Caderno J - Filosofia Clínica on-line

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Filosofia Clínica – Caderno J
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Especialização em Filosofia Clínica
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Cel. Lucas de Oliveira, 1937
Conjuntos 301 / 302 / 303 / 304
Porto Alegre – RS
CEP 90 460 – 001
Fone (051) 330 6634
www.filosofiaclinica.com.br
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INTRODUÇÃO
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Este Caderno J coloca questões importantes que tenho constatado na
aplicação da Filosofia Clínica por parte de meus colegas e alunos.
Pedi a filósofos clínicos que atuam diretamente nos consultórios para que
me ajudassem apresentando dúvidas, críticas e observações de tudo o que tem
acontecido na prática clínica. Por se tratar de um escrito avançado a respeito dos
procedimentos clínicos (submodos), proponho discussões e alternativas para
questões complexas trazidas e para outras que se anunciam simples.
Vamos a um bocado de história.
Por diversas vezes a humanidade teve que se ocupar com pragas surgidas
aparentemente do nada e que dizimavam enormes rebanhos humanos. Era o caso
da varíola, por exemplo, até o século passado. Uma praga fatal. Através de
observações, os médicos turcos constataram que uma pessoa não teria jamais
varíola uma segunda vez. Aos poucos, começaram a inocular nas pessoas formas
atenuadas da moléstia, o que acabou por erradicá-la.
Era comum que as pessoas se preocupassem e perguntassem com insistência
sobre essa estranha maneira de lidar com a praga injetando-a na criatura. Na
verdade, foram os resultados do procedimento que silenciaram vozes que já não
tinham porque gritar. Certas doenças fatais como a raiva e o pólio seguiram o
mesmo caminho.
Também os cirurgiões, mais de uma ocasião, provavelmente sofreram um
tanto daqueles a quem eles procuravam auxiliar. Isso porque até bem pouco tempo
quase nada se conhecia sobre analgesia. O jeito então era operar rapidamente a
pessoa ou dar a ela quantidades maiores de álcool; embriagadas, sentiam menos a
dor.
Nessa época, ainda que se soubesse da existência do ópio e de suas
propriedades analgésicas, não existia conhecimento suficiente para seu emprego
nas cirurgias. Devido ao aspecto dramático que a dor muitas vezes assume em
suas manifestações, a busca incessante por alguma anestesia logo trouxe
esperanças. Uma delas era a utilização do óxido nitroso (conhecido como gás
hilariante) que reduzia a sensibilidade humana à dor.
Outro gás, o éter, defendido pelo inglês Faraday, surgiu com excelentes
resultados. Além do clorofórmio, usado inicialmente na Escócia.
Acho que você pode imaginar que, mesmo poupando animais humanos de
dores intensas, o uso desses materiais e procedimentos encontrou enorme
resistência, até mesmo dentro do meio médico.
Das patologias orgânicas às mentais, conforme a divisão médica clássica, as
coisas se complicam muito. Desde a conceituada e antiga medicina egípcia, a
recomendar junto com os medicamentos certas orações e amuletos, até crendices
oriundas de doutrinas pagãs e “oficiais” que ainda permeiam o parecer médico,
temos todos os exemplos que, somados, resultam nas alegrias e tristezas que a vida
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não nos pode poupar. Nesse sentido, os escritos de Erasmo e Foucault ganham voz
própria.
Bem como quando agora em relação a Filosofia Clínica.
Essas informações ganham fundo e perspectiva no momento em que têm
contexto. Nada aconteceu sem um envolvimento no instante histórico, na
historicidade do processo, no desenvolvimento que foi se construindo a cada nova
inserção de dados.
A Filosofia Clínica propõe que se leve à clínica boa parte da teorização
filosófica possível, ainda que diante dos muitos problemas.
Primeiro, um número importante dos nossos filósofos acostumou-se a ler
comentadores. A maior parte não sabe a Filosofia clássica; imagina às vezes saber,
mas na verdade não sabe. O filósofo latino americano está ocupado em sobreviver
em empregos de fome, e poucos têm acesso aos livros fundamentais. Dão aulas em
escolas de periferia, despreparadas, ganhando mal, comendo e vivendo no limite.
Muitos foram parar na Faculdade de Filosofia porque realmente não havia muito
mais aonde ir. Precisavam de um diploma, de um emprego, de uma perspectiva.
Dito assim, pode não parecer nada demais, porém vai aqui a diferença entre o que
existe e o que sonhamos.
Quando um filósofo me questiona durante as aulas de onde surgiu “Termo
Singular”, “Deslocamento”, “Como o Mundo parece Fenomenologicamente”, e
isso acontece muitíssimo, fica mais ainda atestado o desconhecimento do
programa básico da Filosofia acadêmica.
O mesmo ocorre quando surgem as indagações sobre o quanto de Filosofia
existe na Filosofia Clínica.
Ora, a própria atividade no consultório demonstra a freqüência com que
aparecem questões primordialmente filosóficas; aborto, eutanásia, estupro, morte,
vida dilemática, dores existenciais, divórcio, emprego, abstrações religiosas etc.
Talvez mais apropriada fosse a indagação sobre o quanto de Filosofia existe na
Psicologia e na Psicanálise... já que os procedimentos clínicos mecânicos têm vida
curta na Filosofia Clínica e o volume principal da clínica é feito com Filosofia
pura, seguramente.
Entre os filósofos que tiveram a oportunidade de aprender Filosofia
acadêmica, as perguntas mudam! Perguntam como foi a instrumentalização de
conceitos de tal teoria, de tal autor, em direção a uma Filosofia Clínica.
Por exemplo: por que não utilizei todas as Categorias aristotélicas nos
Exames Categoriais, por que não alicercei confortavelmente as Categorias no
modo a priori kantiano, como dispensei a análise da compreensão do Ser nas
categorias, o que modifiquei e o que ficou das Categorias originais de Aristóteles e
quais as razões que me levaram a isso?
Das 130 obras básicas indicadas aos filósofos clínicos quantos estudaram
quantas daquelas obras?
Além do mais, os Departamentos de Filosofia em nosso país são muitas
vezes motivo de piada em outros Departamentos: indagam o motivo de se investir
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dinheiro em Filosofia, interrogam-se sobre a utilidade e – até – sobre a idéia de ser
a Filosofia o produto de uma psique doentia, assim como seriam certos delírios o
resultado de um estado de embriaguez agudo. Considere-se que das últimas 15
novas Universidades brasileiras nenhuma implantou o curso de graduação em
Filosofia.
Mas seguramente os anos de repressão militar lançaram a pedra que faltava
a uma situação que se arrasta até o momento.
Os filósofos, em lamentável quantidade, perderam o respeito pelo próprio
trabalho, perderam uma pequena estima por sua obra que ainda havia; não me
recordo de nem ao menos por uma vez ter presenciado alguém se apresentar como
um filósofo de maneira, se ainda não orgulhosa, satisfeita. É usual que a
apresentação soe quase como uma desculpa.
Quem faz o vestibular para o curso de Filosofia neste país?
A maioria não obteve aprovação em um curso mais concorrido, outra
maioria é de seminaristas que fazem o curso como requisito à Teologia, outra
maioria entra para saber o que é e desiste na primeira oportunidade. Uma minoria
está ali por desejo de Filosofia.
Tenho convivido com esse estado de indigência.
O resultado está bem grafado nas aulas.
Uma caprichosa e aguerrida minoria desejosa de conhecer e praticar a
Filosofia e a Filosofia Clínica.
Mas uma leva muito grande quer terminar tão breve quanto possível o
curso, quer clinicar já a partir dos primeiros meses, quer saber quanto vai ganhar
como filósofo clínico, quer o reconhecimento do MEC, quer carteirinhas, papéis
com carimbo, e, por último, se for possível, quer saber um pouco de Filosofia
Clínica.
Nas poucas ocasiões nas quais mergulhei em exposições de Filosofia
acadêmica que estruturam a Filosofia Clínica, acabei solitário e sonolento em
meio a aula.
As coisas não ficam apenas assim; existe mais.
Os currículos de Filosofia adotados nas Faculdades parecem estranhamente
alienados da realidade da vida em seus desdobramentos existenciais. A Filosofia
acadêmica não parece fazer concessões ao lugar onde habita, às pessoas, às
questões do local. Não existe um estudo prévio para se identificar as necessidades
das pessoas, do meio, da época.
Mas que Filosofia é essa?!
Por tudo isso, penso e sinto que estamos tentando fazer uma Filosofia
Clínica com um mínimo que a torna possível.
Grande parte dos filósofos clínicos que de fato entenderão a amplidão da
mensagem e que a viverão de fato somente agora começam a surgir, timidamente,
aos poucos. E se juntam a uns outros, poucos e amigos, que começaram a jornada
comigo.
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Eu os tenho sentido em palestras, em cursos de Filosofia Clínica que surgem
aqui e ali. São pessoas que surgem de mansinho, amorosas, serenas pela crença
que ainda têm no estado geral das coisas, muitas vezes imbuídas de paixões
semelhantes às que me inspiraram. Dificilmente meus olhos não se umedecem
nesses momentos. Meu corpo se enche de gratidão pela companhia dessas
criaturas que me trazem luz, paz, calor.
Então me lembro que somos filósofos à beira de uma indigência de terceiro
mundo, somos pessoas trabalhando em um inacreditável contexto de dificuldades
e procurando, cada um à sua maneira, um jeito de transformar o que fazemos em
algo viável.
Como posso criticar, censurar ou hostilizar alguém por isso?
Seria o mesmo que negar os ensinamentos que a própria Filosofia Clínica
apregoa.
E minha alma nunca acostumada a tal estado de coisas, ainda uma vez
esperançosa, apenas me deixa, condescendente e triste, diante daquilo que serão
necessárias muitas gerações de filósofos para desenvolver e ajeitar.
O que mais se constata no momento são filósofos que desejam a vacina
contra a varíola, são filósofos que pedem a anestesia para a cirurgia, mas que no
fundo ainda não estão bem dispostos a isso. Ao menor indício de incêndio, a
maioria corre de volta às noções de doença, aos conceitos de normalidade e
patologia (que, muitas vezes, acabaram de condenar e exorcizar em aula), aos
medicamentos que mascaram (às vezes) as dores necessárias à aprendizagem da
alma, e muitos correm à enganosa proteção dos procedimentos clínicos engessados
a priori.
Entendo que isso é parte da aprendizagem.
E aceito que, muitas vezes, tem sido assim: discurso quebrado da prática.
Entendo que continuo lutando, tanto quanto possível, para afastar de vez os
horrores que Foucault colocou em sua História da Loucura, para afastar de vez o
aviso de Machado de Assis em O Alienista, e para que as pessoas que amo não
vivam horrores como os que George Orwell descreveu em 1984.
...
A seguir passo algumas instruções valiosas e básicas ao aprendiz de
Filosofia Clínica no intuito de que a teoria possa ser tão prática quanto é teoria.
A primeira lição é aprender profundamente a estar em harmonia e a ouvir a
outra pessoa (algo que vai requerer disciplina e aprendizagem a começar dos
estágios supervisionados). Diante de expressões como “minha irmã morreu, estou
muito triste”, por favor não se adiante dizendo coisas como “eu sei como é, já
passei por isso, mas a vida dá muitas voltas” ou “vamos rezar para que ela esteja
bem” ou “a gente sofre quando perde quem a gente ama”.
Outras expressões:
- Sinto que ninguém quer nada comigo, não me amam.
- Nós amamos você, seus professores, seus amigos amam você.
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- Eu queria muito...
- ... (interrompendo e concluindo) comer pedaços de melancia?
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- Você acha que eu consigo vencer desta vez?
- Com certeza. Se você acredita em você mesmo, então é por aí.
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- Minha mãe sofre por minha causa.
- Que nada! A sua mãe sofre por causa dela mesma.
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- Estou muito infeliz, não sinto vontade de nada.
- Acho que você deve procurar ajuda.
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- É a terceira vez que dou cabeçada na vida, mas aprendi.
- É verdade, as pessoas só aprendem dando cabeçada.
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- Estou cansado esta semana.
- É porque você não dorme e não descansa.
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Basicamente as expressões seguem um padrão.
O aprendiz tenta concordar, facilitar, ajudar imediatamente, sem o menor
conhecimento da EP da pessoa:
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- Eu não gosto de gente fanática por religião.
- Eu também. Lá perto de casa, minha nossa, tem uma mulher que a gente
não pode falar nada para ela. Tudo vira coisa da religião. Eu já nem vou
mais à casa dela tem meses.
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- Veja este quadro que eu pintei. (Variações: foto que eu bati, poema que
escrevi, presente que eu comprei etc.)
- (sem sentir o que afirma) Que lindo! Que graça esta casinha perto da
árvore e isso aqui, que eu não sei o que é, também é muito bonito.
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Tenho a acrescentar apenas que todos os pequenos diálogos acima são
infelizmente literais.
É fundamental aprender a dança da interseção, sem atropelar, sem se
antecipar, sem mutilar, sem anular o discurso da pessoa.
Mas é evidente que há exceções.
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A segunda lição fundamental é procurar descartar procedimentos clínicos a
priori, usar os conhecimentos básicos em Filosofia Clínica durante uma interseção
com outra pessoa quando esta pede algum parecer mais urgente.
Por exemplo: a pessoa diz que se sente tensa, e recebe uma massagem nos
ombros para aliviar; a pessoa afirma que se sente pressionada, e recebe como
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sugestão que se desabafe; a pessoa confessa que não tem ido aos pés ultimamente,
e recebe como recomendação o uso de um determinado chá ou raiz; a pessoa se
mostra abatida, e recebe a audição de uma anedota como pretexto para alegrá-la.
Essas pretensas ajudas seriam de boa valia se o filósofo soubesse um
mínimo da EP da pessoa que comprovasse suas ações. Porque do contrário...
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Uma terceira lição fundamental é praticar os ensinamentos quando as
oportunidades surgem no trabalho e na vida de um modo geral.
Isso exibirá o que funciona com você, o que você precisa alterar, o que deve
descartar, o que funciona mas você não aprecia utilizar, e assim por diante.
Mais exemplos:
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- Vou fazer um trabalho com idosos. Primeiro eles vão falar de suas
emoções, depois eles vão dançar, depois eles vão mostrar as fotos
antigas que têm guardadas, uns para os outros.
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- A diretora me convidou para fazer um trabalho sobre drogas com os
adolescentes. Eu mostrei um filme sobre drogas e falei como a droga
destrói a família e a vida do jovem.
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- Trabalhei com alunos que tinham deficiência mental. Comecei lendo
historinha para eles. Eles adoraram. Em seguida, todos cantaram música
sertaneja. Foi ótimo, muito legal.
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Até onde me lembro, isso não é Filosofia Clínica.
Filosofia Clínica é tirar a EP informal do grupo (via Matemática Simbólica)
e utilizar os “submodos coletivos”. Assim o filósofo saberá quais os filmes, quais
as partes dos filmes, quais as músicas, a pertinência de dançar e cantar, saberá
como explorar esses diferentes dados de Semiose, e o restante aprenderá com o
exercício da atividade.
É oportuno repetir esta lição de tantas ocasiões importantes.
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Igualmente cabe revisar um parecer básico sobre a tábua de submodos neste
Caderno J.
A tábua de submodos inclui 32 itens que se associam em infinitas
combinações, assim como as letras do alfabeto associadas podem formar infinitas
palavras e combinações de frases, histórias, contextos.
O filósofo poderá interpretar literalmente, inventar, torcer, quebrar dados,
inserir novos elementos, subtrair, dividir informações, intensificar ou apaziguar, o
filósofo estará diante de uma gama de possibilidades no que se refere aos
caminhos existenciais durante a interseção com a pessoa (partilhante).
Mas qualquer que seja aquele caminho existencial, ele terá de respeitar o
que fenomenologicamente está e vai à Estrutura de Pensamento da pessoa. Os
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submodos, como o próprio nome afirma, são maneiras e modos que estão
irremediavelmente abaixo, condicionados, direcionados pelo que consta
exatamente na EP.
É fundamental entender esta lição básica.
Em momentos adiantados dos trabalhos clínicos, quando o filósofo estiver
utilizando combinações complexas de submodos, eles serão somente decorrentes
do que foi desenvolvido anteriormente na colheita das Categorias e na pesquisa da
constituição da EP.
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Procedimentos Clínicos - Aprofundamento
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Vamos a uma síntese didática dos movimentos clínicos em uma sucessão
provável, ainda que nem sempre necessária. Esta explanação pode ser
acompanhada com maiores explicações no Caderno N – Planejamento Clínico.
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Parte I – A pessoa chega ao consultório do filósofo e preenche uma ficha
contendo os seguintes dados básicos: nome, data de nascimento, escolaridade,
histórico médico (se fez ou está fazendo algum tratamento psiquiátrico ou
neurológico ou de outra natureza; importante também é saber se a pessoa ingeriu
ou se está ingerindo regularmente algum medicamento controlado. As
informações médicas devem ser pesquisadas amiúde pelo filósofo clínico.),
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motivos para ter procurado os serviços do filósofo clínico, atividade estudantil ou
profissional, e informações complementares que possam ter relevância no
momento.
Em geral, esta ficha é preenchida junto ao filósofo para que dúvidas sejam
dirimidas. Às vezes, a pessoa pode preencher na sala de espera ou em outro local.
É fundamental que a ficha contenha o que é a Filosofia Clínica e como ela
funciona, em um máximo de dez ou quinze linhas. Mesmo que a pessoa não se
interesse por isso, é importante que ela esteja informada sobre a propriedade do
trabalho que está sendo realizado.
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Parte II – O filósofo inicia uma conversação informal com o objetivo de
colher um quadro atualizado e superficial da vivência da pessoa. “O que tem
acontecido? Como vão as coisas, de um modo geral? O que está se passando?
Você aceita um café, enquanto me fala sobre o que trouxe você aqui?” – são
expressões que cabem perfeitamente nessa ocasião. Aqui se torna mais uma vez
notório que o não-agendamento simplesmente não existe em clínica. Os
Agendamentos Mínimos são pois necessários e inevitáveis.
Cabe lembrar que o filósofo não dispõe de um acervo suficiente de
informações a fim de iniciar qualquer movimento clínico que não seja o da
interpretação literal e via bom-senso. Inferências que ultrapassem os limites do
Agendamento Mínimo costumam ser lamentadas depois.
Variações prováveis – A pessoa pode entregar-se a um choro continuado e
fundo; pode existir um silêncio sem fim; pode a pessoa arrepender-se de ter ido à
clínica e confessar que não é nada daquilo que ela procura; as proposições que a
pessoa coloca podem ser lacônicas, bruscas, e sem seguimento; a pessoa pode
solicitar conselhos, receitas, pode reportar-se a queixas veementes querendo
soluções imediatas.
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Parte III – O filósofo colhe a história da pessoa através da historicidade
(método que engloba a fenomenologia, a lógica formal, a epistemologia e a
analítica de linguagem).
Ou seja, ele procurará ordenar as páginas da vida de tudo quanto a pessoa
viveu. Cuidará os saltos lógicos e temporais, além de seguir nos mínimos
agendamentos.
O objetivo desta terceira parte é reunir os dados de maneira que as
situações vivenciadas pela pessoa ganhem um contexto, uma perspectiva, alicerces
que tornem o conteúdo compreensível. Assim, as vivências perdem a identidade
aleatória, de isolamento, e se juntam aos elos que lhe dão nascimento, identidade,
e continuação.
Variações prováveis – Se a pessoa construiu a própria historicidade como
alguma aquarela surrealista, na qual as vivências somente podem ser entendidas
conforme um movimento independente da razão, procure primeiro apreender toda
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a história dela assim narrada e estude a possibilidade de iniciar os dados divisórios
a partir disso; caso contrário, procure juntar os pedaços à maneira da pessoa.
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Transcrição de gravação realizada nas aulas:
“Packter – ... e imaginem que vocês vão à casa de uma amiga, amiga
querida, achando que somente existe um modo de conhecer a casa e a amiga
dentro da casa. Acho que os problemas serão muitos. Mas se vocês souberem que
existe um protocolo de referência...
Aluno – Ô, Lúcio, protocolo?
Packter – É, protocolo. Um cerimonial ou algo assim. Olha, tu não vais
chegar na casa dela com os pés embarrados, não vais abrir a geladeira, arrotar na
mesa e muito menos fazer algo que para ti é indecente, a não ser quando feito na
tua própria casa. Acho que não vais.
Aluno – Já fiz isso, mas hoje não faço mais.
Packter – Ótimo. Bem, então, o que acontece? Existe esse cerimonial
mínimo que em clínica se chama historicidade. Um ritual, sabem? Ela deixará
evidente a sala e os livros à vista da pequena pinacoteca, os CDs – por ordem de
preferência ou de impacto que possam vir a causar no convidado ou outra coisa
qualquer; ela provavelmente negligenciará um passeio aos canos do esgoto, à
enceradeira quebrada, ao telhado que anda coando a chuva. Pode até ser que faça
isso, mas é muito possível que não. Quero dizer que a historicidade é um
movimento clínico inicial de boas maneiras referente à época de hoje, e todas as
hipocrisias do humanismo bem consideradas, claro. Em diversas ocasiões vocês
estudarão a história da pessoa e não a historicidade. Vocês terão acesso ao que ela
é por fotos, por entrevistas com terceiros, por fragmentos em diferentes dados de
Semiose. É assim que isso funciona. Não sei de uma regra."
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Pode ocorrer de a pessoa não querer contar a própria vida por ter rompido
com o passado (utilizando vice-conceito você conseguirá, às vezes, com que a
historicidade seja até melhor narrada...); pode ocorrer de a pessoa querer e precisar
trabalhar as questões do momento – primeiro ocupando muitas consultas – e
depois ainda desejar se estender em dilemas que vislumbra no futuro (Esteticidade
Seletiva ou Esteticidade, entre outros submodos); pode acontecer também de não
existir acesso direto aos dados da história (acidentes vasculares, amnésia etc),
pode acontecer que o passado é pesado e doloroso demais etc. Pode também ser
uma chatice sem fim revisitar o passado.
Qualquer que seja a variação surgida, o filósofo deve saber que precisa ter
acesso de algum modo à história daquele ser para assim constituir os Exames
Categoriais.
Considere que às vezes é dificílimo e trabalhoso.
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“Packter - ... além de tudo, tem o seguinte: a imensa, a imensa maioria das
pessoas que vocês atenderão, elas irão torcer, enganar os fatos, enfeitar com fitas,
asfaltar buracos, omitir, saltar, irão viajar na maionese, deixarão às vezes o
filósofo perdido atrás de algum fio da meada, gritarão contra elas mesmas por
vontade ou por representação teatral... e os meus alunos serão bobocas se pensam
que poderão chegar a alguma compreensão fenomenológica da pessoa sem antes
fazerem um profundo estudo da EP. E quando vocês acharem que isso é o bastante
para todas as coisas da clínica, a vida chegará de mansinho e tratará de mostrar o
contrário. Tudo porque a clínica é um campo de aproximações, tendências... não é
um campo de exatidão. Raramente é um campo de exatidão. Durante o histórico a
gente aprende que às vezes a pessoa promoveu saltos circenses na lógica sem que
nós tivéssemos constatado; às vezes a pessoa resolve contar a vida por capítulos,
por contextos, por fatos marcantes; às vezes, depois de oito consultas, a pessoa
informa que contou apenas a vida emocional, e que agora virá a vida matrimonial,
educacional, e, por fim, a vida religiosa e funerária.”
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Parte IV – Os dados divisórios servem para maior entendimento das
questões esparsas, quebradas do contexto, espalhadas e fragmentadas sem um
canto de pouso e de referência. Eles dão consistência às informações anteriores,
dirimem dúvidas, explicam minúcias das experiências vividas.
Variações prováveis – Podem ocorrer apenas repetições do que já havia sido
trabalhado, podem surgir pormenores que invalidem o discurso da história inicial,
a pessoa pode rebater a atividade clínica por se deparar com algo doloroso ou
desagradável em sua própria história, pode questionar o filósofo a respeito do que
é concernente naquilo aos propósitos da clínica em si mesma, pode começar a
refletir que nada mais tem a narrar e se preocupar com isso etc...
Importante aqui é cuidar os aspectos que requerem alterações e sucessivas
adaptações. Às vezes é possível realizar um mínimos de Divisões, simplesmente
porque a historicidade foi repleta de informações suficientes ao entendimento e
avaliação da EP. Em outras oportunidades, o filósofo entende a proeminência de
alterar dados divisórios com dados epistemológicos (enraizamentos).
Não é raro que durante esse processo se faça necessário o uso das
Esteticidades, de Vice-Conceito, Atalho etc. Algo cabível.
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Parte V – O filósofo promove dados divisórios sobre dados divisórios
realizados anteriormente, na Parte IV. O objetivo é o de tornar minuciosas, ainda
uma vez mais, as informações até então obtidas.
Esta parte dos trabalhos pode ser substituída por enraizamentos, às vezes,
quando o partilhante inicia uma tautologia qualquer.
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Parte VI – Os enraizamentos (o termo enraizamento surgiu durante as
aulas, em substituição ao termo “epistemologia”) são caminhos epistemológicos
que levarão a descrições verticais, não mais horizontais como nas Divisões.
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Freqüentemente, os enraizamentos são efetivados após os dados divisórios, mas
podem ser realizados paralelamente. No entanto, é aconselhável que o filósofo
clínico somente se utilize de tal paralelismo quando possuir prática clínica
suficiente para evitar se perder em desdobramentos e complexidades comuns a
alguns processos. Isso porque o enraizamento pode tomar rumos alienados ao
processo clínico diante das mais pequenas distrações por parte do filósofo.
Vamos caracterizar o enraizamento.
Descartes escreveu no artigo 128 de As Paixões da Alma:
“ Da mesma forma que o riso nunca é provocado pelas grandes alegrias,
também as lágrimas jamais derivam da profunda tristeza, mas apenas daquela
comedida e acompanhada, ou seguida, de algum sentimento de amor, ou de
alegria.”
Após o filósofo ter realizado os processos de I até V, o pensamento acima
não se encontra mais avulso nem perdido entre estruturas maiores. O pensamento
acima está inserido em uma historicidade, apresenta contexto e circunstâncias,
antecedentes e conseqüentes bem conhecidos, atualidade, perspectivas horizontais
(dados divisórios) e, dentro de poucos instantes, perspectivas verticais
(enraizamentos) – tanto na própria Estrutura de Pensamento de Descartes como
nas contingências de época, região, tempo etc (Exames das Categorias).
O filósofo utiliza então uma série de expressões cuja conseqüência é dar à
pessoa (Descartes) condições de analisar, descrever, avaliar, desenvolver o tema
proposto:
- Fale um pouco mais sobre isso.
- O que mais houve/ocorreu/aconteceu aqui?
- Como assim?
- O que mais você tem ou pode me dizer sobre este aspecto?
- Você pode definir este ponto?
- Qual é um exemplo do que você está contando?
- Quando ocorreu isso?
- Vamos conversar sobre esta parte mais demoradamente.
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As expressões são muitas e se conformam à EP da pessoa.
O essencial é que o filósofo varia basicamente 3 diretrizes:
1. Exemplificações.
2. Definições.
3. Dados descritivos.
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Em cada trecho do enraizamento, o filósofo pode conferir a pertinência do
que está fazendo. Basta que pesquise na pessoa se o que ela está dizendo ou
fazendo tem relação com o período e assunto de vida que está sendo enraizado.
Observação: em alguns casos a pessoa pode apresentar dúvidas ou não saber
se existe correspondência entre o assunto enraizado e os níveis 1, 2 e 3, conforme
a figura, porém isso não significa necessariamente a inexistência de relação. Ao
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filósofo cabe estar atento à maneira como a pessoa estabelece relações entre os
conceitos, os fatos e demais aspectos, ainda mais neste momento da clínica em que
ele já possui dados fenomenológicos suficientes para conhecer tais relações com
proficiência.
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Parte VII – Neste momento da clínica, o filósofo tem estudado longamente
a evolução da EP em sua historicidade e também tem as conformações tópicas nos
períodos e instantes considerados como Assuntos Últimos.
Os tópicos determinantes são agora considerados longamente em uma
Autogenia, e isso sem perder de vista os Exames Categoriais, agora representados
em tópicos como Interseções de Eps.
Os tópicos que não apresentam determinação na EP não são
descaracterizados ou destacados. Seus fragmentos, além de terem aspectos
constitutivos inseridos nos tópicos determinantes também são necessários como os
pequenos tijolos que estruturarão os procedimentos clínicos (submodos).
Mas o intenção deve permanecer realmente sobre os tópicos que
determinam a posição e a disposição existencial da EP.
O que acontece em seguida é que os submodos, que neste momento
avançado dos trabalhos já são conhecidos e verificados, começam a ser utilizados
exatamente sobre as determinações tópicas.
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12. Busca
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Leia com atenção a carta escrita por Camille Claudel à mãe durante
internação em manicômio:
“Minha querida Mamãe, (...) Um velho cozido de carne com
molho escuro, engordurado e amargo ao longo do ano inteiro; um prato
de macarrões nadando em óleo, ou então um prato de arroz do mesmo
tipo, resumindo, uma porcaria, do começo ao fim. De entrada, um
minúsculo (...) de presunto cru, de sobremesa, velhas tâmaras fibrosas,
três velhos figos endurecidos ou três biscoitinhos envelhecidos também,
ou um velho queijo de cabra. Eis o que me dão por seus 20 francos por
dia. O vinho é um vinagre, o café é uma água de batatas. É realmente
uma prova de loucura gastar assim esse dinheiro. Quanto ao quarto, é a
mesma coisa. Não tem nada, nem um edredon, nem uma bacia
higiênica, nada (...). Não quero de forma alguma continuar na primeira
classe e peço a você que, quando receber esta carta, faça que me voltem
a por na terceira classe como antes. Já que você teima, apesar de meus
protestos, a me deixar nessas casas de saúde onde sou horrivelmente
infeliz, desprezando qualquer espécie de justiça, ao menos economize
seu dinheiro; e se for o Paul, comunique-lhe minhas apreciações.
Você tem notícias dele? Sabe onde ele está atualmente? Quais
são suas intenções quanto a mim? Será que ele pretende me deixar
morrer nesses asilos para alienados? Você é muito dura ao me recusar
um abrigo em Villeneuve. Eu não faria nenhum escândalo, como você
pensa. Ficaria demasiado feliz só por retornar à vida comum para fazer
qualquer coisa. Não ousaria me mexer nunca mais, de tanto que já
sofri. Você diz que seria necessário alguém para cuidar de mim? Como
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assim? Nunca tive uma empregada em toda a minha vida, foi você que
sempre precisou.
Se você me desse apenas o quarto da senhora Régnier e a
cozinha, poderia fechar o resto da casa. Eu não faria absolutamente
nada de repreensível, já sofri demais para conseguir me recuperar.
Você não vê que eles sempre mentem de propósito, para tirar o
seu dinheiro.
Recebi o chapéu, fica bem; o casado, que também serve; as
meias são admiráveis; e o resto do que você me mandou.
Beijos. Camille.”
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Como submodo, a Busca implica em algumas providências clínicas
objetivamente voltadas ao foco existencial ao qual se volta, se queda, e ao qual
tende a pessoa.
Estas providências envolvem:
* Apoiar uma tendência.
* Insistir em uma propensão.
* Ousar por uma trajetória de vida.
* Aconselhar e acompanhar a pessoa na caminhada existencial.
* Recuar e fazer ver motivos para recuos ou avanços que, muitas vezes,
somente podem se efetuar assim.
* Conduzir, induzir, intervir e reforçar, via diferentes submodos, um rumo a
ser cumprido.
* Contornar, afrontar, acentuar trechos da vida.
* Influir, silenciar, autorizar, desautorizar.
* Ir à frente, ir junto, ficar e observar o percurso.
* Analisar o percurso.
* Abrandar, tornar hostil, desafiar um jeito de se conduzir.
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Busca, enfim, como submodo, significa trilhar com a pessoa um
determinado período e espaço da vida desta onde a necessidade é o caminhar para
algo que se apresenta em sua EP como o mais propenso a ser cumprido.
Um lugar existencial qualquer se apresenta à pessoa e o filósofo o
pesquisará e talvez o vivenciará, como objeto, entregando-se ao que se mostra
como vivência. De certo modo, trabalhar a Busca de alguém é muito buscar a
mesma coisa no mesmo contexto, mas evidentemente com outro significado.
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Gravação realizada em aula:
“Packter - ... após os estudos que a gente faz na consideração da EP, vocês
devem observar atentamente qual o caminho existencial que a pessoa percorre, e
também os que se apresentam como possibilidade, e de que maneira é feito isso.
Pensem bem, pensem sobre a determinação tópica dessa Busca. Quero dizer o
seguinte: é mesmo determinante cursar essa trajetória?
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Aluna – Mas pode não ser determinante, nem sempre é, mas às vezes é
importante o caminho para resolver outras coisas na vida da pessoa.
Packter – Exatamente. Penso que muitas vezes vocês utilizarão a Busca
como submodo para que a pessoa percorra alguma trilha existencial secundária,
enquanto que isso apenas pode ser parte de algo realmente muito maior, claro,
pode acontecer.
Aluna – Isso aí... a pessoa pode se enrolar.
Packter – Tendo cuidados nos exames categoriais e na montagem da EP, há
uma boa margem de segurança.
Aluna – Não, não é isso. É que não existe um caminho 100% certo, uma
coisa totalmente objetiva.
Packter – Pois é, acho que não. Na verdade, não sei se não existe. Tem
gente que traça um caminho existencial com régua, regras seguras, planejamento à
prova de abalos. É raro, mas tem. Bom, o risco de enrolar-se na trama existencial
pode ocorrer. Estamos longe das ciências exatas quando trabalhamos a
subjetividade de cada um, mesmo quando nos surpreendemos trabalhando com
robozinhos existenciais.
...
Packter - ... então, quando sabemos da determinação da Busca na vida da
pessoa, imediatamente precisamos pensar em como trabalhar nesse sentido.
Muitas questões surgem... é pertinente ao contexto geral onde está situada a
pessoa? O que significa na malha intelectiva da pessoa, quais as modificações
possíveis em decorrência de se trabalhar a Busca da pessoa – considerando a EP
no todo?
... como submodo cabe ao filósofo identificar as inferências que serão feitas.
Algumas pessoas pedem inferências categóricas, unívocas, bruscas, do tipo “ou
você joga os cigarros no lixo ou quem vai para o lixo é você”. Há outros que
procuraram por um filósofo para terem alguém como acompanhante silencioso e
discreto durante um percurso difícil. A pessoa apenas quer uma companhia à
distância, alguém que vai estar lá quando ela voltar a cabeça e olhar para trás. E
também há quem vai precisar de um braço firme que sirva de amparo durante uma
travessia existencial qualquer. Já cliniquei um rapaz que apenas me relatava suas
andanças existenciais, como quem escreve um diário em voz alta. Depois de
estudar a EP dele, constatei que para efetuar a Busca traçada por ele cabia essa
espécie de subjetividade. E, olhem, de fato, assim foi.”
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Acompanhe a transcrição de parte do caso citado:
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“Cliente – Homem, eu estava me vendendo por aquela mixaria. Mixaria!
Desempregado eu ganho mais. Merda por merda eu sou menos merda. Escuta
aqui, vou contar uma coisa pra você: tem uma data que eu queria largar aquele
troço. Você tem que ver como é que era o meu departamento! Agora estou
desempregado. Agora estou fodido, é verdade. Eu precisava fazer isso, homem.
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Precisava ficar desempregado. Você compreende? Compreendeu? Eu precisava
ficar desempregado para conseguir ir pra frente, porra. Compreendeu? Neste país
se o cara não se fode não muda nada.”
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“Packter - ... notem que muitas vezes a pessoa vai procurar pelo filósofo
para viver Buscas curiosas, como uma criança que brinca sozinha, mas que volta e
meia procura a mãe com os olhos para se certificar de estar sendo acompanhada.
Da mesma maneira, a pessoa pode querer que o filósofo apenas a acompanhe em
silêncio enquanto ela percorre seu caminho existencial.
Aluno – Como é que esse tipo de vivência vai se mostrar na clínica? Como
é que a gente vai entender tudo o que está significando a pessoa?
Packter – Em Buscas dessa natureza, a pessoa vai provavelmente vir ao
consultório relatar... ela vai te descrever o andamento das coisas dela, ela vai
procurar olhos e ouvidos e alguém que apenas compartilhe com ela.
Mas há também milhares de outras Buscas, é bem certo que elas existem.
Às vezes a pessoa vai interromper uma Busca que tinha tudo para se concretizar
porque ela simplesmente já viveu o suficiente do caminho para chegar a conclusão
de que não vale a pena prosseguir. Outras vezes ela pode descobrir que está em
um caminho existencial que na verdade não deseja, mas somente ao começar a
viver esse caminho é que ela pode descobrir isso e...
Aluna – Mas como é que é isso?
Packter – Essa última parte?
Aluna – É, essa parte final.
Packter – Bom, acontece que conforme a EP a pessoa pode precisar viver na
pele alguma coisa para poder decidir a respeito da vivência. Há coisas que os
dados abstratos e a razão não têm como entender. Lembram de Hume, Locke,
Kant, aquela turminha toda avisando sobre os limites da razão? Pois é daquilo que
falo.
... por favor, entendam que não existe um caminho apenas, que para cada
pessoa ele é um ou mais de um. Algumas pessoas precisarão que vocês as
amparem para que elas possam continuar em um caminho necessário e difícil,
algumas pessoas somente conseguirão ir adiante se vocês confrontarem,
duvidarem ou, ainda, se vocês oferecerem obstáculos à caminhada... bom, bem,
aqui quero dizer que pode ser particularmente difícil a um filósofo quando aquela
caminhada já é um tanto difícil sem as complicações que talvez ele precise
acrescentar.
...
... recordo de situações clínicas marcantes. Trabalhei com uma menina em
Curitiba, quando estive estudando na Universidade Tuiuti, que precisou continuar
saindo com amigos que nada tinham a ver com ela, que de certa maneira até
machucavam seu modo de ser no mundo, ela precisou seguir se relacionando com
aquelas pessoas para poder romper de uma vez por todas com eles. Entendem?
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Entre outras coisas, viver o que não se deseja pode ser um pré-requisito ao que
realmente se quer.
Aluno – Pode ser perigoso acompanhar gente como ela.
Packter – Pode ser, sim. Há muitas passagens nebulosas no processo clínico.
Por isso vocês devem ter atenção, compromisso com as partes determinantes,
durante os Exames Categoriais.
Aluno – Nem assim a gente vai ter garantia.
Packter – Pois é. Como vocês sabem, não existe garantia em clínica. Nós
podemos trabalhar com boa margem de segurança. Podemos trabalhar em paz, eu
acho, com o que já sabemos, mas não entendo como poderia haver exatidão em
Humanas. Imagino que as Exatas são mais próprias a termos como certeza,
exatidão, precisão, e coisas do tipo.”
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Para se fazer a Busca, a atenção à EP é fundamental.
Exemplos de Buscas:
1.
Por imperativos, advertências, assertivas categóricas:
“Pare de fumar imediatamente para continuar vivendo. Coloque a carteira
no lixo, pense que certamente vai morrer cada vez que sentir vontade de colocar
um cigarro na boca.”
2.
Por acompanhamento:
“Entendo o que você está fazendo e o que precisa continuar fazendo para
seguir em sua vida em direção ao que você tanto deseja; estamos caminhando
juntos nesse sentido.”
3.
Por afrontamento:
“Até quando você pretende fugir de você mesmo, até quando vai esta
covardia, esse medo da própria sombra?”
4.
Por negativas que serão desautorizadas pela EP da pessoa, levando-a
a fazer exatamente o contrário:
“Não enfrente, não lute, não se ponha contra as coisas, não se mostre
contrário!”
5.
Duvidando:
“Não sei se você é capaz de ir em frente. Eu me pergunto se você está
preparado mesmo. Será que o problema não é demais para você?”
6.
Interpretando (Intencionalidade Dirigida):
“Olhe, este problema significa que você precisava encontrar algo que
desafiasse a sua maneira de entender o mundo. Agora você tem a chance de provar
a si mesmo que realmente pode lutar contra algumas dores. Você tem a chance de
entender que pode finalmente vencer isso.”
7.
Recorrendo a sucessivos Atalhos:
“Você acha que fazendo como está fazendo as chances de seguir adiante
continuam? Você pensa que pode inventar outras saídas para as oportunidades que
vão surgindo em sua vida? O que você acha disso?”
8.
Por Esquemas Resolutivos:
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“Antes de dar o próximo passo, vamos pensar. Por um lado há a
possibilidade de enfrentar; por outro, uma possibilidade de estar neutro... etc”
9.
Por Informação Dirigida:
“Leia outra vez o histórico de sua própria vida e note as alternativas.”
10... até as infinitas opções. Por informação Dirigida e Atalho
associados:
“Após ter lido a história que lhe passei, quais as invenções que podemos
fazer à propósito disso?”
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Conforme já estudamos tantas vezes, os 32 Submodos são apenas letras
de um alfabeto existencial; com eles podemos construir infinitos Submodos.
Podemos associar, quebrar partes, usar apenas pedaços e assim por diante.
Mas o que é mais importante em nossos procedimentos clínicos é que
eles somente apresentam sensatez se relacionados diretamente à EP da
pessoa. Seria perigosamente errôneo, e anti-ético, tomar qualquer dos dez
itens anteriores citados como exemplos e usá-los como se fossem regras. Um
disparate!
É fundamental que eles encontrem reciprocidade, acomodação,
entendimento junto à EP da pessoa.
Do contrário, até podem surtir algum efeito (por puro acaso ou por
coerção), mas essa possibilidade é sinceramente temerária. É inadmissível que
se brinque irresponsavelmente com a EP da pessoa em clínica.
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Transcrição de gravação realizada em aula:
“Packter - ... tenham na idéia que a Busca pode apresentar variações
insólitas. Às vezes a pessoa está alcançando algo pelo qual ela dedicou a vida e
então simplesmente desiste, não quer mais. Outras vezes a pessoa precisa estar
sempre à procura sem nunca encontrar. Eu sei, parece estranho. Mas isso acontece.
Tem gente que não precisa, não quer, ou quer enquanto não alcança...algo. Tem
gente que gosta apenas de buscar, aprecia a própria busca e não exatamente o que
pode alcançar com isso. Tem ainda outras pessoas que buscam o que vai acabar de
vez com elas. Tem também as buscas longas demais para o tempo de uma vida, e
isso vocês somente vão poder conhecer de acordo com os Exames Categoriais. E
lembrem de considerar a interseção! Pois pode acontecer de uma linda interseção
se arrebentar porque as pessoas cresceram em direções opostas, pode acontecer
sim.”
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13. Deslocamento
Curto
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Ocasiões se apresentam nas quais a verificação, a vivência de si mesmo, de
sua intimidade, das subjetividades, tudo se mostra mais propício a ser vivenciado
diretamente nas coisas, não em si mesmo (ou seja, na própria pessoa).
Certas aprendizagens somente se apresentam possíveis se vividas sobre
coisas que estejam fora do corpo, mas que se vinculem a ele através dos sentidos.
Dessa maneira, por exemplo, é possível aprender a manobrar uma bicicleta
apenas olhando outra pessoa a fazer as manobras nela; é possível viver a própria
sexualidade, e ademais, a própria sensualidade, cuidando da maneira veterinária e
própria da reprodução de animais; pode-se conhecer a poesia através das
partículas odoríferas que nos chegam de um jardim; a verdade pode ser entendida
no peso das pedras, na densidade do algodão, em qualquer sítio ou canto que
esteja além das concepções inversivas ou recíproco de inversivas.
Em síntese, o Deslocamento Curto é a maneira de viver nas coisas próximas
as próprias subjetividades.
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Transcrição de gravação realizada em aula:
“Packter – A senhora me faça o favor: diga-me algo sobre o pêlo deste
pequeno ursinho aqui (segurando um pequeno urso de pelúcia).
Aluna – (ri) Dizer alguma coisa? Eu digo. Eu digo que ele é muito fofo. Dá
vontade de abraçar.
Packter – E o que mais? (Brincando) E então, e depois, e daí...
Aluna – Os olhos dele parecem vivos. As orelhas são... são.... As orelhas
são! Essa cor do pêlo é linda.
Packter – Bem, eu vou jogar suavemente este ursinho naquelas almofadas
ali, e preciso que tu me digas o que acontece, está bem?
Aluna - ... eu pensei que fosse fazer um barulho de tecido esfregando em
tecido. Não fez nenhum barulho, fez? Uma coisa que eu observei: ele pareceu
mais leve, muito leve. Eu achava que ele era pesado, só que do jeito como ele
voou pareceu leve.”
...
“Packter - ... são muitas as maneiras de se obter um Deslocamento Curto.
Posso tocar um objeto e sentir suas propriedades corpóreas e...
Aluno – O senhor pode me dar um exemplo?
Packter – Sim. Mas primeiro me diga se este sapato que tu estás usando é
abafado ou ventilado.
Aluno – Ele é bem ventilado. Aqui tem esses furos da passagem do
barbante.
Packter – Obrigado. E tu tens agora um exemplo de Deslocamento Curto ao
teres te deslocado ao objeto e experienciado certas propriedades dele.
Outra maneira é pedir à pessoa informações sobre um objeto qualquer ao
alcance dos sentidos... ou fazendo o objeto agir sobre o indivíduo a ponto de
provocar a atenção para o mesmo.
...
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Packter – Em certos momentos da vida a gente pode se sentir mais
confortável fora da própria pele. Sabem como é? Às vezes a pele, a carne e os
ossos pesam e incomodam. A pessoa pode passar a viver as folhas das árvores, a
suavidade do sol no inverno, o conforto de um travesseiro macio.”
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São incontáveis as maneiras de se conduzir a um Deslocamento Curto:
1. Por Argumentação Derivada: “Por que as folhas desta planta têm uma
forma mais arredondada do que as folhas daquela outra que parece ser da mesma
família?”.
2. Por Em Direção ao Desfecho: “Vamos caminhando por esta calçada,
caminhando rumo à estrada, e a cada passo você pode comentar as modificações
do caminho”.
3. Por Em Direção às Idéias Complexas: “O que você quer dizer quando
afirma a inteligência peculiar desta pequena planta?”
4. Por Em Direção ao Termo Universal associado a Em Direção às
Sensações: “Abrace este ursinho, procure abraçá-lo por inteiro, e descubra o que
ele deve estar sentindo”.
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No Deslocamento Curso a pessoa sai de si mesma e vai conceitualmente, e
então em termo, rumo a objetos ao alcance dos sentidos (presença real e atual).
Isso é feito quando a pessoa vivencia, sob orientação do filósofo, o que ocorre nas
coisas à volta.
A pessoa pode alterar toda uma estruturação intelectiva prévia diante das
vivências realizadas nos Deslocamentos Curtos.
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Transcrição de gravação realizada em aula:
“Packter – Quando existir a possibilidade de se considerar o mundo do
ponto de vista das folhas de uma macieira, quando a gente sentir o corpo como
sendo a própria maçã, e o vento empurrando para baixo e para os lados as gotas
sobre a pele lisa da fruta, ou quando se considerar a temperatura do caroço, ou a
solidez das raízes, quando coisas assim acontecem estamos em Deslocamento
Curto. Para alguns fará toda a diferença do mundo! As coisas serão entendidas de
outra maneira. Kafka exemplificou de mil maneiras isso na Metamorfose.
Hermann Hesse também mostrou isso em Sidharta.
Aluna – Eu lembro que quando era pequena costumava olhar os meus
peixinhos no aquário. Aquilo podia demorar uma tarde toda. Eu pensava como
eles estariam me vendo. Eu pensava o que eles sentiam quando eu aproximava o
meu rosto do vidro. Ficava só imaginando o que eles sentiam enquanto nadavam.
Eu lembro agora que eu estava fazendo um Deslocamento Curto porque isso me
deixava calma. Eu tentava entender o mundo daquele jeito. As pessoas pareciam
ridículas.
Packter – A senhora está nos dando um exemplo e tanto!
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Aluna – Hoje eu sei que posso fazer bem melhor do que fiz. Sei os
elementos necessários para aprofundar a experiência.
...
Packter – Conforme o que temos estudado, é evidente que ninguém
conduzirá uma pessoa a um deslocamento sem conhecer muito bem como está a
EP dela antes. Sem a EP pesquisada, pequenos horrores e grandes desconfortos
podem acontecer. A pessoa pode sentir vertigens, medo, sensação de falta de ar;
também insegurança, desconforto, tontura. Porque deslocar às vezes significa dar
um corpo à pessoa que pode nada ter a ver com ela. Deslocar pode fazer com que a
pessoa apenas vá considerar coisas horríveis em contextos de repúdio. Portanto,
muita atenção. Tenham modos ao usarem os submodos.
...
Packter - ... hoje quero comentar com vocês algo pouco ortodoxo. O fato é
que quando a gente procura a Maria, o Fernando, a Rita, a gente telefona ou vai à
casa deles; ou a gente os procura no trabalho. Na verdade, sabemos, mais ou
menos, onde podemos encontrá-los. E este é um dos sofismas contemporâneos
dos mais curiosos. Sim, porque quer dizer que devo procurar o corpo da pessoa
para achá-la? O corpo? Ora, o corpo é apenas uma parte da EP e nós sabemos,
filósofos clínicos, que muitas vezes não é a parte determinante. Uma pessoa pode
não suportar o próprio corpo, pode fazer manobras até bem complicadas para
evitar, com cuidados, viver inversivamente suas coisas íntimas; ela pode não se
sentir historicamente bem como animal humano, claro que pode não se sentir.
Talvez ela curta as flores do jardim, viva os sentimentos e as complexidades
existenciais dos arbustos, talvez se emocione com os frutos crescendo e
amadurecendo nas árvores, talvez viva suas coisas em Deslocamento Curto.
Talvez nos objetos é que ela encontre toda a subjetividade que precisa para viver
em paz.
Nesse caso, procurem por esta pessoa nas árvores, nos frutos das árvores,
nas folhas e nas raízes do jardim, porque lá é o endereço existencial. Seu próprio
corpo talvez seja o último lugar onde poderão encontrá-la. Seu corpo não é sua
identidade, não é sua imagem, não é seu endereço, não é nem mesmo que a gente
queira que seja. As coisas são às vezes assim mesmo.”
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14. Deslocamento
Longo
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No Deslocamento Longo o filósofo clínico levará a pessoa a se deparar com
elementos que estão fora do alcance imediato dos sentidos, ao contrário do que é
realizado no Deslocamento Curto. As percepções se dão sem a presença do objeto.
Neste submodo o filósofo propicia à pessoa a consideração de dados
conceituais extemporâneos, anacrônicos, e pode subverter entendimentos lógico
formais ou mesmo na lógica de conteúdo.
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Considere o neurologista Oliver Sacks a seguir em seus momentos
inversivos até os momentos em que existem Deslocamentos Longos (note como é
comum que os Deslocamentos Curtos estejam acompanhados de outros
submodos):
“Estou escrevendo com a mão esquerda, embora seja completamente
destro. Fui operado do ombro direito há um mês e atualmente não
devo, não consigo usar o braço direito. Escrevo devagar, desajeitado
_mas com maior facilidade e naturalidade conforme passam os dias.
Estou me adaptando, aprendendo ao longo desse tempo _não apenas a
escrever, mas a fazer uma dúzia de outras coisas com a mão esquerda;
também me tornei muito hábil, capaz de apanhar coisas com os dedos
dos pés para compensar o braço na tipóia. Fiquei sem firmeza por uns
dias, logo que o braço foi imobilizado, mas agora já ando de outra
maneira, descobri um novo equilíbrio. Estou desenvolvendo novos
padrões e hábitos... uma identidade diferente, pode-se dizer, pelo menos
nesta esfera específica. Devem estar ocorrendo mudanças em alguns
programas e circuitos do meu cérebro _alterando cargas sinápticas,
conexões e sinais (embora nossos métodos de obtenção de imagens
cerebrais ainda sejam muito precários para mostrá-las).
Apesar de algumas das minhas adaptações serem deliberadas,
planejadas, e outras aprendidas por tentativa e erro (na primeira
semana machuquei todos os dedos da mão esquerda), a maioria
aconteceu por conta própria, inconscientemente, por intermédio de
reprogramações e adaptações das quais nada sei (não mais do que sei,
ou posso saber, por exemplo, sobre minha maneira normal de andar).
No próximo mês, se tudo correr bem, posso começar a me readaptar
uma vez mais, recuperar o uso integral (e ``natural") do meu braço
direito, reincorporá-lo a minha imagem corporal, à imagem de mim
mesmo, para me tornar novamente um ser humano ágil e destro.
Mas a recuperação, nessas circunstâncias, não é de jeito nenhum
automática, um processo simples de cicatrização _envolve todo um
sistema de ajustes musculares e de postura, toda uma seqüência de
novos procedimentos (e sua síntese), aprender, descobrir um novo
caminho para o restabelecimento. Meu médico, um homem
compreensivo que passou pela mesma cirurgia, me disse: ``Existem
norma gerais, restrições, recomendações. Mas o resto você vai ter que
descobrir por si mesmo". Jay, meu fisioterapeuta, se expressou de
forma semelhante: ``A adaptação segue caminhos diferentes de pessoa
para pessoa. O sistema nervoso cria seus próprios caminhos. Você é o
neurologista _deve ver isso o tempo inteiro".
A imaginação da natureza, como Freeman Dyson costuma dizer, é
mais rica que a nossa; ele discorre, admiravelmente, sobre essa riqueza
nos mundos físico e biológico, a infinita diversidade de formas físicas e
de vida. Para mim, como médico, a riqueza da natureza deve ser
estudada no fenômeno da saúde e das doenças, nas infinitas formas de
adaptação individual com que organismos humanos, as pessoas, se
reconstroem diante dos desafios e vicissitudes da vida.
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Nessa perspectiva, deficiências, distúrbios e doenças podem ter um
papel paradoxal, revelando poderes latentes, desenvolvimentos,
evoluções, formas de vida que talvez nunca fossem vistos, ou mesmo
imaginados, na ausência desses males. Nesse sentido, é o paradoxo da
doença, seu potencial ``criativo", que forma o tema central deste livro.
Assim como é possível ficar horrorizado com a devastação causada
por doenças ou distúrbios de desenvolvimento, por vezes também
podemos vê-los como criativos _já que, se por um lado destroem
caminhos precisos, certas maneiras de executarmos coisas, podem, por
outro, forçar o sistema nervoso a buscar caminhos e maneiras
diferentes, forçá-lo a um inesperado crescimento e evolução. Esse outro
lado do desenvolvimento ou da doença é o que vejo, potencialmente, em
quase todo paciente; e é isso que me interessa especialmente descrever
aqui.
Considerações semelhantes foram feitas por A.R. Luria, que, mais que
qualquer outro neurologista do seu tempo, estudou a sobrevivência de
longo prazo de pacientes com tumores cerebrais, lesões ou derrames e
as maneiras, as adaptações que desenvolveram para sobreviver. Na
juventude, ele também estudou crianças surdas e cegas (com seu mestre
L.S. Vygotsky). Vygotsky salientou a integridade dessas crianças, mais
que suas deficiências:
``Uma criança deficiente representa um tipo de desenvolvimento
qualitativamente diferente e único. (...) Se uma criança cega ou surda
atinge o mesmo nível de desenvolvimento de uma criança normal, ela o
faz de outra maneira, por outro percurso, por outros meios; e, para o
pedagogo, é particularmente importante estar ciente da singularidade
desse caminho pelo qual ele deverá guiar a criança. Essa singularidade
transforma o negativo da deficiência no positivo da compensação".
A ocorrência dessas adaptações radicais exigia, segundo Luria, uma
nova visão do cérebro, não mais como programado e estático, mas como
dinâmico e ativo, um sistema adaptável altamente eficiente, direcionado
para a evolução e a mudança, adaptando-se incessantemente às
necessidades do organismo _sobretudo a sua necessidade de construir
um eu e um mundo coerentes, independentemente dos defeitos e males
que podem acometer a função cerebral.
Está claro que o cérebro é minuciosamente diferenciado: existem
centenas de áreas minúsculas cruciais para cada aspecto da percepção e
do comportamento (da percepção das cores e do movimento até, talvez,
a orientação intelectual de um indivíduo). O milagre é a maneira como
elas cooperam, como se integram, na criação de um eu (1).
Esse sentido da notável maleabilidade do cérebro, sua capacidade
para as mais impressionantes adaptações, para não falar nas
circunstâncias especiais (e freqüentemente desesperadas) de acidentes
neurológicos ou sensórios, acabou dominando minha percepção dos
pacientes e de suas vidas. De tal forma, na realidade, que por vezes sou
levado a pensar se não seria necessário redefinir os conceitos de
``saúde" e ``doença", para vê-los em termos da capacidade do
organismo de criar uma nova organização e ordem, adequada a sua
disposição especial e modificada e a suas necessidades, mais do que em
termos de uma ``norma" rigidamente definida.
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A enfermidade implica uma contração da vida, mais tais contrações
não precisam ocorrer. Ao que me parece, quase todos os meus
pacientes, quaisquer que sejam os seus problemas, buscam a vida _e
não apenas a despeito de suas condições, mas por causa delas e até
mesmo com sua ajuda.
Para o médico, o estudo da doença exige o estudo da identidade, os
mundos interiores que os pacientes criam sob o impulso da doença. Mas
a realidade dos pacientes, as formas como eles e seus cérebros
constroem seus próprios mundos, não pode ser totalmente
compreendida pela observação do comportamento, do exterior. Além
da abordagem objetiva do cientista, do naturalista, também devemos
empregar um ponto de vista intersubjetivo, mergulhando, como escreve
Foucault, ``no interior da consciência mórbida, (tentando) ver o mundo
patológico com os olhos do próprio paciente". Ninguém escreveu
melhor que G.K. Chesterton, pela boca de seu detetive espiritual, o
padre Brown, sobre a natureza e a necessidade dessa empatia. Assim
responde o padre Brown, quando questionado sobre seu método, seu
segredo:
``A ciência é uma grande coisa quando está a nossa disposição; no seu
verdadeiro sentido, é uma das palavras mais formidáveis do mundo.
Mas o que pretendem esses homens, em nove entre dez casos, ao
pronunciá-la hoje? Ao dizer que a detecção é uma ciência? Ao dizer que
a criminologia é uma ciência? Pretendem colocar-se no exterior de um
homem e estudá-lo como se fosse um inseto gigante, sob o que
chamariam luz severa e imparcial _e que eu chamaria morta e
desumanizada. Pretendem distanciar-se dele, como se ele fosse um
remoto monstro pré-histórico, e fitar a forma de seu ``crânio
criminoso" como se fosse uma espécie de sinistra excrescência, como o
chifre de um rinoceronte. Quando o cientista fala de um tipo, nunca
está se referindo a si mesmo, mas a seu vizinho, provavelmente mais
pobre. Não nego que a luz severa possa ser benéfica às vezes, embora,
em certo sentido, ela seja o oposto da ciência. Longe de converter-se em
conhecimento, ela é a supressão do que sabemos. É tratar um amigo
como estranho e fazer com que algo familiar pareça remoto e
misterioso. É como dizer que o homem carrega uma probóscide entre os
olhos e que cai num estado de insensibilidade a cada 24 horas. Bem, o
que você chama de ``segredo" é exatamente o contrário. Não tento me
colocar do lado de fora do homem. Tento me colocar no seu interior".
A exploração de identidades e mundos profundamente alterados não é
algo que se possa fazer inteiramente num consultório. O neurologista
francês François Lhermitte é especialmente sensível a isso e, em vez de
observar seus pacientes apenas na clínica, insiste em visitá-los em casa,
levá-los a restaurantes ou teatros, ou passear de carro com eles,
compartilhar suas vidas ao máximo. (O mesmo acontece, ou costumava
acontecer, com os clínicos gerais. Quando meu pai, por exemplo,
começou a considerar, com relutância, a aposentadoria, aos 90 anos,
nós lhe dissemos: ``Pelo menos elimine as consultas a domicílio". E ele
respondeu: ``Não, vou mantê-las _em compensação, abro mão de todo o
resto").
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Com isso em mente, tirei meu guarda-pó branco e desertei, em grande
parte, dos hospitais onde passei os últimos 25 anos, para pesquisar a
vida de meus pacientes no mundo real, sentindo-me em parte como um
naturalista que examina formas raras de vida, em parte como um
antropólogo, um neuroantropólogo, em trabalho de campo _mas
sobretudo como um médico, chamado aqui e acolá para fazer visitas a
domicílio, visitas às fronteiras distantes da experiência humana.”
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Transcrição de gravações feitas em aula:
“Packter - ... quero que vocês tenham segurança nestes conceitos. Vamos lá,
gente, prestem atenção aqui! Quando o senhor (aponta para aluno) vê as ondas dos
mar crepitando feito pipoca mansa, isso é um Deslocamento Curto. Mas quando o
senhor estiver depois longe do mar, na cantina ali da esquina, contando como
crepitavam aquelas ondas, então teremos um Deslocamento Longo. Isso é tão
tranqüilo de entender quanto água de poço, hein?
... vocês vão fazer este tipo de submodo quando a pessoa não suportar viver
sua realidade imediata e atual, quando ela precisar de distância conceitual para
discernir ou para elaborar certas coisas, quando o longe for existencialmente mais
recomendável ao perto, quando for preciso que a existência seja experienciada
espacialmente e temporalmente de outra ocasião...
... certas coisas parecem bem simples. O melhor endereço existencial nem
sempre é o do próprio corpo. Exatamente. Muitas nuanças da vida a gente somente
vai conseguir viver quando se exercitar um Deslocamento Longo – porque a
proximidade das vivências inversivas ou recíproco de inversivas pode queimar a
experiência, mais ou menos como uma superexposição de um filme à luz. Notem
que me refiro indiretamente aos trabalhos de Brentano (Psychology from an
Empirical Standpoint), Fichte (Traços Fundamentais da Época Presente), Gabriel
Marcel (The Mystery of Being), e, de um jeito pouco contundente, Bergson
(Matter and Memory).”
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Não é raro que a pessoa prefira gozar sua vida através de percepções sem
objeto. O desvario, o delírio, a consideração à distância podem ser exatamente
necessários. Muitos eventos, contextos, situações cegariam existencialmente a
pessoa se fossem vividos diretamente em Deslocamento Curto – ou em alguma
das possibilidades inversivas.
Isso é evidente quando podemos lembrar perfeitamente de situações ou de
pessoas, desde que tenhamos a segurança de que estão distantes o suficiente. A EP
pode ter urgência no afastamento, na ausência de qualquer proximidade com
objetos, pessoas etc. Essa distância não significa alienação. Não significa temor,
aversão ou qualquer forma abrandada de “patologia”. Na maior parte dos casos, o
significado é outro.
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Maneiras básicas de se fazer Deslocamento Longo:
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1. Por considerações a dados conceituais fora do alcance dos sentidos.
Exemplos: a lembrança de um riacho inclinado sobre as próprias pedras; o
pensamento que se ocupa e vaga por um sorriso afetuoso que se espera de
alguém; a ocupação da mente com o vento que virá à noite etc.
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2. Por inferência direta de termos agendados no intelecto.
Exemplos: o toque delicado sobre a mão da pessoa a leva a uma cena de
tranqüilidade em um momento de sua vida; a leitura de um poema que
promove um deslocamento em direção às cores de um sol poente etc.
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15. Adição
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Transcrição de gravação realizada em aula:
“Packter – A clínica nos dá uma chance muito bonita de aprendizagem. Aos
poucos o filósofo começa a entender como se organizam as Eps. Algumas se
agregam, outras preferem um modo qualquer de amontoamento, umas poucas se
isolam das demais, certas Eps se isolam de si mesmas para que assim possam se
encontrar com as outras, mas nada aqui parece ser garantia.
...
... quando a EP utiliza processos aditivos ou de Adição, o filósofo pode
conferir que está lidando com estruturações matemáticas, numéricas, de
composições quantitativas. A pessoa considera as coisas por medidas, pesos,
exatidões, perspectivas exatas. Sabem como é? Aquela coisa da pessoa dizer “mas
o que você ganha com isso? Quanto vale o amor de uma mulher? Qual o tamanho
do Universo?”...
... a pessoa torna a experiência um dado mais contábil e menos estético.
Como se as árvores que balançam suavemente ao vento, desprendendo suas folhas
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amarelecidas pelo outono, não pudessem ser vivenciadas na qualidade do aroma,
das cores, da própria poesia que exalam, e tudo junto a que remetem nossos
estados sensoriais e de alma mais fundos... como se tudo virasse agora quantidade:
número de árvores por hectare, capacidade de produção de frutos por pé cultivado,
custo para isso e para aquilo etc e mil vezes etc.
... na verdade, nada existe de errado no processo de Adição, como
exatamente pode transparecer na maneira como exponho o assunto. O fato de
quantificar ou qualificar as coisas existenciais exibe somente o modo de ser da
pessoa no que se refere a algo.”
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Expressões que indicam processos de Adição:
- Você gosta mais dela ou de mim?
- Quantos soldados são?
- Cada um vale somente o que pesa em dinheiro.
- Para fazer o seu trabalho, somente se o salário for acima de 1000 dólares.
- Naquele quadro ele pintou doze flores.
- Deixe-me enumerar: Primeiro,...
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“Packter - ...ainda que os processos de aditar possam ser determinantes na
EP da pessoa, é difícil afirmar que eles estejam isolados de outras concepções. O
mais usual é averiguar que ao adir a pessoa engloba conteúdos axiológicos,
estéticos, sensoriais, abstratos, epistemológicos, e assim vai... Isso é o mais
freqüente, é o que vocês vão encontrar mais e mais na clínica. A pessoa às vezes
pode também usar o acrescentar, o adicionar, apenas para obter acesso a vivências
estéticas e sensoriais. Nesse caso, claro, a Adição passa a ser um submodo
coadjuvante ou de apoio a outro que emerge como responsável direto da ação.
Como vocês bem sabem, os aspectos submodais são tão amplos quanto
provavelmente costumam nos acometer de súbito. Quero dizer que o processo de
matematizar as coisas é apenas um aspecto que não é necessariamente o aspecto
fundamental, no sentido de ser determinante ou não, está bem?”
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Muitas são as maneiras de se fazer Adição.
1. Adição básica
Acrescenta-se conceitos e termos que levarão a uma conseqüência: estudar
+ dedicação aos estudos + conhecimento daquilo que gosta + prazer por fazer o
que aprecia = trabalhar satisfatoriamente, do ponto de vista subjetivo, com o que
deseja trabalhar.
Esse modo básico de adir é muito utilizado na educação e em vida familiar,
mas essencialmente é utilizado na sociedade no cotidiano.
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2. Adição negativa
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Acrescenta-se dados conceituais negativos de modo a desfazer, negar, evitar
uma conseqüência: continuar fumando polui o escritório + a tosse se acentua + o
mal cheiro continuado nos cabelos e roupas + risco de graves problemas orgânicos
iminentes + afastamento dos amigos = fumar menos.
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3. Variantes dessas Adições iniciais dizem respeito a dados divisórios,
enraizamentos, e composições diversas com os demais submodos.
A . Composição de Adição e Atalho: se você trabalhar bastante + se você
poupar bastante + se você souber escolher corretamente = automóvel desejado.
B. Composição de Adição e Esteticidade: a pessoa chora + esbraveja +
golpeia com os pés a almofada + escreve desaforos e vitupérios = alívio de estados
agravados de stress.
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“Packter – O que existe de nevrálgico em tudo o que estamos conversando
sobre as maneiras de se fazer a Adição é que os dispositivos empregados pedem
acréscimos. Os acréscimos são assertivas, negativas, interrogações, composições
de agregados.
Não se trata dos caminhos continuados do Em Direção ao Desfecho nem do
conhecido sistema de confronto e comparação do Esquema Resolutivo. Na
Adição, a soma de determinados conceitos e termos levará a uma conseqüência.
Pensem em um copo cheio de água e prestes a transbordar se as gotas
continuarem a pingar sobre ele. É assim que ocorre. E vocês então bem podem
considerar que certos processo de Adição inexoráveis da vida bem podem ser
suavizados por Esteticidade Seletiva, como alguém que está sufocado por excesso
de trabalho, mais os problemas domésticos, mais os impostos, e se relaxa quando
pode curtir uma paisagem campestre de fim de tarde.”
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BIBLIOGRAFIA BÁSICA À FILOSOFIA CLÍNICA
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Devo ao amigo e colega filósofo clínico, Paulo Sérgio R. da Silva a
pesquisa desta Bibliografia. Paulo Sérgio teve a coragem e a paciência de
garimpar em Bibliotecas da PUC, UFRGS e Instituto Goethe, além de livrarias e
sebos de Porto Alegre, os livros que citei como bibliografia básica à Filosofia
Clínica. Procurou e achou as versões em espanhol, inglês, francês e em português
dos textos.
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Aristóteles. Ética a Nicômacos. Brasília: Editora da UNB, l985.
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_________. Organon. Categoria. Lisboa: Guimarães, 1985.
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_________. Tópicos = Os Pensadores 4. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
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_________. Tratado de Lógica: Órganon. Madrid: Gredos, 1988.
1
2
Ayer, Alfred Julius. O Problema do Conhecimento. Lisboa: Ulisseia, 1970.
3
4
5
6
Adorno, Theodor. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio
de Janeiro: Zahar, 1986.
7
_______________. Philosophie der neuen musik. Frankfurt: Suhrkamp,
8
9
1990.
10
11
12
Austin, John Langshaw. Quando dizer é fazer: Palavra e Ação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1990.
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14
Bacon, Francis. Novum Organum. Buenos Aires: Losada, 1961.
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17
Bergson, Henri. Matéria e Memória: Ensaio sobre a relação do corpo com
o espírito. São Paulo: Marins Fontes, 1990.
18
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20
____________. Na Introduction to Metaphysis. Hackett Publishing Co:
Published,1999.
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23
____________. Time and Free Will: Na Essay on Imnediante Data of
Consciousness. Amazonbook: Published, 1997.
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____________. Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência. Lisboa:
Edições 70, 1990.
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Berkeley, George. Três Diálogos entre Hylas y Filonous. Madri: Aliança
Editorial, 1990.
30
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32
Bretano, Franz. Psychologie vom empirischen standpunkt. Hamburg: F.
Meiner, 1971-74.
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34
Buber, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
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36
___________. A Believing Humanism: My Testament.
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38
39
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POSFÁCIO
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Ultimamente venho exercendo a atividade clínica em muitas cidades, venho
atendendo a dezenas e centenas de pessoas, e a cada momento me tenho diante de
tudo o que pesquiso com meus alunos e colegas. Os resultados do trabalho que
está sendo realizado são os parâmetros seguros para o desenvolvimento e à
complementação de tantas pesquisas práticas.
Neste momento, a Filosofia Clínica se tornou o maior movimento já
realizado na Filosofia acadêmica na história deste país. O Instituto Packter,
sediado em Porto Alegre, começa a se tornar rapidamente pequeno diante do
crescimento da Filosofia Clínica. As Associações Regionais de Filosofia Clínica
começam a aparecer velozmente e assim ameniza-se a tarefa dos filósofos
gaúchos.
Como tenho exercido a clínica gratuitamente nos últimos anos, além de
nada cobrar pelo uso dos Cadernos, pelo nome da Filosofia Clínica ( o Instituto
não recebe um único centavo de qualquer filósofo clínico; o que cada filósofo
produz é somente dele), peço com insistência aos filósofos que me acompanham,
em contrapartida, ética e carinho para com seu próximo, seja o próximo uma
árvore, um animal, um ser humano, uma pedra ou simplesmente o vento nas folhas
durante o outono. Provavelmente todos os que trabalham comigo têm
conhecimento da verdade dessas palavras. Peço aos filósofos clínicos que
retribuam fazendo pelos outros um pouco daquilo que eles tão generosamente
receberam.
Os filósofos clínicos crescem e são mais numerosos a cada dia.
Acho fundamental deixar a Filosofia Clínica aberta a novas concepções, à
dialética, ao desenvolvimento. Na minha opinião devemos rever nossos
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postulados, acrescentar e diminuir outros conceitos, trabalhar continuamente as
questões que vão surgindo. Que seja essa uma de nossas rotinas.
As vozes dissonantes precisam ser ouvidas e consideradas, as idéias de
conciliação e de revolta, todas as novas propostas apaixonadas precisam ter um
lugar de luz ao sol. Assim evitamos o perigo de engessarmos nossos trabalhos.
Meu Instituto deu uma importante contribuição como começo de
caminhada.
A começar de agora, o Instituto Packter devagar retorna à vocação de
formação de filósofos clínicos, às consultas, à pesquisa. Aos poucos, todas as
demais atividades estão sendo endereçadas aos centros de Filosofia Clínica que
surgem pelo país.
Porto Alegre ficará em breve apenas como referencial. Agregará um grupo
de filósofos clínicos muito bem preparados que darão suporte aos inúmeros
centros. Tendo servido de trampolim à Filosofia Clínica, o Instituto Packter
retorna ao tamanho que lhe é cabido.
O que unirá todos os centros e filósofos clínicos será um Código de Ética,
exercido por um Conselho de Ética, a Comissão de Implantação de Curso e um
grupo de conselheiros do Instituto Packter.
Minha tarefa de semeador de uma boa nova vai concluindo o ciclo.
Pretendo seguir acompanhando os filósofos clínicos com amor e com tudo o
que conheço, como um farol aceso, quando for preciso, e como um farol distante,
quando for preciso.
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Lúcio Packter
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