PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA End.: Av. Agostinho Pereira, 514

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Texto tirado do livro: Ivo STORNIOLO, Como ler o Evangelho de Lucas, 7ª ed., Paulus, São Paulo, 2009, e compilado
pelo Fr. Pedro Paulo dos Reis Mendes, scj
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PRIMEIRA AULA
1.0- A OBRA DE LUCAS
1.1- Uma obra em dois volumes.
Ao examinarmos o terceiro evangelho, devemos primeiro levar em conta que ele é apenas a primeira
parte de uma obra que foi pensada e deve ser lida como um todo; sua continuação é o livro dos Atos dos
Apóstolos (compare Lucas 1,1-4 com Atos 1,1-8). O evangelho apresenta o caminho de Jesus, Atos
apresenta o caminho da Igreja e, juntos, formam o caminho da salvação. No centro de tudo temos a cidade
de Jerusalém, ponto de chegada do caminho de Jesus e ponto de partida do caminho da Igreja, que continua
a missão de Jesus até os confins da terra (At 1,8).2
1.2- Para apresentar a história da salvação.
O que pretendia o autor com essa obra em dois volumes? Se examinarmos Lucas 16,16,
perceberemos logo que ele queria oferecer aos seus destinatários uma visão completa de como a salvação
que Deus oferece se manifesta e se realiza na história. Diz ele: “A Lei e os Profetas chegaram até João; daí
para a frente o Reino de Deus e anunciado, e cada um se esforça para nele entrar, com violência”. Dessa
afirmação podemos deduzir que o autor divide a intervenção de Deus para salvar em três grandes etapas.
- O tempo do Antigo Testamento (Lei e Profetas era um modo de se referia a todo o AT), que chega
até a atividade de João Batista. Esse é o tempo de Israel, o povo da antiga aliança, ao qual Deus revelou sua
vontade e projeto através do Espírito profético;
- O tempo de Jesus, ou tempo do Reino, englobando toda a palavra, ação e vida de Jesus, que
culminou com a sua morte e ressurreição. Aqui se realiza tudo o que o povo de Deus esperava: Deus
manifesta inteiramente o seu projeto de salvação através da ação e da palavra de Jesus; o Espírito de Deus
está concentrado em Jesus como força que revela e concretiza o Reino de Deus nos limites geográficos da
Palestina, dentro do seu povo;
- O tempo da Igreja, quando o Espírito de Deus que estava presente em Jesus é entregue à
comunidade que o acompanhara. Depois da morte e glorificação de Jesus, a comunidade recebe a força do
Espírito de Deus e de Jesus, para continuar a ação e a palavra dele no mundo inteiro, em todos os tempos e
lugares. A essa ação da Igreja o autor consagrou todo o livro dos Atos.3
Em esquema, teríamos:
Ivo STONIOLO, Como ler o Evangelho de Lucas – os pobres constroem a nova história, 7ª ed., 2009, Paulus, São Paulo, pp.
7-8.
3
Idem, p. 8.
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1.3- O grande passo.
Vendo o conteúdo dos dois volumes escritos pelo terceiro evangelista, podemos avaliar o grande
passo que ele deu. Esse passo já fora começado pelo apóstolo Paulo que, diante da recusa dos judeus, saiu
para anunciar o evangelho aos pagãos. Ora, o terceiro evangelista, depois de Paulo, levou isso á frente, e sua
obra testemunha que o Reino de Deus e seu núncio não são para ficar restritos ao mundo da Palestina, mas
devem se difundir pelo mundo inteiro, encarnando-se nos diversos povos e culturas.4
1.4- O autor.
Quem está por trás desse que é o maior conjunto de escritos do Novo Testamento? Desde o céc. II o
testemunho da Igreja é unânime em afirmar que o autor é Lucas. Nos escritos de Paulo encontramos esse
nome citado três vezes: Colossenses 4,14; segunda carta a Timóteo 4,11; Filemon 24. Lucas seria “o querido
médico” que acompanhava Paulo em suas viagens e com ele esteve preso nas perseguições. Uma
confirmação disso encontramos no livro dos Atos, em que o autor começa, a certo momento, a usar o “nós”,
o que nos leva a supor que ele acompanhava Paulo nas viagens (veja At 16,10-17; 20, 5-15; 21,1-18; 27,128,16).
Lucas era, portanto, uma pessoa de certa posição (médico), que conhecia muito bem a língua grega e
escrevia principalmente para o povo de língua grega. Alguns acham que ele era grego e escreveu sua obra
em Antioquia da Síria, entre os anos 80 e 90 d.C.5
1.5- Os destinatários.
Lucas dedicou seu livro a um certo Teófilo (Lucas 1,3; Atos 1,1-2), certamente uma pessoa de
posição, um mecenas de influência que certamente teria patrocinado a produção e a difusão da obra de
Lucas, segundo o costume daquela época.
Contudo, é lendo a obra de Lucas que encontraremos os verdadeiros destinatários. Lucas tem uma
grande preocupação social e dedica muita atenção às pessoas. E sua preferência está sempre do lado dos
pobres, dos humildes e pequenos, e principalmente os marginalizados, os pecadores públicos e as mulheres –
estas que eram tão ausentes da vida social no mundo palestino.6
2.0- O MAPA DO EVANGELHO DE LUCAS
2.1- Plano de Lucas.
Prólogo (1,1-4): apresenta o método e a intenção do evangelista. Ele pesquisou a vida de Jesus, consultando
as testemunhas oculares e os pregadores do evangelho, para fazer uma narrativa ordenada da catequese da
Igreja primitiva.
O texto do evangelho se divide em dois grandes conjuntos:
I- PREPARAÇÃO (1,5-4,13): REVELAÇÃO DO MISTÉRIO DE JESUS.
4
Idem, p. 9.
Idem, pp. 9-10.
6
Idem, p. 10.
5
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Neste conjunto Lucas apresenta as bases sobre as quais se assenta a vida de Jesus. Essas bases
permitem ao leitor compreender o mistério profundo da pessoa de Jesus que se revelará depois, através da
sua palavra e ação. Temos aqui duas partes:7
1) Duas infâncias (1,5-2,52): João Batista e Jesus
Não se trata de história propriamente dita. Misturando dados históricos e alusões propriamente dita.
Misturando dados históricos e alusões ao Antigo Testamento, Lucas produz uma narrativa profética,
mostrando a missão de João e a de Jesus. João é o último profeta, anunciando o despontar da era messiânica
(1,76-77). Jesus é o Messias prometido, o Filho de Deus que veio trazer o Reino para todos (1,32-33; 2,2931). Com a exceção de 1,39-56; 2,22-27 e 2,41-51, os textos sobre João e Jesus correm em perfeito paralelo.
Lucas quer salientar a superioridade de Jesus.8
2) Preparação da missão de Jesus (3,1-4,13).
Como profeta-arauto da era messiânica, João Batista prepara as multidões para acolher a Jesus (3,120). Na linha dos profetas, ele anuncia a chegada de Jesus e do Reino, e exige a conversão. Mas João não é o
Messias. Jesus se prepara para a missão (3,21-4,13). No batismo ele recebe o Espírito Santo, que o consagra
para a realeza, como Rei-Messias, o Filho de Deus. A genealogia mostra que Jesus é Filho de Deus e da
humanidade, e que veio para realizar uma missão universal: trazer vida a todos, tornando todos filhos de
Deus.9
II- REALIZAÇÃO (4,14-24,53): A ATIVIDADE LIBERTADORA DE JESUS.
Neste segundo conjunto Lucas apresenta a palavra e a ação, o exemplo e o testemunho de Jesus,
primeiro junto ao povo todo, depois junto aos discípulos e, finalmente, diante dos poderosos, com todas as
consequências: prisão, condenação, tortura, morte, ressurreição e glória junto ao Pai.10
1- Na Galileia: Jesus na periferia do povo (4,14-9,50). A Galileia era a região mais ralé do povo,
considerado pelas autoridades como ignorante, marginal e pecador. É aí que Jesus anuncia a palavra e
pratica a ação libertadora, realizando sinais que indicam a transformação da realidade (14 dos 18 milagres
deste evangelho estão nesta parte). O resultado é duplo: o povo reconhece Jesus como o grande profeta que
trouxe a visita de Deus ao seu povo (7,16); os discípulos pouco a pouco vão percebendo o mistério de Jesus:
ele é o Messias de Deus (9,20).11
2- Em viagem para Jerusalém: da periferia para o centro (9,51-19,28). É a parte mais original de
Lucas, que lhe consagra dez capítulos, enquanto Marcos apenas um e Mateus dois. Trata-se de uma grande
catequese para os discípulos que querem seguir o caminho de Jesus, preparando o caminho dos discípulos e
da Igreja depois da Páscoa. Toda esta parte está voltada para o mistério pascal: em 9,31 se falava do “êxodo”
de Jesus e, na cruz, temos o desfecho da libertação: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (23,46). A
caminhada para Jerusalém, portanto, é a caminhada da libertação, tanto para Jesus como para todos os que o
seguem.12
7
Idem, pp. 12-13.
Idem, p. 13.
9
Idem, ibidem.
10
Idem, pp. 13-14.
11
Idem, p. 14.
12
Idem, ibidem.
8
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3- Em Jerusalém: confronto com os poderosos (19,29-24,53). É na cidade-capital que reside o
centro dos poderes econômico, político, social e religioso, bem como a elite dos poderosos que controlam
determinam a sorte do povo. Jesus se confronta com os poderes e sofre as consequências de toda a sua vida,
voltada para a causa do povo. Esta parte pode ser dividida em três:
a- Confronto com as estruturas e poderes da cidade (19,29-21,38). Jesus denuncia e luta contra as
estruturas injustas e os seus mantenedores, que exploram e oprimem o povo, reduzindo-o à miséria. Jesus
anuncia o fim de Jerusalém.
b- Consequências do confronto (22-23). A ousadia da ação popular de Jesus e do seu confronto
com as estruturas e poderes injustos tem um preço alto: Jesus é preso e julgado, e, sob a acusação de
subversivo revoltado, recebe a sentença de morte.
c- A glória de Jesus (24). Jesus não permanece morto, porém. No domingo, o “dia do Senhor”, ele
ressuscita e se manifesta nos caminhos da humanidade e aos apóstolos que continuarão sua missão. E Jesus
volta ao Pai, como Messias-Rei, Senhor da humanidade e do universo.13
3.0- O ANÚNCIO DA NOVA HISTÓRIA (1,1-38).
3.1- Método e intenção de Lucas (1,1-4).
Como os escritores gregos de seu tempo, Lucas começa o evangelho com um prólogo, explicando
seu método e intenção. Como pertencia à segunda geração cristã, teve de recorrer à pesquisa, examinando
documentos já escritos, consultando os apóstolos (testemunhas oculares) e os evangelizadores que vieram
depois (pregadores da palavra), a fim de escrever as tradições sobre Jesus (evangelho) e sobre a Igreja
nascente (Atos). Queria fazer uma narração bem ordenada, isto é, didática, meditada e coerente. Sua obra foi
dedicada a Teófilo, certamente uma pessoa de posição que, segundo o costume, teria patrocinado e iria
difundir os escritos. A intenção última de Lucas era confirmar o ensinamento (catequese) da Igreja
nascente.14
3.2- Deus responde à súplica dos pobres... (1,5-25).
Este evangelho começa e termina no Templo (24,53), pois era aí que o povo fiel se reunia para
suplicar, agradecer e louvar a Deus. É o tempo do rei Herodes Magno (37 a.C. – 4 d.C.), cujo reino incluía a
Judéia, Samaria, Iduméia e Galileia. Como Abraão e Sara (Gênesis 18), Zacarias e Isabel são idosos e ela é
estéril. Representam assim o povo de Deus, o “resto” justo e fiel que esperava a libertação (Sofonias 3,12).
Eles são o povo pobre que, sem poder recorrer a mais nada, depende de Deus e do seu projeto para viver.
Zacarias e Isabel eram de famílias sacerdotais, famílias numerosas que raramente podiam servir o
Templo. Zacarias é sorteado, entra no santuário para oferecer incenso, e aí tem uma visão. O anjo Gabriel
(=Deus é forte) é o mensageiro do tempo da salvação (Daniel 9,21-27), e traz a mensagem que é o início do
evangelho (= “boa notícia”; 1,19).
O anúncio é que Deus vai atender ao pedido de Zacarias (=Deus se lembra) e Isabel terá um filho que
será chamado João (=Javé tem piedade), trazendo alegria a Zacarias e a muita gente. Por quê? O anjo
explica: o menino será “grande diante do Senhor”, ou seja, será inteiramente consagrado ao serviço de Deus,
como os antigos ascetas (não beberá bebidas fortes; Números 6,3-4). Como Jeremias 1,5, ainda no útero
receberá o Espírito Santo para realizar uma missão profética: anunciar a conversão, “reconduzindo muitos
do povo de Israel ao Senhor seu Deus”. Será como o profeta Elias, cuja volta todos esperavam, pois ele iria
preparar a era messiânica (Malaquias 3,23-24). João, portanto, será Elias para preparar para o Senhor Jesus
13
14
Idem, p. 15.
Idem, pp. 16-17.
5
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“um povo bem disposto” a acolher o Messias que traz a harmonia (pais e filhos) e o discernimento da justiça
que leva à vida (sabedoria dos justos).15
3.3- ...lhes envia seu Filho como Messias (1,26-38).
Em paralelo ao anúncio do nascimento de João, temos o de Jesus, mas salientando sua superioridade.
A cena é diferente: uma casa em Nazaré, insignificante aldeia da Galileia: Jesus vai nascer no meio do povo
pobre. O mesmo anjo Gabriel a saúda com o anúncio da chegada da era messiânica (Sofonias 3,14-17).
Maria fica preocupada. O anjo explica: ela conceberá e terá um filho, e lhe dará o nome de Jesus (=Javé
salva; ver Isaías 7,14). E agora vem o mistério de Jesus: ele é o Messias, que Israel chamava de filho
adotado por Deus, e herdará o trono do rei Davi (2Samuel 7 e Isaías 9,5-6). Em outras palavras, o Messias
esperado nasce dos pobres e, através da prática da justiça, libertará o povo para a era de prosperidade e paz
(Isaías 11,1-9 e Sl 72).16
SEGUNDA AULA
1.0- OS POBRES RECONHECEM A AÇÃO DE DEUS (Lc 1,39-80).
1.1- Os pobres se solidarizam (Lc 1,39-45).
Levada pela disponibilidade e solidariedade, Maria viaja até uma cidade de Judá – uns 160 Km –
certamente para ajudar a prima idosa que está em gravidez avançada. Temos então o encontro de duas mães
e, dentro dele, o encontro de dois meninos, que também se reconhecem.
Ainda no útero, João recebe o Espírito Santo (cumprimento de 1,15), e já começa a missão de
apontar o Messias esperado (confira com o evangelho de João 1,26 e 36). Movida pelo Espírito, Isabel
profetiza, reconhecendo o segredo que acontece no corpo e na vida de Maria: ela é a mãe do Messias, o
Senhor (título divino). Por isso elogia a grande fé de Maria, chamando-a de a mais abençoada das mulheres.
O v.56 lembre 2 Samuel 6,2-11: Maria ficou com Isabel três meses (até o parto), assim como a Arca da
Aliança, sinal da presença de Deus, ficara três meses na casa de Obededom: com Jesus no útero, Maria é a
Arca da Nova Aliança.17
1.2- Os pobres reconhecem a ação de Deus (Lc 1,46-55).
O cântico de Maria (Magnificat) tem muitas lembranças do Antigo Testamento, e segue de perto o
cântico de Ana (1 Samuel 2,1-10). Lucas certamente usou aqui um salmo dos “pobres de Javé”, o resto do
povo fiel que permaneceu humildemente abeto a Deus (Sofonias 2,3;3,11-13).
Na pessoa de todos os pobres que esperam a salvação, Maria reconhece e se alegra com a grandeza
de Deus (Lc 1,46-47; Habacuc 3,18). Por quê? Porque viu a humilhação do seu povo, e veio libertá-lo aos
olhos de todos (1,48; 1Samuel 1,11). Com efeito, a maior glória e testemunho da santidade e da misericórdia
de Deus é ele se aliar e assumir a situação dos pobres, a fim de libertá-los, dando eficácia à luta deles (Lc
1,49-50; Dt 10,21; Sl 103,17).18
1.3- “O que esse menino vai ser?” (Lc 1,57-66).
15
Idem, pp. 17-18.
Idem, pp. 18-19.
17
Idem, pp. 21-22.
18
Idem, p. 22.
16
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O nascimento de João cumpre a mensagem do anjo (1,20), e o término do tempo da gravidez de
Isabel marca também o fim do tempo da espera da salvação. A alegria dos vizinhos e parentes ecoa 1,14. A
circuncisão era feita oito dias depois do nascimento (Gn 17,12); nessa ocasião dava-se o nome à criança e
fazia-se uma festa com os parentes e vizinhos. A insistência no nome de João é para frisar o tempo da graça
e misericórdia que vai começar, pois João significa “Javé tem piedade”. De fato, João será o arauto de Jesus,
que traz a graça de Deus para libertar os pobres e marginalizados (ver Lc 4,14-21). Imediatamente Zacarias
fica livre da mudez e surdez, e começa a louvar a Deus, certamente com o cântico que vem a seguir.19
1.4- Os pobres louvam o Deus que os liberta (1,67-80).
O Espírito Santo faz Zacarias profetizar. Como o de Maria, o seu cântico (Benedictus)
provavelmente é um salmo dos “pobres de Javé”, principalmente os versículos 67-75 e 78-79. Como as
orações judaicas, o cântico começa com o louvor a Deus (Sl 41,14), reconhecendo a visita que ele faz para
libertar os pobres. Essa visita é uma intervenção divina, e aqui indica o envio do Messias, filho de Davi,
como força de salvação para os pobres, conforme os profetas (1,68-70; 2Sm 7). A função do Rei-Messias era
a de salvar o povo frente aos inimigos, e fazê-lo viver segundo a justiça e o direito libertando-o dos inimigos
estrangeiros e nacionais (Lc 1,71-75;Sl 18,18 e 72).Tudo isso é fruto da misericórdia de Deus, que continua
fiel à aliança (Êxodo 2,24) e o juramento feito a Abraão (Jr 11,5), para libertar e trazer paz para seu povo, a
fim de que este o sirva para sempre (1,72-75).20
2.0- NASCE O MESSIAS SALVADOR, O SENHOR (2,1-24).
2.1- Numa data obscura (2,1-2).
Augusto foi imperador de 30 a.C. até 14 d.C. O recenseamento geral tinha a finalidade política e
econômica: recrutar homens para o exército e, nas regiões dominadas por Roma, assegurar o pagamento das
taxas e tributos (2,1). O v. 2, porém, levanta problemas: segundo as fontes históricas, Quirino foi governador
da Síria a partir do ano 6 d.C., quando fez um recenseamento para transformar a Judia em província romana.
Jesus deve ter nascido bem antes. Os estudiosos hoje se inclinam a uma data entre os anos 7 e 4 antes da era
cristã.
Lucas quer frisar a importância do nascimento de Jesus para toda a história, mas a data do seu
aparecimento é imprecisa. De fato, as datas e os monumentos são estabelecidos pelos ricos e poderosos, que
veem tudo de cima (visão superversiva). Os pobres, porém, não costumam marcar datas nem construir
monumentos, nem deixam registros escritos. Contudo, com Jesus, eles começam a construir uma nova era, a
partir de baixo (visão subversiva), dirigindo a história e a sociedade conforme a justiça que constrói a paz
(Lc 1,78-79).21
2.2- Nasce como pobre (Lc 2,3-7).
Como já fizera em outros lugares, Roma devia respeitar os costumes locais: cada um se alistava na
cidade natal (Lc 2,3). José, de família de Davi, vai com Maria até Belém, onde nasceu seu antepassado Davi
(2,4-5; 1Sm 16,1). Percebemos a intenção de Lucas: segundo o profeta Miquéias, era da pequena Belém que
viria o Messias (Mq 5,1-3). Fato significativo: Jesus nasce não nasce em Jerusalém, capital, mas na pequena
aldeia de Belém, na periferia.22
19
Idem, p. 23.
Idem, pp. 23-24.
21
Idem, pp 25-26.
22
Idem, p. 26.
20
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2.3- O Messias Salvador, o Senhor (2,8-14).
O nascimento de Jesus, porém, não fica despercebido. O “anjo do Senhor” é um modo de falar da
manifestação do próprio Deus. Ele aparece aos pastores que, na época, eram malvistos e marginalizados
porque, sendo pobres, não tinham dinheiro para cumprir todas as exigências da Lei. A esses pobres e
marginalizados é anunciada em primeiro lugar a “boa notícia” (=Evangelho) e, através deles, a todo o povo
(2,8-10). A notícia que causa “grande alegria” é a de que vai começar a era da salvação: “Hoje, na cidade de
Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (2,11).23
2.4- Os pobres reconhecem e agradecem (2,15-20).
Os pastores vão verificar o acontecimento, e a pressa revela o quanto a situação dos pobres é urgente
(2,15-16). Confirmam o anúncio, contam a experiência, e “todos” se maravilham (2,17-18). Todos quem?
Certamente todos aqueles que acreditarão na “boa notícia” dada aos pobres e por eles transmitida aos outros.
O mais importante, porém, é a atitude de Maria: observar os fatos e meditar sobre eles, para descobrir o
sentido o agir do mesmo modo. Só assim a comunidade poderá, como os pastores, glorificar e louvar a Deus
por tudo o que viu e ouviu (2,20).24
2.5- Jesus é consagrado ao Pai (2,21-24).
Conforme a Lei, várias cerimônias eram feitas depois e um nascimento: circuncisão, purificação da
mãe e apresentação e resgate do primogênito. Na circuncisão era dado o nome, tarefa que cabia ao pai da
criança. Mas aqui não é José quem dá o nome. Lembramos que “Jesus” é o nome dado pelo anjo (Lc 1,31),
Lucas deixa claro que Jesus é o Filho de Deus, em sentido próprio.
Em 2,22-24 temos duas observâncias: a purificação de Maria e a apresentação do filho primogênito.
Pela purificação ela devia oferecer um cordeiro e um pombinho ou uma rola (Lv 12,6). Se fosse pobre,
poderia oferecer duas rolas ou dois pombinhos (Lv 12,8). Maria faz a oferta dos pobres (2,24). Mas há um
pormenor: Lucas não menciona a oferta para resgatar o primogênito (Nm 18,15-16). Ou seja: Jesus
continuou a vida inteira consagrado a Deus Pai, e sua missão terminará com o sacrifício de sua própria vida.
Desde o nascimento Jesus ficou a serviço do Pai para a salvação de todos.25
3.0- LUZ PARA AS NAÇÕES E GLÓRIA DE ISRAEL (2,25-52).
3.1- Jesus responde à longa espera (2,25-28).
Simeão representa o resto do povo fiel que esperava a “consolação” ou libertação (ver Isaías 40,1-2;
49,13). Também ele recebeu o Espírito da profecia, que faz reconhecer e proclamar a ação de Deus. E o
Espírito lhe havia revelado que não morreria antes de ver o Messias. Movido por esse mesmo Espírito,
Simeão vai ao Templo. Seu canto de agradecimento proclama o que Jesus significa para o povo de Deus e
para todos os povos.26
3.2- Luz para as nações e glória de Israel (2,29-32).
Conforme a promessa (2,26), Simeão – ou o povo dos pobres – pode morrer em paz, porque viu a
salvação que Deus lhe envia através de Jesus. Ao mesmo tempo, ele proclama que a salvação não é só para
23
Idem, pp. 27-28.
Idem, p.28.
25
Idem, pp. 28-29.
26
Idem, p. 30.
24
8
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Israel, mas para todos os povos. Israel pode se orgulhar, porque o Messias nasceu graças à sua fidelidade e
perseverante esperança. Mas ele será uma luz para iluminar o caminho da humanidade, conduzindo-a em
direção à liberdade e à vida que Deus projetou para todos. Desta forma Lucas abre o horizonte universal do
anúncio e da prática do Evangelho (ver Atos 1,8).27
3.3- Jesus será sinal de contradição (2,33-35).
A admiração dos pais de Jesus é o espanto maravilhado dos pobres que se descobrem como
instrumento do Deus que salva. Mas nem tudo é pacífico: Maria sofrerá porque o seu Filho provocará grande
divisão – muitos o aceitarão e muitos o rejeitarão (Ezequiel 14,17). Sim, porque através dele Deus realizará
o julgamento, que é a manifestação das verdades escondidas: “serão revelados os pensamentos de muitos
corações”. Em outras palavras, diante de Jesus as pessoas terão de fazer uma escolha decisiva: aceitar ou
rejeitar Jesus, com sérias consequências para a vida inteira (ver João 3,16-21). Ou as pessoas aceitam
participar da história nova, em que a justiça liberta os pobres para a vida, ou se condenam a velha história
comandada pela injustiça, que desfigura a vida e acaba produzindo a morte para todos.28
3.4- As mulheres profetizam (2,36-38).
Como sempre faz no evangelho e no livro dos Atos, Lucas não se esquece da presença e do papel da
mulher no anúncio do evangelho. Ana representa o lado feminino da espera do Messias. Como mulher
pobre, ela sente ainda o desamparo da viuvez, e sua vida é um exemplo para as viúvas cristãs (ver viúvas
cristãs – ler 1 Timóteo 5,5-9). No seu instinto feminino ela reconhece o Messias e o anuncia “a todos os que
esperavam a libertação de Jerusalém”. Dessa forma, Lucas consagra definitivamente a mulher como agente
de evangelização. Afinal de contas, não foram elas as primeiras pessoas a receberem e a transmitirem o
anúncio da Ressurreição? Infelizmente nem sempre elas recebem crédito... (ver 24,1-12).29
3.5- O destino de Jesus (2,39-52).
Lucas termina o assim chamado “evangelho da infância” salientando o realismo da encarnação do
Filho de Deus. Como qualquer outra pessoa deste mundo, Jesus cresceu e se desenvolveu física, mental e
moralmente, tendo de descobrir, aceitar e viver o seu caminho diante de Deus e diante dos homens. Como a
carta aos Hebreus deixa entender claramente, foi através da sua humanidade que Jesus realizou sua missão
(ver Hb 2,17; 4,15; 5,7-10). Foi também através da sua humanidade que ele revelou Deus aos homens e aos
homens a Deus. Não temos, portanto, direito de nos refugiarmos naquela velha desculpa, dizendo que “Jesus
fez isso ou aquilo porque era Deus”... Nele todos nós nos tornamos filhos de Deus e recebemos o mesmo
Espírito que o levou a superar os obstáculos e realizar a missão entregue pelo Pai. Como aconteceu com ele,
é através da visibilidade da nossa vida e ação que Deus realiza o seu projeto. Resta ver, sim, é se estamos
disponíveis...30
TERCEIRA AULA
1.0- JOÃO PREPARA O CAMINHO DE JESUS (3,1-20).
1.1- Data (3,1-2).
27
Idem, p. 31.
Idem, p. 31.
29
Idem, pp. 31-32.
30
Idem, p. 32.
28
9
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Lucas procura situar o início da nova história dentro do desenvolvimento da história daquela época,
dominada pelo império romano. O imperador Tibério reinava desde 14 d.C., e o 15º ano do seu reinado caiu
no ano 28 d.C. A seguir, Lucas mostra a situação política e religiosa da Palestina: Pôncio Pilatos governava
a Judéia, Iduméia e Samaria; Herodes Antipas era rei da Galileia e Pereia; Filipe governava a Ituréia,
Traconítide, Auranítide, Batanéia e Gaulanítide; Lisânias governava Abilene. A vida religiosa era chefiada
pelo sumo sacerdote Caifás (de 18 a 36 d.C.), genro do sumo sacerdote Anás, que exercera sua função entre
6 e 15 d.C., mas continuou sempre influenciando o campo religioso como uma espécie de “eminência
parda”.31
1.2- A missão de João (3,2-6).
Como Jeremias, João fora marcado desde o nascimento como profeta (1,15; Jeremias 1,5), e agora é
chamado à missão como os antigos profetas (3,2; ver Oséias 1,1; Miquéias 1,1). Ele vive e age no deserto, o
que lembra o primeiro êxodo, para sair da escravidão do Egito, e o segundo êxodo, a volta do exílio na
Babilônia. Agora chegou o tempo do êxodo definitivo, a libertação para entrar no Reino de Deus. 32
1.3- O julgamento está próximo (3,7-9).
O julgamento é a manifestação da verdade, levando cada um a experimentar as consequências da
própria opção e estilo de vida. João previne as multidões de que não adianta fingir uma atitude religiosa,
querendo salvar a pele sem mudar radicalmente o modo de pensar e agir: “façam coisas para provar que
vocês se converteram” (3,8). Também não adianta confiar no fato de ser “filho de Abraão”, isto é, pertencer
de nome ao povo de Deus. O machado do julgamento está pronto para cortar a árvore que não dá fruto:
quem não viver concretamente a conversão ficará excluído da vida do Reino.33
1.4- E exige conversão prática (3,10-14).
A conversão anunciada por João não é apenas uma atitude interior, uma espécie de sentimento
religioso desligado da vida concreta. É muito mais a decisão que muda a pessoa por dentro e por fora,
fazendo-a deixar um modo pecaminoso de viver, para assumir uma vida nova, segundo a justiça. Por isso a
conversão tem consequências econômicas, políticas e sociais. Em primeiro lugar, repartir o que se tem com
aqueles que nada têm (3,11); em segundo, não usar o poder para conseguir coisas, explorando (cobradores
de impostos) ou oprimindo e extorquindo (soldados) (3,12-14). A partilha e a fraternidade aparecem assim
como frutos desejados, como o sinal da verdadeira conversão para o Reino, pois é através delas que se
realiza a justiça que faz o Reino se tornar próximo.34
1.5- João não é o Messias (3,15-17).
Naquele tempo era grande a expectativa da vinda do Messias Salvador. Muitos se tornaram
discípulos de João e muitos seguiram a Jesus; e ambos os grupos discutiam quem era o maior, sendo que os
discípulos de João afirmavam que João era mais importante, pois tinha vindo antes de Jesus. Dentre os
evangelistas, Lucas e João procuram resolver a questão, mostrando o papel subordinado de João (ver João
1,6-9.15.19-20; 3,22-30). Para isso Lucas contrapõe as duas pessoas e os dois batismos. João não só declara
que não é o Messias, mas afirma que não é sequer digno de ser o seu escravo (desamarrar a correia das
31
Idem, pp. 34-35.
Idem, p. 35.
33
Idem, p. 35-36.
34
Idem, p. 36.
32
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sandálias). O batismo de João era com água e servia para a purificação, demonstrando o arrependimento. O
batismo de Jesus, porém, será com o Espírito Santo e com fogo, uma alusão no Pentecostes, onde o Espírito
foi dado na forma de línguas de fogo (ver Atos 2,3-4). Além disso, enquanto João previne sobre o
julgamento, Jesus é o próprio juiz que vai separar os justos dos injustos, assim como o agricultor separa o
grão da palha (ver Mt 25,31-46).35
1.6- O fim da missão de João (3,18-20).
Lucas encerra logo a atividade de João porque, na sua visão, João pertence ao Antigo Testamento
(16,16). A prisão realizada por Herodes mostra que João incomodava as autoridades, certamente não só por
apontar suas falhas morais. Com a saída de João, o tempo de Israel, a primeira fase da história da salvação,
está terminando. Agora começa o tempo de Jesus, com a realização das promessas e a vinda do Reino de
Deus. De fato, segundo o evangelista Marcos, é depois da prisão de João que Jesus vai para Galileia, onde
começa a sua atividade (ver Marcos 1,14-15).36
2.0- JESUS SE PREPARA PARA A MISSÃO (3,21-4,13).
2.1- Jesus é o Messias que serve (3,21-22).
Lucas não diz que Jesus foi batizado por João, porque o tempo de João passou. Chegou o tempo do
Reino (16,16). Batizado no meio do povo, Jesus não só faz parte dele, como também se solidariza com sua
situação. O seu não é um batismo de conversão, mas uma investidura para a missão que vai realizar.
Jesus reza, como em todos os momentos importantes de sua vida, refontizando sua vida e ação na
pessoa e no projeto de Deus Pai. O céu se abre, mostrando que através de Jesus começa uma vida nova para
todos, porque agora o céu (Deus) e a terra (humanidade) entram em comunhão. O Espírito Santo desce sobre
Jesus – não que Jesus não o tivesse, como Filho de Deus (1,35.41) – para ungi-lo para a missão, como os
profetas (Isaías 42,1;61,1).37
2.2- para dar vida nova a todos (3,23-38).
Depois de apresentar Jesus como Filho de Deus, Lucas o apresenta como filho da humanidade. A
genealogia é uma forma de contar a história, que é uma sucessão de gerações. Legalmente filho de José, a
sua genealogia é traçada a partir de José.
O que essa lista quer dizer? Primeiro, que Jesus é filho do seu povo (3,23-34) e de toda a humanidade
(3,34-38). Ele veio trazer uma resposta aos anseios de todos. Jesus é o Messias filho de Davi (3,31) que vai
realizar as promessas feitas a Abraão (3,34), não só para Israel.38
2.3- porque superou as tentações (4,1-13).
A missão de Jesus, porém, vai tropeçar em obstáculos o tempo todo. Quais? Aqueles mesmos que
fizeram Israel tropeçar seus 40 anos no deserto, e os mesmos que a humanidade de ontem e hoje encontra
em todo lugar.
1- A tentação da abundância (4,2-4). No deserto aparece a forme, e o diabo sugere que Jesus crie
uma abundância de alimento. É o desejo do povo faminto: ter abundância de comida, e tudo resolvido.
Facilmente nos esquecemos que por trás da abundância de alguns está a fome de muitos.39
35
Idem, p. 37.
Idem, pp. 37-38.
37
Idem, pp. 39-40.
38
Idem, pp. 40-41.
36
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2- A tentação do poder e da riqueza (4,5-8). O diabo leva Jesus para um lugar alto, talvez a
ambição. Aí lhe mostra os reinos deste mundo e lhe promete o poder e a riqueza deles, contanto que Jesus o
adore. Em outras palavras, o poder e a riqueza são coisas diabólicas, isto é, contrárias ao projeto de Deus.
Por quê? Porque o poder se constrói graças ao roubo e acúmulo das liberdades – um manda e os outros
obedecem.40
3- A tentação do prestígio (4,9-12). O diabo sugere que Jesus exiba o seu poder: atirar-se da parte
mais alta do Templo de Jerusalém, bem na vista de todo o povo. Seria muita ousadia entortar o serviço a
Deus e ao povo para satisfazer interesses egoístas, simplesmente para “brilhar”, inclusive criando
sentimentos de inferioridade nos outros. Isso, na verdade, é querer manipular a Deus para tapear os outros.41
3.0- O PROGRAMA DA VIDA DE JESUS (4,14-30).
3.1- Jesus entra em ação (4,14-15).
Estes dos versículos apresentam o primeiro resumo de todo o período inicial da atividade de Jesus.
Depois das tentações da vitória sobre o mal, Jesus entra em ação com “a força do Espírito”. É um modo de
se referir aos milagres de Jesus (veja 4,36; 5,17; 6,19; 8,46). Tais milagres, porém, não podem ser vistos
como atos isolados, mas como um verdadeiro programa de transformação da realidade, uma mudança
radical das condições que diminuem ou até matam a vida e a liberdade do povo. Isso não passa
despercebido, e a consequência é que a fama de Jesus logo se espalha pela redondeza. 42
3.2- para libertar os oprimidos e marginalizados (4,16-21).
Em que consistiam a ação e a palavra de Jesus? Para responder a isso, Lucas relata o episódio da
sinagoga de Nazaré, onde é apresentado o programa de Jesus.
Como qualquer israelita adulto, Jesus frequentava a sinagoga aos sábados, quando se faziam orações
e leituras seguidas de comentários, em geral da Lei (Pentateuco) e dos Profetas. Os leitores eram em geral
membros instruídos da comunidade ou visitantes que conheciam bem as Escrituras. Jesus recebe o livro do
profeta Isaías, e a leitura que faz é o trecho de Is 61,1-2, misturado com Is 35,5 (“aos cegos a recuperação da
vista”) e Is 58,6 (“para libertar os oprimidos”): “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me
consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos
presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do
Senhor”. Estas palavras quer mostrar que Jesus, com Isaías, também está consolando o povo que não
encontra perspectivas e vive na condição de marginalizado.43
3.3- Reação: aprovação, dúvida e rejeição (4,22-30).
É pouco provável que esses versículos se refiram a um só episódio. Lucas certamente uniu vários
episódios, relatando reações diferentes, porque sua intenção era mostrar o destino de Jesus e do evangelho.
Será que o povo vai aceitar o anúncio e a ação de Jesus? No começo sim. Mas logo vem a dúvida:
como é que um homem comum e pobre, filho de um carpinteiro, pode atribuir missão a si mesmo? (4,22).
Por trás dessa dúvida está a nossa dúvida: será que é mesmo dos pobres que vem a salvação? O pior que é o
próprio povo de Jesus que duvida dele.44
39
Idem, p. 41.
Idem, p. 42.
41
Idem, Ibidem.
42
Idem, p. 44.
43
Idem, p. 45.
44
Idem, pp. 46-47.
40
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QUARTA AULA
1.0- JESUS LIBERTA DOS DEMÔNIOS (4,31-44)
É interessante o fato de que os primeiros atos de Jesus narrados por Lucas estejam ligados à expulsão
de demônios. Para os antigos, todos os males que afligiam a pessoa eram considerados obra de algum
demônio, principalmente as doenças. Para conseguir a cura, era necessário expulsar o demônio. Jesus pode
fazer isso porque venceu as tentações (4,1-13: abundância, poder, riqueza e prestígio), através das quais o
diabo age, provocando os males do povo. Isso é o sinal concreto da chegada do Reino de Deus, que traz
liberdade e vida para todos.45
1.1- Jesus liberta da alienação (4,31-37).
Cafarnaum é o centro da atividade de Jesus na Galileia, e aí ele costuma ensinar na sinagoga no dia
de sábado, que é o dia santo dos judeus. As pessoas se espantam com o seu ensinamento, porque ele “fala
com autoridade”. Que autoridade é essa? Certamente uma compreensão nova das Escrituras, aplicando
diretamente o seu anúncio a uma prática de libertação concreta. Enquanto os doutores da Lei ficavam em
especulações abstratas, Jesus vai direto ao que interessa ao povo: a Palavra de Deus como libertação em que
o povo vive.
Tudo aquilo que aliena as pessoas é mau e demoníaco, e então compreendemos que as ideologias, as
propagandas mentirosas, os sistemas, as estruturas opressoras são agentes do demônio, enganando e
manipulando o povo. Quem seria esse demônio hoje? Todos aqueles que tapeiam e manipulam o povo, para
explorá-lo e oprimi-lo, a fim de conseguir vantagem. E esses agentes do demônio sabem muito bem que
Jesus é perigoso para eles, porque pode destruir o seu “negócio rendoso”.46
1.2- Jesus liberta para servir (4,38-39).
Na casa de Simão Jesus encontra outra ação do demônio. Para os antigos, as doenças e
principalmente a febre eram obra do demônio, que suga a saúde das pessoas, diminuindo sua capacidade de
viver e de usufruir livremente da ação. Para entendemos isso, e qual é o demônio que provoca a doença,
basta perguntar pela causa das doenças. Fica-se doente por má alimentação, más condições de higiene,
impossibilidade de assistência médica eficiente, etc. Qual demônio que provoca tudo isso?47
1.3- Jesus liberta a todos (4,40-41).
Em dia de sábado (4,31) a Lei proibia muitas coisas, entre as quais a cura. É de admirar. Como se
Deus gostasse do fato de que as pessoas fiquem doentes ou morram... O dia terminava como pôr-do-sol.
Jesus toca as pessoas doentes, outra coisa que a Lei, se não proibia em todos os casos, ao menos colocava
sob suspeita. Mas Jesus não tem medo das doenças do povo, pois sabe que é o contato amoroso que cura e
traz a vida nova.48
1.4- Jesus traz o Reino para todos (4,42-44).
45
Idem, p. 48.
Idem, pp. 48-49.
47
Idem, p. 50.
48
Idem, ibidem.
46
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Jesus deve ter ficado a noite inteira curando o povo doente. “Ao raiar do dia” ele sai de Cafarnaum e
vai para um lugar deserto, certamente de viagem para outros lugares. As multidões vão atrás, tentando
segurá-lo ali. E aqui encontramos um traço comum nas pessoas que foram atingidas pela ação libertadora:
segurar, reter, possuir. É a velha mentalidade egoísta, que não quer repartir a liberdade e a vida com os
outros. Sinal de que não adianta apenas livrar o povo de seus males. É preciso convencer o povo a se
comprometer no projeto de Deus e de Jesus, que quer a liberdade e a vida para todos.49
2.0- JESUS NÃO AGE SOZINHO (5,1-16).
2.1- Jesus ensina as multidões (5,1-3).
Enquanto as autoridades religiosas do seu tempo ocultavam o saber e o transformavam em poder
para dominar o povo, Jesus dirige-se diretamente ao povo, ensinando gratuitamente a todos muito mais do
que as autoridades conheciam. O povo está sedento da palavra de Deus. Tanto que se aperta ao redor de
Jesus para ouvir a palavra que traz nova compreensão e gera uma nova ação. Como ensinar a todos? Jesus
recorre a uma saída: subir numa barca, afastar-se um pouco da margem e assim poder ser ouvido por todos.
A barca de Simão, que mais tarde se tornará o líder do povo que se reúne ao redor de Jesus. 50
2.2- Uma pescaria inesperada (5,4-7).
Toda a cena é simbólica. Depois de ensinar as multidões, Jesus pede que Simão avance lago adentro
e lance as redes para a pesca. Simão põe uma dificuldade: tentaram a pesca a noite inteira, que é o tempo
mais apropriado, e não conseguiram nada. “Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”. O curioso é
que, na hora considerada imprópria, conseguiram pegar tantos peixes, que as redes quase se rompiam!
Tiveram de chamar os da outra barca (Tiago e João, filhos de Zebedeu) para que os ajudassem. E as duas
barcas ficaram cheias, a ponto de quase afundarem!51
2.3- Pescadores de homens (5,8-11).
Pedro já conhecia o poder de Jesus, que havia curado a sua sogra. Mas a pescaria misteriosa faz com
que ele perceba em Jesus o mistério profundo da sua divindade. Com efeito, antes ele chamara Jesus de
“Mestre” (5,5), e agora o chama de “Senhor” (5,8). Essa é uma expressão parecida com a do profeta Isaías,
quando este contemplou uma nesga da majestade de Deus (ver Isaías 6,5). Pedro toma de repente
consciência de que está presenciando a palavra e ação de Deus através de Jesus. Seu espanto é característico
de quem teve uma experiência de deus – o fascínio misturado com o medo. O mesmo acontece com os
outros dois, Tiago e João.52
2.4- Chegou a vez dos marginalizados (5,12-16).
Um caso muito especial de doença era a lepra. Naquele tempo qualquer doença de pele era
considerada lepra (Levítico 13), e o terrível é que a pessoa considerada leprosa devia ser afastada do meio
dos vivos porque era vista como que atingida pela morte, e morte que podia contagiar os outros. O leproso
devia ficar longe das cidades e aldeias, e ele próprio devia afastar as pessoas (Levítico 13,45-46). Era um
marginalizado total.53
49
Idem, p. 52.
Idem, pp. 53-54.
51
Idem, p. 54.
52
Idem, p. 55.
53
Idem, p. 56.
50
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3.0- JESUS CURA O MAL PELA RAIZ (5,17-39).
3.1- Jesus cura o mal pela raiz (5,17-26).
Jesus ensina dentro de uma casa ou lugar coberto. O lugar está cheio e, entre os presentes, estão
também os fariseus e os doutores da Lei, vindos da Galileia, da Judeia e até de Jerusalém. O fato parece
estranho, e só se explica caso a fama de Jesus já tivesse se espalhado por toda a Palestina. Em todo caso, os
dois grupos parecem estar ali para verificar o que Jesus dizia e fazia, sinal de que a palavra e a ação de Jesus
estavam mexendo com a cabeça das autoridades. O fim do versículo 17 prepara o que vai acontecer.54
Chegam as pessoas carregando um paralítico para ser curado por Jesus. Como não conseguem entrar
pela porta, vão até o terraço, tiram as telhas e descem o paralítico no meio, diante de Jesus. O esforço fora
tão grande que Jesus viu ai uma grande fé, a confiança no seu poder de curar. Mas o curioso é que Jesus não
cura a paralisia. Em vez disso, diz: “Homem, seus pecados estão perdoados”.
Para entendermos isso, precisamos nos lembrar de que, para os antigos, as doenças eram causadas
pelos demônios e pelos pecados (veja João 5,14; 9,2). Ora, perdoando os pecados, Jesus estava curando o
mal pela raiz, eliminando a causa e não simplesmente os sintomas. Mas agora vem outra versão: segundo as
Escrituras, somente Deus podia perdoar (veja Ex 34,6-7; Is 43,25; 44,22). Como é que Jesus, um simples
homem, se arroga esse poder? – pensam os doutores da Lei e os fariseus.55
3.2- Jesus rejeita a hipocrisia social (5,27-32).
Jesus chama um cobrador de impostos para ser seu discípulo. Ora, esse tipo de pessoa era detestada
pelo povo, porque o cobrador de impostos, além de colaborar com o império romano, ainda explorava o
povo, cobrando a mais e se enriquecendo (ver 19,1-10). Mas Levi “deixou tudo”, isto é, deixou aquela vida,
para seguir a Jesus. Mesmo as pessoas consideradas más são capazes de conversão.56
3.3- A novidade de Jesus provoca ruptura (5,33-39).
Agora os doutores da Lei e os fariseus se dirigem diretamente a Jesus, fazendo comparações e
chamando a atenção, porque os discípulos de Jesus não observam o jejum. Ora, o jejum era prescrito apenas
para o Dia da Expiação dos pecados (Lv 16,30), mas os fariseus também jejuavam toda segunda e quintafeira (ver 18,12).
Na Palestina a festa de casamento durava uma semana, e durante esse tempo as obrigações religiosas,
como o jejum, cessavam para os convidados. Ora, como é que os discípulos podem jejuar enquanto Jesus – o
noivo – está com eles? Eles vão jejuar e ficar tristes quando Jesus for tirado do meio deles, isto é, quando
Jesus for morto.57
QUINTA AULA
1.0- A LEI MAIOR É SALVAR O HOMEM (6,1-16).
1.1- Jesus liberta da lei (6,1-5).
54
Idem, pp. 58-59.
Idem, p. 59.
56
Idem, pp. 59-60.
57
Idem, pp.60-61.
55
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A observância da lei do sábado era a maior instituição do judaísmo, e para isso tinham sido criadas
leis extremamente rígidas e pormenorizadas, que proibiam qualquer atividade que se assemelhasse a um
trabalho. Por exemplo, os especialistas interpretava o gesto de debulhar espigas de trigo como colheita e,
portanto, como violação do repouso sabático (6,1-2; Ex 34,21).
Jesus responde à acusação dos adversários recorrendo a um exemplo tirado da Escritura (1Sm 21,16): fugindo do rei Saul, Davi e seus homens entraram no santuário e comeram os pães oferecidos a Deus (os
doze pães, renovados a cada sábado, e que só os sacerdotes do santuário podiam comer – veja Levítico 24,59). Esses precedente celebrado na própria Escritura, diz Jesus, mostra que a lei positiva está subordinada ao
bem do homem, e que a necessidade de sobreviver está acima de qualquer lei.58
1.2- A Lei maior é salvar o homem (6,6-11).
Segundo as interpretações dos especialistas, a lei do sábado cedia quando havia dúvidas se uma vida
humana estava em perigo. Mas Jesus vai além da exceção prevista, curando um homem cuja vida não estava
de fato em perigo.
Os especialistas, sempre os doutores da Lei e os fariseus, espiam o que Jesus vai fazer, mas o
evangelista salienta que, se eles são espertos, Jesus também não é nenhum bobo, pois sabe discernir as
situações e perceber o que eles estavam matutando. Jesus, porém, arma uma situação difícil. Coloca o
homem com a mão ressequida no meio de todos e desafia: “A Lei permite no sábado fazer o bem ou fazer o
mal, salvar uma vida ou deixar que se perca?” (6,9). A pergunta é significativa, pois, para Jesus não fazer o
bem equivale a fazer o mal, não salvar uma vida equivale a ser responsável pelo fato de ela se perder. Isso é
desferir um golpe mortal no legalismo rígido, que coloca a observância da lei acima de qualquer
circunstância. Em vez disso, Jesus urge o cumprimento de uma lei maior, que coloca acima de tudo o bem
da vida: não há nada mais importante do que salvar a vida, mesmo que não seja o caso de um perigo
mortal.59
1.3- Enviados para continuar a ação de Jesus (6,12-16).
No Novo Testamento encontramos quatro listas que nomeiam os doze apóstolos, embora nenhuma
delas coincida sobre a exata ordem dos nomes (ver Mc 3,16-19; Mt 10,2-4; At 1,13-26). O nome apóstolo
significa “enviado”, e é provável que Lucas tenha projetado para trás, no evangelho, esse termo que na
Igreja primitiva designava o chefe de uma comunidade cristã.
A oração de Jesus antes da escolha reflete um costume cristão que aparece em At 1,23-26,
salientando que a primazia na escolha é reservada a Deus. Segue a lista dos doze, frisando que Judas
Iscariotes “se tornou traidor”. Pois é. Até entre os escolhidos para continuar a palavra e ação de Jesus existe
alguém que irá trair a missão e até comprometer o projeto de Jesus.60
2.0- O ANÚNCIO DA GRANDE LIBERTAÇÃO (I) – 6,17-36.
2.1- Momento solene (6,17-20).
Lucas prepara solenemente a circunstância do sermão: Jesus ora ao Pai (6,12), escolhe os apóstolos
(6,13-16), e se encontra com os discípulos e a multidão (6,17). A expectativa é geral, pois todos anseiam por
um mundo novo. Jesus é como um imã que atrai todos os pobres e oprimidos que confiam na sua palavra,
que revela um caminho novo, libertando as consciências, e na sua ação, que cura e liberta os corpos da
alienação que gera escravidão, diminuição da vida, e até a própria morte. Todos estão prontos para ouvir a
58
Idem, pp. 62-63.
Idem, pp. 63-64.
60
Idem, pp. 64-65.
59
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proclamação solene do caminho que gera nova sociedade e nova história, onde todos terão liberdade e
vida.61
2.2- Bem-aventuranças e mal-aventuranças (6,20-26).
A menção do Filho do Homem em 6,22 lembra o Filho do Homem de Daniel 7, a misteriosa
personagem que iria realizar o julgamento e instaurar o Reino de Deus. Assim, o conjunto de 6,20-26 é, na
verdade, a proclamação do Reino do julgamento, feito por Jesus em nome do Pai. O julgamento é a
manifestação da verdade de cada um, assim como Deus a vê em profundidade. O Reino é a realização da
vontade de Deus, que quer liberdade e vida para todos, começando pelos pobres e oprimidos.
Lucas menciona quatro bem-aventuranças (“felizes de vocês”) e quatro mal-aventuranças (“ai de
vocês”), que equivalem a dizer “os que Deus abençoa” e “os que Deus amaldiçoa”. Examinando mais de
perto, veremos que esse julgamento é uma verdadeira revelação que faz entender os contrastes criados na
vida social. Lucas reduz esse contraste à relação pobre-rico, de modo que teríamos apenas uma bemaventurança e apenas uma mal-aventurança.62
2.3- A gratuidade nas relações (6,27-36).
Na sociedade nova haverá novas relações, não mais pautadas por um “espírito de comércio”, mas por
um espírito de gratuidade. Assim, a ordem suprema é amar os inimigos (6,27.35). Como assim? Amar
aqueles que nos odeiam, amaldiçoam, caluniam, ferem, roubam, emprestam e não devolvem? Sim. Os
pobres, fiéis ao projeto de Jesus, são chamados a ultrapassar as relações baseadas na troca, onde tudo é
previsível e medido e, portanto, sem qualquer mérito. “Ao contrário, amem os inimigos, façam o bem e
emprestem, sem esperar coisa alguma em troca”.63
3.0- O ANÚNCIO DA GRANDE LIBERTAÇÃO (II) – 6,37-49.
3.1- Só Deus pode julgar (6,37-42).
Parte importante nos relacionamentos entre as pessoas é o julgamento que um faz do outro. Positivo
ou negativo, benéfico ou maléfico, o julgamento é sempre um preconceito dentro do qual encaixamos os
outros, promovendo-os ou anulando-os. Mas o evangelho proíbe totalmente o julgamento: “Não julguem, e
vocês não serão julgados; não condenem, e não serão condenados; perdoem, e serão perdoados. Deem, e
será dado a vocês... Porque a mesma medida que vocês usarem para os outros, serão usadas para vocês”
(6,37-38).
Sabedoria antiga, esta. Ela simplesmente traduz o que a psicologia moderna descobriu como
fenômeno de projeção: nós só vemos nos outros aquilo que nós mesmos somos.64
3.2- Os atos revelam o íntimo (6,43-45).
Outra grande preocupação das pessoas é sobre o modo como conhecer as pessoas. Seria grande
ilusão pensar que a pergunta é a melhor maneira, pois o outro pode muitas vezes apenas verbalizar ilusões
sobre si mesmo. O evangelho é mais prático. Com a parábola da árvore ele apresenta a chave para ver o
íntimo de qualquer pessoa. Assim com uma árvore é conhecida pelos seus frutos, também a pessoa pode ser
conhecida pelos seus frutos, também a pessoa pode ser conhecida intimamente pelos atos e palavras que
61
Idem, p. 67.
Idem, ibidem.
63
Idem, p. 69.
64
Idem, pp. 71-72.
62
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normalmente realiza. Em outras palavras, é a prática concreta que revela o que a pessoa é. Quem tem
consciência (=coração) justa e reta, também realiza atos e palavras justos e retos. Quem tem consciência
torta e injusta, também produz palavras e atos tortos e injustos.65
3.3- Passar para a prática (6,46-49).
“Por que vocês me chamam: ‘Senhor! Senhor!, e não fazem o que eu digo?” (6,46). Jesus critica
duramente uma concepção infantil de religião, onde as pessoas ficam esperando que Deus faça tudo o que
elas querem ou precisam. Ora, se olharmos bem, Deus já fez tudo. Ele criou o homem com toda a
capacidade para resolver os seus problemas. A questão é saber se as pessoas querem ou não sair do espírito
infantil do bebezão que chora no berço para que lhe tragam a mamadeira.
Esse final do sermão apela para o bom-senso. O evangelho, no fundo, é palavra que revela o caminho
da vida, pela qual tano ansiamos. Inteligentes seremos nós se o colocarmos em prática. Porém, se ficarmos
apenas no conhecimento e sem fazer nada, isso será pura idiotice, da qual nem Jesus e nem Deus têm culpa,
nem serão responsáveis pelas consequências dela.66
SEXTA AULA
1.0- JESUS É A VISITA DE DEUS (7,1-23).
1.1- A fé não tem fronteiras (7,1-10).
O episódio está intimamente ligado com o sermão precedente (7,1), porque Lucas quer salientar que
a palavra de Jesus vai atingir também os pagãos. O oficial romano, certamente um pagão, pode ser tanto um
oficial do rei Herodes Antipas, como também um centurião romano a serviço da cidade de Cafarnaum. Notese que Lucas frisa a relação igualitária entre pagãos e empregado (“estimava muito”), a ponto de o patrão
pagão recorrer à religião do empregado, que certamente era um judeu.
Não há um encontro entre o oficial e Jesus. Lucas reserva o encontro do evangelho com o mundo
pagão para o livro dos Atos. Em vez disso, temos duas embaixadas: a dos anciãos judeus e a dos amigos do
centurião. Os anciãos frisam os méritos do oficial, caracterizando-o como simpatizante do judaísmo, um
“testemunho a Deus” como centurião Cornélio (ver Atos 10,1-2). Isso mostra que as pessoas nem sempre
estão comprometidas com aquilo que representam, às vezes apenas para sobreviver. Havia todas as razões
para considerar o oficial como inimigo do povo: Jesus está ilustrando o que havia dito em 6,27-36. Além
disso, o oficial respeita profundamente os costumes judaicos, pois sabe que um judeu ficaria impuro se
entrasse na casa de um pagão (ver Atos 10,28; 11,3). Isso tudo prepara o foco da atenção para a palavra de
Jesus, que tem o poder de curar. Ela é como uma ordem que um oficial dá para os seus soldados, realizando
aquilo que ela ordena e significa, isto é, a libertação para a saúde e a vida.67
1.2- “Deus veio visitar o seu povo” (7,11-17).
Podemos imaginar a cena: Jesus, os discípulos e a multidão se aproximam da porta da cidade de
Naim, e se encontram com um grupo que vai enterrar um defunto. A descrição da gravidade da situação é
rápida: “era filho único, e sua mãe era viúva” (7,12). Ao ver isso, Jesus fica movido de compaixão. É a única
vez que este evangelho atribui tal emoção a Jesus. Tanto em hebraico com em grego a palavra expressa um
movimento das entranhas da pessoa, indicando a forte emoção. O nosso termo “compaixão” indica, por sua
65
Idem, pp. 72-73.
Idem, pp. 73-74.
67
Idem, pp. 75-76.
66
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vez, solidariedade: sofrer junto com o outro. Jesus entra no sentimento íntimo daquela mãe que perdeu tudo
o que lhe restava.68
1.3- A era messiânica chegou (7,18-23).
Lucas sempre salienta que a fama de Jesus se espalha por todos os lugares (7,17). Dessa forma, João
Batista fica sabendo de tudo o que Jesus diz e faz, e certamente se pergunta sobre o desenrolar das coisas.
Afinal, ele havia anunciado a vinda do Messias como um juiz terrível que traria implacavelmente o
julgamento (ver 3,9.16-17). Mas Jesus parece estar fazendo outra coisa. E João manda perguntar: “És tu
aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (7,19).
Jesus não dá uma resposta em palavras, mas manda contar a João o que se pode ver e ouvir: “os
cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos
ressuscitam, e a Boa Notícia é anunciada aos pobres” (7,22). Ora, todas essas coisas eram anunciadas pelos
profetas como características da era messiânica (ver Is 26,19; 29,18-19; 35,5-6; 61,1). Em outras palavras, o
que Jesus diz e faz é prova concreta de que a libertação da era messiânica já chegou. 69
2.0- A GRATIDÃO DEMONSTRA O PERDÃO (7,24-50)
2.1- O que vocês foram procurar? (7,24-30)
Encerrada a resposta a João, vem agora um questionamento geral, dirigido a todos: O que é que as
pessoas foram procurar, quando se dirigiram ao deserto à beira do Jordão? As perguntas dos versículos 24 e
25 são irônicas, mostrando que os ricos e poderosos, que para sustentarem sua riqueza e poder vivem
prometendo salvação para o povo, não se encontram nesses lugares, mas nos palácios, animados por todo
tipo de regalia e conforto. O povo sofrido, contudo, sabe muito bem que deles só se pode esperar o pior.
Os versículos 29 e 30 talvez não pertençam à fala de Jesus. São um balanço sobre a atividade de
João, preparando o que vai ser dito em 7,35. O povo desprezado (ver João 7,49) e os considerados
“pecadores públicos” aceitaram o caminho apontado por João. Mas as autoridades religiosas o rejeitaram,
incluindo-se na pior das condenações: “Tornaram inútil para si mesmas o projeto de Deus”.70
2.2- O que é que vocês querem? (7,31-35).
O texto é uma severa crítica às autoridades religiosas – os doutores da Lei e os fariseus. A parábola
das crianças que brincam de festa de casamento (flauta e dança) e de velório (música triste e choro) mostra
que essas autoridades buscam desculpa para tudo, recusando-se, segundo o momento, a fazer qualquer coisa.
Vendo a vida severa que João levava, diziam que ele era um endemoninhado; hoje diriam que ele é um boavida, “amigo dos cobradores de impostos e dos pecadores”, justamente aqueles que aceitaram o convite de
João e se encontraram com Jesus.71
2.3- A gratidão demonstra o perdão (7,36-50).
Agora temos o ápice dos episódios anteriores: o encontro de um fariseu com uma pecadora diante de
Jesus. É passagem exclusiva de Lucas, e com ela o evangelista ilustra o que disse em 7,34.
O fariseu, segundo o costume, convidou Jesus para jantar, mas esqueceu ou pretensiosamente deixou
de lado os gestos orientais de respeito e boas-vindas (7,44-46). Jesus está reclinado à mesa, tendo deixado as
68
Idem, pp. 76-77.
Idem, pp. 77-78.
70
Idem, pp. 79-80.
71
Idem, pp. 80-81.
69
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sandálias à porta. A mulher era certamente uma prostituta bem conhecida. O jantar tinha um caráter social, e
os curiosos costumavam entrar no recinto para ouvir a conversa. A mulher entra e começa a fazer gestos
inusitados: lava os pés de Jesus com as lágrimas, enxuga-os com os cabelos, beija-os e os unge com
perfume...
O fariseu faz o julgamento, pensando que se Jesus fosse mesmo um profeta saberia quem era aquela
mulher, e não permitiria o seu gesto. Por quê? Porque o contato com uma prostituta deixava a pessoa
impura, ou seja, afastada de Deus. Tal era o procedimento prescrito pelos escribas e seguido pelos fariseus:
exorcizar o mal e ficar longe dele; isto é, o que está perdido está perdido mesmo.
Os versículos finas (7,48-50) certamente foram acrescentados à cena por causa do tema do perdão. A
passagem da gratidão-amor para o tema da fé já é uma interpretação.
O difícil para muitos de nós é aceitar que o público que acolhe Jesus é, em geral, o que os pretensos
justos julgam como “perdido irrecuperável”. De fato para a sociedade injusta que o produziu, ele é
irrecuperável mesmo. Mas, para a sociedade que nasce da justiça e da misericórdia, ele é o povo preferido de
Deus, que o liberta para uma nova vida esperança de uma nova sociedade e uma nova história. Os caminhos
de Deus desafiam os nossos melhores caminhos, que, em geral, acabam por se revelar descaminhos...72
3.0- O REINO VAI TRIUNFAR (8,1-21).
3.1- Mulheres-discípulas de Jesus (8,1-3).
Essa breve notícia é importante em Lucas, pois ele quer mostrar que o cristianismo rompeu com a
prática do judaísmo, que afastava as mulheres dos assuntos religiosos, e também justificar o mistério das
mulheres na Igreja Primitiva (ver Romanos 16,1.3.6.12-13; 1Cor 16,19). Seguindo a sua prática libertadora,
Jesus as liberta dos “espíritos maus e doenças”, e elas se tornam suas discípulas. Quais seriam esses
“espíritos maus e doenças” que afastariam as mulheres do seguimento de Jesus e da liberdade e vida que
Deus quer para todos?73
3.2- O Reino vai triunfar (8,4-8).
No auge da atividade na Galileia encontramos a parábola do semeador, que Lucas procura adaptar
para os seus leitores pagãos. A ênfase está no final: apesar de todas as contrariedades e obstáculos, o
semeador tem uma colheita além da melhor das expectativas. O mesmo acontecerá com o Reino anunciado
por Jesus: apesar de todas as dificuldades, ele se implantará para além do que se espera. Os pobres não serão
fraudados, porque o Reino, que já lhes pertence (6,20), transformará a sociedade e a história, realizando a
vontade de Deus em resposta à súplica dos pobres.74
3.3- Só quem se compromete entende (8,9-10).
Naquele tempo era costume os mestres explicarem o sentido das parábolas para os discípulos. O
mesmo devia acontecer com Jesus. Os discípulos perguntam o sentido da parábola do semeador, mas a
resposta de Jesus é mais ampla, pois “os mistérios do Reino de Deus” envolvem toda a palavra e a ação de
Jesus. Os discípulos podem entender porque estão comprometidos com Jesus e o seguem. Compreender o
quê? Que o Reino de Deus já está presente em Jesus e em sua atividade. E os outros? Os outros ficam “por
fora”, e veem tudo apenas como uma “estória” da qual desconhecem o significado.75
72
Idem, pp. 81-83.
Idem, p. 84.
74
Idem, p. 85.
75
Idem, ibidem.
73
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3.4- Até a comunidade tem dificuldade (8,11-15)
A explicação da parábola é, na verdade, uma adaptação alegórica feita pela comunidade cristã, que a
transpôs para a sua situação. Antes a parábola queria dizer que Jesus teria sucesso e o Reino se implantaria.
Agora o texto faz uma análise da reação das pessoas à Palavra do evangelho (=semente). Cada tipo de
ouvinte é um tipo de terreno que reage de forma diferente, e a explicação se torna um convite para que a
comunidade examine profundamente até que ponto ela se deixou converter pelo evangelho. 76
3.5- Não segurar o Evangelho (8,16-18).
Estas sentenças aparecem em outros lugares (ver 11,33; 12,12; 19,26), mostrando que são ditos
separados que Lucas agrupou aqui. O que ele queria dizer? Certamente que ele se dirige aos discípulos como
ouvintes do evangelho. Não basta ouvir e guardar. É preciso espalhar o anúncio, pois o ensinamento de Jesus
não é uma doutrina esotérica que deve ser cuidadosamente guardada ou confiada a poucos. Pelo contrário, é
palavra que liberta, e não pode ser calada ou abafada. O discípulo compreende o mistério do Reino (8,10),
mas, se não o anuncia, corre o risco de perder inclusive a compreensão que pensava ter.77
3.6- Não basta ouvir! (8,19-21).
É a conclusão que o evangelista dá para o ensinamento de Jesus em parábolas. Do modo como o
texto foi construído, tudo gira em torno de 8,21: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a
Palavra de Deus, e a põem em prática”. É o mesmo tipo de conclusão que encontramos no fim do “sermão
da planície” (6,46-49), mostrando uma das preocupações fundamentais deste evangelista.78
SÉTIMA AULA
1.0- JESUS RESTAURA A VIDA DE TODOS (8,22-56).
1.1-Atravessar para os outros (8,22-25).
A travessia do lago de Genesaré ou mar da Galileia levava para a terra dos pagãos, no caso Gerasa
(8,26). É um sinal de que o evangelho deve ser dirigido também para os pagãos. Mas, que dificuldades isso
era para os discípulos, e para nós também. Todos nós costumamos ficar em paz e acomodados dentro de
nossas fronteiras conhecidas, porque tememos tudo aquilo que se apresenta como desconhecido.
A tempestade é uma figura da resistência dos discípulos em ir até os outros. O mar bravio é também
uma figura das nações estrangeiras que ameaçam o povo de Deus (Sl 65,8). Jesus, porém, é o Senhor da
história e das nações. Com sua Palavra ele domina tudo, como o fazia com os demônios (4,35).79
1.2- Para desaliená-los (8,26-39).
Assim como uma expulsão do demônio marcara o início da ação de Jesus no meio do povo (4,31-37),
o mesmo acontece em terras pagãs. Jesus encontra um superendemoninhado, possuído por uma “Legião”,
nome que se dava a um destacamento romano com cerca de 6.000 soldados. Aliás, a dominação romana era
o principal demônio em toda região. Também o porco era considerado animal sagrado e um dos símbolos do
76
Idem, pp. 85-86.
Idem, p. 86.
78
Idem, pp. 86-87.
79
Idem, pp. 88-89.
77
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poder romano. Assim, a ruína dos porcos simboliza também a libertação do jugo da escravidão ao poder de
Roma.80
1.3- E devolvê-los à vida (8,40-56).
Jesus volta para o meio do povo, e depara com um duplo caso de ameaça à vida: a mulher com
hemorragia há 12 anos; a menina de 12 anos à beira da morte. O fato de Jairo ser o chefe da sinagoga
judaica parece indicar o pedido do judaísmo ao cristianismo: libertação e vida.
As duas curas têm a ver com a libertação para a vida. A mulher doente estava presa a um problema
que a marginalizava do convívio social. A menina morrera prematuramente. E aqui é o caso de perguntar:
quais os fatores que prendem a mulher e a marginalizam, escravizando-a à solidão e à doença? Quais os
fatores que tão cedo acabam por comprometer a vida, a ponto de acarretar a morte de tantas crianças, às
vezes antes do primeiro aniversário? A fé na ressurreição não deve ser dirigida apenas para o fim de uma
longa vida, quando a morte é um processo natural. A fé deve atacar as causas que provocam a diminuição da
vida e a morte prematura. Porque Deus não quer que ninguém viva como morto, nem que morra antes do
tempo.81
2.0- JESUS SACIA FOME DO POVO (9,1-17).
2.1- Continuadores de Jesus (9,1-6).
A missão confiada aos discípulos deixa claro que a missão de Jesus não é exclusiva dele, e que
ninguém tem a desculpa que “ele podia fazer o que fez porque era Deus”. O que os discípulos recebem é a
mesma autoridade para anunciar o evangelho que liberta e o poder para expulsar os demônios que alienam o
povo e curar as suas doenças. Os discípulos já tinham visto o que Jesus fazia; agora devem fazer o mesmo.
As instruções são importantes. Nada de muita preparação nem de acumulação de conforto ou
segurança. O discípulo deve confiar em ser bem recebido e atendido em suas necessidades. Não deve ficar
passando de casa em casa, criando rivalidades e correndo o risco de buscar melhores hospedagens. A casa
escolhida numa cidade ou aldeia se tornará o centro da atividade – costume cristão antigo, que estabelecia o
pólo da comunidade numa determinada casa (Romanos 16,5; 1Cor 16m19; Col 4,15; Fl 2). Outro ponto é
não perder tempo com aqueles que não aceitam o núncio e a prática do evangelho: “sacudir a poeira dos
pés” era gesto típico dos judeus quando deixavam um território pagão, sinal de que nada tinham a ver com o
lugar. O resumo do versículo 6 retoma novamente a missão de Jesus, destinada a chegar a todos (4,43). São
relembrados dos traços fundamentais: anunciar o evangelho que liberta, e confirmar o anúncio com a ação
prática (curas).82
2.1- Jesus provoca inquietação (9,7-9).
Estranho seria que a atividade de Jesus, realizada publicamente, não repercutisse em todos os
lugares, passando de boca em boca e causando as mais diversas reações. É assim que a notícia acaba
chegando até as autoridades, que procuram sempre manter o povo “em ordem e segurança”. Os rumores
chegam até Herodes Antipas, tetrarca da Galileia. Mas chegam com as interpretações populares, que sempre
têm algum fundamento.
O núcleo da notícia é a pergunta: Quem é Jesus? Segundo alguns, Jesus é João que ressuscitou dos
mortos. De fato, Jesus começou a sua missão depois da de João. Outros dizem que ele era Elias que havia
aparecido. De fato, esperava-se a volta de Elias, o profeta que prepararia a grande intervenção de Deus (Ml
80
Idem, p. 89.
Idem, pp. 90-91.
82
Idem, pp. 92-93.
81
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3,1). Outros ainda diziam que Jesus era um dos antigos profetas que teria ressuscitado. Com efeito, Jesus
trouxe a era messiânica que os profetas anunciavam.83
2.3- Jesus sacia a fome do povo (9,10-17).
Os discípulos voltam da missão e aqui encontramos a diástole e a sístole da ação evangelizadora: ir
para anunciar e voltar para rever. Mas nem sempre há tempo, dada a urgente necessidade que o povo tem de
Jesus. Este continua a anunciar o Reino e a curar – a teoria (palavra) e a prática (ação) do Reino. Toda a
cena, porém, foi montada em função do que vai acontecer.
O dia vai chegando ao fim e os discípulos se preocupam com a situação do povo: alojar-se e comer,
isto é, atender às necessidades básicas. A resposta de Jesus é quase cômica: “Vocês é que tem de lhes dar de
comer” (9,13). Em outras palavras, o evangelho é anúncio, cura, e também alimento material. Os discípulos
retrucam, mostrando o pouco que tem: 5 pães e 2 peixes para 5.000 homens (com mulheres e crianças
certamente). Qual a solução? Comprar? E aqui temos o problema: Onde arranjar dinheiro para a comida é
organizar o povo (sentar-se em grupos) e repartir o pouco que se tem, de forma organizada (Jesus reparte e
os discípulos distribuem). Resultado: todos comem, ficam satisfeitos, e a sobra daria para alimentar todo o
povo de Deus (12 cestos = 12 tribos de Israel).84
3.0- O MESSIAS DE DEUS (9,18-50).
3.1- O Messias de Deus (9,18-21).
A pergunta de Jesus é uma espécie de balanço de toda a sua atividade. O povo continua pensando
como antes (7,16;9,8), pois ainda está preso à ideia de um Messias guerreiro e triunfalista. Os discípulos,
que acompanham Jesus e viram de perto toda sua atividade, dão um passo à frente, reconhecendo, através de
Pedro, que ele é “o Messias de Deus” (9,20). Bem entendido, isso transparece em toda a obra de Jesus na
Galileia, cumprindo o programa anunciado em 4,14-21: é a prática de Jesus que o revela como o Messias, o
Rei ungido por Deus para trazer a era de justiça e de paz (Is 11,1-9).85
3.2- O Seguimento de Jesus (9,22-27).
As condições para seguir a Jesus são três: renunciar a si mesmo, isto é, deixar os próprios interesses
para colocar o projeto de Jesus em primeiro lugar; tomar a cada dia a sua cruz, ou seja, enfrentar
continuamente a oposição, perseguição e marginalização, e seguir a Jesus, continuando a sua palavra e ação.
Assim o discípulo se tornará digno de Jesus, e ganhará a verdadeira vida, que consiste em participar de todo
o caminho de Jesus, até a glória. O grande desafio será sempre o de escolher entre o projeto e a glória de
Jesus e os projetos e a glória do mundo (rever 4,1-13). O versículo 27 alude à chegada do Reino, que
acontecerá com a morte e a ressurreição de Jesus, a glória prenunciada pela transfiguração. 86
3.3- O novo êxodo (9,28-36).
A transfiguração visa mostrar que a paixão e a morte fazem parte do projeto de Jesus, mas que este
levará à glória. Este é o novo êxodo, o caminho da libertação que terminará no Pai (23,46). Moisés e Elias
personificam a Lei e os Profetas, isto é, todo o Antigo Testamento, cujas promessas se realizam através da
palavra e da ação de Jesus, o verdadeiro intérprete da vontade e da ação de Jesus, o verdadeiro intérprete da
83
Idem, pp. 93-94.
Idem, pp. 94-95.
85
Idem, p. 97.
86
Idem, p. 98.
84
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vontade do Pai contida nas Escrituras. A proposta de Pedro é uma tentativa de prolongar o momento; na
verdade, talvez com a secreta vontade de entrar na glória antes de passar pelo sofrimento e pela morte.87
3.4- Falta de fé (9,37-43).
Apesar de terem entrando na nuvem (9,34), isto é, de terem participado na revelação de Jesus, os
discípulos continuam fechados. No caso do menino epilético, eles não conseguem realizar a cura porque não
têm fé. Também o pai do menino é criticado por sua falta de confiança. A exclamação de Jesus mostra
claramente o seu desapontamento, pois a sua hora trágica se aproxima, e os discípulos ainda estão longe de
compreender a natureza da sua missão, que é libertar as pessoas de suas alienações e devolvê-las à plena
consciência.
3.5- Incompreensão (9,43-45).
É o segundo anúncio da morte de Jesus. Os discípulos poderiam ficar impressionados com a
admiração do povo, e por isso Jesus os adverte sobre o seu trágico fim. Contudo, parece que os discípulos
estão completamente fechados na incompreensão. Na visão de Lucas, somente o ressuscitado poderá
iluminar a mente deles (24,25-27.44-46). Contudo, os dois últimos episódios mostram o que pode estar
impedindo a sua compreensão.88
3.6- Espírito de competição (9,46-48).
Enquanto Jesus se prepara para a morte no caminho do serviço, os discípulos estão preocupados em
saber quem é o maior. Isso denta a ideia errada de que Jesus seja um Messias-Rei dominador, e a de que eles
de algum modo irão participar de um poder que domina. E, na luta pelo poder, vem a competição pela
supremacia: quem é que manda mais? Jesus realiza uma parábola viva. A criança é o símbolo da
despretensão, da fraqueza e da dependência. Na época, a criança não tinha qualquer valor na sociedade,
assim como os escravos. E a lição acaba com qualquer pretensão: o menor é o maior, e quem recebe o menor
recebe a Jesus e ao Pai que o enviou.89
3.7- Intolerância (9,49-50).
O episódio final aponta para outro perigo, que pode bem se manifestar em nossas comunidades.
Alguém está realizando uma atividade positiva (desalienando as pessoas) em nome de Jesus, mas não
pertence à comunidade. Os discípulos reclamam, porque imaginam serem os únicos possuidores da verdade
e os únicos legitimados para continuar a obra de Jesus. A resposta de Jesus, porém, acaba com qualquer
espírito de “panela fechada”, porque o verdadeiro seguimento não está em usar um rótulo ou pertencer a
uma determinada instituição, e sim em continuar a prática de Jesus, para que todos tenham liberdade e vida.
Este é o verdadeiro ecumenismo.90
OITAVA AULA
1.0- O CAMINHO DA LIBERTAÇÃO (9,51-10,24).
87
Idem, ibidem.
Idem, p. 99.
89
Idem, pp. 99-100.
90
Idem, p. 100.
88
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Começa agora a longa caminhada da periferia para o centro, da Galileia para Jerusalém. É a parte
mais original de Lucas, que lhe consagra dez capítulos (9,51-19,28), ao passo que Marcos apenas um e
Mateus dois. O sentido da viagem é marcado pelo fim da vida de Jesus: “ser levado para o céu”, o que
compreende sua morte, ressurreição e ascensão ao Pai. É a viagem da libertação, que tem seu ápice e
significado em 23,46. Para os discípulos trata-se de uma grande catequese que mostra como enfrentar as
dificuldades da vida (pedras e buracos no caminho), e também como entender a vida no seguimento de
Jesus.91
1.1- A grande decisão (9,51-56).
Jesus compreende que chegou a hora de enfrentar as consequências da sua atividade libertadora junto
ao povo. Ele sabe que em Jerusalém encontrará a morte. Mas enfrenta o destino e decide com firmeza ir para
lá. Os samaritanos, inimigos dos judeus, lhe recusam alojamento, como faziam com qualquer peregrino
judeu. Mal sabem eles e os discípulos que a Samaria será mais tarde um dos primeiros lugares a serem
evangelizados (At 1,8).92
1.2- Condições para o seguimento (9,57-62).
Muitos querem e são convidados a acompanhar Jesus na viagem libertadora. Contudo, as condições
são: estar na viagem libertadora. Contudo, as condições são: estar disposto a ser um andarilho sem lar, não
se prender à própria família e, deixando todas as seguranças, entregar-se à missão de anunciar o Reino, sem
olhar e sem voltar para trás. O seguimento, portanto, exige total disponibilidade, e o difícil para quem quer
ser discípulo não é escolher entre o bem e o mal, mas entre o bom e o melhor.93
1.3- Anunciadores do Reino (10,1-16).
A missão antes confiada aos doze apóstolos (9,1-6) agora se alarga. Setenta e dois é um número
simbólico, mostrando que não é apenas um pequeno grupo que continua a obra de Jesus, mas todos os que o
seguem, todos os cristãos, de forma organizada (dois a dois).
A missão é perigosa (lobos) e urgente. Por isso o discípulo não perde tempo nem com o necessário,
nem com as etiquetas de boa educação, nem com os que não aceitam o seu anúncio. A saudação “Paz” é
uma fórmula de bênção, e significa que o anúncio do Reino traz a justiça e a misericórdia que levam à paz, a
qual, na Bíblia, significa a plenitude de todas as condições que deixam as pessoas realizadas. O cerne da
missão é anunciar o Reino e realizar atos concretos que comprovem a sua presença (curar as doenças do
povo).94
1.4- A alegria do discípulo (10,17-20).
Os discípulos voltam alegres e impressionados porque até conseguiram expulsar demônios em nome
de Jesus, isto é, conseguiram desalienar as pessoas, libertando-as para a consciência de si mesmas. E Jesus
amplia o significado disso: o anúncio e a prática do Reino vão pouco a pouco derrotando o domínio de
satanás e os seus projetos diabólicos (ver 4,1-13: o projeto da abundância, da riqueza, do poder e do
prestígio). Em troca, vai se instaurando o Reino, que traz liberdade e vida para todos, dirigindo a história e a
sociedade para a paz, para a plenitude da vida.95
91
Idem, p. 101.
Idem, p. 102.
93
Idem, ibidem.
94
Idem, pp. 102-103.
95
Idem, p. 103.
92
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1.5- A alegria de Jesus (10,21-24).
À alegria dos discípulos segue-se a alegria de Jesus. “Nessa hora” mostra que o motivo é pelo que
veio imediatamente antes: a missão dos discípulos e o resultado dela. Jesus louva o Pai, porque reconhece
que o poder de Deus agiu através dos seus discípulos.
Temos, porém, o contraste entre os sábios-inteligentes e os pequeninos. Os sábios são os líderes do
povo, os sacerdotes e os doutores da Lei, que governam o corpo e a consciência do povo, pretensamente
servindo a Deus, mas na realidade adorando a satanás e servindo os projetos dele. Eles leem as Escrituras,
mas Deus esconde deles o seu mistério e projeto. Deus revela o seu segredo apenas aos pequeninos, isto é,
ao povo pobre e despretensioso que acompanha Jesus e continua o seu projeto.96
2.0- O AMOR É O CENTRO DA VIDA (10,25-42).
2.1- O amor é o centro da vida (10,25-28).
O especialista em leis quer colocar Jesus numa armadilha e pergunta o que deve fazer para herdar a
vida eterna. Tratando-se de um especialista na legislação, a armadilha é ver se Jesus é fiel às Escrituras e se
ele observa os 613 mandamentos que o judaísmo prescrevia.
Jesus não responde, mas devolve a pergunta ao especialista. Ele sabe que no templo se discutia muito
sobre qual seria o resumo e o núcleo fundamental de todos os mandamentos. O especialista responde, unindo
Deuteronômio 6,5 (amor a Deus) com Levítico 19,18 (amor ao próximo). Notar que um só verbo comanda
os dois mandamentos, mostrando que Deus e o próximo são como que as duas faces da mesma moeda do
amor.97
2.2- Amor é prática e não teoria (10,29-37).
O especialista em leis não se dá por vencido e coloca outra pergunta: “Quem é o meu próximo?” Isso
também era muito discutido naquele tempo e ainda hoje está presente em nossas cabeças. O próximo é o
parente, o amigo, o colega, os que são da mesma religião, raça, partido, classe social? Por trás disso tudo, o
que se tenta é estabelecer as fronteiras do amor. Quem ficar fora da fronteira não merece nosso amor.
Jesus não discute a teoria sobre o próximo. Em vez disso, conta uma parábola e novamente devolve a
pergunta ao especialista. A estrada de Jerusalém a Jericó ainda hoje é perigosa, e tudo faz pensar que o home
que foi assaltado e quase morto é um judeu. O sacerdote e o levita veem o homem caído e se desviam “pelo
outro lado”. Certamente tinham boas teorias sobre o próximo, e não vale a desculpa de que tivessem medo
de tocar um provável morto e ficar impuros, pois estavam vindo e não indo para o Templo em Jerusalém.
Em contrapartida, um samaritano, inimigo tradicional dos judeus, se aproxima, vê e se enche de
compaixão, ou seja, “sofre junto” com o homem ferido. E começa a prática do amor. Ali mesmo faz os
primeiros cuidados, coloca o ferido no seu jumento e, a pé, vai até uma pensão, onde continua a cuidar
dele.98
2.3- Três modos de ser e de viver.
Na parábola são apresentados três modos de ser e de viver: o dos assaltantes, o do sacerdote e do
levita, e o do samaritano. São três compreensões diferentes, que condicionam o ser e o comportamento das
pessoas. O ladrão acha que “o que é teu é meu”, e se fecham no que são e no que possuem, deixando que os
96
Idem, p. 104.
Idem, p. 106.
98
Idem, p. 107.
97
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outros “se virem”. Já o samaritano acha que “o que é meu é teu”, e reparte não só seu coração, mas também
seu tempo e tudo o que possui. Não há outros modos de ser e de viver, e tudo nas relações entre as pessoas é
governado por um desses modos.99
2.4- Obedecer à palavra de Jesus (10,38-42).
A partir de João 11,1-44 sabemos que Jesus era amigo de Marta e Maria, que elas moravam em
Betânia e que tinham temperamentos diferentes. Marta certamente está preocupada em preparar uma boa
refeição, enquanto Maria se preocupa em ouvir Jesus. A resposta à reclamação de Marta mostra que mais
importante do que simplesmente fazer as coisas é fazê-las de modo novo, inserindo tudo no projeto de Jesus.
É a palavra de Jesus que mostra o que fazer e como fazer.100
3.0- O CATECISMO DA ORAÇÃO.
3.1- A oração cristã (11,1-4).
Se compararmos o texto de Lucas com o de Mateus 6,9-13, percebemos que o de Lucas é bem mais
curto e, na opinião dos estudiosos, reflete mais as próprias palavras de Jesus. A versão de Mateus é mais
ampliada, provavelmente devido ao uso na liturgia. Também a ocasião do ensino, segundo Lucas, parece ser
a mais próxima da história.
Nesta oração encontramos o endereço e cinco pedidos.
Endereço: “Paizinho”. Assim soa em aramaico a palavra Abbá, que é um diminutivo, o modo como
as crianças se dirigem ao pai. Isso é de grande originalidade. Os judeus, de fato, concebiam Deus como o Pai
do povo todo, mas não ousavam dirigir-se pessoalmente a ele com tanta intimidade.
1º Pedido: “Santificado seja o teu nome”. Na Bíblia, o nome equivale à pessoa. Esse pedido é,
portanto, mas um desejo: que todos os homens reconheçam a santidade do Deus verdadeiro, deixando os
ídolos que produzem a escravidão e a morte para adorar o Deus Santo, que traz a liberdade e a vida.
2º Pedido: “Venha o teu Reino”. O Reino é o centro e o fim de todo o projeto de Deus. Consiste no
reconhecimento da vontade de Deus, que quer liberdade e vida para todos, e, para isso, instaura relações de
fraternidade e partilha entre as pessoas, de modo que todos tenham igual acesso aos bens da vida e igual
participação na construção da sociedade e dos rumos da história.
3º Pedido: “Dá-nos a cada dia o pão de amanhã”. Não se trata apenas de pedir o necessário para a
vida de cada dia, e garantir o necessário para o futuro. Mais que isso, o “pão de manhã” é o pão da vida
eterna, o alimento que realiza plenamente a vida.
4º Pedido: “Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a todos aqueles que nos
devem”. Aqui os cristãos tomam a dianteira e, antes de pedir perdão a Deus, apresentam como crédito o fato
de terem perdoado os outros. O pedido, portanto, tem a forma de obrigar Deus a perdoá-lo também, pois, se
eles são capazes disso, Deus não o seria? Isso nos faz pensar que não temos o direito de pedir perdão se nós
mesmos não estamos dispostos a perdoar. O perdão de Deus para nós é proporcional ao perdão nosso para os
outros, também estamos pedindo que Deus não nos perdoe. E a questão é grave, porque nenhuma
comunidade se mantém unida sem o perdão, pois viver juntos sempre traz mal-entendidos, atritos, conflitos
e ofensas. Só o perdão partilhado pode garantir a continuação da vida comunitária.
5º Pedido: “Não nos deixes cair em tentação”. Não se trata dos pequenos erros e falhas, mas de
grande tentação de abandonar o projeto de Jesus em troca dos projetos de satanás (abundância, riqueza,
poder e prestígio; ver 4,1-13). Seria a traição final, talvez motivada pelo desânimo, talvez pelo medo e
insegurança.101
99
Idem, p. 108.
Idem, p. 109.
101
Idem, pp. 110-113.
100
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3.2- Rezar com perseverança (11,5-8).
No Oriente é impensável quebrar o costume da hospitalidade; e não há padarias. Daí incomodar o
vizinho para atender a um hóspede. O cerne da parábola é que o vizinho certamente atenderá ao pedido, seja
por amizade, seja para não continuar a ser incomodado. Inserida no contexto da oração, a parábola frisa a
oração insistente e perseverante. Persevere na oração, pois se um vizinho não deixa de atender à necessidade
do outro, quanto mais o “Paizinho” do céu!102
3.3- Rezar com total confiança (11,9-13).
A perseverança se fundamenta na confiança, que é o tema destas sentenças. Notar que Jesus fala em
seu próprio nome, assegurando a confiança dos que rezam. O uso da voz passiva e do futuro (“lhes será
dado... encontrarão...abrirão...”) é para substituir o nome de Deus (“Deus lhes dará... fará encontrar ...
abrirá”). O importante é perceber que a iniciativa deve ser do homem. Deus não se intromete; ele só age
quando o homem o procura.103
NONA AULA
1.0- QUEM NÃO ESTÁ COM JESUS ESTÁ CONTRA ELE (11,14-54).
1.1- De onde vem o poder de Jesus? (11,14-23).
Jesus cura um endemoninhado mudo. Naquele tempo também a mudez era causada pelo demônio.
Interessante: qual é o demônio que impede o povo de dizer a sua palavra e manifestar a sua vontade?
Alguns, certamente fariseus e doutores da Lei, acusam Jesus de estar aliado a Belzebu, o príncipe dos
demônios. Jesus retruca: e os exorcistas judeus, estão aliados a quem? Por outro lado, como é possível que o
demônio esteja contra si próprio? Pelo contrário, o poder de Jesus contra os demônios, que causam a
injustiça (ver 4,1-13), vem de Deus, e é sinal do Reino de Deus que, através da justiça, cria novas relações
entre os homens, construindo a nova sociedade e a nova história. Satanás é “home forte”, mas Jesus é mais
forte do que ele, e o vence, como numa chave-de-braço. E o v. 23 é uma advertência: ou os opositores ficam
do lado de Jesus e do Reino de Deus, ou permanecem do lado de Satanás, no reino da justiça.104
1.2- Pior do que antes
Espírito mau é o mesmo que demônio, e o endemoninhado era visto como “casa” do demônio. Não
adianta expulsar o demônio que aliena. É preciso entregar a “casa”, isto é, entregar a si mesmo, a Jesus, pois
do contrário a situação pode ficar pior do que antes. Os que conhecem a Jesus mas recusam o Reino de Deus
e a vitória de Jesus sobre o mal que aliena e mata o povo, ficam numa situação pior do que se não o tivessem
conhecido. De fato, diante dele e dos sinais de libertação que ele realiza, ou a pessoa fica com ele e se
liberta, ou fica contra ele, e assim acaba condenando-se a si própria.105
1.3- A verdadeira bênção.
102
Idem, p. 113.
Idem, ibidem.
104
Idem, p. 115-116.
105
Idem, p. 116.
103
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Ao lado das oposições, uma confirmação: uma mulher aprova Jesus com o seu coração de mãe. Para
os israelitas o filho sábio é o orgulho e a alegria da mãe (Provérbios 23,25). Trata-se de um elogio à mãe de
Jesus, mas este afirma que mais feliz e abençoado ainda é aquele que ouve a palavra de Deus e a põe em
prática. Palavra e ação que prolongam o que Jesus diz e faz. É assim que as pessoas se tornam parte da
família de Deus.106
1.4- Não adianta procurar sinais.
No tempo de Jesus as pessoas procuravam sinais do Messias enviado de Deus, e as autoridades
pediam que Jesus realizasse um sinal que provasse que ele era de fato o Messias (ver Mt 12,38). Segundo
Lucas, Jesus recusa até mesmo apontar o sinal da ressurreição (ver Mt 12,40). Em vez disso, afirma que a
rainha de Sabá (1Rs 10,1) e os ninivitas (Jonas 3,4-10) irão condenar os que rejeitam a Jesus. Com efeito,
Jesus é mais sábio que o rei Salomão e muito maior do que Jonas, mas as autoridades não lhe dão ouvidos e
não se convertem.107
1.5- Só a fé compreende Jesus (11,33-36).
No contexto de Lucas, Jesus é a lâmpada que o Pai enviou para iluminar o caminho dos homens (ver
Jo 1,5; 8,12). Basta ouvir a sua palavra e ver a sua ação para compreender isso. Contudo, as pessoas
parecem estar cegas e surdas. Por quê? Porque seus olhos (e ouvidos) não estão sãos, isto é, as pessoas estão
comprometidas com os projetos de injustiça, característicos da velha sociedade e da velha história. Mais
ainda: eles não querem mudar para não perder seus privilégios e vantagens. Esse é o olho doente, que deixa
o corpo todo na escuridão.108
1.6- A hipocrisia das autoridades (11,37-54).
Jesus é sempre convidado a jantar na casa de fariseus, e sempre há uma discussão (7,36; 11,37; 14,1).
Agora Jesus ataca a raiz do problema das autoridades religiosas, sejam elas as praticantes (fariseus) ou as
teóricas (doutores da Lei). Qual o problema fundamental dessa gente?
Jesus não observa as prescrições da pureza ritual, e o fariseu nota isso. Jesus mostra que não adianta
nada realizar práticas religiosas externas perfeitas, enquanto o interior da pessoa está “cheio de roubo e
maldade”, certamente para acumular riquezas. De fato, Jesus mostra que a verdadeira pureza é dar em
esmola tudo o que a pessoa possui (v.41). As observâncias externas são fáceis e podem ser apenas uma
máscara para evitar a verdadeira obediência a Deus, que consiste em praticar a justiça e o amor de Deus (v.
42). Observemos bem a ordem das coisas primeiro a justiça, depois o amor...109
2.0- A NÃO TENHAM MEDO (12,1-34).
2.1- Cuidado com a hipocrisia (12,1-3).
Jesus fala a todos, mas principalmente para os discípulos, a primeira comunidade dos que o seguem.
Ele sabe que o problema fundamental das pessoas religiosas é o farisaísmo, a hipocrisia – o uso da “religião
106
Idem, pp. 116-117.
Idem, p. 117.
108
Idem, ibidem.
109
Idem, p. 118.
107
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perfeita” como máscara para esconder os interesses egoístas e a injustiça. Mas o povo não é tão bobo quando
costumamos pensar.110
2.2- Não tenham medo (12,4-12).
Para libertar o povo, Jesus teve de enfrentar todos aqueles que mantêm o povo dominado, explorado,
enfraquecido e tapeado. Por isso foi perseguido, levado aos tribunais, torturado e morto. Os privilegiados
não querem que o povo seja liberto, porque assim eles perderiam o seus privilégios (abundância, prestígio,
riqueza e poder). Os seus privilégios (abundância, prestígio, riqueza e poder). Os discípulos e todos os
cristãos irão continuar a palavra e a ação libertadora de Jesus, e vão enfrentar as mesmas hostilidades. O que
fazer? Recuar para trás, por medo? Não. Os discípulos não devem temer os homens, mas a Deus. Os
homens, quando muito, podem matar o corpo, enquanto Deus pode tirar completamente a vida.
Mas os seguidores não devem ter medo de Deus. Deus é Pai e cuida de toda a criação, mesmo a mais
pequenina ave. Muito mais cuidará dos que seguem o seu Filho, continuando o seu projeto, que traz
liberdade e vida para todos. O próprio Jesus, o Filho do Homem, será o advogado de todos aqueles que o
seguem, continuando a sua palavra e ação. O grande perigo, portanto, é renega-lo, voltando atrás e
desmentindo o testemunho, ou – o que seria muito pior – fazendo o que as autoridades religiosas daquele
tempo chegaram a fazer: dizer que o Espírito Santo que agia através de Jesus era o próprio príncipe dos
demônios (ver 11,15).111
2.3- A riqueza não traz segurança (12,13-21).
Do meio da multidão surge um problema: alguém pede que Jesus seja o juiz num caso de partilha de
herança. Como bem sabemos, partilha de herança é sempre um problema, pois aí aparecem a ganância e a
ambição. Com efeito, muita gente pensa que “tudo estaria resolvido, caso aparecesse agora alguma herança”.
Engano. Aí é que começam os grandes problemas.
Jesus conta uma parábola. Um homem rico teve uma supercolheita, tão grande que precisou construir
novos celeiros para aí acumular os seus bens. Esse rico imaginava estar assim acumulando garantias para a
sua vida futura. Não é o sonho de muita gente? Ora, diz Jesus, de repente Deus pede de volta a vida que ele
havia concedido. (Ponto importante: a vida não nos pertence, não é uma propriedade, mas um
empréstimo...). E agora? De que adiantam os bens acumulados? Os bens não garantem a vida, porque ela é
dom de Deus, e este pode reclamá-la de volta a qualquer momento...112
2.4- A segurança é buscar o Reino (12,22-34).
Como Mt 6,25-34, este é um dos textos que foram mais mal entendidos e distorcidos. Jesus não está
dizendo que devemos ficar de braços cruzados, esperando que a providência do Pai cuide de tudo o que
precisamos, como se fôssemos bebês no berço. O que ele quer dizer é que não adianta ficarmos preocupados
a cada instante com aquilo que temos necessidade. Comida e roupa são necessidades básicas e, se elas estão
faltando, é porque está havendo injustiça. Deus sabe do que as suas criaturas têm necessidade, sejam elas
corvos ou lírios, ou seres humanos. Ele dá tudo o de que precisam. Mas não dá na bandeja: cada um, através
do seu trabalho, deve conquistar o que Deus deu.
O problema é outro. Se, mesmo com o dom de Deus e o trabalho do homem, as necessidades básicas
não podem ser atendidas, é porque está havendo injustiça.113
110
Idem, p. 121.
Idem, ibidem.
112
Idem, p. 122.
113
Idem, p. 123.
111
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3.0- CONVERTAM-SE ENQUANTO É TEMPO (12,35-13,9).
3.1- Estejam atentos! (12,35-38)
A comunidade deve estar em contínua vigilância, fiel à palavra e à ação de Jesus, que ela é chamada
a continuar. Jesus, depois e cumprida a sua missão, voltou para o Pai, mas virá em hora desconhecida ao
encontro da comunidade. Feliz dela se Jesus a encontrar fielmente cumprindo a sua missão de servir. Então
ele mesmo a servirá, realizando o Reino de justiça pelo qual a comunidade tanto lutou.114
3.2- Cuidado, chefes da comunidade! (12,39-48).
Continua o tema da vigilância da comunidade, mas agora aplicado diretamente aos seus chefes. É
certo que o texto originalmente se dirigia às autoridades religiosas do judaísmo (fariseus e doutores da Lei),
mas as primeiras comunidades cristãs o aplicaram à sua própria vida.
Jesus pode surpreender a comunidade, chegando como um ladrão inesperado, e por isso a
comunidade deve estar sempre atenta e preparada. A intervenção de Pedro (12,41) faz a atenção se dirigir
para os chefes (“para nós”) das comunidades (“para todos”). Qual o dever dos chefes? É compreender que a
função da autoridade é servir à comunidade, e que este serviço começa pelas necessidades mais básicas:
“para dar comida a todos na hora certa”, para zelar pela justiça, partilhando os bens da vida entre todos.
Numa palavra, servir à justiça que provoca relações de fraternidade e partilha. Caso isso seja realizado,
então sim, os chefes poderão administrar “todos os bens” isto é, os valores morais e espirituais, tudo aquilo
que leva ao pleno desabrochar das pessoas.115
3.3- Jesus veio para dividir (12,49-53).
Muitos pensam que Jesus veio para misturar o preto com o branco, transformando tudo em cinza.
Mas é justamente o contrário. Ele é “um sinal de contradição” (2,34), porque veio para produzir o
julgamento. Não que ele julgue. Ele é o espelho que revela o que cada um é. Diante dele as pessoas
compreendem o que estão vivendo e se dividem (ler Jo 3,16-21). O fogo é o fogo do Espírito, que fará a
comunidade dos seus seguidores continuar o que Jesus começou (ver Atos 2,3). Isso só será possível
quando, através da morte, Jesus terminar a sua missão (batismo). O testemunho de Jesus mostrará
plenamente o que é o projeto de Deus e o que são os projetos diabólicos, e forçará a uma decisão, decisão
que provocará divisões até nas relações mais íntimas.116
3.4- Saibam discernir (12,54-59).
Jesus fala a partir da experiência humana comum. Na Palestina, o vento que vem do mar (ocidente)
traz chuva, ao passo que o vento que vem do deserto (sul) traz calor. Todo mundo sabe disso. E todo mundo
também principalmente as autoridades religiosas, deveriam saber reconhecer os sinais da chegada do Reino
através das palavras e dos atos de Jesus. Não que Jesus seja apenas uma subversivo que veio fazer uma
revolução política, econômica e social. Ele fez muito mais que isso: subverteu, todos os valores criados pela
ideologia da abundância, poder, riqueza e prestígio – colocando em seu lugar os valores da fraternidade e da
partilha, que geram liberdade e vida para todos.117
3.5- e convertam-se, enquanto é tempo! (13,1-9).
114
Idem, pp. 125-126.
Idem, p. 126.
116
Idem, p. 127.
117
Idem, ibidem.
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Em meio a tudo, chega a notícia (certamente dada pelos fariseus) de que Pilatos havia matado os
galileus. Talvez uma ilusão ao destino de Jesus, pois quem luta pela justiça acaba sendo morto, cedo ou
tarde. Jesus percebe a intenção deles: “Vocês pensam que esses galileus eram mais pecadores ou estavam
mais errados por causa disso? Pensam que o acidente na torre de Siloé foi um castigo mandado por Deus?”
Sempre estamos prontos para julgar a novidade, principalmente quando esta ameaça nossos privilégios. E
Jesus retruca: “Se vocês não se converterem, vão morrer todos do mesmo modo” (13,5).118
DÉCIMA AULA
1.0- JESUS LIBERTA DO FARDO DA RELIGIÃO (13,10-35).
1.1- Jesus tira o fardo das costas do povo (13,10-17).
O dia de sábado era a principal instituição, a marca distintiva da religião judaica. Originalmente uma
instituição libertadora – descanso para o povo -, o sábado acabou se tornando um peso esmagador,
impedindo até que se curasse um doente. Aquela mulher curvada – símbolo do povo que carrega fardos
pesadíssimos – frequentava a sinagoga, mas nem a religião a libertava do seu fardo. Jesus a cura e provoca
de imediato a reação da autoridade religiosa. Jesus desmascara a hipocrisia de uma religião que não só não
liberta o povo dos seus fardos, mas também lhe impõe um fardo extra nas costas.119
1.2- O Reino libertador não vem por imposição (13,18-21).
Em lugar da religião que oprime e mata, Jesus propõe o Reino que liberta e dá a vida. Mas como vem
esse Reino? Através da imposição, no estilo das velhas religiões, feitas de exigências exorbitantes e
cobrando caríssimo pela salvação? De jeito nenhum. Vem como semente e fermento. É o sopro do Espírito
as Vida, que vai penetrando e transformando tudo. A semente é pequenina, mas produz uma grande árvore,
que abriga a todos com sua sombra e alimenta a todos com seus frutos. Também é um fermento que leveda
toda a massa. Em outras palavras, a religião do Reino de Deus repousa em gestos libertadores que se
alastram e transformam a realidade de todos.120
1.3- A porta estreita da justiça (13,22-30).
Quem é que se salva? São poucos? São aqueles que conhecem e praticam as regras religiosas? São
aqueles que vivem rezando e participando das celebrações? Jesus não responde diretamente, mas aconselha
a fazer “todo o esforço possível para entrar pela porta estreita” (13,24). Que porta é essa? Conforme o que se
diz logo em seguida, é a porta da conversão para a prática da justiça: “Afastem-se de mim, todos vocês que
praticam injustiça!” (13,27).121
1.4- A reação dos poderosos (13,31-33).
O anúncio e a ação do Reino produzem abalos, tanto no campo econômico como no político, no
social e no religioso. A inversão dos valores é fundamental e atinge a todos os que usufruem dos privilégios
conseguidos através da prática da injustiça. Os poderosos, os ricos, os prestigiados e os que vivem na
118
Idem, p. 128.
Idem, pp. 130-131.
120
Idem, p. 131.
121
Idem, p. 132.
119
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abundância sentem logo o perigo que a palavra e a prática de Jesus representam para eles. E reagem
drasticamente. Herodes Antipas, que governa a Galileia, região onde Jesus desenvolveu praticamente toda
sua atividade, quer mata-lo. É o prenúncio do fim.122
1.5- A cidade da “religião que mata” (13,34-35).
Jesus deplora a situação de Jerusalém. Com efeito, Jerusalém fora idealizada como o centro da vida
do povo de Deus. Era ali que o povo iria se encontrar para, junto do seu Deus no templo (casa), repartir a
liberdade (o próprio ser das pessoas) e a vida (os bens que Deus concede a todos). Deveria ser o lugar da
justiça e, por isso, da alegria festiva da vida. Mas, dominada pelos poderes injustos, ela se tornou foco de
injustiça, de exploração, de dominação e de tapeação, fonte de escravidão e morte.123
2.0- JESUS INVERTE OS VALORES (CAP. 14).
2.1- Quem é esse homem “inchado”? (14,1-6).
Casa de fariseu, sábado, e a cilada: um homem hidrópico, isto é, com retenção de líquido e, portanto,
inchado. Quem é ele? Se a mulher encurvada (Lc 13,10-17) era um símbolo do povo curvado por todos os
pesos, e mais ainda o fardo da religião que não liberta, o hidrópico é este mesmo povo, inchado pelo
ensinamento dos fariseus, também estes inchados pelo orgulho pretensioso e hipócrita de serem os
perfeitos.124
2.2- Competição x convite gratuito (14,7-11).
Observando a competição pelos primeiros lugares, típica dos fariseus (ver 20,46), Jesus retoma a
sabedoria do povo (Provérbios 25,7), e dá uma lição nos inchados fariseus. Imaginemos a vergonha de ter
que deixar o primeiro lugar e ir sentar-se no último... Melhor ocupar o último lugar e, se for o caso, passar
pela honra de ser depois convidado para o primeiro.125
2.3- Interesses x gratuidade (14,12-14).
O conselho que Jesus dá ao fariseu que o tinha convidado é outra inversão: não convide amigos,
irmãos, parentes, vizinhos ricos; convide pobres, aleijados, mancos, cegos. Quatro x quatro. Os quatro
primeiros são os convidados que podem retribuir o convite; os quatro últimos não. No primeiro caso temos
uma relação comercial – tanto a passagem relembra 6,32-35, mostrando que o amor limitado e interesseiro
não tem qualquer valor diante de Deus. Em troca, o amor gratuito empenha o próprio Deus a recompensar
aquele que ama com a ressurreição, isto é, com a experiência da vida plena.126
2.4- Deus prepara o banquete para os excluídos (14,15-24).
Jesus é elogiado, certamente por alguém que se sente generoso porque está de barriga cheia: “Feliz
aquele que come pão no Reino de Deus” (v. 15). Jesus aproveita e volta à carga com uma parábola para
mostrar o que acontece com o Reino de Deus, onde a justiça derrota quaisquer interesses, pretensões e
competições. O banquete é o Reino. Os convidados já estavam sabendo que tinham sido convidados, e o
122
Idem, pp. 132-133.
Idem, p. 133.
124
Idem, p. 135.
125
Idem, p. 136.
126
Idem, pp. 136-137.
123
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empregado só vai lembra-los de que o banquete está pronto. Mas, que decepção! Ninguém pode comparecer.
E as desculpas são todas furadas, pois algumas horas no banquete não iriam atrapalhar ninguém. Quem são
esses convidados? Os fariseus, e junto com eles todos os outros hipócritas que se julgam “santos” como eles.
2.5- O custo do seguimento de Jesus (14,25-35).
É o ápice, a consequência de tudo o que veio antes: “Qualquer de vocês, se não renunciar a tudo o
que tem, não pode ser meu discípulo” (v.33). “Tudo o que tem” significa o quê? O inchaço do orgulho, a
sede de competição, a busca de interesses, a desculpa furada para não praticar a justiça... – todas as
seguranças enfim. Seguranças representadas pela família e pela “própria vida” (v.26), isto é, pelo estilo de
vida comprometido com a injustiça – pois, num mundo de injustiça e esperteza, quem sobrevive é porque é
esperto, ou melhor, injusto. E o que é que sobra? Sobra a cruz, ou seja, a disponibilidade para seguir a Jesus
até à morte pela causa da justiça (v. 27). Não sobra nem a boa fama, pois a cruz era a sentença para os que
ousavam subverter a ordem criada pelo Império Romano... Jesus morreu como um bandido, um
criminoso.127
3.0- JESUS CONVIDA PARA A FESTA DO PAI (CAP. 15).
Lucas 15 é o coração do evangelho de Lucas e, poderíamos dizer, de todo o Evangelho. É a revelação
do que Deus quer, é a revelação do que Jesus faz, e é também a revelação do julgamento que divide as
pessoas entre as que aceitam e as que rejeitam a Boa Notícia que constrói a nova sociedade e a nova história.
Este capítulo ilustra plasticamente o que João 3,16-21 diz com outras palavras.128
3.1- Jesus escandaliza as autoridades (15,1-2).
O fato é que os cobradores de impostos e os pecadores, duas categorias diferentes de marginalizados
daquele tempo, veem o que Jesus faz e se aproximam para ouvir o que ele diz. Nesse aproximar-se podemos
perceber claramente que eles sentem que, com Jesus, chegou a vez dos marginalizados e excluídos da
sociedade e da história construírem a nova sociedade e a nova história, fundadas na prática da justiça e
orientadas para ela.129
3.2- É preciso fazer festa! (15,3-10).
Jesus responde com parábolas, essas histórias terríveis que pegam o ouvinte “no pulo”, sem lhe
deixar qualquer escapatória (veja a parábola que o profeta Natã contou ao rei Davi, e como este caiu
direitinho: 2 Samuel 11,1-12,15). Com elas Jesus não quer se defender, mas sim defender o que o Pai quer.
Quem está em jogo aqui é o próprio Deus e a sua maneira de agir. Aceitamos ou não o amor do Pai, que é a
raiz da justiça que inverte a nossa forma de pensar e de agir? 130
3.3-Vocês não vão participar da festa do Pai? (15,11-32).
A terceira parábola é a mais terrível. Já se falou tanto nela, já se armaram tantas discussões, que é
difícil comentá-la mais uma vez. Até o nome tradicional – o “filho pródigo” – é discutível. Melhor seria o
nome de “o irmão emburrado”, aquela atitude que com muitíssima frequência podemos ver nas pessoas
127
Idem, p. 138.
Idem, p. 140.
129
Idem, p. 141.
130
Idem, ibidem.
128
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religiosas que se julgam “justas e piedosas”, exatamente como os doutores da Lei e os fariseus... Por que
esses “santos” são tão tristes?
Esta parábola é um espelho incrível de tudo o que está acontecendo. O pai é Deus Pai, e tudo o que
esse pai faz é revelação do que Deus quer e realiza através de Jesus. O irmão mais novo representa todos os
marginalizados e excluídos do círculo dos “justos”, da sociedade “justa e limpa, sadia e higiênica”. O filho
mais velho representa os “justos e impecáveis” doutores da Lei e fariseus, todos os pretensos “justos” que
“não precisam de conversão”, porque, é claro, nunca cometeram o menor erro.131
DÉCIMA PRIMEIRA AULA
1.0- OU DEUS OU O DINHEIRO (CAP. 16)
O centro de Lc 16 está no versículo 13: “Nenhum empregado pode servir a dois senhores, porque, ou
odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao
dinheiro”. Não há meio-termo: ou servir ao Senhor Deus, ou servir ao Senhor Dinheiro. Um é incompatível
com o outro, porque cada um tem as suas próprias regras. E não se diga que o Evangelho é ingênuo, porque
ele não está criticando uma cédula de dinheiro, mas acúmulo de dinheiro, o Dinheiro com D maiúsculo, ou
seja, o Capital.132
1.1- Aprendam a ser espertos (16,1-8).
A parábola do administrador desonesto não é nenhum exemplo de moral. Com efeito, além de
dilapidar os bens do patrão rico, o administrador dilapida ainda mais para “dar um jeitinho” e poder “salvar
a pele” depois de demitido do cargo: usa o dinheiro do patrão rico para fazer amigos que o acolham quando
ele não tiver um lugar para cair morto.133
1.2- e usem bem o Dinheiro (16,9-12).
É claro que a parábola originalmente foi dirigida contra os fariseus (16,14). Mas os primeiros cristãos
procuraram dar um colorido novo à esperteza, para que os cristãos aprendessem mais. Em primeiro lugar,
que uma das formas de justiça é roubar dos ricos para dar aos pobres. É o sentido do v.9: o dinheiro injusto é
aquele que foi acumulado nas mãos dos ricos; roubar esse dinheiro e dá-lo aos pobres é, na verdade,
devolver o que antes fora roubado dos pobres. Deus é amigo dos pobres e estes receberão o “ladrão esperto”
na vida do Reino!134
1.3- porque o Dinheiro é incompatível com Deus (16,13).
O v. 13, como já dissemos, é o centro de todo o capítulo. Ele nos convida a fazer uma escolha
decisiva e definitiva, porque o Senhor Deus é incompatível com o Senhor Dinheiro. Ou servimos a um ou ao
outro. Não é possível ficar com os pés em duas canoas. Por quê? Porque Deus é a justiça que cria
fraternidade e partilha, para que todos tenham liberdade e vida. A régua do Dinheiro, isto é, do Capital, é a
injustiça que gera a não-fraternidade, que dá origem ao poder que oprime, e não-fraternidade, que dá origem
131
Idem, p. 142-143.
Idem, p. 145.
133
Idem, p. 146.
134
Idem, p. 146-147.
132
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ao poder que oprime, e a não-partilha, que dá origem à riqueza que explora. Opressão e exploração que
geram poderosos e ricos ao lado de fracos e miseráveis.135
1.4- Não sejam adúlteros, como os fariseus (16, 14-18).
Mas, por incrível que pareça, há pessoas que “fazem a média”. São os fariseus, que se julgam
perfeitos diante de Deus e os homens, mas, ao mesmo tempo, “são amigos do Dinheiro”. Tentam servir a
dois senhores. A quem servirão mais? Quem será para eles o mais forte e decisivo? Observarão as leis do
Senhor Deus ou as leis do Senhor Dinheiro? Jesus os desmascara: eles não são tão espertos como parecem.
Podem enganar os homens (e não a todos eles em todo o tempo), mas nunca enganam a Deus. O que Deus
pede na Bíblia (Lei e Profetas) é justiça. E o Evangelho traz o Reino, que é o decisivo e definitivo apelo à
prática da justiça. Apelo que exige ação decisiva, violenta.136
1.5- nem idiotas, como os ricos (16,19-31).
Durante muito tempo pensou-se que esta parábola era uma espécie de “geografia do inferno” (16,2326) e uma análise psicológica dos sentimentos dos “danados” (16,27-31). Parece que a coisa não vai por aí.
O que a parábola quer mostrar é que os ricos cavam um abismo que os separa da Vida, e que esse abismo
nem mesmo um Ressuscitado pode transpor.
O drama é muito simples: um rico e um pobre. O rico se veste com roupa estrangeira e se banqueteia
com os amigos todos os dias. O pobre, doente, jaz caído à porta do rico, com cachorros lambendo-lhe as
feridas, à espera de migalhas que caiam da mesa do rico. Mas não são bem migalhas: são os pedaços de pão
que, naquele tempo, eram usados como guardanapo para limpar e enxugar a boca e as mãos, e depois
atirados no chão. O pobre morre e vai ao seio de Abraão, isto é, para a Vida do povo de Deus, junto a Deus.
O rico morre e é enterrado... Fim do primeiro ato.
Segundo ato: o que está por trás disso tudo? Justamente o contrário do que parece à primeira vista. O
pobre se banqueteia com a Vida no céu. O rico sofre no inferno. E aqui nem mesmo a migalha, ou seja, uma
gota d’água, passa de um lado para o outro. Por quê? Porque entre o rico e o pobre há um abismo imenso,
intransponível. Quem o cavou? O próprio rico. Não é ele que se protege tanto que acaba numa prisão? Não é
ele que se retira e se afasta do povão? Como é que o pobre poderia ir até o rico e dar-lhe um pouquinho da
Vida com que Deus presenteia os pobres?
Terceiro ato: O que fazer? – diz o rico. Já que estou perdido, que o pobre então vá até o meus irmãos,
igualmente ricos, e os previna. Pedido impossível: conforme o segundo ato, existe o abismo que o rico cava
para se proteger. Além domais, os ricos são letrados: podem ler a Bíblia, ou melhor, o Antigo Testamento
(Moisés e os profetas). O profeta Isaías, por exemplo, diz o que eles devem fazer: “repartir a comida com
quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se
fechar à sua própria gente...” (Isaías 58,7).
E fim do drama. O que vai acontecer? Depende de cada um. Cada um tem a chance de ser esperto,
servindo a Deus e ganhando a Vida, ou ser idiota, servindo ao Dinheiro e acabando “enterrado” para
sempre...137
2.0- CRISTÃO=SERVO SEM VALOR (17,1-19)
2.1- Não escandalizem os pobres! (17,1-2).
135
Idem, p. 147.
Idem, p. 148.
137
Idem, pp. 148-149.
136
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Se o evangelho adverte os discípulos sobre os escândalos, é porque estes existiam nas comunidades
cristãs daquele tempo. Escândalo é uma palavra grega que significa engodo, cilada, armadilha, e daí pedra
de tropeço, pedra propositalmente colocada para fazer alguém tropeçar. Jesus sabe que os escândalos são
inevitáveis. Mas ai daquele que os provoca.138
2.2- Perdoem continuamente! (17,3-4).
Trata-se de perdoar o irmão que me ofende. Correção fraterna, chance. Se há arrependimento,
perdão. Mas até que ponto? Não há limites: se irmão ofender sete vezes num dia, perdoar sete vezes, caso
haja arrependimento.
É bom lembrar que sete vezes equivale a continuamente. Por que perdoar continuamente, apenas com
a exigência de que o outro se arrependa, isto é, que reconheça o seu erro? É porque a comunidade é feita de
pessoas imperfeitas, que erram e se ofendem continuamente. Sem perdão, a comunidade não poderia
continuar, e simplesmente se destruiria.139
2.3- Confiem totalmente em Deus! (17,5-6).
Os apóstolos fazem o pedido mais importante: “Aumenta a nossa fé!” Isso porque a comunidade se
reúne graças a uma fé, que significa compromisso com o projeto de Deus, plenamente realizado na palavra e
na ação de Jesus. Como aumentar um compromisso? Ou ele existe ou não existe. Jesus compara a fé com
uma semente de mostarda, que é a menor de todas as sementes. Pois bem diz Jesus: Se vocês tiverem uma fé
desse tamanhinho, vocês já podem mandar uma amoreira se transplantar para o mar. Se levarmos em conta
que as árvores não crescem no mar, entenderemos que quem tem um grãozinho de fé já pode fazer coisas
que parecem impossíveis.140
2.4- Não pensem que vocês têm méritos! (17,7-10).
A introdução do v. 7 também poderia ser introduzida por: “Vocês conseguem imaginar que se
alguém e vocês...?” E a resposta seria: “Não. Isso é impensável!” Trata-se de um patrão pobre, pois tem um
só empregado. Quem é que vai servir? Ele ou o empregado? É claro que o empregado. Precisa o patrão
agradecer ao empregado pelo serviço? Claro que não, pois o empregado fez o que devia fazer, e pronto.
A parábola pode chocar um pouco, pois parece justificar a escravidão. Mas Jesus não pretende isso.
Ele quer apenas usar um fato da vida daquele tempo (?) para mostrar que os cristãos são servos de Deus, e
que o serviço a Deus não deve ser concebido como fonte de méritos.141
2.5- Aprendam a reconhecer o dom de Deus! (17,11-19).
Lucas retoma o fio da narrativa, lembrando que Jesus está a caminho de Jerusalém, talvez descendo
para o vale do Jordão, na direção de Jericó (ver 9,51; 13,22; 18,35). Perto do povoado, ele se encontra com
os dez leprosos. De fato, conforme a Lei, eles deviam ficar fora da cidade (marginalizados), e não se
aproximar das pessoas (Levítico 13,45). O pedido que eles fazem a Jesus demonstra a confiança. Jesus não
os cura logo, mas testa a fé deles e a sua obediência às prescrições da Lei. Com efeito, ordenava-se que um
curado se apresentasse aos sacerdotes para que estes constatassem a cura e o reintroduzissem no convívio
social (Levítico 14,1-32). Se os leprosos obedeceram a Jesus é porque acreditaram na cura.
138
Idem, p.152.
Idem, ibidem.
140
Idem, pp. 152-153.
141
Idem, p. 153.
139
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No caminho ficam curados e um deles, um só, volta atrás para agradecer a Jesus. E, frisa Lucas, este
era um samaritano. Lucas tem predileção pelos samaritanos (4,27; 7,9; 10,30-37), porque a Samaria será um
dos primeiros lugares a serem evangelizados (Atos 8,5-8). Mas há outro dado importante: os outros nove
leprosos são judeus. E judeus e samaritanos se odeiam (9,53). Curioso: por que a miséria reúne as pessoas?
Eis aí a força dos pobres, dos fracos e dos doentes: solidarizar-se entre si, para atacar juntos as causas da
pobreza, da fraqueza e da doença. Não teríamos aqui um grupo de LA (leprosos anônimos)?142
3.0- O JULGAMENTO E O REINO (17,20-37).
No tempo de Jesus eram muitas as expectativas de uma grande transformação das condições de vida.
Há muito o povo era dominado por grandes potências estrangeiras, e dentro do próprio país a injustiça era o
pão de cada dia. Esperava-se ardentemente o dia do Filho do Homem, a personagem misteriosa que vinha da
parte e Deus para fazer o julgamento e instaurar o Reino de Deus (ver Daniel 7,9-18). A todo custo se
procuravam sinais que indicassem a proximidade desse dia terrível e glorioso.143
3.1- O Reino está o meio de vocês (17,20-21).
São os especialistas práticos da religião, os fariseus, que perguntam sobre o momento em que
chegaria o Reino de Deus. Bem entendido, por trás dessa pergunta eles queriam saber quais seriam os sinais
que indicariam a chegada do Reino. Como nós, também eles faziam muitas fantasias.
A resposta de Jesus é, de certo modo, decepcionante: “O Reino de Deus não vem ostensivamente”.
Ou seja, nada de grandes barulhos ou fogos de artifício. Isso, quando muito, caracteriza as coisas humanas,
mas não o Reino. De modo que não se poderá dizer ou apontar: O Reino está aqui ou ali. Com efeito, o
Reino não é alguma coisa que vai cair sobre a realidade, mas uma transformação profunda das relações
humanas.
“O Reino de Deus está no meio de vocês”. Alguns gostariam de traduzir “dentro de vocês”, que é
possível pela língua, mas não pelas circunstâncias, pois Jesus está falando com os fariseus, justamente
aqueles que não aceitaram sua mensagem. Por outro lado, o Reino não é apenas uma realidade interior. Jesus
quer dizer que ele próprio é o reinado de Deus entre os homens, porque através dele Deus está realizando
seu projeto. Qual? O de libertar a todos para a vida, por meio da instauração de relações de fraternidade e
partilha. Isso é o Reino de Deus.144
3.2- E o dia do Filho do Homem? (17,22-25).
Jesus é o próprio Filho do Homem, a misteriosa personagem que vem da parte de Deus para fazer o
julgamento e instaurar o Reino. Chegará o tempo em que os discípulos desejarão vê-lo, mas não poderão.
Por quê? Porque Jesus “deverá sofrer muito e ser rejeitado por esta geração”. De fato, o julgamento e o
Reino serão fruto do seu testemunho até o fim, até a morte. Sua morte nas mãos dos poderes injustos
manifestará a perversidade dos poderes injustos e os condenará. Então sim, ficará claro que o Reino é o
triunfo da justiça sobre a injustiça.145
3.3- Será um dia imprevisível (17,26-30).
Como prever o dia do Filho do Homem? Como prever o dia do julgamento e da vinda do Reino da
justiça? Impossível. É um dia imprevisto e imprevisível. Como o dia do dilúvio (Gn 6-8): todos viviam
142
Idem, p. 154.
Idem, p. 156.
144
Idem, pp. 156-157.
145
Idem, pp. 157-158.
143
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tranquilamente até que o dia da destruição de Sodoma (Gn 18-19): a cidade toda foi destruída, de modo
imprevisto. O Mesmo acontecerá no dia do Filho do Homem. Ninguém o poderá prever, mas todos serão
atingidos por ele: a injustiça será julgada e a justiça triunfará.146
3.4- que exigirá estar preparado (17,31-33).
A urgência desse dia será tão grande que não haverá tempo de voltar para trás e apanhar os próprios
bens. Quem fizer isso ficará destruído como a mulher de Ló, que apenas olhou para trás. Simplesmente não
haverá tempo de mudar na última hora: quem quiser se salvar se perderá, e quem perder a própria vida a
conservará. Ou seja, tudo já estará decidido: quem praticou a justiça estará a salvo; quem não a praticou não
terá mais tempo.147
3.5- Justos e injustos serão separados (17,34-36).
O evangelista dá três exemplos para frisar qual a separação entre justos e injustos atingirá até mesmo
as relações mais íntimas, como a do matrimônio (cama) e a do trabalho (mulheres na moenda e homens no
campo). Em outras palavras, nada poderá manter reunidas as pessoas que forem separadas pelo julgamento,
porque o decisivo é a prática ou não-prática da justiça.148
3.6- onde quer que as pessoas se encontrem (17,37).
A pergunta dos discípulos tem a finalidade de mostrar a extensão do julgamento. “Onde?” Haverá
algum lugar especial para isso acontecer? Não, conforme a resposta de Jesus: “Onde estiver o corpo, aí se
reunirão os urubus”. Isto é o julgamento vai acontecer onde quer que as pessoas estejam. Como se trata de
manifestar a verdade de todos e de cada um, o julgamento acontecerá onde todos e cada um estiverem. Não
haverá, portanto, refúgio ou lugar seguro, pois o julgamento não virá de fora, mas de dentro das próprias
pessoas. Cada um verá a verdade de si mesmo diante do espelho que é o próprio Jesus, porque nele se
manifestou todo o projeto de Deus para os homens.149
DÉCIMA SEGUNDA AULA
1.0- SEJAM COMO AS CRIANÇAS (18,1-30).
1.1- Peçam justiça e confiem! (18,1-8).
Esta parábola tem dois aspectos acumulados. Originalmente ela chama a atenção para o juiz e o
contrapõe a Deus: se um juiz injusto atende, muito mais Deus, que é justo e ama os seus escolhidos. No
enquadramento atual, porém, ela passa a ser uma lição sobre a perseverança na oração, e lembra de perto o
que foi dito em 11,5-12: o juiz acabou atendendo por causa da amolação – por isso, não desistam.
Muito mais pode ser dito. A parábola reflete uma situação desesperadora: a viúva está no seu direito,
mas ninguém lhe fez justiça. Ela recorre ao juiz, mas este é corrupto, e a única arma dela é a insistência, a
arma dos pobres. Bem no seu núcleo, portanto, a parábola insiste sobre a busca perseverante de justiça. É
isso que os pobres devem fazer: perseverar, na ação e na oração, buscando a justiça.150
146
Idem, p. 158.
Idem, ibidem.
148
Idem, p. 159.
149
Idem, ibidem.
150
Idem, p. 161.
147
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1.2- Peçam perdão e confiem! (18,9-14).
Já se falou muito sobre esta parábola e ninguém certamente simpatiza com a figura do fariseu, mas
logo se identifica com o cobrador de impostos. Talvez logo demais.
O fariseu não é criticável por rezar de pé, que era a posição judaica mas usada na oração, nem pelo
que ele diz, que é muito bom. Com efeito, a Lei exigia um só dia de jejum no ano, e o dízimo não era
exigido sobre todas as posses. O problema do fariseu, e de muitos de nós, é o que ele não diz. Não conta
nada sobre os seus pecados. Ele só leva em conta a sua poupança de méritos. Pior ainda, ele se compara com
o pecador, achando que Deus o escute, mas não ao pecador (ver João 9,31). Ele não tem mesmo como ser
perdoado, porque ainda nem tomou consciência e confessou seus pecados!151
1.3- Sejam com as crianças e confiem! (18,15-17).
As crianças aqui não revestem o significado da inocência e da pureza. Aliás, conforme a psicologia
nos mostra, as crianças não são tão inocentes e puras como pensamos. Lembremo-nos de que no tempo de
Jesus a criança não tem qualquer significado social, sendo até mesmo tratada como os servos. A mesma
palavra para dizer criança em grego é também usada para dizer servo... O significado da criança, portanto, é
social: ela não tem e não pode ter pretensões nem ambições, exatamente como os escravos. Mas, apesar de
tudo, tanto a criança como o escravo ficam à espera da liberdade e da vida, ficam à espera do Reino da
justiça, que lhes trará o que tanto anseiam. E é a eles, e a todos os que são como eles, que Deus concede o
Reino, para a alegria deles, porque o Reino será sua grande libertação.152
1.4- Repartam com os pobres, sigam-me, e confiem! (18,18-30).
Trata-se de uma pessoa importante, talvez um governador. Ele pensa já ter praticado a religião
elementar, e quer a religião avançada. Reconhece em Jesus um Mestre bom, um homem bom. Mas Jesus
mostra que qualquer bondade humana nem é bondade perto da bondade de Deus. Passa-lhe então o exame
da religião elementar: praticar os mandamentos da Lei, principalmente os que se referem à justiça nos
relacionamentos. O homem já faz isso desde a juventude.
“Falta ainda uma coisa para você fazer: venda tudo o que você possui, distribua o dinheiro aos
pobres, e terá um tesouro no céu. Depois venha, e siga-me”. Palavras duras, que exigem total confiança no
prometo de Jesus, que é o projeto da justiça. E a justiça começa exatamente aí: repartindo o que cada um
possui, os pobres ficarão libertos da sua pobreza e terão mais liberdade e vida. E então? O homem não
passou no teste da religião avançada. Pelo contrário, “ficou triste, porque era muito rico”.153
2.0- A IMINÊNCIA DO GRANDE JULGAMENTO (18,31-19,28).
2.1- Jesus vai provocar o Grande Julgamento (18,31-34).
É o terceiro e último anúncio da paixão. Jesus mostra o que vai acontecer em Jerusalém: os poderes
da cidade – que são pagãos, isto é, não conhecem o Deus Justo – vão prendê-lo, julgá-lo, tortura-lo e matalo. Mas Jesus ressuscitará como justo. Isso provará que os poderes da cidade são perversos, pois matam o
justo e o inocente. Por quê? Porque a inocência e a justiça atrapalham os processos de exploração e opressão
promovidos pelos poderes econômico, político e ideológico que reinam na cidade, produzindo a escravidão e
a morte para o povo
151
Idem, p. 161-162.
Idem, p. 162.
153
Idem, p. 163.
152
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A ressurreição de Jesus, porém, mostrará que os poderes da cidade não conseguem matar o justo e o
inocente, porque Deus os ressuscita, mostrando e condenando a perversidade dos poderes da cidade. Os
discípulos, porém, não entendem nada.154
2.2- Até um cego pode ver (=compreender) Jesus (18,35-43).
A pessoa que a gente menos espera que veja é um cego. Curiosamente é ele que vê Jesus, e não só o
vê, mas se põe a segui-lo! Interessante: são aqueles que menos esperamos que compreendem e seguem Jesus
na prática. Por que será?
O cego vive numa situação lastimável: preso pela cegueira e miséria que daí decorre. Está
mendigando no caminho, pedindo aos que vão a Jerusalém para a festa da Páscoa, a festa da libertação. Mas
há algo de diferente no ar, e o cego fareja. O modo de ele se dirigir a Jesus – filho de Davi – mostra que ele
está à espera do Messias que vai instaurar o Reino de justiça. E é isso que ele quer ver: o Reino da justiça,
que liberta os fracos e os pobres. E Jesus o faz ver, dando-lhe não só a visão física, mas a visão da fé, que o
faz enxergar Jesus e seu caminho. E o cego curado se compromete com ele, seguindo-o. E nós? Começamos
a enxergar alguma coisa, ou continuamos como os discípulos, que não compreendem nada do que Jesus diz?
Será que o jeito não é sentar à beira do caminho, junto com o cego, isto é, experimentando o ser vítima da
injustiça? Enquanto a pimenta não arde em nosso olho parece que o olho nunca se abre...155
2.3- Rico também pode salvar-se (19,1-10).
Se compararmos a passagem de Zaqueu com a do homem rico, talvez um governador (18,18-30),
perceberemos muita semelhança e, ao mesmo tempo, muita diferença. Mas o que surpreende é um queria e
não conseguiu, enquanto o outro parece não querer nada, e consegue tudo. Ah, os caminhos de Deus...
Zaqueu é chefe de cobradores de impostos e, é claro, muito rico, pois ele aproveitava a máquina
estatal para ganhar um “pouquinho”. Mas ele, sem querer, entra no caminho de Jesus, pois o seu desejo, no
fundo, é de perfeição evangélica. Primeiro ele quer ver Jesus. A curiosidade é o começo do caminho. Depois
ele trepa numa árvore, porque era baixinho. É o segundo passo: perder a dignidade social, baseada no poder
e na riqueza. Imaginemos uma pessoa de posição pendurada numa árvore, como um macaquinho! Ridículo.
E aí temos o contraste: Zaqueu se alegra, os hipócritas criticam, não Zaqueu, mas Jesus. O ponto alto está
nas palavras de Zaqueu a Jesus, mostrando que ele vai abrir mão de tudo.156
2.4- A realização do Grande Julgamento (19,11-28).
Esta passagem coroa toda a viagem de Jesus, mas não se refere mais à caminhada e sim ao ponto de
chegada, mostrando o que vai acontecer em Jerusalém. Comparando com Mateus 25,14-30, veremos que em
Lucas temos duas parábolas misturadas: a do pretendente ao trono e a dos talentos. O resultado é uma
grande parábola com duas contas: a primeira está em 19,26 e a segunda em 19,27.
O texto se refere à partida de Jesus para junto de Deus, onde receberá a realeza, para depois voltar e
realizar o julgamento. No entanto, o julgamento será feito tendo em vista a justiça que cada um praticou.
Quem praticou mais participará mais do governo justo de Jesus. Quem praticou menos, participará menos.
Quem não praticou nada perderá tudo, porque o sentido da vida proposta por Deus a todos só pode ser
atingido pela prática da justiça.157
3.0- CHEGOU O MESSIAS POBRE PARA LIBERTAR OS POBRES (19,29-20,8).
154
Idem, p. 166.
Idem, pp. 166-167.
156
Idem, p. 167.
157
Idem, p. 168.
155
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3.1- Chegou o Messias libertador dos pobres (19,29-40).
Toda mensagem é simbólica e quer fazer uma referência direta ao profeta Zacarias 9,9-10, onde se
anunciava a chegada do rei pobre que liberta o povo. No Antigo Testamento os reis usavam muitas pompas
e montavam cavalos. No tempo das tribos, porém, os líderes que libertavam o povo montavam jumentos
(Juízes 5,10; 10,14). Com Jesus volta o ideal libertário e igualitário das tribos: ele é o chefe que vai libertar o
povo dos inimigos e fazer o povo viver segundo a justiça e o direito.158
3.2- Da alegria para o choro (19,41-44).
Com Jesus entrando em Jerusalém chegou o dia da “visita” de Deus à cidade. Na linguagem da
Bíblia, a “visita” é um modo de falar do julgamento e da salvação. Deus vem até a cidade para pedir contas
da sua vida. A cidade praticou a justiça? Ou promoveu e multiplicou a injustiça através dos sistemas
econômicos e políticos, sempre acobertados pela ideologia que faz o povo “engolir gato por lebre”? Jesus se
entristece, porque sabe que a cidade não vai aceitar o anúncio e a prática da justiça que seria o caminho para
a vida.159
3.3- Jesus ataca o centro da injustiça (19,45-48).
No centro da cidade está o Templo, centro da vida do povo de Deus, e Jesus vai direto para ele. E o
que vê? O Templo de Deus foi transformado em loja e banco. Com efeito, era aí que residiam os poderosos,
que conduziam a vida econômica e política do povo, tudo justificado pela máscara da religião. Jesus ataca o
comércio e expulsa os comerciantes. Fazendo isso, ele está não só destruindo um conceito falso de religião,
mas também mudando as bases econômicas e políticas que regem a vida do povo. Ele chegou para tomar
posse da casa do Pai (2,49). E isso significa que daqui por diante o povo deverá viver uma religião que
liberta, produzindo estruturas políticas e econômicas justas, isto é, voltadas para a liberdade e a vida de
todos.160
3.4- Jesus é mais esperto que os filhos das trevas (20,1-8).
Esta passagem apresenta uma verdadeira chave-de-braço entre Jesus e as autoridades religiosas. Elas
querem saber quem foi que deu autoridade para Jesus fazer tudo aquilo, isto é, entrar em Jerusalém daquele
jeito, dizer aquelas palavras terríveis sobre o futuro da cidade e, principalmente, interferir nas coisas
sagradas do Templo. O que elas querem, no fundo, é que Jesus diga que é o Messias enviado por Deus para
governar o povo. Mas Jesus não é bobo. Ele sabe que assim eles o entregariam ao poder romano como
inimigo subversivo, e ainda ficariam com as mão limpas.161
DÉCIMA TERCEIRA AULA
1.0- O POVO PERTENCE AO DEUS DA VIDA (20,9-47).
Jesus continua a se confrontar com os poderosos que, da cidade, mantêm o povo submisso ao sistema
de exploração e opressão. Já se pode prever o fim desse grande confronto: os poderosos irão matar Jesus,
158
Idem, p. 171.
Idem, pp. 171-172.
160
Idem, p. 172.
161
Idem, p. 173.
159
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mas ele se tornará o núcleo ao redor do qual se reunirá o povo de Deus (20,9-19). E esse povo estará liberto,
não pertencendo mais nem aos poderosos da nação nem aos poderosos do estrangeiro. Ao contrário,
pertencerá ao Deus que liberta para a vida, criando o germe de uma nova sociedade e de uma nova história
(20,20-26).162
1.1- As autoridades vão matar Jesus (20,9-19).
Com a parábola dos vinhateiros assassinos Jesus mostra que está plenamente consciente do que está
acontecendo e vai acontecer. Os vinhateiros são os chefes religiosos do povo (doutores da Lei e chefes dos
sacerdotes). A missão deles era fazer o povo produzir para Deus. Em vez disso, porém, eles usavam o povo
para o próprio proveito, matando todos aqueles (empregados=profetas) que os criticavam. Por último,
matam também o filho do patrão, que é Jesus. É o que irá acontecer.163
1.2- O povo pertence a Deus (20,20-26).
Outra armadilha. A moeda do tributo era um sinal da dominação romana. É lícito pagar esse tributo?
Se Jesus responde que sim, ficará desmoralizado como aliado do poder opressor. Se reponde que não será
acusado de subversivo. Mas Jesus escapa da armadilha. A frase “deem a César o que é de César, e a Deus o
que é de Deus” revira totalmente a questão. Jesus reconhece que o Estado tem uma função, mas esta não é a
de tomar posse do povo. O povo não deve ser considerado como mercadoria, seja nas mãos do Estado
nacional, seja nas do Estado estrangeiro.164
1.3- e Deus é o Deus da vida (20,27-40).
Os saduceus, grandes proprietários de terras, formavam a elite dos sacerdotes. Não acreditavam na
ressurreição, e propõem a Jesus um caso difícil, para mostrar que é absurdo crer na ressurreição. Jesus
retifica a questão, mostrando que a vida da ressurreição não deve ser concebida como mera cópia da vida na
dimensão presente.
E os mortos ressuscitam? Referindo-se à celebre forma “Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de
Jacó”, Jesus mostra que, sendo Deus dos vivos e da Vida, também Abraão, Isaac e Jacó devem estar vivos
com ele. Com efeito, o sentido de toda a criação é viver em Deus, e essa vida não conhece fim. O que está
com Deus está vivo.165
1.4- Jesus não veio estabelecer uma monarquia (20, 41-44).
Naquele tempo o povo esperava a libertação, e esta viria quando um descendente de Davi assumisse
o poder e refizesse o reino glorioso de Davi. Uma restauração nacional.
Mas Jesus recusa essa concepção. Ele é mais do que um filho de Davi, pois o próprio Davi o chama
de Senhor. Em outras palavras, o projeto de Jesus não é o de uma mera restauração nacional, seguindo o
modelo dos projetos deste mundo. Sua missão é para todos, e consiste em levar todos à liberdade e à vida,
constituindo o Reino de Deus, e não o reino de Davi.166
1.5- Cuidado com os donos do saber (20,45-47).
162
Idem, p. 175.
Idem, p. 176.
164
Idem, pp. 176-177.
165
Idem, 177.
166
Idem, pp. 177-178.
163
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Os doutores a Lei ou escribas eram os intelectuais daquele tempo. Cabia a eles o estudo e a
explicação da Escritura, a formulação e a aplicação das leis e, assim, todos os campos da vida caíam sob a
influência deles. Tal concentração do saber formava o seu poder. Mas, para que o usavam? Para o povo?
Não. Usavam-no para seu próprio proveito e para garantir seus privilégios e mordomias dentro do sistema.
Tudo acobertado pela máscara da fidelidade e da piedade, é claro, como forma de se justificar e de enganar o
povo.167
2.0- O HORIZONTE DA HISTÓRIA (CAP. 21).
2.1- Qual é a verdadeira atitude religiosa? (21,1-4).
No templo Jesus vê as pessoas fazendo ofertas. Cada ofertante dizia em voz alta a quantia que estava
dando. Os ricos depositavam quantias vultuosas. A viúva dá apenas duas moedinhas. O fato de serem
moedinhas fala de sua pobreza, e o fato de serem duas demonstra a sua generosidade.
O elogio de Jesus deixa claro qual é a verdadeira atitude religiosa. Deus não quer o que sobra do
supérfluo, seja em qual sentido for. Ele quer uma resposta total da pessoa, que englobe toda a sua vida. Em
outras palavras, Deus não quer ficar trancado num anto de nossa vida, recebendo o resto. Ele quer iluminar
tudo e participar de tudo. Os pobres podem entender isso. Os ricos, porém, jamais entenderão, porque isso os
forçaria a praticar a justiça e, portanto, a perder a sua riqueza.168
2.2- O fim de Jerusalém não é o fim do mundo (21,5-11).
Todo o capítulo 21 se passa no Templo. As pessoas admiram a construção e os dons ofertados em
pagamento de promessas. Jesus, porém, acaba com o fascínio, anunciando que tudo será destruído e tomado
pelos romanos. Cumprira-se o que os profetas e Jesus tinham anunciado. Contudo, o ataque dos romanos
entre 66 e 70 d.C. provocara muitas perguntas nos judeus e nos cristãos. Teria chegado o tão anunciado fim
do mundo? Não, reponde o evangelho. Isso não é o fim. É o fim apenas de uma fase da história, o tempo de
Israel, o antigo povo de Deus.169
2.3- Antes do fim, o testemunho (21,12-19).
Antes do fim do mundo virá o tempo do testemunho. Testemunhar o quê? A palavra e a ação de
Jesus, ou, em outras palavras, a justiça do Reino, que provoca a transformação radical da sociedade,
atingindo até as relações econômicas e políticas. Isso provocará a perseguição, porque os ricos e poderosos
se sentirão ameaçados pelo testemunho dos cristãos, e procurarão a todo custo abafar ou distorcer o
verdadeiro testemunho cristão.170
2.4- A história de um novo povo de Deus (21,20-24)
Lucas descreve a tomada de Jerusalém realizada entre os anos 66 e 70 d.C. Ao invés do fim do
mundo ou fim da religião, esse acontecimento marcará o início de uma nova fase para o povo de Deus. Este
não mais fechado dentro das fronteiras de um povo separado dos pagãos. Agora o povo de Deus, seguidor de
Jesus, viverá no meio dos pagãos como fermento que transforma todas as relações. Deus e Jesus não ficarão
167
Idem, p. 178.
Idem, pp. 180-181.
169
Idem, p. 181.
170
Idem, pp. 181-182.
168
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pesos dentro de um país ou raça. Pelo contrário, o Espírito de Deus e de Jesus, que age através dos cristãos,
levará o conhecimento de Deus e do seu projeto a todos, convidando a todos para formar o povo de Deus.171
2.5- O fim da história é o julgamento (21,25-28).
A tomada de Jerusalém pelos romanos manifesta e antecipa o julgamento que Deus vai sempre
realizando no decorrer da história. Esse julgamento é a manifestação da verdade e das consequências das
opções de vida de cada um.172
2.6- Por isso, estejam sempre atentos (21,29-38)
O final do capítulo é um aviso para a comunidade: Fiquem vigilantes! É a mensagem da parábola de
21,30: os brotos das árvores anunciam o verão. Da mesma forma, os acontecimentos (testemunho,
perseguição, julgamento) mostram que o Reino de Deus está se aproximando. Mas não idealizemos muito
esse Reino. Ele é a justiça que denuncia e anuncia, provocando transformações em todos os níveis das
relações humanas. Neste sentido, o Reino se aproxima sempre que a justiça triunfa, criando relações
determinadas pelo espírito de partilha e fraternidade, dando possibilidade a todos de usufruírem a liberdade e
a vida.173
3.0- O GRANDE CONFRONTRO (22,1-38).
3.1- O grande confronto (22,1-6)
Entre os judeus a Páscoa era celebrada na noite do dia 15 do mês e Nisan, o primeiro dos sete dias
dos pães sem fermento (Ázimos). Começa o grande confronto com as autoridades religiosas: chefes dos
sacerdotes e doutores da Lei. Queriam acabar com Jesus, mas tinham medo do povo que seguia e acolhia
Jesus (ver 20,19).174
3.2- A Páscoa da libertação (22,7-13).
Tudo vai acontecer na comemoração da Páscoa, festa fundamental para o povo de Deus. De fato,
essa festa marcava a memória com a lembrança da libertação da escravidão do Egito para uma vida nova e
livre (ver Ex 12). Lucas lembra que é o dia da matança dos cordeiros para a Páscoa. É uma alusão a Jesus
como cordeiro: sua morte selará a passagem definitiva da escravidão para a liberdade, da morte para a
vida.175
3.3- Eucaristia: memória e presença da libertação definitiva (22,14-23).
O texto de Lucas é bastante parecido com o de Paulo em 1 Coríntios 11, e ambos provavelmente
refletem as celebrações da Igreja de Antioquia e das comunidades paulinas.
É momento solene: salienta-se a “hora” e os discípulos são chamados de apóstolos. O texto de Lucas
é complexo, porque ele superpõe a celebração judaica da Páscoa (22,15-18) e a celebração cristã da
Eucaristia (22,19-20). Ele quer mostrar que a Eucaristia cristã substituiu a Páscoa judaica, assumindo o
171
Idem, p. 182.
Idem, ibidem.
173
Idem, p. 183.
174
Idem, pp. 185-186.
175
Idem, p. 186.
172
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significado que esta possuía e levando esse significado universal, e a libertação que ela registra é uma
libertação total e para todos.
O cordeiro pascal é substituído na Eucaristia pelo pão, e o sangue-vinho do cordeiro substituindo
vinho-sangue de Jesus. Mas o que significa a Eucaristia? O supremo dom do amor de Deus em Jesus, que
entrega o seu próprio corpo e derrama o seu próprio sangue.176
3.4- O maior é aquele que serve (22,24-30).
Em meio à Páscoa-Eucaristia surge a questão: Quem é o maior? Sinal que os apóstolos não
entenderam nada. Não perceberam que a justiça produz a igualdade, e esta se manifesta como partilha e
fraternidade. Pelo contrário, desejam o poder!
3.5- De traidor a chefe (22,31-34).
Costumamos ficar impressionados com a traição feita por Judas Iscariotes, e nos esquecemos da que
foi feita por Pedro, igualmente séria, e até mais radical: não só vai negar a Jesus, mas até vai negar que o
conhece! E isso nos faz pensar. Até o líder dos discípulos traiu a Jesus. Será que a traição é necessária ao
amor? Da traição Pedro se converte, e depois da conversão se torna o líder que fortalece os outros
seguidores de Jesus. Mas fica sempre em aberto a pergunta: Será que a traição é necessária como provação
para a fidelidade ao amor? Será que ela é necessária para o próprio amadurecimento do amor? Parece que
sem o contraste da treva não conseguimos enxergar a luz.177
3.6- É hora de luta (22,35-38).
O fim do caminho de Jesus é difícil e trágico, pois ele vai ser incluído “entre os fora-da-lei”, isto é,
como criminoso social. O caminho exige, pois, resistência e luta. Na primeira missão (10,4-7) nada faltou. O
primeiro anúncio é alegre e compensador. Mas as consequências são duras: perseguição, traição, prisão,
tortura, morte. É hora da luta. A espada é simbólica: lembra a resistência e a ousadia de não voltar atrás.
Entendemos agora por que Jesus havia dito que o Reino é conquistado pelo esforço e violência (16,16). Não
se trata da violência que abafa ou destrói a vida, mas daquela que força o caminho para que a própria vida se
manifeste. É a atitude daqueles que estão convencidos de que vale a pena lutar para que todos conquistem a
liberdade e a vida.178
DÉCIMA QUARTA AULA
1.0- QUEM É JESUS? (22,39-71).
1.1- Jesus é fiel até o fim (22,39-46)
Jesus está plenamente consciente da gravidade da situação. Por isso recomenda aos discípulos:
“Rezem para não caírem na tentação” – e a palavra tentação aparece duas vezes (22,40.46). De que tentação
se trata? A oração que Jesus dirige ao Pai mostra que é a grande tentação: deixar tudo para salvar a própria
pele. Em outras palavras, trair o projeto de Deus, negar tudo o que fora dito e feito até o momento, e salvar a
176
Idem, pp. 186-187.
Idem, p. 188.
178
Idem, pp. 188-189.
177
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própria vida. Mas Jesus vence a tentação: “Não se faça a minha vontade, mas a tua”. Jesus será fiel até o
fim, conforme o que já havia recomendado aos discípulos (21,19).179
1.2- Para a treva Jesus é banido (22,47-53).
Chega a multidão, e Judas na frente, como guia. O beijo era um gesto de cumprimento entre pessoas
íntimas. O gesto de afeto se transforma em instrumento de traição. Os discípulos ouvem a palavra “traição”,
e partem para o ataque, procurando defender-se com armas. Jesus recusa o uso da violência, até mesmo para
a própria defesa. Por quê? Porque a violência da justiça não é a violência das armas que matam, mas da
verdade que desmascara e esvazia o próprio adversário.180
1.3- “Eu nem o conheço” (22,54-65).
Jesus é preso e levado à casa do Sumo Sacerdote. Lucas não diz qual deles. De fato havia dois: Anás
tinha sido sumo sacerdote e ainda gozava de muita influência; Caifás, genro de Anás, era o sumo sacerdote
em exercício. Através de João 18,13-24 ficamos sabendo que naquela noite Jesus foi interrogado extraoficialmente por Anás e, de manhã, por Caifás chefiando o Sinédrio, pois este não podia se reunir de noite.
Enquanto Jesus passa pelo interrogatório diante de Anás, que lhe pergunta sobre seus discípulos e sua
doutrina (João 18,19), Pedro está no pátio, com os outros (soldados e criados), aquecendo-se junto à
fogueira. Por três vezes o identificam como discípulo de Jesus, e por três vezes Pedro nega: “Eu nem o
conheço”. Enquanto Jesus enfrenta o poder, Pedro o nega diante de subalternos do poder. Situação
dilacerante. E o olhar de Jesus é incriminador: Não lhe disse? (22,34). Não tomemos Pedro como bode
expiatório, porém. Qualquer um de nós, pela nossa palavra e ação, sejamos papa ou simples cristão,
podemos negar que conhecemos a Jesus. E o que fazer? Chorar amargamente, como Pedro.181
1.4- Quem é Jesus? (22,66-71)
As autoridades já tinham decidido condenar e matar a Jesus (22,2). Mas qual seria um motivo
plausível? Este é o problema da sessão oficial do Sinédrio, reunido ao amanhecer.
És o Messias? Em outras palavras, seria Jesus o Messias-Rei esperado há tanto tempo para
restabelecer o Reino de Israel, com toda a glória que este havia tido no tempo de Davi e Salomão? Se Jesus
confessa que sim, os sinedritas o entregam aos romanos como inimigo do império (e é o que irão fazer). Mas
Jesus não se identifica com o messianismo. Sua missão não é a de estabelecer uma dominação exploradora e
opressora, e sim a de fundar o Reino da justiça, que liberta e dá vida a todos.
“De agora em diante, o Filho do Homem estará sentado à direita do Deus todo-poderoso”. Jesus se
apresenta como o Filho do Homem anunciado por Daniel 7,13-14.
Notemos a progressão no modo como Jesus é visto: Mestre, Profeta, Messias-Rei, Filho do Homem,
Filho de Deus. Trata-se, na verdade, de toda uma reflexão que foi descobrindo pouco a pouco a
profundidade da pessoa de Jesus. Quem é ele, afinal? Relendo Gênesis 1,26-27, podemos dizer que é o
verdadeiro Homem, o homem plenamente manifesto, que é “a imagem do Deus invisível” (Colossenses
1,15). Porque manifestou inteiramente o que é o homem, ele também manifestou inteiramente o que é Deus,
pois o homem é “imagem e semelhança” de Deus.182
2.0- JESUS É UM HOMEM PERIGOSO (23,1-25).
179
Idem, pp. 190-191.
Idem, p. 191.
181
Idem, p. 192
182
Idem, pp. 193-194.
180
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2.1- Culpado ou inocente? (23,1-5).
Pela festa da Páscoa o governador romano, nesse tempo Pilatos, costumava se transferir para
Jerusalém, a fim de reprimir mais facilmente possíveis focos de reação. Durante esse tempo ficava na
fortaleza Antônia, na parte noroeste da cidade.
Os sinedritas apresentam Jesus a Pilatos, juntamente com a acusação. O motivo fundamental é que
Jesus seria um subversivo, provocando distúrbios nas três áreas fundamentais de qualquer sociedade:
- economia: “proíbe pagar tributo ao imperador” (distorção de 20,20-25);
- política: “afirma ser ele mesmo o Messias, o Rei” – crime fundamental de usurpação do poder, contra o
imperador romano;
- ideologia: “provoca revolta entre o povo, com seu ensinamento”, ou seja, insufla ideias contra a “ordem
romana”.183
2.2- Silêncio... (23,6-12).
A menção de que Jesus é da Galileia dá ocasião para que Pilatos tente escapar desse “caso chato”.
Envia Jesus para Herodes, tetrarca da Galileia (3,1), que naqueles dias também estava em Jerusalém,
certamente hospedado na antiga residência dos Asmoneus, na parte oeste da cidade.
Herodes, porém, não está interessado na culpa ou inocência de Jesus. Ele quer satisfazer a sua
curiosidade, e lhe faz muitas perguntas. Mas Jesus se cala. Não está aí para divertir as autoridades.
Decepcionado, Herodes o trata com desprezo, travestindo-o com roupas régias, como a dizer: “Eis aí a sua
realeza!”, e o devolve a Pilatos. Curiosamente, esta cena e caçoada, segundo Marcos e Mateus, foi feita
pelos soldados romanos.184
2.3- Jesus é um homem perigoso (23,13-25)
Recebendo Jesus de volta, Pilatos convoca os chefes dos sacerdotes, os chefes (certamente os
anciãos) e o povo, e proclama a inocência de Jesus. Outra vez aparece a acusação. Agora não mais
“subversivo”, “rebelde”, mas “agitador”. Pilatos e Herodes não viram nele nada disso. Nesse ponto parece
que ambos não perceberam o alcance da palavra e da ação de Jesus. Desconhecem a transformação radical –
em nível econômico, político e ideológico – que elas provocam. Ou será que conhecem?185
3.0- “PAI, EM TUAS MÃOS ENTREGO O MEU ESPÍRITO (23,26-56)
3.1- O verdadeiro motivo para chorar (23,26-32).
Os soldados levam Jesus para ser crucificado, pena que o império romano reservava para os inimigos
subversivos. Jesus sofre a pena, porque o seu projeto supõe subversão total. No caminho, Simão de Cirene,
um judeu oriundo de fora da Palestina (sinal de que Jesus será ouvido também fora), é obrigado a levar a
cruz atrás de Jesus. Neste Simão se revela o que deve ser o discípulo, pois, segundo dizia o evangelho em
14,27, “quem não carrega sua cruz e caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo”. Não se trata de
carregar a cruz da culpa, mas a cruz que é o suplício do dominador contra a legítima aspiração por liberdade
e vida dos dominados.
183
Idem, p.196.
Idem, pp. 196-197.
185
Idem, p. 197.
184
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As mulheres choram, em luto. Por quê? – pergunta Jesus. Não devem chorar por ele e por todos os
justos que são sacrificados inocentemente. Devem chorar, sim, porque o projeto de Deus está sendo
rejeitado, e isso lhes custará muito caro.186
3.2- Jesus é rei que dá a vida (23,33-38).
Jesus é crucificado entre os criminosos. Isso é uma releitura de Isaías 53,12, salientando que o
enviado de Deus seria considerado como um criminoso. Por quê? Porque é crime desejar que todos tenham
vida e agir para isso... Porque a igualdade é um crime. Para quem? Chegamos ao ponto infeliz de pensar que
o bem é mal, e isso nos faz compreender melhor a exclamação de Jesus: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o
que estão fazendo!” De fato, por que rejeitamos sempre aquilo que mais desejamos?187
3.3- Lembra-te de nós! (23,39-43).
Jesus e o eu projeto dividem até mesmo os criminosos. Um deles caçoa de Jesus, desafiando o seu
messianismo, ou seja, instigando-o para que use o poder para se libertar e libertar os outros. Muitos veem
nesse criminoso o povo judeu, que esperava o Messias político, que iria restaurar a grandeza da nação. É
preferível ver nele todos aqueles que imaginam vencer o poder opressor através de outro poder. Será que a
competição pelo poder algum dia terminará?188
3.4- A morte do justo traz o julgamento (23,44-49).
Lucas é muito simples ao descrever a morte e Jesus. Os sinais que a precedem são típicos da corrente
profética para anunciar o dia de Javé: escuridão, sol que para de brilhar etc (ver Amós 8,9-10; Joel 2,10; 3,34; Sofonias 1,15). A cortina do santuário se rasga: Deus não está mais encerrado no Templo nacional, mas
presente em ação em todos os lugares em que for dado o testemunho de Jesus. Todos esses siais são
simbólicos, e indicam que Deus está intervindo radicalmente para fazer o julgamento. E o que é o
julgamento? Apenas o desnudar da realidade, mostrando a verdade profunda: quem é justo e quem é injusto.
Jesus é justo. Ele morre gritando como o suplicante do salmo 31,6: “Pai, em tuas mãos entrego o meu
espírito”. Nesta frase está o ponto culminante do evangelho de Lucas. Toda a vida, atividade e anúncio de
Jesus são confirmados por essa expressão que mostra o justo perseguido entregando a sua causa a Deus. É
Deus quem fará justiça. E qual será ela? Primeiro, a revelação da perversidade que domina a sociedade que
mata o justo inocente, apontando-lhe como crime apenas a sua busca de justiça. Segundo, acolhendo o justo
na Vida e fazendo-o ressuscitar e continuar vivo – dentro dos ideais de todos os que praticam e buscam a
justiça. A luta continua, mas com a certeza de que Deus assina a causa pela qual ao justos lutam.189
3.5- Fim do caminho? (23,50-56).
A essa altura o evangelho parece que vai decepcionar. O homem justo e forte foi derrotado e vai ser
sepultado. José de Arimateia era um membro do Sinédrio que condenara Jesus, mas ele mesmo não
participara da decisão. Pelo contrário, era “bom e justo” e “esperava a vinda do Reino de Deus”. É como o
velho Simeão (ver 2,25). Qual o sinal do gesto? Enterrar a semente, para que ela brote e frutifique?190
186
Idem, pp. 200-201.
Idem, pp. 201-202.
188
Idem, p. 202.
189
Idem, p. 203.
190
Idem, p. 204.
187
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DÉCIMA QUINTA AULA
1.0- JESUS ESTÁ VIVO (24,1-12).
1.1- O domingo
Jesus foi crucificado na sexta-feira, vésperas do sábado, que também coincidia com a festa da
Páscoa, a festa central do mundo judaico (23,54). No dia seguinte começava o primeiro dia da semana, que,
a partir da ressurreição de Jesus, ficou sendo chamado o dia do Senhor, em latim dies dominica, que deu o
nosso domingo. Com ele começa o novo mundo e a nova história, marcada pela ressurreição, pelo triunfo da
vida sobre a morte, da justiça sobre a injustiça.
É madrugada e as mulheres vão ao túmulo de Jesus, levando os perfumes que haviam preparado.
Pensam encontrar um morto. A primeira surpresa foi, certamente, a de encontrar a grande pedra da entrada
removida. Entram no túmulo, uma espécie de caverna escavada na rocha, mas não encontram o corpo de
Jesus, e ficam sem saber o que está acontecendo. É o que se chama de prova negativa da ressurreição de
Jesus: ele não se encontra entre os mortos. Onde estará então?191
1.2- Jesus está vivo.
Jesus não deve ser procurado entre os mortos, porque está vivo. Esse anúncio, que parece tão
simples, tem profundas consequências, principalmente políticas e econômicas. Com efeito, a sociedade
injusta condenou e matou aquele que propunha o projeto de Deus, que implicava sérias transformações em
nível econômico e político, de modo que todos pudessem ter liberdade e vida. Os chefes da sociedade não
aceitaram esse projeto revolucionário, e mataram Jesus como criminoso. Deus, porém, o ressuscitou,
aprovando Jesus e condenando a sociedade que o matara.192
1.3- As primeiras testemunhas.
O evangelho mostra que as primeiras a anunciarem o evangelho da ressurreição são as mulheres. Por
quê? Conforme o texto, porque são elas que se preocupam em primeiro lugar com o corpo de Jesus – elas
vão ao túmulo para ungi-lo. É graças a esse cuidado que elas são as primeiras a testemunhar o centro da fé,
que é a passagem da morte para a vida. Não é dentro delas que o milagre da vida sempre se renova? Não são
sempre elas que anunciam a boa notícia: estou esperando um filho? Também são elas que anunciam o
primeiro filho da ressurreição.193
1.4- O que é a ressurreição?
Falamos muito da ressurreição de Jesus, e desejaríamos prova-la. Muitas tentativas, com palavras e
imagens, foram feitas para dar uma ideia da ressurreição. Esquecemo-nos em geral de que ela é um mistério,
assim como a própria vida é um mistério que a ciência não consegue deslindar.
O mistério da ressurreição tem dois aspectos. O primeiro é que Jesus ressuscitou na vida de Deus. Os
testemunhos mais antigos aludem a esse aspecto quando falam de Jesus sentado à direita do Pai (22,69). É o
aspecto transcendente e invisível da ressurreição. Jamais conseguiremos falar dele de modo adequado, e
todas as imagens serão apenas uma sugestão da grandiosidade do que isso significa.
191
Idem, pp. 206-207.
Idem, pp. 207-208.
193
Idem, p. 208.
192
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O segundo aspecto, já indicado pelo salmo 112,6, é que Jesus ressuscitou e está vivo na fé dos
cristãos. É o que nos diz Mateus na última frase do seu evangelho: “Eis que eu estarei com vocês todos os
dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). De que modo? Jesus está no meio dos cristãos sempre que estes se
comprometem em continuar a palavra e ação de Jesus. É o próprio Jesus que age por meio deles: “Onde dois
ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mt 18,20).194
2.0- JESUS ESTÁ NOS CAMINHOS DOS HOMENS (24,13-35).
2.1- Nos caminhos dos homens (24,13-24)
Jesus ressuscitou, mas ninguém ainda o viu. Viram apenas que o túmulo estava vazio, ou seja, que
Jesus não estava no mundo dos mortos. É ainda o primeiro dia da semana, o domingo, e dois discípulos
(10,1) vão de Jerusalém para Emáus, vilarejo onde certamente moravam. Como não podia deixar de ser,
conversavam sobre os últimos acontecimentos, certamente sobre tudo o que sucedera a Jesus naqueles dias.
Jesus se aproxima deles, como desconhecido, e entra na conversa, seguindo o mesmo caminho. O
ponto importante é que os discípulos não o reconhecem (ver João 1,26). Parece que é sempre necessário
haver um sinal concreto para manifestar Jesus às pessoas.
Começa então o primeiro anúncio: os discípulos contam o que aconteceu. Importante é a
apresentação de Jesus: um poderoso profeta, isto é, um enviado de Deus. Toda a vida de Jesus é, a seguir,
apontada por quatro palavras: ação, palavras, diante de Deus, diante do povo.195
2.2- A Bíblia anuncia Jesus (24,25-27).
O próprio Jesus mostra que o caminho para entender a sua pessoa e atividade é a leitura da Bíblia.
Nela está anunciado tudo o que o Messias enviado por Deus deveria realizar: “Será que o Messias não devia
sofrer tudo isso, para entrar na sua glória?” O que não significa que Deus tivesse decretado que Jesus fosse
perseguido, sofresse e fosse morto. Não. Deus queria que Jesus realizasse o seu projeto até o fim. Jesus o
realizou e por isso foi condenado e morto. Deus não quis a morte de Jesus. Os responsáveis por ela foram os
mantenedores de uma ordem social fundada na injustiça. Tais mantenedores recusaram o projeto de Deus
anunciado e atuado por Jesus, e por isso o condenaram à morte.196
2.3- A partilha anuncia Jesus (24,28-31)
O risco, porém, é ficar apenas numa leitura da Bíblia e adquirir muito conhecimento sobre Jesus, sem
experimentá-lo concretamente. Como fazer a experiência? Os dois discípulos parecem ter chegado ao
destino. Jesus faz de conta que vai seguir caminho. Eles insistem para que se hospede junto a eles. Jesus
aceita e se assenta à mesa com os dois. E aqui temos a celebração da Eucaristia, a celebração da partilha.
Jesus faz os mesmos gestos que realizara na última ceia pascal com os discípulos (22,19): toma o pão,
abençoa-o, parte-o e o entrega. É nesse momento que eles o reconhecem.197
2.4- A Igreja se reúne (24,32-35).
Caminho dos homens, palavra, partilha e, finalmente, a Igreja reunida. Os dois discípulos voltam a
Jerusalém, ao encontro dos apóstolos, e anunciam tudo o que presenciaram. Ao seu testemunho os apóstolos
ajuntam a confirmação: “Realmente, o Senhora ressuscitou e apareceu a Simão”. Deste modo temos o
194
Idem, pp. 209-210.
Idem, p. 212.
196
Idem, p. 213.
197
Idem, pp 213-214.
195
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círculo completo: Jesus se manifesta no caminho dos homens, e Pedro, o chefe da Igreja, pode confirmar
isso, porque ele próprio viveu a experiência.198
3.0- O INÍCIO DE UMA NOVA ERA (24,36-53).
3.1- A experiência do Ressuscitado (24, 36-43).
Dissemos antes que o Ressuscitado se manifesta nos caminhos dos homens, na palavra, na partilha e
na Igreja que confirma a sua presença. Contudo, para confirmar a presença de Jesus vivo, a comunidade
eclesial precisa ter a experiência do Ressuscitado. É o que acontece aqui.
Os apóstolos estão reunidos e Jesus se manifesta n meio deles, com a saudação: “A paz esteja com
vocês”. É a saudação judaica, que agora adquire todo o seu sentido: através do seu testemunho Jesus leva as
pessoas a verdadeira paz, que é a experiência da plena liberdade e da vida, mesmo em meio às lutas e
perseguições.199
3.2- a missão cristã (24,44-49).
Tal missão consiste em anunciar a todos o testemunho de Jesus, de modo a poder confirmar todas as
experiências de Jesus que a humanidade faz. O Ressuscitado não é propriedade de ninguém. A missão da
Igreja é aponta-lo onde quer que ele esteja, a fim de que todos o reconheçam e, na liberdade, se decidam o
não a segui-lo.
Para realizar a sua missão a Igreja precisa compreender profundamente quem é Jesus. E isso ela o
consegue através da leitura e do estudo da Escrituras. Não simplesmente o estudo técnico do texto. Mas a
leitura do texto diante da vida e principalmente através do testemunho de Jesus.200
3.3- Jesus vai para a vida de Deus (24,50-53).
Lucas termina o seu evangelho com aquilo que será o início do livro dos Atos. Jesus volta para o Pai.
É a ascensão. Significa que Jesus ressuscitado está agora na vida de Deus. Longe de nós? Não. Pelo
contrário, mais perto ainda, pois Deus está não mais fundo de todos os seres, dando-lhes vida e liberdade. O
fato de Jesus ir para Deus é, portanto, a maior garantia de que ele estará no meio e nós.201
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Lucas – os pobres constroem a nova história.7ª ed., São
Paulo, Paulus, 2009, 220 p.
BIBLIOGRAFIA:
CEBI. Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. Roteiros para Reflexão VIII, 4ª ed., São Paulo, Paulus,
2005, 152 p.
CNBB. Hoje a salvação entra nesta casa – Evangelho e Lucas. 3ª ed., São Paulo, Paulinas, 1997, 139 p.
198
Idem, pp. 214-215.
Idem, pp. 216-217.
200
Idem, pp. 217-218.
201
Idem, p. 219.
199
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