EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. Bruxaria, oráculos e magia

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Resenha: Evans-Pritchard - Bruxaria, oráculos e magia... - OLIVEIRA
RESENHA: EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. Bruxaria,
oráculos e magia entre os Azande. edição resumida e
introdução Eva Gillies; tradução Eduardo Viveiros de Castro. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
Emanoel Magno A. de Oliveira 1
Escrever uma resenha de uma etnografia clássica como
“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” de Evans-Pritchard
não é tarefa das mais fáceis. Ainda mais quando se trata de um
clássico da antropologia social, e uma obra bastante conhecida
dos antropólogos. No entanto, a presente resenha se centralizara
mais na discussão dos aspectos metodológicos utilizados pelo
autor na pesquisa que resultou no trabalho etnográfico entre o
povo zande. Por fim, discutirá a questão da linhagem teórica a
qual estava vinculada o referido autor. Uma resenha que serve
para tenta elucidar algumas questões teórico-metodológicas
desenvolvida nesta obra por Evans-Pritchard.
A bruxaria participa de toda a vida zande, das relações
sociais estabelecidas, bem como nas relações cotidianas entre
grupos e os próprios clãs. “A bruxaria é onipresente” na vida
diária zande. Se um infortúnio se abater sobre qualquer pessoa a
qualquer momento e em relação a qualquer atividade cotidiana
que pratique, sua causa pode ser atribuída como sendo obra de
bruxaria. Tal ligação com a bruxaria só será desacreditada à
medida que o oráculo de veneno não confirme o veredito como
obra de bruxaria, mas sim como causa de outro agente, a
feitiçaria por exemplo. Ao fazer uso do método comparativo o
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Mestrando em Antropologia pelo PPGA da Universidade Federal de
Pernambuco. E-mail: [email protected]. Revista Diálogos – N.° 11 – abr. / mai. ‐ 2014 255
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autor destaca os termos utilizados pelo povo zande para
relacionar qualquer infortúnio à obra de bruxaria: “Dizer que a
bruxaria estragou a colheita de amendoim, que espantou a caça,
que fez fulano ficar doente equivale a dizer, em termos de nossa
própria cultura, que a colheita de amendoim fracassou por causa
das pragas, que a caça é escassa nessa época e que fulano pegou
uma gripe” (2005: p.50). Isto é, a bruxaria é a explicação cabível
para todo ou qualquer infortúnio e fracasso da vida social e/ou
cotidiana zande. Em sua resposta a ação tão funesta os zande não
ficam atemorizados, mas sim enraivecidos, furiosos ante a
bruxaria. Apercebe-se o modo natural que a trata, pois a qualquer
momento pode encontra-la. Os questionamentos no trabalho
etnográfico tornam-se fundamental para elucidar determinadas
situações cotidianas ou sociais de determinada sociedade. Assim,
Evans-Pritchard estabelece um diálogo com seus informantes
com a pretensão de preencher lacunas da própria extensão de
ideias dos Azande no que diz respeito aos seus pensamentos
sobre o procedimento da bruxaria, ligando um paralelo de causas
e efeitos muito bem elaborados. A bruxaria nesse caso, é a causa
socialmente relevante para o povo Azande, do qual tornou-se o
seu objeto de estudo, objeto de estudo da antropologia social
realizada por Evans-Pritchard. Nesse sentido, Evans-Pritchard
deixou que o campo “falasse”: não estava interessado em estudar
bruxaria quando chegou ao país dos zandes, mas os azandes
estavam interessados em falar de bruxaria para ele.
A bruxaria entre esse povo é geralmente pensada pelo seu
caráter individual, mesmo sendo hereditário, quer dizer, se um
homem faz parte de um clã de um bruxo reconhecido e é parente
próximo desse, se não faz uso de sua substância-bruxaria não
pode ser caracterizado como bruxo. Há uma noção pragmática da
bruxaria. A pergunta frequente aos oráculos entre os Azande é se
determinado indivíduo está fazendo bruxaria, não se ele é bruxo
de nascença. Entra nesse caso a questão dos usos práticos e
cotidianos para eles.
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Em seguida, Evans-Pritchard descreve uma visão que
tivera de uma luz brilhante que para os Azande seria a luz da
bruxaria, coincidentemente (ou não) na mesma manhã (a visão
segundo ele ocorrera na madrugada quando saíra para caminhar a
meia noite) morre um parente que vivia junto à residência de
Tupoi (homem que morava na vizinhança próxima da cabana
onde o autor estava habitando) onde segundo ele a luz brilhante
se direcionara. Evans-Pritchard pressupõe que poderia ser alguém
com um punhado de relva aceso, mas se questiona quanto à
direção e a morte do homem na mesma manhã ao ocorrido,
porque estava de acordo com as ideias do povo Azande. Estaria o
autor “deixando-se levar” pelo seu objeto de estudo? Por uma
questão de método, o autor preocupa-se com a identificação física
da substância-bruxaria que após a morte do possível bruxo só
pode ser identificada através da autópsia no corpo do morto.
Evans-Pritchard sugere a localização de tal substância no
intestino delgado – melhor, que faz parte do intestino delgado em
determinado estágio.
Questão metodológica descrita por Evans-Pritchard:
“Minha compreensão dos sentimentos dos Azande quando
embruxado foi ajudada por uma participação, ao menos relativa,
em experiências semelhantes. Tentei adaptar-me à sua cultura,
levando a vida de meus anfitriões tanto quanto fosse conveniente,
partilhando suas esperanças e alegrias, desânimos e sofrimentos”
(Idem: p.72). Os Azande tendem a entrar em conflito com aqueles
que lhes são mais próximos, porém, mesmo próximos esses
conflitos são atenuados por sentimento de parentesco e se torna
irrelevante quando há distinção de classe, status social, idade e
sexo. O que se deve ter em mente, segundo o autor, em um estudo
sobre a bruxaria zande em primeiro lugar é que essa noção é
função de situações de infortúnios, e em segundo lugar que ela é
função das relações pessoais. Geralmente provocados por pessoas
da mesma classe ou status social, idade e sexo.
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O autor mais uma vez lança mão do método comparativo
para iniciar sua explicação em relação à questão do ato
propriamente dito da bruxaria realizada pelos bruxos zandes. Para
isso compara com o modelo da bruxaria europeia e como os
bruxos europeus confessavam com facilidade seus atos de
bruxaria e sua organização na execução de tais atos. No caso
zande a bruxaria é algo, como afirma o autor, que somente pode
ser evocado quando alguma pessoa é atingida por ela, este é o
significado principal da bruxaria para eles. O bruxo que prestam
atenção é aquele o qual estar lhe causando infortúnio naquele
momento; ao passar o infortúnio, deixam de creditar ao
responsável à alcunha de bruxo. A bruxaria para os Azande tem
caracteres pragmáticos, não é uma doutrina e muito menos um
conceito bem estabelecido. Ele (o autor) sempre provoca os
zandes com questionamentos coerentes quanto à natureza da
bruxaria e do bruxo e, sobretudo a noção que eles (Azande) têm
da mesma. O diálogo em que Evans-Pritchard estabelece com
aquele povo e a forma como dispõe dos dados notadamente não
só facilita sua apreensão, descrição, mas a própria explicação do
fenômeno estudado. De forma pertinente, sempre lança mão de
algum questionamento diante da fala de algum nativo ao se referir
sobre bruxaria. Faz sempre uso de conversas públicas e/ou
privadas com alguma pessoa que tenha sido acusada pelo oráculo
de embruxar alguém. A partir daí, chega à conclusão que as
pessoas se comportam de maneira diferente quando se trata de
bruxaria em público e quando esta é tratada em particular.
Geralmente uma pessoa quando acusada publicamente de
bruxaria segue a tradição – mesmo afirmando o caráter
inconsciente de sua bruxaria – de soprar água sobre as asas de
galinhas depositadas aos seus pés (modo socialmente
estabelecido de afirmar que o oráculo o acusara); já quando a
mesma pessoa é inquirida em particular diz não ser bruxa ou não
tem consciência de seu ato de bruxaria, ou até mesmo acusa seus
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acusadores de não ter consultado direito o oráculo e quem sabe
nem mesmo ter o consultado.
O método comparativo o faz pressupor que a ideia que os
Azande têm sobre bruxaria seria semelhante à noção da cultura
europeia de azar. Se para um Azande a causa de infortúnio seria a
bruxaria, no caso para um europeu (em seu exemplo) tal
infortúnio poderia está sendo causado pela falta de sorte em
determinado empreendimento. Porém, seu modo de agir sobre o
infortúnio em curso é relativamente distinto, pela causa – no caso
a bruxaria – ser distinta: os oráculos podem prever futuras
situações de bruxaria e muda-las antes de seu desenvolvimento; a
magia pode proteger da bruxaria, além de ter o poder de destruíla. O adivinho zande além de adivinho também é um mágico:
como adivinho prevê situações em que alguma pessoa estar
embruxada e indica os bruxos; na condição de mágico impede-os
de fazer mal.
Os métodos usuais de trabalho de campo utilizados e
relatado pelo próprio autor na primeira parte da pesquisa sobre os
adivinhos: observação direta e repetida do comportamento;
entrevistas com os nativos; coleta de textos; e participação do
etnógrafo nas atividades dos nativos. Essa parte da pesquisa se
trata das atividades da corporação dos adivinhos em relação ao
resto da sociedade Azande e como esta se comportava em relação
a aqueles. A segunda parte da pesquisa no que diz respeito aos
adivinhos, não comportaria utilizar dos métodos etnográficos
usuais, por se tratar da vida esotérica dos adivinhos e, para
adentrar em sua confraria e saber de seus segredos necessitava-se
ser pelo menos um iniciado. Algumas possibilidades
metodológicas suscitaram para realização da pesquisa: entre elas
o próprio autor se tornar um adivinho, mas foi logo descartada
por este entender que não lucraria muito com esse tipo de
abordagem; outra maneira seria ganhar a confiança de um dos
praticantes (adivinho) e fazer com que este lhe contasse os
segredos da confraria, mas também não deu certo, pois nenhum
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de seus informantes-praticantes ousou lhe contar mais do que ele
mesmo já sabia; entretanto, o método mais adequado adotado,
segundo Evans-Pritchard, foi usar um substituto no aprendizado
da técnica dos adivinhos. Quem foi esse substituto? Kamanga,
seu criado que foi iniciado na corporação e tornou-se um
adivinho praticante. Passa a utilizar-se então da perspicácia da
rivalidade, à medida que seu informante lhe contara algumas
informações e ele (o autor) a utiliza para acender a ira de
adivinhos rivais e com isso obter o maior número de informações
possíveis. Não deixa de ser uma postura ética na pesquisa já que
ao iniciar seu criado na arte da adivinhação ele contara ao
professor deste para quais fins propostos o iniciara. Para o autor:
“No final das contas o etnógrafo tende a triunfar. Dispondo de
conhecimentos preliminares, nada pode impedi-lo de enfiar sua
cunha cada vez mais fundo, se é interessado e persistente” (Idem:
p.93).
Quanto às consultas oraculares, o autor descreve os seus
métodos empregados no campo, e afirma que para obtenção
desses dados específicos não encontrou muitas dificuldades já
que, segundo ele, uma investigação quanto aos usos dos oráculos
pelo povo Azande não requereu de sua parte informantes
especiais. Ele próprio participara de algumas sessões e pôde
basear-se em observações diretas quanto às consultas aos
oráculos pelos zandes. Assim, só solicitara informações
adicionais a algum nativo quando algo não ficava muito claro
para ele.
Em sua descrição do capítulo XII, Evans-Pritchard diz que
para realização de sua pesquisa não fez uso – como fez para com
os capítulos anteriores – das entrevistas com informantes e até
mesmo observação direta; contando apenas com três fontes de
informação, associou-se a uma loja e pesquisou em apenas uma
das confrarias; isso porque os colonizadores decretaram a
ilegalidade da confraria para a prática de magia, dificultando
assim a pesquisa. Por isso deixa clara a escassez do método e dos
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próprios dados analisados, alegando que para descrição e análise
de tal capítulo não tinha como proceder de outro modo; assim
sendo, o capítulo em questão – segundo o autor – não tem a
mesma qualidade do resto do material no qual essa obra se baseia.
Interessante notar que autor sempre informa como os dados
foram obtidos e analisados para realização da pesquisa e sua
posterior escrita, não omitindo como realizou a coleta desses
dados deixando as claras o método utilizado em sua pesquisa.
Ora, isso faz com que a pesquisa antropológica ganhe não só em
credibilidade, mas, sobretudo se torne muito bem embasada do
ponto de vista teórico-metodológico. Dessa forma, pode-se
estabelecer o rigor metodológico que orienta toda e qualquer
pesquisa que se pretenda científica, mesmo diante das
dificuldades enfrentadas pelo pesquisador.
Do inicio ao fim de sua obra etnográfica, percebe-se a sua
proximidade ou ligação ainda com o funcionalismo quando tenta
entender a lógica interna de funcionamento da sociedade azande.
Mas a partir do momento que em sua etnografia Evans-Pritchard
estabelecer uma ligação do pensamento dos zandes com própria
estrutura posta naquela sociedade, fica clara que sua
fundamentação teórica tem um teor estrutural-funcionalista. Ora,
o oráculo de veneno do príncipe zande vale mais que qualquer
outro oráculo de veneno no veredito final no quesito bruxaria: se
alguém está embruxando ou não alguma pessoa. Porém, é no
apêndice do livro que Evans-Pritchard vai deixar claro o quanto
sua orientação teórica contribuiu para escrita desta obra ao
afirmar que: “não poderia ter escrito o livro se não tivesse lido os
livros do grande Lévy-Bruhl”. Essa forma de lidar com o campo e
a teoria antropológica faz parte da própria trajetória acadêmica de
Evans-Pritchard, aluno de Malinowski foi para a escola
estrutural-funcionalista de Radcliffe-Brow, mas sempre
dialogando com outras escolas e orientações teóricas
antropológicas.
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