Universidade do Vale do Itajaí Centro de Educação São

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Universidade do Vale do Itajaí
Centro de Educação São José
Curso de Relações Internacionais
A FOME NO CONTEXTO INTERNACIONAL:
A atuação da ONU e das principais organizações internacionais de ajuda
humanitária para “atenuar” o problema
MARÍLIA PHILIPPI CARIONI
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado a banca examinadora do curso
de Relações Internacionais como parte
das exigências para a obtenção do título de
bacharel em Relações Internacionais,
pela Universidade do Vale do Itajaí
Professor Orientador: Paulo Jonas Grando
UNIVALI- São José
SÃO JOSÉ - 2007
RESUMO
O presente artigo estuda a atuação da ONU e das principais organizações internacionais
de ajuda humanitária em situações que implicam amenizar crises de fome em diferentes lugares
do globo. Nos objetivos específicos da investigação procurou-se: a) estudar a questão da fome
para caracterizar o assunto como um problema internacional, b) identificar as principais
organizações internacionais de ajuda humanitária que atuam em campanhas humanitárias de
combate a fome e explicar como a ONU, através de suas agências especializadas, atua para
amenizar as diferentes situações de fome que acontecem periodicamente no planeta, e c)
pesquisar algumas ações internacionais que foram estruturadas para combater o problema de
famélicos no mundo.O artigo conclui que o problema da fome está cada vez pior, considerando
que secas, conflitos e preços em ascenção contribuem para o aumento da fome no mundo. Ao
mesmo tempo que as questões que geram fome são estruturais e a falta de resolutividade faz
com que o problema, mesmo com o mundo produzindo comida suficiente, não seja eliminado
de forma concreta.
Palavras-chave: fome, organizações internacionais, cooperação internacional, ajuda
humanitária
ABSTRACT
This article examines the role of the UN and major international organizations for
humanitarian aid in situations involving mitigate crises of hunger in different parts of the globe.
The specific objectives of the research sought to: a) study the issue of hunger to characterize the
issue as an international problem, b) identify the main international humanitarian aid
organizations working in humanitarian campaigns to combat hunger and explain how the UN,
through its specialized agencies, works to alleviate hunger in the various situations that occur
periodically in the world, and c) find some international stocks, which were structured to
combat the problem of people that sofer with hunger.The article concludes that the problem of
hunger is growing worse considering that drought, conflict and prices were responsible for the
increase of hunger in the world. While the issues that generate hunger are structural and lack of
resolution causes the problem, even with the world produces enough food is not eliminated in a
concrete way.
Key words: hunger, international organizations, cooperation international, humanitarian aid,
world
2
A FOME NO CONTEXTO INTERNACIONAL:
A atuação da ONU e das principais organizações internacionais de ajuda
humanitária para “atenuar” o problema
Marilia Philippi Carioni
Dedico este trabalho à todos aqueles que morreram de fome
e os que ainda hoje sofrem com este mal.
Sumário:
Introdução; 1. Fome um problema internacional; 2. A cooperação no combate a fome através
das organizações internacionais; 3. A atuação das principais organizações internacionais na
questão da fome; 4. Ações estruturais para combater o problema de famélicos no mundo:
programas e projetos em execução; Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
“O pior dos pecados contra os nossos semelhantes não é o de odiá-los,
mas ser indiferente com eles. Na verdade eu vos digo,
esta é a essência da desumanidade”
George Bernard Shaw, o discípulo do Diabo.
O presente artigo tem como perspectiva discutir o tema da fome e para isto revela
alguns aspectos sobre como a Organização das Nações Unidas (ONU) e as principais
organizações internacionais (OIs) de ajuda humanitária atuam para amenizar o problema em
diferentes lugares do planeta. Trata-se de um tema emergente e proporciona diferentes
questionamentos. O problema que a pesquisa indaga é como a ONU e as principais OIs de
ajuda humanitária atuam para amenizar o problema dos famélicos em situações de crise ou em
contextos de escassez de alimentos que evoluem para crises agudas de famine, no contexto
internacional, condição em que parcelas de pessoas não têm acesso à alimentação necessária à
sua sobrevivência.
Derivada do questionamento geral e considerando que a alimentação é um direito de
sobrevivência questiona-se por que existem pessoas que passam fome no mundo e de que
maneira a situação poderia ser amenizada? Como as principais OIs de ajuda humanitária
atuam para amenizar o problema? Existe cooperação entre as nações para erradicar o
problema? Se sim, porque não está sendo erradicado? Estas questões são colocadas, pois
dados da própria ONU destacam que a produção mundial de alimentos em 2007 continua a
3
aumentar e que hoje se situa em torno de 2.121 trilhões de toneladas, 5.3% maior do que em
2006. Assim, justifica-se a investigação, pois centenas de milhões sofrem com o problema da
fome.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO), estima-se que o número de famélicos representa 852 1milhões de indivíduos. Para
atenuar o problema as OIs e as Organizações Não Governamentais (ONGs) de ajuda
humanitária, desempenham papéis importantes, atuando durante os períodos de crises. Nesse
sentido, para tratar de problemas como pobreza, fome e miséria, a Organização das Nações
Unidas (ONU) sustenta agências especializadas. Entre elas destaca-se o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), as quais mobilizam a comunidade internacional para
vencer a fome um problema de difícil solução.
É importante ressaltar que a problemática é global, ou seja, afeta a todos os países,
sejam estes desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Desta forma, a busca por mecanismos para
tentar solucionar a questão implica na participação de atores que possam interagir
globalmente, como os Estados, OIs e ONGs. Para isto, observou-se a questão da cooperação e
do conflito nas relações internacionais a fim de refletir teoricamente sobre como os Estados,
OIs e também as ONGs atuam em relação à problemática da fome no cenário internacional.
A partir da argumentação posta como objetivo do trabalho, estudou-se a atuação da
ONU e das principais OIs em situações que implicam amenizar crises de fome em diferentes
lugares do globo. Segundo os objetivos específicos da investigação procurou-se: a) estudar a
questão da fome para caracterizar o assunto como um problema internacional, b) identificar as
principais OIs de ajuda humanitária que atuam em campanhas humanitárias de combate a
fome e explicar como a ONU, através de suas agências especializadas, atua para amenizar as
diferentes situações de fome que acontecem periodicamente no planeta, e c) pesquisar as
ações estruturais para combater o problema de famélicos no mundo.
Diante do exposto, o artigo discute inicialmente o problema da fome no cenário
internacional mostrando que esta questão pode ser caracterizada como um problema
internacional. No segundo momento tratou-se das principais OIs de ajuda humanitária que
atuam no combate a fome sendo trabalhado com o enfoque da cooperação entre Estados e
Organismos Internacionais. E na terceira seção apresenta-se, algumas ações estruturais
(programas e projetos em execução) para combater o problema de famélicos no mundo.
1
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, Sala de prensa, disp em:
<http://www.fao.org/newsroom/es/news/2004/51809/index.html> acesso em 03/09/2007.
4
1. FOME: UM PROBLEMA INTERNACIONAL
Esta seção procura mostrar como a questão da fome se configura em um problema
internacional. Para isto, parte-se do pressuposto de que quase novecentos milhões de
indivíduos passam fome no mundo e que estas pessoas têm pelo menos o direito humano à
alimentação, ou às condições mínimas para produzir seu alimento.
Na área de relações internacionais a questão da fome não assume um lugar importante
na discussão teórica. Resumidamente, na perspectiva idealista, a idéia de cooperação emerge
como um mecanismo capaz de atenuar conflitos. Já a perspectiva realista enfatiza o problema
do conflito com enfoque na questão da segurança dos Estados. No contexto apontado, os
conflitos de que se fala são aqueles ligados a questões de segurança e que afetam a soberania
dos Estados e não propriamente os ligados ao problema da segurança da vida humana no que
tange ao suprimento de alimentos.
Sob outra perspectiva para explicar as causas da fome, por exemplo, em economia
política das relações internacionais, na visão de Gilpin (2002), três ideologias são ressaltadas,
o liberalismo, o nacionalismo e o marxismo. O liberalismo supõe que os mercados devem
funcionar longe da política; o nacionalismo assinala que os mercados devem ser submetidos
aos interesses dos Estados, por fim o marxismo aborda a idéia de que a economia
“determinaria” as ações políticas.
Portanto, ao interpretar as idéias deste autor para tratar da questão da fome, na
perspectiva liberal o mercado resolveria o problema da fome naturalmente, via lei da oferta e
da procura. Na perspectiva nacionalista os Estados seriam responsabilizados pela resolução da
questão e na visão marxista, a exploração capitalista e imperialista seria causadora da fome,
cuja resolução implica na eliminação da causa que gera o problema, ou seja, a substituição do
capitalismo. O que se observa da explanação é a noção de tipos ideais, mas, como na teoria a
prática é outra, o problema concreto existe tanto em níveis nacionais quanto na escala
internacional. Desta forma, em muitas situações, principalmente naqueles casos mais graves, a
comunidade internacional é chamada a participar de soluções, ou seja, reduzir situações
conjunturais de fome e elaborar alternativas estruturais para resolver o problema, como, por
exemplo, o Programa dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) proposto pela
Organização das Nações Unidas (ONU).
Assim, caracteriza-se a fome em dois tipos, uma de caráter endêmico e a outra de
caráter epidêmico. Este é o conceito de fome, proposto por Josué de Castro (2004), o qual
5
abrange desde as deficiências latentes e as carências alimentares rotuladas normalmente como
estado de subnutrição e desnutrição, até os estados de inanição absoluta. A de caráter
endêmico se caracteriza pela falta de nutrientes na alimentação diária, por outro lado a de
caráter epidêmico ocorre das crises, advinda das guerras civis, conflitos armados, fenômenos
naturais e outros, por exemplo. Neste sentido, ao caracterizar a fome como um problema
internacional, deve-se entender que este ocorre primeiro a nível nacional e depois passa para o
nível internacional, o que pode produzir maior relação com outros Estados tanto no âmbito
político, quanto econômico ou social.
Como os Estados são legalmente independentes, ou seja, soberanos, é necessário
compreender que eles também se relacionam e se influenciam. A questão da fome impacta nas
relações entre os Estados. Além disso, eles estão incorporados aos mercados internacionais, os
quais geram efeitos sobre as políticas dos governos e sobre a riqueza e o bem-estar de seus
cidadãos. Para isto, é necessário entender que em uma sociedade internacional estatal há no
mínimo cinco valores básicos que os Estados supostamente devem defender: “segurança,
liberdade, ordem, justiça, e bem–estar” (JACKSON e SORENSEN, 2007, p.20). Neste caso,
em situações que extrapolam limites nacionais como as geradas pela fome, implica na
observação que um dos valores básicos, a de viabilizar bem-estar para a nação, não está sendo
atendido de maneira eficiente. Assim um problema que seria regional ou nacional emerge no
contexto internacional.
A posição de Alberto Garuti (2002) 2sobre o tema aponta que as causas da fome no
mundo são várias e não podem ser reduzidas a uma só. O autor exemplifica que em 1974,
durante a Conferência Mundial sobre Alimentação, as Nações Unidas estabeleceram que
“todo homem, mulher, criança, tem o direito inalienável de ser livre da fome e da
desnutrição...”. Portanto, a comunidade internacional deveria ter como um dos seus objetivos
a segurança alimentar, isto é, “o acesso, sempre, por parte de todos, ao alimento suficiente
para uma vida sadia e ativa”. Neste sentido ele conclui que “resolver o problema da fome não
depende só dos países em desenvolvimento”. Portanto há uma grande necessidade de se
cooperar em torno das suas causas e de seus efeitos, para que esta seja de fato resolvida e não
apenas amenizada em situações de crise.
2
GARUTI, Alberto. Fome no mundo um problema sem solução, São Paulo Revista Mundo
e Missão, ed. Mundo e Missão,abril 2002,disp em: <
http://www.pime.org.br/mundoemissao/fome.htm> acesso em 03/09/2007 sem paginação.
6
O autor citado argumenta que as causas da fome podem ser identificadas pelos
contextos históricos e sociais e está relacionada a diferentes situações geradoras do problema.
Garuti destaca que as causas da fome decorrem da especialização monocultora, do contexto
das condições de troca entre vários países, da atuação das multinacionais do setor de
alimentos, do problema da dívida externa, de conflitos armados e das desigualdades sociais,
entre muitas outras.
As causas da fome relacionada à implantação de monoculturas para exportação nos
países subdesenvolvidos remontam ao período da colonização e se caracterizam pelo fato de
vários países dependerem de uma cultura principal para adquirirem outros bens necessários.
Garuti (2002) ressalta que “[...] as melhores terras são utilizadas para a cultura de exportação,
enquanto que a produção de alimentos para o consumo interno é realizada nas terras de pior
fertilidade”. Assim, o país que não possui produções alternativas, utilizando somente um tipo
de produto para a exportação, fará com que sua economia dependa do preço fixado em outros
lugares e também do clima para garantir uma boa colheita. Isso permite pensar que a
dependência entre países sempre existiu, por mais que convivamos em um mundo
competitivo, o qual permite que uns prevaleçam sob os outros. No caso dos alimentos este
aspecto é bastante significativo.
As diferentes condições de troca entre os vários países também podem produzir
situações de fome. O autor considera que estas trocas são necessárias, e se comprovam, pois
“alguns países precisam de alta tecnologia e de produtos manufaturados que não o produzem
internamente e cujo preço é fixado pelos países que exportam” (GARUTI, 2002). Por outro
lado, ao realizar trocas de matérias–primas e gêneros agrícolas, produtos que são exportados
pelos países pobres, seus preços são fixados pelos importadores, impedindo assim, uma troca
justa entre eles. Do mesmo modo, o intercâmbio que ocorre entre as nações ricas e pobres,
permite a obtenção de maiores ganhos, por parte dos países ricos, já que estes impõem as
regras do comércio internacional, e também pelas nações pobres não deterem poder financeiro
e tecnológico para agregar valor a sua mercadoria, pois têm de investir em questões sociais,
ou seja, cuidar do desenvolvimento interno do país. O autor citado ainda afirma que esses
intercâmbios concentram os ganhos no “pólo mais avançado e o processo não gera excedentes
para viabilizar a importação de alimentos” (GARUTI, 2002). Segundo o autor citado este
aspecto resulta em um processo de alienação por parte dos países desenvolvidos.
As ações das multinacionais possuem caráter global e fogem do controle dos Estados
nacionais ou de Organizações Internacionais, constituindo-se em uma rede de poder de
alcance supranacional. Garuti explica que o objetivo das multinacionais “é conquistar
7
mercados, investir capitais privados e deslocar a produção para onde os custos de trabalho
sejam favoráveis como, por exemplo, baixo custo de energia e matéria-prima e direitos
trabalhistas limitados” (GARUTI, 2002). Com isto, estas multinacionais passam a controlar o
mercado de produtos de primeira necessidade e neste contexto a própria população sofre, pois
o acesso ao alimento passa a depender da disponibilidade monetária a qual, devido à pobreza
das pessoas, é pequena e na maioria das vezes insuficiente para a compra de comida.
Outro fator que está relacionado à causa da fome advém da dívida externa dos
países,que segundo o argumento do autor citado “[...] paralisa a possibilidade de países menos
avançados importarem alimentos dos quais são necessárias as suas produções agrícolas para
seu próprio desenvolvimento” (op. cit. 2002). Neste sentido, a dívida é contraída com os
bancos particulares e com Institutos Internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o
Banco Mundial, e para que os devedores consigam pagá-lo, a exportação, então, é incentivada
para pagar seus juros e não o seu valor real, impedindo assim, sobra de divisas para a solução
de problemas internos.
Outra causa geradora da fome está relacionada aos conflitos armados, pois “o dinheiro
necessário para providenciar alimento, água, educação, saúde e habitação de maneira
suficiente para todos, é gasto em compras de armas e manutenção das forças militares”
(GARUTI, 2002). Percebe-se, então, que a própria elite dos países pobres não se preocupa
com a fome em si, pois vive em uma constante ameaça e o sendo mais importante é conseguir
vencer um conflito armado, do que resolver os problemas sociais.
Do mesmo modo as desigualdades sociais também geram, por si só, situações de fome.
As elites que se encontram no governo, ao controlar o acesso aos alimentos mantêm e
consolidam o próprio poder. Garuti (2002) argumenta que, paradoxalmente, os que produzem
alimentos são os primeiros a sofrer por sua falta. Na maioria dos países, é muito mais fácil
encontrar pessoas que passam fome em contextos rurais do que em contextos urbanos. A
dominação por parte dos que têm poder gera por si só problemas sociais graves e que os
governantes não dão a devida atenção, o que futuramente prejudica o desenvolvimento da
nação.
No mesmo sentido Josué de Castro (2006, p. 32) observa que “Na realidade, a fome
coletiva é um fenômeno social bem mais generalizado. É um fenômeno geograficamente
universal, não havendo nenhum continente que escape a sua ação nefasta”. Ainda, o autor
citado observa que continente nenhum está livre dos flagelos da fome, mas ninguém,
principalmente as autoridades nacionais ousam confessar que seu país sofre com este
fenômeno, quando seus vizinhos esbanjam riqueza e abundância.
8
Castro (op.cit. p. 33) argumenta ainda que “[...] na parte do continente que
corresponde à América Latina, o fenômeno é ainda mais grave. Mais de dois terços da
população desta área passam fome, sendo que em algumas zonas a fome alcança três quartos
da população”. Ao tentar identificar o porquê disto, Josué de Castro (op. cit.) deixa claro que,
desde o período colonial, o interesse maior foi garantir a balança comercial, produzir
superávits para ter um reconhecimento a nível mundial e esquecer que enquanto a balança
comercial cresce e a economia vai bem, muitos estão a morrer de fome. Castro continua sua
análise e observa que: “Ainda hoje perdura, em certos meios uma atitude mental fiel às
tradições colonialistas inclinada a conceber o progresso econômico em termos de lucros em
curto prazo ou de simples injeção de dólares para a exploração imediata de certos recursos
mais abundantes” (CASTRO, 2006, p. 269).
Em outra obra importante, Geopolítica da Fome, Josué de Castro argumenta que as
teorias a respeito da fome (teoria malthusiana, neomalthusiana, crescimento da população ser
ilimitado, limitação de solos cultiváveis e/ou esgotáveis e o) não se comprovam. Para ele, a
fome3 é considerada uma calamidade social e que a sociedade não se mobiliza para tratar do
problema com a mesma intensidade com que trata a guerra, por exemplo.
No entanto, para que a fome fosse vista como algo catastrófico, houve a necessidade
de duas grandes guerras mundiais e uma tremenda revolução social. Sobre isto, o autor
exemplifica com: “[...] a revolução russa na qual pereceram dezessete milhões de criaturas,
sendo doze milhões de fome - para que a civilização ocidental se convencesse de que não era
mais possível ocultar a realidade social da fome aos olhos do mundo” (CASTRO, 1968, p.
51). A partir daí a comunidade internacional começa a dar uma atenção maior ao fenômeno da
fome e os Estados começam a publicar dados estatísticos sobre o tema e a tratar deste assunto,
antes proibido.
A teoria malthusiana afirmava que a causa da fome era relacionada ao aumento da
população, ou seja, a população cresce em progressão geométrica e a produção de alimentos
cresce em progressão aritmética. Castro critica esta posição ao dizer que: “O problema da
fome mundial não é, por conseguinte, um problema de limitação da produção por coerção das
forças naturais; é antes um problema de distribuição” (CASTRO, 1968, p.59). Segundo Castro
3
Nenhuma calamidade é capaz de desagregar, tão profundamente e num sentido tão nocivo, a personalidade
humana como a fome, quando esta atinge os limites da verdadeira inanição. Fustigado pela necessidade
imperiosa de comer, o homem esfomeado pode exibir a mais desconcertante conduta mental. Seu
comportamento transforma-se como o de qualquer outro animal submetido aos efeitos torturantes da fome. Os
homens de laboratório conhecem bem esse fato: os ratos, que normalmente se submetem com docilidade às suas
experiências, transformam-se repentinamente em animais ferozes, atacando e mordendo com fúria, quando
submetidos a um regime de inanição forçada. (CASTRO, 1968, p.120).
9
“[...] o erro de Malthus foi o de considerar o crescimento da população como uma variável
independente, como um fenômeno isolado no quadro das realidades sociais quando, na
verdade, esse crescimento está na mais estrita dependência dos fatores políticos e
econômicos” (op. cit. p.60).
Já os neomalthusianos afirmavam que o mundo vive faminto porque os homens não
controlam a natalidade dos famintos, ou seja, “[...] atribuem à causa aos próprios famintos”,
segundo Castro (op. cit. p.62). Ignoram o problema, e as suas causas, pois acreditam que o
próprio se resolva sozinho, não levando em consideração as verdadeiras causas geradoras da
fome.
Outra teoria para explicar as causas da fome está relacionada ao crescimento da
população, sendo esta considerada como causa de morte e degradação, e que por
conseqüência gera a superpopulação. Neste caso, a critica de Josué de Castro argumenta para
o fato de que “se não é possível exterminar a fome do mundo com medidas tendentes a
controlar o crescimento das populações, é perfeitamente viável obter-se o controle desse
crescimento pelo extermínio da fome” (CASTRO, 1968, p.74). Portanto, pode-se concluir que
se não houver uma união em torno da causa do problema, e se as pessoas, conseqüentemente,
não forem encorajadas na luta contra a fome, continuaremos na mesma situação, mesmo que
se apliquem políticas de controle demográfico.
Ainda segundo o autor consultado, outra idéia sobre as causas da fome é atribuída aos
efeitos da erosão do solo de que “na marcha em que às águas vêm removendo os solos e
carregando-os para o mar a Terra será dentro em breve um planeta morto [...]”. Contudo
existem dois tipos de erosão, uma que ocorre naturalmente, que é por si só um fenômeno
geológico inerente à evolução dos solos, e a erosão causada pelo próprio homem, ação que
permite aos solos perderem o poder de serem refeitos no mesmo período de tempo em que são
usados e pode produzir o risco de esgotamento total. Neste sentido se a erosão do solo fosse o
fator principal da fome no mundo, então, como argumenta Castro “[...] não se poderia admitir
que a Terra ainda se apresentasse com vida em muitas de suas regiões” (CASTRO, 1968, p.
65- 66). Ou seja, hoje não existiríamos e o mundo já teria chego ao fim.
Outro autor importante para trabalhar este debate é Susan George (1978). Numa
postura ácida e muito crítica a autora observa que as causas da fome no mundo decorrem do
fato das nações ricas deterem poder econômico, e imporem este modelo às nações menos
favorecidas, no caso os países em desenvolvimento. No seu livro, ela observa como a atuação
das nações desenvolvidas, através de suas corporações agroindustriais transnacionais, e das
Instituições Internacionais, ajudam a promover, de certa forma, situações de fome.
10
Quando se trata da questão da fome, em geral, os políticos e a mídia tendem a afirmar
que a solução para o problema é o controle da natalidade, mas a natalidade, diz a autora “[...]
nunca diminuirá, sem que se realize uma distribuição, mais eficaz de recursos”. Neste sentido,
quando o Ocidente procurou aplicar o conceito de desenvolvimento ao Terceiro Mundo, nada
mais foi do que a sua “imposição de um novo tipo de dependência para o enriquecimento dos
que já eram ricos e para formação de outras sociedades que atendam as suas necessidades
políticas e comerciais” (GEORGE, 1978, p. 17).
Quanto à questão da produção de alimentos, existe uma imensa vontade em controlá-la
e também seus preços, visto que, “os poderosos desejam que os preços dos alimentos se
mantenham em níveis de valor ditados pela escassez”. Portanto, a autora citada argumenta
que: “as agroindústrias multinacionais querem produzir barato e vender caro e ignoraram
totalmente as necessidades dos pobres que não podem se tornar “consumidores” (op. cit. p.
17).
Ainda, pode-se entender que a ajuda alimentar internacional é bem vinda, pois ajuda a
quem tem fome, mas segundo George: a ajuda alimentar beneficia aos mais ricos, do que os
pobres. Se através de várias soluções técnicas propostas como a do tipo ajuda alimentar,
revolução verde, controle de natalidade, não podem resolver o problema da fome, então o que
fazer a autora pergunta? A solução proposta por Susan George é que: “Os países do terceiro
mundo tem que produzir mais dentro de suas próprias fronteiras” Para exemplificar a autora
diz que:
[...] Enquanto não promoverem uma reforma agrária autêntica, um reagrupamento e
uma distribuição de recursos à metade oprimida e mais pobre da população, os
países do Terceiro Mundo podem continuar a aumentar indefinidamente sua
produção e a fome não desaparecerá, porque a produção cairá nas mãos dos que já
têm muito” (GEORGE, 1978, pág. 18).
Com isso a solução dos famélicos, para Susan George (1978) é a redução de
dependência dos países subdesenvolvidos, ampliando os cultivos alimentares e distribuindoos equitativamente.
Por exemplo, a América do Norte possui programas de ajuda alimentar, e é o maior
produtor em quantidade de alimentos. Diz George (1978, p.182) que no início da Iª Guerra
Mundial, o político Herbert Hoover descobriu “Nos alimentos um meio freqüentemente mais
eficaz de obter-se o que se deseja do que qualquer diplomacia canhoneira ou intervenção
militar, com a vantagem suplementar de favorecer os agricultores norte-americanos”. Assim
os programas de ajuda alimentar tornaram muitos países dependentes dos Estados Unidos. O
plano Marshall, por exemplo, que surgiu após a IIª Guerra Mundial, tornou a Europa um sócio
11
comercial dos Estados Unidos. Contrário a este programa, o método Hoover “tinha sido o de
vender os excedentes alimentares em moedas conversíveis ou ouro, sendo a receita aplicada
parcialmente em proveito dos destituídos” (GEORGE, 1978, p. 184).
Segundo a autora citada, em 1954 surgiu à idéia de “Vender os excedentes de
alimentos norte-americanos contra moedas locais, não conversíveis: a receita seria posta numa
conta dos Estados Unidos [...]” (op. cit. p.185). Para viabilizar esta estratégia surgiu a Lei
Pública 480 (PL-480), que tinha por objetivo “[...] aumentar o consumo das mercadorias
agrícolas norte-americanas nos países estrangeiros para melhorar as relações externas dos
Estados Unidos e para outros fins”. (op.cit. p. 185). A autora afirma que: “A PL 480 tinha, de
fato, desenvolvido os mercados dos países em desenvolvimento para as exportações
comerciais agrícolas dos EUA e a colocação de excedentes já não era problema, pois os
alimentos estavam sendo comprados” (GEORGE, 1978, p. 186).
Neste contexto, o programa atingiu uma de suas principais metas: criar futuros
mercados. Desde o início do programa em 1954, a autora coloca que “A ajuda alimentar ao
Japão não chegou sequer a 400 milhões de dólares, mas, em 1973, esse país tinha comprado
quase US$ 15 bilhões em alimentos. As suas compras de alimentos chegam agora a mais de 2
bilhões por ano nos Estados Unidos.” (GEORGE, 1978, p. 187). Mesmo observando-se que
os dados da autora são de 1978, atualmente o Japão continua importando grandes quantidades
de alimentos dos EUA. Segundo os dados do USDA4 (United States of department of
Agriculture) o Japão importou 453,302(valores em mil dólares) dos EUA no ano de 2006.
Existem também outras estratégias combinadas para aumentar o consumo dos
alimentos importados dos EUA, que são implementadas através dos “fundos de
contrapartida”, e as receitas em dinheiro geradas pela venda da ajuda alimentar. Por trás dessa
forma de ajuda alimentar, existem grupos privados de produtores, corporações e exportadores
norte-americanos que colaboram através de patrocínios via feiras comerciais, esforços
educacionais e promoções. Com isso, os grandes beneficiados pelo PL 480 foram os
principais exportadores de cereais e de forragens que, já em 1966, representava a maior fonte
de dólares vindo do exterior para os Estados Unidos. Continuando sua explanação a autora
observa que:
O Conselho de Cereais de Forragem norte americano ajudou este
desenvolvimento, através de programas contínuos de educação para informar
grupos de comerciantes e agricultores em todos os principais mercados sobre
4
United States of Department of Agriculture, FASonline, http://www.fas.usda.gov/ustrdscripts/USReport.exe
acesso em 07/12/2007.
12
a adequada alimentação dos animais e a utilização do milho, do sorgo, da
aveia, da cevada, e da alfafa em rações balanceadas. (GEORGE, 1978, p.
188-189).
Os países que mais receberam “dádivas” do programa durante o período de 1954-73
foram os seguintes, em ordem decrescente: Índia, Coréia, Marrocos, Brasil, Iugoslávia,
Vietnam do Sul, Tunísia, Espanha, Filipinas e Paquistão.
Decorrente da revisão teórica efetuada observa-se que quando um país vive numa
situação de miséria, pode-se dizer que, praticamente, todas as causas identificadas estão
agindo ao mesmo tempo e estão na origem da fome de seus habitantes. Algumas delas
dependem da situação do país, como o regime de monocultura, os conflitos armados e as
desigualdades sociais. Elas serão eliminadas, quando e se o mesmo país conseguir um
verdadeiro desenvolvimento. Mas outras causas já não dependem do próprio país em
desenvolvimento, e sim da situação em nível internacional. Ou seja, das condições desiguais
de troca entre as várias nações, da presença e da forma de atuação das multinacionais, do peso
da dívida externa e do esforço necessário para fazer seus pagamentos. Isso implica em
observar que os países em desenvolvimento não conseguirão sozinhos vencer a miséria e a
fome a não ser que mudanças verdadeiramente importantes aconteçam no relacionamento
entre essas nações e as mais industrializadas.
Diante do exposto, coloca-se que a fome é um problema internacional, sendo
caracterizada primeiro a nível nacional e depois em nível internacional. Neste sentido, a fome
prejudica as relações entre países, no sentido de não colaborarem para a solução do problema,
pois suas causas não interessam, de certa forma, às autoridades competentes. Os países que
sofrem com a fome se tornam um alvo fácil para o domínio externo, criando uma situação de
dependência imposta pelos países ricos aos pobres, e isto faz com que gere mais pobreza e
fome aos seus cidadãos.
2. A COOPERAÇÃO NO COMBATE A FOME ATRAVÉS DAS ORGANIZAÇÕES
INTERNACIONAIS
Nesta parte do trabalho identificam-se as OIs que atuam no tema em estudo. Para isto
pesquisou-se autores como Ricardo Seintenfus e Mônica Herz para discutir a importância e a
atuação das OIs na questão da fome. O tópico trabalha, também, alguns “clássicos” das
relações internacionais para resgatar a idéia de cooperação via a construção de regimes
internacionais. Para isto, referências importantes são Robert Keohane e Joseph Nye com o
13
livro Poder e Interdependência e também Kenneth Waltz com a obra o Homem o Estado e
a Guerra.
Para resolver a questão da fome no cenário internacional à cooperação entre atores
internacionais e nacionais é necessária. Neste caso observa-se que a atuação de OIs e ONGs
de ajuda humanitária nesta questão, não geram, por si só, disputa por poder. Por outro lado,
imagina-se que os Estados deveriam ter uma ação mais importante para que o problema não
se alastre em seus territórios, mesmo quando estes observam a necessidade de renda para as
pessoas terem acesso à comida. Parece, então, que o problema não estaria nas relações de
poder entre Estados, mas sim na construção de maneiras mais democráticas para as pessoas
terem acesso ao alimento, sendo que isto deveria ser visto como um direito humanitário.
Por exemplo, Waltz, em seu livro: O homem, o estado e a guerra, ao estudar
filósofos importantes como Rosseau e Espinosa, afirma que para haver cooperação é
necessário confiança mútua entre atores. Decorrente da leitura que Waltz faz de Espinosa, os
seres humanos são movidos por interesses e para haver cooperação é necessário que estes
estejam satisfeitos. Sendo assim, o autor citado conclui que os interesses dos atores devem ser
identificados, pois as pessoas são boas ou ruins, racionais ou irracionais e os conflitos entre
elas emergem de uma condição de anarquia. Segundo Waltz isto ocorre porque o conflito
resulta do processo de cooperação produzido pelas relações sócio - políticas e diante disto
deve-se atentar para a importância da análise das condições e do ambiente em que as pessoas
se encontram, local e contexto onde os conflitos emergem.
Ainda observa-se que o sentido e o significado de cooperação entre Estados é muito
abrangente nas relações internacionais. Este termo pode estar ligado a outras definições e
produziria, por exemplo, as próprias OIs. Em um nível menor de cooperação entre Estados e
atores internacionais, a cooperação produz os regimes internacionais. Nesta situação, a
construção de regimes internacionais necessita levar em conta quatro aspectos: princípios,
normas, regras e procedimentos para efetuar as decisões. Assim, segundo Waltz (2004), em
um mundo anárquico estes aspectos podem promover a cooperação, mas ficam submetidos à
situação de anarquia que impera no ambiente internacional, o que implica em considerar a
condição de segurança e de estabilidade do sistema.
Como resultado de processos de cooperação entre os Estados, as Organizações
Internacionais (OIs) foram ampliadas e receberam maior atenção a partir do final da Iª Guerra
Mundial. A partir de então, estas organizações adquiriram maior relevância no cenário
internacional e também para as relações internacionais. As OIs viabilizam a cooperação entre
Estados em diversos segmentos, como segurança, democracia, direitos humanos, dentre
14
outros. A argumentação de Seintenfus sustenta a idéia de que “as organizações internacionais
são associações voluntárias de Estados que podem ser definidas da seguinte forma: trata-se de
uma sociedade entre Estados, constituída através de um Tratado, com a finalidade de buscar
interesses comuns através de uma permanente cooperação entre seus membros” (op. cit. 2005
p. 32-33). Logo, o funcionamento das OIs depende de um tratado constitutivo que defina sua
missão e área de atuação. O Tratado Constitutivo também define os deveres, tanto das OIs,
como dos Estados criadores, para com a organização internacional.
O autor citado observa que também foram criadas organizações especializadas, as
quais apresentam um caráter mais técnico e administrativo. Com a criação da ONU estas
organizações sofreram uma dupla evolução: por um lado seu número se multiplicou e por
outro houve um aumento da cooperação entre Estados nos mais diversos setores da vida
internacional. A multiplicação do número de OI´s aconteceu em duas fases distintas: a) uma
representada pelo avanço do capitalismo na Europa que impôs formas de cooperação em
diversos setores da economia como na área dos transportes, comunicação e outros; b) após a
IIª Guerra Mundial, novos órgãos foram criados para dedicar energia e recursos para o
desenvolvimento das nações economicamente atrasadas. Mas, Seitenfus (2005 p. 182)
argumenta que “[...] apesar dos laços formais com a ONU as organizações especializadas não
podem ser consideradas como sendo seus órgãos, tanto especiais quanto subsidiários. Elas
conservam uma independência jurídica e de conteúdo”.
No cenário internacional surge também as Organizações Internacionais de Alcance
Transnacional (ONGAT), que atuam de maneira independente ou em parceria com Estados e
OIs. Estas organizações:
[...] se propõem a melhor definir, legitimar, institucionalizar, reunir e difundir no
meio internacional, numerosas iniciativas culturais, sociais, religiosas, humanitárias
que ocorrem no plano nacional e conceder-lhes uma dimensão internacional
servindo de instrumento para o aumento da compreensão entre os povos
(SEITENFUS, 2005, p. 340).
Sua criação se dá a partir de um pretenso diagnóstico de ineficácia do Estado e dos
poderes locais. Com isto, nas últimas décadas estas ONGAT´s se transformaram em atores
influentes, tanto àquelas particulares como certos tipos de associações que desconsideram
barreiras nacionais. Mas, segundo o autor consultado, estas organizações não são
consideradas sujeitos de direito internacional, por não disporem de personalidade jurídica
internacional, independentemente de sua natureza jurídica.
15
Como associações de direito privado, as ONGATs são voltadas para questões de
interesse público. A consideração de Seitenfus (2005, p. 341) sustenta a idéia de que as
ONGAT “repousam formalmente sobre o direito interno do Estado onde se localizam, mas
podem, em razão da natureza de seus objetivos, desempenhar atividades internacionais”. Elas
também podem ser classificadas em dois grupos, as de harmonização e as de intervenção. As
ONGATs de harmonização coordenam políticas de forma transnacional sendo exemplos, os
partidos e correntes políticas e organizações do tipo sindicatos e esportivas. Por outro lado,
ONGATs de caráter intervencionista estão fundamentadas na solidariedade ativa, sendo os
direitos do homem, o meio ambiente e a assistência humanitária seu principal campo de
atuação.
Para Herz (2004), as Organizações Internacionais (OIs) podem ser classificadas
segundo a natureza de seus objetivos e distinguem-se em duas formas: as organizações de
natureza política, que objetivam abranger o maior número de membros possíveis, a exemplo
da ONU (Organização das Nações Unidas), ou somente alguns deles, como a OEA
(Organização dos Estados Americanos), a fim de assegurar a paz e a segurança internacionais.
As OI’s de cooperação técnica, também denominadas de organizações especializadas, que
perseguem propósitos conjuntos em áreas específicas, como a OMS (Organização Mundial da
Saúde), OIT (Organização Mundial do Trabalho), UNESCO (Organização das Nações Unidas
para Educação, Ciência e Cultura), dentre outras.
Elas também podem ser classificadas quanto a sua composição: algumas são regionais
porque admitem como membros unicamente Estados que se localizam em uma região
específica, a exemplo da OEA (Organização dos Estados Americanos), ASEAN (Associação
das Nações do Sudeste Asiático), Mercosul (Mercado Comum do Sul), UE (União Européia),
ou então são globais com a ONU e suas organizações especializadas OMC (Organização
Mundial do Comércio), OMS (Organização Mundial da Saúde).
Como visto, as OIs e os Estados imperam no cenário internacional cooperando e
também conflitando para produzir soluções para problemas advindos de catástrofes naturais,
ou até mesmo aquelas provocadas pela ação humana, como guerras e outros conflitos. Ao
observar este contexto, autores importantes como Keohane e Nye abordam a questão da
interdependência, analisando os regimes internacionais e também as organizações
internacionais. Em sua análise eles observam que a política mundial vêm sendo afetada pelo
próprio modelo da interdependência. Isto acontece quando os governos criam e/ou aceitam
procedimentos, normas ou instituições para viabilizar determinadas atividades para controlar
16
as relações transnacionais e interestatais, criando o que eles denominam de regimes
internacionais.
Os autores reconhecem que os conflitos internacionais não desaparecem quando vem à
tona a interdependência, mas sim que estes podem adquirir novas formas e podem
incrementar-se. Para entender as relações de poder em condições de interdependência,
Keohane e Nye utilizam duas noções: a de sensibilidade e a de vulnerabilidade.
A sensibilidade diz respeito às mudanças que ocorrem em um determinado país e que
por conseqüência ocasionam, também, mudanças em um terceiro país, podendo ser medida
não pelo fluxo que passam as fronteiras, mas pelos efeitos que estas transações causam na
sociedade e nos governos. A sensibilidade coloca atenção sobre o fato que se um conjunto de
políticas permanecerem constantes podem refletir a dificuldade para formular novas políticas
em curto prazo, ou também um conjunto de normas internas ou internacionais, sendo que esta
pode ser de natureza tanto política, econômica como social. Para exemplificar “[...] os efeitos
sobre os Estados Unidos da fome no sudeste asiático. A vulnerabilidade de uma administração
norte americana aos protestos internos pela falta de uma política de assistência alimentar
dependeria da facilidade com que pudesse adaptar a política” (NYE, 1988, p. 30). Esta
situação poderia ser revertida enviando mais alimentos aos países sem que tivesse altos custos
políticos e econômicos para os EUA.
Por outro lado sobre a noção de vulnerabilidade é importante para entender a estrutura
política das relações de interdependência, sendo mais relevante que a sensibilidade. Esta
noção pode ser aplicada tanto às relações político–econômicas quanto às socio políticas. A
vulnerabilidade consiste na desvantagem de um ator que continua experimentando custos
impostos por acontecimentos externos, mesmo depois de este ter modificado suas políticas
internas. Exemplifica-se com “[...] o modo como os Estados Unidos, Japão e Europa
Ocidental foram afetados pelo incremento dos preços do petróleo em 1971, em 1973- 74 e em
1975” (NYE, 1988, p. 26). Essas economias se tornaram vulneráveis ao contexto
internacional, em função do maior custo do petróleo estrangeiro devido a grande quantidade
que importavam e a dificuldade que encontraram para encontrar fontes alternativas de energia.
Internamente, este aspecto implicou na redução das atividades econômicas, no aumento do
desemprego e em custos políticos significativos.
Quanto as OIs os autores afirmam que este modelo permite pensar sobre a estrutura da
política mundial em termos de distribuição das capacidades entre os principais atores da
política mundial. Eles observam que se pode pensar em governos vinculados mediante laços
governamentais e transgovernamentais, e não somente através de relações formais ou relações
17
externas. Os autores sustentam a idéia de que organização internacional nada mais é do que
“[...] os laços entre governos podem se reforçar mediante normas que prescrevam
determinadas condutas diante de situações particulares e, em alguns casos até com instituições
formais” (NYE, 1988, p. 79). Neste sentido, a diferença que existe entre OIs e regimes
internacionais é de que as primeiras incluem regras associadas com os regimes internacionais
específicos, mas é uma categoria ampla já que inclui padrões de vinculação entre elites e se
necessário instituições formais. No mesmo sentido, as OIs ajudam a encontrar soluções para
as falhas dos modelos estruturais para explicar a mudança de regimes. Pois os regimes se
estabelecem e se organizam de acordo com a distribuição de capacidade, mas os sistemas,
normas, e instituições influenciam nas habilidades dos atores para usar essas capacidades.
Retomando a questão fome observa-se que as formas de cooperação no cenário
internacional advêm da atuação das OIs que atuam para amenizar a situação. Elas atuam
através de projetos e conscientização dos Estados, e da população mundial para um problema
de difícil solução. Neste sentido, observa-se que a cooperação internacional é essencial, visto
que os países tendem a negligenciar o combate a este mal, como visto em Castro (2004),
quando ele aborda a situação de que os Estados competem para mostrar realizações e
escondem os problemas, pois isto os diminui frente aos seus iguais.
Assim, diante do exposto, para que haja a cooperação entre estados em torno do
problema da fome, os neo-realistas afirmam que é necessário viabilizar confiança mútua entre
os atores envolvidos na questão. Para os interdependentistas a cooperação advém da atuação
das OIs e do aumento da interação entre os atores internacionais. Portanto, a fome que emerge
no cenário interno de um país e ultrapassa suas fronteiras, atingindo a escala internacional,
pode ser teoricamente amenizada via cooperação entre estados e OIs.
Observa-se, assim, que as Organizações Internacionais constituem o marco
institucional que os Estados produziram para gerar avanços capazes de viabilizar ações de
cooperação internacional em relação a inúmeros problemas que afetam a comunidade
internacional. As OIs atuam como atores de gestão ou como fóruns de discussão e de busca de
correção dos problemas internacionais, via conferências, acordos e convenções internacionais.
Esta atuação contribui para que os Estados e outros atores internacionais comecem a cooperar
para a possível resolução da questão. Contudo, mesmo em um ambiente em que a cooperação
se instala, continuam a existir conflitos, como por exemplo, a divergência de opiniões e
análises sobre o problema em pauta.
18
2.1 A ATUAÇÃO DAS PRINCIPAIS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE
AJUDA HUMANITÁRIA NA QUESTÃO FOME.
Neste ponto, pesquisou-se as principais OIs de ajuda humanitária que atuam no
cenário o que intervém no problema, que é gerado normalmente por catástrofes naturais,
guerras civis, ou seja, cenários internos que criam por si só a fome de caráter endêmico, e
também aquela que as vezes já se encontra em diversos territórios como a de caráter
epidêmico. Para isto, atentou-se para a maneira como atuam no cenário internacional e
também na busca pela resolubilidade do problema fome.
Uma das maiores OI de ajuda humanitária e de desenvolvimento privada do mundo é a
CARE5 (Coorperative for Assistance and Relief Everywhere, Inc.). Criada nos Estados
Unidos após a IIª Guerra Mundial as ações desta organização chegam hoje a dezenas de
milhões de pessoas em mais de 60 países da África, Ásia, Europa e América Latina, através
de projetos de ajuda humanitária e de apoio ao desenvolvimento sustentável. De acordo com
informações coletadas em seu site, esta Organização se importa com as causas subjacentes
da pobreza, de modo que os povos possam se tornar auto-suficientes. Ela reconhece que
mulheres e crianças sofrem desproporcionalmente com a pobreza e importa-se também com
os doentes e sobreviventes de guerra e ajuda aos povos reconstruírem suas vidas, pois a luta
contra a pobreza se torna mais difícil em épocas de crise. Os seus projetos têm como missão
ajudar diretamente os sobreviventes de desastres naturais e opõem com o relevo imediato a
reabilitação da comunidade, incluindo alimento, abrigo provisório, água limpa, serviços de
saneamento básico, cuidado médico, planejamento familiar e serviços de saúde.
Outra OI voltada ao combate à fome em períodos de crise é a Cruz Vermelha6, a qual,
de acordo com o site consultado afirma que esta organização provê assistência sem a
discriminação da nacionalidade, raça, religião ou de opiniões políticas. Fundada em 1919, a
Cruz Vermelha se compromete com seus 185 membros; o crescente vermelho é usado em
países islâmicos. Sua missão é melhorar as vidas de povos vulneráveis mobilizando o poder
da humanidade. O significado de povos vulneráveis para esta organização aborda aqueles que
se encontram em situação em que a sobrevivência ou a capacidade de viver com um nível
5
Care, What We Do, disp. em: http://www.care.org/careswork/whatwedo/index.asp acessado em 03/09/2007.
6
Red Cross Red Crescent, Who we are, disp. em:http://www.ifrc.org/who/index.asp?navid=03_01 acessado em
03/09/2007
19
aceitável de segurança sócio-econômica e dignidade humana estejam ameaçadas. As vítimas,
como informa o site da organização, são pessoas que enfrentam desastres naturais, situações
de pobreza extrema causadas por crises sócio-econômicas, refugiados de conflitos e vítimas
em situação de emergência de saúde.
A OI Net AID surgiu no auge do “boom” da Internet em 1999, com a iniciativa do
PNUD (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas) e a Cisco Systems, uma parceria
público-privado, a qual tem como objetivo utilizar o poder da tecnologia, para capitalizar
recursos e vozes na luta contra a pobreza. Em 2001 Net Aid tornou-se independente, e deixou
de ser operado pelo PNUD e pela Cisco Systems, mas continua a trabalhar em estreita
cooperação com estes parceiros e outros. O site da organização permite que qualquer pessoa
se torne voluntário, sendo assim, um instrumento de intervenção e ação direta poderoso. Seus
programas têm como objetivo educar povos sobre a pobreza global e o desenvolvimento
internacional,e suas ações fornecem oportunidades para que façam exame das ações concretas
que fazem diferença nas vidas dos pobres do mundo.
Outra OI importante para tratar da fome é a FAO (Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação).7Fundada em 1945, esta OI tem como objetivos elevar os
níveis de segurança alimentar, da nutrição e vida, melhorar a produtividade agrícola e as
condições da população rural e gerir os recursos naturais do planeta de forma sustentável. A
finalidade da FAO é atender as necessidades das gerações presentes e futuras, promovendo
um desenvolvimento tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente
aceitável
que
não
degrade
o
meio
ambiente.
Em sua luta contra a pobreza, a FAO busca promover o desenvolvimento agrícola, a
melhoria da nutrição, a busca da segurança alimentar e o acesso de todas as pessoas, aos
alimentos necessários para uma vida ativa e saudável. Entre suas ações a FAO procura
reforçar a agricultura e o desenvolvimento sustentável como estratégia de longo prazo para
aumentar a produção e a segurança alimentar. Atualmente a FAO está integrada por 190
países membros, mais a Comunidade Européia.
Outra organização que está inserida no cenário internacional para tratar da questão da
fome e da pobreza é o PNUD8 (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), tendo
como seu propósito central o combate à pobreza. O PNUD é uma instituição multilateral e
7
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, Institucional disp. em:
https://www.fao.org.br/ acessado em 03/09/2007.
8
Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, O PNUD e seus Objetivos, disp em:
http://www.pnud.org.br/pnud/ acessado em 03/09/2007.
20
presente em 166 países. Quanto às suas ações esta organização busca promover os direitos
humanos e a participação da mulher nos processos decisórios de sua comunidade.
A igreja através de associações e organizações internacionais católicas (OIC),
9
também atua no cenário internacional para amenizar o problema da fome. Sua forma de
atuação é chamar a atenção para as situações calamitosas e desesperadoras, em que os
voluntários mobilizam fundos privados e públicos e também organizam assistências locais.
Entre suas conquistas mais notáveis existem projetos que favorecem novas iniciativas ou
projetos que têm como finalidade revigorar as instituições e coletividades locais.
Observa-se, assim, que para resolver o problema da fome existem muitos atores
internacionais que interferem a favor de amenizar suas causas e diminuir o sofrimento das
pessoas com fome. A maioria delas mobiliza a comunidade internacional para angariar fundos
e conscientizar as pessoas deste mal que afeta milhões, e fazer com que este se transforme em
ajuda humanitária para salvar vidas, em situação deplorável e em grande sofrimento. A
importância destas formas de atuação é fundamental para a construção de um mundo mais
humano e solidário.
3. AÇÕES ESTRUTURAIS PARA COMBATER O PROBLEMA DE FAMÉLICOS NO
MUNDO: PROGRAMAS E PROJETOS EM EXECUÇÃO
Nesta parte do trabalho busca-se apresentar ações concretas que estão sendo
produzidas para combater a fome. Entre elas pesquisou-se os objetivos de desenvolvimento do
milênio, o programa Fome Zero, assim como a Conferência Mundial para Alimentação,
Aliança Internacional Contra a Fome (AICF) e o sistema de informação de agricultura e
alimentação da FAO.
Até 2015 os países - membros das Nações Unidas se comprometeram a atingir os
objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM). Propostos pelas Nações Unidas estes têm
como prioridade eliminar a extrema pobreza e a fome do planeta. Estes objetivos devem ser
alcançados por meio de ações específicas de combate à fome e à pobreza, associadas à
implementação de políticas de saúde, saneamento, educação habitação promoção da igualdade
Organizações Internacionais Católicas, A Fome no Mundo um desafio para todos: o desenvolvimento
solidário disp.
em:<http//www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/corunum/documents/rc_pc_corunum_doc_0410199
6_world-hunger_po.html> acessado em 03/09/2007.
9
21
de gênero e meio ambiente. A motivação para o alcance das metas representa uma forma de
cooperação a qual mobilizou a sociedade internacional, para este propósito.
O primeiro objetivo do milênio10 busca erradicar a extrema pobreza e a fome. A meta
proposta é de reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda
inferior a um dólar PPC por dia e a que sofre de fome. O segundo objetivo é que todas
crianças possam atingir o ensino básico universal até 2015. O terceiro foca direitos iguais para
ambos os sexos e a autonomia das mulheres. Para que isso se torne real, a meta é eliminar a
disparidade entre os sexos em todos os níveis de ensino, a mais tardar até 2015. De acordo
com o quarto objetivo, o PNUD busca reduzir a mortalidade infantil, em dois terços, entre
1990 e 2015. O quinto objetivo está voltado para melhorar a saúde da mulher, cuja meta é
reduzir em três quartos a mortalidade materna. O sexto objetivo é combater o HIV/AIDS, a
malária e outras doenças. O sétimo objetivo busca garantir a sustentabilidade ambiental ao
integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e
reverter à perda de recursos ambientais. Por fim, o oitavo objetivo gira em torno do
desenvolvimento através da adoção de um sistema comercial e financeiro aberto, baseado em
regras, previsível e não discriminatório para atender as necessidades especiais de países
menos desenvolvidos, da gestão eficiente do problema da dívida externa e da cooperação
entre os países para gerar estratégias e ações que permitam que os jovens obtenham um
trabalho digno e produtivo.
Busca-se ainda viabilizar a cooperação com as empresas farmacêuticas, para
proporcionar o acesso aos medicamentos essenciais a preços acessíveis. Nos países em vias de
desenvolvimento, em cooperação com o setor privado, busca-se tornar acessíveis os
benefícios das novas tecnologias, em especial das tecnologias de informação e de
comunicações.
Como apresentado, os objetivos do milênio propõem a cooperação internacional a fim
de que, suas metas sejam realizadas até 2015 e algumas propostas para resolução até 2020,
como é o caso daquelas relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Tendo em vista que o
assunto da pesquisa se refere à fome que hoje afeta grande parte da humanidade e os torna
também improdutivos, neste aspecto o relatório afirma que para haver significado os objetivos
“Só terão êxito se significarem alguma coisa para os milhares de milhões de indivíduos a que
se destinam. Os Objetivos têm que se tornar uma realidade nacional, abraçada pelos principais
10
Tendo como base de pesquisa para elaborar este ponto foi utilizado como apoio o relatório elaborado pelo
PNUD intitulado como Relatório do Desenvolvimento Humano 2003:Um pacto entre as nações para
eliminar a pobreza humana, disp em: <http://www.pnud.org.br/rdh/>acessado em 03/09/2007.
22
participantes – as pessoas e os governos.” (PNUD, 2003, p.1). Assim para atingir os objetivos
do milênio é necessário o controle destes por parte dos governos e comunidades, estimulando
também o debate democrático. Nesse sentido a participação da sociedade é importante pois
quando houver pressão das populações envolvidas é provável que os líderes tomem as
medidas cabíveis.
O relatório aponta que a política mundial deve ser focada em países que enfrentam as
dificuldades do desenvolvimento, pois se não tiverem uma atenção maior não será possível à
realização das metas do milênio. Neste contexto, os objetivos do milênio estão relacionados
entre si, pois um depende do outro para que se tornem reais e as metas sejam cumpridas. É o
que se lê no relatório do PNUD: “Para atingir o crescimento sustentável, os países têm que
atingir limiares básicos em várias áreas fundamentais: governo, saúde, educação, infraestruturas e acesso aos mercados”. (PNUD, 2003, p.4).
As respostas para as políticas são intervenções simultâneas nos diversos setores,
juntamente com o apoio externo. Entre elas destacam-se como exemplos, investir cedo na
educação básica e na saúde, aumentar a produtividade de pequenos agricultores em regiões
desfavoráveis, isto é da maioria das pessoas com fome no mundo, melhorar a infra-estrutura
básica e outros. Os países mais pobres sofrem mais para atingirem as metas do ODM, pois
estes “precisam de recursos externos significativos para atingir níveis essenciais de
desenvolvimento humano” (PNUD, 2003, p. 5). Portanto, não basta somente estabelecer
metas, e fazer com que estas sejam atingidas, sem antes os próprios países estabelecerem a
superação dos seus obstáculos para a concretização destas. As iniciativas que os governos de
países pobres podem tomar implicam a “[...] a mobilização de recursos fiscais internos, a
reorientação da despesa para serviços básicos, o recurso à experiência e financiamento
privados e a introdução de reformas no governo econômico” (PNUD, 2003, p. 5). Para sua
concretização deve-se viabilizar a cooperação técnica e financeira por parte dos países ricos.
Para atingir a meta número um, por exemplo, será necessário produzir um crescimento
econômico muito mais forte nos países de prioridade máxima e alta, mas as políticas também
precisam fortalecer as ligações entre crescimento econômico e elevação dos rendimentos nas
famílias mais pobres. Outro desafio para atingir o objetivo número 1 é garantir o acesso aos
alimentos e aumentar a produtividade dos agricultores hoje com fome, especialmente na
África. No ano de 1990, segundo dados do relatório do PNUD o número de pessoas com fome
baixou cerca de 20 milhões, mas ao mesmo tempo o relatório faz uma crítica de que “na
China, o número de pessoas com fome aumentou”. (PNUD, 2003, p. 6).
23
Diante do exposto, observa-se que os objetivos de desenvolvimento do milênio são um
tanto exagerados no tocante a resolver os problemas enfrentados pela humanidade hoje em
dia. Estabelecem metas para solucionar os objetivos propostos, mas estes não se solucionam
por si só, pois dependem de uma série de fatores para a sua resolutilidade. Com isso, no caso
da fome, é necessário que haja cooperação no sentido de países ricos ajudarem os países
pobres, como, por exemplo, reduzindo tarifas de importação, o protecionismo, dentre outros.
Relatando o tema central da pesquisa,o mapa da FAO mostra a porcentagem de pessoas que
sofrem com a fome no mundo. Pelo exame da figura pode-se perceber que os lugares que
mais sofrem com este flagelo são mostradas com as cores vermelhas, sendo a fome
predominante no continente africano. Observa-se ainda que todos os países sofrem com a
fome, mas que alguns sofrem em maior intensidade e outras em menor.
Fonte: www.fao.org/es/ess/faostat/foodsecurity/fsmap/flash_map.htm
Outro programa da FAO que se propõe a atacar o problema da fome no mundo é a
Aliança Internacional Contra a Fome (AICF),
11
11
proposto pela Conferência Mundial da
Allied against hunger, Metas, disp em:< http://www.iaahp.net/intern_es.html> acesso em
03/09/2007.
24
Alimentação. A declaração do milênio pôs em marcha os primeiros passos para uma parceria
mundial com indivíduos e organizações de toda parte do mundo. Esta aliança nasceu como
uma
parceria
voluntária
entre
organizações
internacionais
e
organizações
não-
governamentais, serviços e organizações religiosas, setor privado e indivíduos envolvidos
com a missão comum de trabalho para erradicar a fome do planeta. Para isto, diversas nações
fizeram compromissos verbais para lutar contra a fome, mas poucos foram capazes de fazer o
suficiente. Com isso, através deste projeto os países terão nova oportunidade para erradicar,
de certa forma, a fome em seus territórios. Os resultados obtidos por esta aliança ocupam uma
posição estratégica para alcançar os objetivos do milênio, especialmente os que visam reduzir
a pobreza e a fome.
O sistema mundial de informação e alerta sobre a agricultura e alimentação12 da FAO
indica que ainda existem muitas dificuldades em acabar com a fome, sendo que a situação é
critica para 28 países. Na África oriental, milhões de pessoas sofrem com as graves
dificuldades alimentares. Do mesmo modo, informações da FAO apontam para o fato de que
os preços dos alimentos e de outros bens essenciais aumentaram drasticamente, o que afeta a
muitos lugares especialmente as zonas urbanas. A Organização considera que no caso da
África Meridional grandes e prolongadas secas e precipitações irregulares têm dado lugar as
piores colheitas da temporada. No oeste asiático a perspectiva para a administração de
alimentos continua sendo inevitável. No Oriente Médio a situação de segurança alimentar
continua sendo prejudicada por conflitos. Na América do Sul, a situação mais critica é a da
Bolívia, afetada por graves perdas do cultivo e de animais devido à seca e as inundações
durante a produção agrícola de 2007. Os desafios para as regiões citadas são aumentar a
distribuição de comida disponível e o crescimento da produtividade agrícola.
Segundo as informações expostas, para a FAO a fome advém de uma série de fatores,
estes por sua vez, podem ser decorrentes de conflitos internos, má produção da agricultura
que é afetada pelas secas e inundações entre outros. Isso faz com que as pessoas se tornem
vulneráveis e migrem para as áreas cultiváveis e também saiam do país.
Por outro lado, no Brasil a questão da fome vem sendo tratado pelo Estado. O
Programa Fome Zero
13
tem como principal objetivo combater a fome e garantir a segurança
alimentar e nutricional, atuando nas causas estruturais da pobreza. Para isto três ações estão
12
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação,Perspectivas de Cosechas sobre as
emergencias alimentares: Examenes Regionales, disp. em
<http://www.fao.org/docrep/010/ah868s/ah868s06.htm> acesso em 03/09/2007.
13
Presidência da República Federativa do Brasil,Fome Zero O que é, disp em: <http://www.fomezero.gov.br/oque-e> acesso em 03/09/2007.
25
em curso. A primeira é a combinação de políticas estruturais como, por exemplo, geração de
emprego e renda, aumento de salário mínimo e outros. A segunda ação é mais específica, pois
tem como função a implantação do cartão – alimentação, a ampliação da merenda escolar, a
distribuição de cestas básicas emergenciais por períodos determinados e por fim, as ações
locais que devem ser implementadas pelos Estados e municípios. Estes programas, em sua
maior parte são financiados e incentivados pelo Governo Federal. O Programa visa, também,
apoiar a agricultura familiar e a produção para o consumo próprio, criação de bancos de
alimentos e de restaurantes populares, dentre outros.
Observa-se no caso brasileiro uma mudança de atitude. O problema da fome não é
mais encarado pelas autoridades competentes como um mal a ser posto para debaixo do
tapete, como era feito antes, mas como uma realidade que afeta milhões de pessoas. Assim, na
medida do possível, criam-se soluções através de projetos e pela ação do governo para a
possível erradicação do problema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que foi abordado no primeiro tópico, observou-se que a fome pode ser
caracterizada como um problema internacional. Esta questão que afeta milhões de pessoas no
mundo possui várias causas e os seus efeitos, de certa forma, são catastróficos para aqueles
que o sentem de forma concreta: os milhões de excluídos em todo mundo.
Do exposto, as causas principais da fome decorrem da situação de dependência entre
os países. Tal situação é gerada por vários fatores. Entre eles destacam-se as relações de
desigualdade nas trocas, advindas das condições com que o comércio internacional funciona.
Outros fatores advêm da especialização econômica na monocultura, dos contextos históricosociais que produziram exclusão, da atuação das multinacionais do setor de alimentos, dos
custos da dívida externa, de problemas produzidos por conflitos armados e da expansão das
desigualdades sociais. Esses fatores produzem fome ao custo do enriquecimento das nações
do primeiro mundo e de suas empresas.
Outro aspecto importante levantado é que as ações de ajuda internacional produzidas
nos países do primeiro mundo nem sempre tiveram como preocupação central resolver a
questão estrutural da fome. Estas alternativas, em muitas situações buscam apenas desovar
estoques de alimentos invendáveis e, desta forma, alimentam-se as pessoas com fome, mas,
em contra partida cria dependência comercial. Isso implica em uma espécie de alienação por
parte dos países mais ricos e principalmente dos pobres que, através de programas políticos
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econômicos, justificam a solução de um problema social enfrentado pelos países pobres pela
via da ajuda que cria nova dependência.
No segundo ponto foi tratada a questão da cooperação a fim de resolver o problema da
fome no mundo, via a atuação das principais OIs que atuam nesta questão a nível
internacional. Pode-se perceber que a atuação das OIs gira em torno de amenizar os efeitos
causados pela fome, como uma forma de assistencialismo e ajuda no momento em que ocorre
a necessidade de intervenção com urgência. Nesse aspecto, para que o problema da fome
epidêmica e também a endêmica seja solucionado é necessário que a união e a cooperação
entre os atores internacionais seja direcionada para atuar diretamente nas causas dos
problemas geradores da fome, e não apenas sobre os efeitos.
E por fim, no terceiro tópico foi tratado das ações estruturais que existem hoje, e que
servem para amenizar e também mobilizar a comunidade internacional, como o sistema
internacional de segurança alimentar da FAO, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,
o Programa Fome Zero, Aliança Internacional contra a Fome, e o Sistema Mundial de
Informação e Alerta sobre a Agricultura e Alimentação.
Observou-se que ações para resolver a fome existem, mas o problema continua não
sendo erradicado, devido a uma série de fatores. Em nível global, a fome não advém da
deficiência na produção de alimentos que estão sendo produzidos em quantidade suficiente e
com tendência da produção aumentar em nível maior que a capacidade de consumo. Contudo,
por sua vez, a mídia noticia que o problema da fome está cada vez pior, considerando que
secas, conflitos e preços em ascensão foram os responsáveis para que o número de pessoas
atingidas pela fome aumentasse e houvesse uma maior mobilização por parte das agências de
ajuda humanitária a elaborar e custear soluções de longo prazo para estas crises. Ao mesmo
tempo, a alta do preço dos combustíveis e a adoção de biocombustíveis tornou maiores os
gastos com comida e também o seu transporte por terra e por mar.
Vinculado à ONU, o Programa Mundial de Alimentação (WFP na sigla em inglês) diz
que o gasto com os cereais subiu 50 por cento nos últimos cinco anos, algo que, segundo
especialistas, se deve ao crescimento da população mundial-especialmente em áreas urbanas,
que não produzem comida. Por outro lado, a própria FAO, no mesmo contexto, afirma que a
produção de alimentos é suficiente para alimentar aos milhões que sofrem com este mal.
Durante a pesquisa, observou-se que ações estão sendo feitas para que situação seja
amenizada, mas não se concretizam. Ou seja, as metas não são cumpridas, pois para erradicar
a fome não basta somente dar alimento aos necessitados quando se precisa, ou quando se
encontram em contextos de escassez de alimentos. O que se necessita é de mudanças no
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sistema quanto das condições de produção e de distribuição dos alimentos. Mas isso é
impossível, visto que o mundo continua a ser regido pelas regras do mercado. Com isso,
instala-se uma situação de dependência que não permite às pessoas terem acesso ao alimento,
pois seus países, através de seus Estados, precisam priorizar outras questões como o serviço
da dívida, a segurança dos regimes que estão no poder e os contratos internacionais, entre
outras obrigações.
A pesquisa constatou que a cooperação entre os organismos internacionais e Estados é
importante para a solução do problema, visto que um país quando sofre com a fome, vários
outros setores da nação também são afetados. Neste sentido, os projetos que hoje estão em
execução ajudam e fazem com que a comunidade internacional tenha maior compreensão do
problema e das dificuldades para sua solução.
Neste aspecto é importante observar a necessidade de mudanças estruturais que
envolvem o tratamento da questão das dívidas externas dos países subdesenvolvidos, a
reorganização produtiva das ex. economias coloniais para produzir alimentos necessários ao
consumo interno e depois para exportação e também a cobrança internacional sobre aqueles
Estados que privilegiam outras questões como, por exemplo, a manutenção de regimes
políticos. Como o Estado é o principal responsável por garantir liberdade, ordem, segurança,
bem-estar e justiça aos seus cidadãos, diante de tal situação muitos governos se tornam
omissos. Ao pôr em evidência a ineficácia dos governos, a intervenção de organismos
internacionais pode contribuir para amenizar o problema. Neste sentido, a cooperação entre
Estados e Organismos Internacionais, que já existe e que tem como intuito reduzir pela
metade a pobreza extrema, como prevê as metas estabelecidas pelos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, se torna uma alternativa importante, mas não é suficiente para
erradicar o problema da fome.
Logo, para a solução do problema existe a necessidade de agir diretamente nas reais
causas da fome, e não somente apontá-las como problema, mas sim resolvê-los. Estas
questões que geram a fome, como por exemplo, a dependência entre países ricos e pobres, a
dívida externa, as desigualdades sociais, a atuação das grandes corporações do setor são
estruturais e a falta de resolutividade faz com que o problema da fome, mesmo com o mundo
produzindo comida suficiente, não seja eliminado de forma concreta.
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