha. Duração: 109 min. Trata-se do caso verídico de um adolescente que é encontrado, em 1828, no meio de uma praça em Nurenberg, trazendo consigo uma carta. Sujo e imóvel, chama a atenção dos transeuntes, até que as autoridades o recolhem. Herzog nos mostra como a experiência social da pessoa humana está condicionada ao contato, ao convívio, enfim, ao processo de socialização, condição fundamental para a construção das identidades psicológicas e social do ser humano. Capa de DVD do filme: O Enigma de Kaspar Hauser 20 Módulo 1 I Volume 4 EAD 1 Unidade REFERÊNCIAS BERGER, Peter; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2003. BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 1993. CARDOSO, F. H.; IANNI, O. Homem e Sociedade: leituras básicas de sociologia geral. São Paulo: Nacional, 1973. CHARON, Joel M. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 2000. INKELES, Alex. O que é Sociologia? São Paulo: Pioneira, 1980. MARTINS, Jose de Souza; FORACCHI, Marialice M. Sociologia e Sociedade. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1977. UESC Pedagogia 21 Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ unidade 2 Objetivo Meta ENTRANDO NO MISTERIOSO NOVO MUNDO: MODERNIZAÇÃO E SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA Problematiza o pensamento moderno, as transformações socioeconômicas, políticas e culturais advindas com a Revolução Industrial e a sedimentação do capitalismo nas sociedades ocidentais. Oportunizar ao aluno a compreensão do surgimento da sociologia no âmbito dos conflitos e das desigualdades sociais nas sociedades modernas. 2 Unidade UNIDADE II 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, você conhecerá a dinâmica do processo de modernização das sociedades ocidentais e a efetiva discussão sobre a produção do conhecimento racionalizado da reflexão sociológica. UESC Pedagogia 25 Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia 2 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA E COMO DISCIPLINA ACADÊMICA O termo modernização, segundo a Comissão Gulbenkian, é uma resposta intelectual às ciências nomotéticas, que a ciência moderna acabou desenvolvendo, em razão da impossibilidade de analisar as sociedades ocidentais pela generalização da explicação sobre as sociedades. Nomotéticas é um termo, no paradigma científico, voltado para explicar os fenômenos a partir de leis universais, que precede de uma explicação objetiva, lógica e genérica sobre fenômenos sociais. Essas universalidades estão ligadas, sobretudo, a uma perspectiva das sociedades ocidentais, porque esse era o conhecimento até então produzido na ciência moderna. Quando o sistema-mundo se lançou a descobertas de outras formas de organização societária (lembre-se dos países que se lançaram ao mar e se depararam com outros povos e outras sociedades...), identificou-se por sociedades não ocidentais. Ora, se as explicações das análises sobre as sociedades até então produzidas (lembre-se das formulações teóricas do período iluminista) foram constituídas para uma versão de organização societária ocidental, suas formulações teóricas não poderiam ser aplicadas em sociedades do tipo não ocidental. As leis gerais sobre a sociedade não serviriam como parâmetro para analisar essas novas sociedades. Chegava-se num impasse intelectual. Como explicar, no modelo científico, as análises das sociedades não ocidentais? A saída foi considerar que essas sociedades não ocidentais estavam em posição de atraso em relação às sociedades ocidentais e, por isso, deveriam processar uma dinâmica de modernização para alcançarem o status social das sociedades ocidentais. Modernização, então, seria essa capacidade de superação de um modelo societário para outro modelo. Exemplo: uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna; sociedade religiosa para uma sociedade secularizada; sociedade estagnada para uma sociedade dinâmica etc. Pode ser descrito como um estilo, uma maneira de pensar e de se situar no mundo, associado a uma forma de organização social desenvolvida na Europa a partir do século XVII. Como 26 Módulo 1 I Volume 4 EAD período histórico, não pode ser conceituado através de uma única concepção ou entendimento. Em verdade, vincula-se a um ideário ou visão de mundo que está relacionado ao projeto de mundo moderno, empreendido em diversos momentos ao longo Revolução Industrial, isto é, relacionado com o desenvolvimento do U V a FR K C AM capitalismo que, conforme Max Weber, é a SAIBA MAIS união da disciplina racional e do desejo do lucro. Caracteriza-se como uma tentativa de ruptura e superação do passado. Neste sentido, vamos descortinar esse misterioso mundo novo, fato este que irá ajudar você, aluno, a FIGURA 1 - Fonte: http://www.ensp.unl.pt/lgraca/history_cars_jakob_hi- compreender o pensamento moderno e o surgimento da Sociologia, ciência esta concebida por muitos como a ciência da crise. Considerando que qualquer processo de mudança implica em crise, observando que você está alimentando um movimento de rupturas, saindo de um modelo societário e em direção ao outro, isso implica numa sistematização dos conhecimentos produzidos. E onde essa sistematização irá se consolidar? ghres.jpg A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na Inglaterra, em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. Significou algo mais do que a introdução da máquina a vapor. Ela representou o triunfo da indústria capitalista e a divisão social do trabalho, que foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob o seu controle, transformando as relações sociais e dando uma complexidade ao corpo social na mediação entre força de trabalho por trabalhadores e meios de produção – fábricas e empresas. Nas instituições de ensino... O espírito do tempo moderno, da modernização, é, sem dúvida, expresso, por um lado, pelas profundas transformações sociais, econômicas e políticas que ocorreram, sobretudo, ligadas às mudanças no ritmo de vida dos indivíduos e das sociedades (a máquina como modelo para o ritmo de vida), ao processo de alienação do homem (tentativa de transformação do homem em ‘máquina’), a insurreição das classes trabalhadoras (organização em sindicatos e participação em revoluções); e, por outro, pela busca do desenvolvimento que, paulatinamente, consolidam a Época Moderna. O pensamento da época moderna colocou, no centro, a noção de indivíduo, o livre uso da razão e sua consequente autonomia em relação aos entraves que o impediam de escolher e de seguir por si próprio a sua trajetória, livre do dogmatismo UESC Pedagogia 27 Unidade da 2 da Idade Moderna e ligado às necessidades e consequências PARA CONHECER Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia Costumam ser definidos os seguintes fatores que contribuíram para a eclosão da Época Moderna: o desenvolvimento e a intensificação das descobertas científicas, assim como a autonomização e a fragmentação das ciências, a partir de métodos de observação e de experimentação sistematicamente conduzidos; o incremento e a aceleração dos processos de invenção técnica; a invenção da imprensa por Gutenberg (1440); os ideais críticos do livre exame, implementados pela Reforma e o movimento de reformulação do catolicismo, a partir do Concílio de Trento (1545-1549, 1551-1552, 1562-1563); o incremento das viagens marítimas que conduziram à descoberta dos povos do Novo Mundo, de que se destacam a descoberta da América, por Cristóvão Colombo (1492), e a descoberta do caminho marítimo para a Índia, por Vasco da Gama. religioso de uma sociedade religiosa e de uma predeterminação pelos extratos sociais – a definição social dos indivíduos a partir de sua origem social. É marcado pela ruptura com a tradição e ocorreu na medida em que os fundamentos e a legitimidade da experiência tradicional de pensar e organizar a vida em sociedade, bem como os valores e as normas, começaram a perder a sua natureza indiscutível e deixaram, por conseguinte, de se impor a todos com obrigatoriedade, ou seja, uma razão de ser. Perceba que, ao romper com a ordem e o pensamento medieval, fundamentados nos costumes e na tradição que ‘escondiam’ o mundo, a modernização, através do progresso e do desenvolvimento científico, procura eliminar as incertezas, a imprevisibilidade e a indeterminação. Bauman (1999) concebe que também o ser humano, neste movimento de ambivalência, foi tomado como objeto a ser moldado pela racionalidade científica e técnica e também pela racionalidade jurídica. A ambiguidade é inseparável de toda existência humana, VOCÊ SABIA? Segundo Bauman (2001), a modernização é a era em que, na vida social, impera a ideia da existência do indivíduo e do individualismo, assegurando uma significativa autonomia em relação à vida comunitária e social. Neste sentido, “a apresentação dos membros como indivíduos é a marca registrada da sociedade moderna” (p. 39). e, por isso mesmo, a modernização reúne, e não poderia deixar de reunir, eventos aparentemente opostos e contraditórios, pois é, ao mesmo tempo, passado e presente. Esse movimento é extremamente importante para que possamos compreender os fenômenos sociais da atualidade. Vivemos um grande dilema em relação aos contrastes e ambiguidades de nossa época que se expressam nos surpreendentes avanços científicos, tecnológicos, midiáticos, em contraste com as desigualdades e exclusão social de grande parte da população; na fragmentação dos grandes sistemas explicativos, a exemplo do fordismo, do marxismo, os quais, durante muito tempo, foram estruturantes da verdade e que, atualmente, não respondem satisfatoriamente às emergentes indagações no desafio de conviver com a diferença e a diversidade em contraposição ao monoculturalismo; com a construção de múltiplas identidades e com a desconstrução de modelos eurocêntricos, falocêntricos; com a ambiguidade constante 28 Módulo 1 I Volume 4 EAD entre o que consideramos novo, ancorado ou trazendo dentro dele parte do velho de difícil identificação e o velho anacrônico e ultrapassado. Conforme Eder (2002), o processo de racionalização da 2 sociedade moderna é resultante de uma dupla produção de Unidade cultura, isto é, de processos de aprendizagem que instituem práticas simbólicas que tentam mobilizar o universo de discurso, a fim de legitimar as distribuições de poder e posições e de práticas sociais que legitimam as diferenças de classes que institucionalizam seus interesses no ato de legitimar posições e deslegitimar outras. Neste sentido, concebe o autor que a referida racionalização é resultado das lutas entre as classes sociais e que estas lutas são dependentes dos processos coletivos de aprendizagem necessários para reproduzir as condições culturais de sua existência. Você, aluno, vai perceber que o resultado dessas ATENÇÃO Weber identifica a racionalidade do modo moderno em torno do universo simbólico, do discurso político e do discurso científico. mudanças, no âmbito do pensamento e das técnicas e tecnologias, condicionou a proliferação de diversas abordagens no plano do pensamento teórico. Nessa tentativa de compreender, explicar e interpretar as mudanças sociais nas sociedades modernas, é que buscamos conceitos e categorias de modo a facilitar a compreensão da realidade social. Enfim, quando olhamos para esse quadro, percebemos que, ao lado das mudanças edificantes, no sentido de trazerem avanços consideráveis para boa parte da população, nos deparamos com um conjunto de situações gravíssimas que exigem uma nova abordagem, um novo enfoque ou as nossas perspectivas futuras não serão nem um pouco acalentadoras. 2.1 A questão social e o surgimento da Sociologia A Sociologia surgiu precisamente como alternativa crítica a essa concepção de vida social. Ao longo do século XIX, os intelectuais franceses concordavam que a ordem social estava ameaçada de dissolução pelo crescimento nocivo do individualismo. Para eles, a sociedade encontrava-se à beira de um colapso. Na forma de resposta acadêmica para um desafio UESC Pedagogia 29 Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia da modernidade, configura-se como uma ciência que procura explicar a crise social vivenciada pelos indivíduos e pelas sociedades europeias. Concebe-se que a Sociologia é a ciência da crise e da ambivalência e que as mudanças e transformações nas estruturas produtivas e nas mentalidades sedimentaramse através da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. Os antecedentes intelectuais e materiais da Sociologia não têm consenso na literatura da área. Segundo o Relatório Gulbekian (1993), as Ciências Sociais nascem com a preocupação de analisar a realidade, as contradições produzidas pelos contradições capitalistas, na convergência entre as disciplinas de história, economia, sociologia, ciência política e antropologia. Já segundo o Relatório de GusGinsberg apud Bottomore (1981, p. 16), a Sociologia tem origem “na Filosofia Política, na Filosofia da História, nas teorias biológicas da revolução e nos movimentos para reforma social e política que julgaram necessário empreender levantamentos das condições sociais”. Na medida em que a sociedade se encontrava em processo de crise, o que implicava na estruturação de um contexto de anomia social, segundo a leitura de Durkheim (ausência de normas, desregramento, inobservância das normas), havia necessidade de se empreender uma observação científica da sociedade, ou seja, empreender análises, realizar diagnósticos possíveis e passíveis de funcionarem como ‘remédios’ para a cura dos males sociais. Para tanto, PARA REFLETIR Filosofia política - a influência dos pensadores políticos, a exemplo de Montesquieu. Conforme Bottomore (1981), as contribuições da Filosofia da História à Sociologia assentam-se no aspecto filosófico, as noções de progresso e desenvolvimento, e, no aspecto científico, os conceitos de períodos históricos e tipos sociais. Teorias biológicas da revolução - tentativa de explicar as fases da evolução social a partir da teoria biológica da evolução (evolucionismo social, darwinismo social). O levantamento social, segundo Bottomore, em si mesmo teve duas fontes: o problema social (a questão da pobreza), oriundo da compreensão de que, nas sociedades industriais, já não era um fenômeno natural, um castigo da natureza ou da providência divina, mas o resultado do processo excludente da natureza do capital e da exploração humana. A outra foi a convicção de que os métodos das Ciências Naturais poderiam ser aplicados aos estudos da problemática, dos fenômenos humanos e que estes poderiam ser medidos e classificados, como expressão do conhecimento. haveria que se descobrir as normas, as leis que regem a sociedade e concebê-la como um organismo vivo. A mudança social exigia organizar e racionalizar esse processo de mudança, impunha estudá-la e entender as regras societárias que lhe subjaziam. De 1500 a 1850, já havia muita produção do que se denominou chamar ciências sociais. Beccaria já falava em desvio social entre os fisiocratas franceses e iluministas. Nesse sentido, há a criação de múltiplas disciplinas das 30 Módulo 1 I Volume 4 EAD ciências sociais. Inicialmente as ciências sociais eram chamadas de ciências do estado, englobando a Economia, a História, a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política. Posteriormente, a economia e a história criaram autonomia própria em seus 2 campos disciplinares e as ciências sociais seguiram sua Unidade projeção, preocupadas com as consequências no processo de modernização das sociedades. Certamente você, aluno, está se inteirando de que, na concepção sociológica, existem diversas abordagens teóricometodológicas e diferentes caminhos para interpretação da realidade social. Plasmada nas concepções de autores clássicos, a abordagem sociológica, na busca da compreensão das maneiras como a sociedade se estrutura e funciona, pautou-se na concepção positivista-funcionalista (Auguste Comte, Émile Durkheim). Essas concepções tentam explicar a sociedade mediante uma abordagem sistêmica, ou seja, consideram que a sociedade é como um corpo humano e que todos os órgãos estão integrados. Através de uma fundamentação analíticoevolutiva, procura descobrir as normas, as leis que regem a sociedade, ensejando que a mesma encontre uma ordem para atingir o progresso. Ou seja, que os problemas advindos no interior da sociedade são desvios sociais que devem ser resolvidos a partir de uma superação para etapas sociais mais evoluídas. Essa perspectiva analítica, embora tenha sido muito difundida, é considerada atualmente muito polêmica. Primeiro, por trabalhar com uma abordagem evolucionista e, outra, por desconsiderar outros elementos que atuam na configuração social para além dos domínios das instituições sociais. Já a Sociologia compreensiva (Max Weber), ancorada na análise histórica e na compreensão qualitativa dos processos históricos e sociais, distingue o conhecimento científico dos julgamentos de valores, combinando explicação e compreensão. A explicação histórica estrutural-dialética (Karl Marx e Friederich Engels) defende a dinâmica dos modos de produção, as relações de poder e dominação e, especificamente, analisam o desenvolvimento do capitalismo, suas contradições e sua superação na perspectiva da construção da utopia marxista - a da superação do modelo de sociedade capitalista para a sociedade socialista. Utopia, na concepção marxista, é a possibilidade de se alcançar, através de transformações e mudanças estruturais, outra sociedade, mais justa, democrática, mais igualitária, sem a exploração do homem pelo homem e não simplesmente algo inatingível, irrealizável. Você deve notar que todo processo de construção de UESC Pedagogia 31 Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia conhecimento envolve interesses, racionalidades, ações e se reporta à realidade. Neste sentido, as concepções e as análises dos autores clássicos contribuíram, decisivamente, para a formação e desenvolvimento da Sociologia como ciência e disciplina acadêmica, bem como para a base de quase todas as abordagens sociológicas posteriores. No âmbito das ciências sociais, a Sociologia é relativamente uma ciência nova. Diante das crises e transformações sociais, econômicas, políticas e morais que grassavam nas sociedades europeias e com a emergência do capitalismo, enquanto modo de produção dominante, os homens começaram a postular algumas questões: por que, no capitalismo, que tinha como base o lucro, a riqueza, o progresso e o desenvolvimento, exacerbava-se a questão social, isto é, a questão da pobreza? De que forma as raízes das desigualdades entre os homens são afirmadas a partir da lógica da organização do trabalho e da produção capitalista? Como a racionalidade capitalista, pautada no lucro e na disciplina racional, constitui historicamente o capitalismo? Como poderiam ser interpretadas as modificações nas concepções de vida social que o capitalismo provocou? Bom, você deve estar notando que estavam plantados questionamentos sobre a estruturação da realidade social carente de uma explicação científica. O mundo estava desencantado pela ciência, como afirmava Weber, e já não se constituía uma explicação convincente aquela fatalista que imperou na estrutura mental da sociedade medieval: sejais pobres porque somente os pobres alcançam o reino do céu. Ou seja, a pregação do conformismo como uma estratégia de controle, de subjugação, de dominação de estamentos que detinham o poder político, econômico e religioso. Como você viu anteriormente, a Sociologia, nas concepções dos filósofos sociais (Auguste Comte, Spencer), dos filósofos e historiadores (Abade de Saint- Pierre, Giambattista Vico, Saint-Simon, Hegel, Ferguson, que ainda não poderiam ser considerados como cientistas sociais na acepção do termo que modernamente empregamos), pretendeu, segundo Bottomore (1981, p. 20-21), ser enciclopédia. Desejou dar conta de toda a realidade social, ocupar-se da totalidade da vida social do homem e da totalidade histórica, sob a influência da Filosofia da História, reforçada pela teoria biológica da 32 Módulo 1 I Volume 4 EAD evolução, evolucionista; ciência positiva de caráter idêntico ao das Ciências Naturais (modelada segundo a Física, a Biologia). E isto se “evidencia pela concepção amplamente difundida da sociedade como um organismo vivo”; e, por último, uma ciência 2 da nova sociedade industrial (“caráter ideológico e científico”), Unidade com um objeto formal de estudo, como todas as ciências na acepção positivista. 2.2 Afinal, para que serve a Sociologia? A Sociologia é uma disciplina científica e acadêmica que utiliza o cabedal teórico-metodológico para explicar de dentro de seu postulado epistemológico a realidade social. Através de uma técnica de explicação racional do pensamento social, tenta analisar o comportamento humano numa dada organização societária. Compreende que os seres humanos são seres sociais que estabelecem e vivenciam processos, padrões, conflitos sociais diferenciados e em tempos históricos definidos. FIGURA 2 - Interações Sociais. Fonte: UAB/UESC. Ilustração: Sheylla Tomás É lugar comum afirmar que a Sociologia tem como objeto de estudo a sociedade, fato este que não se constitui uma inverdade. Entretanto, vale ressaltar que as ciências denominadas, hoje, de humanas, sociais aplicadas, bem como aquelas que estabelecem interfaces com a vida social, se ocupam da problemática societária, da vida social. O fundamental é que você, aluno, perceba que, no desenvolvimento teórico e metodológico, os sociólogos criaram conceitos mais precisos e categorias de análises, bem como classificações mais adequadas para se interpretar os fenômenos sociológicos, que não devem ser entendidos como meros fatos sociais, mas concebidos dentro de um contorno, de uma moldura, que proporcionem explicações e análises indispensáveis para a compreensão, generalização e resolução de problemas que a vida social UESC Pedagogia 33 Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia apresenta e a sociedade demanda. Você, aluno, deve estar se perguntando: para que serve a Sociologia? Em que ela poderá contribuir para você enquanto indivíduo e para a compreensão da sociedade? Conforme Charon (2000, p. 220), devemos considerar o seguinte: • “ela prepara o indivíduo para diversas ocupações, ensinando técnicas de pesquisa social, dando ao estudante sensibilidade para os padrões das organizações e das interações...” • “a Sociologia pode ser aplicada à vida da pessoa. Ela ajuda a entender por que os que estão a sua volta atuam de determinadas maneiras; a compreender sua própria identidade, pensamento e ação”. • “a Sociologia é libertadora; é um passo em direção a termos mais controle sobre nossa vida... A perspectiva sociológica revela, no mínimo, ao indivíduo a cultura e a natureza da sociedade...” Enfim, você viu que a Sociologia é uma ciência que tem como objetivo o estudo dos fenômenos sociais, utilizando-se de métodos, técnicas e conceitos que possibilitam a compreensão e a interpretação do social. 3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO O texto elenca a construção do campo disciplinar da Sociologia como uma referência de explicação da complexidade das sociedades ocidentais. A exigência de um saber sistematizado e racionalizado sobre as contradições do sistema capitalista projetam uma necessidade de se compreender o comportamento humano no âmbito das relações societárias. O processo de modernização, como dinâmica comparativa entre as sociedades ocidentais e não ocidentais e a discussão do paradigma científico como modelo interpretativo na produção do conhecimento conduzem à necessidade de novas categorias analíticas para compreender a realidade. Nesse processo de mudança social, configuram-se novas formas de racionalização, 34 Módulo 1 I Volume 4 EAD lógicas de pensamento que empreendem a entender as regras que subjazem a estrutura das organizações societárias. Sociologia é uma disciplina de análise reflexiva que utiliza o cabedal teórico-metodológico para explicar, de dentro 2 de seu postulado epistemológico, a realidade social. Através de Unidade uma técnica de explicação racional do pensamento social, tenta analisar o comportamento humano numa dada organização societária. Compreende que os seres humanos são seres sociais que estabelecem e vivenciam processos, padrões, conflitos sociais diferenciados e em tempos históricos definidos. Seus instrumentos teóricos e metodológicos constituem uma compreensão da sociedade e ajudam a analisar o processo educativo, como prática das relações humanas, preenchidas de interesses, de incorporações culturais e de legados históricos, correspondentes a sua manifestação na contemporaneidade. 4 SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: PESQUISAR E REFLETIR? VAMOS O saber científico e o uso social são elementos-chave para os sociólogos, mediados pelo patrimônio teórico e metodológico e reconhecidos no campo das ciências sociais, uma vez que a sociologia corresponde a um processo histórico de construção social. Como afirma Canário (2005, p. 32), desde o início da modernidade, [...] a ação social tende a ser percebida como contida numa fronteira natural, definida pelas fronteiras de cada Estado Nacional. Esse tipo de percepção condiciona a forma de organizar o conhecimento do social, o que permite caracterizar as ciências sociais e a sociologia, em particular, como disciplinas ‘estadocêntricas’, correspondendo à visão simplificada de uma realidade em mutação rápida. Perceba que o conhecimento produzido pela Sociologia é um conhecimento metodologicamente controlado, ao observar um distanciamento com o senso comum, negativamente marcado pela familiaridade com o social. De acordo com Castel (2002, p. 33), UESC Pedagogia 35 Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia [...] a dificuldade de definir, com clareza e sem ambigüidades, o que é a sociologia, liga-se a uma outra questão que é complemento desta e, igualmente, incômoda: a de saber para que serve a sociologia. Como qualquer outra atividade científica, a sociologia retira a sua pertinência do modo como se inscreve e relaciona com o meio ambiente social em que está inserida. Neste sentido, todo o trabalho de investigação sociológica representa uma resposta, direta ou indireta, a uma ‘procura’ social. Esta procura não significa, de modo algum, circunscrever o trabalho dos sociólogos a uma função instrumental relativamente a encomendas do poder, significa que os sociólogos constroem os seus objetos científicos, a partir de interrogações que têm, como ponto de partida, interrogações mais gerais do ponto de vista social. Nesta perspectiva existem questões que, porque são percebidas como perturbadoras da vida social, apelam à atenção das pessoas comuns, bem como à dos sociólogos, e constituem-se como ‘configurações problemáticas’ para as quais o sociólogo, através do seu trabalho específico, procura construir uma resposta. Nesta mesma linha de pensamento, Bourdieu (1997, p. 49) concebe que [...] o primeiro ato de uma ciência social realmente científica consistirá em tomar como objeto de análise a construção social dos objetos de estudo propostos pelas instâncias estatais à sociologia – é o caso, hoje, por exemplo, da delinqüência, dos bairros da periferia, da droga. SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS PESQUISAR E REFLETIR? ATIVIDADE 1. A partir dos comentários acima, explique como esses fenômenos sociais podem ser considerados objeto da sociologia. 2. Considerando as mudanças sociais, como poderiam ser interpretadas as modificações nas concepções de vida social que o capitalismo provocou? 36 Módulo 1 I Volume 4 EAD FILME RECOMENDADO 2 DAENS - Um grito de justiça. Direção: Stinj Coninx. Elenco: Jan Decleir, Gerard Desarthe, Antje de Boeck e outros. Ano de Produção: 1994. País de Produção: Bélgica. Duração: 132 min. Unidade O filme relata o processo de industrialização no norte da Bélgica, especificamente a cidade de Aalst, na qual os trabalhadores da indústria têxtil vivenciam a exploração empreendida pelos capitalistas. Apresenta, de forma clara, as contradições entre o capital e trabalho, mostrando a utilização da força de trabalho das mulheres e de crianças no processo de produção. Essa situação começa a ser questionada com a chegada de Daens, padre revolucionário, que é transferido para a cidade e assume a igreja local, contribuindo o mesmo para uma luta por direitos políticos e sociais. REFERÊNCIAS Cartaz de divulgação do filme: DAENS - Um grito de justiça BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1999. BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (Org.). História da análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. CANÁRIO, R. O que é a escola? Um “olhar” sociológico. Lisboa: Porto Editora, 2005. CHARON, Joel M. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 2000. EDER, Klaus. A nova política de classes. Bauru: EDUSC, 2002. UESC Pedagogia 37 Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ unidade 3 Objetivo Meta OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: ÉMILE DURKHEIM Discussão das concepções teóricas de Durkheim e suas contribuições para a compreensão da educação. Possibilitar, ao aluno, uma reflexão sobre a teoria sociológica e suas perspectivas interpretativas da educação e da escola. 3 Unidade UNIDADE III 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, você estudará a contribuição da Sociologia moral de Durkheim, um dos autores da tríade dos clássicos da Sociologia que mais se debruçou sobre a questão da sociologia da educação. É reconhecido como precursor desse campo disciplinar e inaugura uma sociologia da educação, focada nos princípios morais. UESC Pedagogia 41 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim 2 ÉMILE DURKHEIM - ELABORAÇÕES INICIAIS DO AUTOR: UM CONVITE À SOCIOLOGIA DA MORAL PARA CONHECER Émile Émile Durkheim nasceu em Épinal, província da Lorena, em 15 de abril de 1858, e faleceu em Paris, em 15 de novembro de 1917. Foi o fundador da escola francesa de sociologia, sendo considerado um dos pais da sociologia. Ao delimitar um objeto para a sociologia, estruturou as bases científicas, teóricas e metodológicas para essa nova social. ciência Durkheim é o pioneiro da formulação da teoria sociológica e foi extremamente influenciado pelo cientificismo do século XIX. Nesse sentido, sua abordagem se preocupa em alçar a sociologia a um status de ciência, a partir, principalmente, do modelo de investigação científica das ciências naturais. Sua pretensão é apresentar a sociologia como uma ciência positiva, com um estudo FIGURA 1 - Émile Durkheim Fonte: http://commons.wikimedia.org/ wiki/File:Emile_Durkheim.jpg metódico, seguindo adequados de métodos investigação, separando a teoria da prática, ou seja, dotar a sociologia de uma sólida base empírica. Se para esses cientistas as leis da natureza são passíveis de constituição de conceitos universais, com leis próprias, para Durkheim, a sociedade, a partir de sua vida coletiva, também é passível de construir suas leis próprias, independente da vontade humana, o que ele chamaria de leis sociais. Uma das críticas que esse autor sofre é justamente por tentar comparar as ciências sociais com as ciências da natureza. As críticas observam que são objetos diferentes entre si, não podem usar os mesmos métodos de investigação e o mesmo grau de generalizações nas construções dos seus conceitos. Observe, você, aluno, que Durkheim é um dos precursores da Sociologia científica. Procurou, através das suas formulações teórico-metodológicas, empreender a observação científica da sociedade e de suas instituições. Oriundo de uma tradição filosófica positivista, fundamentou-se na razão humana e na sua capacidade de experimentação e observação como a maneira de se chegar à verdade científica. Para o autor, o método sociológico deveria possibilitar meios para atingir o conhecimento específico sobre como a sociedade funciona. Desta forma, o objetivo básico era descobrir as leis, as normas, a moral que regem a vida societária. Por outro lado, na teorização durkheimiana, encontra-se uma preocupação, estruturante em 42 Módulo 1 I Volume 4 EAD sua obra, que é a decomposição moral da sociedade. objeto de estudo e um método para a Sociologia, concebendo, conforme a leitura positivista, a sociedade como um organismo social que poderia ficar ‘doente’ e ‘sadio’. Com vista à possibilidade destes estados, a Sociologia, como instrumento e recurso científico, tinha por finalidade explicar os mecanismos de funcionamento da vida social e intervir na sua engrenagem e no seu funcionamento através da aplicação de ‘remédios’ que minorassem os males sociais. Você deve estar percebendo que a sociologia como ciência, de certa maneira, tinha uma função curativa, configurandose como uma ‘medicina social’. Na medida em que o mundo moderno consolidava uma redução da eficácia de determinadas instituições sociais que mantinham a ordem, o progresso moral e a coesão social, fato este que implicava no desaparecimento de U V a FR K C AM SAIBA MAIS Segundo a explicação de Durkheim, o estado doente é caracterizado pela existência de fatos que colocam em risco a harmonia, a coesão social, o consenso, as convenções e a convivência social, consequentemente o processo de evolução e coesão da sociedade. Ex. criminalidade. O estado sadio configura o estado de coesão e consenso social, harmonia, ou seja, implicados com a normalidade, com a conformidade social. valores, Durkheim estava preocupado com o papel e as funções das instituições sociais no contexto da sociedade, a exemplo da função social da educação, da religião, da família. Em verdade, sentia o autor a necessidade de assegurar uma nova moralidade consonante com as mudanças, transformações e crescimento industrial e econômico insurgentes nas sociedades europeias ocidentais, com vista ao não esgarçamento do tecido social, como afirmava. A comunhão de valores morais é, para Durkheim, a condição fundamental para sedimentar a construção da coesão social. Para ele, a moral, ou seja, conjunto de valores e juízos que orientam a vida social é a síntese que une os indivíduos à vida em grupo, na medida em que se materializam em regras e normas, as quais paulatinamente orientam a conduta social e vão condicionando a integração social, sem a qual as sociedades, as coletividades viveriam em desarmonia. A abordagem sociológica de Durkheim, como você já viu, parte da premissa básica de que só é possível compreender as relações entre os homens se compreendermos a sociedade que os obriga e a função das instituições e das representações sociais modeladas a partir de uma moral edificada socialmente. Vamos explicar melhor o caminho intelectual a que o autor nos conduz: segundo Durkheim, a Sociologia vai se voltar para a observação dos fenômenos sociais ou fatos UESC Pedagogia ATENÇÃO Numa perspectiva funcionalista, instituição social é a composição de padrões de conduta duradouros que cada sociedade constrói, a exemplo da família, da moeda, da herança, do Estado, da religião. 43 3 Em verdade, Durkheim preocupou-se em definir um Unidade Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim sociais dentro de um processo de construção coletiva de cada sociedade, promovida pelos sistemas de valores. Esses modos de agir influenciam e exercem uma coerção exterior para além da vontade do próprio indivíduo. Vamos exemplificar: você gostaria de usar determinado tipo de roupa que destoa do padrão, do modelo do seu grupo, contribuindo para o policiamento ostensivo das pessoas: da família, dos amigos, dos indivíduos em geral? Suas referências culturais se manifestam potencialmente nas suas aspirações pessoais. Outro exemplo: às vezes existem momentos da vida em que você pensa em agredir as pessoas que são próximas a você, mas se contém porque observa que, para além das sanções penais, sua moral também reconhece que sua liberdade está cerceada pela liberdade do outro. Você não pode fazer o que dá na sua cabeça... Isso porque você aprendeu, foi educado a agir conforme essa vontade da sociedade, não só pela escola, considerando que educação não é prerrogativa da escola. Qualquer ação individual que fuja desse consenso coletivo é considerada pelo autor como desvio social e deve sistematicamente ser punida para garantir a harmonia social. Aqui também o autor é alvo de consideráveis críticas, ao tomar como desvio as ações que não compactuam com a dada ordem social. Que ordem é essa? A quem se destina? A quem privilegia? Essa vontade é passível de questionamentos, não é? Para Durkheim, é imprescindível a existência de um consenso e essa conformidade é construída pela cooperação entre os indivíduos para uma vida social, ou o que ele também chama de solidariedade. Esse é um conceito importante do autor, na sua acepção de uma sociedade harmônica. O conceito de solidariedade está atrelado à divisão social do trabalho. Nessa divisão, o autor chama a atenção para as distinções sociais, nas sociedades, a partir de sua percepção com o trabalho. Uma sociedade com pouca divisão, uma sociedade não complexa, em que as relações de divisão do trabalho sejam mais simples, o autor observa um tipo de solidariedade entre os indivíduos – solidariedade mecânica. Essa solidariedade está baseada nas semelhanças entre os modos de trabalho do grupo social. Numa comunidade quilombola, por exemplo, o grupo realiza basicamente as mesmas tarefas de trabalho: caçam, plantam etc. 44 Módulo 1 I Volume 4 EAD Numa sociedade mais complexa, como a atual, por exemplo, em que as diferenciações no mundo do trabalho são altamente sofisticadas, infinitas, é o que ele vai chamar de solidariedade orgânica. Essa solidariedade não mais é dada pela semelhança, mas pela extrema diferenciação, pois o grau de divisão é otimizado nas sociedades contemporâneas, sobretudo com a radicalização do capitalismo. Você precisa se integrar ao outro porque, numa sociedade complexa, cada um realiza um tipo de trabalho, onde um vai depender do outro. 3 Para os que criticavam Durkheim com relação a sua Unidade perspectiva harmoniosa e funcionalista da sociedade, ele se defende a partir da consideração dessa diferenciação da sociedade – da existência de um tipo de cooperação na diferença, a partir da solidariedade orgânica, ou seja, ninguém pode acusá-lo de não reconhecer a existência dessa distinção. O autor considera que temos uma representação dos fatos sociais individualizada, mas as representações que se cristalizam são frutos de uma representação coletiva, pois nos detemos a experimentá-las a partir da convivência no nosso meio (familiar, comunidade, escola, trabalho...). Embora tenhamos nossas representações individuais (nossas convicções, opiniões, impressões), a de maior importância social são as representações coletivas, aquelas que gerimos a partir de nossa inserção na vida social. Inclusive porque as representações individuais sofrem influência dessas expressões de um coletivo, de um consenso moral e cultural. São as duas partes que temos: aquilo que elaboramos a partir de nossas experiências pessoais e aquilo que trazemos dos outros, a partir da nossa convivência em grupo. É claro que construímos nossas próprias percepções do mundo, mas a influência dessas referências externas tem um peso em nossa vida e vai variar muito o grau de inserção desses domínios, de uma sociedade para outra. Mesmo os mais resistentes, em determinadas situações, sucumbem às influências externas pela relação afetiva que temos com as coisas e com as pessoas. Pensa Durkheim assim. Para compreender melhor essa construção teórica, devese observar que, para Durkheim, o ser humano se constitui por duas partes: os estados mentais de sua vida pessoal: suas lembranças, memória, experiências dentro de uma dada UESC Pedagogia 45 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim sociedade e ou suas experiências com outras sociedades. A outra parte se constitui por um sistema de ideias e de hábitos que exprimem os diferentes grupos sociais, suas tradições culturais, nacionais, profissionais e referências religiosas. Isso não parece muito simples, não é? Pois é, carece de restaurar uma lógica cartesiana, por isso sua aproximação das ciências naturais, distanciando-se do objeto de estudo, para não se contaminar com as primeiras impressões ilusórias dos fenômenos. Então é necessário tratar os fenômenos como coisas, para se livrar das pré-noções, dos preconceitos etc. “Coisa”, para Durkheim, [...] é todo objeto de conhecimento que a inteligência humana não penetra de modo imediato, necessitando o auxílio da ciência. Tratar os fatos sociais como coisas, portanto, é uma postura intelectual, uma atitude moral (RODRIGUES, 2005 p. 20). 3 O QUE ISSO TEM A VER COM A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO? Bom, compreendendo esse percurso teórico inicial, você já deve ter observado que o autor considera que o indivíduo está dotado de uma formação pessoal construída pelos sistemas de valores. E, sendo a educação um sistema de valor, principalmente, dada sua importância para o processo de socialização dos indivíduos, o referido autor tem considerável importância na sociologia da educação. Veja suas elaborações teóricas sobre a educação e a sociologia: Sua concepção de educação está ligada a uma concepção de socialização, em que os adultos transferem e produzem conhecimentos com as crianças no seu processo de formação. Afinal, são os adultos que nos iniciam no processo de conhecimento do nosso meio. A primeira infância, por exemplo, é de total dependência. É aprender a ser membro da sociedade, e aprender a ser membro da sociedade é aprender o seu devido lugar nela. “Só assim é possível preservar a sociedade. Preservála inclusive de sua própria diferenciação” (RODRIGUES, 2005 p. 28). Para Durkheim, o conceito de educação assumiu várias nuances dentro do processo histórico da humanidade, de acordo 46 Módulo 1 I Volume 4 EAD com seu momento histórico e com as concepções culturais de cada sociedade. Essa construção nas estruturas sociais altera também as concepções educativas. Você está percebendo que a educação, na leitura durkheimiana, expressa uma doutrina pedagógica ancorada na relação entre a sociedade e o ser social. Ao nascermos, somos indivíduos e a vida social vai-nos transformando, através da socialização, em seres sociais. Eivado ainda de uma ideia de Hobbes, acredita Durkheim que o homem é, em sua natureza, 3 egoísta e, portanto, precisa ser preparado para a vida, cabendo Unidade à educação agregar ao ser humano uma natureza capaz de vida moral e social. Esta preparação se dá por uma ação educativa, realizada pelas instituições sociais, a exemplo da família, das práticas religiosas e, primordialmente, da escola. Vale ressaltar que a transformação do indivíduo em ser social é uma condição determinante para se viver em conformidade com os padrões de consenso social e impõe-se, no âmbito das relações societárias, coercitivamente, regulando a conduta e institucionalizando a moral social, permitindo, desta forma, uma maior integração do indivíduo e também uma forte identificação com o sistema social. Evidentemente, para Durkheim, a educação não é um elemento para a mudança social, senão uma prática social fundamental para a manutenção, a conservação e o funcionamento do sistema social. Abordando a educação como um fato social, que você já percebeu, a concepção durkheimiana rejeita a interpretação da psicologia. Por um lado, no intuito de empreender uma leitura eminentemente sociológica dos fatos sociais, ou seja, de demarcar um objeto formal para a Sociologia enquanto ciência, afirmando que era possível interpretar os fatos e a problemática social sob o viés da nova ciência que estava se configurando e, por outro, por conceber que os conteúdos da educação são formulações que dependem da consciência coletiva, adquirindo certa generalidade, consequentemente, independem das vontades individuais. Expressam, neste sentido, normas e valores desenvolvidos e institucionalizados, quer dizer, aceitos socialmente, por uma sociedade que, em determinados momentos históricos, adquirem natureza própria, tornando-se, assim, ‘coisas’ exteriores, coisas que estão fora dos indivíduos. Essas normas e valores que estão implicados na UESC Pedagogia 47 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim formação moral do ser social são transmitidos e assegurados U V a FR K C AM pela autoridade da família, e, principalmente, pelo educador, SAIBA MAIS Uma das bases da compreensão sociológica sobre a educação tradicional, conservadora, está assentada na teorização durkheimiana, a qual, mesmo depois de sofrer todo um processo de críticas e desconstrução, encontra-se ainda muito presente nas nossas escolas. que deve ser neutro e imparcial e transmissor da moral social. Ciente de que o ser social necessita dominar a si mesmo e impor limites aos seus desejos, sem os quais não poderia ser feliz, Durkheim enfatiza que o princípio moral deveria ser visto como sendo ações que perseguem fins impessoais e que se consolidam entre as consciências coletivas. Você está percebendo que a educação não tem, simplesmente, a função de proporcionar conhecimento e enaltecimento do espírito, mas assegurar a disciplina, o dever e a conformidade (evitar as contradições entre interesses individuais e coletivos), o pertencimento do ser social ao grupo (desenvolver no indivíduo a personalidade quanto ao desempenho de um papel social útil) e sua autonomia (transmitir as múltiplas e complexas aptidões que a vida social requer e não são transmitidas pela via hereditária). Os fins e funções sociais da educação estão ligados à integração do indivíduo à sociedade, constituindo o ser social em cada indivíduo. Conforme Durkheim (1997, p. 54), “a educação tem o objetivo superpor ao ser que somos ao nascer, individual e associal, um ser inteiramente novo que ultrapassa a natureza individual”. Partindo deste pressuposto, assegura Durkheim (1973, p. 47): [...] a criança só pode conhecer o dever através de seus pais e mestres. É preciso que estes sejam para ela a encarnação e a personificação do dever. Isto é, que a autoridade moral seja a qualidade fundamental do educador. A autoridade não é violenta, ela consiste em certa ascendência moral. Liberdade e autoridade não são termos excludentes, eles se implicam. A liberdade é filha da autoridade bem compreendida. Pois, ser livre não consiste em fazer aquilo que se tem vontade, e sim em se ser dono de si próprio, em saber agir segundo a razão e cumprir com o dever. E justamente a autoridade de mestre deve ser empregada em dotar a criança desse domínio sobre si mesma. Dentro de um mesmo período histórico, podemos observar diferentes concepções educativas, em razão das diferenças culturais. Uma concepção de educação numa sociedade militarizada, como a sociedade espartana, é muito diferente 48 Módulo 1 I Volume 4 EAD de uma sociedade política, como a sociedade ateniense, onde, para a primeira, a virtude da sociedade centra-se no corpo e na vitória. Por conseguinte, as instituições escolares estariam voltadas para a construção de uma sociedade guerreira, forte, obediente, marcada por uma educação militarizada. Já na sociedade ateniense, por exemplo, a virtude do homem está na sua retórica, no seu domínio de uma concepção política da sociedade, onde as instituições sociais fomentam um cabedal de instrução humanística, voltada para a construção de uma 3 sociedade política. Unidade Outro exemplo, a partir das evidências históricas, é FIGURA 2 - A Escola de Athenas. Afresco do pintor renacentista italiano Rafael Sanzio (1483-1520), retrata importantes pensadores da Antiguidade. Ao centro, caminhando estão Platão (esquerda) e Aristóteles (direita). Fonte: UAB/UESC considerar as diferenças dos modelos educativos de uma sociedade renascentista ou romana. A escola hoje, ainda que se tenha muita herança das práticas pedagógicas jesuíticas (memorização etc.), é muito diferente de uma de 1650, por exemplo. Para Durkheim, isso ocorre em razão de os sistemas educativos não serem produzidos por uma consciência individual, mas sim por uma consciência coletiva, geracional das sociedades, que muda, se altera, se transforma a partir da aquisição de conhecimentos. Pode-se UESC antever que a educação, Pedagogia na abordagem 49 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim durkheimiana, constitui um processo de transmissão e perpetuação cultural no sentido amplo do termo (valores, normas, atitudes, experiências, imagens, representações), cuja função principal é a reprodução do sistema social. Nesse sentido, Durkheim (1973, p. 52) afirma: Em resumo, longe de a educação ter por objeto único e principal o indivíduo e seus interesses, ela é antes de tudo o meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua própria existência. A sociedade só pode viver se dentre seus membros existe uma suficiente homogeneidade. A educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando desde cedo na alma da criança as semelhanças essenciais que a vida coletiva supõe. Durkheim comparou todos os sistemas educativos e analisou que não existe sistema educacional que não tenha duplo aspecto: uno e múltiplo. Para ele, o sistema educacional prioriza fixar as ideias nas consciências dos educandos a partir das concepções de dever, do direito e da natureza humana – é a construção coletiva dos sistemas de valores. Segundo o autor, a educação é a ação exercida por adultos sobre as gerações que ainda estão despreparadas para a vida. Busca impor às crianças determinados números de estados físicos e morais reclamados pela sociedade. O indivíduo se constitui, gradativamente, a partir da experiência que adquiriu ao longo do curso de sua vida. O ser social não nasce espontaneamente, ele é construído dentro de um processo, a partir da sua convivência pessoal e coletiva, num determinado sistema de valores, crenças e moral. Por isso os indivíduos respeitam as leis políticas e morais, a partir de um consenso coletivo, representado pelo reino social, ou seja, o reino moral, constituído por ideias e ideais coletivos. Toda vida social, para esse autor, se dá nesse meio moral. O autor concebe esse meio moral como uma confluência de sistemas de valores promovida pelos fenômenos sociais, a exemplo da religião, da moral, do direito, da economia e da educação. A educação assim satisfaz, antes de tudo, às necessidades sociais. Outra questão polêmica do autor é o entendimento da educação sob o viés da coercitividade. Essa percepção do autor é fruto da sua crença absoluta na possibilidade de 50 Módulo 1 I Volume 4 EAD uma conformidade social entre os indivíduos, uma vez que todos devem observar os sistemas de valores vigentes. Essa perspectiva teórica trabalha com a ideia de um funcionamento coeso e harmônico das sociedades, em que a educação será imprescindível para a garantia desse consensual coletivo. É o que alguns críticos chamam de visão funcionalista da sociedade, como você já viu na Unidade I. O caráter social da educação consiste na socialização metódica das novas gerações, distinguindo o ser individual e 3 a constituição dos estados mentais. A educação confunde-se Unidade com o próprio processo de socialização, considerando que o conhecimento cooperativo adquirido em uma geração é o que o homem foi capaz de acumular e encontrar meios de transmitir indefinidamente pelas gerações. Para Durkheim, a educação é o que distingue os homens de outros animais e o que faz superar-se diante dos seus próprios limites. O autor valoriza o papel do Estado para a educação, uma vez que a escola é uma instituição social com funções específicas, voltada para a preparação de atitudes das gerações futuras, para moldar, com ações práticas, as gerações mais recentes no convívio de uma dada sociedade. Embora Durkheim considere que, nas diferentes sociedades, houve formas diversas de processar a educação, ele considera que existe uma base comum entre as sociedades, pois não existe povo que não sistematize certo número de ideias, sentimentos e práticas que a educação devesse ressaltar. U V a FR K C AM SAIBA MAIS O Estado, para Durkheim, é uma instituição social voltada para a disciplina moral orientadora da conduta dos indivíduos na sociedade. Durkheim entendia a educação como uma ação diferente da ação da pedagogia. Para ele, a educação tem um caráter prático no processo de aprendizado e a segunda teria como foco principal as teorias relacionadas a uma atividade para processar a educação. Segundo o autor, os pedagogos clássicos consideravam o processo pedagógico a partir de uma concepção de um modelo único de educação, independente das condições sociais e históricas. Para ele, não há uma só sociedade, a educação é o processo da própria sociedade. É o meio pelo qual a sociedade se renova, perpetuando as condições de sua própria existência. Os fins da educação são fins sociais e os meios pelos quais esses fins podem ser plenamente atingidos devem ter, necessariamente, caráter social. Durkheim, hoje, seria resistente a uma percepção da educação enquanto uma UESC Pedagogia 51 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim mercadoria, por exemplo, uma vez que são lógicas distintas. Então, para quem comunga com a abordagem teórica de Durkheim, deve, antes de tudo, acreditar que é possível captar o objeto de estudo, distanciando-se dessa vivência social, e deve considerar a educação um sistema de valores que vai dar conta de socializar os indivíduos integralmente, de modo que ele trafegue nas redes sociais de forma harmônica. Vamos ao próprio autor para clarear isso: A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine (DURKHEIM, 1978, p. 28). Vale ressaltar que existem outras elaborações teóricas do autor, com categorias de análise importantes para a investigação sociológica; contudo, estamos limitando-nos a apresentar uma abordagem sucinta e inicial de Durkheim para a sociologia da educação. 4 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO A obra de Durkheim marca o nascimento da institucionalização da Sociologia clássica. Durkheim aconselhava o cientista a estudar os fatos sociais como coisas, fenômenos que lhe são exteriores. A generalidade de um fato social representava, para Durkheim, o consenso social e a vontade coletiva. A escola é uma instituição com funções específicas para uma educação moral. A sociedade, para Durkheim, é percebida como uma organização de funções, assegurando a sua integração através de diversos órgãos e instituições. Essa é uma perspectiva caracterizada por funcionalista, na qual a escola desempenha papel fulcral na integração social e na preservação da anomia. 52 Módulo 1 I Volume 4 EAD U V sociedade são um dos componentes básicos do caráter moral da educação. Sua obra tem como problemática principal a integração social, na qual ele encara essa integração como uma socialização metódica dos indivíduos. Esse seria o melhor caminho, segundo o autor, para evitar a anomia social. SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS PESQUISAR E REFLETIR? 5 6 REFERÊNCIAS SAIBA MAIS Anomia social é um termo usado por Durkheim, e também Robert Merton, para explicar a ausência do cumprimento das regras sociais, uma vez que se considera que toda sociedade é regulada por normas. Quando essas regras são dissolvidas, a sociedade encontra um estado de anomia, de desintegração de suas regras. ATIVIDADE Considere o que foi exposto acima e faça as seguintes atividades: 1. Apresente o duplo aspecto da educação concebido por Durkheim, identificando as funções sociais da educação. 2. Faça um comentário crítico sobre o conceito de educação do autor. FILME RECOMENDADO EM NOME DE DEUS Direção: Peter Mullan. Produção: Frances Higson. Elenco: Geraldine McEwan, Anne-Marie Duff, Dorothy Duffy, NoraJane Noone e EileenWalsh. Local de publicação: Inglaterra, Produtora: Miramax Films / Europa Filmes , 2002. DVD. O filme retrata o cotidiano de jovens e adolescentes submetidas a uma educação rígida e extremamente moralista sob os desígnios dogmáticos de um convento irlandês. A coerção exercida sobre essas jovens traça seus destinos, mas também apresenta uma reação a uma estrutura societária determinista, colocando em questão o determinismo social. Observe as capacidades individuais de superação e de submissão. Cartaz de divulgação do filme: EM NOME DE DEUS UESC Pedagogia 53 3 ações práticas as gerações mais recentes ao convívio de uma a FR K C AM Unidade As atitudes das gerações adultas para moldar com Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Editora Nacional, 1972. Janeiro: Martins Fontes, 1997. DURKHEIM, Emile. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1978. REFERÊNCIAS DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Rio de DURKHEIM, Emile. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. 6. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. 54 Módulo 1 I Volume 4 EAD Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ unidade 4 Objetivo Meta OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: MAX WEBER Discussão das concepções teóricas de Weber e suas contribuições para a compreensão da educação. Possibilitar ao aluno uma reflexão sobre a teoria sociológica e suas perspectivas interpretativas da educação e da escola. Unidade 4 UNIDADE IV 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, você terá a oportunidade de analisar a contribuição de Max Weber para a Sociologia da educação, a partir de seu método compreensivo. UESC Pedagogia 59 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber 2 WEBER: UMA COMPREENSIVA PARA CONHECER Maximillian Carl Emil Weber, intelectual alemão, jurista, economista, nasceu em Erfurt, em 21 de abril de 1864, e faleceu em Munique, em 14 de Junho de 1920. É considerado também como um dos fundadores da sociologia. Sua produção teórica e metodológica possibilitou a compreensão dos processos de racionalização e de dominação Figura 1 - Max Weber (1984) Fonte: http://commons.wikimedia. org/wiki/File:Max_Weber_1894.jpg do mundo moderno. VIAGEM A NA SOCIOLOGIA contribuição teórico- metodológica de Max Weber é de fundamental importância para a sedimentação da sociologia como ciência e para a compreensão e a interpretação dos valores aos quais os atores aderiram na vida societária e as obras Entretanto, que as construíram. contribuições abrangem não somente a sociologia, mas também algumas áreas de conhecimento como o Direito, a Antropologia, a Economia e a Pedagogia. Para Weber, o que predomina, na sociedade capitalista, além da divisão em classes sociais e do mercado, é a racionalização, o prestígio social e as associações de prestígio ou de status dentro das classes. Diferente de Durkheim, não tem a preocupação de comparar as ciências naturais e as ciências sociais, na medida em que considera que o método generalizante se afasta da realidade em algum sentido; até porque o autor não considera a existência de grandes diferenças lógicas entre essas ciências. A preocupação do autor é uma compreensão da realidade a partir de uma determinada subjetividade nas ações sociais. Para Weber, tanto o mundo natural como o mundo social são constituídos de fontes inesgotáveis de acontecimentos. Por conseguinte, a essência da sociologia não é encontrar leis gerais do comportamento social humano, é necessário, sim, compreender em seu contexto de sistema subjetivo e, assim, Ação social é a ação dotada de sentido e significado próprios que os atores sociais atribuem a sua conduta, correlacionando-os com o comportamento dos demais indivíduos. 60 compreender interpretando a ação social, explicando-a casualmente. Para explicitar melhor o que o autor chama de ação social, vamos a sua definição: [...] A ação que especificamente tem importância para sociologia compreensiva é, em particular, um comportamento que: 1. está relacionado ao sentido subjetivo pensado daquele que age com referência Módulo 1 I Volume 4 EAD ao comportamento de outros; 2. está co-determinado no seu decurso por esta referência significativa e, portanto, 3. pode ser explicado pela compreensão a partir deste sentido mental (subjetivamente) (WEBER, apud RODRIGUES, 2007, p. 54). É uma conduta humana em que o sujeito (ou sujeitos) da ação lhe atribui um sentido subjetivo, com um sentido dentro das relações sociais. Esse sentido deve ser compreendido, apreendido a partir de uma compreensão da realidade. Não é uma coisa em si, estanque, dotada de um conceitual universalizante, mas ela se determina a partir de uma compreensão que se aplica sobre ela. Exemplo: Você tem uma determinada compreensão mecanismos e construções subjetivos que dizem respeito aos sentidos e significados que determinadas culturas imprimem às relações sociais. Assim, cada cultura expressará um olhar sobre a ação social. Um exemplo mais fácil, então: quando você vai para a escola, está realizando uma ação social. O que o faz ir para a escola? É uma racionalidade que pode ter diversos motivos, ATENÇÃO A compreensão do sentido que os indivíduos dão a sua conduta é uma preocupação weberiana. Em verdade, Weber procurava explicar, compreender e interpretar o significado, as intenções e as motivações das condutas humanas. mas que implica num cálculo, num planejamento de sua vida na sociedade. Comumente, nem reparamos nisso, mas realizamos a ação social dentro de uma condensação de expectativas recíprocas ou como imposições mediante sanção. Ou seja, para Weber, o indivíduo leva em consideração, no momento de agir, o comportamento dos outros, e isso também implica em se relacionar com as normas sociais consolidadas vigentes, institucionalizadas, que vão interferir sobre o seu agir. Como você está percebendo, os comportamentos dos atores são interpretados como sendo dotados de intencionalidade, como sendo ações orientadas pelas ações de outros. Bom, daí você deve imaginar que, se é desse modo, cada um compreende a realidade de acordo com suas referências. Esse tipo de conclusão procura entender a realidade a partir de uma perspectiva positivista, ou seja, procura um grau de conceituação universalizante, a partir de conceitos gerais, leis gerais que se apliquem para o social, assim como leis gerais para as ciências da natureza. Você está começando a UESC Pedagogia 61 Unidade têm outras. A compreensão dessas ações deve observar 4 sobre casamentos monogâmicos e outras culturas orientais Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber perceber as distinções teóricas entre os autores? Weber nega que o conhecimento possa ser uma cópia ou reprodução total da realidade, pois a considera infinita e inesgotável. Para o autor, as ciências humanas centram seu interesse no ser humano e, nesse sentido, manterão uma relação com os conceitos gerais diferenciados das ciências naturais. Se, nas ciências naturais, as leis mais valiosas são as universalizantes, gerais, nas ciências humanas, para esse autor, as leis mais gerais são as mais vazias de compreensão, pois se afastam da realidade a ser compreendida, não se consegue captar o sentido que está mergulhado na subjetividade da ação. Concebia Weber que o processo histórico de racionalização empreendido pelos seres humanos sobre o mundo foi significativo para estruturação da ciência positiva e racional. Esta é uma condição fundamental para o constante progresso do conhecimento científico, na medida em que o conhecimento é uma busca incessante dos homens, ele é universal e infinito. Entretanto, para se alcançar a objetividade do conhecimento, a objetividade científica, há que se separar a ação prática da U V a FR K C AM SAIBA MAIS Concebia Weber que a ciência deveria se separar dos valores. Uma coisa é a esfera da política, in-fluenciada pela paixão, pelos valores; outra coisa seria o mundo da ciência, objetivo, imparcial, neutro em constante busca da verdade, Consequentemente, o cientista deveria estar pautado na neutralidade axiológica (neutralidade quanto aos valores). ação científica. Vamos para outro exemplo: Você trabalha. Ir ao trabalho é uma ação social que você realiza dentro de um conjunto de interações: ali estão colegas de trabalho, lógica laboral etc. e, é óbvio, com determinados interesses. Você inicialmente poderia dizer, lógico, preciso ganhar dinheiro para me manter, manter minha família... mas existem outros interesses em jogo nas relações de trabalho: o tipo de trabalho, as relações com a empresa, com os colegas, as condições laborais, sua necessidade de ocupar um espaço reconhecido, sua preocupação com o status social etc. Ou seja, você tem uma racionalidade que lhe permite calcular esses interesses e agir segundo suas projeções, dentro dessas outras realidades que cercam. Dependendo de sua racionalidade, você vai imprimir outras necessidades na sua ação inicial de trabalhar. Estudar mais, por exemplo, fazer um determinado curso... enfim, cada indivíduo se cerca de uma racionalidade para construir e reelaborar uma determinada ação social. Essa racionalidade é que deve ser captada pelo cientista para se descobrir o sentido da ação social. E, é claro, você pode agir de acordo com essa racionalidade que não poderá desprezar, das expectativas recíprocas no jogo de interação 62 Módulo 1 I Volume 4 EAD social, de acordo com as regras sociais, uma vez que existe uma ordem social. Para Weber, não é qualquer pessoa que pode apreender esse sentido da ação social. Somente o cientista social pode capturá-la de acordo com o método por ele realizado. Então essa história de ver a realidade, o fato social, como uma coisa é complicada..., pois aquilo que você vê numa determinada ação, não necessariamente é o mesmo que o outro vê num mesmo meio cultural... E pode até nem ser um fenômeno social, na medida em que eu não observo assim... Usando o mesmo exemplo do casamento, anteriormente aplicado, os sociedades casamentos ocidentais, poligâmicos 4 as são Unidade para considerados um absurdo, é uma traição para com as esposas. Em algumas sociedades orientais, isso não só não é considerado traição, mas pode ser considerado um valor, FIGURA 2 - Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=967285 uma virtude na sociedade. Isso ocorre porque a apreensão dessa realidade é dada a partir do sistema de valores (parece que aqui chegamos a uma aproximação com o pensamento de Durkheim...), esse mesmo sistema de valores que é construído socialmente nas diferentes realidades sociais e que é compartilhado e socializado de forma subjetiva, de diferentes formas, pelos indivíduos, conforme a interação, a aceitação desses valores por eles apreendidos. Weber vai dizer que essas distintas formas de captação dos sistemas de valores, assumindo significados diferentes nos indivíduos (exemplo do casamento), ocorrem em razão dos diferentes tipos de racionalidades que os indivíduos se constituem na absorção dessas referências culturais e sociais. Sendo assim, Weber também vai dizer que essa apreensão da realidade, para compreender uma determinada ação, precisa ser dotada de método, por isso não pode ser realizada por qualquer um. “O objeto do conhecimento social não se impõe já dado à análise, mas é constituído nela própria, através dos procedimentos metódicos do pesquisador” (COHN, 1979, p. 20). Qualquer que seja o método, o cientista deve fazer um corte UESC Pedagogia 63 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber do real para estabelecer seu objeto, não é possível observar o todo, pois ele não acredita nessa generalização dos fatos. Os critérios de definição do objeto estão atrelados à direção do interesse do cientista. Você deve estar se questionando então... ah, mas isso é um problema, pois essa relação com os valores, com esse interesse pessoal pode ser perigosa para a compreensão da realidade... como vamos conseguir apreender esse corte, na medida em que os valores são muito elásticos? Weber não tem problema com isso, pois acredita que é possível chegar a conclusões objetivas e válidas, mesmo tendo relação com valores, observando cuidadosamente esses interesses a seu distanciamento com o objeto. O que não pode ocorrer é julgamento de valor por parte do cientista, pois senão não temos uma compreensão da realidade, mas temos uma argumentação do senso-comum. Rodrigues (2007) oferece um resumo dessa arguição: A realidade é concebida por Weber, então, como encontro entre os homens e os valores aos quais eles se vinculam e os quais articulam de modos distintos no plano subjetivo. As ciências sociais (que prefere chamar de ciências da cultura) são vistas como a possibilidade de captação da interação entre os homens e valores no seio da vida cultural, isto é, a captação da ação social. Como a realidade é infinita, apenas um fragmento de cada vez pode ser objeto de conhecimento. O ‘todo’ (a sociedade) que supostamente pesaria sobre as partes (os indivíduos), para Weber, é literalmente incompreensível se for tratado como um todo, como uma coisa. Pela simples razão de que este todo reside na interação entre as partes e não é possível conhecer todas elas ao mesmo tempo, porque são muitas e porque se renovam a cada dia. Fluxos da mudança e cristalizações da permanência se combinam na vida social. A sociedade, para Weber, não é um bloco, é uma teia (p. 52-53). Ele entende que existem métodos para além do quantitativo (muito utilizado pelas ciências naturais como “garantia” de cientificidade), como o método qualitativo, em que a significação dos fenômenos vai ser realizada a partir dos valores científicos do cientista. O método utilizado pelo Weber é o método compreensivo, por isso é conhecido como pai da Sociologia Compreensiva. 64 Módulo 1 I Volume 4 EAD Ele inaugura um método em que tenta buscar apreender o sistema subjetivo dos sistemas de valores na interpretação da ação social. Neste sentido, não busca encontrar leis gerais do comportamento humano, mas sim a compreensão de uma determinada ação social e não usar essa interpretação como uma lei geral social. No seu método, Weber introduz elementos fortemente qualitativos, combinando explicação e compreensão. Segundo Cohn (1979), Unidade 4 Não se pode presumir que a realidade social empírica tomada como um todo tenha uma ordem interna e leis gerais capazes de impor a qualquer pesquisador a simples busca da fidelidade a ela. A tarefa do conhecimento científico consiste na ‘ordenação racional da realidade empírica’. Ou seja: não se trata de reproduzir em idéias uma ordem objetiva já dada, mas de atribuir uma ordem a aspectos selecionados daquilo que se apresenta à experiência como uma postura ativa do pesquisador, que não é concebido como um metódico registrador de ‘dados’, mas tampouco é mero veículo para a introdução de tais ou quais ‘visões do mundo’ nos resultados da pesquisa (p. 22). Weber está chamando atenção justamente para essa realidade empírica, ou seja, dessa circunstância histórica. A análise comparativa não opera, então, na busca do que seja comum a várias ou todas as configurações históricas, mas, pelo contrário, permitirá trazer à tona o que é peculiar a cada uma dessas realidades. Também estabelece a necessidade de criação de um tipo ideal para garantir esse corte na realidade. Esse tipo ideal seria um elemento para compreensão do objeto, mas que não pode ser encontrado na realidade. É uma espécie de modelo, um elemento meramente formal para a compreensão da realidade, baseado em um exagero unilateral da realidade. O tipo ideal é uma construção racional que nunca ou dificilmente vamos encontrar na realidade, já que seu conteúdo configura uma arbitrária realidade. Não se trata de uma média, mas de um exagero unilateral que, no entanto, permite uma comparação com a realidade. O tipo ideal não é encontrado empiricamente, mas confronta-se empiricamente com a realidade. Não é uma hipótese, mas uma orientação. Então ficou claro agora que a conclusão, que muitos UESC Pedagogia 65 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber costumam defender nas ciências humanas, não é passível de cientificidade, pois não se tem possibilidades de comprovações, é uma opinião equivocada... Primeiro, porque não existem só métodos quantitativos e, depois, porque esse status de cientificidade não é prerrogativa das ciências naturais e das leis gerais. A compreensão da realidade pode garantir conclusões e interpretações da realidade que sejam tão válidas para o social, quanto os conceitos universais das ciências naturais. Evidentemente, há que ficar claro que essas interpretações não são opiniões do cientista, são frutos de um exaustivo esforço teórico, dotado de método científico, que garante uma determinada conclusão sobre os fenômenos sociais. A questão de as sociedades contemporâneas terem uma inclinação para esse tipo de conclusão é outra questão... Com certeza, marcada por interesses que foram construídos historicamente e culturalmente. Esse é um bom debate, no qual não vamos entrar nesse momento. Voltando à questão da racionalidade das ações sociais, vamos aprofundar mais essa abordagem, pois ela tem contribuições importantes para a sociologia da educação, pode nos ajudar muito a compreender determinadas ações hoje na escola, afinal não é para isso que estamos mergulhando nesse campo disciplinar? Vamos explorá-lo mais. Weber, ao não aceitar essas ideias de uma sociedade coercitiva, que imprime nos indivíduos determinados comportamentos de forma externa e estanque, considera que a sociedade é uma fonte muito rica de diversas interações entre os indivíduos, onde se veiculam redes entre si e estabelecem conexões entre os indivíduos que devem ser recuperados pelos cientistas para compreender uma determinada realidade. A educação, então, não pode ser considerada um instrumento absoluto de transmissão de conhecimento, onde os indivíduos vão captar suas mensagens para aprender a ser um membro da sociedade. A educação é mais uma fonte inesgotável de possibilidades de interações que os indivíduos estabelecem, mediados por suas racionalidades. Essa racionalidade vai sendo elaborada por um complexo de valores ou razões outras, como o próprio interesse do indivíduo. Como você está percebendo, a Sociologia de Max Weber aponta para outra compreensão. A sociedade não é somente uma 66 Módulo 1 I Volume 4 EAD forma de controle e coerção do ator social que, ao não respeitar a ordem, ameaça a obediência dentro do padrão estrutural da mesma sociedade, de forma exterior e coercitiva que determina o comportamento dos indivíduos. Weber procura defender que é o resultado de inúmeras interações, resultantes das ações sociais agirem de um certo modo. A sociedade não é aquilo que pesa sobre os indivíduos, mas aquilo que se veicula entre eles Por outro lado, Max Weber é um dos autores clássicos que está preocupado com as explicações das diferenças sociais. Para tanto, analisa os processos de dominação nas sociedades, estabelecendo sistemas de classificações e estratificações sociais que advêm da ordem econômica, cultural, religiosa. Este conceito está relacionado à ideia de autoridade, constituindose um elemento fundamental para se analisar a estruturas das organizações e das instituições sociais, a exemplo do Estado. Dominação, na abordagem weberiana, é conceituada como a “possibilidade de encontrar obediência para ordens especificas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas” (WEBER, 1991, p. 139). Na sociedade capitalista, encontram-se vários tipos de dominação, entretanto há uma prevalência da dominação burocrática. A lógica da racionalidade, da obediência à lei e da institucionalização das pessoas a partir das regras vai se disseminando entre as pessoas a partir de determinados tipos de ações, como as ações racionais, orientadas por uma associação racional com fins, com cálculo, definida pela existência de regras gerais, compartilhadas entre os indivíduos e instituições, sejam as estabelecidas pelas convenções sociais, sejam as constituídas pelas sanções, como o direito. Mas também Weber considera as ações irracionais, orientadas pelos valores e pelos sentidos tradicionais, afetivos. Repare que o autor está tentando buscar o conteúdo do sentido reciprocamente compartilhado das ações desses indivíduos, buscando observar o grau de legitimidade, de validação dessas ações entre os indivíduos. Suas ações são realizadas dentro de um tipo de racionalidade, dentro de uma ordem social. No livro Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o PARA CONHECER Weber concebia o Estado como um ente violento que detém o monopólio da força, mas essa violência é legal (afeita aos limites da lei) e legitima (tem reconhecimento e assenta-se nas normas sociais e jurídicas). Precisando o conceito weberiano, Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio legítimo da força física dentro de um determinado território. autor vai trazer a ideia de tipificação social, apresentando uma ligação entre o desenvolvimento do capitalismo e a ascensão do protestantismo, mostrando como, nesse processo, surge uma nova ética, diferente da ascese católica. A ética protestante traz uma nova visão do mundo, porque atrela a salvação à ideia do trabalho, concepção significativa para o desenvolvimento capitalista. UESC Pedagogia 67 Unidade condicionam uma conduta plural que possibilita aos atores 4 sociais dos indivíduos, dotadas de sentido e significado, que Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber 3 A CONTRIBUIÇÃO EDUCAÇÃO WEBERIANA PARA A Você, aluno, vai perceber que Max Weber não elaborou de forma sistemática uma teoria pedagógica ou uma teoria da educação, como pretendeu Durkheim e quiçá Karl Marx. Porém, através dos conceitos construídos e da estruturação de categorias de análise, tornou-se possível formular uma compreensão, tanto do processo pedagógico, quanto do sistema educacional e de suas expectativas dentro da sociedade capitalista. Em verdade, o que pretendia Weber era tornar compreensíveis as potencialidades constitutivas da vida social, ao analisar as ações dos atores e as relações sociais que, no processo de interação, iam sendo construídas. Concebe o autor que a estrutura fornece as regras e os recursos envolvidos na atuação dos atores. Desta forma, na medida que a vida social foi se racionalizando, as estruturas de dominação se burocratizaram, pautando-se num direito racional e as empresas capitalistas, necessitando de empregados VOCÊ SABIA? que estivessem afeitos à lógica Algumas características são concebidas por Weber para entender a burocracia moderna, a exemplo das atividades regulares necessárias aos objetivos, de forma fixa como deveres oficiais; autoridade formal; com-petência, hierarquia fixa, dentre outras. Conforme Weber, o desencantamento do mundo é aquele que não é mais o mundo do sobrenatural e dos desígnios de Deus ou dos imperadores senão o mundo do império da lei e da razão. capitalista, reivindicam processos educativos que, paulatinamente, vão se transformando em uma educação racionalizada que possibilite o ”desencantamento do mundo e do homem” (livre dos dogmas religiosos), e obediente e observante ao direito racional. A ATENÇÃO racionalização e a burocratização Pedagogia do cultivo - o objetivo desta educação é preparar o homem culto para a camada social na qual vive, possibilitando-lhe comportamentos interiores (reflexibilidade) e exteriores (sociabilidade) na vida (WEBER, 1971). Quanto à pedagogia do treinamento, a educação tinha como objetivo desenvolver os talentos humanos, porém, com o crescimento da burocratização, da racionalização, da dominação política e das grandes corporações capitalistas privadas, a educação passa a ter o objetivo de formar um homem cada vez mais especializado, que busca apenas ascensão social, a riqueza material e o status privado não um homem que busque sua liberdade. 68 Módulo 1 alteraram radicalmente os modos de educar. Nesta perspectiva, a educação deve ter duas finalidades pedagógicas: transmitir conhecimento o especializado (pedagogia do cultivo) e preparar o aluno para uma conduta de vida (pedagogia do treinamento). I Volume 4 Você, aluno, deve ter EAD percebido que a educação para Weber é o modo pelo qual os homens são preparados para exercer as funções que a transformação causada pela racionalização e pela burocratização da vida lhes exigiu e colocou à disposição. Então, na medida em que ocorre a racionalização do mundo, historicamente, tornase um fator de estratificação social, um meio de distinção, de obtenção de honras, de poder e de prestígio social. Importância disso para educação é justamente a questão dessa racionalização nos mecanismos de acesso a bens materiais por parte dos indivíduos que se submetem à educação sistemática. Como os exemplos anteriores, submeter-se a um modelo educativo está constituindo uma ação social, dotada de uma racionalidade, que é fundamental para o Estado. Por 4 quê? Ora, o sentido da educação para Weber tem a ver com Unidade o sentido de uma burocratização que passa pela obediência à lei, pelo treinamento das pessoas para administrar as tarefas burocráticas do Estado. Segundo Rodrigues (2007), Weber privilegia dois aspectos: [...] de um lado, a constituição de um direito racional, um dos pilares do processo de racionalização da vida, e de outro, a constituição de uma administração racional em moldes burocráticos. O direito racional oferece as garantias contratuais e a codificação básica das relações de troca econômica e política que sustentam o capitalismo e o Estado moderno... (p. 64). Com essa ideia, o autor entende que a educação vai promover um cabedal de conteúdo e de disposições para a institucionalização dos indivíduos, de modo a conferir uma racionalidade dentro do sistema burocrático do Estado, extremamente conveniente à constituição do Estado moderno, à lógica capitalista. Repare que esse momento passa a ter um caráter especial no percurso teórico do autor, no dimensionamento das relações sociais. Esse novo processo dentro dos referenciais históricos é importante no processo de disseminação da formação do Estado, a partir das próprias lógicas dos indivíduos, regido e orientado por um funcionamento politicamente treinado e politicamente orientado com base em regulamentos racionais. A lógica capitalista também, nesse momento, exige uma racionalidade, pautada no lucro, no cálculo dos custos e benefícios e, é claro, vai precisar de uma UESC Pedagogia 69 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber máquina estatal voltada para dar conta desse sentido. A educação para Weber, então, diferente de Durkheim, tem outra concepção, não mais preocupada com a organicidade da sociedade, para compor um corpo harmônico social; mas, sobretudo, é palco das grandes diferenças, mediada pelo seu nível de racionalidade histórica, que permite visualizar um fator de estratificação social entre os indivíduos, onde o status, as honras, o poder e o dinheiro funcionam como elemento de mediação social e com extrema funcionalidade para despertar o carisma, para preparar o aluno para uma conduta de vida e transmitir um conhecimento especializado. Assim mesmo, com toda essa colocação a respeito da educação, Weber não se mostrava dos mais otimistas, porque entendia que o capitalismo reduzia tudo a uma lógica bem reduzida da acumulação do capital, inclusive, as disposições educacionais. 4 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO Para Weber, a sociedade não seria algo exterior e superior aos indivíduos, ela também pode ser compreendida a partir de um conjunto de ações individuais reciprocamente referidas. Por isso, define como objeto da sociologia a ação que os indivíduos constroem, orientando-se pela ação dos outros. Nem toda ação será social, mas apenas aquelas que expliquem alguma orientação significativa, visando outros indivíduos. Weber não analisa as regras e normas sociais como exteriores aos indivíduos. Pelo contrário, as normas e regras sociais são o resultado do conjunto de ações individuais, sendo que os agentes escolhem, o tempo todo, diferentes formas de conduta. A educação é o meio pelo qual ela prepara, na formação das crianças, as condições essenciais de sua própria existência. A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas não amadurecidas pela vida social. Quando se estuda historicamente a maneira pela qual se formaram e se desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização 70 Módulo 1 I Volume 4 EAD política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias. Toda e qualquer educação, a do rico e a do pobre, a que conduz às carreiras liberais, como a que prepara para as funções industriais, tem por objetivo fixar essas ideias na consciência dos educandos. Resulta que cada sociedade faz o homem certo ideal. SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS PESQUISAR E REFLETIR? 1. Levando em consideração a teoria social de Weber, discuta com colegas e descreva como a educação pode ser compreendida, observando a relação entre sujeito e racionalidade. 2. Estabeleça uma relação entre a burocratização do Estado e a educação nesse processo. FILME RECOMENDADO ELISABETH. Direção: Shekhar Kapur. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner e Alison Owen. Elenco: Cate Blanchett, Geofrey Rush, Christopher Eccleston, Joseph Fiennes, Richard Attenborough. Local de Publicação: Inglaterra/França. Produtora: 20th Century Fox Film Corporation. 2007. DVD A ambiência é o período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. O reinado de Elizabeth I foi fundamental para desintegração do feudalismo, onde a frágil monarquia medieval evoluiu na direção de uma monarquia centralizada e forte, contribuindo para a emergência do capitalismo. Uma fase de consolidação (entre os séculos XVI e XVII), onde a burocratização atinge seu apogeu, definindo o conceito moderno de Estado. Vale observar a consolidação do Estado e as mudanças a partir da constituição das relações econômicas. Cartaz de divulgação do filme: ELIZABETH - The golden age UESC Pedagogia 71 Unidade 4 ATIVIDADE Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber COHN, Gabriel (Org.). Sociologia: Weber. São Paulo: Ática, 1996. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13). Lamparina, 2007. WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. WEBER, M. Ética Protestante e o espírito capitalista. São REFERÊNCIAS RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: Paulo: Cia das Letras, 2004. WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB, 1991. 72 Módulo 1 I Volume 4 EAD Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ unidade 5 Objetivo Meta OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: KARL MARX Apresentação de conceitos chaves da Sociologia marxista. Possibilitar a compreensão dos processos históricos e epistemológicos dos principais conceitos marxistas para a análise da realidade social. Unidade 5 UNIDADE IV 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, você terá a oportunidade de conhecer um dos principais autores da Sociologia: Marx. Nessa etapa, os pressupostos históricos e conceituais da sociologia marxista são contemplados, bem como as relações entre sociologia e educação, mediadas pelos conceitos chaves do referido autor: classes, luta de classes, divisão do trabalho, fetichismo da mercadoria, mais-valia e alienação. UESC Pedagogia 77 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx 2 MARX - O MOTOR DA HISTÓRIA É A LUTA DE CLASSES PARA CONHECER Esse Marx foi um dos grandes pensadores do século XIX, filósofo alemão, autor de um legado teórico fátuo para a sociologia moderna. Segundo este autor, o capitalismo era o principal responsável pela desorientação humana. Nesse sentido, defendia a ideia de que a classe trabalhadora deveria unirse, a fim de derrubar os capitalistas, detentores dos meios de produção, e autor tem um grande destaque no pensamento ocidental do século XIX, e mais acentuadamente no séc. XX, ao promover um corte epistemológico dentro no das referências Ocidente. Ao teóricas mergulhar especificamente nos mecanismos estruturantes FIGURA 1 - Fonte: http:// upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/8/87/Karl_Marx.png aniquilar de vez a característica abusiva deste sistema. Para Marx, o sistema capitalista era o maior responsável pelas crises, que se viam cada vez mais intensificadas pelas grandes diferenças sociais. das sociedades capitalistas, procura esmiuçar as forças sociais emergentes nesse novo momento histórico, tentando compreender como essas forças são capazes de reproduzir a estrutura social e controlar as consciências dos homens. Com certeza, você já ouviu falar em Marx e conhece a fama de suas reflexões, sobretudo ao ganhar destaque por seu caráter dialógico que avança o pensamento sociológico, propriamente dito. É muito comum ouvir pessoas se declarando marxistas ou se referindo a uma abordagem marxista. Pela recorrência do uso do termo e para evitar os modismos de natureza pouco substancial, é interessante ler os textos marxistas e se aprofundar no debate. Para os desavisados, atenção e cuidado: Marx tem uma abordagem densa e acentuadamente de viés ATENÇÃO econômico, sobretudo pelas mudanças sociais que ele presenciou Segundo Marx, a estrutura social caracteriza-se como um sistema de relações sociais, no qual os grupos humanos se posicionam uns diante dos outros e todos diante da produção social, fato este que determina lugares diferenciados e hierarquizados de prestígio, poder e riqueza. A estrutura social comporta a infraestrutura e também a superestrutura (valores, ideologia, representações, na oportunidade da Revolução Industrial, principalmente a ideias, leis). contradições sociais estruturais, a partir das contradições das 78 partir das relações de trabalho. Marx combina duas vertentes de pensamento ao encarar a realidade e funda-se também dentro da reflexão filosófica. Essa vertente dupla do pensamento marxista – sociológico e filosófico, que converge muitos admiradores, se constitui, simultaneamente, por um pensamento um analítico, tanto na perspectiva sociológica, quanto no pensamento normativo, na perspectiva filosófica. O que seria isso, então? Repare. O viés sociológico tenta analisar a realidade com suas extremas Módulo 1 I Volume 4 EAD próprias condições materiais concretas entre as relações sociais de uma sociedade capitalista, segundo o autor. Nesse particular, Marx vai explicar essas contradições a partir da mercadoria e como a força de trabalho passa a ser também uma mercadoria. Segundo o autor, há uma tendência histórica nas relações sociais das coisas se mercantilizarem. O viés filosófico vai vislumbrar como a sociedade deveria ser, por isso normativa, projetando uma possibilidade para transformá-la. Essa distinção é importante na sociologia para PARA REFLETIR Segundo a concepção marxista, o desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é o único caminho de sua dissolução e do estabelecimento de uma nova forma. não se confundir pensamento militante com pensamento analítico. Nesse caminho que ele defende, ao tentar elucidar os civilização, procurando uma lei geral que rege a humanidade. A essa lei geral, ele definiu como as leis da história. Segundo Rodrigues (2007, p. 33), baseado nos manuscritos de Marx, essas leis seriam algo como o seguinte: O que move a história é a luta entre as classes sociais. Compreendendo esta chave, o investigador (e, principalmente, o transformador) social compreenderia a natureza da sociedade capitalista e a direção na qual ela estaria se transformando, graças a suas contradições internas (p. 33). [...] mas a divisão social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas [...]. Ela é também a expressão da existência de diferentes formas de propriedade no seio de uma dada sociedade num dado tempo histórico. As relações de propriedades, por sua vez, dizem respeito aos tipos de relações sociais predominantes numa sociedade a partir dos tipos de propriedades vigentes (p. 33). ATENÇÃO A estrutura social na abordagem marxista está em constante mudança e transformação. Dois fatores são fundamentais para isto: a contradição entre as formas produtivas e as relações de produção (propriedade privada e produção social) e o desenvolvimento da consciência crítica e revolucionária dos dominados. (consciência em si para consciência para si). Nessa acepção, Marx determina ainda três tempos históricos marcantes da história da humanidade, que caracteriza bem as forças produtivas desenvolvidas, onde os homens acabam constituindo relações sociais de produção. Os três modos de produção declarados por Marx são: o modo de produção escravista, na Antiguidade, em que se destaca a oposição entre as forças entre os escravos e os senhores de escravos, no regime de escravidão; o modo de produção UESC Pedagogia 79 5 referenciais históricos da humanidade, desde os primórdios da Unidade mecanismos da sociedade capitalista, Marx vai fundo nos Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx feudal, na Idade Média, mediado pela relação social de servidão, que opõe servos e senhores feudais; e o modo de produção capitalista, que promove a relação de assalariamento, opondo capitalistas e operários. Segundo Marx, seriam as diferentes formas dos modos de produção correspondentes às diferentes etapas do desenvolvimento das forças produtivas materiais que constituem as relações sociais ao longo do percurso histórico da humanidade. Essas oposições, identificadas pelos diferentes modos de produção, constituem classes sociais e, dentro de seu processo de tensionamento de ordem material, promovem os conflitos abertos entra as classes dominantes e as classes dominadas, promovendo o que Marx vai chamar de motor da história – a luta de classes. Um dos feitos mais marcantes dentro da produção intelectual desse autor está no livro O Capital, no qual ele mostra, com notória lucidez, que a riqueza da sociedade em que predomina o modo de produção capitalista é dada pelo acúmulo de mercadorias, da propriedade privada, dos meios de produção. Mas ele vai ressaltar que justamente a partir da mercadoria é que o império do capital se funde e se instaura. O fetiche da mercadoria denota uma específica relação social entre os próprios homens, à medida que assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas (MARX, 2002, p. 198). VOCÊ SABIA? Ressalta-se que, na concepção marxista, a classe que mantém a dominação no plano econômico também é aquela que procura efetivar a dominação no plano ideológico com sua moral, suas ideias, sua educação, sua formulação de direito. Desta maneira, o atributo fetichista do mundo das mercadorias provém do caráter social do trabalho. Ao produzirem-se mercadorias, produz-se também mais-valia. Esta surge em função da característica peculiar da força de trabalho, uma vez que ela produz um valor excedente ao valor que o trabalhador recebe ao vender sua força de trabalho. O sobretrabalho não pago – a mais-valia – é a parte do valor da mercadoria apropriada pelo capital. Ele é igual à diferença entre o valor da mercadoria e o valor da força de trabalho efetivamente pago pelo capital. Para Marx, todas as mercadorias têm um valor, no qual o valor de troca é simplesmente o seu reflexo. Esse valor representa o custo de produção de uma mercadoria à sociedade. Pelo fato de que a força de trabalho é a força motriz da produção, esse custo só pode ser medido pela quantidade de trabalho que foi devotada 80 Módulo 1 I Volume 4 EAD Sendo assim, o objetivo final e motivo maior que determina a organização do trabalho no modo de produção capitalista é a maior produção possível de mais-valia, isto é, a máxima exploração possível da força de trabalho. Assim, o processo de consumo da força de trabalho é, ao mesmo tempo, o processo de produção de mercadoria e de valor excedente (mais-valia). O consumo da força de trabalho, como o de qualquer outra mercadoria, realizase fora do mercado, fora da esfera da circulação A capacidade de trabalhar é o elemento edificante da condição humana, ou seja, nos transformamos em seres humanos pela capacidade de trabalhar, produzir cultura, sedimentar a transformação da natureza e adequá-la às nossas necessidades. Entretanto concebe Marx que esse caráter edificante, socializante e humanizante do trabalho, onde o indivíduo constrói-se na inter-relação com os demais indivíduos, desfazse sob a economia capitalista, pois o trabalho humano assume também o caráter de mercadoria que pode ser vendida e comprada. PARA REFLETIR à mercadoria. (MARX, 2002, p. 206). Nessa esfera, a da circulação ou da troca de mercadorias, é que a aparência do modo de produção capitalista parece ser absolutamente civilizada. Proprietários livres que dispõem de direitos iguais voluntariamente, por meio de contratos, equivalentes. O advento do contrato social, portanto, tem o papel de legitimar esta situação de suposta igualdade formal estabelecida por meio da aparente igualdade entre as partes, que exercem sua autonomia ao pactuar livremente, não por necessidade, mas por vontade, destituindo a relação real entre trabalhadores e capitalistas de sua conotação de submissão e exploração de partes concretamente diferentes (MARX, 2002). É nesse mecanismo de abstração que o processo de alienação se realiza. O capital despolitiza as forças antagônicas sociais e ATENÇÃO A teoria do valor é essencial para a compreensão da economia capitalista, e sua forma elementar - a mercadoria, incorpora um duplo caráter: valor de uso (utilidade) e valor de troca (pode ser trocada, vendida para comprar outra mercadoria). transforma tudo em mercadoria, inclusive a força de trabalho humano para a realização de uma mercadoria. Ele resgata a teoria do valor, onde a mercadoria se apresenta com suas contradições internas ao seu uso. Ao mesmo tempo, apresentase como um objeto útil, ora um valor de uso e ora como valor de troca. É nesse intercurso que o dinheiro passa a assumir uma posição especial nas sociedades capitalistas. A ele, todas as mercadorias são conduzidas para encontrar a expressão do seu valor. O dinheiro passa assumir um atributo quantitativo de valoração para o objeto. Em modos de produção anteriores, o comerciante podia UESC Pedagogia 81 Unidade 5 estabelecem mutuamente relações de troca enganosamente Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx comprar todas as mercadorias possíveis, mas não o trabalho como mercadoria. No capitalismo, ocorre uma inversão da relação original sujeito-objeto para uma relação objeto-sujeito, isto é, o ser humano passa a ser mero “fator de produção”. O capitalista paga ao produtor pela sua força de trabalho, pelo seu valor de troca, e sua utilização ocorre como a de qualquer mercadoria (MARX, 2002). Assim, o tempo do trabalhador lhe pertence e, como a força de trabalho, é inerente ao trabalhador; mas, durante uma parte do tempo, o trabalhador pertence ao capitalista. Como afirma Marx (1968), essa apropriação do trabalho pelo capital, nas condições técnicas herdadas de formas sociais anteriores, configurou uma situação de subsunção formal, não restando ao capital, para incremento da captação do trabalho excedente, senão recorrer ao alongamento da jornada de trabalho ou a intensificar o seu ritmo físico, extraindo, assim, a mais-valia absoluta. A base técnica inicialmente subsumida pela nova forma capitalista não foi um produto do seu próprio desenvolvimento, mas uma base temporária para o mesmo. 2.1 Marx e a educação Eis aqui outra diferença entre o pensamento de Marx e de Durkheim. Para o segundo autor, o poder de coerção da sociedade sobre os indivíduos aponta que as consciências individuais são constituídas, reguladas por uma consciência coletiva. Lembra? Marx, embora resgate essa acepção de dominação da sociedade sobre os indivíduos, observando o caráter coercitivo, reelabora-o, trabalhando sob outra perspectiva, a partir de uma noção de dominação, não realizado na sociedade de forma simétrica, na sociedade em geral, como prevê Durkheim, mas sim de uma parte da sociedade sobre a outra, ou, usando as palavras de Marx, do processo coercitivo de dominação de uma classe social sobre a outra. Essa é uma situação colocada historicamente no processo de luta de classes, na história dos homens. Como você já percebeu, a evolução histórica das sociedades humanas é resultante das lutas de classes e, segundo Ponce (1989, p. 169), “a educação é o processo mediante o qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na 82 Módulo 1 I Volume 4 EAD conduta das crianças as condições fundamentais da sua própria existência”. Entretanto, a educação não foi objeto de reflexão marxista, no sentido de uma formulação explícita sobre a teoria da educação nem os princípios teórico-metodológicos da relação ensino-aprendizagem. Contudo, sua análise sobre as relações sociais é muito explorada na educação pela aproximação de suas categorias conceituais para a abordagem das relações de exploração, alienação e a divisão do trabalho nas organizações sociais. E também na sua acepção de compreensão de sociedade. Nesta concepção, a educação deve ser compreendida como um produto das relações socioeconômicas, da estruturação da sociedade, sendo substratada nos meios pelos quais os seres humanos produzem a sua existência, isto é, pelo processo produtivo, pelo mundo do trabalho e no âmbito de suas relações. Como você percebeu, a sociedade capitalista encontra-se a educação, pautada numa formação unilateral, especializada e alienada constituir-se como um instrumento de manutenção da hierarquia social. No entanto, segundo Marx, uma das possibilidades de viabilizar a superação das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano encontrava-se na integração entre ensino e trabalho através da educação politécnica ou formação omnilateral, isto é, a educação intelectual (cultura geral), a educação corporal (desenvolvimento físico - ginástica e esporte) e a educação tecnológica (profissional polivalente técnico e científico). Por meio da politecnia, que deveria ser estendida a todos, o ser humano desenvolveria seus sentidos mais amplamente. Neste sentido, esta concepção de ensino está implicada na construção e reprodução do conhecimento como um legado humano, mas também como um recurso para a transformação da sociedade e do mundo. Como analisa Marx, na sua obra, Teses sobre Feuerbach, as mudanças das circunstâncias com a da atividade humana, a exemplo das práticas educativas, podem ser entendidas racionalmente como prática revolucionária. A conquista da consciência de classe (consciência política) do operariado de si e para si é dificultada justamente pelo fato de UESC Pedagogia Marx se remete a esse termo, a partir do conceito de trabalho, para explicar a necessidade de o homem harmonizar o tempo de trabalho com o tempo livre. Formação omnilateral é o mesmo que equilibrar a essência do trabalho, mas livre das suas acepções de dominação. Para ler mais, ver Manuscritos econômicos e filosóficos, de Marx e Engels. Conforme Marx, a educação politécnica deveria combinar o trabalho produtivo com a educação. Isto resultaria na elevação da classe operária acima das classes burguesas e aristocráticas. 83 Unidade 5 estruturada entre o capital e o trabalho, fato este que possibilita Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx terem sido privadas dos meios que lhe permitiriam construíla. Perceba, então, o caráter revolucionário e inovador da educação pautado em um projeto político e pedagógico, estando o mesmo implicado político e socialmente com os interesses dos excluídos, contribuindo para a mudança e transformação dos seres humanos e da realidade social. De resto, o papel estratégico da escola, dos educadores e intelectuais é decisivo para a construção da consciência de classe do oprimido, ajudando-o na edificação do seu ser, consequentemente, na formação de um indivíduo integralmente desenvolvido para o qual as funções sociais não passariam de formas diferentes e sucessivas de sua atividade. Compreender a escola como meio de produção e o conhecimento como ferramenta imaterial do processo de trabalho docente, assim como as novas características determinantes do processo de trabalho docente, pode levar a problematizar a tese de que esse trabalho está apenas formalmente subsumido ao capital. Isso numa perspectiva mais pessimista, uma vez que Marx acredita que, a partir da percepção dessas forças antagônicas na sociedade, o processo de luta de classes pode PARA REFLETIR ser constituído e a educação é vista como uma possibilidade Conforme Marx (1980), quanto menos for o tempo de formação profissional exigido por um trabalho, menos será o custo de produção do operário e mais baixo será o preço de seu trabalho, de seu salário. de emancipação com base na ruptura com a alienação dos indivíduos. Marx vê que a educação tem essa dupla possibilidade, tanto no ponto de vista da emancipação, quanto do ponto de vista da reprodução – na perpetuação da exploração de uma classe social sobre a outra, estrategicamente utilizada pelo capitalista como uma ideologia dominante. Ou seja, para Marx não há possibilidade de uma educação geral, única. Conforme o conteúdo de classe ao qual estiver exposta, ela pode ser uma educação para alienação ou uma educação para a emancipação (RODRIGUES, 2007). A lógica capitalista reestruturou a produção material e espiritual da sociedade, transformando também o espaço escolar, impondo sua forma organizativa através da divisão técnica e social do trabalho, da implementação de novas formas de contratação e da alteração do nível de subsunção dos trabalhadores da educação ao capital e/ou ao Estado. O grau de autonomia do professor vem tornando-se cada 84 Módulo 1 I Volume 4 EAD vez menor, seja pela ampliação de sua jornada de trabalho, seja pelo rebaixamento de seu nível de qualificação. A cristalização da imagem do professor como um sujeito pleno de autonomia, de exercício intelectual inalienável, oculta as origens históricas do processo de proletarização que tratamos. Para responder à questão de qual seria o nível de subsunção da categoria docente ao capital frente às transformações discutidas, recorre-se a algumas categorias de análise marxistas e construímos uma nova categoria – subsunção proto-real – para explicar o processo transitório entre a subsunção formal e real do trabalho docente ao capital. O trabalho docente vem sendo alvo de reestruturações, como procuramos demonstrar; no entanto, isso não quer dizer que será necessariamente suprimido por formas objetivadas de trabalho referentes ao ensino e à aprendizagem. Tal estudo, ao contrário de realizar previsões que apontem para o fim dessa forma de trabalho, visa compreender 5 o processo de proletarização em curso há algumas décadas, em especial sua configuração no atual padrão produtivo, para Unidade contribuir com a reflexão acerca da condição docente e, quiçá, utopicamente, para a busca de estratégias de sua valorização social. 3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO Marx estabelece relações entre o todo e as partes, entre o abstrato e o concreto e entre o lógico e o histórico, tanto no que se refere ao pensamento (as relações entre as categorias enquanto questão lógico-epistemológica), como no que se refere à realidade histórico-social (as relações entre as categorias enquanto questão relativa ao ser, isto é, questão ontológica). Na teoria marxista, o materialismo histórico tenta explicar a história das sociedades humanas, em todas as suas épocas, mediada pelas condições materiais, essencialmente econômicas. A sociedade é comparada a um edifício no qual as fundações, a infraestrutura, seriam representadas pelas forças econômicas, enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria as UESC Pedagogia 85 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx ideias, costumes, instituições (políticas, religiosas, jurídicas etc.). Marx desenvolveu uma perspectiva histórica e sociológica. A luta de classes é o motor das mudanças sociais. Perspectiva histórica centrada nas classes sociais. SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS PESQUISAR E REFLETIR? ATIVIDADE A casa não é destinada a morar, o tecido não é disposto a vestir, O pão ainda é destinado a alimentar: ele tem de dar lucro. Mas se a produção apenas é consumida, e não é também vendida Porque o salário dos produtores é muito baixo – quando é aumentado Já não vale mais a pena mandar produzir a mercadoria –, por que Alugar mãos? Elas têm de fazer coisas maiores no banco da fábrica Do que alimentar seu dono e os seus, se é que se quer que haja Lucro! Apenas: para onde com a mercadoria? A boa lógica diz: Lã e trigo, café e frutas e peixes e porcos, tudo junto É sacrificado ao fogo, a fim de aquentar o deus do lucro! Montanhas de maquinaria, ferramentas de exércitos em trabalho, Estaleiros, altos-fornos, lanifícios, minas e moinhos: Tudo quebrado e, para amolecer o deus do lucro, sacrificado! De fato, seu deus do lucro está tomado pela cegueira. As vítimas Ele não vê. [...] As leis da economia se revelam Como a lei da gravidade, quando a casa cai em estrondos Sobre as nossas cabeças. Em pânico, a burguesia atormentada Despedaça os próprios bens e desvaira com seus restos Pelo mundo afora em busca de novos e maiores mercados. (E pensando evitar a peste alguém apenas a carrega consigo, empestando Também os recantos onde se refugia!) Em novas e maiores crises A burguesia volta atônita a si. Mas os miseráveis, exércitos gigantes, Que ela, planejadamente, mas sem planos, arrasta consigo, Atirando-os a saunas e depois de volta a estradas geladas, Começam a entender que o mundo burguês tem seus dias contados Por se mostrar pequeno demais para comportar a riqueza que ele próprio criou.” (BRECHT, Bertolt. O manifesto: crítica marxista. São Paulo, n. 16, p. 116, mar. 2003.) 86 Módulo 1 I Volume 4 EAD Os versos anteriores fazem parte de um poema inacabado de Brecht (1898-1956) numa tentativa de versificar O manifesto do partido comunista de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels. A partir desse texto, responda: Unidade 5 1. Por que o processo de produção material está atrelado a um universo, nebuloso e místico, da lógica capitalista? 2. O que significa uma condição livre dos homens, submetidos ao controle consciente e planejado? 3. Segundo Marx, as ideias de reprodução e emancipação da educação são vertentes possíveis, dependendo do nível e estado do desenvolvimento capitalista. Explique essa questão a partir da relação educação e neoliberalismo. FILME RECOMENDADO TEMPOS MODERNOS. Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Tiny Sandford, Chester Conklin etc. Local de divulgação: EUA, Produtora: United Artists / Charles Chaplin Productions, 1936. DVD. Esse filme de Charles Charplin apresenta a imagem da sociedade capitalista, a partir do século XVIII, pós-revolução industrial, na Inglaterra. Nesse sentido, o filme retrata as relações sociais no mundo do trabalho e a busca desenfreada pelo lucro e pelos detentores dos meios de produção capitalista. É interessante observar, no filme, a centralidade do lucro, em detrimento da condição humana dos operários, e o processo de alienação da sociedade capitalista na divisão do trabalho. Cartaz de divulgação do filme: TEMPOS MODERNOS UESC Pedagogia 87 Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 1993. EDER, Klaus. A nova política de classes. Bauru: EDUSC, 2002. REFERÊNCIAS BRECHT, B. Crítica marxista. n. 16, São Paulo, Unicamp, 2003. MARX, K.; ENGELS, F. Introdução à crítica da economia política. São Paulo: Alfa-ômega, 1981. MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto Comunista. São Paulo: Alfa-ômega, 1981. MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. MARX, K. O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1932. v. 1. MARX. K. Trabalho Assalariado e Capital. São Paulo: Global, 1980. PONCE, A. Educação e luta de classe. 9. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989. RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. 6. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. 88 Módulo 1 I Volume 4 EAD Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ unidade 6 Objetivo Meta PIERRE BOURDIEU - E OS HORIZONTES DAS RELAÇÕES DE PODER E A NOÇÃO DE HABITUS Discute sobre dominação, poder e habitus em Pierre Bourdieu. Possibilitar a compreensão dos processos epistemológicos dos principais conceitos sociológicos de Bourdieu para a análise da realidade social. Unidade 6 UNIDADE VI 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, uma introdução da teoria sociológica de Bourdieu, você conhecerá os pressupostos conceituais de sua reflexão sobre o campo da educação a partir da noção de dominação e reprodução social. Também aprenderá o conceito de habitus, formulação conceitual basilar na teoria sociológica do referido autor, apropriada, aqui, para o contexto educativo. UESC Pedagogia 93 Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus 2 PIERRE BOURDIEU Esse autor traz uma contribuição importante nesse século XX, numa perspectiva mais contemporânea para análise sociológica. Inicialmente, retoma algumas considerações PARA CONHECER durkheimianas Pierre Bourdieu era filósofo de formação, foi professor na École de Sociologie du Collége de France. Dirigiu, também, o Centre d´études et de recherches, em Marselha. Foi considerado um dos grandes autores da sociologia na contemporaneidade e se debruçou aos estudos de vários temas sobre cultura, a comunicação e os modos de vida e da socialização. Particularmente no campo da educação, o referido filósofo é autor de uma sofisticada teoria sobre dominação e sobre as relações de reprodução no sistema de ensino. com relação à coerção social que o sistema exerce sobre os indivíduos, na tentativa de mostrar o peso da sociedade sobre as práticas educacionais – particularmente vai fazer uma demonstração nas relações de reprodução de poder no ambiente escolar, FIGURA 1 - Pierre Bourdieu Fonte: http://www.pointscommuns.com/img/ ecrivain/3005392.jpg como reflexo das relações de poder na sociedade. Por outro lado, ao abandonar essa tese estruturalista que o aproximou de Durkheim, ele se debruça sobre a teoria do habitus, ao reconhecer que os indivíduos fazem ativamente um conjunto dinâmico de disposições que envolvem a influência dos diversos ambientes sucessivamente encontrados na vida e que, não necessariamente, existe apenas um sistema que define suas condições de vida. As ideias de Bourdieu não se restringiram à Sociologia (Etnologia, Antropologia, Psicologia). Sua obra circula entre o trabalho empírico e a teoria social. Influenciou toda a geração de pensadores franceses e em outras partes do mundo. Foi inovador na forma do fazer sociológico. Diferentemente de muitos de seus contemporâneos, acreditava que a Sociologia possuía uma função crítica fundamental: desvelar os processos de funcionamento social, principalmente o poder. Propõe que a Sociologia seja uma ciência total. Para Bourdieu, a S ociologia era uma profissão e ao sociólogo cabia o aprofundamento dos métodos para analisar objetivamente (racionalmente) os fenômenos sociais. A versão analítica, com a qual Bourdieu se aproxima de Durkheim, se refere à ideia da submissão dos indivíduos 94 Módulo 1 I Volume 4 EAD U V ao controle das estruturas sociais, ou seja, os indivíduos estariam submetidos a uma ordem na qual se tornam meros reprodutores das orientações determinadas pela estrutura Bourdieu social e vigente. Claude Pierre Passeron exploram essa acepção no livro A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, publicada na década de 70. A ação social é movida por um processo pelo qual as estruturas se reproduzem e, nesse particular, a instituição escolar define que toda a ação pedagógica é, objetivamente, uma violência simbólica. Como assim? Vamos explicar melhor... Para o autor, os indivíduos estão mergulhados num profundo universo cultural que a SAIBA MAIS a FR K C AM O clássico estudo de Pierre Bourdieu e Claude Paserron analisa como as desigualdades sociais e de sucesso escolar devem ser atribuídas às diferenças culturais entre os grupos. Com base neste pressuposto, concebem que, no sistema social, existem mecanismos de distribuição desigual do “capital cultural” assente a disparidade do “ethos de classe”. Apesar disto, não parecem ser suficientes para explicar as desigualdades na escola, desde que, no seu contexto, encontram-se mecanismos propriamente escolares que asseguram a reprodução social através da perpetuação da “cultura dominante”. Toda ação pedagógica é, objetivamente, uma violência simbólica porque impõe, por um poder arbitrário, um determinado arbitrário cultural. Por arbitrário cultural, entendem os autores, a concepção cultural dos grupos e classes dominantes, que é imposta a toda a sociedade por meio do sistema de ensino. A ação pedagógica visa a inculcação do arbitrário cultural e deve durar certo tempo para que o educando naturalize seu conteúdo, ou seja, o tenha como verdade. A autoridade pedagógica surge, assim, como uma implicação necessária da ação pedagógica, afirmando-se como poder de violência simbólica de forma legítima que leva os ‘receptores pedagógicos’ não só reconhecerem a legitimidade dessa mesma autoridade, como também a legitimidade da informação transmitida, interiorizando-a. Desta forma, é garantida não só a reprodução cultural, como também a reprodução social. escola reproduz a partir de suas relações de poder, através de um 6 poder arbitrário. Nesse sentido, as estruturas determinam Unidade suas ações e os indivíduos não percebem essa dimensão de poder, ao iludir-se com os discursos dominantes, e pensam que suas ações são produções próprias: mas, na verdade, são reflexos de uma ação reproduzida. Essas relações de poder não são produzidas pelas classes subalternas, mas por classes dominantes e são impostas em toda a sociedade através do sistema de ensino. SAIBA MAIS Quais são os valores e normas que são transmitidos na escola? Segundo o autor, são os valores das classes dominantes, que rejeitam valores outros. Na perspectiva da dimensão educacional, o autor coloca a escola em evidência, apresentando como as dissimulações dos discursos de poder estão por trás da aparente neutralidade na escola, estão camuflados nos discursos escolares. Como se essa instituição não se reproduzisse, no seu interior, as relações de UESC Pedagogia U V a FR K C AM Discordam os autores do discurso dominante, segundo o qual a conquista de uma “escola para todos”, de caráter igualitário, tornaria possível a realização das potencialidades humanas. Concebem que, através de uma aparente neutralidade, a escola dissimula a reprodução das relações sociais e de poder vigentes, na medida em que, sob as aparências de critérios puramente escolares, estão critérios sociais de triagem e de seleção dos indivíduos que os possibilitam e condicionam a ocupar determinados papéis e postos na vida social. 95 Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus poder na própria sociedade. Bourdieu chama isso de a face oculta do sistema de ensino. Segundo Rodrigues (2007), [...] Bourdieu e Passeron negam qualquer possibilidade de romper com as estruturas de reprodução e afirmam que as teorias pedagógicas na verdade são cortina de fumaça que procura ocultar o poder reprodutor do sistema que está nas mãos dos educadores. Simplesmente não há saída: o sistema de ensino filtra os alunos sem que eles se dêem conta e, com isso, reproduz as relações vigentes. Não há possibilidade de mudança (p. 73). Percebe-se que o sistema de ensino ‘filtra’ os alunos sem que eles se deem conta e, com isso, reproduz as relações vigentes. Assim, não há possibilidade de mudança. Como você está percebendo, a educação passa a ser definida como reprodutora das desigualdades sociais mais gerais, as desigualdades entre as classes, procurando manter o predomínio da racionalidade instrumental e o ethos da classe dominante. O campo educacional passa a ser visto como um locus de disputa de poderes, entretanto com posições já delimitadas pelo capital cultural e econômico herdados por determinadas classes que procuram manter a estabilidade dos seus interesses e posições sociais. Em assim sendo, a depender das origens socioculturais dos jovens (‘gostos de classe’ e ‘estilos de vida’), havia uma determinação do seu desempenho escolar. Interrogando-se sobre as razões das desigualdades sociais nos sucessos escolares, Bourdieu e Passeron, apud Snyders (2005), mostram que não se trata de uma causalidade simples e linear que torna o sucesso dependente de um único fator em particular. Mas, sobretudo, do equilíbrio de um conjunto de fatos; as condições materiais, o nível cultural, as relações pessoais, a inserção cultural etc. A exemplo da posição profissional dos pais que importa num acesso a uma boa escola; a posição destacada de outros membros da família que proporcionam aos jovens outros meios de identificação; êxitos; representação e apoios. Por conseguinte, “as vantagens e desvantagens sociais atuam em cascata de efeitos cumulativos e precisamente por isto é muito difícil introduzir, por reforma parcial, qualquer modificação durável” (SNYDERS, 2005, p. 23). A ação de todo o sistema institucionalizado não é tão somente assegurar e transmitir conhecimento novo ao aluno, mas legitimar escolarmente aquilo que eles já adquiriram, pelo modo organizado e sistemático de inculcação, os ensinamentos, 96 Módulo 1 I Volume 4 EAD valores e ideologias que os envolveu e os apoiou desde o nascimento. Analisam ainda os autores que a cultura escolar assemelha-se muito com a cultura das classes privilegiadas em relação aos seus hábitos e aos ritos escolares, assimilando os alunos a contribuição da escola como uma herança que lhes é familiar, que faz parte do seu contexto. Entretanto, para outras classes é uma conquista muito cara, é um empreendimento de adaptação a um grupo social, uma reeducação, como aponta Snyders. Por isso, na escola, somente triunfam aqueles que já se beneficiaram antes do recinto escolar no meio familiar através dos hábitos e de certo estilo de vida. A educação, na compreensão dos autores, constitui-se um recurso, uma prática social, importante e imprescindível, para as estruturas de poder perpetuarem os seus sistemas simbólicos, assegurando, assim, a sua continuidade no poder e na dominação. Parece radical? Pois bem, o livro A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino em que o autor defende essa tese, durante muitos anos ficou fora das prateleiras. É que Bourdieu não permitiu mais sua publicação por reconhecer a radicalidade dessa acepção teórica, não que ela não seja atraente...Recentemente foi relançado. Essa tese é muito 6 explorada na educação à revelia do próprio autor, por encontrar Unidade ressonância na análise das desigualdades sociais no universo escolar. É uma boa discussão que vale ser considerada e por isso a resgatamos aqui como uma inquietação sociológica. O autor refez sua interpretação e não mais radicaliza a partir da impossibilidade de mudança, pois reconhece que os sujeitos também são protagonistas de uma ação, embora também sofram influência do sistema. Sua metodologia busca superar um dilema clássico da sociologia: o subjetivismo e o objetivismo, o clássico dualismo entre sociedade e indivíduo. Bourdieu tenta romper com essa questão: buscar romper com a experiência imediata. A ruptura não é facial, pois o pesquisador está inserido em diversas instituições. Bourdieu busca “desnaturalizar o mundo social”, propondo-se a desvelar as regras do jogo intelectual, político, dos pensadores, dos cientistas. UESC Pedagogia 97 Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus 2.1 Bourdieu e a noção de habitus A obra de Bourdieu tem várias influências do estruturalismo francês – Marx, a partir dessa concepção de reprodução de poder e também de Weber, numa compreensão mais alusiva do pensamento da racionalidade da ação social. É nesse particular que ele vai resgatar o conceito de habitus, As raízes do habitus encontram-se na noção aristotélica de hexis, elaborada na sua doutrina sobre virtude, significando um estado adquirido e firmemente estabelecido do caráter moral que orienta os nossos sentimentos e desejos numa situação e, como tal, a nossa conduta. que mereceu um esforço levado a cabo durante uma vida inteira (1972/1977; 1980/1990; 2000/2001). A noção de habitus é um conceito basilar formulado da teoria sociológica desse autor. O habitus reconhece que os agentes fazem ativamente o mundo social através do envolvimento de instrumentos incorporados de construção cognitiva; mas também afirma, contra o construtivismo, que estes instrumentos foram também eles próprios feitos pelo mundo social (BOURDIEU, 1992). Essa construção foi importante para a análise da educação ao recuperar tanto o ponto de vista da influência do sistema sobre os indivíduos, como também reconhecer o caráter da individualidade do sujeito. O autor rompe com a noção comum de divisão entre indivíduo e sociedade. Bourdieu retoma essa questão a partir da noção de habitus, tenta captar a interiorização da exterioridade e a exterioridade da interiorização. Vamos ver bem como é isso... O habitus fornece, ao mesmo tempo, um princípio de sociação (exterioridade) e de individuação (interiorização): sociação porque as nossas categorias de juízo e de ação, vindas da sociedade, são partilhadas por todos aqueles que foram submetidos a condições e condicionamentos sociais similares (assim podemos falar de habitus masculino, de habitus nacional, de habitus burguês etc.); individuação porque cada pessoa, ao ter uma trajetória e uma localização únicas no mundo, internaliza uma combinação incomparável de esquemas. Porque é simultaneamente estruturado (por meios sociais passados) e estruturante (de ações e representações presentes), o habitus opera como o “princípio não escolhido de todas as escolhas”, guiando ações que assumem o caráter sistemático de estratégias, mesmo que não sejam o resultado de intenção estratégica e sejam objetivamente orquestradas sem serem o produto da atividade organizadora de um maestro (BOURDIEU, 1992). Repare que o autor agora está considerando 98 Módulo 1 I Volume 4 EAD que a ação social não é apenas a reprodução de uma atividade realizada pelos indivíduos, mas também observa elementos de uma construção particular desenvolvida por cada indivíduo a partir dessa influência vivida e incorporada nas relações sociais. Sendo assim, o determinismo de antes é relativizado por esses elementos da individuação. Simultaneamente você sofre influência, mas produz influência também na sociedade, por isso a “interiorização da exterioridade”. Quando você internaliza os valores e as normas da sociedade a partir da influência da exterioridade – interioriza o exterior; e a “exterioridade da interiorização”, ou seja, as expressões na sociedade de sua influência, de sua ação social. Para esta filosofia da ação disposicional, o ator econômico não é o indivíduo egoísta e isolado da teoria neoclássica, uma máquina computadorizada que procura deliberadamente maximizar a utilidade na perseguição de objetivos claros; é antes um ser carnal, habitado pela necessidade histórica que se relaciona com o mundo através de uma relação opaca de cumplicidade ontológica e que está necessariamente ligado aos outros através de uma conivência implícita, sustentado por categorias partilhadas de percepção e de apreciação (BOURDIEU, 1992). Habitus resume não uma aptidão natural, mas social. Por 6 essa razão, é variável através do tempo, do lugar e, sobretudo, Unidade através das distribuições de poder; transferível para vários domínios de prática, o que explica a coerência que se verifica, por exemplo, entre vários domínios de consumo – na música, desporto, alimentação e mobília, mas também nas escolhas políticas e matrimoniais – no interior e entre indivíduos da mesma classe e que fundamenta os distintos estilos de vida (BOURDIEU, 1992). Nessa perspectiva, o habitus, assim adquirido pelo ator social, constitui uma matriz de percepção, de apreciação e de ação que se realiza em determinadas condições sociais. O habitus adquirido, incorporado pelo indivíduo nos diferentes espaços sociais em que transitou, constituirá, assim, uma matriz de percepção, apreciação e ação pela qual ele se guiará. Considerando que o habitus corresponde à incorporação do social no indivíduo, sob a forma de esquemas de pensamento e ação, é um conceito potente para pensar o processo de constituição das identidades sociais a partir das trajetórias de UESC Pedagogia 99 Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus vida e, nesse particular, compreender as diferenças sociais e os antagonismos no interior da escola. A noção de habitus corresponderia a uma atitude de conservação, unidade de análise significativa, através da qual seria possível compreender como uma determinada sociedade busca assegurar sua constância e se defender contra as mudanças sociais. A ação social parece ter-se deslocado, assim, dos agentes individuais da ação para associar-se aos sistemas de disposição e as posições sociais específicas que ela reflete. Seria um subproduto da luta simbólica pelo monopólio da nomeação legítima, isto é, pela produção do senso comum. A partir dos antagonismos sociais, o conflito seria entendido através dos movimentos no interior dos ordenamentos sociais em busca de maior legitimidade a um poder dominante. O habitus como uma noção que constrange os agentes a comportamentos específicos, exteriores aos próprios atores, produto que é do jogo de forças dentro de campos sociais onde se estruturam e se solidificam as práticas e as atitudes consideradas legítimas (de um social qualquer). O conflito para Bourdieu, deste modo, fundamenta uma ordem e um poder de dominação legítima, reajustando as práticas integrativas no seu interior. O conflito atualiza dentro dos campos sociais o que as distâncias e as ausências exprimem, recriando a dominação e o habitus formadores dos agentes sociais em uma ordem específica. A escola, então, enquanto um espaço de excelência das diferenças e dos antagonismos, palco de grandes conflitos, tem como possibilidade refletir-se a partir da noção de habitus, ao legitimar-se dentro de uma ordem específica, revendo suas relações de dominação. 3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO Você viu que o autor vai mostrando como a evolução da sociologia da educação consiste em realçar, do ponto de vista diacrônico, como foi mudando a concepção da relação entre escola e o social – a partir da sociologia clássica, consubstanciada na obra de Durkheim. A essa perspectiva funcionalista, eclode 100 Módulo 1 I Volume 4 EAD o período de transformações aceleradas do Estado capitalista e de seus sistemas educativos, como uma nova emergência da questão social, promovendo a reprodução das desigualdades e hierarquias sociais. As instituições de ensino, como uma instituição social nessa concepção de Estado, ainda sob o viés de uma perspectiva funcionalista, reproduzem, também no interior da escola, essas mesmas contradições do Estado capitalista, através do exercício de uma violência simbólica, convertendo atos de exclusão do próprio sistema econômico em atos dos próprios indivíduos. Essa Sociologia de denúncia, da reprodução, alimenta uma variante de um determinismo social, na medida em que uns dos seus mais importantes pontos de apoio teórico consistiram na “hipótese inverificável de uma vontade perversa escondida nas pregas da estrutura social” (CANÁRIO citado por DEROUET, 2000, p. 201). Embora muito aceita nos domínios disciplinares da educação, essa hipótese ganhou nova acepção do próprio autor, desmistificando a crença na objetividade da cultura escolar, reconhecendo que a socialização escolar não é absoluta. As transformações do Estado e dos sistemas educativos marcam uma nova concepção desenvolvida pelo autor, a partir da noção de habitus que ganha mais ressonância na interpretação 6 sociológica; o deslocamento do nível de análise e a renovação Unidade teórica estão estreitamente associadas à emergência de novos objetos de estudo, mais micro, a partir da “descoberta do aluno” e de outros atores educativos, para além de uma perspectiva, mais macro, das estruturas. SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS PESQUISAR E REFLETIR? UESC Pedagogia 101 Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus ATIVIDADES A partir do comentário abaixo, responda: O abandono, por vezes incontrolado, das preocupações relacionadas com a reprodução social e as desigualdades foi, em geral, feito à custa do abandono de uma intencionalidade crítica e da conseqüente valorização de uma sociologia mais pragmática que se aproxima mais da engenharia escolar do que da atividade de crítica global à escola e aos sistemas educativos (CANÁRIO citado por CORREIA, 1998, p. 37). 1. É possível identificar o conceito de reprodução social de Bourdieu? O que ele está chamando de reprodução escolar? 2. Explique a noção de habitus para educação. FILME RECOMENDADO ESCRITORES DA LIBERDADE. Direção: Richard LaGravenese Produção: Danny DeVito, Michael Shamberg, Stacey Sher Elenco: Patrick Dempsey, Will Morales, Anh Tuan Nguyen, Vanetta Smith, Imelda Staunton, Hilary Swank, Deance Wyatt. Local de divulgação: Alemanha e EUA Produtora: Paramount Pictures Brasil. 2007. DVD. O filme retrata o desafio da educação num contexto social adverso e os antagonismos entre os paradigmas institucionalizados das relações de poder no ambiente escolar. É interessante observar como os próprios educadores podem reproduzir as diferenças socioculturais, quando cristalizam suas perspectivas educativas para determinados grupos sociais marginalizados. O filme, no entanto, num viés otimista, apresenta a batalha frente às hostilidades das relações de autoridade, a partir de um movimento individualizado, das possibilidades de superação e de transformação de uma realidade dada. Cartaz de divulgação do filme: EM NOME DE DEUS 102 Módulo 1 I Volume 4 EAD REFERÊNCIAS BOURDIEU, P. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Lisboa: Veja, 1978. BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zoux, 2007. BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 1993. CANÁRIO, R. O que é a escola: um “olhar” sociológico. Porto: Porto Editora, 2005. SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classe. São Unidade 6 Paulo: Centauro, 2005. UESC Pedagogia 103 Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ unidade 7 Objetivo Meta FRANÇOIS DUBET – SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA: UMA NOVA VERSÃO DA SOCIALIZAÇÃO ESCOLAR Aborda os processos de socialização escolar. Possibilitar a apreensão dos processos de socialização, a partir de distintas abordagens sociológicas, para a compreensão das novas configurações sociais. UNIDADE VII 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, vamos discutir uma nova abordagem das análises sociológicas nas sociedades contemporâneas, trazendo uma nova versão dos processos de socialização. Essa concepção é importante para a compreensão das novas configurações sociais na atualidade, frente aos ditames da fragmentação das relações sociais. Você vai conhecer uma referência da sociologia contemporânea, François Dubet, para compreender o universo escolar hoje, com suas dinâmicas cada vez mais inquietantes do ponto de vista prático, na nova versão do conceito de socialização escolar. UESC 107 2 FRANÇOIS DUBET – SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA: UMA NOVA VERSÃO DA SOCIALIZAÇÃO ESCOLAR PARA CONHECER Dubet François Dubet é sociólogo francês, pesquisador do Centre d´Analyse et d´Intervention Sociologigues – CNRS (Centre des Hautes Études em Sciences Sociales). Professor titular e chefe do departamento de sociologia da Universidade de Bordeaux II e membro sênior do Institute Universitaire de France. Atualmente vem sendo bastante referenciado na educação por suas pesquisas ligadas a jovens e aos dilemas escolares das escolas contemporâneas francesas. francês, é um sociólogo da juventude estudioso marginalizada na França, que se debruçou a compreender os dilemas da escola francesa contemporânea a partir da complexidade de seu modelo escolar. Tem destaque no apresentado campo muito educacional ao propor uma nova abordagem sobre o processo de socialização. Ao considerar as mudanças nas sociedades contemporâneas, novas configurações desenham sociais qualquer também que seja desenvolvimento econômico países. parece Todavia, se o dos que a sociedade atual apresenta regulações bem FIGURA1 - François Dubet Fonte: http://www.mps-ufeo.org/galeries_ufeo/good/francois_dubet.jpg distintas e as instituições tradicionais (escola, família, religião etc.) parecem não serem capazes de enquadrar novas demandas que se colocam nessa sociedade atual. Nesse sentido, o autor tece críticas aos conceitos U V a FR K C AM SAIBA MAIS Abordagens construídas pelos autores clássicos como Durkheim e Noberto Elias, Ver: Elias, N. O Processo civilizatório (1994). tradicionais de socialização centrados na ideia de sua representação como interiorização pelos indivíduos da realidade social, de suas regras e costumes. Sua reflexão se encaminha no sentido de analisar as instituições tradicionais como incapazes de enquadrar essas novas demandas, pois esvaziaram sua significação e não cumprem mais o papel de controle social. O autor tenta abordar a fragmentação dos papéis conferidos pelas instituições sociais clássicas, na formação dos indivíduos, alimentando um processo de desinstitucionalização das instituições sociais morais: família, escola, igreja etc. Tenta apresentar essa nova configuração a partir do complexo modelo escolar francês. 108 EAD 2.1 Conceito de desinstitucionalização Dubet (1998) apresenta o conceito de desinstitucionalização, em contrapartida da tradição clássica, do conceito de socialização, no qual Parsons (1970) já identificava nas instituições o conjunto de papéis e valores a serem projetados nos indivíduos a partir das instituições sociais (família, escola, igreja, comunidade, o direito etc). Segundo Elias (1994), o processo de civilização foi tomado como referência nas sociedades modernas a partir da construção dessa internalização dos princípios gerais que as instituições consolidam no sujeito. Essa internalização de normas e valores se constrói de forma autônoma de ação e julgamento de si e de outros, pois os indivíduos passam a se reconhecer, inicialmente, na sua relação com o outro. A representação da escola, por exemplo, corresponde a esse princípio de socialização, por conta da significância de seus valores e de suas disciplinas. Baseado no modelo ATENÇÃO Parsosn e Elias apresentam uma versão clássica no processo de socialização, a partir da ideia de internalização de papéis, produzidos a partir da interiorização de normas e valores, visando a coesão do sistema. escolar francês, o autor tem como referência de socialização a identificação do aluno ao mestre, subsidiada por uma prática pedagógica. Assim sendo, cada modelo de instituição escolar objetiva uma orientação de formação de pessoas. A saber: escola elementar, formação de cidadãos franceses; escola profissional, formação de operários; e, por fim, os liceus clássicos, formação de homens de cultura. Essas classificações são os segmentos de ensino do modelo francês. Essa concepção de representação do outro, através dos valores universais na construção da personalidade do indivíduo, também cabe para explicar as instituições como a família e a religião. Essa institucionalização dos valores e normas da família é consolidada a partir de uma dada definição dos papéis sexuais e por faixa etária a serem compartilhados pelos membros dessa instituição e, na família moderna, além da própria definição dos papéis sociais conferidos, tem o postulado da adequação dos sentimentos. Para a religião, a igreja consolida-se a partir do referencial da fé e do dogma, nas relações entre os indivíduos e as composições sociais na sociedade. A noção contida na sociologia clássica de que a realidade social é um sistema integrado aos conceitos de modernidade e as categorias Estado-nação e a divisão do trabalho não condizem UESC 109 com as mudanças verificadas na contemporaneidade, segundo Dubet. A unidade e a identidade do sujeito não são mais um dado. As relações e as dinâmicas suscitadas por essas lógicas é que constroem a subjetividade do ator social e sua reflexividade nesse contexto. Assim, o indivíduo social é concebido como contendo uma subjetividade e não interpretado apenas como simples agente da dinâmica social. Subjetividade representa, para Dubet, a capacidade de reflexividade na experimentação. O autor, nesse sentido, busca diferenciar a subjetividade da noção de sujeito. Isso significa que a subjetividade é o reflexo da ação do sujeito no contexto da realidade social. Vamos explicar melhor essa ideia... Os indivíduos não se relacionam mais ATENÇÃO Experiência social é uma categoria importante na teoria de Dubet, pois vai de encontro com a socialização clássica promovida pelas instituições sociais. A experiência é outro tipo de socialização, aqui, vivenciada pelos indivíduos, nas suas capacidades de iniciativa e de escolha realizada na ação social. Só na ação social se constrói um conhecimento da sociedade, onde cada indivíduo experimenta, constrói a partir de suas práticas no meio da heterogeneidade. com a estrutura a partir de desenvolvimento de papéis sociais apreendidos na socialização. Há um processo de experimentação social que reforça a individualidade. Os papéis sociais não mais significam formas de condutas que serão necessariamente desempenhadas pelos atores sociais. Ao negar o modelo de socialização clássico, defendido por Parsons (1970), no qual as instituições sociais balizam a formação dos indivíduos a partir de um cabedal de normas, valores e costumes de uma dada sociedade, Dubet resgata a própria experiência dos indivíduos como ação a ser internalizada pelos sujeitos. Não se observa mais modelos, papéis a serem reproduzidos, mas uma a experiência social. Essa é a combinação de várias lógicas de ação, significando o rompimento com a ideia de identidade/representação de PARA REFLETIR Reiterando, instituições sociais que promovem um tipo de socialização inicial nos indivíduos: família, escola, religião etc. papéis e incorporação do ator de assumir várias lógicas de ação. As combinações de lógica de ação não têm um sentido único ou um centro. A experiência social não é uma maneira de construir o mundo através das emoções, mas uma maneira de construir o mundo cognitivamente, reflexivamente, através de sua subjetividade. A experiência social se coloca entre as ideias de uma autonomia do indivíduo e da objetivação social. Os atores sociais não se empenham no desempenho do papel, porque possuem uma experiência própria. A ideia de identidade (vocação e expectativas) do ator e substituída pela de experiência; o ator se distancia do papel. 110 EAD Há uma separação da subjetividade do indivíduo e da objetividade do papel. A socialização, em sua concepção tradicional de incorporação de papéis, não se realiza nas circunstâncias das novas configurações sociais com efetividade. A experiência do ator, atualmente, se realiza e se inscreve em registros múltiplos e não congruentes das expressões sociais contemporâneas. Vamos explicar melhor esse quadro teórico com um exemplo adotado pelo próprio Dubet, nas suas pesquisas sobre jovens do subúrbio e professores. É muito comum esse conflito entre juventude marginalizada e educadores, a resistência na capacidade de superação desses grupos sociais, em razão das mais diversas explicações socioeconômicas. Parece um antagonismo comum, reproduzindo muitas especulações negativas, o estigma e resistência a ele, exagerando as características desse grupo social. O estigma como instrumento de controle social volta-se contra quem os estigmatiza. Para Dubet, a experiência desse estigma faz com que esses jovens respondam, também, de forma negativa a essa forma de violentá-los. Dubet (1991), através de uma pesquisa sobre a experiência escolar de estudantes do relativo ao ensino médio francês, tenta mostrar como essa socialização se realiza como ação da experiência. Ele mostra o assujeitamento dos jovens sobre o seu próprio grupo na escola, a partir de uma dupla experiência vivida no interior da instituição escolar: a experiência de aluno e de jovem. Segundo o autor, é se autovalorizando na experiência de jovem, que ele compensa ou se defende da desvalorização de sua outra experiência escolar – de aluno, das vicissitudes do julgamento escolar. O autor coloca ainda que, em sua forma mais explícita, a resistência do “jovem” pode tomar forma de violência. Repare que a “experiência de aluno”, embora seja perpetrada por um modelo, um papel a cumprir, ela escapa dessa configuração mais clássica de socialização e recupera a mais condizente com sua experiência, sua vivência. É essa forma de socialização que faz mais sentido para sua condição de vida. UESC 111 2.2 Sociologia da experiência A dominação absoluta por parte da instituição não consegue reduzir a experiência do ator em relação aos papéis impostos e constituiu-se uma subjetividade própria. Mesmo no interior de uma instituição como a escola, o gerenciamento de um modelo integralizador de condutas, normas e valores, permite o desenvolvimento de uma socialização a partir de sua experiência social. ATENÇÃO Os indivíduos, conforme o autor, não se relacionam mais com a estrutura a partir de desenvolvimento de papéis sociais apreendidos na socialização. Há um processo de experimentação social que reforça a individualidade. Os papéis sociais não mais significam formas de condutas que serão necessariamente desempenhadas pelos atores sociais. A experiência social se evidencia como a capacidade de construção da realidade e de um concomitantemente subjetivo e cognitivo. projeto social, Ou seja, uma construção crítica do real, por meio de uma relação reflexiva desenvolvida pelos indivíduos que julgam sua experiência e as redefinem. Compreende a experiência social como a atividade pela qual cada indivíduo constrói uma ação, cujo sentido e coerência não são mais alocados por um sistema homogêneo e por valores únicos quer servem para todos. A funcionalidade de uma instituição ou a dominação extrema não são elementos capazes de conformar papéis. Isso não pode ser concebido como anomia ou desvio, mas como necessidade de passar a interpretar a realidade a partir de categorias como experiência social em detrimento da categoria ação. Nesse sentido, o objeto de uma Sociologia da experiência é a própria subjetividade dos atores. A consciência dos atores e a ideia que eles têm do mundo e deles próprios é a matéria essencial. Os fatos mais objetivos não deixam de ser um fato subjetivo. Subjetividade não é o vivido, mas a necessidade de percepção da ação como experiência e como um drama. A análise social observa, nesta experiência, problemas sociais e questões que podem vir a explicar muitas ações sociais hoje consideradas sem explicações ou, o que pior, tentando medicalizar comportamentos considerados “desviantes”. Os atores vivem a angústia da “experiência”, uma experiência nem sempre das mais agradáveis de ser vivenciada. A experiência é um projeto ético e não, necessariamente, uma realização. Experiência é a consequência da dualidade moderna que introduz uma separação no sujeito, criando o espaço de uma subjetividade. 112 EAD 3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO Dubet aprofunda sua análise na instituição escolar francesa, sobretudo, no modelo republicano francês. Ele apreendeu um processo de mudança nesse mecanismo de formação dos indivíduos, que foram se alternando até uma determinada fase, num estado de crise. Para o autor, duas situações promoveram esse estado de crise no universo escolar, que, dentro de uma leitura sociológica, podemos recuperar para a realidade brasileira. A primeira situação se dirige mais acentuadamente ao caráter fragmentado e desinstitucionalizador da instituição escolar. A escola perdeu sua clareza e unidade, na medida em que perdeu a capacidade de articular o seu desenvolvimento e autenticidade com busca de utilidades escolares em relação ao mercado. Aqui incide o problema da unidade e clareza de seus objetivos, pois desencadeia uma má institucionalização na construção desses indivíduos que estão submetidos a sua socialização. Outra questão observada por Dubet diz respeito aos adolescentes e jovens que conseguem, com maior rigor, construir experiências alternativas a esse “vazio” constituído no processo de institucionalização das normas. Esses valores e normas parecem estar completamente distantes de suas aspirações e dos componentes balizadores de suas subjetividades. É essa a representação do vazio que as instituições têm promovido a esses jovens. Por isso, a ideia da experiência, em que eles constroem vivências ao invés de internalizar papéis. Por exemplo, jovens experimentam formas de convivência no grupo, para se destacar, para se proteger etc. Essas vivências são mais impactantes, do ponto de vista de sua socialização, do que os valores promovidos nas escolas, nas famílias, até porque, muitas vezes, esses valores são produzidos de forma incoerente. Por exemplo, a escola cobra determinados comportamentos dos alunos, de respeito, de atenção, de disciplina, mas não se pratica da mesma forma quando se dirigem aos alunos. Outro exemplo, a ideia de amor deixa de ser uma experiência pessoal para ser uma experiência social. O amor UESC 113 deixa de ser desintegrador para ser integrador. A ideia de família duradoura e a do amor se fundem. Consequência: mais divórcios, famílias monoparentais, novos modelos de família. A família não está em crise, o que ocorre é uma nova experimentação de família. Surgem novas tecnologias sociais: conselhos conjugais, educação sexual, imprensa feminina. A experiência individual, concomitantemente, se torna mais subjetiva e mais social. A experiência social é construída. Não é a expressão de um sujeito. A ideia de concepção de mundo social único e coerente deriva do indivíduo que organiza a experiência a partir de formas definidas. Outra questão colocada pelo autor, nesse processo de desinstitucionalização, envolve a massificação escolar. Essa situação, recorrente na contemporaneidade, funciona mediada por um mercado, no qual os indivíduos agem de acordo com seus recursos, promovendo uma extensa competitividade entre os grupos sociais e estabelecimentos de estudo. Esse drama ocorre em razão de fortes ajustes pedagógicos conferidos para dar conta da seleção social que a escola fazia para cada tipo de formação voltada para os diferentes grupos sociais. Com a massificação, a seleção passou acontecer de forma branda e fracionada, incorporada no próprio sistema, como se fosse inerente. Dubet enfatiza que a escola, nessa direção, perdeu sua capacidade de administrar as relações de ordem interior e exterior, do universo escolar e juvenil. A organização escolar incidiu numa ausência de enquadramento da vida juvenil e destaca que os problemas de tensão entre aluno e adolescentes/jovens estão no centro da experiência escolar. O desenvolvimento de uma sociologia dos atores educativos representa uma mudança de paradigma, em particular, na compreensão do aluno como ator que age estrategicamente e se forma, construindo a sua experiência na articulação de distintas lógicas de ação. Relativamente às concepções dominantes há trinta anos “[...] as análises sociológicas sofreram mudanças significativas: de uma lógica de “denúncia” para uma “lógica da interpretação”, de uma sociologia “macroestrutural” para uma “microssociologia”, deslocando o seu foco de análise do “funcionamento das 114 EAD estruturas” para o “campo fluído da construção social das práticas e dos problemas educativos” (CANÁRIO, 2005, p. 39). Essa sim seria uma nova abordagem para os processos de socialização, na análise sociológica. SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS PESQUISAR E REFLETIR? ATIVIDADE 1. Para François Dubet, a experiência social substituiu a ação no processo de socialização na contemporaneidade. Descreva como se dá esse processo e como ele influencia a violência entre os jovens e as desigualdades sociais, segundo o autor. 2. Qual a contribuição desse autor no campo da sociologia da educação? Recupere seus principais conceitos sociológicos. FILME RECOMENDADO PRO DIA NASCER FELIZ. Direção: João Joaquim. Produção: Flávio R. Tambellini e João Jardim. Elenco: não divulgado. Local de divulgação: Brasil. Produtora: Ravina Filmes / Fogo Azul Filmes, 2002. DVD. O filme – documentário - retrata a situação de jovens da mesma faixa etária, mas em ambientes e condições socioeconômicas diferenciadas, em várias realidades brasileiras. Debruça-se a mostrar as diferentes expectativas desses jovens no enfrentamento de suas experiências de vida, junto ao preconceito, à violência, à insegurança e à esperança. O filme explora as fragilidades internas do sistema de ensino brasileiro e procura centralizar as experiências individualizadas no caminho de superação. Cartaz de divulgação do filme: PRO DIA NASCER FELIZ UESC 115 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1999. DUBET, François. Sociologia da Experiência. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. DUBET, François. A formação dos indivíduos: desinstitucionalização. Revista Contemporaneidade Educação, ano III, n. 03, mar. 1998. a e REFERÊNCIAS BERGER, Peter; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2003. ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1. PARSONS, T. A sociologia americana. São Paulo: Cultrix, 1970. 116 EAD Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ Informações sobre os autores Profa. Rogéria Martins Socióloga, Mestre em Educação/UFBA e doutoranda em Políticas Públicas/UERJ. Prof. Dr. Elias Lins Guimarães Sociólogo, especialista em Sociologia - PUC/MG, mestre e doutor em Educação - UFBA/ BA, professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas/DFCH – UESC. 118 EAD CONCLUSÃO DOS AUTORES Gostaríamos de enfatizar que a proposta desse material é apenas uma breve apresentação de algumas abordagens teóricas no campo disciplinar da sociologia da educação. O universo é imenso, tivemos que focar, muitas foram as limitações: proposta pedagógica do curso, tamanho do material, tempo para o critério de seleção e volume de informações. Cada dia escrevendo, percebemos a necessidade gritante de lançar mão de mais exemplos, mais versões teóricas, mais interpretações sociológicas, outros autores... Enfim, o rigor metodológico nos segurou as mãos e o teclado. Tentamos construir uma abordagem, fomentando inquietações, curiosidades, mais necessidade por parte do aluno em buscar as sugestões bibliográficas e as próprias referências que não foram aqui sistematizadas nas sugestões, sem, contudo, serem consideradas desprezadas. A metodologia de trabalho foi um capítulo à parte: definimos estratégias de construção coletiva. Nesse sentido, algumas unidades foram conduzidas individualmente, mas com a contribuição de revisões atentas de ambos os autores e, na unidade de Marx, registramos efetivamente uma autoria conjunta. Dadas as nossas atividades cotidianas, o tempo de escrever se definia de forma muito particular para cada autor e nos isolava na escrita. Coisas de um tempo com restrições temporais. Estamos vivenciando uma nova versão de um modelo educativo, e esse material é uma primeira experiência que estamos construindo, com a nítida certeza de que precisamos melhorar. UESC O diálogo e a interlocução de vocês serão 119 importantíssimos para o enriquecimento desse trabalho e, por isso, contamos com uma avaliação cuidadosa da proposta desse material: a linguagem, a arrumação dos textos, as atividades, as sugestões de filmes... Enfim, demais atividades a serem propostas para melhorar a compreensão de vocês. Mas não podemos deixar de enfatizar: em um curso de sociologia, bem como nos demais cursos da área de humanas, a leitura é imprescindível! Não existe possibilidade de participar sem essa contrapartida de vocês. A interpretação da realidade é mediada por um corpo teórico que precisa ser conhecido e apropriado para iniciar um debate. Sem o apoio desse inventário teórico (que não necessariamente devem ser somente os aqui apresentados), caímos na velha armadilha dos “achismos” e num caldeirão de opiniões, construídas pelo senso-comum, ao que Toquecvile chamou de tirania da opinião. O desafio é grande, afinal a nova linguagem pedagógica vai exigir de todos nós: vocês, enquanto alunos, e nós, professores, um esforço considerável para compreender, sem aquela velha linguagem escolar: nossa troca de olhares – aquela que a gente percebe e aplica quando não estamos entendendo uma questão... Assim sendo, nos apropriamos de uma leitura da professora Marilena Chauí para tentar elucidar um pouco essa relação entre a existência de professores e alunos virtuais, mas absolutamente reais, em tempos pós-moderno: Se a modernidade havia caracterizado pela confiança iluminista na razão como força que libera o homem do medo causado pela ignorância e pela superstição a pós-modernidade proclama a falência da razão para cumprir a promessa emancipatória e exibe sua força opressora sobre a natureza e sobre os homens. [...] Declara-se o fim da separação moderna entre o público e privado, em benefício do segundo termo contra o primeiro, fazendo-se o elogio da intimidade e criticando-se os pequenos poderes na família, na escola e nas organizações burocráticas; negase a possibilidade de teorias científicas e sociais de caráter globalizante, pois não possuiriam objeto a ser totalizado num universo físico e histórico fragmentado, descentrado, relativo e fugaz. Prevalece a sensação do efêmero, do acidental, do volátil, num mundo onde “tudo que é sólido derrete no ar” [...] Os objetos são descartáveis, as relações pessoais e sociais têm 120 EAD rigidez vertiginosa do fast food [...] tempo e espaço foram de tal modo comprimidos pelos satélites e telecomunicações e pelos meios eletrônicos, assim como pelos novos transportes, que o tempo tornouse sinônimo de velocidade e, o espaço, sinônimo da passagem vertiginosa de imagens e sinais (CHAUÍ apud RODRIGUES 2007, p. 124), O nosso desafio é justamente dialogar com um tempo em que estamos perdendo a centralidade, desarticulando a aparente e inquestionável racionalidade de uma dinâmica considerada natural. A partir desse novo modelo educativo, a relação entre professores e alunos virtuais define uma nova configuração de novos atores envolvidos no processo educativo: o professor coletivo e o estudante autônomo (BELLONI, 1999). E, nesse particular, sugerimos aos estudantes dessa modalidade uma atenção primordial com a responsabilidade de sua autonomia e da qualidade de sua formação. Estamos abertos à experiência e receptivos à novidade, abrindo um universo de possibilidades para o nosso cotidiano de trabalho docente, tentando compreendê-las dentro do curso da história, como sugere Lévy (1999), mas sem abrir mão da perspectiva humanista dentro do conteúdo técnico de um novo fazer pedagógico. Contudo, fechamos esse trabalho com apenas uma única certeza: sem uma formação teórica sólida, os novos fazeres pedagógicos e todo o esforço que as tecnologias de informação e comunicação acumularam para chegar até aqui de nada valerão. O sucesso dessa empreitada é tão coletivo quanto suas responsabilidades. Cabe a todos nós, agora, trabalhar para que a experiência seja elemento edificante na democratização do conhecimento, na democratização do ensino superior. Nesse caminho tortuoso, cheio de incertezas na pósmodernidade, talvez lançar mão da história seja um bom caminho para alimentar nossas trajetórias. Finalizamos com a sugestão do filme NÓS QUE AQUI ESTAMOS POR VÓS ESPERAMOS, de Marcelo Masagão (BRASIL, 1998), para pensar sobre a sociedade contemporânea, no século XX, um exercício de reflexão humanista. Os autores UESC 121