se - Faculdade de Letras

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A ORDENAÇÃO DO CLÍTICO “SE” EM COMPLEXOS VERBAIS NAS
PRODUÇÕES ESCRITAS DO BRASIL E DE PORTUGAL NOS SÉCULOS XIX E
XX SEGUNDO A PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA
CARLA DA SILVA NUNES
2014
A ORDENAÇÃO DO CLÍTICO “SE” EM COMPLEXOS VERBAIS NAS
PRODUÇÕES ESCRITAS DO BRASIL E DE PORTUGAL NOS SÉCULOS XIX E
XX SEGUNDO A PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA
Carla da Silva Nunes
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pósgraduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal
do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título
de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Rio de Janeiro
Fevereiro/2014
2
A ordenação do clítico “se” em complexos verbais nas produções escritas do Brasil e de
Portugal nos séculos XIX e XX segundo a perspectiva sociolinguística
Carla da Silva Nunes
Orientador: Silvia Rodrigues Vieira
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como partes dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira
_______________________________________________________
Prof. Doutor Marco Antonio Martins – UFRN
_______________________________________________________
Profa. Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
_______________________________________________________
Profa. Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte – UFRJ
________________________________________________________
Profa. Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ
_________________________________________________________
Prof. Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ, Suplente
_________________________________________________________
Profa. Doutora Marcia dos Santos Machado Vieira – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro/2014
3
NUNES, Carla da Silva.
A ordenação do clítico “se” em complexos verbais nas produções
escritas do Brasil e de Portugal nos séculos XIX e XX segundo a perspectiva
sociolinguística / Carla da Silva Nunes. Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2014.
xxiv, 285 f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira. Tese (Doutorado) – UFRJ /
FL / Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa),
2014. Referências Bibliográficas: f. 281-285.
1. Sociolinguística. 2. Cliticização. 3. Morfossintaxe. 4. Ordem dos
pronomes. 5. Variação. I. VIEIRA, Silvia Rodrigues. II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa). III. A ordenação do clítico “se” em
complexos verbais nas produções escritas do Brasil e de Portugal nos séculos
XIX e XX segunda a perspectiva sociolinguística.
4
Agradecimentos
Não poderia começar a seção de agradecimentos sem prestar “meu muito
obrigada” aos meus pais Carlos e Lucia, que sempre priorizaram a educação, mesmo
quando isso não era tão fácil, e garantiram às filhas toda a educação básica de
qualidade. Já na faculdade, o apoio era prestado em auxílio emocional e financeiro para
que nada atrapalhasse a minha formação. Hoje, depois desses anos todos, espero que
todo o meu esforço chegue a eles como um retorno de tudo o que investiram em mim.
Agradeço ao meu marido Luciano, meu professor particular, que ao longo dessa
caminhada aprendeu a ser casado com um doutorado, e que acredita que a Carla já
esteja de volta. De tanto me ouvir falar do tema da tese, ele nunca mais disse que algo
era difícil, mas sim que é “complexo, complexo verbal”. Obrigada a minha irmã Carol e
ao meu cunhado Pablo, que me presentearam com meu lindo sobrinho Pedro, para quem
não há distinção de títulos. Com seu olhar puro e sorriso inocente, reconhece em mim
apenas a titulação de “Tia Carla”, com a função de madrinha, o que é muito bom!
Muito obrigada a minha professora, orientadora e madrinha Silvia Rodrigues
Vieira, a primeira a ver em mim alguma possibilidade de ser pesquisadora e a me
ensinar o ofício, além de acreditar, também, que eu podia ser professora. Obrigada por
esses dez anos de convivência, orientação e amizade.
Agradeço, ainda, à professora doutora Maria Eugênia pela gentileza de fornecer
orientações provenientes de sua experiência em pesquisa, além de material bibliográfico
para o enriquecimento deste trabalho e por acompanhar a minha trajetória desde o início
do mestrado e, agora, no doutorado, novamente como membro da banca. Obrigada aos
professores doutores Marco Martins, Christina Abreu e Silvia Brandão por também
terem aceitado compor a banca examinadora. Obrigada à professora doutora Maria
Antónia Mota pela orientação no período do estágio da bolsa sanduíche em Portugal e à
professora Ernestina Carrilho, pela disponibilidade em ceder o tempo de aula da sua
turma para a aplicação dos questionários na Universidade de Lisboa. Muito obrigada
especialmente ao colega e, agora, professor doutor Leonardo Marcotulio, pela paciência
de ter me apresentado os caminhos para se viver em Portugal.
Obrigada ao órgão de fomento CAPES-CNPq por financiar parte da pesquisa de
doutorado, especificamente quando da estada no período de estágio da bolsa de
doutorado sanduíche em Portugal.
5
Obrigada aos alunos voluntários da Universidade de Lisboa e da UFRJ pela
compreensão em responder aos extensos questionários.
Obrigada aos orientandos dos projetos da sala F-310 pela amizade,
especialmente a Juliana Pires pelo grande auxílio na coleta de dados.
Obrigada a todos os familiares, amigos, colegas, diretores e alunos que
diretamente ou indiretamente estiveram envolvidos nessa longa jornada, com quem,
normalmente, pude contar com a compreensão por minhas raras, mas necessárias
ausências.
Meu agradecimento especial a Deus, que me manteve sã em todos os momentos
mais difíceis, nos quais a solução aparentemente mais fácil era fugir. Eu não fugi de
nada!
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RESUMO
A ordenação do clítico “se” em complexos verbais nas produções escritas do Brasil e de Portugal nos
séculos XIX e XX segundo a perspectiva sociolinguística.
Carla da Silva Nunes
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas, área
de concentração Língua Portuguesa, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
- UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.
Esta pesquisa trata do tema da colocação do clítico “se” em estruturas verbais complexas
nas amostras brasileira e europeia. Para tanto, vale-se de corpus da modalidade escrita extraído de
editoriais, notícias e anúncios produzidos nos séculos XIX e XX. Com base no aporte teóricometodológico da sociolinguística laboviana, desenvolve-se o tratamento estatístico dos dados
provido pelo pacote de programas Goldvarb-X. Investigam-se, então, as trajetórias dos diferentes
tipos de “se”, como ponto de partida para se atestar as possíveis semelhanças e diferenças entre as
escritas brasileira e a europeia. Além disso, verifica-se se o comportamento dos dados reflete a
existência de uma regra variável em cada uma das variedades. Assim, analisam-se os possíveis
condicionamentos linguísticos e extralinguísticos favorecedores das variantes cl V1 V2 (se pode
fazer), V1-cl V2 (pode-se fazer), V1 cl V2 (pode se fazer) e V1V2-cl (pode fazer-se).
Observa-se que a modalidade escrita, por vezes, aproxima as normas brasileira e europeia
quanto ao fenômeno da ordem, como no contexto de início absoluto de período/oração, em se que
recusa a próclise a V1 nas duas amostras, e aos complexos participiais, que não registram qualquer
dado de ênclise a V2. Os padrões cultos escritos brasileiro e europeu aproximam-se,
especificamente, no caso do indeterminador, nos dois séculos em questão. Por outro lado, o uso do
reflexivo parece ser a questão central na diferenciação entre as duas normas estudadas.
Enquanto os brasileiros parecem vincular as suas escolhas aos tipos de “se”, em que o
reflexivo tende a figurar adjacente a V2 (inclusive em próclise) e o indeterminador adjacente a V1,
os europeus o fazem de forma mais suave e parecem relacionar suas escolhas também à forma do
verbo principal e à presença de “proclisador”, especialmente com o indeterminador, mas distante de
valores categóricos, de modo que se atesta nesse contexto uma regra efetivamente variável. A
atuação do “proclisador” com o reflexivo é branda também no PE, mesmo assim, um pouco mais
efetiva do que no PB. Ao final do século XX, as diferenças evidenciam-se ainda mais quando se
registra o aumento da próclise a V2 no Brasil. No PE a variante nem sequer é legítima/natural, e por
isso, não empregada. Quanto à análise da avaliação das variantes, com base nos questionários, as
tendências apontadas podem ser confirmadas.
Palavras-chave: Sociolinguística, cliticização, morfossintaxe, ordem dos pronomes, variação.
Rio de Janeiro
Fevereiro/2014
7
ABSTRACT
The ordering of clitic "se" in verbal complexes in written productions from Brazil and Portugal in
the nineteenth and twentieth centuries according to sociolinguistic perspective.
Carla da Silva Nunes
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas,
área de concentração Língua Portuguesa, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua
Portuguesa.
This research presents the theme of the “se” pronominal collocation in verbal complex
structures, considering dates of Brazilian and European Portuguese. Accordingly, the investigation
uses a written corpus composed by examples collected from journalistic and advertisement texts
produced during 19th and 20th centuries. Based on labovian sociolinguistic, the dates have been
investigated considering the theoretical and methodological foundations, through a statistic treatment
offered by a chain of programs called Goldvarb-X, about the mentioned varieties. It has been
analyzed differences and similarities between Brazilian and Portuguese texts through the two types
of the “se”. It has been studied if there is a variety rule reflected on the dates. So, it is important to
know which linguistic and extralinguistic factors can influence each variant. The search aims to
discover what element, in fact, influences the use of which variant of the phenomenon, like: clV1V2
(se pode fazer), V1-cl V2 (pode-se fazer), V1 cl V2 (pode se fazer) e V1 V2-cl (pode fazer-se).
On the one hand it is observed that written modality, sometimes, can aproximate Brazilian
and European varieties in the phenomenon analyzed, specifically with indeterminate “se”, in both
centuries. On the other hand, reflexive “se” position seems to be the central question between
Brazilian and European rules. Brazilian options seem to be associated to different types of “se”, in
which reflexive stays around V2 and the indeterminate “se” stays around V1. Otherwise, European
options seem to be related to morphossyntactic contexts, in which, specially with indeterminate “se”,
cl V1 V2, V1-cl V2, V1 V2-cl depends on the presence or absence of “proclisador”, but far from
categorical levels.
With reflexive “se”, “proclisador” acts softly even in PE, but more effectively than occurs in
PB, mainly in twentieth century. At the end of the twentieth century, the differences between PB and
PE are highlighted even more when it registers the increased proclisis V2 in Brazil, while the PE
variant is even legitimate/natural, and therefore not used. Regarding the analysis of the evaluation of
variants, based on evaluation questionnaires, trends can be identified confirmed with respect to the
Brazilian relate their choices as to what kind of "se" and Europeans prioritize the contexts of
"attraction" or not to position different types of "se”.
Key-words: Sociolinguistics, cliticization, morphossyntax, pronominal order, variation.
Rio de Janeiro
Fevereiro/2014
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................. 21
2.1 Apresentação geral das fontes consultadas .............................................................. 21
2.2 Pesquisas diacrônicas .............................................................................................. 23
2.3 Pesquisas sincrônicas ............................................................................................... 52
2.4 Sistematização: a trajetória da ordem dos clíticos segundo os trabalhos apresentados
........................................................................................................................................ 65
2.4.1 O Português dos séculos XVI ao XVIII: O Português Clássico ........................... 66
2.4.2 O Português dos séculos XIX e XX: O Português do Brasil ................................ 68
2.4.3 O Português dos séculos XIX e XX: O Português Europeu ................................. 71
2.4.4 O Português do Brasil e o Português Europeu: uma perspectiva sincrônica
........................................................................................................................................ 73
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: Ordem do clítico “se” em complexos verbais e
Teoria da Variação e Mudança ...................................................................................... 79
3.1 Cliticização .............................................................................................................. 79
3.1.1
O que é cliticização? .......................................................................................... 79
3.1.2 O clítico “se”: diferentes tipos.............................................................................. 84
3.2 Noção e delimitação de complexo verbal ................................................................ 87
3.3 Pressupostos sociolinguísticos ................................................................................. 93
3.3.1 Noção de regra variável ........................................................................................ 93
3.3.2 Outros pressupostos sociolinguísticos .................................................................. 96
4. METODOLOGIA .................................................................................................... 103
4.1 Descrição do corpus .............................................................................................. 103
4.2 Etapas do trabalho ................................................................................................. 104
4.2.1 Descrição das variáveis ...................................................................................... 104
4.2.1.1 Regra variável e colocação pronominal em complexos verbais ...................... 104
4.2.1.2 A variável dependente ..................................................................................... 108
4.2.1.3 As variáveis independentes ............................................................................. 110
4.3 Procedimentos adotados no tratamento variacionista dos dados ........................... 124
4.4 Descrição e aplicação dos questionários ............................................................... 128
9
5. ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................ 129
5.1 A ordem do clítico “se” em complexos verbais na amostra brasileira .................. 130
5.1.1 Distribuição geral dos dados da amostra brasileira ............................................ 130
5.1.1.1 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira: início absoluto de período/oração X
demais contextos .......................................................................................................... 132
5.1.1.2 Distribuição dos dados de “se” na amostra brasileira por tipo de verbo principal:
infinitivo X gerúndio X particípio ............................................................................... 134
5.1.2 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira por tipo de verbo principal ........... 135
5.1.2.1 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira em sentenças com o verbo principal
no infinitivo ................................................................................................................. 135
5.1.2.1.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em sentenças
com o verbo principal no infinitivo ............................................................................. 137
5.1.2.1.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em sentenças
com o verbo principal no infinitivo por variável independente ................................... 139
5.1.2.2 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira em sentenças com o verbo principal
no gerúndio ................................................................................................................. 151
5.1.2.2.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em sentenças
com o verbo principal no gerúndio .............................................................................. 154
5.1.2.2.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em sentenças
com o verbo principal no gerúndio por variável independente ................................... 155
5.1.2.3 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira em sentenças com o verbo principal
no particípio ................................................................................................................ 162
5.1.2.3.1. Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em sentenças
com o verbo principal no particípio ............................................................................. 164
5.1.2.3.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em sentenças
com o verbo principal no particípio por variável independente .................................. 165
5.1.3 Sistematização dos resultados da colocação do “se” em complexos verbais na
amostra brasileira dos séculos XIX e XX .................................................................... 170
5.2 A ordem do clítico “se” em complexos verbais na amostra europeia ................... 176
5.2.1 Distribuição geral dos dados da amostra europeia ............................................. 176
5.2.1.1 Ordem do clítico “se” na amostra europeia: início absoluto de período/oração X
demais contextos .......................................................................................................... 180
5.2.1.2 Distribuição dos dados de “se” na amostra europeia por tipo de verbo principal:
infinitivo X gerúndio X particípio ............................................................................... 181
10
5.2.2 Ordem do clítico “se” na amostra europeia por tipo de verbo principal ............ 182
5.2.2.1 Ordem do clítico “se” na amostra europeia em sentenças com o verbo principal
no infinitivo ................................................................................................................. 182
5.2.2.1.1 Distribuição geral dos dados por tipo de “se”, na amostra europeia em
sentenças com o verbo principal no infinitivo ............................................................. 184
5.2.2.1.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças com
o verbo principal no infinitivo por variável independente .......................................... 185
5.2.2.2 Ordem do clítico “se” na amostra europeia em sentenças com o verbo principal
no gerúndio .................................................................................................................. 198
5.2.2.2.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças com
o verbo principal no gerúndio ...................................................................................... 200
5.2.2.2.2 Distribuição das dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças com
o verbo principal no gerúndio por variável independente ........................................... 201
5.2.2.3 Ordem do clítico “se” na amostra europeia em sentenças com o verbo principal
no particípio ................................................................................................................. 207
5.2.2.3.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças com
o verbo principal no particípio ..................................................................................... 209
5.2.2.3.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças com
o verbo principal no particípio por variável independente .......................................... 210
5.2.3 Sistematização dos resultados da colocação do “se” em complexos verbais na
amostra europeia dos séculos XIX e XX ..................................................................... 215
5.3 Análise dos questionários ...................................................................................... 221
5.3.1 Análise dos questionários: primeiro teste ........................................................... 222
5.3.1.1 Contextos com o “se” em complexos verbais com o verbo principal no infinitivo
...................................................................................................................................... 222
5.3.1.1.1 Contextos com o “se” indeterminador/apassivador em complexos verbais com
o verbo principal no infinitivo ..................................................................................... 222
5.3.1.1.2 Contextos com o “se” reflexivo/inerente em complexos verbais com o verbo
principal no infinitivo .................................................................................................. 226
5.3.1.1.3 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal no
infinitivo ...................................................................................................................... 231
5.3.1.2 Contextos com o “se” em sentenças com o verbo principal no gerúndio
...................................................................................................................................... 232
11
5.3.1.2.1 Contextos com o “se” indeterminador/apassivador em sentenças com o verbo
principal no gerúndio ................................................................................................... 232
5.3.1.2.2 Contextos com o “se” reflexivo/inerente em sentenças com o verbo principal
no gerúndio .................................................................................................................. 234
5.3.1.2.3 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal no
gerúndio ....................................................................................................................... 235
5.3.1.3 Contextos com o “se” em sentenças com o verbo principal no particípio
...................................................................................................................................... 243
5.3.1.3.1 Contextos com o “se” indeterminador/apassivador em sentenças com o verbo
principal no particípio .................................................................................................. 243
5.3.1.3.2 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal no
particípio ...................................................................................................................... 237
5.3.2 Análise dos questionários: segundo teste ........................................................... 238
5.3.2.1 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” em sentenças com o verbo
principal no infinitivo .................................................................................................. 239
5.3.2.1.1 Teste do preenchimento com o “se” indeterminador/apassivador em sentenças
com o verbo principal no infinitivo ............................................................................. 239
5.3.2.1.2 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” reflexivo/inerente em sentenças
com o verbo principal no infinitivo ............................................................................. 241
5.3.2.1.3 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal no
infinitivo: preenchimento de lacunas ........................................................................... 242
5.3.2.2 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” em sentenças com o verbo
principal no gerúndio ................................................................................................... 243
5.3.2.2.1 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” reflexivo/inerente em sentenças
com o verbo principal no gerúndio .............................................................................. 243
5.3.2.2.2 Sistematização dos resultados do teste do preenchimento de lacunas com o
“se” em sentenças com o verbo principal no gerúndio ................................................ 244
5.3.2.3 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” em sentenças com o verbo
principal no particípio .................................................................................................. 244
5.3.2.3.1 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” indeterminador/apassivador em
sentenças com o verbo principal no particípio ............................................................ 244
5.3.2.3.2 Sistematização dos resultados do teste do preenchimento de lacunas com o
“se” em sentenças com o verbo principal no particípio ............................................... 246
12
5.3.3 Análise dos questionários: terceiro teste ............................................................ 246
5.3.3.1 Análise dos contextos produzidos livremente por falantes brasileiros............. 246
5.3.3.2 Análise dos contextos produzidos livremente por falantes portugueses ......... 248
5.3.3.3 Sistematização dos resultados dos contextos produzidos livremente por
brasileiros e portugueses .............................................................................................. 249
6. CONTRASTE ENTRE OS PADRÕES DE COLOCAÇÃO DO “SE” EM
COMPLEXOS VERBAIS NAS ESCRITAS BRASILEIRA E EUROPEIA ............. 250
6.1 Comparação entre os padrões de colocação do “se” em complexos verbais nas
escritas brasileira e europeia......................................................................................... 250
6.1.1 Comparação entre a distribuição do “se” com VP no infinitivo nas amostras
brasileira e europeia ..................................................................................................... 253
6.1.1.1 A ordem do “se” indeterminador/apassivador com VP no infinitivo nas duas
amostras ....................................................................................................................... 253
6.1.1.2 A ordem do “se” reflexivo/inerente com VP no infinitivo nas duas amostras
...................................................................................................................................... 256
6.1.2 A ordem do “se” indeterminador/apassivador e do reflexivo/inerente com VP no
gerúndio nas duas amostras ......................................................................................... 258
6.1.3 A ordem “se” indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente com VP no
particípio nas duas amostras ........................................................................................ 259
6.2 Comparação entre as respostas aos questionários por parte de brasileiros e
portugueses .................................................................................................................. 260
7. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 262
8. ANEXO ................................................................................................................... 273
9 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 281
13
1. INTRODUÇÃO
A ordem do clítico “se” em estruturas com complexos verbais com base na
modalidade escrita da língua portuguesa do Brasil e de Portugal configura o objeto de
estudo central desta pesquisa. Para a investigação, utilizaram-se textos dos gêneros
editoriais, notícias e anúncios produzidos em jornais nos séculos XIX e XX. Por meio
de uma abordagem diacrônica que compreende o referido período, o estudo segue a
linha da Teoria da Variação Laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968,
doravante WLH; LABOV, 1972, 1994), ocupando-se de todas as etapas da pesquisa
sociolinguística, desde a coleta de dados até a análise estatística e interpretação dos
resultados (cf. Metodologia). Adicionalmente, a investigação vale-se de questionários
aplicados a brasileiros e portugueses, para aferir a natureza variável do fenômeno, nos
dias atuais, consoante a interpretação dos próprios falantes.
As quatro variantes que compõem a variável dependente investigada (a ser
posteriormente detalhada) são as seguintes: próclise a V11 (cl V1 V2, ex.: se pode
respeitar), ênclise a V1 (V1-cl V2, ex.: pode-se2 respeitar), próclise a V2 (V1 cl V2,
ex.: pode se respeitar) e ênclise a V2 (V1 V2-cl, ex.: pode respeitar-se). Por hipótese, a
variedade europeia não registraria casos de próclise a V2, já que essa não seria – conforme
testemunham os estudos anteriores sobre o tema (cf. Revisão bibliográfica) e as próprias
gramáticas descritivas portuguesas (cf. MATEUS et alii, 2003) – pertencente ao Português
Europeu. Dessa forma, haveria quatro variantes possíveis na amostra brasileira, enquanto, na
europeia, as variantes se reduziriam a três.
Em pesquisa anterior a esta, que resultou na dissertação de mestrado de NUNES
(2009), considerando o comportamento de todos os clíticos em estruturas verbais
complexas em amostras brasileira e europeia dos séculos XIX e XX, verificou-se, na
escrita produzida no Brasil, além de casos de próclise a V2, em crescimento nos textos
no decorrer do século XX, o uso das demais variantes, em frequência distinta a
depender do período sob análise. No período de transição entre os séculos XIX e XX,
registrou-se, por exemplo, um aumento no uso da variante proclítica a V1, o que
representaria, conforme proposta de PAGOTTO (1992), uma evidência de reprodução
1
Considera-se V1 o verbo (semi)auxiliar do chamado complexo verbal, que é a construção de dois ou
mais verbos com algum nível de dependência sintático-semântica. Utiliza-se a sigla V2 para o verbo
principal. O conceito e a delimitação do que é complexo verbal, nesta pesquisa, será apresentado na
Fundamentação teórica (Capítulo 3).
2
As questões da possível ambiguidade entre as variantes ênclise a V1 e próclise a V2, bem como a do
hífen ligado a V1, serão apresentadas e discutidas na Metodologia (Capítulo 4).
14
do padrão europeu na escrita brasileira, o qual serviu de modelo para a instituição da
norma gramatical brasileira. Sendo assim, parte-se do pressuposto de que o fenômeno
pesquisado revela, de forma emblemática, acima de tudo, o comportamento das normas
de uso brasileiras e europeias no que se concebe como padrão culto escrito.
Após a observação de diversas pesquisas (cf. Revisão bibliográfica) a respeito da
colocação pronominal na língua portuguesa em construções com complexos verbais,
avaliou-se que os resultados gerais apresentados não pareciam suficientes para dar conta
de toda a descrição linguística do fenômeno, especialmente no que se refere à forma
pronominal “se”.
Em nível diacrônico, embora se encontrem variadas investigações da ordem dos
clíticos, é preciso salientar que nem todas se dedicaram à colocação em estruturas
verbais complexas e nenhuma das investigações consultadas realizou uma análise
empírica aprofundada sobre a trajetória percorrida por cada forma pronominal, em
separado, o que acaba por fazer crer que os padrões de mudança detectados se
aplicariam igualmente ou de forma semelhante a todos os clíticos. A esse respeito, cabe
salientar que há trabalhos que nem sequer individualizam a coleta de dados consoante às
funções do “se” e as possíveis implicações para a ordem pronominal.
É nesse sentido que a presente pesquisa busca verificar se os padrões de ordem
dos clíticos já atestados se manifestam indistintamente também no caso do clítico “se”
em suas diversas funções. Dos estudos diacrônicos ou de sincronias passadas tomados
como referência (cf. PAGOTTO, 1992; MARTINS, 1994; CYRINO, 1996; LOBO,
2001; SCHEI, 2003; GALVES, BRITO & PAIXÃO DE SOUZA, 2005 – doravante
GBPS –; NUNES, 2009, MARTINS, 2009; CASSIMIRO, 2010), pode-se propor que as
estruturas com “se”, consoante às funções de apassivador, indeterminador e
reflexivo/inerente, podem concretizar opções diferenciadas de colocação; essas opções
também acarretam implicações para a aproximação ou o distanciamento entre as normas
escritas brasileira e europeia. Resumidamente, os resultados encontrados nas obras
supracitadas revelaram que a colocação do “se” na escrita lusitana tendia a figurar
primordialmente em função dos condicionamentos morfossintáticos da chamada atração
pronominal; de outro lado, notou-se que a ordem do clítico em questão na escrita
brasileira parecia estar relacionada também aos condicionamentos morfossintáticos, mas
de forma especialmente sensível ao tipo de “se”.
15
Do ponto de vista sincrônico, pode-se compreender que o processo de mudanças
por que a língua portuguesa vem passando ao longo dos séculos resultou em nítidas
diferenças no Português do Brasil (PB) e no Português Europeu (PE). Dessa forma,
quanto à ordem do “se”, postula-se que essas diferenças sejam verificadas tanto no uso
quanto na avaliação/interpretação do falante a respeito das estruturas. Não se tem
conhecimento de pesquisas que atestem a interpretação do falante a respeito da
colocação do “se” em complexos verbais na língua portuguesa. Dessa forma, o presente
estudo, ainda que em uma instância preliminar, propõe-se a discutir, em uma segunda
frente de trabalho, as intuições de falantes a respeito do fenômeno analisado, a partir de
questionários submetidos a brasileiros e europeus. O objetivo central da realização desse
outro tipo de análise é o de avaliar se os falantes ainda reconhecem determinadas
posições do clítico “se” em diferentes estruturas como aceitáveis na variedade que
praticam. Em outras palavras, investiga-se se o efeito da mudança dos padrões de
colocação pronominal teria abalado o próprio estatuto variável da ordem do “se” em
complexos verbais.
Em síntese, por meio da observação de dados escritos em editoriais, notícias e
anúncios dos séculos XIX e XX, será possível acompanhar, sobretudo, a evolução dos
padrões cultos escritos praticados quanto à ordem do clítico “se” em complexos verbais.
Além disso, a pesquisa, contemplando a avaliação subjetiva de falantes brasileiros e
portugueses quanto a construções alternantes da ordem do clítico “se” nos dias atuais,
busca trazer contribuições quanto ao impacto da mudança no reconhecimento de cada
construção como natural/aceitável.
Com base na perspectiva diacrônica, cumpre salientar que o questionamento
central desta pesquisa, de natureza assumidamente sociolinguística, se relaciona ao fato
de se investigar se os textos brasileiros e europeus apresentam a mesma trajetória para
cada tipo de “se” em complexos verbais, ao longo dos séculos XIX e XX. Até hoje,
permanece evidente que, embora o chamado Português do Brasil e o Português Europeu
concretizem na fala vernacular, a naturalmente adquirida, padrões distintos de colocação
em geral, a escrita concretiza padrões muito diferentes da fala, o que aproxima e, em
algumas construções, até iguala os textos brasileiros e europeus. Desse modo, os
resultados
apresentados
sempre
estarão
vinculados
fundamentalmente
ao
comportamento da norma em cada subamostra, a dos textos brasileiros e a dos textos
europeus, e não ao da gramática vernacular do PB e do PE como um todo.
16
Sem dúvida, embora não constitua objetivo da pesquisa propor generalizações
acerca
da
mudança
gramatical,
entendida
como
alteração
paramétrica
(cf.
CHOMSKY,1995), supõe-se que a evolução do fenômeno quanto aos padrões cultos
escritos possa refletir, ainda que timidamente em algumas estruturas, padrões de
mudança gramatical. A título de ilustração, supõe-se que a ausência de determinada
construção, mediante um número significativo de ocorrências, possa ser, por exemplo,
um indício de que não pertença àquela variedade a estrutura em questão. Ocorre que as
generalizações acerca do que estaria ocorrendo na gramática vernacular da época, que
sempre precisam ser muito cuidadosas, resultam usualmente da soma de resultados de
pesquisas em diversos corpora, que contemplem gêneros textuais diversos quanto aos
graus de formalidade empregados, bem como quanto à representatividade de variedades
linguísticas, mais ou menos cultas/populares.
Assim, as questões da investigação variacionista sobre a colocação pronominal
do “se” em complexos verbais podem ser formuladas da seguinte forma:
a) Os textos brasileiros e europeus apresentam uma mesma trajetória para cada
tipo de “se” em complexos verbais, ao longo dos séculos XIX e XX?
b) Em que se assemelham e/ou se diferenciam as amostras quanto à colocação
pronominal das construções com a forma pronominal “se”?
c) A observação dos dados dos séculos XIX e XX do Português revela, em cada
amostra, uma manutenção e/ou alteração do padrão culto escrito consoante
cada tipo de “se”?
d) Os padrões detectados nos textos escritos refletem a mudança linguística em
direção ao que outros estudos, que se ocupam da variação paramétrica ou da
competição de gramáticas, propõem ser o parâmetro brasileiro de colocação
pronominal (PB vernacular), diferentemente do que se concebe como
parâmetro europeu de colocação?
Se confirmado que os diferentes tipos de “se” apresentam histórias distintas
quanto à colocação, interessa averiguar de que maneira isso se dá em cada amostra
linguística do português. Se atestada, ainda, a existência da regra variável nas duas
amostras, investiga-se qual(is) e de que maneira as variáveis independentes
estabelecidas para esta pesquisa podem influenciar na posição do “se” em suas
diferentes funções.
17
Com base na análise dos questionários de avaliação linguística, é necessário
identificar se há diferenças significativas na avaliação dos enunciados por parte de
brasileiros e portugueses, no que tange à colocação do “se” e, ainda, se o tipo de “se”
costuma condicionar determinada posição do clítico. Desse modo, podem-se formular
duas questões:
a) Existem diferenças relevantes na aceitação/compreensão de um mesmo
enunciado por parte de brasileiros e portugueses, conforme atestam as
respostas dos questionários?
b) A função do “se” leva brasileiros e europeus a realizarem, intuitivamente,
escolhas distintas nas respostas aos questionários aplicados?
Em relação à formulação das hipóteses gerais para a pesquisa, os estudos
anteriores já mencionados observaram que o século XX demonstra ser uma época
importante para que se ateste, de forma mais clara, a implementação dos indícios de
mudança linguística que se refletem nos padrões da escrita brasileira. Postula-se, com
isso, que, nas décadas finais desse século, se tornaria evidente no Brasil um padrão
diferente do europeu, ainda que sutil em alguns contextos, por se tratar da modalidade
escrita.
A descrição da totalidade dos dados em termos diacrônicos, que apresentará
toda a trajetória do fenômeno no período em análise, evidenciaria, de um lado, uma
aproximação da escrita brasileira com a europeia, especialmente em fins do século XIX
(cf. PAGOTTO, 1998), e, de outro, um forte distanciamento em fins do século XX. A
escrita brasileira, na transição de um século para outro, tenderia a reproduzir padrões
europeus, como o uso da variante proclítica a V1 ou enclítica a V2. Por outro lado, a
amostra brasileira apresentaria padrão distinto do verificado na europeia a partir das
primeiras décadas do século XX, especialmente a partir da década de 30, época em que
o Modernismo surge no Brasil, tendo como consequência a busca por uma identidade
nacional, o que se refletiria na escrita da imprensa. Como resultado, a variante proclítica
a V2, ainda tímida na escrita do Brasil no século XIX, tenderia a ser um pouco mais
produtiva nos textos brasileiros, enquanto a colocação pronominal em Portugal estaria
sempre relacionada a motivações estruturais bem definidas, como, por exemplo, o
emprego da variante proclítica a V1 diante da presença de um “proclisador”.
18
Supõe-se que a diferença de padrão entre a escrita produzida no Brasil e em
Portugal apresentaria comportamento particular em função do tipo de “se”.
Especialmente quando se tratar do “se” reflexivo/inerente, diferentemente do que ocorre
em Portugal, na variedade brasileira tenderia a se adjungir procliticamente a V2, o verbo
que lhe confere papel semântico. Já o “se” indeterminador tenderia a se posicionar
adjacente a V1 (especialmente quando se tratar de um modal, como no exemplo “devese dormir cedo”). Quanto ao “se” apassivador, a tendência seria semelhante ao
comportamento do indeterminador. Se as hipóteses se confirmarem, os resultados
permitirão propor que a colocação do “se” indeterminador, em vez de evidenciar
alguma mudança entre a escrita brasileira e a europeia, demonstraria um comportamento
semelhante nas duas variedades e períodos investigados, de modo que a alteração dos
padrões de colocação no Brasil e em Portugal (que, nesse caso, refletiriam as mudanças
gramaticais gerais, de que o Brasil assumiria a próclise ao verbo principal) só seria
observável efetivamente no caso do “se” reflexivo/inerente ligado tematicamente a V2.
Postula-se, ainda, que os resultados da interpretação do falante em relação às
estruturas avaliadas nos testes corroborariam a ideia de que o brasileiro teria uma
aceitação e uma compreensão de determinadas construções distintas das de um
português. A título de ilustração, supõe-se que, ao se deparar com um enunciado do tipo
“Deve-se dirigir...” e “Deve dirigir-se ...”, por exemplo, um brasileiro faria distintas
interpretações: o primeiro “se”, com função de indeterminador, estaria ligado
preferencialmente ao verbo auxiliar, e dirigir teria o sentido de “guiar um carro, por
exemplo”, enquanto o segundo “se”, com função reflexiva/inerente, ligado às
adjacências do verbo principal, receberia a interpretação de “encaminhar-se a algum
lugar”. Assim, imagina-se que a posição do clítico estaria condicionada, fortemente, à
função que ele exerce no contexto. Não se cogita que as mesmas leituras diferenciadas
ocorram em Portugal que, associando seu padrão de colocação dos clíticos sobretudo
aos contextos de “atração” pronominal, atribuiria a cada construção as duas
possibilidades de leitura.
Em termos de estruturação do presente texto, a tese subdivide-se em sete
capítulos, incluindo-se este primeiro de introdução. O capítulo dois trata da revisão
bibliográfica, que se ocupa do levantamento das diversas obras de estudiosos que, de
maneira direta ou indireta, retratam algum tema relacionado ao fenômeno da colocação
19
pronominal na língua portuguesa em lexias verbais simples ou complexas, e, ainda, de
algumas descrições em manuais gramaticais. O terceiro capítulo apresenta a
fundamentação teórica que norteia os pressupostos relacionados ao tema da investigação
e ainda os referentes à Sociolinguística Variacionista. Já o capítulo quatro descreve não
só os procedimentos adotados nas etapas da investigação variacionista da tese, que
contempla desde a coleta de dados até a tomada de decisões para a codificação e
recodificação dos dados, passando pela apresentação das variáveis independentes
linguísticas e extralinguísticas estabelecidas para a observação do fenômeno, mas
também as medidas adotadas quanto à aplicação dos questionários de avaliação
linguística. O quinto capítulo trata da análise dos resultados, além de trazer o debate,
sempre que possível, do contraste entre as variedades brasileira e europeia, pelo viés da
colocação do “se” em complexos verbais ao longo dos séculos XIX e XX. O capítulo
cinco apresenta, ainda, a análise dos questionários dos falantes brasileiros e europeus, a
partir do levantamento das suas interpretações a respeito das construções verbais
complexas com os diferentes tipos de “se”. Tendo em vista a necessidade de sintetizar
os resultados das amostras e apresentá-los comparativamente, apresenta-se o capítulo
seis com o contraste entre as análises realizadas, a partir da apreciação comparativa do
fenômeno nas duas variedades e período de tempo contemplados. Por fim, cabe ao
capítulo sete encerrar a tese com as considerações finais do trabalho.
20
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 Apresentação geral das fontes consultadas
A colocação pronominal é assumidamente um dos fenômenos morfossintáticos
que mais marcam a diferença entre o Português do Brasil e o Português Europeu,
motivo pelo qual vários trabalhos científicos se ocupam do assunto, cada qual
assumindo procedimentos teórico-metodológicos específicos. Alguns tomam por base a
colocação pronominal apenas em lexias verbais simples, enquanto outros em complexos
verbais, com análises de natureza sincrônica e/ou diacrônica. Quanto aos corpora que
costumam servir de objeto para análise, alguns estudos consideram apenas a variedade
brasileira do português, enquanto outros consideram a variedade europeia, sem contar
os poucos que se ocupam das variedades africanas.
Tendo em vista a extensão dos resultados oferecidos por esses estudos,
destacam-se, neste capítulo, as tendências gerais que interessam diretamente à análise
da presente pesquisa: a perspectiva diacrônica na observação da colocação pronominal
em estruturas com complexos verbais em dados da modalidade escrita, que contemplem
tanto a variedade brasileira quanto a variedade europeia do Português. Sempre que
possível, será dado destaque à colocação pronominal por tipo de clítico e, mais
especificamente, por tipo de “se”, já que esta forma pronominal constitui o foco da
presente investigação. Por vezes, recorrer-se-á, ainda, a resultados tangenciais ao tema
desta pesquisa, como os apresentados por meio de investigações que analisam a
colocação pronominal em lexias verbais simples, sob perspectivas sincrônicas e até
mesmo com base em corpus da oralidade.
Em função da oferta de cada trabalho, os resultados por contexto morfossintático
de ordenação dos clíticos também ocupam seu espaço de importância, para que se ateste
a possível interinfluência da presença ou ausência de elementos “proclisadores”. Além
disso, eventualmente pode-se recorrer a diferentes aspectos para ilustrar outros
resultados importantes, que se relacionem indiretamente a este estudo. A título de
sistematização, segue um quadro de orientação sobre o objeto de cada trabalho
estudado:
21
Fontes
Pagotto
(1992)
Cyrino
(1996)
Lobo
(2001)
Vieira
(2002)
Schei
(2003)
GBPS
(2005)
Carneiro
(2005)
Nunes
(2009)
Martins
(2009)
Cassimiro
(2010)
Rodrigues
Coelho
(2011)
Vieira, F.
(2011)
Corrêa
(2012)
Estrutura
analisada
Lexias
verbais
simples e
complexas
Lexias
verbais
simples e
complexas
Lexias
verbais
simples e
complexas
Lexias
verbais
simples e
complexas
Lexias
verbais
simples e
complexas
Apenas lexias
verbais
simples
Lexias
verbais
simples e
complexas
Apenas lexias
verbais
complexas
Lexias
verbais
simples e
complexas
Apenas lexias
verbais
complexas
Apenas lexias
verbais
complexas
Lexias
verbais
simples e
complexas
Apenas lexias
verbais
complexas
Abordagem
cronológica
Diacrônica
(séculos XVI-XX)
Amostra
Origem dos dados
Brasileira3
Diversos
(documentos em
geral)
Diacrônica
(séculos XVIII-XX)
Brasileira
Peças teatrais
Sincrônica
(século XIX)
Brasileira
Cartas particulares
Sincrônica
(século XX)
Brasileira,
europeia e
moçambicana
Editoriais, crônicas e
notícias
Sincrônica (fim do
século XX)
Brasileira e
europeia
Romances
Diacrônica
(séculos XVI-XIX)
Português
clássico
Romances
Diacrônica
(séculos XIX e XX)
Português do
Brasil
Cartas
Diacrônica
(séculos XIX e XX)
Brasileira e
europeia
Anúncios, editoriais e
notícias
Diacrônica
(séculos XIX e XX)
Brasileira e
europeia
Peças teatrais
Diacrônica
(séculos XIX e XX)
Brasileira e
europeia
Romances
Sincrônica
(fim do século XX)
Brasileira
Redações escolares
Sincrônica
(fim do século XX)
Europeia
Entrevistas do Projeto
CORDIAL-SIN
Sincrônica
(fim do século XX)
Brasileira
Entrevistas do Projeto
VARPORT
Quadro 1: Apresentação resumida dos trabalhos utilizados na revisão bibliográfica da tese acerca do tema
da colocação pronominal na língua portuguesa
3
Na realidade, trata-se de textos publicados nos séculos XVI e XVII produzidos por europeus residentes
no Brasil.
22
Com a diversidade de material à disposição acerca do assunto, procede-se à
apresentação dos principais pontos de cada obra. Dessa forma, os trabalhos diacrônicos
serão apresentados primeiramente, sempre que possível, com o foco nas análises das
estruturas verbais complexas. Posteriormente, as pesquisas sincrônicas serão abordadas.
2.2 Pesquisas diacrônicas
PAGOTTO (1992) apresenta a análise variacionista de natureza diacrônica da
colocação pronominal, em textos produzidos por europeus recém-chegados ao Brasil a
partir do século XVI, tanto em lexias verbais simples quanto em complexos verbais, a
que se teve acesso. A fim de representar a ordem dos clíticos e as possíveis influências
morfossintáticas exclusivamente em estruturas com dois verbos ou mais, os resultados
serão sintetizados aqui a partir dos percentuais obtidos para cada variante tendo em
conta as construções sem a presença de “atratores” e aquelas com a presença de
“atratores”, o que poderá ser visualizado por meio dos gráficos adiante.
No tratamento das lexias verbais simples, o autor opta por isolar dados de
construções gerundivas e infinitivas para análise à parte e, primeiramente, sistematiza os
resultados com as construções com tempo finito. Na análise dos complexos verbais,
considera separadamente cada construção de acordo com a forma nominal de V2.
Pagotto isola os dados em contexto de início absoluto de oração. Assim, alerta que os
resultados são sensíveis à posição que a estrutura verbal complexa ocupa na sentença. O
autor separou, também, os dados que são precedidos de advérbios ou elementos de
negação para análise.
Apresenta-se, a seguir, um gráfico com os resultados da colocação pronominal
em contextos sem “atração”, desconsiderando-se os dados de início absoluto de oração.
23
100%
90%
80%
70%
60%
Cl-V1 V2
50%
V1-cl V2
40%
V1 cl-V2
30%
V1 V2-cl
20%
10%
0%
sec. sec. sec. sec.
sec. sec. sec. sec. sec. XX sec.
XVI a XVI b XVII a XVII b XVIII a XVIII b XIX a XIX b
a
XX b
Gráfico 1. Distribuição dos dados da colocação pronominal no Português em complexos verbais
em contexto sem “atrator” segundo PAGOTTO (1992)
Observa-se que, em contextos sem a presença de um elemento considerado
“atrator”, a variante cl V1 V2 sofre uma brusca queda a partir de meados do século XIX
até desaparecer no início do século XX, na amostra. Enquanto isso, há indícios de que a
variante proclítica ao segundo verbo já se mostraria presente a partir do século XVIII,
com forte aumento a partir da segunda metade do século XIX, o que se confirma sobre a
variedade brasileira em outros estudos, como o de NUNES (2009), a ser apresentado
ainda nesta seção.
Outro resultado bastante relevante diz respeito à variante V1 V2-cl, que
começou a aparecer no corpus a partir do século XVIII e sofre uma importante queda no
primeiro período do século XIX. Após esta fase, a variante ascende até atingir índice
próximo aos 60% no início do século XX. Depois do período em questão, sofre uma
relevante queda. Ao que parece, com o aumento do uso da variante inovadora, a
proclítica ao segundo verbo, após a segunda metade do século XX, as demais variantes
tenderam a diminuir significativamente.
Quanto aos contextos com presença de “atrator”, ilustram-se os resultados a
partir do seguinte gráfico:
24
100%
90%
80%
70%
60%
Cl-V1 V2
50%
V1-cl V2
40%
V1 cl-V2
30%
V1 V2-cl
20%
10%
0%
sec. XVI sec. XVI sec.
a
b
XVII a
sec.
sec.
sec. sec. XIX sec. XIX sec. XX sec. XX
XVII b XVIII a XVIII b
a
b
a
b
Gráfico 2: Distribuição da colocação pronominal no Português em complexos verbais diante de contexto
com elemento “atrator” segundo PAGOTTO (2002)
É interessante observar que, diante da presença de um elemento “atrator”, a
diferença expressa na análise diacrônica torna-se ainda mais evidente. A variante préCV mantém índices próximos aos 100% até a segunda metade do século XIX. Na
transição do século XIX para o século XX, considerada uma época importante para o
estabelecimento da norma brasileira (cf. PAGOTTO, 1998, no artigo intitulado “Norma
e condescendência: ciência e pureza”), mas ainda com muita influência europeia, há
uma oscilação entre os 80% e 90% da colocação proclítica a V1. A partir do início do
século XX, registra-se uma queda vertiginosa da variante em questão, mesmo diante da
presença de elemento “atrator”.
Nos dados dos séculos XVI a XVIII, o clítico figura prioritariamente na posição
proclítica ao verbo auxiliar. No século XIX, permanece a mesma preferência, mas com
menor frequência. No entanto, é interessante notar que a variante proclítica a V2 agrega
altos índices no século XX, figurando em 67% dos dados. Nenhum caso de ênclise a V1
foi registrado nessa época.
A partir da segunda metade do século XIX, destaca-se o fato de a variante
proclítica ao segundo verbo apresentar relevante aumento de seus índices, chegando à
marca de 70 pontos percentuais ao final do século XX. Ainda perseguindo explicações
para os resultados, Pagotto apresenta dados distribuídos por tipo de “se”, a partir dos
seguintes tipos: “se” tema, “se” apassivador, “se” pronominal e “se” indeterminador. O
25
autor notou certa peculiaridade no clítico “se”, apesar de não ter se aprofundado na
questão, mas declarou, a respeito da mudança a partir do século XVIII, que seria o
“período em que a turbulência se manifestou na língua”: “Teria ela começado pelos
clíticos ‘se’ e ‘me’?” (p.118). Apesar de poucos dados, a análise revela resultados
importantes.
Considerando-se o período que compreende os séculos XVI ao XVIII,
registraram-se dados categóricos do apassivador e do indeterminador em posição
proclítica a V1. Já na função de tema e com o “se” pronominal, os dados da variante
proclítica a V1 figuraram em torno de 78%. Houve registro apenas de dois dados em
posição de ênclise a V2. É relevante observar que ocorreu um dado da variante em
próclise a V2 do clítico “se” pronominal (inerente) na amostra do século XVI a XVIII.
Embora se trate de apenas um dado, resultado semelhante foi observado em NUNES
(2009) a respeito da colocação pronominal nos séculos XIX e XX. Supõe-se, assim,
segundo Pagotto, que “a mudança teria se iniciado com clíticos tematicamente ligados
ao verbo, especialmente aqueles extremamente ligados, como é o caso dos clíticos que
aparecem nos chamados verbos pronominais” (p. 119). Ainda que em uma amostra
pequena, Nunes expõe que os dados de “se” pronominal na fase final do século XX
(1975-2000) figuraram categoricamente em próclise a V2, na escrita brasileira.
Outro trabalho diacrônico de suma importância para o conhecimento da ordem
dos clíticos pronominais na língua portuguesa é a tese de doutorado desenvolvida por
MARTINS (1994), com dados produzidos em textos portugueses, que foram
segmentados em dois períodos: do século XIII ao XVI, que conta com documentos não
literários (notariais), e do século XVI aos dias atuais, que se vale de documentos
literários.
MARTINS (1994, p. 267) relata que, em lexias verbais simples – nas orações
não dependentes afirmativas e não introduzidas por quantificadores, advérbios,
sintagmas qu- ou focalizadores –, no período que compreende o século XIII ao século
XIX, incluindo, então, o que a autora chama de Português Medieval e Clássico, os
clíticos podiam antepor-se ou pospor-se ao verbo, excetuando-se os dados de contexto
de início absoluto de oração. No Português Europeu atual, o estudo demonstra que o
pronome átono necessariamente se pospõe nesses contextos. Como um panorama da
trajetória da colocação do clítico ao longo dos séculos, a autora registra que, no século
26
XIII, havia preferência pela ênclise e, progressivamente, no século XVI, a próclise passa
a ser privilegiada nos contextos morfossintáticos supracitados. Em orações
subordinadas, os clíticos, assim como no PE atual, eram necessariamente pré-verbais.
Entre os séculos XVII e XIX, registra-se, ao contrário, um forte decréscimo da
colocação proclítica e, consequente aumento da variante pós-verbal. A evolução
destacada apresenta caráter lento e gradual registrado ao longo de séculos de alterações.
A única passagem em que se registra uma mudança mais rápida é a referente à transição
do século XVI para o XVII. Inicialmente, observa-se a próclise entre 70% e 100% de
uso, excetuando-se os contextos de início absoluto de oração e, no século XVII, nota-se
um declínio para 30% do seu emprego. Dessa forma, constata-se uma mudança na
sintaxe do clítico a partir do século XVII, época em que se verifica, também, a perda da
interpolação de constituintes entre clítico e verbo, com exceção do “não”.
Observaram-se, de acordo com MARTINS (1994), várias ocorrências, do século
XIII ao XVI, em que clítico e verbo figuram separados por qualquer constituinte a eles
interpolado, enquanto, no PE atual, os pronomes átonos ocorrem essencialmente
adjacentes à forma verbal. A partir do século XVII, a generalização do fenômeno,
comum no período anterior, desaparece e dá lugar, de acordo com a autora, apenas ao
termo “não” como possível “interpolador” no PE até os “dias atuais”, e apenas em
determinados contextos.
Na seção da tese que trata especificamente do comportamento do clítico em
complexos verbais no corpus do século XIII ao XVI, contemplam-se as construções
representadas pelos auxiliares (na concepção tradicional das gramáticas de Língua
Portuguesa) modais: dever (a/de), poder, haver a/de (no sentido de estar obrigado a),
aspectuais: começar a/de, tornar a, soer a/de e temporais ir, vir (a), haver de +
infinitivo. Saliente-se, então, que o estudo de Martins (1994) não oferece resultados
relativos às formas participiais e gerundivas, já que, segundo adverte, não há variação
na colocação dos clíticos e, por isso, a variável tipo de verbo principal não foi
considerada.
A autora advoga que normalmente os clíticos se ligam ao verbo auxiliar, e não
ao verbo no infinitivo. Apenas quando o auxiliar está elíptico, por ser idêntico ao da
oração precedente, o clítico ocorre necessariamente adjacente ao infinitivo. Em
situações “normais” de ligação do clítico ao auxiliar, a colocação pronominal mostra-se
semelhante à distribuição em lexias verbais simples. A anteposição, então, manifesta-se
27
obrigatoriamente em orações subordinadas finitas, orações negativas, orações
subordinadas finitas introduzidas por certas preposições (pera – séculos XV e XVI –,
de, sem), e orações principais afirmativas introduzidas pelo advérbio “asy”. Em orações
não-dependentes, o clítico pode antepor-se ou pospor-se ao verbo auxiliar, nas mesmas
condições dos contextos previstos para as lexias verbais simples. Dessa forma, a ênclise
ao verbo auxiliar é predominante no século XIII. Passa a haver um equilíbrio entre
próclise e ênclise no século XIV e, nos séculos XV e XVI, a próclise torna-se
dominante.
Registram-se 16 dados de clíticos em ênclise ao verbo auxiliar. Detectam-se os
contextos em que figuram tais construções, a saber: (i) quando há preposição dentro do
complexo verbal; esta sempre separa o clítico do infinitivo, segundo Martins; (ii)
quando há advérbio interveniente; este pode separar o grupo “auxiliar+clítico” do
infinitivo; (iii) quando há contração entre os clíticos “o, a(s)” e uma forma verbal
terminada em –s ou em vogal nasal, o que gera “uma cliticização fonologicamente
visível ao auxiliar” (p.152).
A autora destaca algumas construções de verbo principal precedendo verbo
auxiliar encontradas no corpus; trata-se de estruturas em que V1 e V2 estariam em
posições inversas, trocadas. Nesses casos, o clítico figura preferencialmente à esquerda
dos dois verbos (cl Vp. Vaux.), como demonstra o seguinte exemplo extraído do
trabalho (p. 153): em testemonho desto mãdey asy fazer huu strometo A adicta lionor
gomez e mais se cõprir o mais firme que se fazer poder e tal auto [NO, 1407]).
O clítico é registrado, também, entre o infinitivo e o Vaux., em dado que suscita
dúvida quanto à ligação do clítico: se proclítico ao auxiliar ou enclítico ao infinitivo.
Observe-se o exemplo disponível no trabalho em exposição (p. 153): o quall cassall lhe
asi emprazou (...) asy e per aquella guyssa que ao dicto moesteiro pertence e de
derreito pertencer lhe deue (NO, 1513). Segundo a autora, a ocorrência “e assi
conhocer non vos podia (Ogando 1980:269)” (p. 153) romperia com esse
questionamento, já que, através dela, se torna evidente a ligação do clítico ao auxiliar.
Embora Martins não mencione, pode-se observar, nesse dado, a partícula de negação,
típico proclisador, precedendo o átono vos.
Por fim, a autora apresenta a possível cliticização após a forma infinitiva (pelo
menos quando este figura em posição habitual – depois do verbo auxiliar), que
28
configura uma pequena parte do corpus. Registraram-se apenas 5 ocorrências dentre as
106 analisadas, como no seguinte exemplo: o que non for / veervos (Ogando 1980:271).
Sintetizando a análise apresentada a respeito das ocorrências de complexos
verbais, do período entre os séculos XIII e XVI, observa-se que os clíticos se adjungem
preferencialmente a v1, sendo raras as ocorrências de ligação enclítica a v2. Até mesmo
quando o infinitivo figura anteposto, verifica-se a cliticização preferencialmente ao
verbo auxiliar.
Na seção que trata das mudanças posteriores ao século XVI, a autora não
apresenta resultados concernentes a dados de complexos verbais, o que faz supor que
tais construções não foram contempladas no período do século XVI ao XX.
Por meio de uma análise que leva em consideração a colocação pronominal em
estruturas verbais simples e complexas, CYRINO (1996) apresenta seus resultados
diacrônicos em relação a dados de peças teatrais produzidas nos séculos XVIII, XIX e
XX. Além da colocação pronominal, a autora observa também o preenchimento do
objeto nulo; entretanto, tal análise não será apresentada aqui por não se inserir nos
limites desta tese.
Considerando-se os resultados do século XVIII, a autora chama atenção para o
fenômeno denominado subida de clítico, ou seja, a possibilidade de um clítico, que é
argumento do segundo verbo, “subir” e se cliticizar ao auxiliar, seja em próclise seja em
ênclise a ele. Em alguns casos, o clítico pode subir até ultrapassar o limite esperado da
ordem dos pronomes e se estabelecer numa posição acima até mesmo da partícula
negativa da sentença, interpolado entre um SN sujeito, por exemplo, e a partícula “não”
(ex.: João o não pode chamar.). Quanto ao emprego das variantes, a ênclise, tanto a V1
quanto a V2, limita-se aos pronomes “o (s)”, “a(s)” diante de infinitivo.
Constata-se, assim, que, no período entre os séculos XVIII ao XX, se deu a
diminuição da ênclise tanto ao verbo principal quanto ao verbo auxiliar e da próclise a
V1, ao passo que aumentou o índice da próclise a V2. A autora generaliza que o clítico
não seria móvel no século XX, mas fixo ao verbo mais baixo do complexo. Além disso,
o clítico tenderia a manter-se à esquerda do verbo principal, mesmo diante de
“atratores” precedendo a estrutura verbal complexa. Um dado interessante é o fato de
que se encontra a próclise a V2 na 1ª metade do século XIX. A partir desse período, a
variante proclítica ao verbo principal, com o passar do tempo, tornou-se a variante
29
preferencial na escrita de peças teatrais, partindo de zero na primeira metade do século
XVIII, chegando ao relevante índice de colocação categórica na segunda metade do
século XX, segundo os dados da autora.
Produziu-se um gráfico para a exposição dos dados supracitados de forma mais
didática, baseando-se exclusivamente nas informações fornecidas no trabalho da autora,
sem os valores absolutos e sem a explicitação das quatro variantes para apresentação
dos resultados. Dessa forma, observam-se os índices somente da próclise ao verbo
principal no período do século XVIII ao século XX, em contexto sem as partículas
“atratoras” (em estrutura matriz) e, posteriormente, outro gráfico com os dados de
próclise a V1 e a V2 diante das partículas ditas atrativas. Entende-se por “atrativas” na
investigação de Cyrino as partículas de negação, sujeito de tipo quantificador e presença
de CP preenchido em que houvesse variação.
V1 cl V2
100%
90%
80%
70%
60%
50%
V1 cl V2
40%
30%
20%
10%
0%
1ª met. Sec. 1ª met. Sec. 2ª met. Sec. 1ª met. Sec. 2ª met. Sec. 2ª met. Sec.
XVIII
XIX
XIX
XX
XXa
XXb
Gráfico 3: Distribuição da próclise ao verbo principal no PB, em estrutura matriz sem “atrator” segundo
CYRINO (1996)
Observa-se o progressivo aumento da variante proclítica a V2 no PB ao longo
dos séculos, conforme tendência apontada em estudos já mencionados nesta tese, ainda
que sem a presença de partículas atrativas, fato que leva a crer que, no século XX, o
clítico não seria mais móvel, independentemente do contexto morfossintático, mas
tenderia a se fixar ao verbo mais baixo do complexo verbal. Na primeira metade do
século XVIII, por exemplo, não há indícios de construções como “João queria lhe
30
falar”. Com o passar do tempo, o pronome proclítico ao verbo principal apresenta forte
aumento até o índice de 100% na segunda metade do século XX, fato interessante, já
que em outras línguas românicas o mesmo não ocorre, segundo observações de Cyrino.
A título de comparação, segue abaixo o gráfico com os resultados da colocação
pronominal em complexos verbais diante de contextos de atração.
100%
90%
80%
70%
60%
Cl-V1 V2
50%
V1 cl V2
40%
30%
20%
10%
0%
1ª met. séc. 1ª met. séc. 2ª met. séc. 1ª met. séc. 2ª met. séc. 2ª met.
XVIII
XIX
XIX
XX
XX a
séc. XX b
Gráfico 4: Distribuição da próclise a V1 e da próclise a V2 diante de contextos sem “atrator” no
Português segundo CYRINO (1996)
O gráfico ilustra claramente o uso inversamente proporcional entre a colocação
da variante proclítica a V1 e a proclítica a V2, isto é, ao passo que a próclise a V1 foi
perdendo força a partir do século XIX, a próclise a V2 assume a posição de variante
preferencial. Segundo os dados da pesquisa de Cyrino, estruturas do tipo “estou lhe
vendo”, “quero lhe falar” e “tinha lhe escrito” ocorrem em todas as épocas analisadas
com exceção da 1ª metade do século XVIII. Por outro lado, construções com ênclise a
V1, do tipo “estou-lhe vendo”, “quero-lhe falar” e “tinha-lhe escrito”, ocorrem em todas
as épocas com exceção da 2ª metade do século XX. Contudo, não se pode detalhar o que
de fato ocorreu em termos numéricos, já que o percentual de ênclise não foi fornecido
no trabalho da autora.
O trabalho de LOBO (2001) ocupa-se da análise da colocação de clíticos
baseando-se em 158 cartas particulares do recôncavo baiano produzidas no século XIX.
31
A autora chama atenção para a composição de diferentes subcategorias de corpus, a
saber: (i) as variedades do português europeu trazidas para o Brasil; (ii) as variedades do
português falado como segunda língua pelos aloglotas; (iii) as variedades do português
do Brasil, que se constituía aos poucos e se dividia em variedades cultas (supostamente
descendentes do português europeu) e variedades populares (supostamente derivadas
das variedades do português adquirido como segunda língua). A constituição dos
corpora (i) e (iii) realizou-se mais facilmente por haver, por razões de ordem
sociocultural, maior registro de material à disposição para análise.
A tese de Lobo explora estruturas com lexias verbais simples e estruturas
complexas com apenas duas formas verbais (estruturas com mais de duas formas
verbais não foram computadas para a análise). Antes, ainda, cabe ressaltar que a divisão
dos tipos de grupos verbais pela autora se dá da seguinte forma: a) complexos verbais
em que o primeiro verbo é um auxiliar temporal, auxiliar modal ou auxiliar aspectual; b)
complexos verbais em que o primeiro verbo é um volitivo ou causativo4; c) construções
passivas.
Para a análise do fenômeno em cartas produzidas por portugueses, conta-se com
103 dados de clíticos pronominais em complexos verbais, distribuídos por 5 variantes
distintas, a saber: cl V1 V2 (ex.: “se devia fazer”); V1-cl V2 (ex.: “Foe-me intregue”);
V1 cl V2 (sem marcas gráficas de hífen ou ligação a V1 – ex.: “vamos nos
rezignando”); V1 V2-cl (ex.: “veio mostrarme”) e V1 x cl V2 (com algum elemento
interveniente na estrutura – ex.: “avia de lha remeter”). A partir dos dados sob análise,
tornou-se possível sistematizar os resultados da distribuição dos dados europeus no
seguinte gráfico:
4
Cabe salientar que, diferentemente de LOBO, ficam de fora desta tese grupos verbais com o primeiro
verbo na função de causativo (deixar, fazer, mandar).
32
100%
80%
60%
cl V1 V2
V1-cl V2
40%
V1 cl V2
20%
V1 V2-cl
V1 x cl V2
0%
Gráfico 5: Distribuição da colocação pronominal no Português do Brasil em formação no século
XIX, em complexos verbais, nas cartas produzidas por portugueses segundo LOBO (2001)
Chama-se atenção para o registro da colocação da variante proclítica a V2 (V1 cl
V2 ou V1 x cl V2), considerada inovadora no PB, e já produzida no século XIX, mesmo
expressa em poucas ocorrências, totalizando 3 dados (sendo um dado sem elementos
intervenientes, do tipo V cl V, e duas ocorrências da variante com algum elemento
interveniente no complexo, do tipo V1 x cl V2). Ainda assim, a preferência pela
variante pré-complexo verbal (cl V1 V2) é computada na escrita do século XIX do
recôncavo bahiano, em quase 62% dos casos, enquanto a variante enclítica a V2 figura
como segunda opção, em 26% das ocorrências, seguida da colocação da ênclise ao
verbo auxiliar em 11% dos dados do corpus.
A autora analisa o ambiente linguístico da colocação dos clíticos em complexos
verbais para atestar as possíveis interinfluências de natureza morfossintática, tomando
por base dois grandes grupos pré-identificados: (A) de ordem fixa pré-verbal (aqueles
em que se determinaria a próclise categórica) e (B) de ordem fixa pós-verbal (aqueles
em que determinaria a ênclise categórica).
No primeiro grupo, consideraram-se as orações não-dependentes que exibem
verbo precedido por negação e as orações dependentes finitas. Nos dois casos, a
variante 1 (cl V1 V2) figurou em 75% dos dados e a segunda variante mais empregada
foi a variante 4 (V1 V2-cl), em torno de 25% das ocorrências.
No contexto pré-identificado como de ordem fixa pós-verbal, tomando-se por
base as orações não-dependentes com verbo em posição inicial absoluta, a única
variante não registrada foi a variante 1 (cl V1 V2), as demais figuraram em equilíbrio,
33
ocorrendo em 33% dos dados cada uma. Como a porcentagem é representada por
apenas uma ocorrência para cada variante, não se pode afirmar qual seria a opção
preferencial no contexto determinado. Considerando-se as orações dependentes nãofinitas (como as infinitivas e gerundivas não regidas por preposição), registram-se 75%
de ocorrências da variante 2 (V1-cl V2), enquanto as variantes 4 (V1 V2-cl) e 5 (V1 X
cl V2) são empregadas equilibradamente em 12,5% dos dados cada.
Portanto, segundo os dados apresentados por Lobo (2001), “enquanto a variante
1 (75,4%) é característica dos contextos que determinavam a colocação categoricamente
pré-verbal do clítico, a variante 2 (63,6%) é característica dos contextos que
determinavam a colocação categoricamente pós-verbal.” (p.674). Já as variantes 4 e 5
parecem ser de ocorrência livre, tendo em vista sua colocação indistinta tanto em
contextos pré-identificados como de colocação categoricamente pré-verbal quanto pósverbal, enquanto a variante 3 é a menos utilizada no corpus, embora já se mostre
presente.
Já nas cartas produzidas por brasileiros, em 146 ocorrências da colocação
pronominal em complexos verbais, foram atestadas as 5 variantes na sentença, tal qual
já mencionado na ocasião da apresentação da sintaxe portuguesa. Curiosamente, uma
construção em que o verbo principal figura antes do verbo auxiliar ocorreu em um dado
nas cartas brasileiras, a saber: “Emtregue mefoi ade Vossa Senhoria” FSM, I. Assim
sendo, sistematiza-se a distribuição dos dados no seguinte gráfico:
100%
80%
cl V1 V2
60%
V1-cl V2
40%
V1 cl V2
20%
V1 V2-cl
0%
V1 x cl
V2
V2 cl V1
Gráfico 6: Distribuição da colocação pronominal no Português do Brasil em formação no século
XIX, em complexos verbais, nas cartas produzidas por portugueses segundo LOBO (2001).
34
Nota-se, a partir do gráfico acima, que as construções com elevação de clítico
(58%) superam as construções sem elevação de clítico, mas proporcionalmente em
quantidade inferior à verificada nas cartas dos portugueses, em que se registrou um
índice de 72% dos dados.
Nos contextos pré-identificados como de ordem fixa pré-verbal na escrita
brasileira, registraram-se 69,3% dos dados na posição pré-complexo verbal, seguida da
variante 4, com 21,3% das ocorrências, resultados semelhantes aos encontrados nas
cartas portuguesas. Nos contextos pré-identificados como de ordem fixa pós-verbal, a
variante 1 também não é registrada no corpus brasileiro; no entanto, os resultados se
distanciaram dos verificados nas cartas produzidas por europeus. Enquanto as variantes
3 e 4 são empregadas de forma equilibrada, em 37,5% das ocorrências para cada,
seguidas da variante 2, em 25% dos dados, nos dados europeus há um equilíbrio da
colocação pronominal entre as posições mencionadas. Destaca-se, contudo, que o baixo
número de ocorrências inviabiliza generalizações.
Sistematizando-se os resultados da colocação pronominal nas cartas portuguesas
e nas cartas brasileiras, atesta-se que, no século XIX, havia o predomínio das
construções com elevação de clítico nas duas variedades, embora nas cartas brasileiras a
frequência fosse mais baixa. Em seguida, a variante mais empregada em ambos os
corpora foi a ênclise ao verbo principal. Chama-se atenção para a colocação da variante
3 nas cartas brasileiras (quando o clítico se coloca anteposto ao verbo principal) em
quase 9% dos dados, índice significativo para o século XIX.
Outra diferença marcante que se revela entre as produções europeias e brasileiras
é a possibilidade de o clítico se adjungir também à forma participial do verbo, em sua
maioria em cartas de remetentes pouco escolarizados ou com baixo grau de letramento.
Ainda mais interessante foi o registro do clítico ligado também encliticamente ao
particípio (ex.: “Aminha Familia toda lhe beija a Mao e agradece suas recomendaçoens |
hoje se acha ella augmentada com mais um | Menino tendo minha Mulher dado-o a luz
no dia | 2 doproximo passado mês JTB, I”), em cartas do Barão da Cajaíba e de José
Teodoro Sá Barreto, cuja escolaridade é desconhecida, porém as cartas não apresentam
marcas de uma escrita não padrão, segundo a autora.
Em recente artigo publicado em novembro de 2011, COELHO & FRANCO DE
PAULA investigam a colocação pronominal nas Minas setecentistas, em período
anterior ao estudado por LOBO (2001). Nele, dissertam sobre o dualismo que envolve o
35
falante de língua portuguesa da referida época, que precisa optar por obedecer ao padrão
europeu ou se adaptar ao uso brasileiro do português, o que gera, segundo os autores, a
instauração do processo de variação linguística.
A hipótese das autoras era a de que a colocação pronominal do século XVIII se
aproximaria da norma do português clássico e, consequentemente, se afastaria do
prescrito pela gramática tradicional, baseada na norma estabelecida no século XIX, cuja
influência direta é a do português moderno. A hipótese foi confirmada no seguinte
resultado: observou-se um predomínio da colocação proclítica (tanto em lexias verbais
simples, quanto em lexias verbais complexas) independentemente dos fatores de atração
pronominal. Com isso, as autoras demonstram que a colocação pronominal das Minas
setecentistas já exibia traços da sintaxe brasileira contemporânea, como a preferência
pela próclise, inclusive em contextos de início absoluto de oração, e o não emprego da
mesóclise.
Outra publicação, também de menores dimensões, mas não de menor
importância, é o artigo de PAGOTTO & DUARTE (2005), que versa sobre a ordem dos
clíticos pronominais no século XIX, tendo como corpus as cartas da Família Ottoni. O
trabalho, que trata dos pronomes átonos em lexias verbais simples e em complexos
verbais, tem por objetivo geral analisar como a escrita dos avós Ottoni reagiu ao
considerado caos linguístico do século XIX, época de forte disseminação de arte e
cultura no Brasil e tentativa, por algumas partes, de certa “elitização” da língua
portuguesa. Além disso, busca investigar se as normas de uso do avô e da avó refletem
duas gramáticas diferentes por meio das suas opções linguísticas e, ainda, se são
delegadas pelos mesmos processos que ocorrem atualmente. A primeira observação que
se faz – já apresentada em alguns estudos – diz respeito ao aspecto inovador do PB em
realizar a próclise ao verbo principal, construção não encontrada no Português clássico
nem no PE moderno.
Considerando especialmente os resultados concernentes às construções verbais
complexas, o artigo apresenta o contraste entre a posição dos clíticos e o contexto
sintático. Aponta-se, então, que a próclise ao verbo auxiliar se torna categórica quando o
verbo principal é um gerúndio e quase categórica quando particípio, com exceção de um
dado de ênclise a V1 e um dado de próclise a V2.
Mesmo havendo poucas ocorrências de complexos verbais, nota-se a importante
frequência de seis dados (dos 29), proclíticos ao verbo principal, já no século XIX.
36
Desses dados, quatro foram produzidos pela avó, que, conforme se descreve, era dona
de casa, tinha pouca escolaridade e apresentava uma norma mais próxima à realidade da
variedade brasileira da época. Seu marido, Senador da República, seguia um padrão
mais próximo ao europeu, embora tenha apresentado inovações próprias do PB, como
os dois casos de próclise ao verbo principal.
PAGOTTO & DUARTE destacam a única ocorrência de ênclise, ao verbo
auxiliar, produzida pela avó. Ressaltam que se trata de um dado duvidoso, visto que
poderia ser a realização de uma próclise ao verbo principal, já que a representação
gráfica mostra a ligação do clítico aos dois verbos, a saber: “Recebi asua cartinha que
me-deo muito prazer, por saber que tense-adiantado no collegio (Carta 37, avó)” (p.
78). Por outro lado, o avô prioriza o uso da ênclise, exclusivamente ao verbo principal.
Seus 6 dados de próclise ocorreram majoritariamente ao verbo auxiliar, sendo apenas
uma sem os chamados “proclisadores”.
Os resultados parecem revelar o interessante fato de o século XIX ser palco de
dois planos linguísticos, o normativo e o não normativo, representados respectivamente
pela escrita do avô, que opta por uma norma linguística mais lusitana, e da avó, que
deixa evidentes as formas do Português do Brasil. Além disso, o artigo permite refletir,
a partir da diferença nas preferências linguísticas da avó e do avô, acerca do papel que
homens e mulheres desempenhavam na sociedade do século XIX.
A pesquisa de GALVES, BRITO & PAIXÃO DE SOUZA (2005) – doravante
GBPS – permite uma análise diacrônica que remonta a épocas bem anteriores à referida
na análise realizada por PAGOTTO e DUARTE. GBPS estuda a colocação pronominal
em lexias verbais simples com base em 20 textos literários de escritores nascidos em
meados do século XVI até o início do século XIX. As tendências gerais de sua amostra
apontam as diversas oscilações entre o uso da próclise e da ênclise até o início do século
XVIII. A partir dessa época, há um crescimento progressivo no emprego da ênclise até o
século XIX, tal qual se ilustra no gráfico a seguir, que representa a evolução histórica da
colocação pronominal no PE, em lexias verbais simples, a partir da colocação enclítica,
segundo dados da escrita literária de autores da metade do século XVI até início do
século XIX. Os períodos em questão referem-se ao ano de nascimento de cada escritor
sob análise.
37
100%
90%
80%
70%
60%
50%
ênclise
40%
30%
20%
10%
0%
1548 1556 1579 1601 1608 1608 1608 1631 1644 1651 1658 1675 1695 1705 1713 1714 1724 1750 1799 1836
Gráfico 7: Distribuição da colocação enclítica do PE em lexias verbais simples na escrita literária de
autores dos séculos XVI ao XIX, em contextos de variação segundo GPBS (2005)
Para iniciar a análise, é importante ressaltar que as autoras não contemplam, na
distribuição representada no gráfico, os dados em que a próclise seja categórica, como
antecedidos por focalizadores, elementos “atratores”, ou que a ênclise seja categórica,
como nos contextos em que os verbos estão em início absoluto de oração.
Observa-se que o uso da variante enclítica aumenta progressivamente ao longo
dos séculos, com alguns altos e baixos ao longo do percurso. Essas oscilações se devem,
possivelmente, ao fato de ser um corpus baseado em textos literários de diversos
escritores, em que cada um deles pode revelar questões de estilo próprio na escrita.
Além disso, as autoras interpretam os períodos de grande variação no uso da colocação
dos clíticos como um processo de competição de gramáticas, travado quando uma
gramática inovadora divide o mesmo espaço de uma gramática conservadora. Dessa
forma, as duas gramáticas concorrem em determinado espaço linguístico por falantes de
uma língua, já que os usos conservadores não deixam de ser expressos ou são
substituídos imediatamente por formas inovadoras.
O alto índice de ênclise em 1608 evidencia o caráter moderno presente nos
sermões do Pe. Antonio Vieira, que se destaca das demais produções, inclusive do
padrão apresentado nas próprias cartas do padre, conforme já comentado anteriormente
na tese defendida por MARTINS (1994). A partir do século XVIII, a ênclise figura de
forma mais robusta, com exceção da escrita de 1724 de Correia Garção (Dissertações).
É importante considerar o fato de que o Português Europeu do século XVI
apresentava em suas frases afirmativas não-dependentes a predominância pela ordem
proclítica, excetuando-se o contexto de início absoluto de oração. A mudança da
próclise para a ênclise, nas sentenças afirmativas não-dependentes, apenas começa a se
estabelecer a partir do século XVII, conforme observado nos sermões de Pe. Antonio
38
Vieira, tendência mantida até os dias atuais. Contudo, GALVES (1995 e 1998), dentre
outros autores, advoga que as mudanças realmente só começaram a ser consolidadas em
fins do século XVIII. O padrão de manifestação de linguagem do padre, que seria
atípico (tido como moderno), estaria também aliado a uma mudança de cunho
fonológico que afetou o ritmo de linguagem na segunda metade do século XVII,
hipótese já apresentada por TEYSSIER, 1975.
Segundo as autoras, a colocação da ênclise em textos anteriores ao século XVIII
estaria diretamente correlacionada ao tipo de clítico “se”, além do contexto de início
absoluto de oração, já mencionado anteriormente. O mesmo não se observaria nos
séculos XVIII e XIX. Dos textos com maior índice de ênclise dos séculos XVI e XVII,
destacam-se os de Couto, Costa e Vieira, em que se nota que os casos de ênclise
ocorrem preferencialmente em início absoluto de oração (ao que se chama padrão V-se).
Já na escrita de autores nascidos depois de 1700, a colocação enclítica do “se” e dos
demais clíticos é equilibrada. Contudo, as autoras afirmam que não é objetivo de tal
trabalho apresentar a sintaxe do “se” e suas funções de reflexivo, indeterminador ou
apassivador, mas reforçar que a natureza do “se” afeta a colocação pronominal nos
textos dos séculos XVI e XVII, favorecendo a ênclise. Já a partir desse período, a
colocação enclítica figuraria como favorita, independentemente do fator tipo de clítico.
As autoras apresentam em nota que observações de épocas preliminares sugerem a
colocação enclítica especialmente com o “se” apassivador.
Dando continuidade ao panorama histórico da evolução da colocação
pronominal e reafirmando a proposta da existência de um processo de competição de
gramáticas, encontra-se a investigação proposta por CARNEIRO (2005). Baseada em
corpus extraído de cartas brasileiras oitocentistas, a autora apresenta resultados tanto da
colocação pronominal em lexias verbais simples quanto em lexias verbais complexas,
com foco no século XIX (e apenas início do XX). Como a proposta da autora é a
descrição linguística por meio da ordem dos clíticos que representam o Português
Brasileiro, registram-se três padrões distintos no fenômeno da colocação pronominal: (i)
estruturas referentes à fase clássica do Português Europeu; (ii) estruturas que
caracterizariam as mudanças rumo ao Português Europeu Moderno; e, (iii) estruturas
que definiriam o Português Brasileiro. Adiante, observa-se um gráfico com a
39
distribuição geral dos resultados da colocação pronominal em complexos verbais nos
dados do século XIX controlados pela autora.
Ressalte-se que, de acordo com os resultados do trabalho de CARNEIRO
(2005), ficaram de fora dados considerados ambíguos, ou seja, ocorrências em que não
há uma definição, por hífen ou marca gráfica ou pela presença de elementos
intervenientes, se o clítico está enclítico a V1 ou proclítico a V2. Além disso, não foram
computados para a confecção do gráfico abaixo alguns dados encontrados sem data
identificada, nem construções com expressões idiomáticas, nem, ainda, orações com
“porque”, já que, por meio do material em questão, não fica clara a distinção entre o
“porque” coordenativo/explicativo e o subordinativo/causal. As datas são referentes ao
ano de nascimento dos escritores.
100%
90%
80%
70%
60%
Cl-V V
50%
V-cl V
40%
V cl-V
30%
V V-cl
20%
10%
0%
1724-1799
1800-1850
1851-1880
Gráfico 8: Distribuição da colocação pronominal diante de contextos com ou sem “atratores” no
Português do Brasil, conforme o ano de nascimento dos escritores segundo CARNEIRO (2005).
Registra-se, dentre as variantes analisadas, a pré-complexo verbal como a de
maior índice do século XVIII ao fim do século XIX e uma suave queda nas demais
fases. Enquanto há um movimento de queda da variante enclítica ao complexo verbal a
partir da metade do século XIX, há um aumento da ênclise a V1. A próclise a V2
apresenta um tímido crescimento até meados do século XIX e, depois, se estabiliza.
40
A autora também apresenta os resultados por data de produção dos textos, que
contempla dados do início do século XIX até o início do século XX. Para fins
comparativos, é interessante observar esses resultados por época de publicação, já que
alguns trabalhos aqui apresentados também adotaram esse critério. Dessa forma,
consideraram-se as seguintes variantes: cl-V1 V2, V1-cl V2, V1 cl V2 (para os dados de
próclise a V2, com algum elemento interveniente a V1 e ao clítico, para não gerar
dúvidas se o clítico estaria em próclise a V2 ou em ênclise a V1) e V1 V2-cl. Segue o
gráfico com os percentuais a partir dos resultados retirados de CARNEIRO (2005):
100%
90%
80%
70%
60%
Cl-V1 V2
50%
V1-cl V2
40%
V1 cl-V2
30%
V1 V2-cl
20%
10%
0%
1809-1825
1826-1850
1851-1875
1876-1904
Gráfico 9: Distribuição da colocação pronominal do Português do Brasil diante de contexto com e sem
“atratores”, em complexos verbais, conforme a data da publicação dos textos segundo CARNEIRO
(2005).
O gráfico acima, com os resultados gerais da amostra utilizada em CARNEIRO
(2005), em números percentuais, parece camuflar a realidade dos dados, já que, na
primeira metade do século XIX, se contabilizaram poucas ocorrências por célula. A
ocorrência de 50% de próclise a V1 e de 50% de próclise a V2, por exemplo, refere-se a
apenas um dado de cada variante no primeiro período sob análise. Os dados passam a
ter quantidade mais consistente a partir da segunda metade do século XIX, em que ainda
há o predomínio da variante proclítica a V1 e queda acentuada da ênclise a V2,
enquanto a ênclise a V1 e a próclise a V2 se mantêm estáveis com níveis próximos aos
15% e 7%, respectivamente.
41
A autora separa os contextos de início absoluto de oração em verbos simples e
grupos verbais para observar o contexto morfossintático de colocação pronominal.
Considerando os grupos verbais, a pesquisadora toma por base apenas as construções
passivas e encontra três casos de próclise em início absoluto dos 68 dados registrados
em sua amostra. Tais dados proclíticos ocorreram com o pronome “me” em orações do
tipo “Me foi entregue...”. CARNEIRO (2005) analisa, ainda, a colocação pronominal
por tipo de clítico nas lexias verbais simples e, quanto ao “se”, observa que, nas cartas
brasileiras do século XIX, em contextos de sujeito neutro, sintagmas preposicionais e
advérbios não-modais, há preferência pela colocação enclítica em 69% dos dados em
construções com apenas um verbo. Por não se especificar que tipo de “se” está presente
no percentual mencionado na amostra de Carneiro, torna-se inviável avaliar a influência
do tipo de “se” no condicionamento do fenômeno. Dessa forma, urge a realização de
uma análise que pondere a importância do “se” na escolha das variantes, considerandose as particularidades de cada uma de suas funções (apassivadora, indeterminadora e
reflexiva/inerente), tal como se propõe fazer com rigor na presente tese.
NUNES (2009) toma por base a mesma época tratada na investigação de
CARNEIRO e acrescenta dados de todo o século XX, com a diferença de contemplar a
colocação pronominal em estruturas com complexos verbais na escrita de anúncios,
editoriais e notícias do PB e do PE (e não em textos literários). Quanto à produtividade
das variantes, atesta que, no século XIX, havia uma preferência pela variante précomplexo verbal em ambas as variedades, seguida da variante enclítica à estrutura
verbal complexa, enquanto, no século XX, as diferenças entre as duas variedades
começam a se evidenciar, ainda que a modalidade escrita atenue tais distinções. A fim
de facilitar a exposição dos dados, observem-se a seguir os resultados no padrão gráfico,
que expõe os períodos controlados nos séculos XIX e XX num contínuo representado
por 7 fases, considerando três variantes em questão5:
5
Foram controladas quatro variantes (cl v1 v2; v1-cl v2; v1 cl v2; v1 v2 cl), mas para apresentação do
gráfico e futuras análises, amalgamaram-se as duas variantes intra-CV com ou sem hífen, tendo em vista
o pouco número de dados das variantes.
42
100
80
percentual
60
cl V1 V2
40
V1-cl V2
20
V1V2-cl
0
fase 1
fase 2
fase 3
fase 4
fase 5
fase 6
fase 7
Gráfico 10: Distribuição da colocação pronominal no PB, em complexos verbais, ao longo dos séculos
XIX e XX, excetuando-se os contextos de início absoluto de oração segundo NUNES (2009)
Chama atenção a queda abrupta da variante proclítica ao complexo verbal no
final do século XX, inversamente proporcional ao uso da variante intra-complexo
verbal, representada particularmente pela próclise a V2, que apresentou aumento
progressivo ao longo das fases, sendo registrada em 3% das ocorrências no século XIX
e em 14% no século XX. Já a variante enclítica a V2 demonstrou alguns altos e baixos,
mas a partir da quinta fase conseguiu manter um uso estável em torno de 40% dos
dados.
Vale destacar que, na última fase do século XIX (fase 3), os padrões de
colocação pronominal no PB se apresentam bem diferentes daqueles observados no
início do século XX (fase 4). Essa diferença, especialmente no que se refere ao aumento
da próclise a V1 na transição entre os séculos em questão, pode fortalecer a hipótese de
que a passagem dos séculos XIX para o XX representa, na sociedade brasileira, a
reprodução do padrão europeu na escrita, tido como modelo de correção da Língua
Portuguesa. Devido a fatores histórico-sociais, como a instalação da corte real
portuguesa no Rio de Janeiro e o processo de relusitanização da cidade, de maneira
lenta e gradual, apontam-se, nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século
XX, as principais implementações de mudanças quanto ao padrão escrito, o que se
observa, também como tendência, a partir do uso da colocação pronominal em
estruturas verbais complexas.
Por outro lado, observe-se a representação do gráfico abaixo, relativo ao
Português Europeu:
43
100
percentual
80
cl V1 V2
60
V1-cl V2
40
v1 v2 cl
20
0
fase 1
fase 2
fase 3
fase 4
fase 5
fase 6
fase 7
Gráfico 11: Distribuição da colocação pronominal no PE, em complexos verbais, ao longo dos séculos
XIX e XX, excetuando-se o contexto de início absoluto de oração segundo NUNES (2009)
Os dados do PE do século XIX revelam predominância do uso da próclise a V1,
mas progressiva queda a partir da fase 4 (século XX), enquanto se observa um suave
aumento da variante enclítica a V2, especialmente a partir do início do século XX.
Apesar de se constatar no corpus um leve aumento da variante intra-complexo verbal,
representada particularmente pela ênclise a V1 – sendo 3% no século XIX e 10% no
século XX–, já que a variante V1 cl V2 ocorreu em apenas 1% dos dados em cada
século analisado, o percentual máximo não revela uma alteração de padrão relevante na
escrita europeia. Além disso, é importante dizer que o tipo de dado configura, na
verdade, um caso de complexo verbal com preposição/conector integrante, que funciona
como um “proclisador” interno, do tipo “Tem que se dizer ...”.
Comparando-se os gráficos 10 e 11, ao que parece, no decorrer do século XX,
essa tendência homogeneizante da escrita brasileira e portuguesa perde força. A
imprensa do Brasil dá pistas de que estaria se aproximando do padrão da norma objetiva
da oralidade brasileira no fim do século XX, comportamento diferente do observado no
século XIX, quando ainda mantinha uma escrita que seguia a norma europeia. A última
fase do século XX na escrita do PB surpreende por apresentar apenas um dado da
variante proclítica a V1. A maioria dos dados figura em posição de próclise a V2 ou
ênclise a V2.
Com a análise do corpus, Nunes demonstra que a amostra brasileira sofreu
influências diretas da variável extralinguística “época da publicação”, ou seja, com o
44
avançar das fases por século, a escrita brasileira assumiu tendências de colocação da
variante interna ao complexo, sem hífen, enquanto, na variedade europeia, as
influências se relacionaram fundamentalmente ao contexto linguístico da colocação dos
clíticos. Dentre as variáveis analisadas, as que se mostraram mais relevantes na pesquisa
em questão, tanto nos dados europeus quanto nos dados brasileiros, foram as seguintes:
(i) presença de possível elemento “proclisador”; (ii) forma do verbo principal; e (iii)
tipo de clítico. Lembre-se que não houve qualquer registro da próclise a V1 em início
absoluto de oração, o que levou à decisão de separar tais contextos para a análise. O
procedimento foi fundamental para a observação particular dos elementos que, de fato,
exercem algum condicionamento no fenômeno, sem influência de contextos
categóricos.
De modo geral, Nunes revela que a atuação dos elementos “proclisadores” pode
ser observada em proporções diferentes nas escritas brasileira e europeia. A distribuição
da próclise a V1 diante de partículas de negação, por exemplo, apresenta-se mais
produtiva nos séculos XIX e XX na variedade europeia. Na brasileira, as partículas de
negação apresentam influência apenas nas produções do século XIX. Já os elementos
subordinativos são os mais fortes condicionadores da próclise ao complexo verbal em
todos os casos.
Quanto à forma do verbo principal, o particípio assume o comportamento mais
seletivo quanto à ordem, a forma infinitiva é a que permite maior flexibilidade. O
particípio apresenta, nas duas variedades e nos dois séculos, forte incidência de
colocação da variante proclítica a V1, pouquíssimas ocorrências de ênclise a V1 e
próclise a V2 e nenhum dado de ênclise a V2. Com relação ao gerúndio, há um
equilíbrio na distribuição da próclise a V1 e da variante intra-CV (representada pela
ênclise a V1 e pela próclise a V2), especialmente no século XX (no PB e no PE), e
praticamente não há ocorrências de ênclise a V2. Quanto ao infinitivo, no século XIX, a
colocação do clítico mostra-se atrelada à presença do elemento “proclisador”. No século
XX, há um predomínio da ênclise ao verbo principal; ao que parece, o infinitivo
hospeda mais facilmente o clítico à sua direta, especialmente se for o acusativo de 3ª
pessoa ou o se reflexivo/inerente, independentemente da presença do “proclisador”,
sobretudo nos textos do Brasil.
Com relação à variável tipo de clítico, a forma pronominal “se” apresenta
comportamento diferenciado a depender da estrutura em que se encontra, em ambas as
45
variedades. As construções com “se” indeterminador favorecem acentuadamente a
próclise ao verbo auxiliar, nos dois séculos do PE e no século XX do PB. Essa
tendência confirma, em alguma medida, os resultados verificados em SCHEI (2003),
que demonstram que esse tipo de “se” tende a se ligar, na escrita literária
contemporânea brasileira, em próclise ou ênclise ao verbo auxiliar, mas raramente
proclítico ao verbo principal. De fato, no corpus, houve pouquíssimos dados de “se”
indeterminador na posição intra-CV, e esses figuram em grande parte enclíticos a V1,
representados pela presença do hífen, nas duas variedades e nos dois séculos.
O pronome “se” reflexivo/inerente tende a figurar de forma semelhante nas duas
variedades. Em termos percentuais, no século XIX, apresenta-se em equilíbrio entre
próclise a V1 e ênclise a V2, enquanto, no século XX, PB e PE demonstram preferência
pela colocação enclítica. A análise aponta que, de todos os tipos de “se”, o
reflexivo/inerente é o que mais favorece a variante enclítica a V2 e mais desfavorece a
próclise a V1, quando comparado aos demais pronomes átonos.
Nesse sentido, cabe destacar uma forte diferença entre as modalidades oral e
escrita do Português do Brasil. Os resultados de VIEIRA (2002) para a oralidade
demonstram que as construções brasileiras com “se” reflexivo/inerente não ocorrem em
posição enclítica a V2 ou proclítica a V1, mas ocorrem quase exclusivamente na
posição intra-complexo verbal (com próclise a V2), como na maioria dos casos. No caso
do PE oral, o estudo demonstra que o contexto com “se” reflexivo/inerente também
favorece a ênclise a V2 e desfavorece a próclise a V1. De todo modo, o PE oral ainda
registra ocorrências da variante proclítica ao auxiliar com o “se” reflexivo/inerente
(ainda que com menos expressividade do que o apassivador) com maior produtividade
quando comparado ao Português do Brasil oral. O “se” apassivador mostra-se no corpus
preferencialmente em próclise a v1 e, em menor frequência, em equilíbrio entre próclise
a V1 e ênclise a V2 (apenas no PE - século XX).
MARTINS (2009), em análise da ordem dos clíticos nas sentenças com lexias
verbais simples e complexas em textos da escrita teatral catarinense e lisboeta dos
séculos XIX e XX, retoma a tese, defendida por GBPS (2005) e CARNEIRO (2005), de
que a mudança linguística ocorre de maneira gradual entre o Português Clássico, o
Português Europeu Moderno e o Português Brasileiro via competição de gramáticas.
O autor apresenta a distribuição das quatro variantes da variável dependente,
mas salienta que considera ambíguo o mesmo contexto mencionado por CARNEIRO
46
(2005), em que o clítico figura entre V1 e V2 sem qualquer material interveniente (V1
cl V2); nesse caso, não se poderia supor com segurança se a ligação do clítico se daria à
direita de V1 ou à esquerda de V2. Dessa forma, as variantes analisadas são cl V1 (x)
V2, V1-cl (x) V2, V1 (x) cl V2 e V1 (x) V2-cl.
100%
90%
80%
70%
60%
Cl V1 V2
50%
V1-cl V2
40%
V1 x cl V2
30%
V1 V2-cl
20%
V1 cl V2
10%
0%
Gráfico 12: Distribuição da colocação pronominal na escrita brasileira, em complexos verbais, diante de
contexto com e sem “atrator”, conforme a data de nascimento dos autores segundo MARTINS (2009)
O gráfico, relativo à análise de dados encontrados na escrita catarinense,
apresenta diversas informações e, talvez, por uma questão de estilo de cada escritor, há
certa instabilidade no sistema da colocação pronominal. Observa-se, por exemplo, que a
próclise a V1, embora apresente picos de uso em meados do século XIX, evidencia
significativa queda em fins do século XIX e a mesma tendência segue ao longo do
século XX. Em contrapartida, a variante que parece ser a alternativa dos literários no
momento de queda da variante descrita anteriormente é a ênclise a V2. Com o
crescimento da próclise a V1, a variante enclítica sofre queda importante.
Nota-se que, no início do século XX, a ênclise a V2 também apresenta uma
redução significativa, assim como a próclise a V1. A variante enclítica a V1 ocorre, ao
longo dos séculos XIX e XX, com índices baixos de frequência. O mesmo não acontece
com a próclise a V2, que apresenta relevante aumento nas produções do escritor nascido
em 1927. Destaca-se, ainda, um resultado importante quanto ao uso da variante dita
ambígua, que, ao que tudo indica, assume características de próclise a V2. A partir do
47
início do século XX, há um aumento significativo dessa variante, em torno de 50% dos
dados.
A fim de se obterem dados mais condensados para esta tese, agruparam-se os
resultados das produções de cada escritor, de acordo com sua data de nascimento, da
seguinte forma: nascidos no século XIX (em 1829, 1841, 1853, 1855, 1856 e 1884) e
nascidos no século XX ou na transição entre os séculos (em 1898, 1927, 1939, 1950,
1961, 1969).
A exposição gráfica ilustra melhor a distribuição proposta acima:
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Cl V1 V2
V1-cl V2
V1 (x) cl V2
V1 V2-cl
V1 cl V2
século XIX
século XX
Gráfico 13: Distribuição da colocação pronominal na escrita brasileira, em complexos verbais, em
contextos com e sem “atrator”, agrupando os resultados por escritores, conforme o século referente à data
de nascimento segundo MARTINS (2009)
Tem-se, desse modo, os seguintes resultados da colocação proclítica a V1 e a
V2: autores nascidos no século XIX tenderam à colocação proclítica ao primeiro verbo
em 35% dos dados, enquanto os nascidos no século XX apresentaram apenas 5% de uso
dessa variante. Quanto à próclise a V2, que era de 3% na escrita de autores do século
XIX, passa à relevante margem de 33% nas produções do século XX. No que tange à
ênclise, tem-se 8% de ênclise a V1 no século XIX e 1% (apenas um dado) da variante
no século XX. A ênclise a V2 também apresenta queda, ainda mais significativa, de
46% no século XIX para 17% no XX. Quanto à variante ambígua (se em ênclise a V1
ou em próclise a V2, devido à ausência de um elemento interveniente no complexo
verbal), registra-se um baixo percentual no século XIX de 8% e o elevado índice de
44% no século XX.
De forma bastante sintética, consegue-se generalizar que, a partir do século XIX,
a única variante que tende a aumentar e, de modo bastante significativo, é a variante
48
inovadora do PB, proclítica a V2, enquanto as demais variantes apresentam queda
vertiginosa no mesmo período. Observa-se que, apesar da queda da variante enclítica a
v1, seu declínio é mais suave do que o das demais variantes.
Quanto à análise da escrita de peças teatrais lisboetas dos séculos XIX e XX, o
autor encontra uma menor variedade no uso das variantes. O contraste no PE parece ser
marcado entre as construções com alçamento de clítico, de um lado, normalmente
representadas pela próclise a V1, e construções sem alçamento de clítico, de outro lado,
representados em sua maioria pela ênclise a V2, conforme se observa no gráfico abaixo:
100%
90%
80%
70%
60%
Cl V1 V2
50%
40%
V1-cl(x)V2
30%
V1(x)V2-cl
20%
10%
0%
Gráfico 14: Distribuição da colocação pronominal na escrita europeia, em complexos verbais, diante de
contexto com e sem “atrator”, conforme a data de nascimento dos autores segundo MARTINS (2009)
Chama-se atenção para o importante fato de não haver registros da variante
proclítica a V2, bem como da variante ambígua, num grande universo de escritores
portugueses, ambas muito empregadas na escrita das peças catarinenses, já no século
XIX. Percebe-se que a variante mais usada na escrita lisboeta até o último quarto do
século XIX é a ênclise a V2. A partir desse período, a variante empregada com maior
frequência passa a ser a próclise a V1. Em todo o período analisado por Martins, a
variante menos frequente é a ênclise a V1.
Devido à grande quantidade de escritores portugueses para análise, ressalta-se
que as oscilações no uso das variantes são constantes, tendo em vista o estilo de cada
escritor. Por isso, de modo geral, o gráfico dificulta generalizações, o que levou a
49
condensar os resultados, para esta tese, também no PE. A fim de tentar reduzir a
desproporção na quantidade de escritores, em maior número no século XIX, dividiu-se
em três etapas por época, e não em duas, como realizado para análise do PB (variedade
em que se observou um menor número de escritores). Dessa forma, os resultados das
produções de cada escritor português, de acordo com sua data de nascimento, estão
distribuídos da seguinte forma: nascidos no século XIX (em 1825, 1835, 1842, 1845,
1850, 1852, 1875); nascidos no final do século XIX (em 1881, 1883, 1886, 1888, 1891,
1893, 1900) e nascidos no século XX ou na transição entre os séculos (em 1907, 1924,
1925, 1948).
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Cl V1 V2
V1-cl(x) V2
V1 V2-cl
século XIX a
século XIX b
século XX
Gráfico 15: Distribuição da colocação pronominal na escrita europeia, em complexos verbais, em
contextos com e sem “atrator”, agrupando os resultados por escritores, conforme o século referente à data
de nascimento segundo MARTINS (2009)
Os resultados ilustrados pelo gráfico apontam que a preferência pela variante
enclítica a V2 perdurou por todo o século XIX, sendo mais efetiva no início do período.
A partir do século XX, a próclise a V1 passa a ser variante preferencial na amostra,
enquanto a ênclise a V1 mantém baixos índices nos dois séculos analisados e as demais
variantes, bastante comuns na escrita catarinense (V1 x cl V2 e V1 cl V2), não foram
registradas, conforme apontado anteriormente. Segundo o autor, a ausência da variante
V1 cl V2 na escrita portuguesa só confirma a ideia de que a variante ambígua, na
verdade, constitui caso de próclise ao verbo não-finito – variante inovadora da
gramática do Português do Brasil.
50
CASSIMIRO (2010) propõe análise a respeito da colocação pronominal em
textos literários (contos e romances) do PB e do PE, contemplando dados dos séculos
XIX e XX. Os resultados por tipo de complexo verbal (considerando-se a forma do
verbo principal) estão registrados a seguir – por meio de gráficos das duas variedades e
dos dois séculos em questão.
Tomando-se por base apenas o emprego do pronome “se”, os poucos dados
registrados com estruturas de auxiliar + gerúndio são do “se” reflexivo/inerente, em que
a maioria figura proclítica a V2 no PB, enquanto, no PE, 67% dos dados são registrados
em ênclise a V1. Quanto ao “se” apassivador, foi registrado apenas um dado no PB em
posição de ênclise a V1 e um dado no PE, em próclise a V1. Os dados de “se”
indeterminador não foram registrados em construções com gerúndio e com particípio na
amostra coletada, tanto na escrita brasileira quanto na europeia.
Os resultados apontados por CASSIMIRO, sobre a colocação pronominal em
estruturas com particípio, revelam para o PB a distribuição em torno de 70% dos dados
de “se” em posição de próclise a V2, considerando os contextos com ou sem fatores de
próclise. Contudo, o pouco número de dados de complexos participiais inviabiliza
qualquer generalização. SCHEI (2003) (cf. próxima seção), que também analisa a
colocação pronominal em obras literárias de escritores contemporâneos brasileiros e
portugueses, embora apresente uma abordagem sincrônica, generaliza que, tanto em
construções com auxiliar + particípio quanto em estruturas com auxiliar + gerúndio, a
próclise ao auxiliar sempre se dá na presença de um elemento “atrator”.
Segue, abaixo, a apresentação dos dados em construções com auxiliar +
infinitivo, estrutura que incidiu na maior parte da amostra, totalizando 316 ocorrências.
51
100%
80%
cl V V
60%
V1-cl V2
V1 cl-V2
40%
V1 V2 cl
20%
0%
se refl./iner. PB
se ind./apas.
PB
se refl./iner. PE
se ind./apas.
PE
Gráfico 16: Distribuição da colocação pronominal do PB e do PE, séculos XIX e XX em conjunto, em
complexos verbais com infinitivo, por tipo de “se”, considerando contextos com e sem “atrator” segundo
CASSIMIRO (2010)
Note-se que, mediante a construção do tipo auxiliar + infinitivo, o padrão da
colocação do “se” se modifica com relação às construções com gerúndio e particípio.
No geral, os dados mostram-se um pouco mais distribuídos entre as quatro variantes,
ainda que sejam poucas as ocorrências nesse contexto. Numa análise específica,
observa-se que o “se” reflexivo/inerente tende a se colocar de forma muito semelhante
no PB e no PE, qual seja, prioritariamente enclítico a V2. Saliente-se que houve apenas
uma ocorrência do “se” indeterminador em cada variedade, no PB proclítica a V1 e no
PE enclítica a V2. A colocação do “se” apassivador registra-se preferencialmente
proclítica a V1, tanto no PB quanto no PE.
2.3 Pesquisas sincrônicas
VIEIRA (2002), em sua tese de doutoramento, apresenta resultados comparativos
entre as variedades brasileira, portuguesa e moçambicana do Português no século XX, nas
modalidades oral e escrita, considerando a ordem dos clíticos em contextos de lexias
verbais simples e de complexos verbais.
Resultados dessa extensa pesquisa desdobraram-se em diversos artigos, como em
VIEIRA (2008), que retoma e amplia os resultados relativos à modalidade oral, obtidos
em sua tese de doutorado, para tratar especificamente da posição do clítico pronominal
em complexos verbais no PB e no PE. Ao fim do artigo, valendo-se do tratamento dos
52
dados no âmbito morfossintático e fonético-fonológico, a autora, com base na proposta de
KLAVANS (1985), discute os parâmetros de cliticização em contextos de complexos
verbais. Os resultados desses estudos, que se sintetizam a seguir, oferecem importantes
contribuições para ampliar o conhecimento sobre a ordem dos clíticos pronominais em
construções com mais de um verbo.
Para a investigação de cunho morfossintático, o trabalho analisa a influência dos
condicionamentos a partir, dentre outras, das seguintes perguntas: “a composição do
complexo, quanto ao tipo de estrutura e à forma não-finita dos verbos, afeta o padrão de
colocação?; os diferentes tipos de clíticos determinam padrões de ordem distintos?; os
chamados elementos proclisadores atuam em contextos com complexos verbais?”
(VIEIRA, 2008, p. 03).
Os resultados relatados no estudo apontam os grupos de fatores significativos para
o condicionamento do fenômeno na modalidade oral das variedades brasileira e europeia.
Três variáveis mostraram-se significativas em ambas as variedades, a saber: (i)
constituição do complexo verbal; (ii) tipo de clítico; (iii) forma do verbo não-flexionado.
Além dessas, apenas para o PE, revelou-se também relevante, no condicionamento do
fenômeno, a presença de elemento proclisador.
Com a análise dos grupos de fatores, a autora observa, quanto ao tipo de pronome,
que o clítico acusativo de terceira pessoa tende, nas duas variedades, à posposição ao
complexo verbal (ex.: vai encontrá-lo). O pronome se do tipo reflexivo/inerente costuma
figurar adjacente a v2, aquele que lhe imprime papel sintático-semântico (ex.: deve
sentar-se ou deve se sentar); enquanto o “se” do tipo indeterminador/apassivador tende a
se adjungir a V1.
No que se refere ao tipo de estrutura verbal complexa, o estudo aponta que, em
construções com verbos causativos/sensitivos, o clítico se liga a V1, nas duas
variedades, ex.: mandei-o sair ou o mandei sair. Nas perífrases verbais e nos complexos
bi-oracionais com mesmo referente sujeito, o PB registra comportamento semelhante,
correspondente à anteposição do clítico a V2 (ex.: quer se encontrar). No PE, as
perífrases verbais apresentam distribuição equivalente ao condicionamento geral da
variedade, enquanto, com as estruturas bi-oracionais de mesmo referente sujeito, há uma
tendência ao uso da variante pós-complexo verbal, ex.: quer encontrar-se. Em ambas as
variedades, o particípio não admite a posposição do clítico (ex.: *tinha encontrado-o).
53
No que se refere à modalidade escrita, objeto de observação do presente
trabalho, VIEIRA (2002) descreve a ordem dos clíticos em complexos verbais presentes
em amostra complementar composta de 30 textos jornalísticos – dos gêneros ‘crônica’ e
‘editorial’ – em cada variedade. Esses textos forneceram apenas 21 dados de clíticos em
complexos verbais no PB, 52 no PE e 64 no PM (Português Moçambicano).
Nos dados da variedade europeia, o estudo demonstrou que, em contexto
linguístico com a presença de elementos proclisadores, a preferência é pela colocação
anteposta do clítico ao complexo verbal. Pode-se observar, com isso, que o PE parece
seguir o princípio da “atração” pronominal, também nos complexos verbais, de forma
mais rigorosa do que o PB. Os resultados revelaram que advérbios mais curtos (do tipo
aqui, sempre), partículas de negação e elementos subordinativos são atuantes no
favorecimento da próclise ao complexo verbal. Em seguida, a preferência é pela
variante pós-complexo verbal.
No Português do Brasil, as produções escritas apresentam tendência à variante
intra-CV e os possíveis “atratores” parecem não condicionar a anteposição do clítico ao
complexo verbal. Nas poucas ocorrências de que dispunha, o trabalho sugere que a
preferência geral da escrita no PB seria pela variante intra-complexo verbal e que a
ênclise ao complexo figuraria em contextos específicos, como na combinação de V2 na
forma infinitiva mais clítico acusativo (o, a, os, as).
Com relação ao condicionamento fonético-fonológico, os estudos de Vieira
objetivaram identificar a direção da ligação fonológica do clítico: se em próclise ou em
ênclise a V1 ou a V2. Com base na proposta de KLAVANS (1985) e no aporte
metodológico da Fonética acústica, a autora discute o parâmetro de cliticização
fonológica em contextos de complexos verbais, buscando, principalmente, responder à
questão: “o parâmetro de cliticização fonológica influenciaria, em alguma medida, o
comportamento dos dados por variedade?” (2008, p. 02). Para viabilizar a pesquisa,
utilizou-se o Programa CSL (Computerized Speech Lab), por meio do qual se
desenvolveram dois procedimentos metodológicos: medição dos parâmetros acústicos
do acento e síntese de fala associada a testes de percepção auditiva.
Como hipótese geral acerca da medição dos parâmetros acústicos, postulou-se que
o clítico no PB, com ligação à direita, se comportaria como uma sílaba pretônica. No PE,
o clítico, ligando-se à esquerda, apresentaria comportamento semelhante ao de uma sílaba
átona (pretônica ou postônica) vocabular.
54
De acordo com o tratamento acústico, pôde-se atestar que o comportamento do
clítico no PB, quanto à duração e à intensidade, é semelhante ao da sílaba pretônica
vocabular. No que tange à ligação fonológica do átono, nota-se um direcionamento para
direita. Com relação ao PE, levando-se em conta duração e intensidade, o clítico apresenta
semelhança com uma sílaba átona vocabular, podendo esta ser pretônica ou postônica.
Quanto ao parâmetro da ligação fonológica, o clítico no PE tende a se direcionar para a
esquerda.
Considerando os resultados sociolinguísticos e prosódicos das análises
desenvolvidas pela autora, VIEIRA (2008) propõe uma aplicação dos parâmetros de
cliticização propostos em KLAVANS (1985) aos contextos de complexos verbais.
Apresentam-se, no quadro proposto pela autora (VIEIRA, 2008, p. 14), as tendências do
que parece ser prototípico nas variedades europeia e brasileira do Português.
VARIEDADES
DO PORTUGUÊS
PRECEDÊNCIA (P2)
Orações do tipo
raiz/coordenada
Orações
“dependentes”
LIGAÇÃO
FONOLÓGICA (P3)
ENCLÍTICA
Português Europeu
Português do Brasil
ENTRE V1 e V2 ou
DEPOIS de V2
ANTES de V1
(ao elemento proclisador,
a V1 ou a V2)
ENTRE V1 e V2
PROCLÍTICA
predominantemente a V2
Quadro 2. Aplicação do parâmetro da precedência (P2) e da ligação fonológica (P3), proposto por
KLAVANS (1985), ao comportamento prototípico da ordem dos clíticos em PE e PB segundo VIEIRA
(2008)
A autora observa, no que se refere aos parâmetros de Klavans, que o PB apresenta
tendência geral à aplicação da variante intra-CV, com predomínio de ligação do clítico à
direita, contrariada apenas quando se trata do clítico “o” aliado a v2 na forma infinitiva
ou “se” indeterminador/apassivador que, contíguo ao elemento proclisador, favorece a
próclise a V1. Quanto ao padrão do PE, há uma dificuldade em sistematizá-lo, já que os
condicionamentos estruturais atuam de forma significativa. Resumidamente, pode-se
concluir que, em orações coordenadas e sem elemento proclisador, o clítico tende a
figurar ou entre V1 e V2 ou depois de V2, com direcionamento à esquerda. Em orações
dependentes, o clítico ocorre preferencialmente em posição pré-complexo verbal, como
se ligado encliticamente ao elemento proclisador.
55
Sob uma perspectiva morfossintática, SCHEI (2003) destaca análises dos
principais gramáticos que abordaram normativamente a questão da ordem dos clíticos.
Dessa forma, pauta seus estudos em obras literárias contemporâneas brasileiras e
europeias a respeito da colocação pronominal na modalidade escrita, contemplando
dados de lexias verbais simples e complexas, a que chama de locuções verbais. A autora
destaca, ainda, a dificuldade em distinguir locuções verbais de outras sequências de
verbos, devido à falta de consenso em se delimitar o status do que seria um auxiliar.
Dessa forma, considera locuções verbais as construções de dois verbos com o mesmo
sujeito e com um clítico que é objeto do verbo principal, sendo assim: (i) auxiliar +
particípio; (ii) auxiliar + gerúndio; (iii) auxiliar + infinitivo; (iv) auxiliar com
preposição + infinitivo.
A autora explicita um fato importante em sua metodologia de análise, a saber:
considera, em separado, construções passivas de ser e particípio, além das construções
com “se” indeterminador, sendo o último um ponto de grande interesse para a presente
pesquisa. Com isso, observa que o padrão da colocação pronominal em construções
com ser+particípio e com “se” indeterminador é sempre proclítico ou enclítico ao
auxiliar.
Observam-se, então, os resultados mais relevantes relativos à colocação do “se”
indeterminador em locuções verbais, pronome que não é objeto do verbo principal, mas
índice de indeterminação do sujeito, fato que talvez motive a diferença na colocação
pronominal. Os fenômenos analisados são resumidos da seguinte forma, segundo a
autora:
(a) Em casos sem nenhum fator de próclise, a próclise ao auxiliar pode
ocorrer com “se” indeterminador mas dificilmente ocorre com os demais
pronomes.
(b) Em casos com um fator de próclise, a próclise ao auxiliar é categórica
com “se” indeterminador mas nem sempre ocorre com os demais pronomes.
(c) Quando “se” indeterminador está entre os dois verbos está sempre
ligado ao auxiliar com um hífen. (SCHEI, 2003, p. 228)
Tanto para a apreciação do PB quanto para a do PE, os dados com algum fator
de próclise (partícula “atratora”) foram isolados na análise. Nos dados do PB, o “se”
indeterminador em construções com auxiliar + infinitivo sem “atrator” ocorre
preferencialmente enclítico ao verbo auxiliar (em 69% dos dados), enquanto 31% das
56
ocorrências figuram proclíticas ao auxiliar. A tendência geral para os demais pronomes
no mesmo contexto revela preferência pela próclise a V2 ou ênclise a V2 na maioria dos
dados, de forma praticamente equilibrada, enquanto se registra apenas um dado de
próclise ao auxiliar e apenas um dado de ênclise ao auxiliar.
Por outro lado, considerando-se ainda o auxiliar + infinitivo, diante da presença
de possíveis “atratores”, o “se” indeterminador figura majoritariamente em posição de
próclise a V1 e apenas um dado em próclise a V2, cuja ocorrência, sem o hífen, a
própria autora revela não saber explicar. Observe-se o exemplo: “[...] compraram dois
cortes e remontaram uns trajos de Estrela que estavam esgarçados pra ela e podiam se
recortar pra mim. (Queiroz, 84)”. Quanto aos demais clíticos, neste mesmo contexto,
registra-se preferência pela variante proclítica a V2, em 59% dos casos.
Ressalte-se que os pouquíssimos dados de indeterminador em construções de
auxiliar + particípio, auxiliar + gerúndio e auxiliar/prep. + infinitivo inviabilizaram
generalizações. Pode-se apenas informar que, nos sete dados em contextos com
elemento “atrator”, o “se” está sempre proclítico a V1 e que, nos cinco dados em
contextos sem “atração”, o “indeterminador” é sempre colocado enclítico a V1. Note-se
que, com auxiliar/preposição + infinitivo, o referido pronome se encontra entre V1 e a
preposição, o que, segundo a autora, nunca ocorre com os demais clíticos nessa locução
verbal, a saber: “Está-se a ver que D. Loura o adorava; (Queiroz, 76)”.
Interessa apresentar, ainda, os resultados dos outros tipos de “se” analisados pela
autora no PB, mas sem a especificação entre apassivador ou reflexivo/inerente,
diferentemente da forma como se aborda nesta tese. Em construções com auxiliar +
particípio, observa-se alta frequência (76%) da variante proclítica a V2. A mesma
tendência se repete ainda que exista contexto de atração antes da estrutura verbal
complexa. A autora mostra que o clítico “se” figura proclítico a V2 em 70% dos casos.
As tendências gerais se confirmam em construções com auxiliar mais gerúndio.
Dessa forma, nota-se alta frequência da colocação proclítica a V2 (96% dos casos). O
mesmo se observa na presença de um fator de próclise, a variante proclítica ao auxiliar
ocorre em 95% dos dados.
Em estruturas com auxiliar mais infinitivo, registraram-se 65% dos dados em
posição proclítica a V2 e 35% dos dados em posição enclítica a V2. Já na presença de
um fator de próclise, a tendência novamente se confirma, a saber: 81% de próclise a V2
e 19% de ênclise a V2.
57
Em construções com auxiliar com preposição + infinitivo, o “se” apresenta
comportamento semelhante ao descrito nos contextos anteriores, a saber: alta frequência
da variante proclítica a V2 (87%) e apenas 13% de ênclise ao verbo principal. É
importante observar o tipo de preposição que influencia a posição proclítica ou enclítica
ao infinitivo. Na referida amostra, nota-se que a preposição “por” é a única que favorece
o aparecimento da próclise ao verbo principal no infinitivo, as demais (“a”, “de” e
“em”) favorecem fortemente a ocorrência de ênclise ao infinitivo.
Elaborou-se uma tabela com os diferentes tipos do “se” na construção mais
produtiva do corpus, que é a composta por auxiliar + infinitivo, ainda que a autora
analise separadamente apenas o “se” indeterminador. As demais construções com o
indeterminador, como auxiliar + particípio, auxiliar + gerúndio e auxiliar/preposição +
infinitivo, registraram juntas um total de apenas 12 ocorrências, motivo pelo qual não
estão incluídas na tabela abaixo.
Auxiliar + infinitivo (sem “atrator”)
(com
“atrator”)
cl V1 V2
V1-cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
cl V1 V2
V1-cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
“se”
indet.
31%
4/13
69%
9/13
0%
0/13
0%
0/13
96%
22/23
0%
0/23
4%
1/23
0%
0/23
Outro
s
tipos
de
“se”
0%
0/79
0%
0/79
65%
51/79
35%
28/79
0%
0/26
0%
0/26
81%
21/26
19%
5/26
Tabela 1: Distribuição da colocação pronominal no PB, em complexos verbais, por tipo de “se”, sem
“atrator” e com “atrator” segundo SCHEI (2003)
De modo geral, a tabela permite perceber que a colocação em construções com
“se” não indeterminador segue tendência semelhante em todos os tipos de grupos
verbais, qual seja, a colocação prioritária em posição proclítica a V2 e, em menor
escala, em ênclise ao verbo principal. No entanto, quando o “se” é do tipo
indeterminador, fica nítida a diferença na colocação pronominal, que tende a ser
preferencialmente enclítica ao auxiliar, nos casos sem “atração”, além de alguns poucos
dados de próclise a V1. Já em contextos com elementos “atratores”, o “se”
58
indeterminador apresenta-se majoritariamente em próclise a V1 e registrou-se apenas
um dado em próclise a V2.
Com relação aos dados do PE, em construções com auxiliar + particípio e
auxiliar + gerúndio, a próclise a V1 ocorre na presença de um fator de próclise,
independentemente de ser um indeterminador ou outro clítico qualquer. Já em estruturas
com auxiliar + infinitivo, a próclise a V1 nem sempre ocorre, ainda que haja um
elemento “atrator” precedendo a estrutura. É justamente nessa construção que se revela
alguma diferença entre o indeterminador e os demais clíticos no PE, assim como no PB.
Tais estruturas com “se” indeterminador sem fator de próclise apresentam-se
prioritariamente em posição de ênclise a V1. Comparando-se a outros pronomes,
observa-se a preferência pela posição de ênclise a V2. Já diante do elemento “atrator”,
nota-se a presença da variante pré-CV quando o clítico é o “se” indeterminador,
categórica em um escritor, mas não em outro. Por outro lado, com outros clíticos, notase preferência pela distribuição equilibrada entre as variantes pré-CV e pós-CV.
Observa-se, a partir da análise do trabalho de SCHEI (2003), apenas parte do
comportamento particular da colocação pronominal por tipo de “se”, já que, além de a
pesquisa não abordar separadamente o “se” reflexivo/inerente e o apassivador, trata da
peculiaridade do “se” indeterminador em complexos verbais no PB e no PE apenas em
dados contemporâneos. Das resenhas feitas até aqui, fica claro que está por ser descrita
e detalhada a história da colocação pronominal por tipo de “se”.
Tendo por base o trabalho de RODRIGUES-COELHO (2011), realizado a partir
de redações escolares de alunos da rede privada e pública do Rio de Janeiro (narrações e
dissertações), em diferentes níveis de escolaridade, podem-se confirmar algumas
tendências já apontadas nesta tese por meio de outras pesquisas sincrônicas, a respeito
da colocação pronominal em estruturas com complexos verbais.
A variante mais produtiva na construção auxiliar + gerúndio, por exemplo, em
que figura o “se” reflexivo/inerente é a próclise a V2. Quanto ao uso do “se”
indeterminador/apassivador, é impossível tecer generalizações, tendo em vista o escasso
número de dados nessa construção.
Em construções com auxiliar + particípio, o mesmo ocorre com clítico “se”
reflexivo/inerente, que tende a se adjungir ao verbo principal em próclise. Os poucos
dados de “se” indeterminador/apassivador, devido ao caráter passivo da estrutura,
59
ocorrem preferencialmente em posição proclítica ao verbo auxiliar, conforme apontaram
outros estudos, como o de CASSIMIRO (2010).
Os resultados da colocação do clítico “se” em construções com auxiliar +
infinitivo permitem generalizações já apontadas em trabalhos anteriores, tal qual a
preferência pela adjunção a V1, preferencialmente enclítico, quando se trata de “se”
indeterminador/apassivador. Chama-se atenção para o fato de que, quando comparado a
outros tipos de clíticos, o único que apresenta padrão diferente de colocação, visto
exibir índices elevados de ênclise a V1, é o indeterminador/apassivador. Por outro lado,
quando o “se” é reflexivo/inerente, ocorre no corpus majoritariamente a próclise a V2.
Outro dado importante, observado por RODRIGUES-COELHO (2011), diz respeito ao
tipo de complexo favorecedor da adjunção do indeterminador/apassivador a V1, que se
relaciona aos verbos modais poder/dever em todos os dados da amostra analisada.
O trabalho de VIEIRA, M.F. (2011), embora também se apoie numa perspectiva
sincrônica, diferencia-se dos demais por tratar, sincronicamente, da colocação
pronominal na modalidade oral do Português Europeu. O corpus baseia-se em
inquéritos de informantes do final do século XX, entre a idade de 40 e 80 anos,
analfabetos ou com pouca escolaridade, extraídos do banco de dados disponível no
CORDIAL-SIN. A coleta gerou um total de 450 dados; desses, foram consideradas as
estruturas com dois verbos, totalizando 444 formas com apenas um auxiliar, cujos
principais pontos da análise serão destacados a seguir.
No gráfico abaixo, apresenta-se a distribuição geral dos resultados por variante,
tendo por base a tabela de dados disponível no trabalho da autora.
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Cl v1 V2
V1 cl v2
v1 v2 cl
Gráfico 17: Distribuição da colocação pronominal do PE contemporâneo falado, em complexos verbais,
considerando contextos com e sem “atrator” segundo VIEIRA, M.F. (2011)
60
A distribuição geral dos resultados aponta a preferência pela colocação intracomplexo verbal (em 58% dos dados), considerando-se as variantes V1-cl V2 – com
hífen ou V1 cl V2 – sem hífen, amalgamadas pela autora. Ressalte-se, contudo, que a
variedade europeia tende à colocação da variante enclítica a V1, embora as duas
variantes em questão tenham sido computadas juntas, neste gráfico. Saliente-se que a
variante V1 (X) cl V2, na escrita europeia, é sempre motivada pela existência da
preposição/conector que integra o complexo verbal para cliticizar o “se” (ex.: “tem de se
fazer...”). Observando-se a forma do verbo principal, que compõe a estrutura verbal
complexa, atesta-se que, com o gerúndio e, especialmente com o infinitivo, a variante
intra-complexo verbal, prioritariamente em ênclise a V1, é a preferida. Por outro lado,
com o particípio, a preferência é pela variante proclítica a V1 em 67% dos casos.
Contudo, como o número de dados de particípio e gerúndio foi insuficiente para
estabelecer generalizações, apresenta-se, a seguir, a descrição dos resultados relativos
ao verbo principal na forma infinitiva, cuja distribuição dos percentuais foi semelhante à
tendência geral da colocação dos clíticos no corpus.
A análise demonstra que o falante europeu apresenta estratégias bem claras para
a colocação pronominal também na oralidade, já que os contextos descritos como
tipicamente “atratores” realmente atraem o pronome para a posição de próclise ao
complexo verbal, como o caso dos elementos subordinativos, em 77%. Contudo,
chama-se atenção para o fato de o índice não ser categórico na fala europeia, o que
revela que a ênclise ocorre ainda que em contextos de “atração” pronominal. No que
tange às partículas de negação e nas estruturas clivadas, a atuação do condicionamento
ocorre em 86% e 87%, respectivamente; diante das preposições para e de, os índices de
próclise são categóricos. Nos ambientes linguísticos em que não houve elementos ditos
proclisadores, utilizou-se a variante intra-complexo verbal como estratégia, como no
caso de início absoluto de oração, diante de conjunções coordenativas e locuções
adverbiais. Já a variante enclítica a V2 foi a menos empregada no corpus.
Outro fator relevante é a distribuição dos dados por tipo de clítico, especialmente
no que se refere aos tipos de “se”, de que se ocupa especialmente esta tese. A aplicação
das variantes apresenta-se muito semelhante por tipo de clítico no PE, o que não
costuma acontecer no Português do Brasil. Para um falante brasileiro, conforme já se
demonstrou, o tipo de “se” pode influenciar a escolha por determinada variante em
detrimento de outra. A variante intra-complexo verbal é a preferencial, considerando-se
61
os três tipos de “se”, em mais de 60% das ocorrências europeias. Como segunda opção,
aparece a variante pré-complexo verbal em aproximadamente 30% de aplicação nos
dados. A variante pós-complexo verbal figura em poucos dados.
A autora separa a análise, ainda, por tipo de complexo verbal. Permite, assim,
atestar a produtividade da variante intra-complexo verbal em mais de 50% das
ocorrências em todos os diferentes tipos de complexos, a saber: modais, bi-oracionais
volitivos, aspectuais e temporais. Chama-se atenção, também, para a expressiva
colocação da próclise a V1 – que, segundo a autora, estaria associada à presença de
proclisadores – no caso dos modais, a frequência de próclise chegou a 41%; e no caso
dos bi-oracionais, foi registrado o índice de 38%. A variante enclítica foi registrada com
menor índice de colocação em cada um dos diferentes tipos de complexos verbais.
Outro resultado importante da pesquisa de VIEIRA, M. F (2011) é o registro da
preferência pela variante intra-CV mediante a presença de elemento interveniente no
complexo verbal, em 61% dos dados; quando da ausência, registraram-se 49% dos
casos (em ênclise a V1). A variante proclítica a V1 funciona como segunda opção,
sendo utilizada em 37% dos dados sem qualquer elemento interveniente e em 23% das
ocorrências com algum elemento interveniente. Em estruturas com o elemento “que”
dentro do complexo verbal do tipo “tem que + infinitivo...”, houve o emprego da
variante intra-CV (V1 (x) cl V2), sempre influenciada pelo “proclisador” interno ao
complexo verbal, praticamente de forma categórica nos dados em questão. Tendência
semelhante se observa com a estrutura “tem de + infinitivo”. Cabe salientar que a
posição enclítica a V2, independentemente de estar na presença ou ausência de algum
elemento interveniente, foi empregada quase sempre que o clítico era o acusativo de
terceira pessoa, do tipo “o”, “a” (s).
Destaca-se, dessa forma, que o trabalho acrescenta informações pertinentes a
respeito da colocação pronominal na língua portuguesa, especialmente por considerar
dados populares da oralidade do PE, campo ainda pouco explorado pelos linguistas, e,
ainda, por levar em conta estruturas verbais complexas. Ressalte-se que a variante
interna ao complexo verbal, a mais empregada no corpus, apresentou-se enclítica a V1,
e não em próclise a V2, apenas em construções bastante particulares em que se registra
um complexo verbal com preposição/conector integrante, sendo esse comportamento
adverso ao já registrado nos dados contemporâneos do PB. Salienta-se, por ora, que os
casos de ênclise ao auxiliar registrados na amostra não figuraram em contextos
62
morfossintáticos que permitissem, segundo a norma de uso europeia, outra variante se
não esta. O único contexto linguístico em que não se observou a preferência pela ênclise
a V1 foi em construções com particípio como auxiliar. Nesse caso, o falante preferiu a
posição proclítica a V1, sob influência, em todos os casos, pela presença de um
elemento tipicamente “atrator”. Ocorre, ainda, que o emprego do “que/de”
interveniente, condicionou a cliticização tal como em ênclise ao conector (ex.: tem que
se fazer...). Além disso, não houve registros de qualquer ocorrência no corpus da ênclise
à forma participial também em posição de V2.
Conforme já se esperava, a autora destaca que não houve ocorrências de próclise
ao complexo verbal em início absoluto de oração. Além disso, a ênclise ao complexo
verbal, a variante menos produtiva no corpus, tende a figurar com o clítico “o(s)”,
“a(s)”, especialmente com o infinitivo.
CORRÊA (2012) trata do tema da cliticização em complexos verbais sob o viés
da interface sintaxe-fonologia6. Com base na Sociolinguística Variacionista e amparada
pela Fonologia Experimental, analisou-se um corpus contemporâneo da língua oral de
falantes da região metropolitana do Rio de Janeiro, considerando-se as áreas de
Copacabana (e adjacências) e Nova Iguaçu.
Os resultados a respeito de dados contemporâneos vão ao encontro da análise de
VIEIRA (2002), com base em ocorrências da década de 1980 e 1990, em que a posição
intra-CV correspondeu a 90% dos dados, enquanto se registraram 7% do corpus em
próclise a V1 e apenas 3% em ênclise a V2, variantes motivadas por condicionamentos
estruturais específicos. No trabalho de CORRÊA, a preferência pela variante intra-CV
foi ainda mais evidente, totalizando 96% do corpus, sempre em posição de próclise ao
verbo principal. A autora ressalta, dessa forma, a dificuldade em se reconhecer uma
regra variável, e destaca que a variação posicional ocorreu praticamente apenas na fala
de homens com mais de 56 anos, com nível superior, fundamentalmente moradores de
Copacabana – local de maior prestígio sociocultural –, mesmo assim, em baixo índice
percentual. Considerando-se a fala de indivíduos com nível fundamental e médio,
registrou-se apenas 1% de ocorrências que não fosse a variante intra-complexo verbal.
As variantes proclítica a V1 e enclítica a V2 não configuram, definitivamente, uma
6
O trabalho em questão será apresentado brevemente, já que dialoga com a investigação já apresentada
de VIEIRA (2002) e VIEIRA (2008).
63
escolha natural no padrão de colocação pronominal da fala de indivíduos jovens e de
pouca escolaridade.
Os clíticos “o(s), a(s)” e “se” indeterminador/apassivador foram os únicos que
apresentaram diferença no padrão da colocação. Contudo, o acusativo de terceira pessoa
não variou, tendo sido registrado apenas em posição de ênclise ao verbo principal.
CORRÊA apontou, assim, que o único clítico que realmente se apresentou no corpus
em posição variável foi o “se” indeterminador/apassivador, influenciado pelo tipo de
complexo verbal formado pelo modal poder + infinitivo (o que motiva a ênclise a V1) e
pela presença de elementos tipicamente “atratores” (como partículas de negação e
pronome que – que motivam a próclise a V1).
Quanto à análise fonético-fonológica, a autora realizou três experimentos, a
saber: experimento 1 – análise prosódica dos clíticos em lexias verbais simples;
experimento 2 – análise prosódica dos clíticos em lexias verbais complexas; e
experimento 3 – percepção de ouvintes, utilizando-se do recurso da ressíntese da fala. O
que de mais importante se pode ressaltar, baseando-se no segundo experimento, é que
nem sempre um “se” reflexivo/inerente assume comportamento nitidamente proclítico
em termos acústicos, da mesma forma que um “se” indeterminador/apassivador não se
coloca obrigatoriamente enclítico, mesmo que essa seja a configuração normalmente
estabelecida. Independentemente da ligação sintática, o experimento mostrou que o “se”
pode se ligar fonologicamente ao verbo auxiliar ou ao verbo principal, não coincidindo
o hospedeiro sintático com o fonológico.
Por fim, é interessante a análise da percepção do falante, por meio do
experimento 3 – mediante determinada manipulação dos parâmetros acústicos –, que
permitiu avaliar o “se” reflexivo/inerente como mais saliente acentualmente do que o
“se” indeterminador/apassivador. Nas palavras da autora, “quanto mais nítida a
fragilidade
acentual
do
clítico,
mais
indeterminador/apassivador.” (p. 245)
64
ele
foi
interpretado
como
‘se’
2.4 Sistematização: a trajetória da ordem dos clíticos segundo os trabalhos
apresentados
Para a sistematização da trajetória dos clíticos na língua portuguesa, adotou-se o
método de análise de GBPS (2005), que apresenta a seguinte divisão: (i) século XVI a
XVIII, em que as autoras não consideram um Português do Brasil ou um Português
Europeu, mas uma língua de base comum, chamada de Português Clássico; (ii) século
XIX e XX, com base nos resultados do Português do Brasil; e (iii) século XIX e XX,
com base nos resultados do Português Europeu.
(i)
Do período que compreende os séculos XVI ao XVIII, tomando-se por base
a análise do Português Clássico, destacam-se, nesta pesquisa, os estudos de
Pagotto (1992), Martins (1994), Cyrino (1996) e GBPS (2005);
(ii)
Do período que compreende os séculos XIX e XX, tomando-se por base a
análise de dados do Português do Brasil, destacam-se Cyrino (1996), Lobo
(2001), Nunes (2009), Cassimiro (2010), além de Carneiro (2005) e Martins
(2009), que também assumem a nomenclatura referente ao período anterior
como Português Clássico. Já GPBS (2005), além de não considerar os
complexos verbais, trata das ocorrências dos escritores do período do
Português Clássico e apenas um do século XIX (1836), razões pelas quais
não se julga viável propor generalizações com base em tais resultados na
sistematização do chamado Português do Brasil.
(iii)
Do período que compreende os séculos XIX e XX, tomando-se por base a
análise de dados do Português Europeu, destacam-se Lobo (2001), Nunes
(2009), Martins (2009) e Cassimiro (2010).
Considerando-se os trabalhos de cunho sincrônico, que contemplam apenas o
século XX, destacam-se Vieira, S.R. (2002) e Schei (2003) para a análise do Português
do Brasil e do Português Europeu, Rodrigues-Coelho (2011) e Corrêa (2012) para a
análise apenas do Português do Brasil, e Vieira, M. F. (2011) para a análise apenas do
Português Europeu.
65
2.4.1 O Português dos séculos XVI ao XVIII: O Português Clássico
A análise realizada em Pagotto (1992) revela que, para todo o período do
Português Clássico, a tendência da colocação pronominal era majoritariamente a de
próclise ao primeiro verbo (tanto em contextos com atração como em contextos sem
atração pronominal), seguida de ênclise ao segundo verbo, especialmente quando não
havia elementos “proclisadores”. Diante de contexto com atração pronominal, na escrita
do Português Clássico figuravam apenas as variantes cl V1 V2 e V1 V2-cl até a segunda
metade do século XVIII, quando, a partir de então, se registram a próclise a V2 e a
ênclise a V1.
PAGOTTO (1992) tenta encontrar uma explicação para os padrões atuais de
colocação pronominal do PB a partir do importante fenômeno da subida do clítico, que
era bastante produtivo no Português Clássico, e investiga sua redução no período atual
do PB. Ele acredita na hipótese de que as construções com infinitivo que admitiam a
subida de clítico, associada a uma perda do movimento do verbo nas infinitivas (dado o
enfraquecimento de AGR), tenham iniciado o processo de mudança no padrão da
cliticização do português. O autor destaca, ainda, que a anteposição do clítico aos
elementos de negação (a interpolação) reforça a ideia do movimento do clítico.
O autor mostra que, entre os séculos XVI e XVIII, o padrão de cliticização ao
primeiro verbo não apresentava distinção entre verbos mais auxiliares e estruturas de
encaixamento. Pode-se estabelecer, então, que um clítico podia subir da sentença mais
baixa para uma sentença mais alta, especialmente em construções com os verbos
‘querer’, ‘mandar’, aspectuais + preposição, e da sentença mais alta para uma sentença
mais baixa, especialmente com verbos modais, gerúndio e particípio.
A maior preocupação de Pagotto é dar conta de como, a partir do Português
Clássico, que apresentava o padrão de cliticização de colocação da próclise ao primeiro
verbo, se originou o Português do Brasil, cujo padrão atual de colocação emprega a
próclise ao verbo principal. O autor tenta, então, demonstrar como esta posição já estava
disponível naquele período, mesmo que não ocupada pelo clítico por alguma imposição
restritiva da gramática. Para tanto, apoia-se na tese de GALVES (1990), que diz que, no
PB atual, o verbo não se moveria até AGR (a camada de concordância), mas já estaria
afixado a ela, formando uma categoria mista V + AGR. Segundo o autor, “a próclise é
generalizada porque se houvesse ênclise o estatuto desta categoria mista seria alterado”
66
(p. 155). Pagotto observa que, ainda hoje, a posição de AGR está disponível e é para
onde o verbo se move, mas ela seria incompatível com os atuais clíticos, cuja categoria
não se coaduna com concordância no PB.
É importante destacar que, no estudo de Pagotto, os dados de próclise ao verbo
principal não são encontrados até a segunda metade do século XVIII, enquanto, nas
estruturas com verbos simples, os índices de próclise ultrapassam o índice de 80% na
mesma época, o que denota que a mudança pode ter se iniciado nas estruturas de um
único verbo. Resultados convergentes foram encontrados entre os séculos XIII ao XVI
na pesquisa de MARTINS (1994), que também não registrou qualquer dado de próclise
a V2 no período sob análise, em documentos não literários (notariais).
A autora observa que há uma preferência na amostra pela ligação a V1 e raras
são as ocorrências de ligação a V2 (todas em ênclise). O clítico se adjunge ao verbo
auxiliar sempre em próclise diante de elementos subordinativos e partículas de negação
ou em ênclise a V1 categoricamente quando em início absoluto de oração, na presença
de preposição ou advérbio no interior do complexo verbal, separando o clítico do
infinitivo (V2), e quando há contração entre os clíticos “o, a(s)” e uma forma verbal
terminada em –s ou em vogal nasal, o que gera “uma cliticização fonologicamente
visível ao auxiliar” (p.152). Dos 106 dados de complexos verbais, apenas cinco se
apresentaram em ênclise a V2, como em “o que non for / veervos” (p. 271).
CYRINO (1996), assim como Pagotto, observa que, na escrita de peças teatrais,
o início do processo de mudança para o padrão V1 cl V2 começa a se estabelecer antes
mesmo do século XIX (enquanto, por outro lado, alguns estudiosos apontam o século
XIX como a principal época para possíveis mudanças linguísticas). A autora sugere,
ainda, que a ênclise a sentenças-raiz seria um padrão da gramática do Português
Clássico, o que lhe permite propor que pode ter havido uma reanálise, nos grupos
verbais, em que a ênclise ao primeiro verbo passa a ser entendida/“ouvida” como
próclise ao segundo verbo, o que, por sua vez, pode estar relacionado aos padrões
rítmicos da fala.
No que tange, especialmente, às lexias verbais simples, GBPS (2005) apontam
oscilações no uso das variantes proclítica e enclítica até o início do século XVIII. Após
esse período, o corpus revela uma tendência à colocação da ênclise, que perdura até o
século XIX, quando se começava a delinear um padrão diferenciado para a variedade
brasileira da língua portuguesa e outro para a europeia.
67
Até agora, observa-se que a próclise já não era novidade no período clássico do
Português, tanto nas lexias verbais simples quanto nas complexas. Ressalte-se, contudo,
que, nas estruturas com complexos verbais, os primeiros registros da variante proclítica
a V2 datam do século XVIII nas pesquisas de Pagotto e Cyrino. Antes desse período,
havia tendência ao emprego das variantes proclítica a V1, seguida da ênclise a V1 e a
V2. No que se refere especificamente ao comportamento da forma pronominal “se”,
objeto de especial interesse neste trabalho, apesar de Pagotto observar a importância do
tipo de “se” para o fenômeno da colocação pronominal, não se aprofundou na questão.
Dessa forma, os resultados apresentados ainda não são suficientes para generalizações
acerca da colocação pronominal do “se” em lexias verbais complexas.
2.4.2 O Português dos séculos XIX e XX: O Português do Brasil
A pesquisa de Cyrino (1996) mostra que, no período entre os séculos XIX e XX,
há uma queda da ênclise tanto ao verbo principal quanto ao verbo auxiliar, além da
redução da próclise a V1, o que, consequentemente, gera o aumento da variante
proclítica a V2, confirmando tendências iniciadas já no Português Clássico. Os
resultados revelam que a próclise a V2 passa a ser mais frequentemente empregada na
primeira metade do século XIX, enquanto no século XX a variante passa a ser
categórica. Com isso, a autora generaliza que o clítico se coloca fixo ao verbo mais
baixo do complexo verbal como tendência geral a partir do século XX. Em Lobo
(2001), cujo corpus utiliza cartas particulares de brasileiros e portugueses produzidas no
século XIX, também se registra a próclise a V2, embora ainda com baixos índices
percentuais; a próclise ao verbo auxiliar continuava a ocorrer em metade do corpus,
especialmente após contextos de atração.
A análise de Carneiro (2005), baseada em cartas escritas no Brasil por brasileiros
e portugueses no século XIX, segundo a data da produção do material, aponta que os
dados do primeiro quarto do século XIX permitem notar uma queda da próclise a V2 em
relação ao período anterior. A opção preferencial, na amostra, é a colocação da próclise
a V1, especialmente quando na presença de elementos ditos “atratores”. Contudo, a
autora enfatiza que a variante inovadora se faz presente de modo mais efetivo na
amostra do “interior”, que configura quase o dobro da mesma variante na amostra
“culta”. Com relação aos dados de ênclise, tanto a V1 quanto a V2, é possível constatar
68
um aumento durante o século XIX, de modo mais efetivo quando adjungido ao verbo
principal.
Destaca-se, entretanto, que, em análise a partir do ano de nascimento de cada
autor, o período anterior ao século XIX indica um aumento da variante proclítica a V2,
que se mantém no século em questão. Além disso, os dados apontam a estabilidade da
próclise a V1 (considerando-se que na maioria dos casos há a presença de elementos de
atração pronominal e, excetuando-se os contextos de início absoluto de período da
análise), que consta como variante preferencial na amostra apresentada por CARNEIRO
(2005), consoante aos resultados revelados nos trabalhos dos autores supracitados.
Martins (2009) avalia que, dentro do período dos séculos XIX e XX, os padrões
de ordenação do clítico na escrita refletem um quadro complexo, já que, nos textos de
autores nascidos no século XIX, esses padrões seguem, ao mesmo tempo, os
instanciados (i) pela gramática do Português Clássico, tendo em vista os casos de
interpolação, já mencionados por Pagotto; (ii) pela gramática do PB, como o uso da
próclise ao verbo principal (não-finito); e, ainda, (iii) pela gramática do PE,
considerando-se os registros de ênclise, em início absoluto ou após elementos não
considerados atratores. A instabilidade dos padrões apontados gera, segundo o autor, o
fenômeno da hipercorreção em praticamente todos os textos do século XIX. Quanto à
avaliação dos dados do século XX, não se registram casos de interpolação e atesta-se o
aumento gradativo no uso da próclise a V1 (normalmente na presença de elementos
atratores) e da próclise a V2 (verbo não-finito), o que revelaria uma estabilização nos
padrões da gramática atual do PB e uma menor influência da norma europeia, quanto ao
uso da ênclise.
Para o autor, os resultados confirmam a teoria proposta por GBPS (2005) e
Carneiro (2005), de que os padrões de ordenação dos clíticos refletem uma competição
de três gramáticas do Português, tal como se apresenta nesta seção: o Português
Clássico, o Português do Brasil e o Português Europeu.
Em consonância aos resultados já expostos, Nunes (2009) observa, a partir da
análise de dados publicados em jornais, em anúncios, editoriais e notícias dos séculos
XIX e XX, a predominância da variante proclítica ao verbo auxiliar no decorrer de todo
o século XIX, especialmente quando se dava o contexto da atração pronominal ou em
estruturas com o auxiliar expresso pela voz passiva de “ser”, seguida da variante
enclítica ao complexo verbal, principalmente em início absoluto de oração, contexto em
69
que não foram registrados casos da variante proclítica a V1. No início do século XX, os
índices da variante proclítica a V1 ainda são elevados, mas começam a dar lugar ao uso
da variante enclítica a V2, que se estabiliza ao longo do século em torno de 40%. Nas
últimas décadas do século XX, os dados do PB revelaram maior registro da variante
proclítica ao verbo principal, tendência que destoa integralmente das escolhas do PE, tal
como se apresenta na subseção seguinte.
Cassimiro (2010) toma por base a análise de dados coletados em contos e
romances dos séculos XIX e XX, no PB e no PE. A autora apresenta que, em
construções com auxiliar + gerúndio, incluindo contextos de início absoluto de oração, a
variante proclítica a V2 é a preferida no PB, seguida da ênclise a V2, enquanto a
variante enclítica a V1 é a opção mais frequente no PE, que não empregou a variante
dita inovadora diante do gerúndio, confirmando a diferença no padrão da escrita entre
PB e PE. Segundo Cassimiro, os “atratores” prototípicos não atuaram de forma rigorosa
diante da estrutura auxiliar + gerúndio, com exceção dos elementos subordinativos, que
condicionaram a próclise a V1 na maior parte dos dados.
Com base nos dados de auxiliar + particípio, revelam-se mais semelhanças do
que diferenças entre PB e PE; ambas as variedades não empregaram a ênclise ao
particípio e a adjacência do clítico a V1, mais fortemente em próclise e seguido da
ênclise, foi uma tendência observada nos textos europeus e brasileiros. Os casos de
próclise a V1 ocorreram majoritariamente condicionados por elementos “atratores”,
enquanto a ênclise a V1 tendeu a figurar em contexto de início absoluto de oração nas
duas amostras. Ao contrário do exposto nos demais contextos, a colocação pronominal
com auxiliar + infinitivo – que configura a maior quantidade de dados da amostra –
revelou preferência pela variante enclítica a V2, em ambas as variedades, incluindo os
contextos de início absoluto de oração, no qual também se registrou a variante proclítica
a V2 no PB, e enclítica a V1 no PE, o que esboça a diferença entre as variedades.
Com base no refinamento dos resultados a respeito especificamente do clítico
“se”, pautando-se no complexo verbal formado pelo auxiliar + infinitivo (estrutura mais
produtiva da amostra), a colocação pronominal no PB aponta a preferência pela ligação
do “se” reflexivo/inerente em ênclise a V2, enquanto o “se” indeterminador/apassivador
se encontra ligado em próclise a V1, em praticamente 60% das ocorrências nos dois
casos. Ao que parece, confirma-se a ideia apresentada em Pagotto (1992) de que, no PB,
o “se” reflexivo/inerente costuma estar ligado ao verbo que lhe confere papel semântico.
70
Em linhas gerais, cada estudo permite sintetizar que o padrão de uso no século
XIX na escrita do PB era o emprego preferencial da próclise ao verbo auxiliar,
considerando-se, especialmente, o contexto de atração pronominal, que atuava
fortemente na escrita da época em questão, mas já havia registros da variante proclítica
ao verbo principal, que começou a ser mais efetivo a partir do século XX.
2.4.3 O Português dos séculos XIX e XX: O Português Europeu
O trabalho de Lobo (2001), que analisa cartas particulares produzidas por
portugueses no Brasil durante o século XIX, apresenta como variantes preferenciais o
uso da próclise ao verbo auxiliar em 60% do corpus, seguida da variante enclítica ao
verbo principal. O fato mais importante destacado pela autora é que, no século XIX,
também na escrita de portugueses, havia registros da variante proclítica ao verbo
principal em três dados das 103 ocorrências analisadas no PE. Como se trata de uma
escrita portuguesa produzida no Brasil, pode ter havido uma influência brasileira nas
cartas desses europeus, já que esta não seria uma norma genuinamente europeia.
Contemplando-se dados dos séculos XIX e XX, Nunes (2009) observa, a partir
da escrita jornalística e publicitária, as mesmas tendências apontadas por Lobo quanto à
preferência pela próclise ao complexo verbal, normalmente condicionada à atração das
partículas de negação ou outros elementos tipicamente “atratores”, seguida da ênclise a
V2. Destaca-se, contudo, que essa predominância apresenta queda a partir do início do
século XX, dando espaço ao aumento da variante enclítica a V2. Quanto à variante
enclítica a V1, registra-se um suave aumento no século XX, apesar de o uso não
ultrapassar a marca pouco significativa de 20% do corpus. A variante proclítica a V2
apresenta apenas um registro no século XIX e dois registros no século XX, em dados de
início absoluto de oração. Excetuando-se tais contextos iniciais, registrou-se apenas um
dado da próclise a V2 no século XIX e 4 desses dados no século XX, número reduzido
se comparado aos resultados do PB. Ressalta-se, segundo a autora, que em ambos os
séculos, a próclise a V2 ocorre em estrutura verbal formada pelos modais “ter” e
“haver” como auxiliar, em construções com elemento interveniente “de” ou “que”.
Dessa forma, o tipo de ocorrência no corpus europeu pode explicar a não inserção do
hífen, que não se assemelha ao que ocorre no corpus brasileiro, em que se dá, de fato, a
variante V1 cl V2, sem interferência de qualquer elemento interveniente.
71
Destaca-se, quanto ao tipo de “se”, que o indeterminador/apassivador favorece a
ligação ao auxiliar nos dois séculos em questão no PE. O uso do “se” reflexivo/inerente
se divide no século XIX entre as variantes pré e pós-CV, enquanto no século XX tende
a se colocar prioritariamente enclítico ao verbo principal. Nunes aponta, por meio de
sua análise, que o “se” reflexivo/inerente é o que mais favorece a variante pós-CV e o
que mais desfavorece a variante pré-CV, quando comparado aos demais clíticos.
Cassimiro (2010) permite observar semelhanças entre os dados literários do PB e do PE,
especialmente na preferência por determinada variante, tomando-se por base o tipo de
“se”. Por exemplo, assim como na análise apresentada para o PB, os dados do PE
apontam que o clítico “se” reflexivo/inerente é utilizado preferencialmente em ênclise a
V2; por outro lado, o “se” indeterminador/apassivador se encontra majoritariamente em
próclise a V1 nos séculos XIX e XX. A diferença mais significativa entre as duas
variedades é que no PB a variante proclítica a V2 é registrada em 19% das ocorrências
de “se” reflexivo/inerente, representados por seis dados e 14% de “se”
indeterminador/apassivador, representados por um dado, em contextos morfossintáticos
diversos, enquanto no PE esta variante é pouquíssimo utilizada, em torno de 5% dos
dados de “se” reflexivo/inerente, representados por dois dados – com elemento
interveniente ao complexo verbal do tipo “de/que” – e nenhum registro com o
indeterminador/apassivador.
Em linhas gerais, os estudos demonstraram que a escrita é uma modalidade que
aproxima as normas brasileira e europeia, principalmente no século XIX, época em que
a norma brasileira se pautava por uma espécie de padrão europeu que lhe servia de
modelo. No decorrer do século XX, as diferenças começam a se manifestar um pouco
mais, especialmente quando o PB se mostra inovador quanto ao uso da variante
proclítica a V2, que se manifesta em diferentes contextos não só em dados literários
(romances e peças teatrais), mas também em dados jornalísticos, ainda que com menor
produtividade. O PE não demonstra a mesma tendência, já que os dados estão
condicionados ao contexto morfossintático, como quando se emprega a próclise a V1,
atrelada a elementos “atratores”, ou na posição anterior a V2, influenciada por algum
elemento interveniente ao complexo verbal (cf. NUNES, 2009).
72
2.4.4 O Português do Brasil e o Português Europeu: uma perspectiva sincrônica
VIEIRA (2002), que toma por base a escrita de crônicas e editoriais (além dos
dados de fala), observa que a preferência, nos dados do PE, é pela variante pré-CV, na
maioria dos casos condicionada pela presença de elementos “proclisadores”, como as
partículas de negação, elementos subordinativos e até advérbios mais curtos, do tipo
“aqui”, “sempre”. Em segundo lugar, aparece como variante mais frequente nos dados
do PE e do PB a ênclise ao complexo verbal.
Já os dados do PB apontam a preferência pela variante intra-CV, cuja
especificação, se em próclise a V2 ou se em ênclise a V1 7, não foi apresentada pela
autora. Outro dado importante é que o condicionamento morfossintático parece ter uma
atuação mais moderada na escrita brasileira. Além disso, registrou-se que o uso da
variante enclítica a V2 figura em contextos específicos, quando, por exemplo, V2 é
infinitivo e o clítico é um acusativo do tipo “o, a os, as”.
SCHEI (2003), pautando-se em dados da estrutura mais produtiva no corpus
(auxiliar+infinitivo)8, extraídos de textos literários brasileiros do século XX, observa,
num comparativo entre “se” indeterminador e os demais tipos de “se”, em contextos
sem elementos “proclisadores”, que o primeiro favorece a colocação da ênclise a V1,
enquanto os outros favorecem a colocação da próclise a V2. Os dados sugerem que o
PB parece associar a colocação pronominal à função exercida pelo “se” no contexto.
No PE, segundo a amostra de Schei, tendências semelhantes são observadas. Em
contextos sem elementos “atratores”, registrou-se a ênclise a V1 na maioria dos dados
com “se” indeterminador. Diante de contextos com atração pronominal, encontrou-se a
próclise a V1 categórica na obra de um escritor, mas o mesmo não ocorre no livro de
outro. Por tratar-se de uma questão de estilo, torna-se, por vezes, inviável a
generalização dos resultados. Com os demais clíticos, o PE demonstra um equilíbrio na
distribuição entre as variantes proclítica a V1 e enclítica a V2, determinado pela
influência dos contextos morfossintáticos controlados pela autora.
Em uma análise pautada apenas em dados de falantes portugueses, entre 40 e 80
anos, com pouca escolaridade ou analfabetos, VIEIRA M.F. (2011) observa que o
princípio da atração pronominal parece atuar também na fala do indivíduo europeu,
7
Acredita-se que haja um maior número de próclise a V2, tendo em vista as tendências observadas por
meio de outros resultados já apresentados para o PB.
8
As demais ocorrências foram pouco produtivas, totalizando 12 dados apenas; por isso, não serão
apresentadas na sistematização dos resultados principais.
73
conforme apresentou VIEIRA (2002). A posição proclítica ao complexo verbal é
majoritariamente empregada quando há elementos tipicamente “atratores”. A variante
mais produtiva no corpus europeu oral foi a intra-CV, representada na maior parte dos
dados pela variante enclítica a V1 ou, especificamente adjacente a V2, em ocorrências
em que a partícula “que” figura interveniente ao complexo verbal (ex.: tem/há que se
considerar...). Ademais, as tendências apresentadas pela autora convergem com o
exposto acima, nesta subseção e, por isso, não serão apresentados para que se evitem
repetições.
O trabalho de RODRIGUES COELHO (2011), que trata somente da escrita
brasileira a partir de um “corpus” escolar, pautado em redações de alunos do ensino
público e particular do Rio de Janeiro, converge com os resultados ilustrados na
pesquisa de Schei, ainda que se baseie em um gênero textual bem distinto dos já
utilizados nos trabalhos expostos anteriormente. Acrescente-se que o “se”
reflexivo/inerente em construções com auxiliar mais gerúndio ou auxiliar mais
particípio favorece a colocação proclítica a V2. Há exceção quando os poucos dados de
“se” indeterminador/apassivador figuram em estruturas participiais, já que tendem a ser
proclíticos a V1, devido ao fato de o particípio não admitir a ênclise. A autora ainda
chama atenção para o fato de que os dados de “se” indeterminador/apassivador, além de
se adjungirem na maioria das vezes a V1, estão associados ao tipo de verbo, que em
todos os dados da amostra eram modais do tipo “poder/dever”.
Ainda com base num corpus de origem exclusivamente carioca, mas da
modalidade oral, por meio de entrevistas a falantes de diferentes níveis escolares, a
análise de CORRÊA (2012)9 vai ao encontro dos resultados apresentados em VIEIRA
(2002), a respeito da aplicação da variante intra-CV em mais de 90% dos dados nos dois
trabalhos. A pesquisa de Corrêa propõe que não se verifica efetivamente uma regra
variável no PB falado, em que a suposta variação na posição do clítico ocorreu de forma
muito pouco expressiva, em apenas cinco dados e exclusivamente na fala de homens
com mais de 56 anos e com nível superior, sendo todos moradores de Copacabana,
ainda assim.
9
O trabalho de Corrêa (2012) apresenta, ainda, uma análise fonético-fonológica cujo resultado mais
relevante para esta pesquisa é o fato de não haver uma coincidência obrigatória entre os hospedeiros
sintático e fonológico. Mediante manipulações de testes acústicos, investigou-se, também, o padrão
acentual do “se”, que demonstrou ser interpretado como saliente acentualmente quando reflexivo/inerente
e mais fraco quando indeterminador/apassivador.
74
As alterações no padrão da colocação pronominal, apenas na fala de pessoas
escolarizadas, ficaram a cargo do acusativo de terceira pessoa (“o, a, os, as”),
categoricamente enclíticos a V2, sendo este infinitivo, e do “se” indeterminador, com a
variação motivada especialmente pelo tipo de complexo verbal, formado pelo modal
poder + infinitivo, conforme apresentado por RODRIGUES COELHO (2011).
Em síntese, quando se avalia a produção da oralidade, ficam evidentes as
diferenças no padrão da colocação pronominal entre as variedades em questão. O
europeu tende a seguir os princípios de atração pronominal, com aplicações da próclise
a V1 diante de “atratores” (elementos subordinativos e partículas de negação, por
exemplo), mas empregando, via de regra, a ênclise a V1 ou a V2 principalmente na
ausência de tais elementos. Já o brasileiro tende a produzir a próclise a V2 como norma
de uso, mas outras formas de colocação se apresentam em contextos muito específicos e
na fala de pessoas altamente escolarizadas, a saber: (i) o emprego da ênclise a V2,
quando o verbo principal é infinitivo combinado ao clítico do tipo “o, a, os, as” (ex.:
Maria deve visitá-lo amanhã...); (ii) o emprego da ênclise a V1, quando o complexo é
constituído
de
um
verbo
modal
mais
infinitivo
associado
ao
“se”
indeterminador/apassivador (ex.: Pode-se sempre afirmar que sim...); e (iii) o emprego
da próclise a V1 especificamente no contexto de verbo auxiliar+particípio (ex.: Tudo
que se tem feito até hoje...).
A abordagem sincrônica torna possível, mais uma vez, a afirmação de que a
modalidade escrita acaba por aproximar as variedades da língua portuguesa, tendo em
vista mais semelhanças do que diferenças entre PB e PE em termos quantitativos gerais.
Observando-se, entretanto, as diferenças qualitativas registradas em dados escritos
coletados nos diferentes estudos, deve-se destacar que os diferentes padrões de
colocação no PB e no PE, tão evidentes na fala, podem ser aferidos a partir da escrita
nos seguintes aspectos: (i) a atuação dos elementos “atratores” ocorre de forma mais
rigorosa na escrita em Portugal, quando comparada à brasileira; (ii) a posição do clítico
antes de V2 ocorre em PE apenas quando antecedida de algum elemento interveniente
no complexo verbal, do tipo “que/de”, enquanto no PB a próclise a V2 independe da
presença deste elemento; (iii) no PB, a função do “se” e o tipo de complexo verbal
influenciam a posição do clítico na sentença, enquanto, no PE, esse condicionamento é
mais discreto e a ordem se relaciona sobretudo à presença ou à ausência de elementos
“proclisadores”.
75
Com base em BRITO, DUARTE & MATOS (2003), os elementos efetivamente
“proclisadores” na variedade europeia, primeiramente nas lexias verbais simples, são:
(i) operadores de negação frásicos e sintagmas negativos (ex.: O João nunca me
telefonou);
(ii) sintagmas-Q interrogativos, relativos e exclamativos (ex.: Quem te disse que
eu ia hoje jantar contigo?);
(iii) complementadores simples e complexos, selecionados por uma preposição
ou um advérbio ou que resultem de reanálise (ex.: Sei que o João a viu no cinema
ontem.);
(iv) os advérbios de focalização, de referência preditiva, confirmativos, de
atitude proposicional e aspectuais (ex.: Só/apenas o João as cumprimentou.);
(v) quantificadores distributivos e grupais, como todos e ambos, e os
generalizados, como bastantes e poucos (ex.: Poucas pessoas se importam com isso.) –
os quantificadores cada e muitos admitem, mas não exigem a próclise, já os
quantificadores numerais, partitivos e de contagem, além dos indefinidos e existenciais
(um e algum) não são “proclisadores” ao contrário de alguém e algo;
(vi) conjunções coordenativas correlativas com um elemento de polaridade
negativa (ex.: Nem a Maria lhe insultou, nem o Pedro lhe bateu), conjunções
coordenativas disjuntivas (ex.: Ou a Maria lhe faz todas as vontades, ou o Pedro se
zanga.);
(vii)
construções
apresentativas
iniciadas
por
um
constituinte ligado
discursivamente e em que o sujeito tem o estatuto de foco informacional – tipicamente
locativos e dêiticos demonstrativos (ex.: Aqui se assinou a paz.)
As autoras apresentam, ainda, os casos particulares de colocação pronominal em
domínios não finitos, a saber: (a) domínios não finitos com infinitivo flexionado
comportam-se como os domínios finitos; (b) em domínios não finitos com infinitivo
flexionado, na presença de um “proclisador”, pode ocorrer também ênclise: (i) quando é
selecionado “não” quase afixal (ex.: Os meninos preferem não dar-lhe o livro); (ii) em
construções interpretáveis como estruturas elípticas com um verbo semiauxiliar modal
ou temporal sem realização lexical (ex.: Não sei o que dizer-te, podendo ser
parafraseado como “Não sei o que [devo/posso] dizer-te”); (iii) em domínios infinitivos
encabeçados por preposições, a ênclise é o padrão obrigatório com o “a”, enquanto a
próclise é obrigatória com as demais.
76
Quanto à colocação pronominal nas estruturas verbais complexas, as
possibilidade de posicionamento do clítico na variedade europeia são apresentadas pelas
autoras, a partir do fenômeno da “Subida e clítico” (quando o verbo selecionado abriga
um clítico que não depende dele para hospedeiro verbal), nos contextos que se seguem:
(i) Com verbos auxiliares que selecionam formas participiais e gerundivas, não
há alternativas senão a Subida de Clítico (proclítica ou encliticamente), a saber: ex.1: O
João não a tinha convidado./ O João tinha-a já convidado várias vezes, e ex. 2: O João
não se ia esquecendo do convite. / O João ia-se esquecendo do convite;
(ii)
Em
construções
com
semiauxiliares
aspectuais
que
selecionam
complementos infinitivos preposicionados, na presença de um “proclisador” no domínio
superior, pode ocorrer Subida de Clítico com as preposições “a” e “de”, mas não com a
preposição “por” (ex.: O João não lhe começou a ensinar russo.). Na ausência de um
“proclisador” no domínio superior, os clíticos podem ocorrer no domínio superior (ex.:
O João começou-lhe a ensinar russo.) ou no domínio encaixado, quando a preposição é
“a” (ex.: O João começou a ensinar-lhe russo.). Quando as preposições são “de” e “por”,
adjungem-se obrigatoriamente à forma verbal encaixada (ex.: O João deixou de lhe
falar./ O João acabou por se esquecer da festa.);
(iii) Em construções com semiauxiliares que selecionam complementos não
preposicionados, admitem tanto a Subida de Clítico como a adjacência do clítico ao
domínio encaixado, respectivamente, a saber: O João não a pode certamente convidar./
O João não pode certamente convidá-la;
(iv) Com verbos de controle de sujeito, que admitem a construção de
Reestruturação, obtém-se a Subida de clítico, quando existe a formação de um
predicado complexo (ex.: O João quere-a convidar.) e, obtém-se o clítico no domínio
encaixado, quando não há a formação de um predicado complexo (Ex.: O João quer
convidá-la.);
(v) Em construções com Marcação de Caso Excepcional, a Subida de Clítico é
obrigatória para o clítico sujeito do domínio encaixado e os demais clíticos adjacentes à
forma verbal infinitiva de que dependem (ex.: O João não os viu entregá-los);
(vi) Em construções de União de Orações, dá-se a formação de um predicado
complexo e o domínio encaixado não tem autonomia sintática, assim o clítico ocorre
obrigatoriamente adjacente ao causativo (ex.: O patrão mandou-o lavar aos empregados
antes de saírem).
77
Em função da descrição que os estudos ora sistematizados já ofereceram, esta
tese pretende a eles se somar, realizando uma análise cuidadosa dos contextos em que
figuram os diversos tipos de “se”, (i) considerando cada fase dos séculos em questão
(fase 1: 1808-1840, fase 2: 1841-1870, fase 3: 1871-1900, fase 4: 1901-1924, fase 5:
1925-1949, fase 6: 1950-1974, fase 7: 1975-2000); (ii) isolando ambientes com ou sem
fatores de próclise; (iii) observando os possíveis elementos intervenientes na locução
verbal, e; (iv) analisando o clítico “se” de acordo com sua função, em separado.
Apenas a partir de tais procedimentos, com um número consistente de dados,
será possível aprofundar o conhecimento do tema e da história da colocação pronominal
em complexos verbais, ajudando, assim, a responder aos questionamentos, como os de
SCHEI: “‘se’ indeterminador tem uma colocação diferente dos demais pronomes
clíticos nas locuções verbais. (...) Mas será que o caso de ‘se’ indeterminador é,
realmente, uma particularidade do PB?” (p.230). Espera-se que a presente pesquisa não
só contribua para o conhecimento do comportamento particular do “se” indeterminador
em relação aos demais clíticos, mas também permita afirmar se essa particularidade se
efetiva nos dados brasileiros e europeus.
78
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: Ordem do clítico “se” em complexos verbais
e Teoria da Variação e Mudança
3.1
3.1.1
Cliticização
O que é cliticização?
A cliticização, alvo de interesse entre linguistas, permite análises nos níveis
sintático, morfológico e fonológico. Segundo o Dicionário Houaiss (2001, p. 741),
clítico significa “vocábulo átono que, num enunciado, se integra fonologicamente à
palavra anterior ou posterior, formando uma sílaba da mesma (pronomes oblíquos,
preposições, conjunções, artigos etc.)”.
De acordo com CÂMARA JR. (1977), em seu Dicionário de Lingüística e
Gramática, o termo próclise, com origem no grego, define-se como inclinação para
frente. Dessa forma, assim se chama o fato de um vocábulo auxiliar átono – forma
dependente – incorporar-se ao vocábulo seguinte. Nas palavras do linguista referindo-se
ao padrão brasileiro de cliticização, “a próclise é a colocação mais comum das formas
dependentes que são clíticos, isto é, desprovidas de acento próprio.” (p.200). O autor
também chama a atenção para o fato de que, na próclise, o vocábulo átono, que é a
sílaba inicial do vocábulo seguinte, tem atonicidade mínima, contrariamente à ênclise,
que representa atonicidade máxima por resultar da incorporação de um vocábulo átono
ao vocábulo anterior. O autor ainda faz uma importante observação no que tange às
características do Português produzido no Brasil, apontando a generalidade da próclise e
o não favorecimento da ênclise, no caso de sentenças com lexias verbais simples.
Como se pode observar, ao definir clíticos, os autores não se referem
exclusivamente aos pronominais – foco desta pesquisa –, mas a qualquer categoria que
abarque partículas átonas, como algumas preposições, por exemplo. Destaque-se, ainda,
que as definições mais gerais do fenômeno costumam priorizar a direção fonéticofonológica do clítico, e não sua natureza morfossintática.
Considerando a dificuldade em se chegar a um consenso acerca da natureza dos
pronomes átonos, alguns linguistas lançam mão da interface dos três níveis gramaticais.
Inserindo-se o tema, por exemplo, no campo dos estudos morfossintáticos, observa-se
que os linguistas modernos partilham da seguinte visão:
79
[...] é perfeitamente possível que uma construção gramatical seja
simultaneamente morfológica e sintática: sintática, por definição
(porque é uma construção gramatical) e morfológica, se apresentar
formas dependentes. (ARONOFF, 1994, p. 12)10
Com a afirmação de Aronoff, é nítida a ideia de que, pela existência de uma
construção gramatical, podem-se considerar aspectos tanto morfológicos quanto
sintáticos concomitantemente. Morfológicos, quando existem formas dependentes,
como os pronomes átonos em relação aos verbos, por exemplo. E sintáticos,
considerando que uma construção gramatical sempre representa o processo de
estruturação do sintagma e de relações entre palavras em sentença.
Em termos fonológicos, observa-se que os pronomes átonos não possuem força
acentual própria e, por isso, dependem de outra palavra, o que os torna deficientes em
termos prosódicos. Com isso, possuiriam natureza sintática das palavras e
características fonológicas dos afixos (cf. VIEIRA, 2002, p. 382). Desse modo, tomando
por base as características dos pronomes átonos, percebe-se como os fenômenos da
cliticização e da afixação podem se inter-relacionar. Segundo SPENCER (1991, p. 14),
clíticos e afixos apresentam propriedades que ora os distanciam, ora os aproximam:
Clíticos, assim como afixos, são elementos que não podem existir
independentemente e, portanto, podem ser considerados um tipo de
morfema dependente. Um clítico típico adjunge-se a uma outra
palavra ou estrutura (tida como hospedeira), e, de modo geral, a
categoria sintática do hospedeiro será relativamente irrelevante (ainda
que, por exemplo, sua posição na sentença possa ser crucial). Tendo
em vista que clíticos se associam a palavras completas flexionadas,
um clítico pronominal que se refere ao objeto do verbo pode adjungirse ao SN sujeito não-flexionado da sentença. Por isso, relutaríamos em
pensar no clítico como algum tipo de flexão. Nesse sentido, clíticos
assemelham-se mais a palavras independentes.11
“it is entirely possible for a grammatical construction to be simultaneously morphological and
syntactic. It is syntactic by definition (because it is a grammatical construction) and morphological if it
contains bound forms.”
10
“Clitics, like affixes, are elements which cannot exist independently and can thus be regarded as a kind
of bound morpheme. A typical clitic will attach itself to some other word or phrase (known as the host),
and in straightforward cases the syntactic category of the host will be relatively unimportant (though, for
instance, its position in the sentence may be crucial). Since clitics attach themselves to fully inflected
words this means that, say, a pronominal clitic referring to the object of the verb might attach to the
inflected NP subject of the sentence. For this reason we would be unwilling to think of the clitic as some
kind of inflection. In this sense clitics are more like independent words.”
11
80
O autor sugere como principal semelhança entre clíticos e afixos o fato de serem
tidos como morfemas dependentes. Comenta, ainda, sobre a importância da posição do
hospedeiro na sentença, aludindo, ao que parece, à preocupação de trabalhos antigos
sobre clíticos pronominais em línguas românicas, que observaram, pela primeira vez, o
chamado ‘fenômeno de segunda posição’12. Alguns estudos revelam características de
línguas antigas, como as indo-europeias, apresentando, especialmente, o comportamento
dos clíticos e sua tendência geral para o sistema linguístico. Nesses estudos, chegou-se à
conclusão de que clíticos não iniciavam sentenças e sua localização mais comum era a
segunda posição – os clíticos figurariam depois do primeiro constituinte da oração. A
esse fenômeno observado nas línguas mais antigas, deu-se o nome de “Lei de
Wackernagel”. Essa tendência de comportamento do posicionamento do clítico pode ser
confirmada também em outros estudos de línguas românicas medievais, especialmente
os de TOBLER & MUSSAFIA (apud Martins, 1994).
JACOB WACKERNAGEL (apud Martins, 1994), estudioso que deu nome à lei,
reconheceu o princípio da ordem das palavras, recorrente nas línguas indo-europeias.
Observou que o clítico, frequentemente, aparecia como um grupo depois da palavra
inicial da sentença. Para o estudioso, os clíticos não deveriam ser definidos em termos
sintáticos, mas fonológicos. A classe de clíticos foi, então, identificada como a de
elementos “átonos”, incluindo pronomes, advérbios, elementos auxiliares e partículas
sem significado bem definido no discurso.
Tobler e Mussafia propõem uma reformulação da lei, na qual o clítico continua
não ocupando a primeira posição da sentença, mas sugerem modificações. Não
especificam, por outro lado, de forma exata, a segunda posição como um lugar fixo do
clítico. Essa reformulação ficou conhecida como “Lei de Tobler-Mussafia”: “Pronomes
objetos átonos não podem figurar em posição inicial absoluta na sentença”.
(FONTANA, 1993, p. 28).
A citação de Spencer, reproduzida anteriormente, dialoga também com a
proposta de Klavans (1985), que chama a atenção para abordagens teóricas que
afirmavam que o hospedeiro sintático do clítico seria, necessariamente, seu hospedeiro
fonológico. Nesse sentido, a autora defende a independência entre sintaxe e fonologia.
Tradução livre para o termo ‘second-position phenomena’, discutido em ANDERSON (1992), acerca
da falta de licenciamento do clítico em primeira posição na sentença.
12
81
Com base em estudos sobre as características de formas clíticas diversas,
KLAVANS (1985, 1995), valendo-se de pressupostos da abordagem gerativista,
apresenta uma proposta para o tratamento e a compreensão da categoria. A proposta
compreende tratar os clíticos como itens lexicais marcados por um pequeno número de
propriedades sintáticas e fonológicas, que permitem caracterizá-los segundo
“parâmetros” específicos, os parâmetros de cliticização. Segundo a pesquisadora, os
clíticos carregam uma das naturezas mais arbitrárias de um item linguístico, que é a de
exibir características ora de palavras, ora de afixos. Desse modo, eles assemelham-se a
palavras independentes no nível da sintaxe, enquanto se comportam, muitas vezes,
como partes de palavras no nível morfológico e/ou fonológico.
KLAVANS (1995) evidencia que algumas propostas defendem que a
cliticização segue dois princípios: ou o clítico se move para se ligar ao verbo ou para a
“segunda posição na sentença”. Com isso, parece que a posição na sentença para onde o
clítico pode se mover é rigorosamente restrita por uma gramática universal. Contudo,
Klavans reconhece que esta seria uma visão muito limitada, já que está baseada em
informações de apenas uma língua ou família linguística. Além disso, a divisão dos
clíticos em dois tipos – lexical e de segunda posição – seria muito simplista, e por isso,
inadequada.
Assim, a autora sugere que a cliticização pode ser vista a partir de um caminho
unificado, considerando-se cinco parâmetros13, mas, em artigo específico sobre o tema,
KLAVANS (1985) ressalta os três últimos – Parâmetro Inicial/Final, Parâmetro
Antes/Depois e Parâmetro Proclítico/Enclítico –, que dariam conta da caracterização das
línguas do mundo. O Parâmetro Inicial/Final ou P1 escolhe o constituinte – inicial ou
final dentro de um dado domínio sintático – que constitui o hospedeiro do clítico. O
Parâmetro Antes/Depois ou P2 expressa a precedência linear do clítico, ou seja,
especifica se um clítico precede ou segue o hospedeiro escolhido por P1. O terceiro
parâmetro, Proclítico/Enclítico ou P3, fornece informações fonológicas sobre a direção
da ligação do clítico.
Para Klavans, os clíticos são lexicalmente marcados, posicionados e atacados
por regras sintáticas, e, por definição, precisam se ligar ao hospedeiro para ter
tonicidade. Nas línguas românicas modernas, por exemplo, o clítico pronominal requer
13
P1 ou Identidade do clítico; P2 ou Domínio da cliticização; P3 ou Inicial/Final; P4 ou Antes/Depois; P5
ou Proclítico/Enclítico.
82
como hospedeiro sempre um verbo. Já em Espanhol arcaico, a requisição não era tão
rigorosa; o enclítico me (dativo) podia seguir o complementizador que, tal como no
exemplo: “Que me tú dizies” e não proclítico ao tú.
Outro ponto importante discutido por Klavans é a restrição que envolve a
colocação dos clíticos. Existe a possibilidade de independência sintática e fonológica
para o ataque do clítico ao seu hospedeiro, ou seja, há a possibilidade de bidirecionamento, em que um clítico pode atacar sintaticamente em uma direção, mas
fonologicamente em outra. O distinto comportamento fonológico do clítico é revelado
através do parâmetro Proclítico/Enclítico, que permite observar se um clítico pode ser
sintaticamente proclítico, mas fonologicamente dependente de um item adjacente a sua
esquerda, ou se um clítico sintaticamente em ênclise pode ser fonologicamente
dependente de um item adjacente a sua direita. A partir deste e dos demais parâmetros, é
possível observar quais aspectos da cliticização são lexicais, quais são sintáticos e quais
são fonológicos.
O Parâmetro Inicial/Final (P1) corresponde a uma escolha única de caráter
morfológico, pelo menos no que tange ao Português, já que nesta língua o clítico
seleciona apenas o verbo como hospedeiro. O Parâmetro Antes/Depois (P2) representa
uma escolha binária, que significa as possibilidades de ataque do clítico ao hospedeiro,
podendo ser de ligação à esquerda, chamada de ‘antes’, e de ligação à direita, ‘depois’.
A restrição fonológica, associada ao Parâmetro Proclítico/Enclítico (P3), indica a
direção do vínculo fonológico, que representa o clítico ora em próclise, ora em ênclise.
Cabe, portanto, sistematizar os parâmetros propostos pela autora para a ligação
sintático-fonológica dos pronomes átonos que serviram de base para este trabalho, que
lida somente com os diferentes tipos de “se”.
(i)
P1 ou parâmetro da dominância (INICIAL/FINAL): expressa a possibilidade
de o clítico se ligar ao constituinte inicial ou final de um sintagma. Este é o
momento da seleção do hospedeiro sintático, que nas duas variedades em
análise é obrigatoriamente um verbo.
(ii)
P2 ou parâmetro da precedência (ANTES/DEPOIS): especifica se um clítico
ocorre antes ou depois do hospedeiro selecionado por P1.
83
(iii)
P3 ou parâmetro da ligação fonológica (PROCLÍTICO/ENCLÍTICO): fornece
as direções da ligação fonológica do clítico. Leva-se em consideração, aqui, o
hospedeiro fonológico, independentemente do hospedeiro sintático.
Cabe salientar que a presente pesquisa se situa na investigação específica do
segundo parâmetro proposto por Klavans. Interessa saber se o clítico “se” elege, em
relação à estrutura verbal complexa, a posição anterior ao primeiro verbo (cl V1 V2),
posterior ao primeiro verbo (V1-cl V2), anterior ao segundo verbo (V1 cl V2) ou
posterior ao segundo verbo (V1 V2-cl), nas amostras brasileira e europeia do português.
Em relação ao primeiro parâmetro, não há diferenças entre os textos brasileiros e
portugueses quanto à escolha do hospedeiro do clítico, já que, independentemente da
variedade, se seleciona sempre um verbo, conforme elucidado anteriormente. O terceiro
parâmetro não constitui foco desta pesquisa, tendo em vista que o controle da ligação
fonológica do clítico exige aporte teórico-metodológico apropriado e se aplica
fundamentalmente a dados da oralidade.
3.1.2 O clítico “se”: diferentes tipos
Na língua portuguesa, o pronome “se” pode apresentar diferentes funções, a
depender do contexto morfossintático em que se encontra. O presente trabalho
reconhece a árdua tarefa de categorizar os diferentes tipos de “se” na língua portuguesa,
por isso recorre a algumas publicações que destacam a complexidade em lidar com a
delimitação desse clítico. Jairo Nunes, em 1990, já assinalava em sua dissertação a sua
inquietação na classificação do apassivador e do indeterminador, a saber:
Devido a sua variada gama de funções, os clíticos anafóricos sempre têm
ocupado posição de relevo no universo de estudos linguísticos, em particular
no âmbito das diversas versões da gramática gerativa-transformacional. Essa
posição de destaque se faz presente mesmo no curso secundário: todo
estudante de segundo grau vez por outra enfrenta as agruras da “classificação
das funções da palavra se”. (NUNES, 1990, p. 2)
Tendo em vista as possíveis dificuldades apontadas acerca da definição do tipo
de “se” na língua portuguesa, especialmente no que tange à questão da colocação
pronominal, esta subseção exibirá as características relativas à função, estrutura dos
84
tipos de “se” estudados na pesquisa, quais sejam a indeterminadora, apassivadora além
da reflexiva/inerente.
(i) O “se” indeterminador
O “se” de natureza indeterminadora ou ‘clítico argumental de referência
arbitrária’ (“se” nominativo, cf. MATEUS et alii, 2003) precisa estar associado a um
verbo ou complexo verbal de predicação intransitiva para apresentar tal característica. O
sujeito associado a esse clítico é interpretado como indefinido e não-específico,
podendo ser parafraseado no contexto por expressões nominais como “alguém”, a saber:
“Quando retornou ao poder, sufragado em pleito disputadíssimo, supôs que poderia
dar remédio aos males que afligiam a população de um país que só nestes últimos vinte
anos deu conta de que também na terra de santa cruz se pode morrer de inanição, como
na Índia e na China, coisa que jamais passara pela cabeça dos habitantes do nosso
país.” [Amostra brasileira – editorial fase 6].
Tendo em vista o levantamento bibliográfico já apresentado (com base em
PAGOTTO (1992), SCHEI (2003), NUNES (2009), supõe-se que o indeterminador
apresenta a tendência de figurar na adjacência de V1, proclítica ou encliticamente.
(ii) O “se” apassivador
O “se” apassivador apresenta como principal característica acompanhar um
verbo ou complexo verbal de predicação transitiva. Também designado como ‘clítico
com estatuto argumental e funcional’ em Mateus et alii (2003), o “se” apassivador
apresenta como argumento interno direto do verbo (com traços de terceira pessoa
gramatical) um elemento com relação gramatical de sujeito, sendo este último o
responsável por controlar/estabelecer a concordância verbal na sentença, a saber:
“Existem muitas imitações. Para evitál-as, não se devem aceitar senão os frascos que
levam sobre o involucro exterior a assignatura de Raquin e o selo official (em azul) do
governo francez.” [Amostra brasileira – anúncio fase 3]. Os estudos anteriores mostram
que o “se” apassivador compartilha algumas características do indeterminador. Com
isso, também tenderia a se ligar ao verbo (semi)auxiliar, ou em próclise ou em ênclise.
Embora se tenha realizado a codificação dos dados de “se” indeterminador e
apassivador em separado (pressupondo um possível comportamento diferenciado
85
especialmente em dados do início do século XIX e principalmente em amostras
portuguesas), decidiu-se apresentar esses dados, nos resultados gerais da tese, em
conjunto, devido às características que se equivalem dentro do fenômeno em questão.
Além disso, o “se” indeterminador não figurou com muita frequência no corpus, o que
inviabilizaria, metodologicamente, a análise em separado. Tal apreciação em conjunto
mostra-se bastante produtiva em outras obras, como as de NUNES (2009), SCHEI
(2003), VIEIRA (2002), dentre outros. SCHEI (2003), a respeito do assunto, advoga
que em sua análise realizou a distinção apenas entre dois tipos de “se”, ao que chamou
de ‘indeterminador’ (conjuntamente com o apassivador) e ‘reflexivo’. A respeito disto,
a autora reforça:
A gramática normativa faz diferença entre se indeterminador do sujeito, que
ocorre em verbos intransitivos, e se apassivador, que ocorre com verbos
transitivos, mas aqui consideramos os dois tipos como exemplos de se
indeterminador (como, p. ex., Said Ali (1957:92-96) e Ikeda (1977)). (...) Os
demais casos com se serão classificados como se reflexivo, tanto o se
reflexivo propriamente dito, como o se de verbos pronominais. (SCHEI,
2003, p. 27)
Assume-se, a partir de então, para a análise dos resultados desta tese, a divisão
do
“se”
em
dois
conjuntos,
a
indeterminadora/apassivadora
(ou
apenas
“indeterminadora”) e a reflexiva/inerente. Assim, a presente pesquisa norteia-se na
análise comparativa entre o “se” indeterminador e o “se” reflexivo/inerente.
(iii) “se” reflexivo/inerente
O “se” com função reflexiva identifica os pronomes pessoais átonos que
pertencem à mesma pessoa do sujeito da oração (ele se penteou) ou que exprimem valor
recíproco (eles se abraçaram). É quando o agente e o paciente correspondem a um
único elemento, já que o sujeito executa uma ação reversiva sobre si mesmo, a saber:
“Quem dele souber poderá dirigir-se á casa de Pasto Franceza.” [Amostra brasileira –
anúncio fase 1]. Trata-se, portanto, de um clítico argumental, associado às posições de
complementos verbais.
Além disso, considera-se, ainda, no mesmo conjunto de dados, o clítico “se” que
é parte integrante dos verbos pronominais, como o que se observa em: “Hoje tentou
suicidar-se o sr. Silva dono d’uma loja de retrozeiro, no seu arruamento” [Amostra
europeia – notícia fase 2]. Segundo Mateus et alii (2003, p. 843), trata-se de um ‘clítico
sem conteúdo semântico ou morfo-sintáctico’, clíticos “que não estão associados a
86
qualquer posição argumental ou de adjunto e em que o clítico não pode ser interpretado
como uma partícula destransitivizadora”.
3.2 Noção e delimitação de complexo verbal
Tendo em vista a dificuldade em se estabelecer quais são os critérios que
demonstram a constituição de um complexo verbal – compreendido neste trabalho
como uma expressão constituída de duas ou mais formas verbais que representam uma
unidade sintagmática com certa integração sintático-semântica –, parte-se da definição
apresentada em compêndios gramaticais e em outras pesquisas.
Os tipos de verbos auxiliares normalmente apresentados nas gramáticas
tradicionais, aqui representadas por CUNHA & CINTRA (2001, p. 395), podem ser
elencados da seguinte forma: (i) auxiliares mais frequentes: ter / haver + particípio ou
infinitivo, ser + particípio e estar + particípio ou gerúndio ou infinitivo (e, ainda,
infinitivo antecedido da preposição “por”); (ii) outros auxiliares: ir + gerúndio ou
infinitivo, vir + gerúndio ou infinitivo (e, ainda, infinitivo antecedido das preposições
“a” e “de”), andar (à semelhança de estar) + gerúndio ou infinitivo precedido da
preposição “a”, ficar + particípio (voz passiva) ou gerúndio ou infinitivo antecedido das
preposições “a” e “por”, acabar + infinitivo precedido da preposição “a”.
Segundo PERINI (2001), um verbo é considerado auxiliar quando não apresenta
traços próprios de transitividade. Dessa forma, a transitividade que serve a um
predicado simples vale da mesma maneira para esse verbo quando é parte de um
predicado complexo, conforme ilustra o exemplo do autor: “Lili está lendo”. A
sequência “está lendo” funciona como se apenas o verbo “ler” estivesse presente na
oração e o verbo “está” seria transparente ao processo de transitividade. O comentário
do autor relaciona-se, de certa forma, à relação de critérios, exposta por BARROSO
(apud VIEIRA, 2002, p. 243), usualmente utilizados para a delimitação de um verbo
auxiliar, a saber:
(i) Atribuição de perda sêmica do auxiliar: caracteriza o verbo auxiliar como
isento de significado léxico, mas provido de papel instrumental; ex.: Voltei a fazer
musculação, em que “voltar” perdeu o “sema” movimento do espaço.
(ii) Unidade significativa: avalia o primeiro elemento como o que desempenha a
função gramatical e o segundo, a lexical; o conjunto em si possui uma unidade
87
significativa, como no exemplo Lili está lendo, em que apenas o segundo verbo tem
significação lexical.
(iii) Sujeito do verbo: os dois verbos do predicado compartilham o mesmo
sujeito; ex.: Comecei a fazer musculação. O infinitivo indica a ação praticada pelo
sujeito e o primeiro verbo expressa, neste caso, o aspecto da ação expressa pelo
infinitivo.
(iv) Ordem dos termos na oração: o verbo flexionado é seguido de uma forma
não-finita (particípio, gerúndio e infinitivo); ex.: Estava fazendo. Sabe-se, no entanto,
que há construções com a mesma ordem e tipo de estrutura e não são auxiliares.
(v) Restrição paradigmática: algumas classes de auxiliares são defectivas.
Saliente-se que este critério não se aplica a todas as categorias de verbos auxiliares.
(vi) Separabilidade na identificação dos auxiliares: um grupo verbal de unidade
semântica, assim como uma lexia, seria inseparável. Algumas construções mostram que
nem sempre isso é verdadeiro. A dissociação pode ocorrer desde que haja elementos
intervenientes na locução verbal, como em Pode, sem receio, considerar-se um dos
melhores internatos de Lisboa, em que há um elemento que separa a lexia verbal
complexa.
(vii) Comportamento em bloco diante das transformações passiva e
interrogativa: Os processos de ‘apassivação’ e ‘interrogação’ não afetam cada um dos
verbos individualmente, mas os dois, ao mesmo tempo, como se de um só se tratasse
“(p. ex. Estou a escrever este trabalho; o trabalho está a ser escrito por mim; que estás
a escrever?)” (p. 243).
(viii) Frequência de ocorrência: frequentemente, o verbo auxiliar é utilizado com
formas não-finitas (infinitivo, gerúndio e particípio). Há verbos auxiliares comuns,
embora haja outros que só aparecem em certos modos e tempos.
Para Barroso (1994), de acordo com os critérios acima, apenas os três primeiros
apresentam características essenciais para delimitação de um verbo auxiliar.
Mateus et alii (2003) também discutem os principais critérios de auxiliaridade,
apontando inicialmente construções que contam com verbos tipicamente auxiliares,
como as sequências ter + particípio ou ser + particípio. Baseando-se especificamente
em querer, ir, haver de e poder, as autoras buscam analisar se tais verbos são
88
auxiliares, formando com o segundo verbo um complexo verbal, ou se são verbos
principais, compondo dois domínios predicativos distintos que se uniram numa
sequência superficial de verbo + infinitivo. Para tanto, apresentam as seguintes
propriedades de um verbo auxiliar:
(i) Os auxiliares, embora diferentes entre si, não apresentam propriedade de
seleção semântica ou temática. O segundo verbo é o elemento que determina a seleção
do argumento sujeito.
(ii) Quando se trata de uma oração simples com auxiliar, é natural que a segunda
parte da construção não possa ser substituída por uma oração introduzida pelo
complementador “que” (ex.: *A Maria tinha que vai/ia ao cinema).
(iii) Em construções com o verbo auxiliar, é impossível empregar dois advérbios
de tempo do mesmo tipo, já que se trata de apenas uma oração (ex.: *Ontem a Maria
tinha ido ao cinema amanhã). Esse emprego pode ser aceitável, a depender das
condições semânticas do contexto, numa construção que contenha duas orações (ex.:
Ontem a Maria queria ir ao cinema amanhã, em que não se sabe se ela ainda quer ir ao
cinema);
(iv) Numa construção de única oração, só é possível um advérbio de negação
frásica numa posição à esquerda do primeiro verbo; assim, tal advérbio modifica toda a
frase, como no exemplo A Luísa não tinha ido ao cinema. A frase *A Luísa tinha não
ido ao cinema seria agramatical. Construções com duas orações podem apresentar, cada
uma, um advérbio de negação, como em A Luísa não quis não ir ao cinema;
(v) As construções com auxiliar não permitem substituição do segundo verbo e
seus complementos pelo clítico “o” com valor de demonstrativo ou pelo próprio
demonstrativo “isso”, como no exemplo *A Luísa tinha ido ao cinema, mas a Maria
não o tinha”. Já numa construção de complementação, o segundo domínio predicativo
pode ser retomado pelo “o” ou “isso”, da seguinte forma: A Luísa quis ir ao cinema,
mas a Maria não o quis / quis isso;
(vi) Um outro critério de auxiliaridade adotado utiliza exatamente o fenômeno
da colocação dos clíticos. A ocorrência dos pronomes átonos em adjacência ao primeiro
verbo indicaria a auxiliaridade deste. Se a construção for bi-oracional, os pronomes
costumam figurar como clíticos ao segundo verbo, embora possam oscilar entre a
89
adjacência tanto a V1 quanto a V2. Construções como “*A Maria não tinha feito-os”
são agramaticais, tendo em vista a ênclise à forma participial, o que não se pode dizer
de “A Maria deve abri-la”, por exemplo.
De acordo com os critérios acima, Mateus et alii (2003) concluem que algumas
construções, como as que apresentam o verbo querer, são de complementação verbal e,
assim, a categoria selecionada é de natureza frásica, apesar da forma infinitiva. Outras
contêm verbos auxiliares que obedecem a alguns critérios apresentados, mas não a
todos, por isso são chamados semi-auxiliares. Fazem parte dessa categoria os
aspectuais estar, chegar, começar, acabar, continuar e os auxiliares temporais ir +
infinitivo, haver de + infinitivo. Por fim, algumas construções apresentam caráter
híbrido, ou seja, têm comportamento de verbos principais, mas apresentam certo grau
de defectividade, como os modais dever, poder e ter de/que.
Ainda a respeito da auxiliaridade verbal, MACHADO VIEIRA (2004) advoga
que algumas unidades verbais exibem todas as propriedades necessárias para serem
consideradas membros prototípicos da categoria de auxiliar, como os temporais ter e
haver + particípio em estruturas de tempo composto. Indica, ainda, que chega a ser
unânime tal análise entre linguistas, sendo que alguns acrescentam outras unidades
verbais a depender dos critérios de auxiliaridade adotados. Dessa forma, a proposta da
autora não contempla os tempos compostos, já que seriam formados por auxiliares
“legítimos”. Propõe, então, com base em cinco critérios de reconhecimento do
fenômeno, determinados graus de auxiliaridade numa escala definida por meio de cinco
subclasses de verbos semi-auxiliares, da seguinte forma:
(i) V1 com menor grau de afastamento do status de auxiliar é o “ser” seguido
de particípio (em construções de voz passiva analítica);
(ii) V1 com segundo nível de afastamento do status de auxiliar são os verbos
aspectuais estar, vir, ir, ficar, andar em construções com verbo predicador
no gerúndio e ir, vir, haver (de) temporais em construções com verbo
predicador no infinitivo;
(iii) V1 com terceiro grau de afastamento do status de auxiliar são os verbos
modais em construções com verbo predicador no infinitivo poder, dever,
aspectuais seguidos da preposição a em construções com verbo predicador
90
no infinitivo estar, ficar, andar, voltar, tornar, costumar, continuar,
permanecer, começar, chegar, pegar, terminar.
(iv) V1 com maior grau de afastamento do status de auxiliar é o verbo ter
(de/que) modal em construções com verbo predicador no infinitivo. Além
desse, os verbos aspectuais deixar, acabar, estar, ficar seguidos de
preposição de, para ou por em construções com verbo predicador no
infinitivo.
(v) V1 mais próximo do polo lexicalidade são os verbos tentar, querer, esperar
(a maioria dos volitivos), os causativos mandar, fazer, deixar em
construções com verbo predicador no infinitivo, e os perceptivos/sensitivos
ver, olhar, ouvir em construções com verbo predicador no infinitivo.
Tendo em vista a pluralidade de construções que podem ser inseridas na
abordagem dos chamados complexos verbais, contemplou-se, nesta pesquisa, qualquer
estrutura construída por mais de uma forma verbal com algum grau de integração
sintático-semântica, em que se julgue a possibilidade de alternância dos clíticos em
qualquer das quatro posições estabelecidas na variável dependente (que será discutida
nas próximas subseções). Assim sendo, os dados da pesquisa abrangem as seguintes
estruturas:
(i) Auxiliares prototípicos (como ter + particípio):
- Próclise a V1: N’algumas das disposições taxativas, já em vigor, se têem visto
em grandes dificuldades os empregados judiciaes;
- Ênclise a V1: “N’algumas das disposições taxativas, já em vigor, têem-se visto
em grandes dificuldades os empregados judiciaes,” [Amostra europeia – notícia fase
3];
- Próclise a V2: N’algumas das disposições taxativas, já em vigor, têem se visto
em grandes dificuldades os empregados judiciaes;
- Ênclise a V2: *N’algumas das disposições taxativas, já em vigor, têem visto-se
em grandes dificuldades os empregados judiciaes14.
14
Acredita-se que, em um corpus de origem jornalística, seja improvável o emprego da variante enclítica
à forma participial, já que a ênclise ao particípio não se configura como emprego da norma padrão.
91
(ii) Semi-auxiliares diversos (aqueles que não se encaixam em algum/alguns dos
parâmetros de auxiliaridade):
- Próclise a V1: (...) honrando a nossa querida patria, repercutiu o nosso
enthusiasmo e reproduziram-se as homenagens que se puderam juntar com
deslumbrante luz ás glorias (...);
- Ênclise a V1: (...) honrando a nossa querida patria, repercutiu o nosso
enthusiasmo e reproduziram-se as homenagens que puderam-se juntar com
deslumbrante luz ás glorias (...);
- Próclise a V2: (...) honrando a nossa querida patria, repercutiu o nosso
enthusiasmo e reproduziram-se as homenagens que puderam se juntar com
deslumbrante luz ás glorias (...)
- Ênclise a V2: (...) honrando a nossa querida patria, repercutiu o nosso
enthusiasmo e reproduziram-se as homenagens que puderam juntar-se com
deslumbrante luz ás glorias (...) [Amostra europeia – notícia fase 4];
(iii) Verbos que cumprem poucos requisitos de auxiliaridade (considerados
predicadores, numa análise discreta das construções), aproximando-se mais do polo de
lexicalidade (como querer + infinitivo). Neste caso, o critério adotado foi o da
mobilidade do clítico, a saber:
- Próclise a V1: mas interessam sobremodo á consciencia do cidadão, que não se quer
abster de concorrer na homenagem projectada (...)
- Ênclise a V1: mas interessam sobremodo á consciencia do cidadão, que não quer-se
abster de concorrer na homenagem projectada (...)
- Próclise a V2: mas interessam sobremodo á consciencia do cidadão, que não quer se
abster de concorrer na homenagem projectada (...)
- Ênclise a V2: mas interessam sobremodo á consciencia do cidadão, que não quer
abster-se de concorrer na homenagem projectada (...) [Amostra europeia – notícia fase
4]
Com base na necessidade de alternância dos clíticos nas quatro posições
estabelecidas, cabe destacar que não estão contempladas, no conjunto de dados, as
construções do tipo causativo/sensitivo. Isto porque essas estruturas, normalmente, ou
92
não admitem as quatro posições como sinonímicas na maioria das combinações feitas
com os clíticos ou não seriam todas as opções possíveis/inteligíveis, conforme se
observa em “O pai se mandou encontrar com ele.”/ “O pai mandou-se encontrar com
ele.”/ “O pai mandou se encontrar com ele.”/ “O pai mandou encontrar-se com ele.”
A diversidade das estruturas encontradas no corpus foi controlada por meio de
uma variável independente chamada “tipo de complexo verbal”. Inicialmente,
considerou-se cada tipo de construção encontrada como um fator distinto. Dado o
número insuficiente de ocorrências de cada forma verbal controlada e em função das
semelhanças verificadas nas construções, agruparam-se os fatores de acordo com as
categorias adotadas em VIEIRA (2002), quais sejam: passiva de “ser”, tempos
compostos15, ‘perífrases verbais’ modais e aspectuais, complexos bi-oracionais com o
mesmo referente-sujeito (construções com verbos volitivos/optativos ou declarativos).
Ciente da diversidade de complexos que aparecem nas amostras brasileira e europeia,
optou-se por apresentar uma descrição detalhada dos dados de cada fator, no capítulo 4,
com base em farta exemplificação.
3.3 Pressupostos sociolinguísticos
3.3.1 Noção de regra variável
A determinação da regra variável enseja um produtivo debate sobre a
manutenção das condições básicas para o tratamento do fenômeno como regra variável
de fato. Para a Sociolinguística de orientação laboviana, a heterogeneidade é inerente à
língua e não ocorre aleatoriamente (cf. WEINREICH; LABOV & HERZOG, 1968),
proposta que combate a ideia de que a variação linguística é um evento irregular e
assistemático. Postula-se, então, rompendo com vasta tradição estruturalista, o princípio
da heterogeneidade ordenada. Partindo dos princípios instaurados pelos autores
supracitados, o trabalho toma por base a noção clássica de regra variável, ou seja, a
possibilidade de duas ou mais formas distintas transmitirem o mesmo significado
referencial, num mesmo contexto linguístico. Essas formas recebem a denominação de
variantes linguísticas, que constituem a variável dependente, ou seja, o fenômeno em
variação em foco.
15
Cabe esclarecer que essa segunda categoria inclui, além dos tempos compostos, algumas estruturas com valor
aspectual já consagradas na língua, como, por exemplo, estar, ir mais gerúndio, descritas, nos estudos de
auxiliaridade, como construções de alto grau de integração entre o verbo semi-auxiliar e o principal.
93
No início dos estudos variacionistas, o arcabouço teórico-metodológico era
aplicado fundamentalmente ao nível fonológico. LAVANDERA (1984 [1978]) chegou
a propor que as variantes fonológicas demonstrariam com mais facilidade que são
referencialmente “o mesmo” (p. 41), enquanto as unidades de outros níveis diferentes
do fonológico nem sempre teriam o mesmo valor de verdade, e, principalmente, não
figurariam em contextos linguísticos idênticos. Assim, as condições estabelecidas para o
cumprimento do estudo variacionista aplicadas integralmente aos demais níveis da
língua não seriam compatíveis com o conceito clássico de regra variável. Dessa forma, a
teoria funcionaria como um apoio técnico-metodológico para a análise nos níveis
morfológico, sintático e semântico.
Atente-se que diferentes estudos sociolinguísticos já haviam publicado a
aplicação do modelo aos diversos níveis linguísticos antes mesmo de Lavandera, como
MOLLICA (1977), além de OMENA (1978), ambas em pesquisas de dissertação de
mestrado, tendo em vista que se cumpria a condição básica das formas alternantes de
apresentar o mesmo valor básico referencial, nos mesmos contextos de realização. Ficou
mais do que claro, então, com os mencionados estudos, que a configuração de uma
regra variável, segundo a perspectiva laboviana, se constitui em qualquer dos níveis
gramaticais, desde que se trate de duas ou mais formas distintas para se transmitir um
mesmo conteúdo informacional ou a mesma função comunicativa, de modo que o
referido debate se encontra superado.
Desse modo, pode-se afirmar que o tema da presente pesquisa se enquadra nos
critérios labovianos de regra variável, a partir do momento em que a colocação
pronominal do clítico “se”, tanto na amostra brasileira quanto na europeia, apresenta
três/quatro formas alternantes, ou possibilidades de realização, para uma mesma
informação. Enquanto a amostra europeia apresenta três variantes para o fenômeno (a
saber: próclise a V1, ênclise a V1 e ênclise a V2), a amostra brasileira dispõe de quatro
formas alternantes, uma a mais do que as produções portuguesas (a saber: próclise a V1,
ênclise a V1, próclise a V2 e ênclise a V2).
A próclise a V2 é tida como variante inovadora, que figura apenas nas
publicações brasileiras. Em dados portugueses, a adjacência do clítico a V2 ocorreria
exclusivamente em um complexo verbal composto por uma preposição interveniente,
conforme se observa em “e a urgente necessidade que ha de se acudir com promptidão a
94
tamanho mal” [Amostra europeia – editorial fase2]. Não há, portanto, qualquer variação
nas motivações linguísticas para a produção da próclise a V2 por parte dos portugueses
Assim sendo, adotou-se como medida metodológica a observação em separado
dos dados em complexos verbais compostos por preposição na análise do corpus
europeu, a fim de não enviesar os resultados. O raciocínio ora adotado poderia induzir a
pensar que a próclise a V1, na amostra europeia, também não configuraria um caso de
forma alternante em uma regra variável, visto que sempre se registraria essa variante
mediante a presença de um elemento “proclisador”. Resultados de outros estudos e os
da presente tese evidenciam, no entanto, que as construções com complexos verbais não
exibem próclise categórica, nem índices próximos a isso, como também não ocorre nas
sentenças com lexias verbais simples – embora grande parte dos casos de próclise
empregados com apenas um verbo dependa da presença de um elemento “proclisador”,
numa proporção muito maior do que nos casos com a estrutura verbal complexa.
Postula-se que as formas alternantes relativas à posição dos clíticos nos
contextos de complexos verbais estudados mantêm, via de regra, o mesmo valor
referencial. Ocorrências como se vai encontrar, vai-se encontrar, vai se encontrar e vai
encontrar-se, ainda que não figurem nas variedades estudadas com a mesma
produtividade, podem ser interpretadas como veiculadoras do mesmo significado
básico, a ser discutido, na próxima subseção, com base em dados do corpus.
Sabe-se, no entanto, que nem sempre essa identidade referencial entre as
variantes é evidente. Em alguns tipos de complexos verbais, a identificação da
equivalência entre as formas alternantes é polêmica e, em outros, até bastante duvidosa.
Ao que parece, essa equivalência depende do tipo de complexo, do tipo de “se” e da
variedade linguística em análise. Para avaliar a correspondência entre as supostas
variantes em alguns contextos, este trabalho realiza, adicionalmente, a investigação
sobre a interpretação das estruturas por brasileiros e portugueses, por meio de
questionários (cf. Metodologia).
Pode-se adiantar que, com exceção de poucas estruturas verbais complexas, a
utilização das técnicas da metodologia variacionista não acarretou qualquer
comprometimento na investigação; ao contrário, a consideração do fenômeno como
uma regra variável mostrou-se bastante produtiva, como explicitado a seguir.
95
3.3.2 Outros pressupostos sociolinguísticos
No que se refere aos dados para a análise linguística, a Teoria da Variação e
Mudança prioriza a fala espontânea, que pode reproduzir fidedignamente a realidade de
uma comunidade de fala, a partir da representação vernacular da língua, além de
constituir material seguro para a análise da mudança. Levando-se em conta a prioridade
na descrição dos usos nas diversas comunidades de fala, LABOV (1994) alerta para o
cuidado que se deve ter na aplicação da noção de regra variável a outros dados,
especialmente no que se refere ao trabalho com dados históricos.
Sabe-se que, dada a impossibilidade de trabalhar com um corpus oral em
sincronias anteriores à invenção do gravador, não se dispõe de outro recurso, senão lidar
com dados da modalidade escrita. Para o pesquisador (cf. LABOV, 1994), dados de
sincronias passadas não permitem uma avaliação objetiva da realidade de determinada
língua. Documentos do passado não seriam confiáveis por serem parte de resultados de
acidentes históricos, além de refletirem os esforços dos escribas em reproduzir um
padrão normativo distinto da língua nativa de um falante, com hipercorreções e mistura
de dialetos. Por isso, todas as ressalvas sobre a dificuldade de se fazer linguística
histórica representam o que Labov considera “a arte de fazer o melhor uso possível de
dados deficientes” (1994, p. 11).
Para minimizar esse problema, propõe-se a observação dos processos atuais de
mudança nos dados contemporâneos, de modo a inferir possíveis processos que possam
ter operado no passado. Segundo os pressupostos da Sociolinguística Variacionista,
constitui recurso valioso para a investigação de um procedimento histórico observar os
processos de alternância das línguas do presente. Esse exercício de reconhecimento e
comparação dos processos linguísticos antigos, a partir da observação dos atuais, foi
denominado Princípio do Uniformitarismo. No que tange às diferenças sociais, tal
princípio apresenta algumas limitações na constituição de inferências, já que a
organização social de comunidades antigas era totalmente diferente da que se tem
atualmente. Contudo, sugere-se que não se deve abandonar a intuição neogramática “de
que tal princípio é condição preliminar necessária tanto para a reconstrução histórica
como para o uso do presente para explicar o passado” (LABOV, 1994, p.24).
Entende-se, portanto, que a mudança é um resultado inevitável observado no
presente de um processo gradual de variação que começa a se implementar no passado.
É prudente lembrar, contudo, que nem toda variação implica necessariamente mudança,
96
mas toda mudança pressupõe variação. Nos termos de DUARTE & PAIVA (2006, p.
139): “Na proposta de WLH, a mudança é entendida como uma consequência inevitável
da dinâmica interna das línguas naturais. [...].” Passa-se, então, por um continuum em
que, num mesmo intervalo temporal, variantes antigas e novas se apresentam em
competição na comunidade de fala. A esse respeito, as autoras concluem:
Em confronto com perspectivas anteriores, WLH, ao destacar a
estreita relação entre variação e mudança, abrem o caminho para a
compreensão dos estágios intermediários entre dois momentos
temporais, permitindo, assim, captar a instalação contínua e gradativa
da mudança. Velhas e novas formas variantes rivalizam num mesmo
momento de tempo e essa alternância pode representar uma transição
para um outro estado de língua. (DUARTE & PAIVA, 2006, p. 139)
Para o estudo da variação, pressupõe-se que qualquer comunidade linguística se
caracteriza pelas diferentes formas de uso da língua. As variantes de cada fenômeno
ocorrem num plano geográfico e numa esfera social, e são motivadas também pelo
próprio contexto linguístico. Desse modo, para o controle de possíveis influências
linguísticas e/ou sociais no tratamento dos dados, pode-se utilizar uma ferramenta
específica, o pacote de programas técnico-computacional Goldvarb-X. Com essa
ferramenta, é possível identificar a distribuição dos dados em cada contexto controlado
e, ainda, as variáveis condicionadoras do fenômeno, por ordem de relevância, com base
na ponderação estatística que informa a influência específica de cada fator por meio de
pesos relativos. Maior detalhamento relacionado ao assunto será apresentado na seção
de metodologia, bem como a justificativa pelo fato de não se ter utilizado, nesta
pesquisa, valores em pesos relativos.
Como variação e mudança se mantêm intimamente relacionados na Teoria
variacionista laboviana, não se pode deixar de considerar, especialmente em um
trabalho que contempla dados de outras sincronias, os “Princípios empíricos para a
teoria da mudança linguística”, propostos por WLH (2006). Baseando-se em
fundamentos empíricos de suma importância, os autores formularam cinco questões
(problemas) para a teoria da mudança linguística, sem as quais não seria possível
relacionar os dados variáveis aos pressupostos teóricos. Segue, abaixo, uma breve
apresentação dos cinco problemas da mudança:
(i) O problema dos fatores condicionantes (restrição)
97
A análise minuciosa de um fato linguístico variável depende da observação de
possíveis condicionamentos para a variação. Dessa forma, é necessário estabelecer os
fatores linguísticos e sociais, também chamados de variáveis independentes, que
possam ser atuantes sobre a realização da variável dependente. Com isso, discute-se
sobre as condições que favoreceriam ou restringiriam as mudanças, além de buscar
investigar qual é o conjunto das mudanças possíveis. A questão conduz ao fato de que
estas últimas seguem princípios universais e levam à simplificação e generalização de
regras da gramática, mas não devem ser desvinculadas da estrutura social. Dessa forma,
sugere-se que o problema das restrições seja atrelado ao problema do encaixamento, a
ser discutido posteriormente. Aplicando-se ao contexto da presente pesquisa, é a partir
do ‘problema da restrição’ que se investiga a influência dos grupos de fatores sobre a
colocação do “se” em complexos verbais. Verifica-se qual restrição, sobretudo
estrutural, atua na preferência por determinada variante.
(ii) O problema do encaixamento
Como complemento ao problema discutido anteriormente, tem-se que “as
mudanças linguísticas sob investigação devem ser vistas como encaixadas no sistema
linguístico como um todo.” WLH (2006, p. 122). A grande questão é que o
encaixamento deve ser relacionado ao sistema interno da língua e deve ser estendido ao
plano da interação entre sistema e estrutura social da comunidade de fala. Para a
discussão, o tratamento sociolinguístico desmembra o problema do encaixamento em
duas vertentes complementares, descritas a seguir: o encaixamento na estrutura
linguística e o encaixamento na estrutura social.
(a) Encaixamento na estrutura linguística
Uma mudança ocorre em conjunto numa comunidade de fala e não se limita ao
idioleto. Além disso, a língua apresenta “variáveis intrínsecas” ao sistema atreladas a
fatores linguísticos e extralinguísticos que delimitam as possibilidades de mudança.
Esse sistema caracteriza-se, portanto, por uma heterogeneidade estruturada e é
diferenciado dentro da comunidade de fala.
O processo da mudança normalmente se dá por um movimento lento de um
grupo limitado de variáveis de um sistema que se altera gradativamente de um extremo
ao outro. A variação linguística é, dessa forma, uma característica inerente à
competência linguística dos membros da comunidade de fala, levando-se em
98
consideração a análise do grupo e não de um indivíduo isoladamente. Configura-se,
então, um dos aspectos mais importantes da sociolinguística, em relação aos modelos
anteriores de análise da mudança, que é o encaixamento na estrutura social, discutido
abaixo.
(b) Encaixamento na estrutura social
Reconhece-se o avanço da proposta variacionista de que uma análise
essencialmente linguística não daria conta do processo da mudança. Com isso, mostrase a importância da união entre os fatores linguísticos e sociais por propiciarem uma
visão mais adequada do processo histórico de constituição de uma língua. A variação é
inerente ao sistema linguístico e intrínseca aos fatores sociais e geográficos.
Indaga-se, então, sobre como se devem correlacionar “o processo de
estruturação da língua e o conjunto das relações sócio-históricas na comunidade de fala”
LUCCHESI (2004, p. 177). Desse modo, o problema do encaixamento configura-se, ao
mesmo tempo, a mais produtiva área de trabalho da sociolinguística e aquela que
acumula as maiores dificuldades e desafios. No caso desta pesquisa, por se tratar de
dados da modalidade escrita, a análise da variável gênero textual permite observar, do
ponto de vista extralinguístico, a amplitude do encaixamento em diferentes
manifestações sociais, por meio dos três gêneros textuais jornalísticos em questão.
(iii) O problema da transição
A questão da transição levanta a clássica discussão dos processos da mudança;
seriam os seus estágios discretos ou um continuum? A questão da dinamicidade da
língua rompe com a concepção estrutural da mudança e com a visão estruturalista da
língua difundida por Saussure, cujos estudos a consideravam como parte de um sistema
homogêneo e unitário, com alguns períodos de instabilidade. Sob uma perspectiva mais
abrangente, em que os fatos sob análise não se limitam ao sistema interno da língua, o
problema da transição propicia a instigante ideia de se estabelecer o percurso da
mudança linguística vinculado à estrutura social.
Com o avançar dos estudos sociolinguísticos, pode-se observar que o fenômeno
linguístico em mudança ocorre de forma lenta e gradual a partir de um continuum
ininterrupto de variação, e passa por momentos intermediários, em que convivem, numa
mesma época, formas alternantes conservadoras e inovadoras. O problema discutido
associa-se, na pesquisa, ao problema da implementação, a ser apresentado a seguir.
99
(iv) O problema da implementação
O principal questionamento a que o presente problema busca responder é: “Por
que uma dada mudança ocorreu em um momento e em um lugar determinados, e não
em outro momento e/ou outro lugar?” LUCCHESI (2004, p. 179). Pretende-se, então,
investigar os estímulos e restrições da sociedade e da estrutura linguística para o
processo global da mudança, que trazem à tona a dificuldade de decifrar por que a
implementação não se deu em outro momento ou em outro lugar.
Partindo-se das exigências naturais deste trabalho, busca-se investigar em que
estágio do período que compreende os séculos XIX e XX a mudança na escrita das duas
variedades começa a se implementar, ou se apenas características da variação podem ser
observadas. Pretende-se comparar se a escrita brasileira e a europeia apresentam o
mesmo comportamento variável quanto às construções estudadas, para investigar se a
implementação se deu do mesmo modo e ao mesmo tempo nas duas variedades.
(v) O problema da avaliação
A questão da avaliação incita um importante debate entre a função do indivíduo
em face da mudança e da própria língua e o princípio saussuriano que prevê um
indivíduo passivo frente às mudanças do processo de estruturação linguística. As etapas
históricas desse processo pressupõem as reações conscientes do indivíduo quanto à
mudança. Para WHL (2006, p. 124), “o nível de consciência social é uma propriedade
importante da mudança linguística que tem de ser determinada diretamente”.
A avaliação subjetiva do indivíduo é correlacionada a alguns estágios por que
passa a mudança. A primeira etapa encontra-se abaixo do nível da consciência social.
Não é simples a descoberta da mudança pela comunidade nesse primeiro momento. Em
estágios intermediários, desvios de estilo começam a aparecer. Com os testes de reação
subjetiva, é possível observar a avaliação social. Nas etapas finais da mudança, há uma
ampla percepção social sobre o fenômeno, com tendências ao estabelecimento de
estereótipos. Evidencia-se a norma conservadora, considerada de prestígio, enquanto os
estereótipos são relacionados a atributos sociais negativos.
A questão, portanto, é determinar em que medida a avaliação subjetiva pode
interferir no processo de mudança.
100
WHL (2006, p. 124) complementam que, se a mudança linguística representa
mudança no comportamento de uma sociedade, há uma dificuldade natural em se
postular hipóteses preditivas, questão comum a todos os estudos de cunho social. A
respeito do assunto, concluem da seguinte forma:
Tais considerações não devem nos impedir de examinar tantos casos
quanto pudermos em todo pormenor para responder os problemas
levantados acima e reunir tais respostas numa visão abrangente do
processo de mudança. (WHL, 2006, p. 124)
Observa-se, neste trabalho, a produtividade das variantes da colocação do “se”
na escrita brasileira e na europeia. Direta ou indiretamente, alguns dos problemas da
mudança linguística correlacionam-se ao presente estudo.
A questão do encaixamento, nos seus níveis linguístico e social, é perseguida na
medida em que o estudo leva em consideração a variação inerente ao sistema linguístico
atendendo também a alguns fatores sociais16. No que se refere ao encaixamento
linguístico, não constitui propósito deste trabalho apresentar hipóteses acerca das
possíveis mudanças correlacionadas ao fenômeno, como, por exemplo, as que se
referem à representação do sujeito e do objeto direto, à ordem sujeito-verbo, à
concordância, dentre outras.
O problema da transição é contemplado na pesquisa, tendo em vista as reflexões
que os dados permitem acerca do percurso através do qual se dá a variação do fenômeno
sob análise com o passar dos séculos XIX e XX.
O trabalho variacionista enseja colaborar, direta ou indiretamente, para a
resolução do problema da implementação, tendo em vista a necessidade de explicar a
instalação das mudanças, que pressupõe a observação de fatores sociais e linguísticos. A
presente pesquisa analisa as questões sociais no que tange às diferentes variedades do
Português analisadas, considerando épocas distintas de realização do clítico pronominal
em complexos verbais e os diferentes gêneros textuais que geraram as ocorrências. O
condicionamento linguístico também é avaliado para viabilizar a resposta à pergunta
que norteia o problema da implementação, ou seja, por que a mudança ocorre em
determinados momentos e lugares, e não em outros?
16
Saliente-se que a análise dos fatores sociais, nesta pesquisa, se limita à questão da época da publicação
e ao gênero textual, já que se trata de corpus da modalidade escrita.
101
Por fim, o problema da avaliação subjetiva é investigado nesta pesquisa, mas
não por meio de seu modelo clássico de avaliação, que se refere mais especificamente
aos valores – positivos ou negativos – atribuídos às variantes. Por meio da realização de
questionários avaliativos entre falantes brasileiros e portugueses, busca-se comparar e
atestar se há sobretudo diferenças de aceitação/interpretação de enunciados, por parte
dos representantes do Brasil e de Portugal. Sublinha-se, aqui, que a análise dos
resultados referentes às respostas aos questionários constitui estratégia fundamental para
a consideração do estatuto da regra variável em cada conjunto de textos analisados.
102
4. METODOLOGIA
O capítulo em questão trata das etapas científicas percorridas na presente
pesquisa sociolinguística. Primeiramente, apresenta-se a descrição do corpus utilizado
para a coleta das ocorrências de clíticos em complexos verbais. Posteriormente,
descrevem-se as etapas desde a delimitação do fenômeno a ser estudado até o
tratamento dos dados.
4.1 Descrição do corpus
O corpus constitui-se de dados de três diferentes gêneros textuais, publicados em
jornais dos séculos XIX e XX, a saber: editoriais, notícias e anúncios. Uma parte do
corpus, que contempla tanto textos brasileiros quanto europeus, encontra-se disponível
no banco de dados do site do projeto Varport (www.letras.ufrj.br/varport), enquanto a
outra parte é composta, no caso de textos europeus, por dados extraídos de diversos
jornais arquivados na Biblioteca Nacional de Portugal – por ocasião de uma das etapas
realizadas durante o estágio-sanduíche do doutorado em Lisboa –, no site
hemerotecadigital.cm-lisboa.pt, além de arquivos digitalizados cedidos pela redação do
jornal português “Diário de notícias”, e, no caso de dados brasileiros, por jornais
arquivados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e armazenados no banco de dados
encontrado no link hemerotecadigital.bn.br.
O material encontra-se organizado de acordo com a segmentação de cada século
dividido em 7 fases, da seguinte forma: fase 1 (1808-1840), fase 2 (1841-1870), fase 3
(1871-1890), fase 4 (1901-1924), fase 5 (1925-1949), fase 6 (1950-1974) e fase 7
(1975-2000). O critério adotado para a delimitação da coleta dos dados apoia-se no
número de vocábulos17 presentes nos textos, a saber: foram contabilizados 15000
vocábulos em cada fase analisada, para delimitar a coleta dos editoriais e anúncios e
30000 vocábulos em cada fase para delimitar a coleta das notícias. Toda a coleta
realizada gerou o total de dados exposto a seguir:
17
Compreende-se como vocábulo, nesta pesquisa, a noção do vocábulo formal, que pressupõe ser este a
unidade que figura, na escrita, entre dois “espaços em branco” e/ou sinal de pontuação para definir seus
limites.
103
Amostra brasileira
Amostra europeia
Total
803 dados
1029 dados
1832 dados
Tabela 2: Número total dos dados de clítico “se” em complexos verbais por amostra – brasileira e
portuguesa
4.2 Etapas do trabalho
O trabalho perpassa todas as etapas concernentes à pesquisa sociolinguística, a
saber: (i) a definição de variável dependente, com a consequente escolha dos contextos
de complexos verbais a serem contemplados; (ii) a determinação das variáveis
independentes – extralinguísticas e linguísticas; e (iii) o tratamento variacionista dos
dados – da coleta de dados de “se” em complexos verbais, codificação e tratamento das
ocorrências coletadas até a interpretação/análise dos resultados. Adicionalmente, a
pesquisa investiga a avaliação dos falantes brasileiros e portugueses a respeito de
algumas construções com o clítico “se”, com base na aplicação e interpretação de
questionários.
4.2.1 Descrição das variáveis
4.2.1.1
Regra variável e colocação pronominal em complexos verbais
Ao se trabalhar com o tema da presente pesquisa, depara-se em algumas
dificuldades teórico-metodológicas que vão desde a delimitação do que se considera um
complexo verbal, conforme discutido na seção anterior, até a constituição da regra
variável.
Por se tratar de um trabalho da modalidade escrita, nada mais coerente do que se
levantar para o debate inicialmente, critérios objetivos de ordem gráfica, considerando
que a presença de um hífen poderia sinalizar a ligação do clítico a uma das formas
verbais do complexo. O grande problema é que tal sinalização nem sempre é funcional
quando se utilizam textos de períodos remotos, tendo em vista que a padronização de
um jornal do início do século XIX é bem diferente da realização dos padrões gráficos de
fins do século XX. Para ilustrar o problema, basta recorrer a algumas publicações de
épocas passadas que apresentam o uso do hífen atrelado a preocupações com a mancha
104
gráfica do jornal, por exemplo, sem se importar necessariamente com a sua ligação para
a direita ou esquerda do primeiro ou do segundo verbo. Em textos contemporâneos, com
a rigidez dos padrões ortográficos empregados nos meios jornalísticos, entende-se que a
presença ou a ausência do hífen é forte sinalizador da opção do escritor em relação à
variante da colocação pronominal por ele eleita.
Com a intenção de minimizar as possíveis falhas derivadas das questões gráficas
do jornal, alguns estudiosos se baseiam na presença de um elemento interveniente ao
complexo verbal, como um sintagma adverbial, por exemplo, a partir do qual se
definiria a ligação do clítico. Sem dúvida, a colocação do clítico após esse sintagma
(como em ele pode amanhã se levantar) é sinalizadora da próclise a V2, e não da
ênclise a V1 (como seria o caso de ele pode-se amanhã levantar).
MARTINS (2009) apresenta um tratamento particular da regra variável de
colocação pronominal, adotando as medidas já mencionadas na seção de revisão
bibliográfica. O autor sugere a divisão das variantes em dois grandes grupos, sendo um
referente às construções COM alçamento de clítico e outro, SEM alçamento de clítico,
compostos de alguns subgrupos para constituir integralmente o recorte da sua análise.
Dessa forma, postula, dentro do grupo COM alçamento de clíticos, as variantes próclise
a V1 (cl V1 (x) V2) e ênclise a V1 (V1 cl (x) V2), e, no grupo das construções SEM
alçamento, estabelece a próclise a V2 (V1 (x) cl-V2) (quando há um elemento
interveniente na estrutura verbal complexa ou quando há um ‘proclisador’ antes do
grupo clítico-complexo verbal), a ênclise a V2 (V1 (x) V2-cl), além das construções a
que chamou de ambígua, pelo fato de o clítico “flutuar” entre os verbos do complexo,
sem possíveis atestações inequívocas de que se trata de uma ênclise a V1 ou de uma
próclise a V2. Na concepção do autor, os dados da variante ambígua não apresentariam
os critérios previstos mencionados anteriormente na apresentação da próclise a V2. Na
verdade, Martins baseia-se na presença de elementos linguísticos dentro do complexo
verbal ou um fator de próclise antes do grupo clítico-CV como comprovação da próclise
a V2. Não havendo tais critérios, o dado é analisado como constituinte da variante
ambígua e não se mistura às demais.
Na presente investigação, não se adota o critério de separação dos dados em
regras binárias, partindo do pressuposto sociolinguístico de que os usos atestados
manifestam claramente um comportamento eneário da regra. A assunção de mais de
uma regra variável para o fenômeno acaba por negar o que efetivamente ocorre nas
105
amostras estudadas, que registra a mobilidade do clítico “se” em mais de duas posições.
Com base em exemplos de MARTINS (2009), o “proclisador” (“não”) em “Mas não
posso ME queixar” licenciaria tanto uma construção SEM alçamento, que constitui, em
sua análise, uma regra variável, quanto uma construção COM alçamento (“Mas não ME
posso queixar”), tratada pelo linguista como outra regra variável.
Outra abordagem na formação da regra variável é apresentada por SCHEI
(2003), em sua subseção intitulada “Ênclise ao auxiliar ou próclise ao verbo principal?”,
em que discute a tomada de decisões a respeito do clítico entre as duas formas verbais.
A autora explicita que os dados de complexos verbais compostos por preposição ficam
de fora da análise, devido ao fato de a ênclise a V1 nunca ocorrer nesses contextos no
corpus analisado, a menos que o “se” seja um indeterminador. Destaca-se, a seguir, uma
ocorrência do corpus desta pesquisa para ilustrar o que apontou Schei: “Pela
Thesouraria provincial do Rio de já- | neiro se faz publico que, tendo-se de pro- | ceder
á construção de uma ponte sobre o Rio-Preto, no logar denominado - Passagem | das
Flores -, recebem-se propostas nesta | thesouraria para o referido fim, até o dia 10 | de
novembro proximo futuro [...]” [Amostra brasileira – anúncio fase 2].
SCHEI (2003) assume o risco de confiar no hífen como item de controle das
variantes, embora saliente que sempre haverá a chance de um erro tipográfico.
Considera que facilmente se pode inserir ou omitir um hífen por engano, o que geraria a
possibilidade de se registrar a ênclise a V1 ou a próclise a V2. Contudo, pondera que há
vários casos em que se evidencia, inequivocamente, o dado de ênclise ao verbo auxiliar
e o de próclise ao principal mediante a presença ou a ausência, respectivamente, do
hífen associada ou não a outras adaptações morfológicas. Na exemplificação de sua
tese, os casos mais evidentes seriam os de adaptações fonológicas ao contexto, como em
“Tinham-na serrado ao meio (...)”, em vez de “tinham a serrado ao meio (...)”. A autora
advoga, ainda, quanto ao fato de que o uso do hífen não seja fortuito quando demonstra
que ele é mais frequente, por exemplo, quando se trata de auxiliar + particípio e auxiliar
+ gerúndio, sugerindo, assim, que o emprego da ênclise a V1 pode estar relacionado ao
tipo de locução verbal.
Schei admite, então, a classificação da variante sem hífen como proclítica ao
verbo principal, baseando-se, ainda, nas seguintes evidências: (i) não houve registros de
próclise a V2 na amostra europeia; (ii) a próclise e a ênclise ao verbo auxiliar eram
evidentes em várias ocorrências; (iii) quase todos os dados ligados por hífen ao verbo
106
auxiliar eram com VP no gerúndio ou no particípio. Todas as evidências apontadas pela
autora corroboram a tese de que a sistematicidade com que a representação gráfica se dá
nos textos não é mero acaso e, por isso mesmo, pode e deve ser utilizada como um
critério de delimitação das variantes.
Vale salientar, então, que, embora nem todas as medidas metodológicas desta
tese, quanto à constituição da variável dependente, se assemelhem às adotadas por
SCHEI (2003), sua interpretação sobre o hífen e outras demarcações gráficas como
critério objetivo para a determinação entre a ênclise a V1 e a próclise a V2 foi eleita
como mais viável, no sentido que é a mais econômica e a que claramente delimita as
tendências por tipo de estrutura e por amostra. Postula-se, portanto, para esta tese uma
regra variável tanto para a escrita brasileira quanto para a escrita europeia, representada
pela variável dependente composta de quatro formas alternantes no Brasil e três em
Portugal conforme já se esclareceu.
Destaque-se que a noção de uma regra variável ternária no PE pode ser
respaldada, ainda, pela recente publicação18 da importantíssima obra intitulada
“Gramática do Português” organizada por Raposo, Nascimento, Mota, Segura & Mendes
(2013), que confirma a tese aqui defendida das diferentes posições dos clíticos na
amostra europeia, a saber:
Em estruturas completivas infinitivas nas quais a oração infinitiva é
selecionada por certos verbos, e nas perífrases verbais em geral, um
pronome átono complemento do verbo infinitivo pode cliticizar,
opcionalmente, ao verbo finito. [Grifo meu. (p. 2288)]
Para ilustrar a assertiva, a autora menciona os pares de frases que exemplificam
a referida opcionalidade, nas seguintes sentenças: “Trabalho não falta a quem queira
pegar-lhe. / Trabalho não falta a quem lhe queira pegar.” (CRPC, C. Pires, Hóspede) e
“Vai arranjar-lhe uns ovos! / Vai-lhe arranjar uns ovos!” (CRPC, J. Sena, Sinais), por
meio das quais se torna possível corroborar a ideia de que há três posições possíveis
para o clítico na sentença no que tange à variedade europeia.
18
Obteve-se acesso à Gramática do Português organizada por Raposo, Nascimento, Mota, Segura &
Mendes (2013) apenas depois da entrega da versão desta tese para a leitura dos membros da banca,
devido à sua publicação recente.
107
Os dados do corpus comprovam, ainda, com a produtividade diferente entre a
distribuição das variantes, que as formas alternantes nos mesmos contextos conferem o
mesmo valor referencial na sentença. Dessa forma, expõe-se, a seguir, um conjunto de
dados que pode auxiliar na demonstração da variação na ordem do “se”, sem alteração
do significado básico. Com base nos exemplos extraídos da amostra brasileira, é
indiscutível que a estrutura verbal complexa “poder dizer” + “se” apresenta os mesmos
valores referenciais, mesmo nas 4 diferentes posições em que pode figurar. Observe-se a
seguir:
Próclise a V1: “O cazo foi, que as eleições então não se pode dizer que exprimissem a
verdadeira vantade nacional!”; [Amostra brasileira – editorial fase 2]
Ênclise a V1: “Agora pode-se dizer que temos na Capital do Imperio muitos Obreiros
Francezes” [Amostra brasileira – editorial fase 4]
Próclise a V2: “No México continuavão a aparecer grandes partidos do Clero e
Nobreza a favor do hum Systema Monarquico: assim por todas estas razões pode se
dizer com certeza; que a causa da independência se acha identificada no coração de
todos os Americanos” [Amostra brasileira – editorial fase 1]
Ênclise a V2: “Quem vem acompanhando o vulto das permutas, após prenúncios
pessimistas feitos durante a guerra, fica pasmado ante a nossa atividade econômica,
que pode dizer-se, duplicou.” [Amostra brasileira – notícia fase 4]
Os exemplos acima esclarecem que a variação existe quanto à colocação do “se”
em complexos verbais, alternando-se em até quatro posições, sem alteração no sentido
da informação transmitida. Além disso, nota-se que o contexto morfossintático pode ser
um dos responsáveis pela atuação sobre o direcionamento do clítico, como elemento
favorecedor ou desfavorecedor. O caso da próclise a V1, no primeiro exemplo (“não se
pode dizer”), parece ser desencadeada pela partícula de negação “não”, que favorece a
variante proclítica, mas não impede, por exemplo, a ênclise a V1 ou a V2, configurado
caso clássico de variação segundo o aporte da Sociolinguística Laboviana. Nos demais
exemplos, a ausência de um elemento “proclisador” típico parece acarretar as demais
variantes como a ênclise a V1, a próclise a V2 e a ênclise a V2, a depender de fatores
variados.
4.2.1.2 A variável dependente
108
Constituem a variável dependente desta pesquisa as quatro variantes já expostas
anteriormente, a saber: (i) próclise a V1 (ou cl V1 V2), ex.: se deve fazer; (ii) ênclise a
V1 (ou V1-cl V2), ex.: deve-se fazer; (iii) próclise a V2 (ou V1 cl V2)19, ex.: deve se
fazer; (iv) ênclise a V2 (ou V1 V2-cl), ex.: deve fazer-se.
Sabe-se que a variante colocada entre o verbo auxiliar e o verbo principal pode
ter uma interpretação ambígua entre ênclise a V1 e próclise a V2, conforme atestado por
outros autores, em debate já apresentado na subseção anterior. Assume-se, neste
trabalho, o uso do hífen como elemento controlador das variantes, já que se trata
unicamente da representação escrita do fenômeno; dessa forma, a variante ‘V1 (x) cl
V2’, com ou sem algum elemento interveniente antes do clítico, é tida como proclítica
ao verbo principal. No caso dos complexos constituídos de preposição/conector (ter
que/ ter de, por exemplo) receberam um tratamento diferenciado por ser esse elemento
interveniente um natural “proclisador” do clítico, na amostra brasileira ou na amostra
portuguesa.
A discussão acerca de o clítico se ligar ao verbo (semi-)auxiliar ou ao verbo
principal – que é fundamental à descrição do fenômeno – pode encontrar apoio na
sintaxe e na fonologia. Com relação aos aspectos sintáticos de ligação do “se”, deve-se
analisar se a posição do pronome se relaciona à função que ele desempenha em relação
a cada um dos verbos que compõem o complexo. Estudos do fenômeno demonstram
que o “se” reflexivo/inerente na amostra brasileira, por exemplo, tende a se ligar ao
verbo que lhe confere papel temático. Além disso, a presença de sintagma interveniente
permite estabelecer, com mais segurança, a forma verbal a que se liga o pronome; no
exemplo do tipo “as opiniões podem sempre se mostrar verdadeiras”, pode-se afirmar,
seguramente, que o pronome não está enclítico a V1, mas proclítico à segunda forma
verbal.
Por vezes, alguns estudos, ao tomarem por base a representação gráfica do
pronome átono em relação aos vocábulos circunvizinhos – com hífen, escrito junto ou
separado –, acabam por tecer considerações sobre a provável ligação fonológica.
Primeiramente, deve-se salientar que o controle das marcas gráficas acarreta um número
muito grande de possibilidades, tendo em vista que o pronome, em épocas passadas,
figurava também junto aos elementos anterior, interveniente ou posterior ao complexo.
Ademais, deve-se ter a consciência de que nem sempre a representação gráfica está
19
Reforça-se, mais uma vez, que a variante proclítica a V2 não figurou no corpus europeu.
109
relacionada à ligação fonética do clítico ao hospedeiro. Nas produções do século XIX e
início do XX, por exemplo, ainda não havia na imprensa brasileira uma padronização
sobre a escrita adotada no que se referia ao uso do hífen. Por vezes, sua inserção estava
atrelada à mancha gráfica do jornal e não necessariamente à intenção de se ligar ao
primeiro, ao segundo verbo ou a outro vocábulo.
No que tange aos aspectos efetivamente fonológicos, assim como propõe
KLAVANS (1985), o hospedeiro sintático não corresponde necessariamente ao
hospedeiro fonológico do clítico. Na modalidade escrita, não se dispõe de ferramentas
seguras para a interpretação da direção fonético-fonológica do clítico, tendo em vista
que o código escrito não tem compromisso com o nível representacional de natureza
fonética. Na língua falada, por meio de análises de natureza prosódica, há a
possibilidade de investigar se o clítico na escrita brasileira e na escrita europeia tende a
se ligar foneticamente a V1 ou a V2. Estudos anteriores (cf. VIEIRA; CORRÊA, 2012)
têm interpretado que o padrão de ligação fonológica do Brasil tende a uma ligação
proclítica, principalmente a V2, enquanto o de Portugal, à ligação enclítica tanto a V1
quanto a V2.
4.2.1.3 As variáveis independentes
Por se tratar de normas de uso distintas, os dados da variedade brasileira foram
tratados sempre separadamente dos dados da variedade europeia, respeitando-se as sete
fases analisadas distribuídas entres os séculos XIX e XX. Assim sendo, em cada
variedade e em cada século, controlaram-se, no que se refere a grupos de fatores de
cunho extralinguístico, as variáveis época de publicação e gênero textual. O controle da
época da publicação permitiu averiguar a hipótese de que as escritas brasileira e
europeia se afastariam quanto ao padrão de colocação pronominal em complexos
verbais, sobretudo no século XX.
Neste trabalho, optou-se por considerar os gêneros textuais editorial, notícia e
anúncio como integrantes de uma variável extralinguística, compreendendo que a
codificação dos dados a esse respeito não partiu de uma análise baseada em critérios
linguísticos no âmbito da presente investigação; antes, partiu das categorias adotadas
pela equipe Varport, o que extrapola o nível linguístico. Assume-se a noção de que cada
gênero textual desempenha uma função e um perfil social dentro das comunidades de
110
fala, o que imprime, dessa forma, a coerência necessária para que a variável seja
considerada social/extralinguística.
Os grupos de fatores “tipo de ‘se’” e “forma do verbo principal” foram variáveis
independentes codificadas após a coleta para que, na verdade, funcionassem como
grupos de controle para a separação dos arquivos, primeiramente, pelas três formas do
verbo principal, a saber: (i) no infinitivo, (ii) no gerúndio, (iii) no particípio. Após essa
divisão, separou-se em dois cada um dos arquivos criados, respeitando-se os tipos de
“se”, como o “indeterminador/apassivador” e o “reflexivo/inerente”. Observe-se a
descrição a seguir:
1) Formas do verbo principal
A decisão de separar os arquivos de dados em três grandes grupos, por forma do
verbo principal, parte do pressuposto de que determinadas formas admitiriam maior
variabilidade posicional do que outras, além de cada uma apresentar características
muito distintas. No caso de o verbo principal ser expresso por infinitivo, por exemplo,
postula-se que a variante enclítica a V2 assuma maior produtividade de uso. No outro
extremo, quando V2 é o particípio, haveria tendência a rejeitar o uso da ênclise,
conforme prescrevem os compêndios gramaticais e evidenciam diversos estudos
descritivos. Quanto ao gerúndio, acredita-se que a tendência seria da ligação do clítico
ao verbo (semi-)auxiliar.
a) Infinitivo: “não reduzimos, pois, um <<schelling>> ao capital da vossa divida e
entendemos que o acordo deve firmar-se no sentido dum reembolso total a praso
curto.” [Amostra europeia – editorial fase 5]
b) Gerúndio: “Vamos querendo acreditar, que as faculdades mentaes do nobre duque se
vão definhando sucessivamente, e que as pretende suprir por um sentimentalismo
patriotico, que o não ajuda, e em que ninguem pode acreditar.” [Amostra europeia –
notícia fase 2]
c) Particípio: “A Hespanha é um dos paizes em que, nos ultimos annos, mais se tem
desenvolvido a acção catholica social.” [Amostra europeia – editorial fase 1]
111
2) Tipos de “se”
Controlou-se o tipo de “se” para atestar se a ordem do clítico é afetada pela
relação sintática que eles mantêm com as formas verbais a que se ligam. Postula-se que
o “se” do tipo reflexivo/inerente se cliticize, na amostra brasileira, ao verbo principal,
aquele que lhe fornece papel sintático-semântico. Aventa-se, ainda, que o “se” do tipo
indeterminador/apassivador tende a se colocar adjacente a V1, nas duas amostras, sendo
que, na europeia, a presença de um elemento “proclisador” poderia influenciar de modo
mais efetivo a ligação do clítico, se proclítica ou enclítica a V1.
a) “se” indeterminador/apassivador: “Tambem agora se vae travar uma lucta grave,
posto que incruenta” [Amostra europeia – editorial fase 2]
b) “se” reflexivo/inerente: “Se o sr. ministro queria effectivamente dirigir-se ao exercito
no sentido em que o fez o sr. conde de Santa Maria, perque (sic) não accordou ha mais
tempo?” [Amostra europeia – editorial fase 2]
Apresenta-se, a seguir, o conjunto das variáveis independentes controladas na
pesquisa a fim de ilustrar as possíveis interinfluências sobre a colocação do “se” nas
estruturas com complexos verbais, por meio de exemplos das amostras, sempre que
possível.
1) Número de formas (semi)auxiliares do verbo
O controle dessa variável foi necessário para a identificação dos casos em que o
clítico “se” teria, a princípio, mais posições para ocupar, tendo em vista a presença de
mais de um verbo (semi-)auxiliar. Como o número de dados com dois verbos auxiliares
foi pouco significativo no corpus, não foi preciso realizar uma outra análise que
implicasse mais posições, além das previstas.
a) um verbo auxiliar: “A Guerra se vai prelongando.” [Amostra europeia – editorial fase
1]
b) dois verbos auxiliares: “Elle bem sabe que o criar-se ahi huma | universidade vos he
devido, não como | premio de hum serviço, mas em virtude, de \ reunires todas as
112
circunstancias pelas | quaes ainda sem nenhum delles vós a da- | vias de ter, e já há
muito que se devia \ ter feito ...” [Amostra brasileira – editorial fase 3]
c) três ou mais verbos auxiliares: Não houve qualquer registro no corpus.
2) Presença de elemento interveniente no complexo verbal
Investigou-se a possibilidade de sintagmas intervenientes no complexo verbal,
como sintagmas adverbiais, influenciarem na aplicação de determinadas variantes. Se
em lexias verbais simples é importante analisar o contexto que antecede o verbo,
investigar a influência do sintagma interveniente em complexos verbais pode ser
revelador quanto ao direcionamento do clítico. A partir de um sintagma interveniente,
por exemplo, podem-se desfazer possíveis ambiguidades sobre se a ligação do clítico se
daria, inequivocamente, em ênclise a V1 ou em próclise a V2. Em um exemplo do
corpus, ilustra-se um caso de ênclise a V1, em que o sintagma adverbial
“necessariamente” não permite dúvidas sobre o direcionamento do clítico, a saber: “(...)
mas, deve-se necessariamente attender a alguma cousa mais” [Amostra europeia –
editorial fase 4]
a) sintagmas adverbiais: “Que elles não recorressem a uma medida mais forte do que a
de retirarem seus embaixadores da corte de Espanha, póde-se com justiça attribuir á
influencia do gabinete brittanico” [Amostra europeia – editorial fase 1]
b) ausência de elemento: “Isso tão somente para beneficiar os pobres escravos,
avisando-os de que a hora estava a chegar e que, portanto, eles deveriam se recolher à
casa de seus senhores.” [Amostra brasileira – notícia fase 5]
3) Presença e natureza do elemento antecedente à estrutura verbal complexa
Controlam-se, aqui, além da posição inicial absoluta, não apenas os tradicionais
“proclisadores”, mas todos os elementos que antecedem o grupo clítico-complexo
verbal, com a hipótese de que eles possam condicionar, com graus de produtividade
diferenciados, a colocação da variante proclítica a V1. Aproveita-se para comparar os
fatores listados abaixo aos analisados nas investigações de BRITO, DUARTE &
113
MATOS (2003), a respeito da colocação pronominal nas lexias verbais simples, na
amostra europeia, sempre que necessário.
a) posição inicial absoluta de período/oração: “Podem persuadir-se os Francezes que na
Russia encontrarão huma guerra como a da Peninsula.” [Amostra europeia – fase 1]
Com base em BRITO, DUARTE e MATOS (2003), na ausência de “atratores”
de próclise, a ênclise seria a única opção disponível, tal como se verificou no contexto
acima. No caso dos complexos verbais, a ênclise pode figurar tanto a V1 quanto a V2.
b) SN sujeito:
- nominal: “O Brasil pode orgulhar-se das suas forças armadas, que representam
efetivamente o espírito generoso dos brasileiros e as suas tradições de honra e
dignidade.” [Amostra brasileira – notícia fase 5]
- pronome pessoal: “Plos acha que, de lá pra cá, a balança continuou a inclinar-se em
favor de Brejnev: ele passou a identificar-se com temas de interesse geral (aumento na
produção de bens de consumo, embelezamento de Moscou, revisão os subsídios de
estudantes universitários) e teve encontros com veteranos de guerra que exaltaram o
seu papel “heroico” na linha de frente como comissário político.” [Amostra brasileira –
notícia fase 6]
- pronome indefinido: “Muitos se tem aprezentado voluntariamente ás Comissões
encarregadas do recrutamento geral.” [Amostra europeia – editoria fase 1]
- pronome demonstrativo: “Esta instituição continua desenvolvendo-se de um modo
extraordinário” [Amostra europeia – notícia fase 3]
- sujeito da passiva: “Interesses de localidades, interesses de famílias tem se agregado
ao ponto de apresentar terríveis explosões que se tem tentado colorir com a diversidade
de opiniões” [Amostra brasileira – editorial fase 2]
114
- sujeito oracional: Quem quiser carregar para Pernambuco na Sumaca Conceição,
póde dirigir-se á caza de Francisco [Amostra brasileira – anúncio fase 1]
Segundo BRITO, DUARTE & MATOS (2003), não são todos os SNs sujeitos
que se comportam como indutores de próclise, mas apenas os que apresentam
determinados quantificadores, e, mesmo assim, nem todos os quantificadores induzem a
próclise na escrita europeia de forma homogênea. As autoras destacam como “gatilhos”
de próclise (p. 855) os quantificadores ‘distributivos e grupais (“todos”, “ambos”),
‘indefinidos’ (“alguém”, “algo”) e ‘generalizados’ (“bastantes”, “poucos”). Um segundo
grupo investigado pelas autoras seria o dos que admitem a próclise, mas não a exigem
(“cada”, “muitos”). Nesta pesquisa, ambos foram controlados no grupo dos pronomes
indefinidos (excetuando-se o “ninguém”, que se classifica, neste trabalho, como um
vocábulo de negação). Por outro lado, um terceiro grupo investigado é o dos “nãoproclisadores”, composto por ‘numerais, partitivos e de contagem’ (“três”, “os dois
primeiros”) e por ‘indefinidos e existenciais’ (“um”, “algum”).20
c) Partículas de negação: “Não se podia esperar mais da apresentação de meia dúzia de
palavras escriptas sem vitalidade” [Amostra brasileira – editorial fase 3]
d) Sintagma adverbial
- determinados advérbios (os mais curtos): Muito se tem questionado o que poderia ser
realizado em benefício de administrações municipais, sem que se incorresse em erros
tais como o de pulverizar os recursos de um país pobre de capitais, colocando nas
mãos dos prefeitos o poder de gastar o que faltaria em outro lado para investimentos.
[Amostra brasileira – editorial fase 7]
- advérbios extensos ou locução adverbial: “No dia 1º de janeiro devia reunir-se em
Santiago a convenção dos partidos oposicionistas para eleger o candidato ao cargo de
presidente da republica” [Amostra brasileira – editorial fase 3]
20
Devido ao insuficiente número de ocorrências, que pudessem demonstrar a variedade de
quantificadores, optou-se por considerar, nesta pesquisa, um único grupo com todos os pronomes
indefinidos. Conforme a necessidade de exploração dos exemplos, a análise será qualitativa.
115
As referidas autoras ponderam que os advérbios mais curtos, chamados por elas
de ‘advérbios de focalização, de referência predicativa, confirmativos, de atitude
proposicional e aspectuais’ (“só, “apenas”, “também”, “sempre”, “talvez”, “já”,
“ainda”), integram o grupo dos “proclisadores”. O mesmo não ocorre com os advérbios
extensos ou locuções adverbiais.
e) Preposições
- para: “Não basta consultar uma fórmula para se conseguir resolver o problema”.
[Amostra europeia – notícia fase 7]
- a: “As pessoas desataram a fugir, a tentar refugiar-se nos restaurantes e bares e
ninguém deixava entrar” [Amostra europeia – notícia fase 7]
- de: “Ha noticia de se ter escripturado para a futura época theatral a dama Fanny
Gordosa, e o baritono Gaetano Ferreri.” [Amostra europeia – notícia fase 2]
- por: “Isto tem influido muito nos preços de vários gene-/ros, sobre tudo por se terem
hontem recebido cartas de França, que dizem, que em virtude de hum Decreto Imperial
todos os Navios Americanos serão detidos logo que chegarem a qualquer porto da
França.” [Amostra brasileira – notícia fase 1]
- sem: “(...) podendo cada deputado apresentar livremente seus pontos de vista sem ter
de se subordinar a não ser ao regimento.” [Amostra europeia – notícia fase 6]
- em: Não houve qualquer registro no corpus.
A respeito das preposições, as autoras afirmam que integram o rol das
expressões diante das quais o padrão proclítico é o esperado, com exceção da
preposição “a”, que não é marcada como “atrator” de próclise, especialmente por sua
debilidade fonológica.
f) Conjunções coordenativas
116
- aditiva: “A diplomacia trabalha na questão siciliana e teem-se já conseguido tantos
resultados dos seus esforços que é impossível discriminar qual será a consequência
definitiva” [Amostra brasileira –notícia fase 2]
- alternativa: “Installações modelares. | Corpo Docente notavel, Competen- | cia,
assiduidade, efficiencia. Visi- | tem-nos ou procurem informar-se | com seegurança.
[Amostra brasileira – anúncio fase 2]
- adversativa: Mas deve-se reconhecer que cada nação se inspirou nos seus interesses
particulares (...) [Amostra europeia – editorial fase 2]
- conclusiva: “Então começou-se a conhecer Portugal, porque o eco da palavra desses
escritores foi da Galicia á Catalunha [...]” [Amostra europeia – editorial fase 4]
- explicativa: “Seria imprudente publicar conjecturas ainda as mais verosimeis, sobre o
destino desta expedição, antes da sua sahida dos portos; porque se não deve sacrificar
o interesse da Patria ao do maor proprio:” [Amostra europeia – editorial fase 1]
BRITO, DUARTE & MATOS (2003) chamam atenção para um determinado
grupo de conjunções coordenativas qualificarem-se como “proclisadores”, que seriam as
‘correlativas com elemento de polaridade negativa’ (“não só ... mas também” –
consideradas, nesta pesquisa, como um tipo de conjunção aditiva) e as ‘conjunções
correlativas disjuntivas’ (“ou ... ou”, “quer ... quer” – consideradas, nesta pesquisa,
como do grupo das conjunções alternativas).
f) Elementos subordinativos
- conjunção subordinativa: “A camara dos pares! Que instituição é esta, que se
encontra sempre rabujenta, piegas e anachronica, quando se quer fazer alguma
innovação util ao paiz!” [Amostra europeia – editorial fase 2]
117
- pronome relativo “que”: “Os acontecimentos que se vão desenrolando na Grécia
agora, levam-nos a pensar nos que ocorreram ontem.” [Amostra europeia – editorial
fase 4]
- outros pronomes/advérbios relativos: “Se a estação onde se vae tomar aguas ou se a
praia onde se vae procurar a cura maritima, não tiverem boas condições hygienicas e
climatericas, o tratamento ficará em enganosa illusão, será infructifero ou será mesmo
prejudicial.” (Amostra europeia – editorial fase 4)
- conjunção integrante “que”: “Um arrastão polaco não identificado comunicou que
estava a afundar-se ao largo da costa oriental da Escócia, (...) [Amostra europeia –
notícia fase 6]
- conjunção integrante “se”: “Não sabemos se ella chegou a empreender-se.” [Amostra
europeia – editorial fase 2]
- “que” em estruturas clivadas: “não | na qualidade de João Caetano dos Santos, mas |
sim na de actor, e por essa mesma razão é que o Sr. João Caetano se deve encher de
orgulho, e | continuar a frequentar a scena como actor, lem- | brando-se que Kin era
um homem condecorado, | e gozava a estima do principe de galis...” [Amostra
brasileira – editorial fase 2]
- “que” em locuções conjuntivas: “Oppressão, tirannia, sistema arbitrario não o tem
havido na gerencia do regente, para que se possa dizer que se quer combater.”
[Amostra europeia – editorial fase 2]
- palavra QU interrogativa do tipo pronominal: “e que se pode esperar agora quan-/do
as vastas regiões que affiança estão distantes milhares de legoas maritimas?” [Amostra
brasileira – notícia fase 1]
- palavra QU interrogativa do tipo adverbial: “Como pode um país capitalizar-se e
distribuir melhor suas riquezas, se permite uma política de extorsão?” [Amostra
brasileira – notícia fase 6]
118
A análise das referidas autoras indicam como “proclisadores” o que chamam de
‘sintagmas-Q interrogativos, relativos e exclamativos’ (identifica-se, nesta tese, como as
palavras QU interrogativas do tipo pronominal e do tipo adverbial), bem como “os
complementadores simples e complexos, selecionados por uma preposição ou um
advérbio ou que resultam de reanálise” (p. 854) (podem ser identificados de alguma
forma, nesta tese, como todos os demais itens listados neste grupo de fator).
g) operadores de foco21 (“até”, “inclusive”, “também”, “só”, “apenas”, “ainda”): “casas
| de tavolagem como nocivas ás fortunas, | também se deve prohibir a existencia d'esse
| genero de agenciar o dinheiro alheio sem fazer” [Amostra brasileira – editorial fase 3]
h) elemento deslocado: “A estas causas se deve accrescentar o quanto os proprietarios
auzentes esgotão este empobrecido paiz,” [Amostra europeia – notícia fase1]
BRITO, DUARTE & MATOS (2003) denominam as referidas construções
acima como “apresentativas iniciadas por um constituinte ligado discursivamente e em
que o sujeito tem o estatuto de foco informacional” (p. 856). Para as autoras, assim
como os locativos e dêiticos demonstrativos, que também costumam figurar no contexto
descrito, as construções acima encerram a lista dos “proclisadores”.
Para viabilizar a codificação, determinou-se que, numa mesma ocorrência,
quando se encontram dois operadores de próclise, um tradicionalmente estabelecido e o
outro não, leva-se em consideração o elemento tradicional, como se observa: “Quando
as acções cahiram de chofre, isto é, quando os agiotas combinados se tinham
locupletado, e a ruina de muitos homens de boa fé se tornou infalível” [Amostra
brasileira – notícia fase 2]. Nos casos em que aparecem dois ou mais elementos
tradicionais, considera-se o que estiver mais próximo ao grupo clítico-complexo verbal.
A título de ilustração, observe-se o seguinte fragmento extraído do corpus: “pronto a
obedecer a uma unidade de acção e de comando que já não se pode chamar invisível,
(...)” [Amostra europeia – editorial fase 5]. Esse dado apresenta três elementos
21
Importa destacar que as autoras identificam esse grupo de fator como advérbios de focalização, já
mencionados aqui no grupo dos advérbios curtos ou leves. Inicialmente, quando se deu a coleta dos dados
desta pesquisa, os dois referidos fatores foram tratados em separado. Como os resultados não
demonstraram diferenças significativas na distribuição das variantes e, por compartilharem características
muito semelhantes, optou-se por amalgamar tais fatores, conforme explicitado na seção seguinte.
119
“proclisadores” tradicionalmente estabelecidos: o pronome relativo “que”, o advérbio
“já” e a partícula de negação “não”. Sendo assim, considerou-se, para efeito de
codificação, o mais próximo (a partícula de negação). No caso de um contexto com dois
ou mais elementos “não-proclisadores”, codificou-se também o mais próximo do grupo
clítico-complexo verbal, a saber: “De facto, a forma foi-se degradando e deteriorando
(...)” [Amostra europeia – editorial fase 6]. Diante da locução adverbial extensa (“de
facto”) e do SN sujeito nominal (“a forma”), ambos “não- proclisadores” prototípicos,
considerou-se o último elemento mais próximo da construção verbal complexa para
efeito de codificação.
4) Forma do verbo (semi-)auxiliar
A partir do controle do tempo e modo relativos ao verbo (semi-)auxiliar 1,
postula-se que haja algum tipo de influência para a ordem do “se” em complexos
verbais, especialmente no tocante ao modo do verbo. O subjuntivo, por exemplo,
costuma figurar em contextos de subordinação, o que, consequentemente, tenderia a
favorecer a próclise a V1.
a) Presente do indicativo: “Os que forem moradores fóra desta cidade, como em Lisboa,
Bahia, etc., pódem corresponder-se com elle pelo correio, dirigindo-lhe as suas
ordens.” [Amostra brasileira – anúncio fase 1]
b) Pretérito imperfeito: “Elle bem sabe que o criar-se ahi huma | universidade vos he
devido, não como | premio de hum serviço, mas em virtude, de \ reunires todas as
circunstancias pelas | quaes ainda sem nenhum delles vós a da- | vias de ter, e já há
muito que se devia \ ter feito ... [Amostra brasileira – editorial fase1]
c) Pretérito perfeito do indicativo: “Neste paiz ainda se não quiz entender que nem
todos os homens são para todas as épocas.” [Amostra europeia – editorial fase 2]
d) Pretérito mais que perfeito do indicativo: “arroje par o monturo o governo que n'elle
começara a despenhar-se.” [Amostra europeia – editorial fase 3]
120
e) Futuro do presente do indicativo: “De noite não se poderá entrar n'ella [Amostra
europeia – editoria fase 3]
f) Futuro do pretérito do indicativo: “é necessario fazer-se o que ha muito tempo se
deveria ter feito e que é deveras muito simples” [Amostra europeia – editorial fase 3]
g) Presente do subjuntivo: “O maior bem que se possa fazer ao povo consiste em
ministrar-lhe instrucção, ...” [Amostra brasileira – editorial fase 1]
h) Pretérito imperfeito do subjuntivo:“É realmente de estranhar que n'uma rua tão
frequentada, mesmo durante a noite, se podesse perpetar um roubo tão audacioso[...]”
[Amostra brasileira – notícia fase 2]
i) Futuro do subjuntivo: “pedimos que quando houver de se fazer no regulamento, que
ha de servir de complemento a essa lei, se tenha em vista” [Amostra europeia – notícia
fase 3]
j) Imperativo: “Fique-se portanto entendendo que o reparo que fazemos a respeito
dessa nomeação, no que é relativo á pessoa sobre quem recahiu, consiste unicamente
nessa desistência de natural amor próprio” [Amostra brasileira – anúncio fase 5]
k) Infinitivo: “No estabelecimento do sr. Margotteau, em certas occasiões, era difficil a
entrada pela concorrencia de admiradores que, a maior parte, desejosos de ver de
perto alguns d'aquelles primores, esperavam anciosos o momento de poderem
approximar-se.” [Amostra europeia – notícia fase 3]
l) Gerúndio: “Informam-nos que o soldado, tendo se apresentado ao sr. general
Caldwel ainda em estado de ser conhecida visivelmente a offensa physica que soffrêra,
fôra por sr. exc. levado ao ministro da guerra a quem relatara o facto.” [Amostra
brasileira – notícia fase 2]
5) Tipo de complexo verbal
121
De acordo com a apresentação sobre o que se considerou complexo verbal, nesta
pesquisa, listam-se as construções contempladas em cada fator. Antes, porém, cabe
ressaltar as hipóteses postuladas para o grupo de fatores em questão.
Quanto aos dados da amostra europeia, MATEUS et alii (2003) propõem que o
clítico se ligaria encliticamente ao verbo auxiliar ter e ao verbo cópula ser, nos tempos
compostos e passiva de ser, respectivamente, ou em próclise a v1 no caso de haver
“factores desencadeadores da colocação dos pronomes” (2003, p. 407). Em construções
com (semi)-auxiliares modais e aspectuais, o clítico tenderia a ser ligar tanto à primeira
forma verbal quanto ao verbo principal.
Com relação à amostra brasileira, postula-se que os diversos compostos
admitiriam mais facilmente a variante proclítica ao verbo principal, especialmente nos
contextos sem elementos “proclisadores”. Construções com alguns auxiliares modais,
como
aqueles
que
envolvem
a
expressão
“pode-se”,
sendo
o
“se”
um
indeterminador/apassivador, por exemplo, tenderiam a favorecer a ênclise a V1, já que,
por ser um contexto produtivo na modalidade escrita, tal construção funcionaria como
uma expressão cristalizada no Brasil.
PERINI (2001, p. 232) sugere que “o clítico fica sempre restrito aos limites da
mesma oração”, com exceção de duas construções, uma com o verbo saber e a outra
com o auxiliar acompanhado de preposição. Estas últimas admitiriam a próclise ao
verbo auxiliar, de forma relativamente aceitável na língua.
É importante ressaltar que cada item lexical referente a V1 foi coletado e
codificado separadamente – e segue descrito na apresentação abaixo –, mas, devido ao
insuficiente número de ocorrências por fator, as estruturas com características
semelhantes precisaram ser amalgamadas (cf. próxima subseção a respeito dos demais
amálgamas realizados na pesquisa), conforme os grupos reunidos abaixo.
a) Passiva de ser (verbo ser + particípio – menor grau de afastamento da categoria de
auxiliar): Não houve qualquer registro no corpus.
b) Tempos compostos mais estruturas aspectuais produtivas na língua22 (V1 com
segundo nível de afastamento do status de auxiliar): ter + particípio; haver + particípio;
ir + infinitivo; vir + infinitivo; ir + gerúndio; vir + gerúndio; estar + gerúndio; estar + a
22
Para facilitar a identificação de cada variante, esse fator será identificado como “tempos compostos”.
122
+ infinitivo: “De fato, não a aceita, haja vista as preferências que se têm afirmado,
ultimamente, através das urnas. Cabe às lideranças esclarecidas consolidar este
avanço, afugentando o vácuo que se faz (apagado) em torno das ideologias que a nada
conduzem.” [Amostra brasileira – editorial fase 6]
c) ‘Perífrases verbais’ modais e aspectuais diversas (V1 com algum grau de
esvaziamento semântico + V2 – mesmo referente-sujeito): haver + de/que + infinitivo;
ter + de/que + infinitivo; poder + infinitivo; dever + infinitivo; acabar + gerúndio;
acabar + de/por + infinitivo; chegar + a + infinitivo; começar + a + infinitivo; voltar + a
+ infinitivo; pôr-se + a + infinitivo; tornar-se + a + infinitivo; continuar + a + infinitivo;
ficar + gerúndio; costumar + infinitivo; continuar + gerúndio; ficar + gerúndio; andar +
gerúndio: “Os candida/tos, que deverão ser reservistas/ do Exercito, poderão
apresentar/-se na Secretaria da escola, Praia/ Vermelha, das 8 ás 14 horas, a fim/ de se
submeterem a uma ligeira/ prova de dactilografia.” [Amostra brasileira – notícia fase 5]
d) Complexos bi-oracionais com mesmo referente-sujeito (V1 mais próximo do polo
lexicalidade – construções com verbos volitivos/optativos ou declarativos)23: querer;
desejar; tentar; procurar; conseguir; saber; evitar; prometer; resolver; decidir; pretender;
preferir; permitir; propor + infinitivo: “e um homem que tentou proteger-se contra a
chuva sob um vagão ferroviário foi partido em dois ...” [Amostra brasileira – notícia
fase 6]
Ressalte-se, conforme já elucidado, que BRITO, DUARTE & MATOS (2003)
apontam que, em construções verbais com preposição, apenas os elementos “de” e “a”
admitiriam a ligação do clítico ao verbo (semi-)auxiliar, mas nunca com a preposição
“por” (construções como a seguinte não seriam possíveis em razão da preposição: “*O
João acabou-se por esquecer da festa”). Advogam, ainda, que se registra a ligação do
clítico a V2 com as preposições “de” e “por”, em ênclise ou em próclise. No entanto, o
emprego da próclise não seria admitido diante do contexto com a preposição “a”, na
23
As construções do último grupo são aquelas que oferecem maior dúvida quanto ao estatuto da regra
variável. Entretanto, como já se esclareceu anteriormente, já nesta seção, elas foram contempladas tendo
em vista que há ocorrências variáveis no corpus estudado, sem alteração do significado básico (Exs.:
“quem se quizer utilizar do seu préstimo...” [Amostra europeia – anúncio fase 1], “Quem quizer utilisarse do seu prestimo ...” [Amostra europeia – anúncio fase 2], “Urge que o systema parlamentar seja emfim
uma verdade, a querer-se evitar que o sophisma dos seus principios o arraste á destruição [Amostra
europeia – editorial fase 2], “Um diretor da empresa, que não quis se identificar para a reportagem”
[Amostra brasileira – anúncio fase 7],), seja brasileiro, seja europeu, do século XIX ou do século XX.
123
amostra europeia. As autoras exemplificam, então, as possíveis construções diante do
“a”, como se observa: “O João começou-lhe a ensinar russo.” e “O João começou a
ensinar-lhe russo.”
4.3 Procedimentos adotados no tratamento variacionista dos dados
Para a realização da análise variacionista, os dados coletados receberam o
tratamento computacional fornecido pelo pacote de programas Goldvarb-X, que
disponibiliza mecanismos para análise quantitativa e auxílio na interpretação de
resultados. Como a variável dependente em questão é eneária – e sobretudo devido ao
número exíguo de dados de algumas das formas alternantes em relação a alguns dos
fatores controlados –, decidiu-se atestar a produtividade das variantes, sem, contudo,
avançar até a etapa da verificação dos pesos relativos. Dessa forma, chegou-se à etapa
dos valores percentuais, além da realização do cruzamento entre variáveis, eliminação
de fatores ou dados e junção de fatores dentro de cada grupo, sempre que necessário, a
fim de se atestar uma série de possibilidades que facilitaram a interpretação e análise
dos resultados.
O procedimento básico e inicial no tratamento dos dados deu-se a partir da
codificação das ocorrências, segundo as variáveis extralinguísticas e linguísticas
apresentadas na subseção anterior. Assim, codificou-se cada dado, fator a fator, para que
se procedesse ao tratamento computacional das ocorrências. Utilizou-se o instrumental
técnico-computacional do pacote de programas Goldvarb-X, que, conforme já indicado,
constitui ferramenta valiosa para a investigação.
Assim sendo, realizou-se a primeira etapa de cunho estatístico, chamada
‘constituição do arquivo de células’, que revela, em análise inicial, o percentual das
variantes analisadas, de acordo com cada fator que compõe os grupos estabelecidos. O
resultado desse processo permite identificar os contextos em que se dá a presença de
dados categóricos ou de dados variáveis. Dessa forma, para dar continuidade à análise,
procedeu-se à etapa de recodificação dos dados, na qual se podem amalgamar fatores de
características equivalentes. Esta etapa é importante porque permite reorganizar os
resultados muito distribuídos e, com isso, facilitar a visualização dos números
percentuais.
124
A esse respeito, GUY & ZILLES (2007) respondem à seguinte pergunta: “Que
princípios embasam a amalgamação de fatores?” (p.188). Os autores alegam que, na
maioria das vezes, com o intuito de investigar que elementos da análise são de fato
significativos, em face de outros que não exercem efeitos verdadeiros sobre o fenômeno
em estudo, os pesquisadores tendem a estabelecer uma diversidade de fatores. Acabam,
assim, separando, na codificação, fatores que são de naturezas semelhantes. Sobre o
assunto, complementam:
Essa decisão [de amalgamar fatores] deve ser feita com base em
justificativas de ordem tanto teórica quanto quantitativa. A
justificativa teórica é que os fatores a ser combinados têm uma
semelhança lingüística ou social, e a junção dos dois constitui uma
supercategoria racional. [...] [Sobre a justificativa quantitativa] nossa
meta é combinar fatores quantitativamente semelhantes [levando-se
em consideração] a quantidade de dados, as diferenças em
percentagens e em pesos relativos etc. (GUY & ZILLES, 2007, p.
188)
Destaque-se, então, que os fatores amalgamados, por meio do recurso da
recodificação, devem compartilhar características linguísticas ou sociais, constituindo o
que os autores chamam de supercategoria racional. Na presente pesquisa, por exemplo,
investiga-se separadamente, de antemão, cada preposição da variável ‘presença de
possível elemento “proclisador”’. Como morfossintaticamente são idênticas, há a
possibilidade de amalgamá-las. Além disso, a combinação de fatores estatisticamente
semelhantes também deve ser considerada para a coerência da análise. No caso de não
ser combinável a nenhum outro fator, o item ou deve ser desconsiderado das próximas
análises ou analisado separadamente.
Ressalte-se que, para esta pesquisa, a etapa de amalgamar fatores foi importante
não pela necessidade de desfazer os dados categóricos, já que não se avançou à etapa
de pesos relativos, mas fundamentalmente para evitar a grande diluição dos dados
pelos fatores, o que inviabilizaria a descrição consistente dos resultados. Assim,
facilitou-se a análise e apresentação dos percentuais de fatores semelhantes de forma
mais concentrada. Posteriormente, procede-se à análise dos resultados relativos ao
novo arquivo de células. Assim, são fornecidos valores percentuais mais consistentes
do que os do primeiro arquivo.
125
De todas as análises efetuadas, apresenta-se, a seguir, a lista das variáveis com
seus fatores amalgamados da forma que se julgou mais produtiva para a análise dos
resultados:
a)
Tipo
de
“se”:
(i)
“se”
indeterminador/apassivador;
(ii)
“se”
reflexivo/inerente.
b) Presença de possível elemento “proclisador”: (i) todos os contextos de SN –
sintagma nominal sujeito (nominal, pronome pessoal, pronome indefinido, pronome
demonstrativo, da passiva e oracional); (ii) os sintagmas adverbiais representados
apenas pelos advérbios mais curtos e os operadores de foco; (iii) os sintagmas
adverbiais representados por advérbios extensos e locuções adverbiais; (iv) todas as
preposições (para, a, de, por, sem, em); (v) as conjunções coordenativas (aditiva,
alternativa, adversativa, conclusiva, explicativa); (vi) os elementos subordinativos
(conjunções subordinativas, pronome relativo “que”, outros pronomes/advérbios
relativos, conjunções integrantes “que” e “se”, “que” em estruturas clivadas, “que” em
locução conjuntiva, palavra QU- interrogativa do tipo pronominal e palavra QUinterrogativa do tipo adverbial).
c) Forma do verbo (semi-)auxiliar 1: (i) todos os tempos do modo indicativo
(presente, pretérito imperfeito, pretérito perfeito, pretérito mais que perfeito, futuro do
presente, futuro do presente e futuro do pretérito); (ii) todos os tempos do modo
subjuntivo (presente, pretérito imperfeito e futuro); (iii) formas nominais (infinitivo e
gerúndio).
d) Tipo de complexo verbal: (i) passiva de ser; (ii) “tempos compostos” +
algumas perífrases de valor aspectual com alto grau de integração; (iii) perífrases
modais + perífrases aspectuais; (iv) construções com verbos de mesmo referente-sujeito
(optativos/volitivos ou declarativos).
Buscou-se investigar se a aparente relevância das variáveis para o
comportamento da ordem do “se” se fundamentava pelo próprio caráter da variável ou
se estava recebendo influência de outro grupo de fatores. Para atestar essa correlação
entre variáveis, realizaram-se diversos cruzamentos entre grupos de fatores. Os grupos
cruzados, através da ferramenta ‘crosstab’, foram os seguintes: presença de
‘proclisador’ + tipo de complexo verbal; época da publicação + presença de
‘proclisador’; época da publicação + tipo de complexo verbal.
126
Como apresentado, fez-se necessária a separação dos arquivos de dados do “se”
indeterminador/apassivador e do “se” reflexivo/inerente e, consequentemente, a
realização de rodadas duplas que contemplassem sempre, em separado, os dois tipos de
“se”. Com isso, foi possível perceber a produtividade de cada variante por variável
independente analisada, em função da natureza do “se”. Assim sendo, os resultados
exibidos na seção de análise partem da apresentação por gráficos primeiramente com os
resultados do “se” indeterminador/apassivador e, posteriormente, com os resultados do
“se” reflexivo/inerente, a fim de comparar as possíveis diferenças entre os dois tipos de
pronome, conforme postulado nas hipóteses.
Outra medida importante diz respeito à análise em rodadas separadas para cada
forma nominal de V2 da estrutura verbal complexa. Dessa maneira, os resultados foram
analisados em três subconjuntos: o primeiro relativo aos dados de “se” em construções
com o verbo principal na forma do infinitivo; o segundo, com os complexos com o
verbo principal na forma do gerúndio; e o terceiro, quando o particípio é o verbo
principal. A divisão tripartida dos resultados por tipo de verbo principal (doravante VP)
foi fundamental, já que as três formas nominais do verbo são bastante distintas.
Uma influência que também poderia camuflar resultados importantes é a dos
dados em início absoluto de período/oração. Pela peculiaridade do contexto descrito,
optou-se por contemplar tais ocorrências separadamente dos demais dados, a fim de
esboçar, sem comprometer os resultados da análise, o comportamento do “se” (em suas
duas representações) em ambiente de início absoluto de período/oração.
É conveniente ressaltar, ainda, que os dados nos contextos em que o complexo
verbal se compõe de conector/preposição interna (como em “ter que/de”) também foram
analisados de forma destacada, após se observar que a colocação do “se” se repetia
influenciada pelo ambiente linguístico em questão, especialmente na amostra
portuguesa, conforme exposto anteriormente. O mesmo não ocorreu na amostra
brasileira, o que resultou na decisão de manter tais dados na análise do corpus
produzido no Brasil.
A sistematização dos resultados percentuais será feita em duas etapas,
conforme se esclarece no próximo capítulo. Nele, apresentam-se as discussões de cunho
analítico-estatístico com base na distribuição dos dados por cada grupo de fatores, e no
conjunto das variáveis que se mostraram relevantes para a motivação do fenômeno.
Considerou-se, ainda, o conjunto de fatores selecionados pelo Goldvarb (conforme o
127
nível de relevância após a testagem da variável eneária de forma bipartida, ou seja, com
a combinação entre cada uma das variantes em pares) utilizados na análise da
dissertação de mestrado de NUNES (2009).
4.4 Descrição e aplicação dos questionários
O questionário de avaliação subjetiva do falante consta de duas partes, sendo a
primeira relativa à identificação de dados pessoais e algumas características sociais do
informante, a fim de controlar sexo, idade, região e escolaridade. A segunda parte é
composta por um conjunto de três tipos de questões diversificadas em que se pede para
o indivíduo (i) ordenar frases numa escala que varia da estrutura mais aceitável/natural
até a menos aceitável (ou inaceitável, em alguns casos particulares de julgamento); (ii)
preencher lacunas com a estrutura verbal complexa + clítico “se”, ambos apresentados
entre parênteses, em uma ordem que julgue mais natural em sua variedade; (iii) produzir
frases livres, em que seja induzido a usar o clítico em estruturas verbais complexas, a
partir de situações motivadoras. Para o conhecimento do questionário aplicado, pode-se
conferir o anexo, ao fim desta tese.
No que tange à aplicação dos questionários, o mesmo material foi submetido a
10 alunos lisboetas e a 10 alunos cariocas, com pequenas adaptações de vocabulário,
necessárias devido a diferenças mínimas referentes ao léxico em Portugal e no Brasil.
Buscou-se encontrar perfis semelhantes entre os informantes brasileiros e portugueses,
especialmente quanto ao período estudado na faculdade (consideraram-se alunos do
final da graduação) e a área de formação, que foi o curso de Letras nos dois países em
questão. A escolha por realizar os questionários em falantes considerados cultos deu-se
pelo fato de o falante brasileiro não ter muita intuição a respeito de alguns usos do “se”,
principalmente do indeterminador, que ainda resiste a alguns poucos contextos da
escrita.
128
5. ANÁLISE DOS DADOS
Primeiramente, apresentam-se os resultados gerais referentes ao corpus
produzido no Brasil, posteriormente em Portugal, considerando os dois séculos sob
análise. Desse modo, a primeira representação gráfica, tanto para os dados de textos
brasileiros, quanto para os dados de textos portugueses, contempla as sentenças com o
verbo principal no infinitivo, no gerúndio e no particípio em conjunto.
Em seguida, é fundamental que cada uma dessas estruturas seja analisada
separadamente. Por esse motivo, a colocação pronominal seja em construções com
particípio, seja com gerúndio – que ocorrem em número bastante reduzido nas amostras
estudadas – será analisada quantitativamente, a partir de tabelas, e qualitativamente, por
meio de alguns exemplos, para que se possa apresentar a tendência da colocação
pronominal. Do mesmo modo, as construções com infinitivo serão analisadas à parte,
mas, nesse caso, em função do número maior de dados, receberá o tratamento
quantitativo detalhado em relação a alguns grupos de fatores, cujos resultados serão
expostos em gráficos específicos, além da abordagem qualitativa de ocorrências
extraídas das amostras.
Ainda a título de esclarecimentos, apresentam-se, aqui, as estruturas que foram
tratadas em separado e não contempladas, portanto, na análise quantitativa dos
resultados detalhados por tipo de verbo principal, a saber:
a) sentenças em que a colocação pronominal do clítico “se” está em contexto
de início absoluto de período ou de oração, separadas a fim de não enviesar resultados
em função da inexistência ou da improdutividade de algumas formas alternantes.
b)
construções
com
estruturas
verbais
complexas
integradas
por
preposições/conectivos (“de/que”, “por” e “a”), especialmente na amostra europeia, tais
como: ter que/de + infinitivo; haver que/de + infinitivo; acabar de (por) + infinitivo, já
que a idiossincrasia das construções (apenas nelas o clítico aparece adjacente a V2 nos
textos europeus) pode influenciar os resultados quantitativos gerais.
Cabe lembrar, também, que a variável independente ‘gênero textual’ não será
exposta na análise em subseção própria, tendo em vista que na observação geral dos
dados, não houve qualquer diferença na distribuição das variantes quanto aos editoriais,
notícias e anúncios, tanto na variedade brasileira quanto na europeia.
129
5.1 A ordem do clítico “se” em complexos verbais na amostra brasileira
5.1.1 Distribuição geral dos dados da amostra brasileira
Considerando-se a distribuição geral das variantes, antes das subdivisões
propostas para análises em separado, apresentam-se os dados – por meio de gráficos
com percentuais e, posteriormente, em forma de tabelas com percentuais e valores
absolutos – da amostra brasileira de colocação pronominal em complexos verbais:
Distribuição geral das
variantes na amostra brasileira
do século XIX
Distribuição geral das
variantes na amostra brasileira
do século XX
cl V1 V2
cl V1 V2
V1-cl V2
V1-cl V2
V1 cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
V1 V2-cl
Gráficos 18 e 19: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos
séculos XIX e XX, respectivamente
A apresentação geral do corpus brasileiro permite visualizar que a variante
proclítica a V1 é predominante em 54% da amostra do século XIX, seguida da ênclise a
V2, em 26% dos dados. De forma bem menos significativa figuram a ênclise a V1, em
17% da amostra, seguida de apenas 3% da variante proclítica a V2, que apesar de não
representar muitos dados, é um resultado importante por revelar que a variante
inovadora já se registrava no século XIX na escrita jornalística brasileira. Quanto ao
gráfico do século XX, chama atenção o índice de 16% de próclise a V2 que, embora não
figure em muitos dados, ilustra um resultado significativo da variante inovadora na
escrita brasileira. Além disso, registra-se a próclise a V1 em 43% dos dados, seguida da
ênclise a V2 em 31% da amostra. A ênclise a V1, também pouco empregada no século
XX, é registrada em apenas 10% dos casos. A tabela abaixo expressa, também em
números absolutos, a distribuição dos dados dos textos brasileiros, a saber:
130
Século XIX
Século XX
Total
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
54%
17%
3%
26%
264/489
83/489
19/489
123/489
43%
10%
16%
31%
133/314
34/314
50/314
97/314
50%
14%
8%
28%
117/803
69/803
220/803
397/803
Tabela 3: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX
A distribuição das variantes em números absolutos permite notar, além dos
resultados já apontados a partir da visualização do gráfico, informações importantes
como a quantidade da variante proclítica a V2 que, embora registre um pequeno valor
percentual (apenas 3%, no século XIX), corresponde a 19 ocorrências, enquanto no
século XX, computam-se 50 ocorrências, o que corresponde a 16% da amostra. Desse
modo, as produções brasileiras revelaram uma inovação no padrão da colocação
pronominal do “se” na língua portuguesa já no século XIX, mesmo tendo a escrita
jornalística um modelo mais formal que, normalmente, o contexto costuma demandar.
As próximas etapas da investigação linguística orientam-se de modo a analisar
os contextos morfossintáticos que precisam ser estudados em separado por causa de
suas particularidades, além de observar as possíveis influências das variáveis
independentes sobre o condicionamento do fenômeno no corpus de textos produzidos
no Brasil.
131
5.1.1.1 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira: início absoluto de
período/oração X demais contextos
Distribuição das variantes na
amostra brasileira dos séculos
XIX e XX nos demais contextos
Distribuição das variantes na
amostra brasileira dos séculos XIX e
XX em início absoluto de
período/oração
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 20 e 21: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se”, na amostra brasileira
dos séculos XIX e XX, em início absoluto de período/oração e nos demais contextos
Os gráficos acima ilustram a diferença de comportamento na ordem dos
clíticos entre o contexto de início absoluto de período/oração e os demais contextos
morfossintáticos. Há uma tendência ao uso da ênclise tanto a V1 quanto a V2 em início
absoluto de período/oração (em 57% – 55/97 dados e 39% – 38/97 dados,
respectivamente) e apenas 1% de próclise a V1, representado por uma ocorrência, e 3%
de próclise a V2, representados por três ocorrências. Destacam-se, portanto, os
exemplos de próclise a V1 e de próclise a V2 para a análise do contexto.
 Exemplo de próclise a V1:
Ex.1: Só visitando e assistindo as differentes classes, observando o bom methodo de
ensino e a habilidade dos Srs. professores, se poderá fazer id' este estabelecimento.
[Anúncio – fase 2]
É importante destacar que o dado foi registrado no século XIX, quando as
tendências pela próclise a V1 eram ainda maiores do que no século XX. Além disso,
cabe observar que, no exemplo acima, extraído dos anúncios da fase 2, o elemento
focalizador “só” pode estar atuando sobre a variante proclítica (algo como “Só se
poderá fazer id’este estabelecimento, visitando e assistindo as differentes classes,
observando o bom methodo de ensino e a habilidade dos Srs. professores.”), mesmo
encabeçando superficialmente uma oração distinta daquela em que se registra a
colocação pronominal. Assim, pode-se considerar que, nos textos brasileiros, não
pertence ao padrão culto escrito verificado na amostra jornalística, a próclise a V1 em
início absoluto de oração/período.
132
 Exemplos de próclise a V2:
Ex. 2: Precisa se alugar hum Bolieiro**, forro, ou captivo, e ainda mesmo branco;
portanto o que se achar nestas circunstancias pode dirigir-se à rua dos Pescadores
[Anúncio – fase1]
Ex. 3: Apezar de se lhe ter dado toda a satisfação sobre este ultimo ponto, continuão as
tropas Hespanholas a se concentrarem na raia de Portugal. [Notícia – fase1]
Ex. 4: Acaba de se estabelecer em Nova Orleans uma igreja catholica independente.
[Notícia – fase 2]
Os exemplos acima também foram coletados no século XIX. Destaca-se que
dois dos três casos de próclise a V2 ocorrem com o tipo de complexo verbal constituído
por preposição, nos exemplos 3 e 4, fator que justifica a colocação diante do verbo
principal. Considerando essas ressalvas e estruturas particulares, pode-se admitir que o
início de oração só registraria praticamente a ênclise, seja a V1, seja a V2. Como os
resultados da colocação pronominal em contexto de início absoluto de período/oração
admitem um padrão semicategórico e são muito díspares do observado no restante dos
dados, passam a não ser contemplados nas próximas etapas, conforme já esclarecido.
A distribuição geral dos dados da ordem dos clíticos diante dos demais contextos
aponta a preferência pela variante proclítica a V1 (57% - 396/706 dados), seguida da
variante enclítica a V2 (26% - 182/706 dados); já a ênclise a V1 e a próclise a V2
figuram em 8% (62/706 dados) e 9% (66/706 dados) das ocorrências, respectivamente.
Como os resultados dos demais contextos se assemelham à tendência geral de
distribuição dos dados no corpus, a interpretação dos resultados será apresentada
conforme as seções que se seguem.
133
5.1.1.2 Distribuição dos dados de “se” na amostra brasileira por tipo de verbo
principal: infinitivo X gerúndio X particípio
Distribuição das variantes
na amostra brasileira (XIX
e XX) em sentenças com
VP no infinitivo
Distribuição das variantes
na amostra brasileira (XIX
e XX) em sentenças com
VP no gerúndio
Distribuição das variantes
na amostra brasileira (XIX
e XX) em sentenças com
VP no particípio
Cl v1 v2
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 22, 23 e 24: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira
dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no infinitivo, no gerúndio e no particípio
Os três gráficos ora apresentados ilustram a diversidade de resultados da
colocação pronominal do “se” em função do tipo de verbo principal.
Diante da forma infinitiva, por exemplo, registra-se a variante proclítica a V1 em
metade das ocorrências, seguida da ênclise a V2, empregada em 35% dos dados. Quanto
à colocação das demais variantes, 6% dos dados ocorrem em ênclise a V1 e 8%, em
próclise a V2. Os dados serão explorados em pormenores quando exposta cada seção ou
subseção que contempla os dados da colocação pronominal por construção verbal
complexa.
Chama atenção a expressiva concretização da próclise a V2 em 28% dos dados
com o gerúndio como verbo principal, embora o emprego majoritário seja da próclise a
V1 (54% das ocorrências). O emprego da ênclise tanto a V1 quanto a V2 não foi
expressivo nessa subamostra do corpus, sendo registrado em apenas 12% e 6%,
respectivamente.
Quanto à distribuição das variantes com o verbo principal no particípio, destacase o emprego bastante produtivo da próclise a V1, em 78% dos dados. Nenhum caso de
ênclise ao particípio foi registrado. A ênclise a V1 e a próclise a V2 ocorreram em
menor número de dados, respectivamente em 14% e 8% do corpus.
134
5.1.2 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira por tipo de verbo principal
5.1.2.1 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira em sentenças com o verbo
principal no infinitivo
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
50%
7%
8%
35%
252/501
34/501
37/501
178/501
Tabela 4: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no infinitivo
A fim de visualizar o panorama diacrônico da colocação do “se”, segue, no
gráfico abaixo, a distribuição do clítico quanto à ordem em complexos verbais com
infinitivo ao longo dos séculos XIX e XX. Posteriormente, segue uma tabela em valores
percentuais e absolutos para a exposição dos resultados.
100%
80%
60%
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
40%
v1 v2-cl
20%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Gráfico 25: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos
séculos XIX e XX, por época da publicação, em sentenças com o verbo principal no infinitivo
Chama atenção, inicialmente, o fato de a linha da próclise a V2 apresentar um
crescimento um pouco mais visível apenas na passagem da fase 6 (1954-1974] para fase
7 (1975-2000), o que demonstra certa particularidade na escrita jornalística, que, por
seu maior grau de formalidade, na maioria dos casos, resista a algumas mudanças
linguísticas, se comparada aos demais gêneros textuais. PAGOTTO (1992), com base
em documentos diversos, e CYRINO (1997), baseada em peças teatrais, por exemplo,
135
apontam um franco crescimento do uso da próclise a V2 já a partir do início do século
XX, que tende a se consolidar com o passar do século. Sem dúvida, os resultados ora
apresentados corroboram a importância da análise de gêneros textuais diversos,
especialmente quanto aos diferentes graus de formalidade, para as generalizações acerca
do fenômeno da ordem na língua portuguesa.
Época da
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
Fase 1
63%
6%
3%
28%
(1808-1840)
80/129
9/129
5/129
35/129
Fase 2
58%
5%
1%
36%
(1841-1870)
59/103
6/103
2/103
36/103
Fase 3
37%
11%
1%
51%
(1871-1900)
19/52
6/52
1/52
26/52
Fase 4
47%
7%
2%
44%
(1901-1924)
18/39
3/39
1/39
17/39
Fase 5
48%
6%
4%
42%
(1925-1949)
29/62
4/62
3/62
26/62
Fase 6
49%
2%
10%
39%
(1950-1974)
32/67
2/67
7/67
26/67
Fase 7
31%
8%
37%
24%
(1975-2000)
15/49
4/49
18/49
12/49
Total
50%
14%
8%
28%
397/803
117/803
69/803
220/803
publicação
Tabela 5: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por época da publicação, em sentenças com o verbo principal no infinitivo
É possível notar que, no início do século XIX, havia predominância da próclise
a V1 em 63% e 58% do corpus em análise (fases 1 e 2, respectivamente). Já na fase 3,
época de transição entre os séculos XIX e XX, em que a escrita brasileira passa a se
valer de um modelo linguístico europeu em suas produções, a ênclise a V2 chega a ser a
mais produtiva, em 51% dos casos. As fases 4 e 5 apresentam uma distribuição
equilibrada entre a próclise a V1 e a ênclise a V2. Até a fase 6, a próclise a V1 e a
ênclise a V2 apresentam-se como variantes mais empregadas nos dados do Brasil, para,
136
enfim, ceder lugar ao crescimento da variante proclítica a V2, considerada inovadora.
Na fase 7, a próclise a V1 e a ênclise a V2 demonstram acentuada queda no corpus,
enquanto a próclise a V2 chega à importante marca de 37% das.
Cabe ressaltar que, devido à significativa diferença entre o estatuto do “se”
indeterminador/apassivador e o do “se” reflexivo/inerente, debate que constitui o ponto
central da presente tese, rodadas foram realizadas a cargo de cada tipo de “se”, em
arquivos separados, gerando os resultados da distribuição dos dados por função do
clítico. Desse modo, os gráficos que seguem passam a contemplar sempre o “se”
indeterminador/apassivador ao lado do “se” reflexivo/inerente, em separado.
5.1.2.1.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em
sentenças com o verbo principal no infinitivo
Distribuição dos dados de"se"
indeterminador/apassivador
na amostra brasileira (XIX e
XX)
Distribuição geral dos dados
de “se” reflexivo/inerente na
amostra brasileira (XIX e
XX)
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 26 e 27: Distribuição geral dos dados na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por tipo de
“se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo principal no infinitivo
“Se” indeterminador/
apassivador
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
73%
10%
3%
14%
199/273
26/273
10/273
38/273
24%
3%
11%
62%
53/228
8/228
27/228
140/228
Tabela 6: Distribuição geral dos dados na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por tipo de “se”
(indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo principal no infinitivo
Na comparação dos resultados ora apresentados, é interessante notar como a
variante em predomínio se alterna conforme a natureza do “se”, de modo inversamente
137
proporcional. Desse modo, esses primeiros resultados por tipo de clítico já nos
permitem confirmar o êxito da tarefa proposta nesta tese: a história da ordem do “se”
são duas, e não se pode tratar em conjunto tais estruturas. Enquanto a próclise a V1
ocorre
com
índice
de
73%
das
ocorrências
quando
se
trata
de
um
indeterminador/apassivador, verifica-se tal construção em apenas 24% quando se trata
de um reflexivo/inerente. No que se refere à ênclise a V2, observa-se o índice de 62%
dos casos quando se trata do reflexivo/inerente, contra apenas 14% no caso do
indeterminador/apassivador. Cabe, ainda, ressaltar que a variante inovadora (próclise a
V2), ainda que em reduzido número de dados, é mais produtiva (11% das ocorrências)
com o “se” reflexivo/inerente, que tende a se adjungir ao verbo principal, do que com o
“se” indeterminador/apassivador (3% das ocorrências).
A fim de ilustrar as tendências supracitadas, seguem alguns exemplos das
variantes que se mostraram mais comuns no corpus, por cada tipo de “se”.

Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1:
Ex. 5: Não se podia esperar mais da apresentação de meia dúzia de palavras escriptas
sem vitalidade [editorial – fase 3]
Ex. 6: Mas a própria reconstrução da Áustria se deve incluir menos entre as atividades
políticas da Liga do que entre suas atividades propriamente técnicas [editorial – fase 5]
Ex. 7: Tanto se tem dito, com tanta confiança se continua a propalar a mesma noticia,
que malguré nous, a julgamos fundada e verídica [notícia – fase 2]
Ex. 8: Grande numero de pessoas tem visitado o theatro nestes últimos dias, e todos
admiram a enormidade do palco, a extensão dos corredores e galerias, que quase
prontas das mãos da arte, se devem encher de flores naquelas noites de encanto [notícia
– fase 2]
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V2:
Ex. 9: Eles não entendem que se o Brasil quiser apartar-se do meio termo, que tem
abraçado, seguirá então a tendência democrática, porque huma Monarchia
restauradora na America he hum impossível e ahi está o Mexico para total desengano.
[editorial – fase 1]
Ex. 10: V. Ex. deve lembrar-se que estamos ao facto | do pagamento de uma avultada
quantia de tomada | de gados que V. Ex. ordenou o competente paga- | mento, e o
comissario oppoz-se a isso pelos do- | cumentos serem falsos, e que apesar disso forão |
pagos, e para qual se podesse effectuar esse paga- | mento foi mister desligar-se do
commissario o Sr. | Antonio Candido Gomes da Silva... [E-B-82-Je-001 – editorial fase
1]
138
Ex. 11: Porque a conciliação é impossível? Porque taes homens não devem jamais
encontrar-se com outros de opiniões diversas [editorial – fase 2]
Ex. 12: Plos acha que, de lá pra cá, a balança continuou a inclinar-se em favor de
Brejnev: ele passou a identificar-se com temas de interesse geral (aumento na
produção de bens de consumo, embelezamento de Moscou, revisão os subsídios de
estudantes universitários) e teve encontros com veteranos de guerra que exaltaram o
seu papel “heroico” na linha de frente como comissário político. [notícia – fase 6]
Os exemplos acima apresentam ambientes linguísticos diversificados quanto a
contextos antecedentes, tipos de complexos verbais, gêneros textuais e épocas, o que
leva a crer que o fenômeno da colocação pronominal do “se” nas produções jornalísticas
da escrita brasileira não parece estar vinculado em primeiro plano a estruturas
morfossintáticas em geral ou a variáveis extralinguísticas, mas particularmente ao tipo
de
“se”.
Embora
haja
variação
nas
quatro
posições
previstas,
fica
o
indeterminador/apassivador preferencialmente adjacente a V1, e o reflexivo/inerente
adjacente a V2. Portanto, parece comum haver exemplos como o de número 11, em que
o reflexivo, mesmo diante de uma partícula de negação, que é um “proclisador”
prototípico, figura enclítico a V2. Da mesma forma, mostra-se recorrente no corpus o
comportamento do exemplo 6, em que se registra a próclise a V1 do
indeterminador/apassivador sem a presença de um elemento “atrator” tradicional.
5.1.2.1.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em
sentenças com o verbo principal no infinitivo por variável independente
Apresentam-se, a seguir, os resultados da distribuição das variantes do “se” por
tipo de variável independente. Dentre todas as variáveis codificadas e interpretadas no
corpus, seguem aquelas que se mostraram frequentemente mais relevantes para o
fenômeno da colocação pronominal, com base nas análises de outros trabalhos, como o
de NUNES (2009) e VIEIRA (2002), a saber: (i) época da publicação, (ii) contexto
antecedente ao grupo clítico-complexo verbal e (iii) tipo de complexo verbal.
(i)
Variável época da publicação
A seguir, apresentam-se os gráficos para cada tipo de “se”, conforme as fases
analisadas do período em questão.
139
100%
100%
80%
80%
60%
cl v1 v2
cl v1 v2
60%
v1-cl v2
v1-cl v2
40%
v1 cl v2
v1 cl v2
40%
v1 v2-cl
v1 v2-cl
20%
20%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
0%
Gráficos 28 e 29: Distribuição dos dados na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por tipo de “se”
(indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), segundo a época da publicação, em sentenças com o
verbo principal no infinitivo
Apresenta-se, a seguir, a exposição dos resultados no formato de tabela para
que se possam observar os valores percentuais e absolutos da distribuição das variantes,
de acordo com as fases da publicação.
140
“Se” indeterminador/apassivador
Época
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
“Se” reflexivo/inerente
v1 v2-cl
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
da
publicaç
ão
Fase
1
80%
5%
2%
13%
38%
6%
6%
50%
61/77
4/77
2/77
10/77
19/50
3/50
3/50
25/50
Fase 2
84%
5%
0%
11%
26%
6%
4%
64%
(1841-
47/56
3/56
0/56
6/56
12/47
3/47
2/47
30/47
Fase 3
50%
20%
0%
30%
26%
3%
3%
68%
(1871-
12/24
5/24
0/24
7/24
7/28
1/28
1/28
19/28
Fase 4
72%
9%
0%
19%
17%
5%
5%
73%
(1901-
15/21
2/21
0/21
4/21
3/18
1/18
1/18
13/18
Fase 5
66%
11%
2%
21%
22%
0%
7%
71%
(1925-
23/35
4/35
1/35
7/35
6/27
0/27
2/27
19/27
Fase 6
76%
5%
8%
11%
13%
0%
13%
74%
(1950-
28/37
2/37
3/37
4/37
4/30
0/30
4/30
22/30
Fase 7
62%
14%
24%
0%
7%
0%
50%
43%
(1975-
13/21
3/21
5/21
0/21
2/28
0/28
14/28
12/28
74%
8%
4%
14%
23%
3%
12%
62%
199/271
23/271
11/271
38/271
53/228
8/228
27/228
140/228
(18081840)
1870)
1900)
1924)
1949)
1974)
2000)
Total
Tabela 7: Distribuição geral dos dados na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por tipo de “se”
(indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), segundo a época da publicação, em sentenças com o
verbo principal no infinitivo
Os resultados ilustram com clareza a relevância do principal ponto discutido
neste trabalho, que versa sobre a proposta de a colocação pronominal nos complexos
verbais se relacionar diretamente ao estatuto do “se”. Independentemente da fase em
questão,
indeterminadores
e
reflexivos/inerentes
141
perfazem
uma
trajetória
completamente diferente no que tange ao fenômeno da ordem do clítico em complexos
nos dados produzidos no Brasil.
O “se” indeterminador/apassivador tende a se adjungir em próclise a V1, em
todas as fases analisadas (de forma mais evidente nas fases 1 e 2 – período inicial do
século XIX), enquanto o “se” reflexivo/inerente se liga majoritariamente em ênclise a
V2, ao longo do período em questão, com exceção às últimas fases do século XX, em
que a variante dá lugar ao emprego da próclise a V2 em detrimento das outras variantes
(em 50% das ocorrências), fato que revela tendências importantes acerca da colocação
pronominal na escrita brasileira jornalística e publicitária dos dias atuais.
Quanto aos dados de próclise a V2, registraram-se na primeira fase do século
XIX apenas dois exemplos de “se” indeterminador/apassivador, a saber:
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V2:
Ex. 13: No México continuavão a aparecer grandes partidos do Clero e Nobreza a
favor do hum Systema Monarquico: assim por todas estas razões pode se dizer com
certeza que a causa da independência se acha identificada no coração de todos os
Americanos [editorial – fase 1]
Ex.14: As Duas Altas Partes Contractantes Declarão que Ellas considerão como trafico
illicito de escravos, o que, para o futuro houvesse de se fazer em taes circunstancias
como as seguintes [notícia – fase 1]
Atente-se que a próclise a V2, destacada no primeiro exemplo acima, não
apresenta um elemento tipicamente “proclisador”. No segundo caso, a preposição “de”,
que compõe o referido tipo de complexo verbal, pode estar atuando sobre a próclise a
V2.
A partir da quinta fase, nota-se um aumento, ainda que suave, da variante em
questão, especialmente no final do século XX, em que se computaram, na fase 7, 24%
das ocorrências dessa variante no corpus, como se segue:
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V2:
Ex. 15: As pessoas, acrescentou, estão convencidas de que nada duradouro poderá se
fazer pelo bem-estar do homem a menos que se viva em harmonia, se respeite
reciprocamente os direitos e se mantenha discussões amistosas e conversações
construtivas. [notícia – fase 7]
Ex. 16: Em fevereiro (a data ainda não ficou confirmada), no Colégio Cenescista Nossa
Senhora dos Desterros, em Quissamã, um seminário com o objetivo de apresentar, pela
primeira vez, o resultado das pesquisas incrementadas pelo grupo macaense. A partir
142
daí, segundo o fotógrafo, poderá se buscar alternativas para promover a restauração
dos prédios antigos. [notícia – fase 7]
Ex. 17: Pelas regras, os descontos dos gazeteiros só incidem sobre uma parte do
salário normal de parlamentar, não podendo se aplicar à chamada ajuda de custo.
[notícia – fase 7]
Note-se que os exemplos são sempre da tradicional voz passiva na construção
verbal complexa composta de modal + infinitivo, com algum distanciamento do
“proclisador” ou, ainda, sem a presença de um. O mesmo apenas não ocorreu no
exemplo 17, em que, apesar da presença do “proclisador” típico ‘não’, houve próclise a
V2.
Para elucidar por que a fase 3 apresenta a maior queda da próclise a V1 com o
“se” indeterminador/apassivador no corpus, uma observação mais refinada dos dados
mostra que há uma mesma quantidade de ocorrências com elementos subordinativos e
com SNs sujeito, sendo que, dos sete dados com “proclisadores” típicos, seis são de
próclise a V1, enquanto, dos sete dados com SN sujeito antecedendo o grupo clítico
complexo verbal, seis são de ênclise (três de ênclise a V1 e três de ênclise a V2), o que
parece justificar, de um lado, a queda no uso da variante proclítica, relacionada a um
condicionamento estrutural bem atuante na escrita. De outro lado, tudo leva a crer que a
reflexão sobre o comportamento levemente diferenciado dos dados da fase 3 pode
encontrar seu norte também em explicações extralinguísticas. Enquanto a variante
proclítica a V1 se acha em queda na fase 3, a opção preferencial é a variante enclítica
tanto a V1 quanto a V2, exatamente no momento em que, como já se mencionou, o
Português do Brasil buscava suas referências linguísticas num modelo baseado no
padrão europeu, que priorizava justamente o uso da ênclise.
As estruturas subordinativas atuam uniformemente em todas as fases, em torno
de 80% dos casos de próclise a V1, e as partículas de negação atuam quase
categoricamente em relação a essa variante, em praticamente todo o corpus. Com base
na análise dos dados, é possível perceber, ainda, que o gênero textual notícia é o único
que não apresenta a próclise a V1 do “se” indeterminador/apassivador na fase 3. Apenas
nessa fase, o gênero notícia prioriza o emprego da variante enclítica a V2, o que pode
ser um indício, apesar de se contar com uma realidade de apenas quatro dados, de que a
influência do padrão escrito do modelo português parecia mais latente no final do século
XIX apenas nas notícias, com base no corpus em questão, mas não nos anúncios
143
(gênero textual em que se pretende aproximar a linguagem do texto à do leitor), nem
nos editoriais (gênero textual em que se revela a preferência do editor de um jornal,
como representante único da “voz” da redação, que tende a seguir regras linguísticas
mais estritas).
Quanto à colocação do “se” reflexivo/inerente, o emprego majoritário da
variante enclítica a V2 só não é observado na última fase, em que a próclise ao verbo
principal se apresenta em franco crescimento e assume a posição preferencial, que até
então era da ênclise a V2. O fato é que, ora em próclise, ora em ênclise, a adjacência do
“se” reflexivo/inerente a V2 se mantém como tendência ao longo das décadas.
Gradativamente, a colocação do “se” reflexivo/inerente em ênclise a V2 aumenta
com o passar das décadas, até demonstrar uma queda abrupta na última fase, reduzindo
de 74% na fase 6 para 43% na fase 7, quando se observa o significativo aumento da
variante inovadora (próclise a V2), de 13% na fase 6 para o índice de 50% dos casos no
final do século XX.
Os índices de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V1, que são baixíssimos desde
o início do século XIX (6% na primeira fase e 0% na última), e de próclise a V1 (38%
na fase 1 e 7% na fase 7) tendem a cair ainda mais com o passar das fases, chegando a
última a desaparecer ainda na fase 5. Ressalta-se, então, um dado de “se”
reflexivo/inerente em próclise a V1, a título de ilustração, que resistiu ao tempo e se fez
presente mesmo na última fase do século XX, a saber:
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1:
Ex. 18: Uma nação que demanda anualmente mais de 1 milhão de empregos não se
pode dar ao luxo de estagnação. [editorial – fase 7]
O dado acima elucida a atuação do “proclisador” partícula de negação em
favorecimento à próclise a V1. Tal ocorrência, mesmo em fins do século XX, recupera o
emprego da variante proclítica a V1, especialmente em se tratando de um dado do
gênero editorial, que tem como característica utilizar construções mais formais, devido à
natureza do texto em representar a “voz” da redação do jornal.
Quando o “se” reflexivo/inerente figura em próclise a V1, especialmente no
início do século XIX, essa estrutura parece independer dos contextos morfossintáticos
mais específicos para a “atração” pronominal, no corpus em questão. Os elementos
“proclisadores” do início do século XIX que atuam em 55% dos dados de “se”
reflexivo/inerente em próclise a V1 vão, progressivamente, deixando de condicionar a
144
próclise até chegar a 0% na última fase no século XX (resultado a ser apresentado na
seção seguinte). É interessante notar, ainda, que a tendência ao uso da próclise a V1 no
início do século XIX parece bastante evidente a ponto de figurar em 19% dos dados de
reflexivo/inerente, mesmo com a presença de sujeito, que tradicionalmente não exerce
“atração” sobre o clítico. Destacam-se os quatro exemplos para análise do contexto:
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1:
Ex. 19: Vendem-se três quartos da Sumaca Prodigio, vinda ultimamente de Cananéa,
com pouco mais de anno; e para mais de 90 arrobas, quem os quiser comprar se
poderá dirigir a José Maria Rodrigo [anúncio – fase 1]
Ex. 20: Quem quiser comprar a posse e bem feitorias de huma casa de negocio, de
secos e molhados, bem construída, e muito afreguesada, vende se por seu dono se
querer retirar para fora da terra [anúncio – fase 1]
Ex. 21: Hum moço chamado Domingo Nogueira, se foi entregar preso em poder do
commandante da guarda da prisão da cidade. [ notícia – fase 1]
Parece bastante comum nos anúncios do século XIX o registro de exemplos
como o de número 19, do tipo ‘quem os quiser comprar’, expressão praticamente
cristalizada nesse gênero textual, seguida de próclise a V1. Quanto ao exemplo 20, a
presença da preposição por pode ter influenciado a próclise, já que se trata de um uso
facultativo diante desse contexto. O outro dado apresenta um típico SN sujeito nominal,
que tende a desfavorecer a próclise, o que não ocorreu no dado em questão.
(ii) A variável presença de elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
145
100%
100%
80%
80%
60%
60%
Cl v1 v2
V1-cl v2
40%
40%
V1 cl v2
20%
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
20%
0%
V1 v2-cl
0%
Gráficos 30 e 31: Distribuição dos dados na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por tipo de “se”
(indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), segundo a presença de elemento antecedente ao grupo
clítico-complexo verbal, em sentenças com o verbo principal no infinitivo
Uma vez mais, fica muito claro que o “se” indeterminador tem comportamento
muito diferente do reflexivo. Como ponto de partida, observa-se o efeito do elemento
“proclisador”, a saber: enquanto com o reflexivo não há qualquer taxa acima de 36% de
próclise a V1, com indeterminador os três primeiros fatores ficam com índices acima
dos 50%, sendo que, diante dos elementos subordinativos e das partículas de negação,
os índices da variante em questão superam os 80%.
É importante observar, então, que a presença de elementos subordinativos,
partículas de negação e advérbios leves, tradicionalmente “proclisadores”, são atuantes
sobre a próclise a V1 somente com o “se” indeterminador/apassivador. Considerando-se
os contextos antecedentes ao grupo clítico-complexo verbal, os vários tipos de sujeito
seriam os elementos menos favorecedores da próclise a V1, tanto nos dados de “se”
indeterminador/apassivador, quanto nos dados de “se” reflexivo/inerente (nesse último
caso, seguido do elemento deslocado, que não ocorreu com dados de indeterminador).
Merecem destaque os exemplos de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a
V2, mesmo diante de típicos “atratores”, como os elementos subordinativos, que
representam 11% dos dados (16 de 150 ocorrências), e as partículas de negação, que
representam 2% dos dados (apenas uma de 53 ocorrências), a saber:
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V2 diante de elemento
subordinativo:
146
Ex. 22: He chegada a época, em que se há-de começar a discutir, o modo por que deve
entender-se o Art. 61 da nossa Constituição [editorial – fase 1]
Ex. 23: E há, ainda, as exigências da higiene, com as suas muitas. quando os gêneros,
nas feiras livres, são expostos ao tempo, mesmo os que devem consumir-se tal e qual,
como a farinha. [editorial – fase 5]
Ex. 24: Bem entendido também, que a visita e a detenção dos Navios de escravatura,
conforme se declarou neste Artigo, só poderão efeituar-se pelos Navios Portuguezes ou
Britannicos [notícia – fase 1]
Os dados acima mostram que os “proclisadores”, apesar da proximidade com o
grupo clítico-complexo verbal, não atuam sobre o condicionamento do fenômeno,
especialmente com o tipo de complexo verbal composto pelo modal, o que pode
influenciar o afastamento do clítico de V1.
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V2 diante de
partículas de negação:
Ex. 25: Os gêneros subiam de valor de dia para dia. A não querer viver-se como
anachoreta, o passadio tornava-se extremamente dispendioso [notícia – fase 2]
Pode-se observar que o elemento tipicamente “proclisador” (“não”) não atuou
em apenas um caso com o “se” indeterminador/apassivador no corpus, provavelmente
por conta de o infinitivo influenciar o emprego da ênclise a V2.
As tendências da colocação pronominal do “se” reflexivo/inerente parecem
independer da presença de “proclisadores” típicos. Nesse contexto, os “atratores”
tradicionais não parecem suficientes para atuar sobre a próclise a V1. Os índices de
ênclise a V2 mostram-se sempre elevados, acima de 50% diante de qualquer elemento
antecedente, sendo um “proclisador” típico ou não, confirmando a característica do “se”
reflexivo/inerente de se ligar a V2, como já abordado anteriormente. De todo modo, os
sujeitos e os elementos deslocados são os contextos que mais desfavorecem a próclise a
V1, sendo 6% das ocorrências no primeiro caso (relativas a cinco dados) e 0% no outro.
Seguem os exemplos de próclise a V1 com “se” reflexivo/inerente diante de SN sujeito.
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante de SN sujeito:
Ex. 26: Vendem-se três quartos da Sumaca Prodigio, vinda ultimamente de Cananéa,
com pouco mais de anno; e para mais de 90 arrobas, quem os quiser comprar se
poderá dirigir a José Maria Rodrigo [anúncio – fase 1]
147
Ex. 27: Quem quiser comprar a posse e bem feitorias de huma casa de negocio, de
secos e molhados, bem construída, e muito afreguesada, vende se por seu dono se
querer retirar para fora da terra [anúncio – fase 1]
Ex. 28: Traspassa-se a fabrica de charutos da rua do Sabão n .187 A, própria para
qualquer negocio, por ser de esquina, e seu dono se querer retirar para fora. [anúncio
– fase 1]
Ex. 29: O Congresso Nacional, ao qual cabe conceder isenção de direitos de
importação, se quer proteger d’ algum ramo de indústria [editorial – fase 3]
Ex. 30: Hum moço chamado Domingo Nogueira, se foi entregar preso em poder do
commandante da guarda da prisão da cidade. [E-B-81-Jn-021 – notícia – fase 1]
Dos cinco exemplos listados acima, o primeiro relaciona-se a um anúncio do
século XIX, em que era comum o uso de expressões fixas do tipo “quem os quiser
comprar”, que tende a favorecer a próclise, conforme abordado anteriormente.
Registram-se, ainda, três exemplos de próclise a V1 em estruturas com volitivos como
verbo (semi-)auxiliar, nos exemplos 27 – este com o sujeito antecedido de preposição
por – 28 e 29. Além disso, registrou-se um exemplo com perífrase temporal, que, por
sua natureza mais gramaticalizada, acabaria por privilegiar a próclise ao auxiliar.
(iii) A variável tipo de complexo verbal
100%
100%
80%
80%
60%
60%
Cl v1 v2
40%
Cl v1 v2
40%
V1-cl v2
V1-cl v2
20%
20%
V1 cl v2
V1 v2-cl
0%
V1 cl v2
V1 v2-cl
0%
temp. modais compl.
comp.
e
bi-orac.
aspect. c/
mesmo
suj.
temp. modais compl.
comp. e aspect. bi-orac.
c/
mesmo
suj.
Gráficos 32 e 33: Distribuição dos dados na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por tipo de “se”
(indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), segundo o tipo de complexo verbal, em sentenças com
o verbo principal no infinitivo
Os dois gráficos confirmam as tendências já apontadas nas análises anteriores a
respeito da preferência do “se” indeterminador pela adjacência de V1, enquanto o “se”
reflexivo/inerente se coloca adjacente a V2. O que os dados revelam, além disso, é que
148
o tipo de complexo verbal representado pelas perífrases aspectuais bem integradas tende
a manter o equilíbrio entre a próclise a V1 e a ênclise a V2 com o “se”
reflexivo/inerente, tal como se observa nos exemplos abaixo.
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 com tempos
compostos:
Ex. 31: O caracter eminentemente pratico e prudente do povo belga, que afasta as
duscissões (...) sobre as grandes questões de interesse nacional, permitiu que durante
toda a luta travada entre aquellas facções politicas (Ás quaes só muito recentemente se
veio juntar um pequeno grupo de socialistas) [editorial – fase 4]
Ex. 32: O Coronel Bouzbakis, com os fundos que lhe forão entregues pelo coronel
Heidek partio de Napoli a 27 de dezembro á frente de 800 homens que se vão reunir a
Karaiskaki [notícia – fase 1]
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V2 com tempos
compostos:
Ex. 33: E a esta circumstancia certamente importantíssima vem reunir-se outra, de não
menor pezo [editorial – fase 2]
Ex. 34: Finalmente se acha extincta essa guerra de quase dez anos Há princípios que
não podem deixar de pertencer a todos os partidos quando eles convergem á felicidade
publica, e não vão perder-se no labyrintho das individualidades [editorial – fase 2]
Os dados de reflexivo em próclise a V1 apresentam, nos dois casos expostos,
típicos elementos “proclisadores” antecedendo o grupo clítico-complexo verbal.
Contudo, é interessante observar nas ocorrências de ênclise a V2 que, mesmo diante da
presença da partícula de negação “não” (exemplo 34), o reflexivo figura posposto a V2.
Quanto aos dados de indeterminador, chamam a atenção aqueles com os tempos
compostos que empregaram a ênclise a V1 (7%, um dado) e ênclise a V2 (7%, um dado)
no corpus. Ressalte-se o caso da ênclise a V1, abaixo, em que se observa que não há
qualquer elemento tipicamente “proclisador”, contexto que pode ter desfavorecido a
próclise a V1.
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V1:
Ex. 35: Na política, vai-se assim impor o princípio da igualdade de representação para
as diversas correntes que disputam acesso à liderança. [editorial – fase 6]
Considerando-se os dados de “se” reflexivo/inerente, nota-se que, na primeira
fase do século XIX, embora sejam poucos dados, são registrados 71% dos casos de
próclise a V1 nos tempos compostos. Com o cruzamento entre as variáveis tipo de
complexo verbal e época da publicação, é possível notar que a mesma tendência não se
149
observa nas demais fases (com exceção da fase 4, em que se registra 100% de próclise a
V1, mas referente a apenas um único dado desse tipo).
Nota-se, ainda, a redução gradativa da próclise a V1 com as construções bioracionais com mesmo referente sujeito. Consequentemente, registra-se um aumento
progressivo da ênclise a V2, sendo que na fase 7 há uma distribuição praticamente
equilibrada entre essa variante e a próclise a V2.
Por meio do cruzamento entre as variáveis presença de “proclisador” e tipo de
complexo verbal, permite-se notar que o clítico “se” reflexivo/inerente não parece sofrer
atuação do “atrator”. A colocação pronominal, no entanto, mais parece estar associada
ao tipo de complexo verbal, além do tipo de clítico, como já abordado. Os tempos
compostos, por exemplo, por seu caráter mais gramaticalizado, tendem a figurar com a
próclise a V1, especialmente nas fases iniciais. Os poucos dados não permitem mais
generalizações. Já as sentenças com o complexo verbal do tipo bi-oracional com o
mesmo referente sujeito e do tipo modal/aspectual tendem à colocação enclítica a V2,
independentemente da presença de possíveis “proclisadores”, o que confirma a ideia de
que a influência linguística maior parece ser do tipo de “se” para o condicionamento da
ordem dos clíticos pronominais na escrita jornalística do Brasil.
Destaque-se, ainda, que as construções verbais complexas compostas por
preposição interveniente apresentam uma distribuição bastante irregular na amostra
brasileira, com registros em todas as quatro posições. Além disso, a próclise a V2 na
escrita brasileira não está condicionada à presença da preposição/conector na estrutura
verbal complexa. Tal variante é registrada em contextos variados, inclusive diante da
preposição “a” – ambiente linguístico em que não se registra a adjacência do clítico a
V2 na amostra europeia (cf. Seção 5.2) –, que apresenta material foneticamente
enfraquecido por ser constituído de uma vogal apenas, a saber: “A pulverização pode
ser sintoma de enfraquecimento operacional e, nesse sentido, estaria a recomendar as
fusões que começam a se processar no setor da indústria.” [Editorial – fase 6].
150
5.1.2.2 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira em sentenças com o verbo
principal no gerúndio
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
55%
12%
24%
9%
31/56
7/56
14/56
4/56
Tabela 8: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no gerúndio
A próclise a V1 também se mostra a variante mais empregada na amostra dos
dados com o verbo principal no gerúndio, em 55% do corpus. Destaque-se, no entanto,
que a segunda opção mais utilizada na amostra brasileira foi a próclise a V2 diante do
gerúndio como verbo principal (24% dos dados), resultado interessante para sugerir que
o gerúndio pode ser um contexto importante para a variação do fenômeno, tendo em
vista o número significativo da variante inovadora.
A partir da exposição do gráfico abaixo, com a apresentação dos dados por
época da publicação, bem como das próximas seções acerca das possíveis influências
morfossintáticas, serão viabilizadas as análises a respeito do que acontece às ocorrências
com o passar dos anos.
100%
80%
60%
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
40%
v1 v2-cl
20%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Gráfico 34: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira
dos séculos XIX e XX, por época da publicação, em sentenças com o verbo principal no
gerúndio
151
Época
da cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
publicação
Fase 1 (1808-
86%
0%
0%
14%
1840)
12/14
0/14
0/14
2/14
Fase 2
50%
50%
0%
0%
2/4
2/4
0/4
0/4
60%
20%
20%
0%
3/5
1/5
1/5
0/5
50%
25%
25%
0%
2/4
1/4
1/4
0/4
45%
22%
33%
0%
4/9
2/9
3/9
0/9
Fase 6
59%
0%
25%
16%
(1950-1974)
7/12
0/12
3/12
2/12
Fase 7
12%
12%
76%
0%
1/8
1/8
6/8
0/8
55%
12%
24%
9%
31/56
7/56
14/56
4/56
(1841-1870)
Fase 3
(1871-1900)
Fase 4
(1901-1924)
Fase 5
(1925-1949)
(1975-2000)
Total
Tabela 9: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por época da publicação, em sentenças com o verbo principal no gerúndio
A amostra do gerúndio como verbo principal apresenta a próclise a V1 como
opção preferencial, mas não é um comportamento recorrente em todas as fases. Desse
modo, destacam-se as variações presentes na amostra, que podem ser indícios de uma
mudança nos padrões da colocação pronominal do “se”, tendo em vista, por exemplo, o
alto índice de próclise a V2 (76%) na última fase do século XX. Essas variações, que
serão aprofundadas nas investigações das seções seguintes, são concernentes, portanto,
ao leve aumento da próclise a V2 até a fase 6, mas muito significativo na passagem para
a fase 7. Seguem alguns dos dados mencionados, a fim de se observarem os contextos
da colocação pronominal.
 Exemplos de ênclise a V1 na fase 2:
Ex. 36: A imprensa de musica de Fellelli foi transferida da rua do Ouvidor, para a da
Cadèa n. 123, aonde aémi das lindas peças, que estão á venda para canto e piano só, e
para fraula, vai-se continuando com a publicação das melhores producções
152
principalmente italianas, as quaes para maior satisfação levarão a traducção. [anúncio
– fase2]
Ex. 37: O Sr. Presidente do conselho sabe d’isso; sabe mais: sabe que a oposição que a
principio ele negara, vae-se mostrando destacadamente, sem que sobre ella influa nem
a ambição d’uma reeleição, nem o sacrifício d’alguns interesses particulares. [editorial
– fase 2]
Ex. 38: Nas cidades mais importantes da provincia de S. Paulo vão-se fundando escolas
gratuitas que funccionam á noite. [E-B-82-Jn-014 – notícia – fase2]
Dos exemplos acima, destaca-se que a ênclise a V1 ocorre sempre com o
(semi)auxiliar “ir”. Além disso, todas as ocorrências apresentam o indeterminador no
contexto, que tende a adjungir-se ao primeiro verbo.
É interessante observar que a única ocorrência de próclise a V1 em construções
com gerúndio como V2 (na fase 7) figura em uma estrutura com tempo composto
formado pelo auxiliar “estar” + gerúndio e não apresenta elemento “proclisador”, a
saber:
 Exemplo de próclise a V1 na fase 7:
Ex. 39: Pouco a pouco, nos países industrializados, as classes políticas se estão
acostumando a usar as lunetas dos economistas para ver à distância e montar, de
forma tão exata quanto possível à ciência humana, táticas e estratégias de condução da
sociedade. [editorial – fase7]
Cabe destacar, ainda, alguns exemplos de próclise a V2 com gerúndio, que
figuraram de forma recorrente na última fase do século XX. Note-se que o “se” ligado
em próclise a V2 apresenta, nos dados abaixo, a função de reflexivo/inerente, a saber:
 Exemplo de próclise a V2 na fase 7:
Ex. 40: E é exatamente assim que o | Bradesco está se sentindo, ao ser indicado pela
revista | Carta Capital como a empresa mais admirada no setor | financeiro em
pesquisa realizada com empresários | e executivos de todo o Brasil. [E-B-94-Ja-002 –
anúncio – fase 7]
Ex. 41: Informe-se com seu gerente. E descubra por que cada vez mais as empresas
estão se interligando com o Itaú. [anúncio – fase 7]
Ex. 42: Em entrevista divulgada em agosto, Saxbe disse que assegurara a Indira que
renunciaria se soubesse que alguma agência do Governo dos Estados Unidos estivesse
se intrometendo “de algum modo nos assuntos internos da Índia.” [notícias – fase7]
153
 Exemplos de ênclise a V2 com gerúndio:
Ex. 43: He este hum novo motivo de pura satisfação para o Povo Brasilei- / ro, que vê
por esta fórma hirem unificando-se os seus sentimentos por to- / das as Provincia. [EB-81-Jn-016 – notícia – fase 1]
Ex. 44: Não parece demasiado supor que as coisas continuarão agravando-se
independentemente da lei ampliadora dos meios de combate ao mal solicitada pelo
Governo e a ele concedida em tempo. [editorial – fase 6]
A análise dos resultados será detalhada nas próximas subseções a partir da
observação por tipo de “se”, de acordo com as variáveis independentes.
5.1.2.2.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em
sentenças com o verbo principal no gerúndio
Distribuição dos dados de "se"
indeterminador/apassivador na
amostra brasileira (XIX e XX)
Distribuição dos dados de "se"
reflexivo/inerente na amostra
brasileira (XIX e XX)
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 35 e 36: Distribuição dos dados na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por tipo de “se”
(indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo principal no gerúndio
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
“Se” indeterminador/
69%
18%
10%
3%
apassivador
23/32
5/32
3/32
1/32
“Se” reflexivo/inerente
34%
8%
46%
12%
8/24
2/24
11/24
3/24
Tabela 10: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo
principal no gerúndio
154
As tendências observadas a partir dos dados de gerúndio por tipo de “se”
confirmam que o indeterminador se coloca prioritariamente proclítico a V1, enquanto o
reflexivo tende a se adjungir a V2, nesse caso, procliticamente. Cabe, então, analisar se
a distribuição das variantes sofreu variações no correr das fases da publicação dos textos
e de que natureza seriam as possíveis influências para a colocação pronominal.
Como a amostra dos dados por tipo de “se” em construções com verbo principal
no gerúndio é composta por poucos dados, optou-se por fazer a apresentação dos
resultados por meio de tabelas, para não se transmitir um panorama equivocado da
colocação pronominal nessas estruturas, caso a exposição fosse feita no padrão de
gráficos. O mesmo procedimento foi adotado na apresentação da análise do particípio.
Exibem-se, a seguir, os resultados com base em valores percentuais e absolutos da
distribuição das variantes.
5.1.2.2.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em
sentenças com o verbo principal no gerúndio por variável independente
Dentre todas as variáveis independentes investigadas no corpus, apresentam-se,
aqui também, aquelas cuja relevância para o condicionamento do fenômeno já se
mostrou fundamental, a saber: (i) época da publicação, (ii) presença de elemento
antecedente ao grupo clítico-complexo verbal e (iii) tipo de complexo verbal.
(i) A variável época da publicação
“Se” indeterminador/apassivador
Época
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
Fase 1
88%
0%
0%
12%
84%
0%
0%
16%
(1808-
7/8
0/8
0/8
1/8
5/6
0/6
0/6
1/6
Fase 2
75%
25%
0%
0%
0%
100%
0%
0%
(1841-
2/3
1/3
0/3
0/4
0/1
1/1
0/1
0/1
Fase 3
50%
25%
25%
0%
100%
0%
0%
0%
(1871-
2/4
1/4
¼
0/4
1/1
0/1
0/1
0/1
da
publica
ção
1840)
1870)
155
1900)
Fase 4
50%
50%
0%
0%
50%
0%
50%
0%
(1901-
1/2
1/2
0/2
0/2
1/2
0/2
1/2
0/2
Fase 5
66%
17%
17%
0%
0%
33%
67%
0%
(1925-
4/6
1/6
1/6
0/6
0/3
1/3
2/3
0/3
Fase 6
88%
0%
12%
0%
0%
0%
50%
50%
(1950-
7/8
0/8
1/8
0/8
0/4
0/4
2/4
2/4
Fase 7
0%
100%
0%
0%
14%
0%
86%
0%
(1975-
0/2
1/1
0/1
0/1
1/7
0/7
6/7
0/7
69%
18%
10%
3%
34%
8%
46%
12%
23/32
5/32
3/32
1/32
8/24
2/24
11/24
3/24
1924)
1949)
1974)
2000)
Total
Tabela 11: Distribuição dos dados da colocação do “se” na amostra brasileira dos séculos XIX e XX, por
tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo principal no
gerúndio, segundo a época da publicação
Os poucos e distribuídos dados de gerúndio inviabilizam generalizações acerca
de um padrão de colocação pronominal diante dessas estruturas. A tabela permite, tãosomente, visualizar, principalmente por meio dos valores absolutos, que o padrão da
colocação pronominal por tipo de “se” não parece variar em função da natureza do
clítico até a fase 4, em que o “se” se adjunge a V1, ora em próclise, ora em ênclise. A
partir da quinta fase, as diferenças entre a colocação pronominal por tipo de “se”
começam a ser suavemente mais visíveis, especialmente no que tange à colocação de
66% de indeterminador em próclise a V1, o que corresponde a quatro dados, contra 0%
de “se” reflexivo/inerente proclítico ao auxiliar. Além disso, registraram-se 17% (um
dado) de indeterminador em próclise a V2 contra 67% (dois dados) de “se” reflexivo na
mesma posição. Na fase 6, há uma mesma tendência do uso da próclise a V1 dos
indeterminadores (88% dos casos) e 50% de colocação do reflexivo em próclise a V2 e
50% em ênclise a V2. Na fase 7, registrou-se um dado de indeterminador enclítico a V1,
enquanto o “se” reflexivo foi empregado em 86% (sete dados) dos casos proclítico a V2
e 14% proclítico a V1. Desse modo, as diferenças entre o “se” indeterminador e o “se”
reflexivo/inerente, que se mostraram evidentes nos complexos com infinitivo em todo o
156
período pesquisado, só figuraram nos complexos com gerúndio a partir do século XX.
Os limites dos dados desta pesquisa não permitem concluir se se trata, de fato, de uma
diferença das construções com gerúndio, ou se isso decorre do pequeno número de
ocorrências da construção.
Cabe avaliar alguns contextos de colocação pronominal em dados que fugiram à
tendência que se configurou no corpus, como o caso do único dado de “se”
indeterminador em próclise a V2 na fase 3 e a única ocorrência da próclise a V1 do
reflexivo/inerente na fase 7, a saber:
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V2:
Ex. 45: Os trabalhos do congresso nacional estão se dificultando em parte pelo espirito
de oposição, que está-se desenvolvendo [...] [editorial – fase 3]
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1:
Ex. 46: Pouco a pouco, nos países industrializados, as classes políticas se estão
acostumando a usar as lunetas dos economistas para ver à distância e montar, de
forma tão exata quanto possível à ciência humana, táticas e estratégias de condução da
sociedade. [editorial – fase 7]
Ao analisar os dois dados, destaca-se que ambos não apresentam elementos
“proclisadores” típicos, que justificasse a próclise a V1 do reflexivo, por exemplo. Com
base no exemplo 45, o que parece haver é a oscilação, por parte do editor, de um padrão
em fins do século XIX do “se” indeterminador, que pode figurar ora em próclise a V2
ora em ênclise a V1. Como se revelou um período importante de transição na língua, o
jornalista parece vacilar entre um modelo europeu mais artificial (que seria a ênclise a
V1) e um emprego mais natural, que a escrita brasileira começava a experimentar no
final do século XIX. Quanto ao exemplo do século XX, o escritor produz uma próclise a
V1 num contexto não prescrito pela gramática normativa, além de não configurar uma
norma naturalmente brasileira.
157
(ii) A variável presença de um elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
“Se” indeterminador/apassivador
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
Elemen
84%
8%
8%
0%
17%
8%
67%
8%
to
15/17
1/17
1/17
0/17
2/12
1/12
8/12
1/12
0%
0%
0%
100%
0%
0%
0%
0/2
0/2
0/2
1/1
0/1
0/1
0/1
anteced
ente
subord
inativo
Partícu 100%
las
de 2/2
negaçã
o
Adv.
100%
0%
0%
0%
75%
0%
25%
0%
Leves
1/1
0/1
0/1
0/1
3/4
0/4
¼
0/4
Adv.
20%
40%
20%
20%
--
--
--
--
longos
1/5
2/5
1/5
1/5
0%
0%
0%
--
--
--
--
0/1
0/1
0/1
50%
0%
50%
0%
Preposi 100%
ções
1/1
Conj.
Coorde --
--
--
--
1/2
0/2
1/2
0/2
50%
34%
16%
0%
20%
20%
20%
40%
3/6
2/6
1/6
0/6
1/5
1/5
1/5
2/5
69%
18%
10%
3%
34%
8%
46%
12%
23/32
5/32
3/32
1/32
8/24
2/24
11/24
3/24
nativas
Sujeito
Total
Tabela 12: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo
principal no gerúndio, segundo a variável presença de elemento antecedente ao grupo clítico-complexo
verbal
Os resultados mostram que, também diante do gerúndio como verbo principal,
os elementos subordinativos não parecem suficientes para atrair o “se” com função
reflexiva/inerente, tendo em vista a colocação de 67% de próclise a V2, enquanto com o
158
indeterminador a atuação dos “proclisadores” pode ter motivado o índice de 84% de
próclise a V1. Os poucos dados com partículas de negação (apenas dois de
indeterminador e um de reflexivo/inerente) apontam a colocação categórica da próclise
a V1 com os dois tipos de “se”. Merece destaque, ainda, a colocação pronominal com
advérbios leves que, apesar de poucas ocorrências, foram registradas majoritariamente
proclíticas a V1, sendo um único dado de “se” indeterminador e três dados entre quatro
(75%) de “se” reflexivo/inerente, nos contextos que se observam a seguir:
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante de advérbios
leves:
Ex. 47: Já se estão preparando para atacar a missolonghi, e os Turcos se tem visto
obrigados a largarem Anatolico. [notícia – fase 1]
Ex. 48: O calor já se vai tornando insuportável [notícia – fase 3]
Os exemplos acima vão ao encontro do que muitos estudiosos apresentam como
o possível efeito proclisador dos chamados advérbios leves. Segundo BRITO,
DUARTE & MATOS (2003, p.855), os exemplos incluem-se na categoria do que
chamam de “advérbios de focalização, de referência predicativa, confirmativos, de
atitude proposicional e aspectuais”, que atuam como condicionadores de próclise no
Português Europeu.
A título de ilustração, segue a única ocorrência de indeterminador em próclise a
V1 em complexo com gerúndio, diante de locução adverbial.
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1:
Ex. 49: Pouco a pouco se vai formando uma opinião mais exata e mais justa sobre a
atuação do elemento genuíno brasileiro na elaboração de nossos meios de progresso.
[editorial – fase5]
O exemplo acima apresenta como antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
uma locução adverbial. Ressalte-se que o uso da referida locução precedendo a próclise
a V1 se repetiu em outros dados da amostra.
Quanto aos dados diante de preposição (apenas com o indeterminador) e de
conjunção coordenativa (apenas com o reflexivo), as raras ocorrências no corpus
impossibilitam generalizações. No que tange aos poucos dados em contexto de sujeito,
observa-se o “se” indeterminador/apassivador distribuído entre as variantes proclítica a
V1 (50%), enclítica a V1 (34%) e proclítica a V2 (16%).
159
Nos dados de “se” reflexivo/inerente, as ocorrências também se mostraram
distribuídas entre as variantes precedidas de sujeito, sendo 20% em posição de próclise
a V1, em ênclise a V1 e em próclise V2 (apenas um dado de cada variante), e 40% de
ênclise a V2 (apenas dois dados). Apresenta-se, a seguir, o dado de próclise a V1 com o
“se” reflexivo/inerente, sem contexto de atração pronominal.
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1:
Ex. 50: Pouco a pouco, nos países industrializados, as classes políticas se estão
acostumando a usar as lunetas dos economistas para ver à distância e montar, de
forma tão exata quanto possível à ciência humana, táticas e estratégias de condução da
sociedade. [editorial – fase 7]
Com relação ao exemplo 50, na etapa da codificação do dado, considerou-se
como elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal o sujeito “as classes
políticas”, e não a locução adverbial “pouco a pouco”. Como ambos não configuram
expressões tipicamente “proclisadoras”, adotou-se o critério da proximidade quando se
considerou o sujeito como elemento antecedente no dado em questão (o mesmo critério
também foi utilizado em outras ocorrências, sempre que necessário). Chama-se atenção,
no entanto, para o fato de ser o segundo dado de próclise a V1 antecedida pela
expressão adverbial “pouco a pouco”.
(iii) A variável tipo de complexo verbal
“Se” indeterminador/apassivador
Tipo de cl v1 v2
“Se” reflexivo/inerente
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
comple
xo
verbal
Tempo
69%
18%
10%
3%
38%
9%
53%
0%
s
23/32
5/32
3/32
1/32
8/21
2/21
11/21
0/21
--
--
--
--
0%
0%
0%
100%
0/3
0/3
0/3
3/3
compos
tos
Estrutu
ras com
modais/
aspectu
160
ais
Comple
--
--
--
--
--
--
--
--
69%
18%
10%
3%
34%
8%
46%
12%
23/32
5/32
3/32
1/32
8/24
2/24
11/24
3/24
xos bioracion
ais com
mesmo
referen
te suj.
Total
Tabela 13: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo
principal no gerúndio, segundo a variável tipo de complexo verbal
Dentre os três tipos de estruturas analisadas na variável tipo de complexo verbal,
a única que permite maior observação, devido ao número de dados, é a dos tempos
compostos, representados pelas estruturas: ‘estar’ + gerúndio, ‘ir’ + gerúndio, ‘vir’ +
gerúndio. Das construções mais produtivas na amostra, destacam-se as duas primeiras.
Chama atenção o fato de os dados da estrutura ‘estar’ + gerúndio registrarem 37% de
próclise a V2, enquanto a expressão ‘ir’ + gerúndio’ registrar 21% da variante, como
ilustram alguns dados a seguir:
 Exemplos de próclise a V2:
Ex. 51: Informe-se com seu gerente. E descubra por que cada vez mais as empresas
estão se interligando com o Itaú. [Anúncio – fase 7]
Ex. 52: E é exatamente assim que o | Bradesco está se sentindo, ao ser indicado pela
revista | Carta Capital como a empresa mais admirada no setor | financeiro em
pesquisa realizada com empresários | e executivos de todo o Brasil. [Anúncio – fase 7]
Ex. 53: O vôo do "Salazar" é um/ simbolo. Simbolo de um Por-/tugal que vai se
impondo ao/ respeito e á admiração da Europa e simbolo de um élo que se perpetua
através do espaço/ e do tempo entre duas grandes/ patrias que tiveram a mesma/
origem e nutrem as mesmas as-/pirações. [Notícia – fase 5]
Ex. 54: Até lá, porém, o povo carioca que reside nos subúrbios que vá se contentando
com o que for possível fazer. [Notícia – fase 6]
Observam-se as ocorrências acima com dados de próclise a V2 a partir da
segunda metade do século XX, momento que foi parte do processo em que a variante
161
passa (progressivamente) a ganhar cada vez mais espaço e a ser assumida na imprensa
brasileira, embora já utilizada em dados anteriores. O que acentua ainda a mais a
preferência pela variante proclítica é o “se” reflexivo/inerente presente em todos os
dados destacados.
Atente-se, também, para o fato de o “se” indeterminador/apassivador tender a se
colocar adjacente a V1 em 69% dos casos, enquanto o “se” reflexivo/inerente figura em
53% das ocorrências proclítico a V2.
Apresenta-se um dado do reflexivo em ênclise a V2, a título de ilustração e para
apreciação do ambiente morfossintático.
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V2:
Ex. 55: Não parece demasiado supor que as coisas continuarão agravando-se
independentemente da lei ampliadora dos meios de combate ao mal solicitada pelo
Governo e a ele concedida em tempo. [editorial – fase 6]
Por meio do exemplo acima, é possível observar que, principalmente, por ser um
exemplo de estrutura com o pronome reflexivo, tende a se adjungir a V2, de modo que o
“proclisador” do exemplo não parece suficiente para determinar a próclise.
5.1.2.3 Ordem do clítico “se” na amostra brasileira em sentenças com o verbo
principal no particípio
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
77%
15%
8%
0%
112/147
23/147
12/147
0/147
Tabela 14: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no particípio
Há um claro favorecimento da próclise a V1 quando o verbo principal é o
particípio, com registros, na amostra, de 77% das ocorrências, seguido de longe da
ênclise a V1 em 15% das ocorrências e da próclise a V2 em apenas 8%. Nenhum dado
de ênclise a V2 foi computado na amostra. As próximas seções serão importantes no
sentido de apresentar os contextos morfossintáticos do emprego das variantes para que
se possa atestar se há outras influências no contexto.
162
O gráfico abaixo, por exemplo, ilustra a distribuição geral dos dados de “se”, em
estruturas com complexo verbal composto por ‘auxiliar + particípio’, na amostra
brasileira, com foco na observação diacrônica da colocação de cada variante.
100%
80%
60%
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
40%
v1 v2-cl
20%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Gráfico 37: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos
séculos XIX e XX, por época da publicação, em sentenças com o verbo principal no particípio
Época
da Cl v1 v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
publicação
Fase 1
80%
15%
5%
0%
(1808-1840)
42/53
8/53
3/53
0/53
Fase 2
77%
17%
6%
0%
(1841-1870)
33/43
7/43
3/43
0/43
Fase 3
64%
36%
0%
0%
(1871-1900)
12/19
7/19
0/19
0/19
Fase 4
100%
0%
0%
0%
(1901-1924)
6/6
0/6
0/6
0/6
Fase 5
60%
0%
40%
0%
(1925-1949)
6/10
0/10
4/10
0/10
Fase 6
90%
0%
10%
0%
(1950-1974)
9/10
0/10
1/10
0/10
163
Fase 7
66%
17%
17%
0%
(1975-2000)
4/6
1/6
1/6
0/6
Total
77%
15%
8%
0%
112/147
23/147
12/147
0/147
Tabela 15: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por época da publicação, em sentenças com o verbo principal no particípio
É nítida a preferência pela próclise a V1 quando o verbo principal é um
particípio, independentemente da fase em questão. A referida variante é sempre a opção
prioritária, acima de 60% em todas as fases analisadas. Os casos de próclise ao
particípio também foram pouco produtivos e não foram sequer encontrados nas fases 3 e
4, transição entre os séculos, em que o modelo de norma europeu era preferencial.
Quanto à ênclise a V1, houve ocorrências desse tipo apenas no século XIX e somente 1
dado no século XX, registrado na fase 7, no seguinte dado:
 Exemplo de ênclise a V1:
Ex. 56: O planejador brasileiro tem-se especializado no diagnóstico de situações.
[editorial – fase 7]
O dado em análise não apresenta qualquer elemento “proclisador” antecedendo o
grupo clítico-complexo verbal, o que contribui para que a colocação não seja proclítica,
por exemplo, e sim enclítica a V1.
5.1.2.3.1. Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em
sentenças com o verbo principal no particípio
Distribuição dos dados de "se"
indeterminador/apassivador na
amostra brasileira (XIX e XX)
Distribuição dos dados de "se"
reflexivo/inerente na amostra
brasileira (XIX e XX)
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1 cl v2
V1 v2-cl
Gráficos 38 e 39: Distribuição geral dos dados da colocação pronominal do “se”, na amostra brasileira
dos séculos XIX e XX, por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças
com o verbo principal no particípio
164
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
“Se” indeterminador/
78%
17%
5%
0%
apassivador
60/77
13/77
4/77
0/77
“Se” reflexivo/inerente
75%
14%
11%
0%
52/70
10/70
8/70
0/70
Tabela 16: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo
principal no particípio
Comparando-se as três formas nominais do verbo, a do particípio é aquela que
mais aproxima os resultados da distribuição geral das variantes aos obtidos por tipo de
“se”. Na próxima seção, será possível observar se há alguma diferença significativa
motivada por questões linguísticas, de acordo com o que apontam as variáveis
independentes.
A tendência geral do corpus é a colocação da próclise a V1 em 78% nos
indeterminadores e 75% nos reflexivos, o que se associa ao teor mais gramaticalizado
da estrutura. Quanto às variantes ênclise a V1 e próclise a V2, não houve emprego
significativo no corpus, embora a última tenha sido mais usada com reflexivos/inerentes
do que com indeterminadores. Com a apresentação das próximas seções, por meio das
variáveis independentes, alguns desses dados serão expostos e analisados.
5.1.2.3.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra brasileira em
sentenças com o verbo principal no particípio por variável independente
Apresentam-se, a seguir, os resultados da distribuição das variantes do “se” por
tipo de variável independente. Das variáveis independentes analisadas no corpus,
seguem a (i) época da publicação e a (ii) presença de possível elemento “proclisador”.
Com o verbo principal sendo um particípio, a variável tipo de complexo verbal não será
apresentada, já que a única composição com o particípio é o tempo composto formado
por um auxiliar ter/haver.
165
(i) A variável época da publicação
“Se” indeterminador/apassivador
Época
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 cl v2
v1 v2-cl
Fase 1
78%
16%
6%
0%
82%
14%
4%
0%
(1808-
24/31
5/31
2/31
0/31
18/22
3/22
1/22
0/22
Fase 2
71%
21%
8%
0%
85%
10%
5%
0%
(1841-
17/24
5/24
2/24
0/24
16/19
2/19
1/19
0/19
Fase 3
63%
37%
0%
0%
64%
36%
0%
0%
(1871-
5/8
3/8
0/8
0/8
7/11
4/11
0/11
0/11
Fase 4
100%
0%
0%
0%
100%
0%
0%
0%
(1901-
4/4
0/4
0/4
0/4
2/2
0/2
0/2
0/2
Fase 5
100%
0%
0%
0%
50%
0%
50%
0%
(1925-
2/2
0/2
0/2
0/2
4/8
0/8
4/8
0/8
Fase 6
100%
0%
0%
0%
80%
0%
20%
0%
(1950-
5/5
0/5
0/5
0/5
4/5
0/5
1/5
0/5
Fase 7
100%
0%
0%
0%
33,3%
33,3%
33,3%
0%
(1975-
3/3
0/3
0/3
0/3
1/3
1/3
1/3
0/3
78%
17%
5%
0%
75%
14%
11%
0%
60/77
13/77
4/77
0/77
52/70
10/70
8/70
0/70
da
publica
ção
1840)
1870)
1900)
1924)
1949)
1974)
2000)
Total
Tabela 17: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira dos séculos
XIX e XX, por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo
principal no particípio, segundo a época da publicação
166
Durante o século XIX até o início do XX, a distribuição das variantes por tipo de
clítico é bem semelhante, sempre com tendências ao uso da próclise a V1, com uma
pequena queda na fase 3, época de transição na história em que a escrita brasileira se
baseava no padrão português de escrita e, com isso, reproduzia a colocação da ênclise,
nesse corpus representada por 37% de ênclise a V1 com o indeterminador e 36% com o
reflexivo. Posteriormente, no entanto, a partir da fase 5, apesar de poucas ocorrências,
os dados se distribuem de modo diferente conforme a natureza do clítico. O
indeterminador figura em dois dados, ambos na posição de próclise a V1, enquanto o
“se” reflexivo/inerente se divide entre próclise a V1 (50%, quatro dados) e próclise a V2
(50%, quatro dados). Como o quantitativo de dados é muito pequeno na distribuição por
fases, inviabilizam-se outras generalizações.
A título de ilustração, segue o dado de “se” reflexivo/inerente, da fase 7, em
posição de próclise a V1.
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1:
Ex. 57: Sem a cobertura soviética, os expedicionários não se teriam estabelecido em
Angola. [editorial – fase 7]
O dado destacado apresenta um “proclisador” típico, que é a partícula de
negação, que auxiliou no condicionamento da próclise a V1, mesmo sendo o “se” um
reflexivo/inerente, além de ser uma ocorrência de tempo composto que, naturalmente,
tende a priorizar a próclise ao auxiliar. Acredita-se que a forma verbal no futuro do
pretérito também desfavoreça o emprego de outra variante que não fosse a próclise a
V1, já que, conforme a norma padrão, formaria a mesóclise “ter-se-iam”, algo
pouquíssimo produtivo, principalmente em ocorrências da última fase do século XX.
(ii) A variável presença de elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
“Se” indeterminador/apassivador
Elemen
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2 v1 cl v2
v1 v2-cl cl v1 v2
v1-cl v2 v1 cl v2
v1 v2-cl
88%
6%
6%
0%
86%
7%
7%
0%
3/47
3/47
0/47
35/41
3/41
3/41
0/41
to
anteced
ente
Subor
dinativ 41/47
167
os
Partíc
100%
ulas de 7/7
0%
0%
0%
100%
0%
0%
0%
0/7
0/7
0/7
6/6
0/6
0/6
0/6
--
--
--
--
negaçã
o
Adv.
100%
0%
0%
0%
leves
4/4
0/4
0/4
0/4
Prepos
75%
25%
0%
0%
85%
0%
15%
0%
ições
3/4
¼
0/4
0/4
6/7
0/7
1/7
0/7
Adv.
40%
60%
0%
0%
0%
50%
50%
0%
longos
2/5
3/5
0/5
0/5
0/2
1/2
1/2
0/2
Conj.
34%
66%
0%
0%
0%
100%
0%
0%
Coord
2/6
4/6
0/6
0/6
0/1
1/1
0/1
0/1
33,3%
33,3%
0%
38%
38%
24%
0%
1/3
1/3
1/3
0/3
5/13
5/13
3/13
0/13
78%
17%
5%
0%
75%
14%
11%
0%
60/77
13/77
4/77
0/77
52/70
10/70
8/70
0/70
enativ
as
Sujeito 33,3%
Total
Tabela 18: Distribuição dos dados da colocação pronominal do “se” na amostra brasileira nos séculos
XIX e XX, por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo
principal no particípio, segundo a variável presença de elemento “proclisador”
Os elementos antecedentes ao grupo clítico-complexo verbal que, de fato,
atuaram no condicionamento para a próclise a V1 nessa amostra, de modo muito
semelhante tanto com o “se” indeterminador/apassivador quanto com o “se”
reflexivo/inerente, foram os “proclisadores” prototípicos, como os elementos
subordinativos, as partículas de negação, advérbios leves, além das preposições.
Os advérbios longos, as conjunções coordenativas e os vários tipos de sujeito
não atuaram como “proclisadores” na amostra, embora também não tenham registrado
resultados categóricos. Assim, os três contextos mencionados apresentaram dados de
próclise a V1 com o indeterminador, sendo dois dados em cada caso e apenas uma
ocorrência de próclise a V1 com sujeito, a serem analisados a seguir. Já com o “se”
168
reflexivo/inerente, apenas o contexto de sujeito, dentre os “não-proclisadores” típicos,
apresentou casos de próclise a V1 (cinco dados; desses, três serão expostos a seguir).
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1 diante de
conjunção coordenativa:
Ex. 58: Estas ultimas annuncião que os Janizaros em Constantinopla se declárão
contra a França, e a favor da Inglaterra; porém quer o tumulto se tinha apaziguado. [–
notícia – fase1]
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1 diante de SN
sujeito simples
Ex. 59: Folhetos políticos, e disputas sobre questões de direito publico, se tem há
tempo multiplicado entre nós; muitas vezes se tem abusado da liberdade da prensa
[notícia – fase 1]
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1 diante de
locução adverbial
Ex. 60: Desde 1800 se tem construído na Suecia, não incluindo a Finlandia e a
Pomerania, 919 embarcações [notícia – fase 1]
Ex. 61: Folhetos políticos, e disputas sobre questões de direito publico, se tem há tempo
multiplicado entre nós; muitas vezes se tem abusado da liberdade da prensa [notícia –
fase1]
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante de SN sujeito
simples
Ex. 62: A Corunha declarou-se contra os Francezes, e o Ferrol se teria igualmen-/te
sublevado a não ter hum Governador do partido Francez. [notícia – fase 1]
Ex. 63: Os algerinos, depois da sua derrota o anno passado, se tem levantado de suas
cinzas [notícia – fase1]
Ex. 64: Já se estão preparando para atacar a missolonghi, e os Turcos se tem visto
obrigados a largarem Anatolico. [notícia – fase1]
Como se observou nos exemplos destacados acima, nenhum deles apresenta um
caso de “proclisador” tradicional, o que leva a crer que a única possível influência para
o emprego da próclise a V1 seja apenas o fato de o tipo de complexo verbal ser um
tempo composto com particípio. Chama a atenção o fato de a ênclise a V1, por exemplo,
não ter sido utilizada como estratégia categórica no lugar da próclise a V1, embora
169
tenha figurado em alguns dados conforme ilustra a tabela. Destaca-se do exemplo 64 a
possibilidade de o advérbio leve “já”, que encabeça a oração anterior, exercer alguma
influência sobre a próclise a V1 da oração coordenada seguinte. Cabe observar, ainda,
que todas as ocorrências figuraram no século XIX, sendo as sete destacadas da primeira
fase, especificamente; ao que tudo indica, a próclise a V1 em construções com
particípio era a preferência de então, independentemente da presença de elementos
“proclisadores”.
5.1.3 Sistematização dos resultados da colocação do “se” em complexos verbais na
amostra brasileira dos séculos XIX e XX
Em linhas gerais, os resultados nos textos brasileiros apresentam tendências
totalmente diferentes quanto ao “se” indeterminador/apassivador e quanto ao “se”
reflexivo/inerente, o que não é tão evidente apenas na amostra do particípio, que tem
uma concretização particular da regra variável, com apenas três e não quatro variantes.
Observa-se, então, que a colocação pronominal do “se” na amostra brasileira parece
depender sobretudo da função exercida por esse clítico para figurar preferencialmente
em próclise ou ênclise a V1 e próclise ou ênclise a V2, o que já torna evidente que a
evolução da ordem do clítico “se” no Português precisa ser descrita consoante duas
trajetórias distintas: uma dos contextos de indeterminação e outra dos contextos
reflexivos/inerentes. De todo modo, deve-se destacar a concretização de quatro formas
alternantes no Português do Brasil, com qualquer dos clíticos.
Com relação à distribuição geral dos dados, a próclise a V1 é a variante
preferencial em metade do corpus analisado, seguida de longe da variante enclítica a
V2. As variantes ênclise a V1 e próclise a V2 ocorreram em contextos menos
produtivos e mais específicos. O aumento da próclise a V2, em especial ao final do
século XX, vai ao encontro dos resultados apresentados por MARTINS (2009), embora
sua análise contemple um corpus de peças teatrais e não realize uma observação dos
tipos de “se” em separado. Fez-se importante, então, analisar os contextos da colocação
do “se” para investigar se as preferências estariam associadas não só à fase da
publicação, mas também ao ambiente morfossintático, em que medida e de que forma
isso acontecia.
170
Dessa forma, as primeiras medidas foram analisar isoladamente em cada
contexto com o cuidado de não deixar em uma mesma avaliação estruturas muito
díspares que pudessem enviesar os resultados. Assim, decidiu-se observar
separadamente os contextos da colocação do “se” em (i) início absoluto de
período/oração X demais contextos; (ii) sentenças com o verbo principal no infinitivo;
(iii) sentenças com o verbo principal no gerúndio, e; (iv) sentenças com o verbo
principal no particípio. Além disso, a apresentação em cada contexto mencionado se deu
por tipo de “se” (indeterminador/apassivador X reflexivo/inerente). A partir das análises
em proposição, chegou-se às seguintes considerações para os textos produzidos no
Brasil:
(i) Início absoluto de período/oração X demais contextos
Nas construções de clítico “se” em início absoluto de período/oração, houve uma
tendência ao uso da variante enclítica a V1 em mais da metade dos dados; em seguida,
utilizou-se a ênclise a V2, sempre como estratégia para evitar a próclise nesse contexto.
As variantes proclítica a V1 e a V2 ocorreram em raros momentos e em contextos muito
específicos. A próclise a V1 figura em apenas um dado, mesmo assim, não é um início
absoluto de período, mas de oração, em que a oração anterior apresenta o focalizador
“só”, o que pode ter influenciado no favorecimento da próclise a V1 (ex.: Só visitando e
assistindo as differentes classes, observando o bom methodo de ensino e a habilidade
dos Srs. professores, se poderá fazer id' este estabelecimento. [Anúncio – fase 2]).
Quanto ao “se” em próclise a V2, em contexto de início absoluto de
período/oração, apenas três dados foram coletados, dois deles provavelmente
favorecidos pela estrutura verbal complexa composta por preposição (ex.: Acaba de se
estabelecer em Nova Orleans uma igreja catholica independente. [Notícia – fase 2]).
As estruturas examinadas nos demais contextos apontam as mesmas tendências
verificadas na distribuição geral dos dados do corpus, a saber: preferência pela próclise
a V1 em mais da metade dos dados, seguida da ênclise a V2, de modo menos
expressivo. As variantes enclítica a V1 e proclítica a V2 figuraram em poucas
ocorrências, em contextos a serem analisados a seguir, quando da apresentação dos
resultados por tipo de “se” e por tipo de verbo principal.
171
(ii) Sentenças com o verbo principal no infinitivo
As variantes distribuíram-se de maneira muito semelhante à tendência geral do
corpus, sendo a próclise a V1 concretizada em metade da amostra, seguida da ênclise a
V2 de modo menos expressivo, enquanto as variantes ênclise a V1 e próclise a V2
foram registradas em poucos dados. Também com o complexo verbal com
preposição/conectivo integrante é possível observar a regra variável eneária com o
indeterminador, com a distribuição das variantes bastante similar à descrita quanto à
tendência geral do corpus. Com relação ao reflexivo, há uma tendência à ligação do
clítico em ênclise a V2 (em 69% das ocorrências), conforme o esperado, além de a
variante proclítica a V2 (10%) ser levemente superior à ênclise a V1 (3%), enquanto a
próclise a V1 ocorre em apenas 18% dos casos. Destacam-se alguns exemplos com o
indeterminador e o reflexivo (apenas na ocorrência da próclise a V2), a saber:
- Próclise a V1: Os effeitos da "Aspirina" legitima, em combinação | coma acção
estimulante da Cafeina, produzem maravilho- | sos resultados nos casos em que se tem
de combater a debi -| lidade e o esgotamento. [Amostra brasileira – anúncio fase 4]
- Ênclise a V1: “Pela Thesouraria provincial do Rio de já- | neiro se faz publico que,
tendo-se de pro- | ceder á construção de uma ponte sobre o Rio-Preto, no logar
denominado - Passagem | das Flores -, recebem-se propostas nesta | thesouraria para o
referido fim, até o dia 10 | de novembro proximo futuro [...]” [Amostra brasileira –
anúncio fase 2].
- Próclise a V2: A argentina já foi a sétima ou oitava economia do mundo e hoje vê com
preocupação o Brasil ocupar justamente essa posição, enquanto tem de se conformar
em figurar entre as 70 ou 80 maiores nações do planeta. [Amostra brasileira – notícia
fase 7]
- Ênclise a V2: Os trabalhos das trincheiras tiveram de suspender-se por causa da
dureza do solo [Amostra brasileira – editorial fase 3]
Reforça-se, a partir dos resultados, que a ênclise a V1 é improdutiva com os dois
tipos de “se” diante da preposição interveniente ao complexo verbal, embora registrada
em raras ocorrências. Destaque-se que, na variedade brasileira, ambos os tipos de “se”
figuraram em qualquer das quatro posições do complexo verbal, mas atente-se ao fato
de a próclise a V2 ser registrada quase exclusivamente com o reflexivo.
Com relação à distribuição por variável independente, a época da publicação
mostrou-se bastante significativa. A partir dela, observa-se que as tendências se
172
modificam ao longo das fases sob análise. A próclise a V1, que era mais natural no
século XIX, como um resquício do modelo dos séculos anteriores, inclusive em
contextos sem “proclisadores” (como diante de SN sujeito), sofre um declínio gradual
do século XIX para o XX. Enquanto no século XIX e início do XX essa variante dá
lugar à ênclise a V2, ainda como um reflexo do modelo europeu, nas últimas fases do
século XX, tal tendência se modifica e a queda da variante proclítica a V1 cede espaço
para a próclise a V2, efetivamente na fase 7, mas com registros importantes a partir de
meados da década de 20, período do modernismo no Brasil.
Ao se realizar a análise por tipo de “se”, os resultados passam a mostrar-se ainda
mais interessantes, tendo em vista as características integralmente díspares entre
indeterminador e reflexivo. Na distribuição geral dos dados, por função do “se”, chegase a índices inversamente proporcionais para cada tipo de clítico, a saber: (i) o “se”
indeterminador/apassivador figura em mais da metade dos dados em próclise a V1
(73%); (ii) o “se” reflexivo/inerente figura em mais da metade dos dados em ênclise a
V2 (62%). A variante proclítica a V2 é mais comum com o reflexivo (em 11% das
ocorrências – mesmo nas sentenças com construções sem preposição interveniente; ex.:
“Os que só podem se candidatar para um curso de nível médio poderão escolher
qualquer instrumento.” [Notícia – fase 6]) – do que com o indeterminador (em 3% das
ocorrências). A variante enclítica a V1 ocorre em 10% com o indeterminador e em
apenas 3% com o reflexivo.
É importante salientar que, diacronicamente, se verificam duas histórias distintas
na trajetória da colocação pronominal do “se” na escrita brasileira, uma construída para
o “se” indeterminador/apassivador e outra para o “se” reflexivo/inerente. Na última fase
do século XX, com o reflexivo, a preferência pela ênclise a V2 é suplantada pela
próclise a V2, enquanto a ênclise a V1 chega a desaparecer na amostra e a próclise a
V1, em acentuado declínio, é registrada em números insignificantes. Por outro lado,
com o indeterminador, a preferência pela próclise a V1 perdura até a última fase do
século XX. Registra-se um emprego discreto da próclise a V2 e ainda mais da ênclise a
V1, enquanto a ênclise a V2 chega a desaparecer.
Dos componentes da variável ‘elemento antecedente ao grupo clítico-complexo
verbal’, aqueles que aparentemente atuaram sobre o fenômeno em análise com o “se”
indeterminador/apassivador, favorecendo a próclise a V1, foram os elementos
subordinativos, as partículas de negação, de modo bastante significativo, e os advérbios
173
leves. Os mesmos elementos tradicionalmente “proclisadores” não atuaram como tal na
colocação do “se” reflexivo/inerente. Em todos os contextos morfossintáticos
envolvendo o reflexivo, foi registrada a ênclise a V2 como opção preferencial, acima
dos 48% (praticamente a metade do corpus), preferência ainda acentuada nos casos em
que não havia elementos “proclisadores” prototípicos.
Tendências semelhantes são observadas a partir da análise da variável ‘tipo de
complexo verbal’. Em quaisquer dos diferentes tipos de complexo verbal, a colocação
do indeterminador sempre tende a ser proclítica a V1 (acima dos 72% dos dados). Em
contrapartida, o reflexivo mostra-se em equilíbrio entre a próclise a V1 e a ênclise a V2,
mas primordialmente enclítico a V2 nas estruturas com os demais tipos de complexo
verbal. Nota-se, com isso, que a natureza do “se” interfere diretamente no padrão de
ordem do clítico, independentemente do contexto morfossintático em que está inserido.
(iii) Sentenças com o verbo principal no gerúndio
A colocação do “se” em estruturas com o verbo principal no gerúndio chama
atenção pelo fato de ser o contexto em que mais figura a próclise a V2, em 24% da
amostra de complexo com gerúndio, embora a próclise a V1 seja a variante preferencial
em 55% da amostra. O aumento da próclise a V2 é progressivo ao longo das fases (os
primeiros registros se dão apenas a partir da última fase do século XIX – fase 3),
chegando à marca de 76% na última fase do século XX. As variantes enclíticas foram
registradas em pouquíssimos dados com o verbo principal no gerúndio.
Ao se analisar em separado os resultados por tipo de “se”, a diferença entre
indeterminador e reflexivo fica ainda mais evidente, considerando-se os índices de
apenas 10% de próclise a V2 com o “se” indeterminador/apassivador, que tem como
variante preferencial a ênclise a V2 (69% dos dados), versus 46% da próclise a V2 com
o “se” reflexivo/inerente.
Com base na análise da variável ‘presença de elemento antecedente do grupo
clítico-complexo verbal’, verifica-se que os elementos subordinativos não se mostraram
suficientes para atrair o reflexivo para a posição de próclise a V1, tendo em vista que o
índice registrado dessa variante não passou da marca de 17%, enquanto o
indeterminador figurou em 84% da amostra, representando a força dos elementos
subordinativos sobre esse tipo de “se”.
174
Com relação à variável “tipo de complexo verbal’, há uma tendência acentuada
pela próclise a V1 (em 69% dos casos) com o “se” indeterminador/apassivador de forma
ainda mais evidente em estruturas com tempos compostos e perífrases aspectuais bem
gramaticalizadas. Por outro lado, é interessante destacar que, mesmo nessas
construções, os dados de “se” reflexivo/inerente se encontram majoritariamente em
próclise a V2 (em 53% dos dados).
(iv) Sentenças com o verbo principal no particípio
Em linhas gerais, a colocação do “se” em estruturas com o verbo principal no
particípio – que sempre contaram com a forma auxiliar ter – tende a ser proclítica a V1
em grande parte dos dados (77% dos dados). Como não houve dados de ênclise a V2,
esse tipo de complexo também se diferencia por apresentar apenas três formas
alternantes em vez de quatro.
Comparando-se a ordem dos diferentes tipos de “se” em estruturas formadas
pelo particípio com as sentenças compostas por infinitivo e por gerúndio, esse tipo de
estrutura verbal complexa mostra-se como aquela que não apresenta distinções
significativas entre a distribuição de dados do indeterminador e do reflexivo. Ambas
apresentam a próclise a V1 como variante preferencial (em mais de 70% em cada caso),
seguida da ênclise a V1 e, posteriormente, da próclise a V2, de forma semelhante e
pouco significativa com os dois tipos de “se”.
É importante ressaltar que o indeterminador, a partir da fase 4, passa a registrar
a próclise a V1 em 100% dos dados até a fase 7, embora haja um baixo número de
ocorrências. Com relação ao reflexivo, também com base em poucos dados, apresenta
os menores índices de próclise a V1 na fase 5 (50%) e na fase 7 (33,3%), em que se
registra a próclise a V2 com os mesmos índices percentuais da próclise a V1, já
demonstrando a possibilidade de colocação da variante inovadora, provavelmente como
futura tendência, também com a forma participial nas fases mais recentes.
Destaca-se que os elementos “proclisadores” típicos atuaram como atratores de
próclise igualmente com os dois tipos de “se”, incluindo-se os advérbios leves e as
preposições, com índices percentuais acima dos 75% dos dados. Os elementos
antecedentes “não-proclisadores” não favoreceram a próclise a V1.
175
5.2 A ordem do clítico “se” em complexos verbais na amostra europeia
5.2.1 Distribuição geral dos dados da amostra europeia
Quando se investigam as variantes no corpus da escrita europeia, postulam-se,
conforme já se esclareceu, três variantes e não quatro, como acontece na escrita
brasileira, já que se parte do princípio de que a próclise a V2 não seria uma opção de
uso natural europeu, o que de fato se revela nos dados da pesquisa. Apenas um dado
muito curioso figurou na amostra coletada, a saber: “Foi uma cerimónia cheia de
colorido, celebrada no Parlamento de Otava, e nela participaram, além do primeiroministro, líderes de vários tribos índias e esquimós (inuit, como preferem se chamar)”.
Como não há qualquer hipótese linguística para tal ocorrência na escrita europeia,
conjectura-se um possível registro incorreto do dado por parte da edição do jornal,
devido também ao item ininteligível “inuit”. Cabe esclarecer que esse dado, coletado na
última fase do século XX dos editoriais, não foi contemplado na análise dos resultados.
Apresenta-se, a seguir, o gráfico com a distribuição geral dos dados
anteriormente às análises dos contextos em separado.
Distribuição geral das
variantes na amostra
europeia do século XIX
Distribuição geral das
variantes na amostra
europeia do século XX
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 (prep.) cl v2
V1 (prep.) cl v2
v1 v2-cl
v1 v2-cl
Gráficos 40 e 41: Distribuição geral das variantes da colocação pronominal do “se” na amostra europeia
dos séculos XIX e XX, respectivamente.
O gráfico acima ilustra a distribuição praticamente equilibrada entre a próclise a
V1 e a ênclise a V2 na amostra europeia, especialmente no século XX, com uma
tendência um pouco maior à variante proclítica no século XIX. As demais variantes
figuram de forma bem menos significativa, ocorrendo V1-cl V2 em apenas 10% no
século XIX e 13% no século XX, enquanto as ocorrências de V1 (prep.) cl V2, em
176
inexpressivos 1% e 2%, respectivamente nos séculos analisados. Logo, é possível
perceber que, diferentemente do que ocorre na amostra brasileira, a escrita europeia não
apresenta a variante inovadora em qualquer dos séculos sob análise. Desse modo, o que
se verifica é uma espécie de ênclise à preposição que integra o complexo verbal. A
tabela abaixo apresenta os resultados em índices detalhados.
Em termos de distribuição geral dos dados, a amostra brasileira demonstra uma
significativa mudança na distribuição entre os séculos XIX e XX, já o padrão de
colocação na amostra europeia mantém as mesmas tendências entre os dois séculos
analisados.
Século XIX
Século XX
Total
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 (prep.) cl v2
v1 v2-cl
54%
10%
1%
35%
287/537
58/537
9/537
183/537
41%
13%
2%
44%
200/492
64/492
11/492
217/492
48%
11%
2%
39%
487/1029
122/1029
20/1029
400/1029
Tabela 19: Distribuição geral das variantes da colocação pronominal do “se” na amostra europeia dos
séculos XIX e XX
Nas próximas seções, a partir de análises mais acuradas dos contextos, será
possível demonstrar que as 20 ocorrências da variante v1 (prep.) cl v2 na amostra
europeia apresentam essencialmente a influência das preposições que integram certos
grupos de complexos verbais. Na tabela a seguir, apresentam-se os dados de “se” nas
construções verbais complexas sem e com preposição para que se possa atestar a
distribuição das variantes conforme a peculiaridade dessas estruturas. Ressalte-se que,
após essa análise prévia, as sentenças com complexos verbais integrados por preposição
não foram contempladas conjuntamente com aquelas com complexos verbais sem
preposição.
177
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 (prep.)
v1 v2-cl
cl v2
Complexos
verbais
não
integrados por preposições
Complexos verbais integrados
por preposições
51%
13%
0%
36%
411/817
114/817
0/817
292/817
35%
3%
11%
51%
75/212
8/212
20/212
109/212
Tabela 20: Comparação da distribuição das variantes em dados com complexos verbais integrados ou não
por preposições na amostra europeia dos séculos XIX e XX.
A tabela acima apresenta resultados percentuais inversamente proporcionais no
emprego das variantes entre os complexos verbais sem preposição comparados àqueles
com preposição. Quando não há preposição interveniente, os resultados se assemelham
quase que totalmente às tendências gerais do corpus. Encontra-se o predomínio da
próclise a V1 (51% da amostra), 36% de ênclise a V2, apenas 13% de ênclise a V1 e
nenhum dado de próclise a V2. No caso da estrutura verbal complexa integrada por
preposição, o conector é o elemento que licencia a posição do clítico à esquerda de V2,
com o registro de 11% (20 dados) da variante na amostra. Além disso, o referido
contexto apresenta a preferência pela ênclise a V2 em 51% dos casos, seguida de 35%
de próclise a V1 e apenas 3% de ênclise a V1.
Destacam-se, a seguir, alguns exemplos de construções verbais integradas por
preposição, em casos de ênclise a V1 e, depois, de ligação à esquerda do verbo
principal.

Exemplos de “se” em ênclise a V1:
Ex. 65: Então começou-se a conhecer Portugal, porque o eco da palavra desses
escritores foi da Galicia á Catalunha [...] [editorial – fase 4]
Ex. 66: [...] ainda a mais imposta pela força das circumstancias, começa-se a reclamar
o regimen parlamentar como a unica forma de uma sociedade viver uma vida normal,
[editorial – fase 4]
Ex. 67: Terça feira a diligencia da viuva Camillo & Cª, (...), quebrou-se por causa da
sua pouca solidez, ficando os passageiros todos muito maltratados, chegando-se a
fracturar pernas, braços e cabeças. [notícia – fase 3]
Ex. 68: e então começaram-se a ouvir na rua gritos pouco tranquillisadores para a
permanente. [notícia – fase 3]
178
Destaque-se, dos exemplos acima, que a ênclise a V1 ocorre nos casos em que a
preposição “a” compõe o complexo verbal. Sabe-se que, devido ao caráter mais
enfraquecido de seu material fônico, dificilmente essa preposição funcionaria como
hospedeiro sintático-fonológico do clítico (cf. BRITO, DUARTE & MATOS, 2003),
fator que pode ter favorecido a ênclise a V1. Além disso, são exemplos sem a presença
de elementos “proclisadores”.

Exemplos de “se” após a preposição/conector:
Ex. 69: Porque motivo havia, agora, de se desfazer deles? [editorial – fase 5]
Ex. 70: ambas na Castanheira, concelho de Villa Franca; e tendo de se effectuar este
contrato por escriptura definitiva nas notas do tabellião Barradas, [anúncio – fase 3]
Ex. 71: Por ter que se ausentar com urgencia de Portugal vende um rico casaco de
Peles Griz de Guanaco da Australia. [anúncio – fase 5]
Ex. 72: e a urgente necessidade que ha de se acudir com promptidão a tamanho mal;
[editorial – fase 2]
As ocorrências apresentam o clítico à esquerda de V2 diante dos conectores
“que” ou “de”, que compõem a estrutura verbal complexa, que vem antecedida de
diferentes elementos e conta com o “se” de naturezas distintas. Nos exemplos 69 e 71,
figuram os “proclisadores” “por que” e “por”, respectivamente, que não foram
suficientes para acarretar a próclise a V1, seja devido à natureza reflexiva do clítico, que
tende a favorecer a ligação a V2, seja simplesmente pela própria presença da preposição
no meio do complexo verbal. Quanto aos exemplos 70 e 72, o caráter
indeterminador/apassivador do “se” em ambas as ocorrências e a presença do
“proclisador” típico (“que”) no exemplo 72 não superaram, ao que tudo indica, a ação
da preposição que integra o complexo verbal. Destaque-se, ainda, que a ênclise a V1
não foi registrada na amostra europeia em complexos verbais integrados por
preposição/conector “de/que”.
Além das preposições/conectores intervenientes no complexo, foram observadas
as ocorrências de sintagmas adverbiais entre as formas verbais. Nesse caso, não houve
qualquer dado de clítico em próclise a V2, conforme se esperava. O exemplo 69
apresenta um sintagma adverbial simultaneamente com a preposição que integra a
locução verbal. Nesse caso, a posição do clítico é compatível com a influência da
preposição “de”, já detectada – “havia, agora, de se desfazer...”.
179
As estruturas com o sintagma adverbial interveniente registraram mais casos de
ênclise a V2, como no exemplo a seguir: “Acha-se magnificamente instalado póde, sem
receio, considerar-se um dos melhores internatos de Lisboa.” [Anúncio – fase 4].
Também foram coletadas construções com sintagmas intervenientes ao complexo verbal
com próclise a V1 (ex.: porém isto sómente suppondo-o como hum acontecimento que
se devia naturalmente seguir [Editorial – fase 1]) e com ênclise a V1 (ex.: mas, deve-se
necessariamente attender a alguma cousa mais. [Editorial – fase 4]), mas em números
pouco expressivos na amostra.
Já efetuada a eliminação dos dados em sentenças com estruturas verbais
complexas integradas por preposições e feitas as devidas adaptações, passa-se à
apresentação dos resultados da colocação do pronome “se” em início absoluto de oração
contra os demais contextos. A partir da avaliação desses resultados, será possível
compreender se algum contexto apresenta comportamento muito diferente da tendência
geral do corpus ou se há dados categóricos, para a tomada de decisões nas futuras
análises.
5.2.1.1 Ordem do clítico “se” na amostra europeia: início absoluto de
período/oração X demais contextos
Distribuição do "se" em
contexto de início absoluto
no PE XIX e XX
Distribuição do "se" nos
demais contextos no PE
XIX e XX
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 42 e 43: Distribuição da colocação pronominal do “se” em início absoluto de período/oração e
nos demais contextos na amostra europeia dos séculos XIX e XX
Destaca-se a tendência ao equilíbrio na distribuição entre a ênclise a V1 e a
ênclise a V2 quando o contexto morfossintático é de início absoluto de período/oração,
contexto em que não figuraram as variantes proclíticas na referida amostra em todo o
período investigado. Quanto à distribuição do “se” nos dados dos demais contextos
morfossintáticos, verificou-se a seguinte situação compatível com o comportamento de
180
uma regra variável: o uso preferencial da próclise a V1, em 59% das ocorrências
(412/704), seguido de 33% da ênclise a V2 (233/704) e pouquíssimos dados de ênclise a
V1 (apenas 8% - 60/704).
Tendo em vista a disparidade dos resultados ora apresentados, a decisão mais
coerente a ser tomada foi repetir o procedimento adotado na análise da amostra
brasileira: isolar o contexto de colocação pronominal em início absoluto de
período/oração do restante da amostra para não mascarar os futuros resultados.
5.2.1.2 Distribuição dos dados de “se” na amostra europeia por tipo de verbo
principal: infinitivo X gerúndio X particípio
Distribuição geral das
variantes do PE XIX e XX
em sentenças com VP no
infinitivo
Distribuição geral das
variantes do PE XIX e
XX em sentenças com
VP no gerúndio
Distribuição geral das
variantes do PE XIX e
XX em sentenças com
VP no particípio
Cl v1 v2
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 44, 45 e 46: Distribuição geral dos dados de “se” na amostra europeia dos séculos XIX e XX em
sentenças com VP no infinitivo, no gerúndio e no particípio
A distribuição dos dados por tipo de verbo principal permite observar que as
construções com gerúndio e particípio apresentam tendências muito próximas para a
colocação pronominal, havendo a preferência pela próclise a V1, respectivamente, em
73% e 84% dos dados, seguida de ênclise a V1 (23% com o gerúndio e 16% com o
particípio). O gerúndio apresentou, ainda, na amostra, 4% de ênclise a V2 (o que
representa apenas três dados, que se expõem a seguir), enquanto não se registrou tal
variante com o particípio.
 Exemplos de “se” em ênclise a V2 com o gerúndio como verbo principal:
Ex. 73: Fiados na boa vontade dos seus companheiros, os rolheiros grevistas
continuam mantendo-se no seu posto. [Notícia – fase 3]
Ex. 74: Esta instituição continua desenvolvendo-se de um modo extraordinário;
[Notícia – fase 3]
Ex. 75: A tactica é visivel. A montanha quer ir apoderando-se successivamente de todos
os meios de influencia, de execução, [Editorial – fase 2]
181
Os exemplos acima demonstram que a ênclise a V2 nas construções com
gerúndio figurou em dados sem um elemento típico “proclisador”. Todas as ocorrências
dos complexos verbais em análise são precedidas por um SN sujeito, além de serem
todos ligados ao “se” reflexivo/inerente.
Quanto à distribuição dos dados em complexos verbais com o verbo principal no
infinitivo, houve uma distribuição equilibrada entre a próclise a V1 e a ênclise a V2 (em
torno de 47% cada), enquanto a ênclise a V1 figurou em apenas 5% dos dados (em 20
ocorrências). A partir da apresentação dos resultados por tipo de variável independente,
os exemplos serão expostos e analisados de acordo com cada forma do verbo principal.
5.2.2 Ordem do clítico “se” na amostra europeia por tipo de verbo principal
5.2.2.1 Ordem do clítico “se” na amostra europeia em sentenças com o verbo
principal no infinitivo
Toma-se por base a visualização dos resultados a partir de uma tabela com
valores percentuais e absolutos para maior detalhamento da análise.
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
47%
5%
48%
228/477
20/477
229/477
Tabela 21: Distribuição geral das variantes da colocação pronominal do “se” na amostra europeia dos
séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no infinitivo (sem os dados de início absoluto).
Considerando-se o total de 477 ocorrências de complexos verbais com V2
infinitivo ligados ao pronome “se”, demonstra-se o emprego equilibrado entre as
variantes proclítica a V1 e enclítica a V2, além de raros casos de ênclise a V1 (5% dos
dados, a serem explorados a seguir).
A fim de visualizar o panorama da colocação do “se” em construções com
infinitivo na escrita europeia, segue o gráfico e a tabela abaixo com a distribuição do
clítico ao longo dos séculos XIX e XX.
182
100%
80%
60%
cl v1 v2
v1-cl v2
40%
v1 v2-cl
20%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Gráfico 47: Distribuição das variantes da colocação do “se” na amostra europeia dos séculos
XIX e XX, por época da publicação, em dados com sentenças com o verbo principal no
infinitivo
Época da
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
Fase 1
64%
1%
35%
(1808-1840)
68/105
1/105
36/105
Fase 2
41%
4%
55%
(1841-1870)
36/90
4/90
50/90
Fase 3
51%
4%
45%
(1871-1900)
22/44
2/44
20/44
Fase 4
58%
6%
36%
(1901-1924)
38/66
4/66
24/66
Fase 5
29%
9%
62%
(1925-1949)
21/73
7/73
45/73
Fase 6
41%
0%
59%
(1950-1974)
23/57
0/57
34/57
Fase 7
48%
4%
48%
(1975-2000)
20/42
2/42
20/42
Total
47%
5%
48%
228/477
20/477
229/477
publicação
Tabela 22: Distribuição das variantes da colocação do “se” na amostra europeia dos séculos XIX e XX,
por época da publicação, em dados com sentenças com o verbo principal no infinitivo
183
Na primeira fase do século XIX, o padrão de colocação tende a ser mais
proclítico na amostra, com registros de 64% dos dados versus 35% de ênclise a V2 e
apenas uma ocorrência de ênclise a V1. No que se refere à fase 2, o emprego do “se”
tende a figurar um pouco mais em ênclise a V2 (55% dos dados), seguido da próclise a
V1 em 44% das ocorrências. Na fase 3, o equilíbrio se mantém entre o emprego da
variante proclítica a V1 e enclítica a V2. Na quarta fase, os dados voltam a figurar, em
sua maioria, proclíticos a V1 (58%), seguidos da ênclise a V2 (36%). Na fase 5, a
tendência passa a ser pela ênclise a V2 (em 62%) versus 29% de próclise a V1. Nas
últimas fases do século XX, há uma tendência ao uso equilibrado entre próclise a V1 e
ênclise a V2, com uma leve tendência pela ênclise a V2 na fase 6. A ênclise a V1 foi
pouquíssimo utilizada na amostra, não ultrapassando o índice de 9% (na fase 5, época
em que mais foi frequente).
Com a distribuição das variantes por tipo de “se” e por época da publicação, em
separado, torna-se mais fácil observar o contexto em que os exemplos ocorrem no
corpus, a fim de explicar a alternância entre as preferências ora pela próclise a V1, ora
pela ênclise a V2, pela perspectiva diacrônica. Além disso, a análise dos dados por
variável independente poderá embasar linguisticamente as alterações entre o uso
diversificado das variantes.
5.2.2.1.1 Distribuição geral dos dados por tipo de “se”, na amostra europeia em
sentenças com o verbo principal no infinitivo
Distribuição geral do "se"
indeterminador/apassivador (PE
XIX e XX)
Distribuição geral do "se"
reflexivo/inerente (PE XIX e
XX)
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráfico 48 e 49: Distribuição dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
infinitivo
184
cl v1 v2
“Se” indeterminador/
apassivador
v1-cl v2
v1 v2-cl
60%
5%
35%
169/278
14/278
95/278
29%
4%
67%
59/199
6/199
134/199
“Se” reflexivo/inerente
Tabela 23: Distribuição dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), na
amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no infinitivo
Comparando-se o comportamento do indeterminador ao do reflexivo, observa-se
que a distribuição das variantes é completamente diferente conforme a função de cada
um, assim como ocorre na amostra dos textos produzidos no Brasil. O “se”
indeterminador/apassivador tende a se adjungir em próclise a V1 (em 60% dos casos),
seguido da ênclise a V2 (em 35% das ocorrências), enquanto o “se” reflexivo/inerente
tende a se ligar em ênclise a V2 (em 67% dos casos), seguido da próclise a V1 (em 29%
das ocorrências), revelando o emprego de cada tipo de “se” de modo inversamente
proporcional. A ênclise a V1 figura em pouquíssimos dados, tanto de indeterminador
quanto de reflexivo (aproximadamente em 5% dos casos, com cada tipo).
5.2.2.1.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças
com o verbo principal no infinitivo por variável independente
(i) Variável época da publicação
Seguem os gráficos com a distribuição das variantes por fase de publicação,
conforme cada tipo de “se” na amostra europeia dos séculos em questão.
185
100%
100%
80%
80%
60%
60%
cl v1 v2
cl v1 v2
v1-cl v2
40%
v1-cl v2
40%
v1 v2-cl
v1 v2-cl
20%
0%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
20%
Gráficos 50 e 51: Distribuição do “se” indeterminador/apassivador e do “se” reflexivo/inerente
(respectivamente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
infinitivo, segundo a fase da publicação.
Os dois gráficos mostram um padrão praticamente espelhado dos resultados, ou
seja, quando a variante não utilizada é a próclise a V1, emprega-se a ênclise a V2, e
vice-versa. A variante enclítica a V1 não é uma opção registrada com frequência por
ambos os tipos de “se”. O indeterminador/apassivador tende a priorizar a próclise a V1,
mas oscila de modo suave, em algumas fases, com a ênclise a V2. Por outro lado, o “se”
reflexivo/inerente tende a empregar a ênclise a V2, mas se alterna, levemente, com a
próclise a V1.
Apresenta-se, a seguir, a exposição dos resultados no formato de tabela para
que se possam observar os valores percentuais e absolutos da distribuição das variantes,
de acordo com as fases da publicação.
“Se” indeterminador/apassivador
Época da
cl v1 v2
“Se” reflexivo/inerente
v1-cl v2
v1 v2-cl
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
publicação
Fase 1
80%
1%
19%
40%
0%
60%
(1808-
53/67
1/67
13/67
15/38
0/38
23/38
Fase 2
52%
5%
43%
24%
2%
74%
(1841-
27/52
3/52
22/52
9/38
1/38
28/38
1840)
186
1870)
Fase 3
64%
5%
31%
40%
4%
56%
(1871-
12/19
1/19
6/19
10/25
1/25
14/25
Fase 4
66%
7%
27%
44%
4%
52%
(1901-
27/41
3/41
11/41
11/25
1/25
13/25
Fase 5
41%
11%
48%
11%
6%
83%
(1925-
18/44
5/44
21/44
3/29
2/29
24/29
Fase 6
55%
0%
45%
20%
0%
80%
(1950-
18/33
0/33
15/33
5/24
0/24
19/24
Fase 7
64%
4%
32%
30%
5%
65%
(1975-
14/22
1/22
7/22
6/20
1/20
13/20
61%
5%
34%
29%
3%
68%
169/278
14/278
95/278
59/199
6/199
134/199
1900)
1924)
1949)
1974)
2000)
Total
Tabela 24: Distribuição do “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente) nos dados da amostra
europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no infinitivo, segundo a época da
publicação
Os dados permitem visualizar, agora na amostra europeia, a natureza
completamente distinta do clítico “se” em suas funções indeterminadora e reflexiva. Os
resultados são inversamente proporcionais quando comparados os dois tipos de “se”
diante do verbo principal infinitivo. Computaram-se 61% da variante proclítica a V1 e
34% de ênclise a V2 nos dados de indeterminador versus 29% da próclise a V1 e 68%
de ênclise a V2 nos dados de reflexivo, enquanto a ênclise a V1 figura em raras
ocorrências do corpus (respectivamente em 5% e 3% dos dados). A próclise a V1 é a
variante majoritária com o indeterminador no decorrer do período investigado, embora
nas fases 2 (1841-1870) e 5 (1925-1949) haja certo equilíbrio entre a variante
mencionada e a ênclise a V2. O cruzamento entre a ‘época da publicação’ e ‘presença
de elemento “proclisador” não esclarece a variação nas ditas fases, tendo em vista que
não há qualquer desproporção na quantidade de contextos com “proclisador” nas ditas
187
fases, mesmo assim esse parece um pouco menos atuante. Conjectura-se, com base em
fatores extralinguísticos, que a fase 5 (1925-1949) seja um período mais sensível aos
aspectos nacionalistas de Portugal, tendo em vista o movimento modernista português, o
que pode ter propiciado a maior incidência da ênclise, que se entende por mais natural
ou, pelo menos, mais representativa da sua identidade.
Os elementos subordinativos favoreceram o emprego da próclise a V1 de forma
efetiva na amostra do indeterminador, com exceção das fases 2, 5 e 6, em que atuaram
com menos força, respectivamente em 64%, 57% e 58%. Mesmo nas demais fases, não
houve colocação categórica da próclise a V1 com os elementos “proclisadores”. Segue,
a título de ilustração, um exemplo de ênclise a V2, diante de vocábulo de negação,
retirado da fase 1, época em que tal variante se mostrou menos comum na amostra do
que a próclise.
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V2:
Ex. 76: Este Periodico publicará todos os annuncios que não contenhão cousa que não
deva publicar-se. [Anúncio – fase 1]
Aparentemente, o exemplo não parece apresentar motivação linguística para a
colocação da ênclise a V2. Existem alguns usos da forma “publicar-se” como verbo
pronominal, fato que justificaria o emprego da ênclise, mas não parece ser o caso no
contexto, já que fica claro o uso da voz passiva na sentença. Sabe-se, contudo, que o
infinitivo por si só costuma favorecer a ênclise.
Quanto aos elementos “não-proclisadores” tradicionais, cabe ressaltar os
contextos com conjunções coordenativas, os advérbios mais extensos (ou locuções
adverbiais) – com os quais se registraram alguns poucos casos de próclise a V1, na
amostra coletada, especialmente no início do século XIX, em que essa tendência era
mais forte – e os SNs sujeito, contexto no qual foram registrados dois casos de próclise
a V1 na fase 1, com o “se” indeterminador/apassivador, a saber:
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1:
Ex. 77: Os Planos do regulamento interno se podem procurar no mesmo Colégio
[Anúncio – fase 1]
Ex. 78: As assignaturas se podem fazer no Escritorio dos Redactores, rua nova do
Almada [Anúncio – fase 1]
Vale destacar que há diferentes representações de SN sujeito coletadas e
especificadas na amostra. As ocorrências acima, por exemplo, esboçam casos de sujeito
188
de voz passiva, o que pode ter favorecido a próclise a V1, ainda que em contextos sem
“proclisadores”.
Comparando-se os extremos da colocação do indeterminador na amostra
europeia, tem-se na fase 1, no início do século XIX, índice de 80% em próclise a V1 e
19% em ênclise a V2 e, na fase 5, registros de 41% da variante proclítica a V1 e 48% de
ênclise a V2. Essa foi a fase em que se computou o maior índice de ênclise a V1, em
11% das ocorrências. Nas demais épocas, há sempre o predomínio da próclise a V1,
superior a 52% dos casos por fase. Destaca-se um emprego da ênclise a V1, a saber:
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V1:
Ex. 79: (...) para este fim será apresentada, a fim de mais facilmente poder-se concluir
a discussão do referido projecto (...) [notícia – fase 4]
Salienta-se do dado acima que, apesar de conter uma locução conjuntiva
subordinativa “a fim de” precedendo o grupo clítico-complexo verbal, figura a ênclise a
V1. Isso provavelmente ocorre por conta do afastamento entre esses dois elementos,
ocasionado pelos vocábulos “mais” e “facilmente”, o que pode ter desfavorecido o uso
da próclise a V1, além da forma infinitiva poder, que também favorece a ênclise.
Quanto à distribuição das variantes com o “se” reflexivo/inerente, há uma forte
tendência à colocação da ênclise a V2 em toda a amostra. Destaca-se a fase 4 como a
que apresentou uma distribuição mais equilibrada entre próclise a V1, em 44% das
ocorrências, e ênclise a V2, em 52%, contextos que serão investigados por meio da
análise das variáveis independentes. Por outro lado, destaca-se a fase 5 como a época
em que mais figurou a ênclise a V2, em 83% dos dados versus 11% em próclise a V1.
Registrou-se, também nessa fase, o maior índice de ênclise a V1 ao longo das décadas,
embora seja a marca de 6% correspondente a apenas duas ocorrências, como ilustra o
exemplo a seguir:
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V1:
Ex. 80: Não há necessidade de sofrer mais tempo porque agora pode-se ver livre da sua
dor com um simples Emplastro Poroso Allcock. [Anúncio – fase 5]
O reflexivo se apresenta no exemplo acima em um contexto tal como uma
expressão idiomática (“pode-se ver livre”) e, por isso, torna-se mais difícil cogitar outro
lugar na sentença diferente do exposto, embora haja a presença da conjunção “porque” e
do advérbio “agora”.
189
É interessante analisar, ainda sobre o reflexivo, que os elementos subordinativos
não atuam plenamente na “atração” do pronome; mesmo assim, ainda exercem mais
força que na amostra brasileira. Tendo como base o cruzamento das variáveis “época da
publicação” e “presença de elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal”,
nota-se o predomínio, nas fases 3 e 4, da próclise a V1 e nas fases 1 e 7 há um equilíbrio
entre próclise a V1 e ênclise a V2. Quanto ao “proclisador” partícula de negação, não
houve o predomínio da próclise em nenhuma fase analisada com os dados de “se”
reflexivo/inerente.
Destaca-se, ainda, um caso de reflexivo em próclise a V1, diante de um SN
sujeito quantificador, que funciona como um elemento “proclisador”, proveniente da
fase 4, a saber:

Exemplo de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1:
Ex. 81: Todos os bons republicanos se devem lembrar de que o trabalho das
Constituintes tem que ser o mais perfeito possível. [Editorial – fase 4]
O exemplo apresenta um contexto que legitima a próclise a V1, visto ter uma
expressão que contém o que é denominado por BRITO, DUARTE E MATOS (2003)
como um ‘quantificador distributivo e grupal’, nesse caso o pronome “todos”, que,
segundo as autoras, “induz a próclise” na escrita europeia (2003, p. 853).
Outras observações importantes acerca dos contextos morfossintáticos na
colocação do reflexivo serão abordadas nas próximas seções, quando da apresentação
das variáveis independentes.
190
(ii) A variável presença de um elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
100%
100%
80%
80%
60%
60%
Cl v1 v2
40%
Cl v1 v2
40%
V1-cl v2
V1 v2-cl
V1-cl v2
V1 v2-cl
20%
20%
0%
0%
Gráficos 52 e 53: Distribuição do “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente) nos dados da
amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no infinitivo, segundo a
presença de um elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
Em primeiro lugar, os gráficos 52 e 53 permitem destacar que o comportamento
dos dados na amostra europeia é de legítima variação em qualquer dos contextos
analisados, embora se delineiem algumas preferências por tipo de clítico e por tipo de
elemento antecedente. Ressalte-se que nenhum dos elementos que antecedem o grupo
clítico-complexo verbal apresentou resultado categórico do emprego do clítico. O fato é
que, em todos os casos, os pronomes se manifestam em no mínimo duas posições: em
próclise a V1 versus ênclise a V2, ou em próclise a V1 versus ênclise a V1 (mais
raramente) e, ainda, ênclise a V2, ou – em apenas um dos contextos – em ênclise a V1
versus ênclise a V2.
O gráfico 52 ilustra a colocação do “se” indeterminador/apassivador
majoritariamente proclítico a V1 diante de contextos tipicamente “proclisadores”, como
os elementos subordinativos, as partículas de negação, os advérbios leves e as
preposições, em torno de 72% a 63% dos casos. Dessa forma, optou-se por destacar
alguns exemplos com os contextos em que figura a ênclise a V2, mesmo nesses
ambientes linguísticos.
191
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V2:
Ex. 82: O acto do sr. Paiva Couceiro, se não pode egualar-se ao dest’a gente, pelo seu
caracter, eguala-se pela simpleza, posta ao serviço de desvario identico. [Editorial –
fase 4]
Ex. 83: e discutindo atentamente toda a obra dictatorial do periodo revolucionário,
decreto por decreto, peça por peça, approvando o que deve ser aprovado, rejeitando o
que deva rejeitar-se, emendando o que de emenda careça. [Editorial – fase 4]
Ex. 84: Finalmente, qual é no entender da commissão o projecto que deve adoptar-se?
[Notícia – fase 2]
Atente-se ao fato de que, além da presença dos “proclisadores”, em todos os
exemplos esses elementos se encontram imediatamente antes do grupo clítico-complexo
verbal. Exemplos como esses revelam que a escrita europeia, em diferentes fases,
concretiza uma regra variável de colocação do pronome “se” indeterminador em
complexos com infinitivo, de modo que, mesmo na presença de “proclisadores”, pode
ocorrer normalmente a ênclise a V2.
Quanto à atuação dos contextos considerados “não-proclisadores” com o “se”
indeterminador/apassivador, é interessante observar que, à medida que a próclise a V1
tem registros de queda, não só a ênclise a V2 aumenta, como também se eleva o índice
da ênclise a V1, mas esta de modo mais suave que aquela. Destacam-se os contextos
que menos produtivamente registram a próclise a V1, conforme a amostra europeia, a
saber: advérbios longos, conjunções coordenativas, vários tipos de SN sujeito e
elementos deslocados. Dos contextos examinados, apresentam-se, a seguir, alguns casos
de próclise a V1 diante de advérbios ou locuções adverbiais mais extensos, já que foram
os elementos “não-proclisadores” em que mais se registrou a próclise a V1, a saber:
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1:
Ex. 85: Sob este titulo se vae publicar uma collecção de comedias a 40 rs.. e scenas
comicas a 20 rs. [Anúncio – fase 2]
Ex. 86: E na cota em letras de ferro, que se acha na esquinas de quasi todas as ruas, se
póde verificar a que zona pertence a respectiva rua. [Anúncio – fase 3]
Ex. 87: Pela primeira vez, de ha muitos annos, se vae ouvir a voz do povo. [Editorial –
fase 4]
Ex. 88: Vae reunir-se o primeiro parlamento republicano, e pela primeira vez se pode
dizer que Portugal tem um parlamento que representa a vontade do povo [...] [Editorial
– fase 4]
192
Ex. 89: Ha dias tentaram evadir-se os presos da cadeia de Santa Cruz. Felizmente
descubriu-se o rombo que andavam fazendo no edificio, e ainda mais esta vez se
conseguiu malograr a premeditada fuga. [Notícia – fase 2]
Ressalta-se que são cinco exemplos, todos distribuídos pelas quatro primeiras
fases da amostra, que ocorrem nos diferentes gêneros textuais sob análise e em tipos
variados de complexos verbais, a saber: (i) tempo composto; (ii) modal + infinitivo; e,
(iii) bi-oracional com mesmo referente sujeito. É válido chamar atenção para o exemplo
89, que apresenta, antes da locução adverbial (“mais esta vez”), o elemento de inclusão
“ainda”, que pode ter favorecido a colocação proclítica a V1. Há, ainda, dois casos de
próclise diante de quantificadores numerais, inseridos no sintagma preposicional “pela
primeira vez”, que, segundo BRITO, DUARTE & MATOS (2003, p. 855), não são
“proclisadores” na variedade europeia; por outro lado, afirmam que outros subgrupos de
quantificadores admitiriam ou até exigiriam a próclise.
Quanto à distribuição dos dados de “se” reflexivo/inerente, os resultados
indicam a preferência pela ênclise a V2 em qualquer contexto morfossintático,
semelhante ao que ocorre nos textos produzidos no Brasil, com exceção dos advérbios
leves, mas com distribuições diferentes no que tange a cada tipo de elemento
antecedente ao grupo clítico-CV.
Os elementos “proclisadores” apresentaram baixos índices de próclise a V1,
principalmente as partículas de negação e as preposições, com 24% e 16%,
respectivamente. Os elementos subordinativos e os advérbios leves computaram 42% e
60%, respectivamente, de próclise ao primeiro verbo. Segue, para apreciação, o único
dado de “se” reflexivo em próclise a V1 diante de preposição na amostra.
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante de preposição:
Ex. 90: O dirigismo monopolista nada teme mais do que essa liberdade de ouvir falar e
de falar, e de se poder informar. [editorial – fase 7]
O exemplo acima apresenta elemento que atua em favor da próclise a V1.
Ressalte-se, no entanto, a respeito das preposições, que nem todas atuam da mesma
maneira. As mais fracas fonicamente, como “a”, tendem a não hospedar o clítico, por
conta de seu material. Já a preposição “de” contém um material fônico consistente para
abrigar o clítico, especialmente por ser composto de consoante.
193
Com relação às sentenças sem elementos “proclisadores” típicos, considerandose os advérbios longos, por exemplo, não se registrou qualquer caso de reflexivo em
próclise a V1. Diante de conjunção coordenativa, houve apenas uma ocorrência de
próclise a V1 e um dado de próclise a V1 diante de SN sujeito (já apresentado e
comentado na seção anterior).
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante de conjunção
coordenativa:
Ex. 91: Um ratoneiro o ia acompanhando, cortando a corda que prendia o sacco, e
fugiu com o dinheiro; correu em cima delle gritando, elle metteu-se á Ferraria, deixou
cahir o sacco, e se foi espetar em uma bayoneta da patrulha municipal, que accudiu aos
gritos e apontava as armas. [Notícia – fase 2]
Não parece haver uma hipótese linguística que explique a preferência da
colocação em questão no exemplo acima, ainda mais que, além de se tratar de próclise a
V1 diante de conjunção coordenativa, a referida conjunção (“e”) apresenta um material
fônico frágil, devido a sua composição (apenas uma vogal). A colocação pronominal no
referido dado, retirado da fase 2 (1841-1870), pode estar seguindo uma tendência mais
registrada no início do século XIX, que era a próclise a V1 (cf. PAGOTTO, 1992).
Quanto ao contexto referente ao “elemento deslocado”, apresenta-se um dentre os dois
casos do reflexivo em próclise a V1 e o dado em ênclise a V2, a fim de ilustrar a
concretização do referido contexto na amostra.
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante de elemento
deslocado:
Ex. 92: e se não se propoz o estado de sitio, que é muito da moda, cousa igual ou peior
se pretendia levar a efeito. [Notícia – fase 1]
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V2:
Ex. 93: A Generalidade vai impor-se aos anarquistas? [Notícia – fase 5]
Segundo estudos apresentados em BRITO, DUARTE & MATOS (2003), o
“elemento deslocado” seria um possível “proclisador” na escrita europeia. No exemplo
92, esse efeito pode ser confirmado. O dado 93, entretanto, não é dos mais
esclarecedores em relação ao contexto em debate, já que a natureza do “se” parece
configurar um caso de ambiguidade. Tomando “A Generalidade” como a representação
194
de um grupo que se opõe ao dos anarquistas, pode-se supor efetivamente uma leitura
reflexiva; de outro lado, se a interpretação for a de que vai ser imposta a Generalidade
aos anarquistas, numa leitura de voz passiva, mais um caso de argumento interno sujeito
na posição anteposta ao verbo poderia ser considerado.
Em síntese, os poucos dados coletados na amostra não permitem generalizações
a respeito desse ambiente morfossintático, especialmente se se poderia afirmar que os
elementos deslocados funcionam como “proclisadores” ou não.
(iii) A variável tipo de complexo verbal
100%
100%
80%
80%
60%
60%
40%
40%
Cl v1 v2
V1-cl v2
20%
Cl v1 v2
V1-cl v2
20%
V1 v2-cl
V1 v2-cl
0%
0%
temp. modais compl.
comp.
e
bi-orac.
aspect. c/
mesmo
suj.
temp. modais e compl.
comp. aspect. bi-orac.
c/
mesmo
suj.
Gráficos 54 e 55: Distribuição dos dados de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente) na
amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no infinitivo, segundo a
variável tipo de complexo verbal
Segundo a variável tipo de complexo verbal, observa-se que o “se”
indeterminador/apassivador tende a se colocar proclítico a V1 diante de verbos
modais/aspectuais (em 61% das ocorrências) e complexos bi-oracionais com o mesmo
referente sujeito (em 79% das ocorrências). Atente-se ao fato de os tempos compostos
tenderem a realizar, na amostra, uma distribuição equilibrada entre a próclise a V1 (em
48%) e a ênclise a V2 (em 52%). Para fins de apreciação, destacam-se alguns casos de
indeterminador em ênclise ao verbo principal nos tempos compostos, mesmo diante de
elementos subordinativos.
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V2:
195
Ex. 94: Que nem um só portuguez, (...), deixe de entrar na liça constitucional, onde vão
decidir-se os destinos desta terra, [Editorial – fase 2]
Ex. 95: É na India ou sobre os caminhos da India que a Europa, correndo atrás de seu
proprio fantasma, vai tentar bater-se? É na India que vai ferir-se a grande batalha da
Europa? [Editorial – fase 5]
Ex. 96: Lemos num jornal – [...] – que o sr. Domingos Pereira levantou, em reunião da
maioria parlamentar, um incidente a proposito do arranjo, que vae negociar-se com a
Inglaterra, para liquidação da nossa divida de guerra. [Editorial – fase 5]
Ex. 97: O vultoso investimento financeiro que vai fazer-se em obras de hidráulica
agrícola trouxe ao plano da mais flagrante actualidade a situação das obras [Editorial
– fase 6]
Os típicos “proclisadores” “onde” e “que” antecedem, imediatamente, o grupo
clítico-complexo verbal nos exemplos acima; no entanto, não atuam como “atratores”
do “se” indeterminador/apassivador. As ocorrências do indeterminador com tempos
compostos são aqui representadas, na maioria dos casos, pela locução verbal ‘ir’ +
infinitivo24, que se distribui na amostra de maneira bastante equilibrada entre a próclise
a V1 e a ênclise a V2. Após verificação, por meio de cruzamento entre as variáveis ‘tipo
de complexo verbal’ e ‘presença de elemento “proclisador”, observa-se que, das 23
ocorrências de ‘ir’ + infinitivo diante de um “proclisador” prototípico, 11 figuraram em
próclise a V1 e 12 em ênclise a V2. Ao que tudo indica, as construções com maior grau
de auxiliaridade, como os tempos compostos, parecem menos sensíveis ao efeito
proclisador, diferente do que ocorre com o modais, a ser apresentado a seguir.
Quanto aos dados do indeterminador com os modais, ressalte-se que são
representados praticamente em sua totalidade pelas estruturas “poder” + infinitivo e
“dever” + infinitivo25. A próclise a V1 mostra-se bastante produtiva diante do
“proclisador”, o que se verifica a partir do cruzamento entre as variáveis, que aponta o
índice em torno de 70% da variante proclítica. A ênclise a V2 também figurou na
amostra (em torno de 35%) e, de forma bem menos significativa, registrou-se a ênclise a
V1 (em 4% das ocorrências), a saber:
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V1:
Ex. 98: Corrigem-se dentaduras defeituosas a poder-se comer com elas, quem não ficar
satisfeito nada pagará. [Anúncio – fase 5]
Além dessa estrutura, o ‘vir’ + infinitivo figurou em apenas três dados, o que inviabiliza
generalizações.
25
Coletaram-se apenas quatro dados de ‘costumar’ + infinitivo, ou seja, a única estrutura diferente das
apresentadas.
24
196
Ex. 99: Com este simples aparelho pode-se obter rapidamente um excelente banho de
colar ou de chuveiro. [Anúncio – fase 5]
Ex. 100: Que elles não recorressem a uma medida mais forte do que a de retirarem
seus embaixadores da corte de Espanha, póde-se com justiça attribuir á influencia do
gabinete brittanico [Editorial – fase1]
Ex. 101: é certo, nos factores caracteristicos que recommendam uma determinada
qualidade e mineralisação da agua medicinal, ou nos que asseguram na praia
escolhida a acção sedativa ou excitante do grande mar e dos vapores salinos que se
evolvem das suas ondas, batidas pelos ventos e pelos temporaes que as levantam em
serras de agua; mas, deve-se necessariamente attender a alguma cousa mais. Esse
outro factor, é a salubridade da região. (E-P-91-Je-001 – editorial – fase 4)
Ex. 102: Mas deve-se reconhecer que cada nação se inspirou nos seus interesses
particulares (...) [Editorial – fase 5]
Ex. 103: Mas então pode-se considerar que haja em Portugal um direito venatório?
[Editorial – fase 5]
Nota-se que a ênclise a V1 parece funcionar como uma alternativa a ser
empregada em contextos sem registros de elementos tipicamente “proclisadores”. O
caráter indeterminador do clítico favorece sua ligação a V1.
Quanto aos bi-oracionais com mesmo referente sujeito, observa-se uma forte
atuação dos “proclisadores” na amostra, com o índice de 90% de próclise a V1 no
referido contexto (extraído do cruzamento entre “tipo de complexo verbal” e presença
de “proclisador”). Registraram-se, ainda, 12% de ocorrências (quatro dados de ênclise a
V1, ilustrado pelo seguinte exemplo: “TRANSFORMADOR Trifasico de 10 a 20 kva,
6000/400/231 v. deseja-se alugar durante 2 meses.” [Anúncio – fase 5], sem qualquer
elemento “proclisador”) e 9% de ênclise a V2 (em três dados).
Em contrapartida, quando o “se” é reflexivo/inerente, a ênclise a V2 é
predominante em todas as fases dos séculos XIX e XX, respectivamente em 75% nos
dados de tempos compostos, 72% com os modais/aspectuais e 60% com os bioracionais de mesmo referente-sujeito, seguindo a forte tendência de ligação ao verbo
principal. Com a observação dos contextos na seção anterior e a partir do cruzamento
entre variáveis, foi possível perceber que, mesmo diante da presença de elementos
subordinativos e de partículas de negação, houve o predomínio do reflexivo em ênclise
a V2, especialmente com os modais (em 64% e 71%, respectivamente). Esse
comportamento demonstra que o “proclisador” não se efetiva da mesma maneira com o
indeterminador e com o reflexivo. Quanto à próclise a V1, o reflexivo foi registrado
197
entre 25% e 35% dos casos nos três tipos de complexo verbal e a ênclise a V1
praticamente não apareceu na amostra. Destaca-se um exemplo, deste último caso, a
título de ilustração.

Exemplo de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V1 em estrutura com bi-
oracionais com mesmo referente-sujeito:
Ex. 104: PARA augmento de um estabelecimento pretende-se contratar o empréstimo
[Anúncio – fase 3]
O contexto em que ocorre a colocação pronominal é de um sintagma
preposicionado, o que representa um uso facultativo da próclise a V1.
5.2.2.2 Ordem do clítico “se” na amostra europeia em sentenças com o verbo
principal no gerúndio
A tabela a seguir permite visualizar a distribuição dos dados com o verbo
principal no gerúndio, a partir dos valores percentuais e absolutos referentes a cada
variante.
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
73%
23%
4%
46/62
13/62
3/62
Tabela 25: Distribuição geral das variantes da colocação pronominal do “se” na amostra europeia dos
séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no gerúndio.
De maneira geral, os contextos com o gerúndio como verbo principal
demonstram uma tendência à próclise a V1 em 73% das ocorrências, enquanto a
segunda opção é pela ênclise a V1, em 23% da amostra, seguida de apenas 4% de
ênclise a V2. Ao analisar diacronicamente, ao longo das fases e por tipo de “se”,
confirma-se a tendência geral dessa subamostra.
198
Época da
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
Fase 1
100%
0%
0%
(1808-1840)
6/6
0/6
0/6
Fase 2
84%
8%
8%
(1841-1870)
11/13
1/13
1/13
Fase 3
55%
27%
18%
(1871-1900)
7/11
2/11
2/11
Fase 4
77%
23%
0%
(1901-1924)
13/17
4/17
0/17
Fase 5
42%
58%
0%
(1925-1949)
3/7
4/7
0/7
Fase 6
72%
28%
0%
(1950-1974)
5/7
2/7
0/7
Fase 7
100%
0%
0%
(1975-2000)
1/1
0/1
0/1
Total
73%
23%
4%
46/62
13/62
3/62
publicação
Tabela 26: Distribuição dos dados de “se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), na amostra
europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no gerúndio, segundo a época da
publicação
A distribuição das variantes mediante o gerúndio como V2 apresenta-se de
maneira bem diferente da observada com o infintivo. A variante preponderante na
amostra é da próclise a V1 em todas as fases, exceto na fase 5 (1925-1949), em que há
um índice um pouco maior da variante enclítica a V1 em 58% dos casos, o que
corresponde a sete dados. Raros foram os casos de ênclise a V2, apenas um na segunda
fase e dois na terceira, a saber:
 Exemplos de ênclise V2 com gerúndio:
Ex. 105: A tactica é visivel. A montanha quer ir apoderando-se successivamente de
todos os meios de influencia, de execução, (E-P-82-Je-001 – editorial – fase 2)
Ex. 106: Fiados na boa vontade dos seus companheiros, os rolheiros grevistas
continuam mantendo-se no seu posto. [E-P-83-Jn-021 – notícia – fase 3]
199
Ex. 107: Esta instituição continua desenvolvendo-se de um modo extraordinário;
[notícia – fase 3]
As três ocorrências são do “se” reflexivo/inerente, além de o grupo clíticocomplexo verbal ser antecedido por um SN sujeito. Os dois contextos mencionados
favorecem a ênclise a V2.
5.2.2.2.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças
com o verbo principal no gerúndio
Distribuição geral do "se"
indeterminador/apassivador (PE
XIX e XX)
Distribuição geral do "se"
reflexivo/inerente (PE XIX e
XX)
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 56 e 57: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
gerúndio
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
“Se” indeterminador/
82%
18%
0%
apassivador
36/43
7/43
0/43
“Se” reflexivo/inerente
53%
31%
16%
10/19
6/19
3/19
Tabela 27: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
gerúndio
Por meio dos resultados ora apresentados, nota-se que o gerúndio como verbo
principal parece favorecer a colocação pronominal na adjacência de V1, especialmente
em posição proclítica no caso do indeterminador, em 82% da amostra, seguido de 18%
em ênclise a V1. Em se tratando do “se” reflexivo/inerente, registrou-se maior
variabilidade posicional: a colocação proclítica a V1, em 53% dos dados, seguida de
200
31% em ênclise a V1, e apenas 16% de ênclise a V2, o que representa apenas três
ocorrências, índice baixo se se considerar que o reflexivo, diante do infinitivo, por
exemplo, tende a se colocar adjacente a V2. Vale sinalizar que os dados em questão já
foram analisados na seção anterior, quando da apresentação por fases.
5.2.2.2.2 Distribuição das dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças
com o verbo principal no gerúndio por variável independente
Apresentam-se, a seguir, os resultados da distribuição das variantes do “se” por
tipo de variável independente, no padrão tabela, devido ao baixo número de ocorrências.
(i)
A variável época da publicação
“Se” indeterminador/apassivador
Época da cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
publicaçã
o
Fase 1
100%
0%
0%
100%
0%
0%
(1808-
4/4
0/4
0/4
2/2
0/2
0/2
Fase 2
89%
11%
0%
75%
0%
25%
(1841-
8/9
1/9
0/9
3/4
0/4
¼
Fase 3
58%
42%
0%
50%
0%
50%
(1871-
5/7
2/7
0/7
2/4
0/4
2/4
Fase 4
85%
15%
0%
34%
66%
0%
(1901-
12/14
2/14
0/14
1/3
2/3
0/3
Fase 5
50%
50%
0%
34%
66%
0%
(1925-
2/4
2/4
0/4
1/3
2/3
0/3
Fase 6
100%
0%
0%
34%
66%
0%
(1950-
4/4
0/4
0/4
1/3
2/3
0/3
1840)
1870)
1900)
1924)
1949)
1974)
201
Fase 7
100%
0%
0%
--
--
--
(1975-
1/1
0/1
0/1
82%
18%
0%
53%
31%
16%
36/43
7/43
0/43
10/19
6/19
3/19
2000)
Total
Tabela 28: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), em sentenças com o verbo principal no gerúndio, segundo a época da publicação
Quanto à colocação do “se” indeterminador/apassivador, há um predomínio do
emprego da próclise a V1 em todas as fases, sendo que na fase 5 (1925-1949) há um
equilíbrio entre próclise a V1 e ênclise a V2, representado por dois dados de cada
variante. Quando o “se” é reflexivo/inerente, os dados aparecem mais distribuídos por
diferentes variantes, ao longo das fases. No século XIX, há uma tendência ao
predomínio da próclise a V1, com a distribuição equilibrada apenas na terceira fase,
com 50% de próclise a V1 e 50% de ênclise a V2. A partir do século XX, há uma
tendência ao uso da ênclise a V1 de forma regular ao longo das fases, sendo 66% em
cada uma delas, o que corresponde a duas ocorrências em cada caso. Não houve
registros de ênclise a V2 no século XX, bem como não foi registrado qualquer dado de
“se” reflexivo/inerente na fase 7 (1975-2000) com o gerúndio como verbo principal. Os
exemplos serão destacados conforme a apresentação das variáveis independentes.
(ii) Presença de elemento antecedente ao grupo-clítico complexo verbal
“Se” indeterminador/apassivador
Elemento
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
anteceden
te
Subordina
100%
0%
0%
100%
0%
0%
tivos
31/31
0/31
0/31
6/6
0/6
0/6
Partículas
100%
0%
0%
de
1/1
0/1
0/1
--
--
--
100%
0%
0%
100%
0%
0%
negação
Adv.
202
Leves
1/1
0/1
0/1
1/1
0/1
0/1
Adv.
0%
100%
0%
0%
100%
0%
Longos
0/3
3/3
0/3
0/1
1/1
0/1
Preposiçõ
--
--
--
--
--
--
Conj.
100%
0%
0%
60%
40%
0%
Coordenat
2/2
0/2
0/2
3/5
2/5
0/5
20%
80%
0%
0%
50%
50%
1/5
4/5
0/5
0/6
3/6
3/6
82%
18%
0%
53%
31%
16%
36/43
7/43
0/43
10/19
6/19
3/19
es
ivas
Sujeito
Total
Tabela 29: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
gerúndio, segundo a variável presença de elemento antecedente ao grupo clítico-CV
Com o verbo principal no gerúndio, há um favorecimento ao uso da próclise a
V1, em alguns casos mesmo quando não se apresenta um contexto linguístico de
“proclisador” tradicional, seguida de ênclise a V2, com ambos os tipos de “se”. Dessa
forma, merece destaque o forte efeito “proclisador” por parte dos elementos
subordinativos e das partículas de negação que geraram a próclise a V1 categórica
(embora com base em poucas ocorrências), tanto com o “se” indeterminador quanto
com o “se” reflexivo com VP no gerúndio. Os três únicos registros de ênclise a V2 com
o “se” reflexivo/inerente ocorrem justamente diante do SN sujeito, o que desfavorece a
próclise. Destacam-se alguns exemplos de próclise a V1 em contextos “nãoproclisadores” (conjunções coordenativas e SN sujeito, por exemplo).

Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1 diante de
conjunção coordenativa:
Ex. 108: Alguns regimentos que estavão no cordão passarão ao interior, quiçá porque
se lhe iria pegando o contagio, [Notícia – fase1]
Ex. 109: Todas as senhoras deviam preferi-las, já porque prestariam a sua homenagem
á perfeição do produto nacional, já porque se estão vendendo actualmente, sem
exceção, por metade do seu valor, [Notícia – fase 5]
203

Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1 diante de SN
sujeito:
Ex. 110: A Guerra se vai prelongando. [Editorial – fase 1]
Quanto aos dois primeiros exemplos de próclise, ambos ocorrem com o
“porque”, aqui interpretado como conjunção coordenativa. Ocorre que, além da
conjunção, figuram os advérbios “quiçá” no exemplo 108 e “já” em 109, que podem
estar influenciando a próclise a V1. Com relação ao dado de próclise a V1 diante de SN
sujeito, não há hipóteses para a influência de tal colocação. É importante lembrar que o
dado é do início do século XIX, período em que a próclise a V1 era mais registrada na
escrita portuguesa.
Seguem, ainda, dois exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante
da conjunção coordenativa “e”, a saber:
Ex. 111: É necessario que elle caminhe sempre e se vá preparando para a lucta
[Editorial – fase 3]
Ex. 112: agora vai ella provando as bençãos de sua regeneração politica, e se vai
levantando de seu antigo jugo como um gigante com forças novas. [Editorial – fase 1]
Os exemplos mostram que o reflexivo figura em próclise a V1 diante da
presença da conjunção coordenativa aditiva “e” nos dois casos. No primeiro exemplo, o
“atrator” “que”, presente na oração anterior, atua sobre o clítico da oração coordenada.
Devido ao processo de coordenação, o “que” presente na primeira oração fica elíptico
na segunda, ainda assim parece atuar como “proclisador”.
(iii) A variável tipo de complexo verbal
Como destacado na análise geral a respeito dos dados de gerúndio como verbo
principal, não será apresentada a tabela com a distribuição dos dados, devido a tais
informações já terem sido destacadas. Apresentam-se alguns exemplos dos subtipos de
complexos verbais para análise de como as variantes figuraram no corpus.
É interessante observar, por exemplo, que houve grande incidência, na amostra
europeia, de estruturas do tipo “estar” + gerúndio, sendo 34 ocorrências. Dentre elas,
204
registraram-se 28 dados, ou seja, 83% de próclise a V1 e apenas 17% de ênclise a V1
(cinco ocorrências). Destacam-se os exemplos de ênclise ao auxiliar:
 Exemplos de “se” em ênclise a V1:
Ex. 113: Na officina do Sr. Balteuberg, estão-se estufando umas cadeiras, para a
camara, e salla de recepção, e camarim do toilette. [Notícia – fase 2]
Ex. 114: No estaleiro do sr. Silva, em Setubal, estão-se construindo dois grandes barcos
destinados ao transporte de minério [Notícia – fase 3]
Ex. 115: Junto do deposito da aguas, ao Terreiro do Trigo, está-se assentando uma
outra linha a par da antiga. [Notícia – fase 3]
Ex. 116: Como é de calcular, a falta das hortaliças está-se tornando cada vez mais
sensível, porquanto elas constituem um dos alimentos mais indispensáveis à população
da capital. [Notícia – fase 4]
Ex. 117: Um tribunal de Paris está-se ocupando de um caso bicudo. [Notícia – fase 5]
Os dados apresentam contextos com o emprego de locuções adverbiais extensas
nos três primeiros exemplos. Nas duas últimas ocorrências, registra-se a presença de SN
sujeito. Ressalte-se, ainda, que nos três primeiros exemplos o “se” tem função
indeterminadora, enquanto nos dois últimos sua natureza é reflexiva.
Outra construção bastante frequente na amostra europeia foi o complexo verbal
“ir” + gerúndio, em 23 dados, sendo 57% deles em próclise a V1, 30% em ênclise a V1
e 13% em ênclise a V2 (apenas uma ocorrência, a ser analisada). Seguem alguns
exemplos de ênclise a V1:
Ex. 118: A estatistica vai-se regularizando e actualizando, e avança para a desejada
perfeição. [Editorial – fase 5]
Ex. 119: Os caminhos da paz foram-se fechando ou restringindo. [Editorial – fase 5]
Ex. 120: E vão-se esfalfando em tanta canceira ingrata, sem ao menos se lembrarem
que a sua força eleitoral, [...], de 1911está reduzida a simples patrulhas, [Editorial –
fase 5]
Ex. 121: Mas vão-se cansando de tantas vezes terem de correr o grande risco.
[Editorial – fase 6]
Ex. 122: De facto, a forma foi-se degradando e deteriorando (...) [Editorial – fase 6]
205
As ocorrências acima ilustram, mais uma vez, a ênclise a V1 em contextos sem
elemento “proclisador”. Ou o elemento antecedente é um SN sujeito ou uma conjunção
coordenativa, ambos desfavorecedores da próclise.
Quanto ao único exemplo de ênclise a V2 na construção “ir” + gerúndio,
encontram-se duas formas verbais, uma volitiva e outra aspectual, antes da principal, a
saber:
Ex. 123: A tactica é visivel. A montanha quer ir apoderando-se successivamente de
todos os meios de influencia, de execução, (E-P-82-Je-001 – editorial – fase 2)
A partir da análise do exemplo, nota-se, ainda, que o “se” apresenta a função
reflexiva, o que favorece o emprego da ênclise a V2, conforme apontado anteriormente.
Das demais construções, destacam-se as estruturas “continuar/andar/ficar” +
gerúndio, que apresentam o emprego distribuído das variantes, sendo duas ocorrências
em próclise a V1, duas em ênclise a V1 e duas em ênclise a V2.
 Exemplo de “se” em próclise a V1:
Ex. 124: a qual consiste em differentes bens existentes n’este reino, e no imperio do
Brazil, e que ella annunciante se anda habilitando no dito juizo, sua unica e universal
herdeira, [Anúncio – fase 3]
O dado acima ilustra um caso em que houve a atuação do “proclisador” (“que”),
mesmo em uma ocorrência em que o “se” apresenta função reflexiva.
Ao que tudo indica, no caso dos complexos verbais com gerúndio, as estruturas
são, em geral, aspectuais e a ordem, nessas construções, não pareceu sensível ao tipo de
verbo auxiliar. Trata-se, portanto, em todos os casos, do padrão europeu para a
construção gerundiva como um todo.
206
5.2.2.3 Ordem do clítico “se” na amostra europeia em sentenças com o verbo
principal no particípio
Apresentam-se, a seguir, os resultados referentes à colocação do “se” em
construções com o particípio na forma de verbo principal na amostra europeia dos
séculos XIX e XX.
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
84%
16%
0%
138/165
27/165
0/165
Tabela 30: Distribuição geral das variantes da colocação pronominal do “se”, na amostra europeia dos
séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no particípio
A forma participial favorece fortemente a próclise a V1, no caso da amostra, em
84% dos dados, seguida de longe da ênclise a V1 em 16% da amostra. Não houve
qualquer registro de ênclise à forma participial, como era de se esperar.
Apresenta-se, a seguir, a distribuição do “se” ao longo do tempo, conforme o
período analisado nesta investigação.
100%
80%
60%
cl v1 v2
v1-cl v2
40%
v1 v2-cl
20%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Gráfico 58: Distribuição das variantes do “se”, na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças
com o verbo principal no particípio, segundo a época da publicação
207
Época da publicação
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
Fase 1
87%
13%
0%
(1808-1840)
42/48
6/48
0/48
Fase 2
84%
16%
0%
(1841-1870)
28/33
5/33
0/33
Fase 3
64%
36%
0%
(1871-1900)
11/17
6/17
0/17
Fase 4
77%
23%
0%
(1901-1924)
14/18
2/18
0/18
Fase 5
88%
12%
0%
(1925-1949)
15/17
2/17
0/17
Fase 6
88%
12%
0%
(1950-1974)
15/17
2/17
0/17
Fase 7
86%
14%
0%
(1975-2000)
13/15
2/15
0/15
Total
84%
16%
0%
138/165
27/165
0/165
Tabela 31: Distribuição das variantes do “se” na amostra europeia dos seculos XIX e XX, em sentenças
com o verbo principal no particípio, segundo a variavel época da publicação
De acordo com o tipo de “se” e com as variáveis sob análise, serão avaliados os
contextos da colocação pronominal na amostra, em cada uma das fases e por meio de
exemplos nas próximas subseções.
208
5.2.2.3.1 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças
com o verbo principal no particípio
Distribuição geral do "se"
indeterminador/apassivador
(PE XIX e XX)
Distribuição geral do "se"
reflexivo/inerente (PE XIX e
XX)
Cl v1 v2
Cl v1 v2
V1-cl v2
V1-cl v2
V1 v2-cl
V1 v2-cl
Gráficos 59 e 60: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
particípio
cl v1 v2
“Se” indeterminador/
apassivador
v1-cl v2
v1 v2-cl
85%
15%
0%
89/105
16/105
0/105
82%
18%
0%
49/60
11/60
0/60
“Se” reflexivo/inerente
Tabela 32: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
particípio
Em uma análise comparativa entre os tipos de “se”, a forma participial não
mostra qualquer diferença relevante na distribuição dos dados. É importante verificar o
comportamento de cada variante ao longo das fases, já que a distribuição por tipo de
“se” oscila um pouco mais, em alguns períodos/décadas, entre a próclise a V1 e a
ênclise a V2.
209
5.2.2.3.2 Distribuição dos dados por tipo de “se” na amostra europeia em sentenças
com o verbo principal no particípio por variável independente
Devido ao baixo número de ocorrências, apresentam-se, a seguir, os resultados
da distribuição das variantes do “se” por tipo de variável independente no padrão tabela.
(i)
A variável época da publicação
“Se” indeterminador/apassivador
Época da cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
publicação
Fase 1
97%
4%
0%
78%
22%
0%
(1808-
25/26
1/26
0/26
17/22
5/22
0/22
Fase 2
85%
15%
0%
86%
14%
0%
(1841-
22/26
4/26
0/26
6/7
1/7
0/7
Fase 3
58%
42%
0%
80%
20%
0%
(1871-
7/12
5/12
0/12
4/5
1/5
0/5
Fase 4
67%
33%
0%
100%
0%
0%
(1901-
8/12
4/12
0/12
6/6
0/6
0/6
Fase 5
92%
8%
0%
80%
20%
0%
(1925-
11/12
1/12
0/12
4/5
1/5
0/5
Fase 6
100%
0%
0%
67%
33%
0%
(1950-
11/11
0/11
0/11
4/6
2/6
0/6
Fase 7
84%
16%
0%
89%
11%
0%
(1975-
5/6
1/6
0/6
8/9
1/9
0/9
85%
15%
0%
82%
18%
0%
89/105
16/105
0/105
49/60
11/60
0/60
1840)
1870)
1900)
1924)
1949)
1974)
2000)
Total
Tabela 33: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX, em sentenças com o verbo principal no
particípio, segundo a época da publicação
210
Os resultados mostram que a variante proclítica a V1 é a opção preferencial,
independentemente do tipo de “se”, como já indicado. Chama atenção, no entanto, o
fato de, na fase 3 (1871-1900), a distribuição do “se” indeterminador/apassivador ser
praticamente equilibrada entre a próclise e a ênclise a V1, talvez por estar inserido numa
amostra com poucos contextos de “proclisador”, conforme se observou a partir da
análise do cruzamento entre ‘época da publicação’ e ‘presença de elemento
“proclisador”’. Os contextos morfossintáticos abaixo podem evidenciar o que influencia
cada variante na amostra.
 Exemplos de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1:
Ex. 125: todos que a têem fumado a primeira vez a preferem a todas as outras que se
teem apresentado ao consumo do publico. [Anúncio – fase 3]
Ex. 126: ESTE maravilhoso producto é chimico é superior a quantos se tem inventado
até hoje, [Anúncio – fase 3]
Ex. 127: FAÇO SABER que requerendo-me Maria Cazimira e meu marido (...), a
curadoria definitiva dos bens que consituem a meação de sua irmã e cunhada Joaquina
Germana, casada, que foi, com Estevão Mendes, do logar do Telheiro, da dita frequezia
e julgado, ausente ha mais de dez annos em parte incerta, e tendo-se procedido a todas
as solemnidades legaes com audiencia do maqistrado do ministerio publico, [Anúncio –
fase 3]
Ex. 128: N’algumas das disposições taxativas, já em vigor, têem-se visto em grandes
dificuldades os empregados judiciaes, [Notícia – fase 3]
Nos exemplos acima, fica evidente que a preferência por uma ou por outra
variante parece estar atrelada à presença do elemento antecedente ao grupo clíticocomplexo verbal. Note-se, com isso, que os exemplos de próclise apresentam os
relativos “que” e “quantos”, elementos tipicamente “proclisadores”, enquanto os dados
de ênclise apresentam a locução adverbial (“n’algumas das disposições taxativas”),
além da conjunção coordenativa (“e”), que tradicionalmente não funcionam como
“atratores”. Embora os exemplos sejam da fase 3 e de “se” indeterminador/apassivador,
o comportamento relatado foi tendência não só na terceira fase e não apenas com o
indeterminador, mas também com os demais contextos. Devido aos ambientes de
“atração” pronominal na amostra europeia e ao fato de as estruturas com particípio
serem mais gramaticalizadas, registrou-se, consequentemente, mais próclise a V1.
211
(ii) A variável presença de elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
“Se” indeterminador/apassivador
Elemento cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
“Se” reflexivo/inerente
cl v1 v2
v1-cl v2
v1 v2-cl
antecede
nte
Subordin
98%
2%
0%
95%
5%
0%
ativos
58/59
1/59
0/59
36/38
2/38
0/38
Partícula
100%
0%
0%
86%
14%
0%
s de
6/6
0/6
0/6
6/7
1/7
0/7
Adv.
78%
22%
0%
100%
0%
0%
leves
7/9
2/9
0/9
2/2
0/2
0/2
Preposiç
100%
0%
0%
100%
0%
0%
ões
6/6
0/6
0/6
2/2
0/2
0/2
Adv.
60%
40%
0%
50%
50%
0%
Longos
6/10
4/10
0/10
1/2
1/2
0/2
Conj.
0%
100%
0%
0%
100%
0%
Coorden
0/1
1/1
0/1
0/3
3/3
0/3
25%
75%
0%
50%
50%
0%
1/4
3/4
0/4
2/4
2/4
0/4
Elemento
50%
50%
0%
0%
100%
0%
deslocad
5/10
5/10
0/10
0/2
2/2
0/2
85%
15%
0%
82%
18%
0%
89/105
16/105
0/105
49/60
11/60
0/60
negação
ativas
Sujeito
o
Total
Tabela 34: Distribuição geral dos dados por tipo de “se” (indeterminador/apassivador e
reflexivo/inerente), na amostra europeia dos séculos XIX e XX em sentenças com o verbo principal no
particípio, segundo a variável presença de elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
A tabela acima ilustra a forma como os elementos antecedentes ao grupo clíticocomplexo verbal atuam sobre a colocação pronominal diante do particípio como verbo
principal. Os resultados figuraram numa espécie de escala que contempla os mais
212
tipicamente “proclisadores” – elementos subordinativos e partículas de negação – até os
que não funcionam como “atratores” – SN sujeito, por exemplo, de maneira semelhante
na comparação entre os dois tipos de “se”.
Além dos “proclisadores” tradicionais (elementos subordinativos e partículas de
negação), atuaram na amostra, também, os ‘advérbios leves’ e as ‘preposições’. Os
“não-proclisadores”, como os ‘advérbios mais extensos’ apresentaram distribuição
equilibrada entre a próclise a V1 e a ênclise a V1, enquanto com o SN sujeito, a variante
enclítica ao primeiro verbo foi a opção preferencial com o indeterminador. Já as
‘conjunções coordenativas’ figuraram em pouquíssimos dados da amostra com
particípio, mas sempre com a ênclise a V1. Diante dos ‘elementos deslocados’,
registrou-se certo equilíbrio com o indeterminador entre a próclise a V1 e a ênclise a
V1, e os dois dados do reflexivo figuraram em ênclise a V1.
Sendo assim, destacam-se os exemplos que demonstraram comportamento
diferente do padrão esperado para a escrita europeia, como o dado de ênclise a V1
diante de elemento subordinativo com o indeterminador e outro com reflexivo.
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V1 diante de
elemento subordinativo:
Ex. 129: Devemos notar que o assucar nesta cidade tem-se vendido aos preços de $89 a
1$20 cada kilo (...) [Notícia – fase 4]
 Exemplo de “se” reflexivo/inerente em ênclise a V1 diante de elemento
subordinativo:
Ex. 130: Outro informou que o barco polaco deve ter-se afundado a muito mais curta
distancia. [Notícia – fase 6]
Os dois exemplos apresentam o “proclisador” “que” com a função de conjunção
integrante antecedendo o grupo clítico-complexo verbal, porém, com certo
distanciamento entre eles, provocado pelo sintagma interveniente “o assucar nesta
cidade” no primeiro exemplo e “o barco polaco” no segundo, o que pode ter
influenciado na escolha pela ênclise a V1. O segundo dado ilustra, ainda, um caso de
dois verbos (semi)auxiliares, o que pode ter favorecido a ênclise ao “ter”. Além disso,
se o verbo “dever” hospedasse o clítico nesse contexto, distanciaria ainda mais o
reflexivo do verbo principal, comportamento que não é o preferido no caso desse tipo de
clítico.
213
Destaca-se, ainda, um exemplo de próclise a V1 diante de SN sujeito com “se”
indeterminador/apassivador.
Ex. 131: A secca tem sido tão grande, as nascentes teem diminuido tanto, que por todo
o Paiz escacêa a tal ponto a agoa, que nos sitios em que mais abundava se vai tornando
a escacez bem sensivel e penosa, e n’outras partes, onde nunca foi demasiada, a sua
falta se tem convertido em verdadeiro flagelo. [Editorial – fase 2]
O exemplo ilustra um SN sujeito nominal “a sua falta” precedendo a próclise a
V1. Vale ressaltar que, em outra possibilidade de interpretação, se poderia considerar o
“proclisador” “que” implícito no fragmento “e [que] n’outras partes”, fator que pode ter
favorecido a próclise.
 Exemplos de “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 diante de SN sujeito:
Ex. 132: Os @iInglezes@i se tem capacitado, sem que se saiba porque motivo, que se
experimenta alguma penuria em @iLisboa@i, (E-P-81-Jn-016 – notícia – fase 1)
Ex. 133: Noutros céus e noutros países tragédias iguais se têm dado, motivadas por
acidentes de funcionamento de motores ou quaisquer outros, [E-P-93-Je-004 – editorial
– fase 6]
Os dois exemplos apresentam os respectivos SNs sujeito nominal “os ingleses” e
“tragédias iguais”, que não são elementos “proclisadores”, mas, ainda assim, registra-se
a variante proclítica, provavelmente pelo fato de o verbo principal ser um particípio.
Ressalte-se, ainda, que os elementos deslocados apresentaram na amostra um
equilíbrio entre a próclise a V1 e a ênclise a V1 com o indeterminador. Com o reflexivo,
houve preferência pela ênclise a V1, nos dois casos registrados. Destacam-se, a seguir,
dois exemplos, a saber: um exemplo de próclise a V1 e outro de ênclise a V1, diante de
elemento deslocado, com o indeterminador.
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1 diante de
elemento deslocado.
Ex. 134: Este remedio, em vão, se tem esperado até agora do actual ministerio.
[editorial – fase 2]
 Exemplo de “se” indeterminador/apassivador em ênclise a V1 diante de
elemento deslocado.
Ex.135: Das experiencias tem-se colhido sempre o melhor resultado [notícia – fase3]
214
Segundo BRITO, DUARTE & MATOS (2003), o elemento deslocado
funcionaria na amostra europeia, conforme atestado em pesquisas anteriores, como um
possível elemento “proclisador”. Devido ao escasso número de dados, o presente
trabalho não fornece material suficiente para comprovar tal avaliação, especialmente
porque os dados estão, nesta amostra, em equilíbrio entre próclise a V1 e ênclise a V1.
(iii) A variável tipo de complexo verbal
Os resultados por tipo de complexo verbal seguem as tendências gerais
anteriormente apresentadas, tendo em vista que todas as ocorrências com a forma
participial como V2 são de tempos compostos, a maioria formada por “ter/haver” +
particípio. Apresentam-se alguns dados a fim de demonstrar como figuraram na amostra
europeia os tempos compostos representados por “haver” + particípio.
 Exemplo de “se” em próclise a V1:
Ex. 136: Na mesma noite do dia em que os Patriotas se havião apoderado desta
Cidade, o inimigo entrou alli por sorpreza [Editorial – fase 1]
Ex. 137: Esta voz vaga de legitimidade, este ente de razão insignificante, que se não
póde explicar, nem conceber, he o ultimo entrincheiramento a que se hão acolhido os
sequazes da obediencia passiva, [Editorial – fase 1]
Ex. 138: Informam-nos de que pelos moradores das ruas do transito por onde deve
passar o cortejo real no dia do consorcio, se hão formado varias commissões para
abrilhantarem esta festa, [Notícia – fase 2]
As ocorrências acima apenas ilustram as tendências já apresentadas a respeito
da amostra europeia, de casos de próclise a V1 diante de tempos compostos com o
particípio, sob o efeito da atuação de “proclisadores”. Nos exemplos destacados, os
“atratores” mostraram-se eficazes tanto com o reflexivo, presente no primeiro exemplo,
quanto com o indeterminador/apassivador, presente nos dois últimos.
5.2.3 Sistematização dos resultados da colocação do “se” em complexos verbais na
amostra europeia dos séculos XIX e XX
De maneira geral, a ordem do “se” em complexos verbais na escrita europeia
demonstrou equilíbrio na distribuição entre a próclise a V1 e a ênclise a V2. Com
relação à distribuição da ênclise a V1, por exemplo, pouco registrada na amostra,
apresenta-se mais comumente em início absoluto de período/oração, contexto este em
215
que não se registrou a próclise a V1. Nos demais, a regra é variável em todas as
sentenças com complexo verbal.
Com relação à próclise a V2, não constitui uma variante legítima na escrita
europeia, tendo em vista que a adjacência do clítico antes de V2 se dá exclusivamente
nas construções verbais complexas integradas por uma preposição, o que não seria um
fator determinante para a distribuição da variante no Brasil, tendo em vista que essa se
dá até em ocorrências sem qualquer elemento interveniente ao complexo verbal.
Exemplos do tipo “Por ter que se ausentar com urgencia de Portugal vende um rico
casaco de Peles Griz de Guanaco da Australia.” [Anúncio – fase 5] não configuram um
caso de próclise a V2, mas uma estrutura que superficialmente representa um processo
de ligação do clítico naturalmente à esquerda de V2 motivado por uma espécie de
“proclisador” interno, que, nesse caso, é a preposição ou elemento que funcione como
tal (“ter que”). Em qualquer outro contexto linguístico, não houve efetivamente
registros de ligação do clítico à esquerda de V2 na amostra europeia analisada.
Outro dado importante da análise é a distribuição das variantes por tipo de “se”.
A diferença entre indeterminador e reflexivo mostrou-se bastante produtiva também na
escrita portuguesa. Enquanto o indeterminador tende a se ligar a V1, o reflexivo
costuma se ligar a V2, além de este se mostrar menos sensível ao efeito “proclisador”,
conforme indicado adiante.
Diacronicamente, é importante ressaltar, a respeito da ordem do “se”
indeterminador na amostra europeia – especialmente com base nos dados com o
complexo verbal no infinitivo (contexto em que se concentrou o maior número de
ocorrências) –, que, no início do século XIX, havia preferência pela próclise a V1, que
se alternou ao longo das fases com a ênclise a V2. Ao final do século XX, é interessante
destacar a tendência à próclise a V1 na escrita europeia. Já o reflexivo, ao longo de
todas as fases, tende a ênclise a V2 por mais que coexista com a variante proclítica a
V1.
Destacam-se os mais altos picos de ênclise a V2 tanto com o reflexivo quanto
com o indeterminador nas fases 2 (1841-1870) e 5 (1925-1949), o que pode ter relação,
por hipótese, com os momentos históricos de Portugal. Na metade do século XIX,
houve uma democratização do ensino, a partir de decretos para abertura da educação, ao
mesmo tempo em que se estimulavam mais publicações, inclusive jornalísticas. Já na
fase 5, com o movimento modernista português, passou-se a afirmar os valores das
216
tradições e culturas de Portugal, momento importante que pode ter influenciado
fenômenos linguísticos. No mesmo período, com o governo de Salazar, ratifica-se o
conservadorismo com os aspectos nacionalistas e, como consequência, efetiva-se maior
tendência ao padrão enclítico, possivelmente tido como mais natural e mais
representativo da identidade portuguesa.
As variações apresentadas ao longo dos séculos na pesquisa, ao que tudo indica,
fornecem indícios não de uma mudança na norma gramatical europeia, mas de um
resultado de como a escrita parece suscetível aos contextos linguísticos da colocação
pronominal em complexos verbais. A posição do clítico depende da ‘presença de um
elemento “proclisador”, mas nunca categoricamente, além do tipo de “se” e da forma do
verbo principal.
Dessa forma, a primeira medida adotada para prosseguir na análise foi separar
todos os contextos em que a estrutura verbal complexa era composta por preposição
interveniente dos complexos verbais sem preposição, com o intuito de não mascarar
qualquer resultado. Além disso, adotaram-se as mesmas decisões tomadas para a
amostra brasileira, a saber: (i) separar a colocação do “se” em início absoluto de
período/oração dos demais contextos; e analisar em separado as sentenças com o verbo
principal (ii) no infinitivo; (iii) no gerúndio; e (iv) no particípio. A apresentação em
cada contexto mencionado se deu por tipo de “se” (indeterminador/apassivador versus
reflexivo/inerente). A partir das análises propostas, chegou-se às seguintes
considerações para os textos produzidos em Portugal:
(i) Início absoluto de período/oração X demais contextos
Os resultados da colocação do “se” em início absoluto de período/oração
apontam a distribuição equilibrada entre a ênclise a V1 e a ênclise a V2, mas com uma
suave preferência pela última variante. Não houve registros de próclise a V1 nesse
contexto. Já a colocação do “se” nos demais contextos assinala a preferência pela
variante proclítica a V1 em 59% dos dados, seguida da ênclise a V2 em 33%. A ênclise
a V1 figurou em apenas 8% das ocorrências. Nessa comparação, observa-se que ambos
configuram contextos bem distintos para o fenômeno e, realmente, seria inviável
realizar a análise sem a separação proposta.
(ii) Sentenças com o verbo principal no infinitivo
217
Os dados com infinitivo como VP apresentam uma regra ternária em que se
registra a colocação do “se” em equilíbrio na distribuição entre a próclise a V1 (47%) e
a ênclise a V2 (48%), enquanto a ênclise a V1 ocorre em apenas 5% da amostra.
A análise por tipo de “se” viabiliza identificar as possíveis influências sobre o
fenômeno. Assim como ocorreu na amostra brasileira, indeterminador e reflexivo
apresentam-se como clíticos completamente diferentes quanto à ordem pronominal,
tendo o primeiro registrado 60% da próclise a V1 e 35% da ênclise a V2, enquanto o
segundo registrou 29% de próclise a V1 e 67% de ênclise a V2. Ao longo das fases, a
ordem dos clíticos manteve a alternância entre próclise a V1 e ênclise a V2 nos dois
casos, mas confirmando sempre as tendências do indeterminador e do reflexivo já
mencionadas.
Embora em todos os contextos a regra se manifeste variável, verificou-se a
influência dos elementos “proclisadores” sobre a colocação do “se”, que demonstrou ser
efetiva diante do indeterminador, em que se registram altos índices de próclise a V1
com os “atratores” típicos como ‘elementos subordinativos’, ‘partículas de negação’,
‘advérbios leves’ e ‘preposições’. O mesmo comportamento não se registra com o “se”
reflexivo/inerente, em que os mais tradicionais “proclisadores”, como os subordinativos
e as partículas de negação, registram baixos índices da próclise a V1. A ênclise a V2,
também na amostra europeia, está fortemente associada à função reflexiva do “se”.
Considerando-se o cruzamento realizado entre a variável ‘época da publicação’ e
‘presença de elemento “proclisador”, destaca-se que a fase 1 (1808-1840) registra maior
quantidade de próclise a V1 mesmo sem contextos de “atração”, situação que não
encontra hipótese linguística para ocorrer. Por ser a transição entre os séculos XVIII e
XIX, pode haver algum resquício na amostra da tendência de épocas passadas em que a
próclise no Português Europeu era registrada (cf. PAGOTTO, 1992). Os altos índices de
ênclise a V2 na fase 5 (1925-1949), devem-se, especialmente, a fatores
extralinguísticos, como o período modernista português, que pode ter trazido à escrita
características de uma norma europeia em que se imprimisse a identidade portuguesa
aos textos, como já apontado.
Com relação ao tipo de complexo verbal, os tempos compostos, representados na
amostra basicamente pela construção ‘ir’ + infinitivo, mostraram-se pouco sensíveis à
atuação do “proclisador” tanto com o indeterminador quanto com o reflexivo. Por isso,
mesmo diante de “proclisador”, registrou-se a ênclise a V2 em metade dos dados desse
218
tipo de contexto. Já os modais, representados na amostra principalmente pelo
“poder/dever” + infinitivo e os bi-oracionais de mesmo referente-sujeito foram os
contextos em que mais se registrou o “se” indeterminador/apassivador em próclise a V1,
o que demonstra, portanto, que o “proclisador” parece exercer seu efeito de atração.
Quanto ao reflexivo, a preferência, nos três tipos de complexo verbal, foi pela ênclise a
V2, devido ao caráter desse tipo de “se” se ligar ao verbo que lhe confere características
sintático-semânticas. O “proclisador”, portanto, não se mostrou eficiente diante do
reflexivo.
A ênclise a V1 foi a menos empregada com ambos os tipos de “se”,
normalmente em contextos morfossintáticos estritos, como na ausência de elementos
“proclisadores” (ex.: “Mas deve-se reconhecer que cada nação se inspirou nos seus
interesses particulares (...)” [Editorial – fase 5]).
(iii) Sentenças com o verbo principal no gerúndio
As sentenças com o gerúndio como verbo principal apresentaram uma regra
ternária com forte distribuição entre a próclise a V1 e a ênclise a V1. Os casos de
ênclise a V2 foram raros. Registrou-se a próclise a V1 em grande parte da amostra (73%
dos dados), seguida da variante enclítica a V1 em 23% da amostra e apenas 4% de
ênclise a V2. Ressalte-se, portanto, que esse contexto comporta o maior índice de
ênclise a V1 da amostra.
Curiosamente, a distribuição dos dados assinala a preferência pela próclise a V1
tanto com o “se” indeterminador quanto com o reflexivo, de forma mais acentuada com
o primeiro (em 82% dos casos), e apenas 18% de ênclise a V1. Já com o “se”
reflexivo/inerente, chega-se aos 53% de próclise a V1, seguida de 31% de ênclise a V1
e apenas 16% de ênclise a V2.
Diferentemente do que ocorreu com a amostra do infinitivo, merece destaque o
fato de o gerúndio como V2 apresentar elementos “proclisadores” prototípicos atuantes
sobre a próclise a V1 de forma categórica nos contextos com os dois tipos de “se”. Já os
elementos “não-proclisadores”, como o SN sujeito, desfavoreceram tal variante,
também independentemente da função do “se”.
A distribuição dos dados por tipo de complexo verbal conta basicamente com
perífrases bem integradas de semântica aspectual e alguns poucos casos de construções
modais. Dessa forma, seguindo a tendência de todo o corpus com o gerúndio,
219
predomina a próclise a V1 com os dois tipos de “se”, de forma mais branda com o
reflexivo/inerente.
Ao longo dos dois séculos analisados, a época que mais se destacou pela
diferença no padrão da colocação do “se” nas estruturas com o verbo principal no
gerúndio foi, novamente, a fase 5 (1925-1949), em que se registraram 42% de próclise a
V1 e 58% de ênclise a V2, quando o padrão geral, na verdade, era de preferência pela
próclise. Contudo, os dados apontam que a ênclise a V2 se registrou em contextos sem
elementos “proclisadores”.
(iv) Sentenças com o verbo principal no particípio
As ocorrências com o particípio como VP apresentaram uma regra binária da
colocação do “se” entre a próclise a V1 e a ênclise a V1, demonstrando um
comportamento diferente das construções com as demais formas do verbo principal. A
prioridade geral nas sentenças com particípio como V2 é pela próclise a V1 (em torno
de 80%) e de longe pela ênclise a V1, independentemente do tipo “se”. O contexto
mostrou-se, portanto, como o que mais aproxima a distribuição das variantes entre o
indeterminador e o reflexivo.
De modo muito semelhante entre os tipos de “se” também ocorre a atuação dos
“proclisadores”, que, quando prototípicos (elementos subordinativos, partículas de
negação, advérbios leves e preposições), favorecem igualmente a próclise a V1. Quanto
aos elementos “não-proclisadores”, nota-se que, mesmo não funcionando para a atração
na amostra europeia, a forma participial repulsa de tal forma a ligação do clítico a V2
que se registram casos de próclise a V1 além do esperado.
Não há comentários a fazer a respeito da variável tipo de complexo verbal, tendo
em vista que as estruturas são todas com o auxiliar ‘ter/haver’ + particípio e os
resultados repetiriam as informações já apresentadas sobre as tendências gerais da
amostra com o verbo principal no particípio.
Em consideração à perspectiva diacrônica, destaca-se a regularidade na
distribuição da variante proclítica a V1 ao longo dos séculos sob análise; apenas na fase
3 (1871-1900) se registra uma baixa no número dessa variante, tendo em vista a menor
incidência de contextos de “atração”, especialmente com o indeterminador.
220
5.3 Análise dos questionários
O questionário de avaliação subjetiva da ordem do clítico “se” em complexos
verbais, respondido por falantes brasileiros e lisboetas, consta de duas partes, sendo a
primeira relativa à identificação de dados pessoais e a características particulares dos
informantes, a fim de controlar sexo, idade, região e escolaridade.
Na segunda parte (cf. Anexo), composta por três tipos de questões
diversificadas, várias sentenças foram avaliadas por 10 falantes brasileiros, estudantes
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do curso de Letras, e por 10 falantes
portugueses, estudantes da Universidade de Lisboa, do curso de Ciências da
Linguagem. Como já se esclareceu na metodologia, dentre as três questões propostas, a
primeira delas consistia em escalonar sentenças com a colocação do pronome “se” em
estruturas com complexos verbais (mais suas formas alternantes), enumerando-as de um
a quatro, considerando-se um a forma mais natural até a menos natural, para a qual se
deveria atribuir quatro, intuitivamente, segundo cada falante. Podia-se atribuir, ainda, a
opção inaceitável, em casos particulares de julgamento, quando a estrutura não fosse
aceita como natural naquela variedade. Outra questão aplicada consistia em preencher
lacunas com formas sugeridas entre parênteses, a fim de que o falante as completasse
conforme julgasse mais natural quanto à ordem do clítico “se” inserido na estrutura
verbal complexa. Por fim, a terceira questão configurou-se como livre produção das
sentenças, tendo em vista a tentativa de induzir o falante a construir orações com a
colocação pronominal em estruturas com complexos verbais, a partir de comandos
dados em quatro diferentes itens, informando sobre o que se deveria ou não fazer em
determinada situação proposta.
Antes da aplicação dos questionários, o material foi analisado pelas Professoras
Doutora Inês Duarte (portuguesa) e Silvia Rodrigues (brasileira) para que os contextos
configurassem produções próximas da realidade de fala de cada informante. Seguindose a orientação da docente portuguesa, alteraram-se alguns contextos para adaptação ao
formato europeu, no que se deu prosseguimento à eliminação do sujeito explícito em
algumas sentenças, além da substituição de algumas palavras para adequação ao
vocabulário.
Elegeram-se, dentre várias construções analisadas nos questionários, apenas
algumas sentenças, aleatoriamente, para avaliar e apresentar a preferência do falante
quanto à ordem que julgou mais natural para a colocação do “se” nas estruturas verbais
221
complexas. Para isso, os resultados serão apresentados separadamente quanto ao tipo de
“se”, sendo (i) contextos com o “se” indeterminador/apassivador e (ii) contextos com
“se” reflexivo/inerente.
5.3.1 Análise dos questionários: primeiro teste
Observa-se, por meio de tabelas, a apuração das escalas realizadas pelos
falantes, a respeito da posição do clítico em função do tipo de “se”.
5.3.1.1 Contextos com o “se” em complexos verbais com o verbo principal no
infinitivo
5.3.1.1.1 Resultados referentes ao “se” indeterminador/apassivador em complexos
verbais com o verbo principal no infinitivo
A fim de organizar a análise, serão apresentadas quatro sentenças por tipo de
“se” e de verbo principal que compõe a estrutura verbal complexa, no padrão de tabelas.
Os primeiros contextos analisados são os que se seguem – mais suas formas alternantes,
que constituem um total de quatro possibilidades, que são a próclise a V1, ênclise a V1,
próclise a V2 e ênclise a V2: (i) Aqui se pode conduzir/dirigir a 80 km/h, Aqui pode-se
conduzir/dirigir a 80km/h, Aqui pode se conduzir/dirigir a 80km/h, Aqui pode conduzirse/dirigir-se a 80km/h; (ii) Foi quando se resolveu fazer um seguro, Foi quando
resolveu-se fazer um seguro, Foi quando resolveu se fazer um seguro, Foi quando
resolve fazer-se um seguro; (iii) Não se chegou a pensar sobre ajudas externas, Não
chegou-se a pensar sobre ajudas externas, Não chegou a se pensar sobre ajudas externas,
Não chegou a pensar-se sobre ajudas externas; (iv) Todos os esforços foram
empreendidos para se tentar realizar o show, Todos os esforços foram empreendidos
para tentar-se realizar o show, Todos os esforços foram empreendidos para tentar se
realizar o show, Todos os esforços foram empreendidos para tentar realizar-se o show.
Para sistematizar os resultados, as tabelas a seguir apresentam a quantidade de
informantes brasileiros e portugueses, em valores percentuais, que elegeram as
sentenças e suas formas alternantes como primeira, segunda, terceira ou quarta opção de
escolha, ou ainda, sentença inaceitável.
222
Aqui
1ª
se
pode
Aqui
pode-se
Aqui
pode
se
Aqui
pode
conduzir/dirigir a 80
conduzir/dirigir a 80
conduzir/dirigir a 80
conduzir/dirigir-se a
km/h.
km/h.
km/h.
80 km/h.
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
10%
60%
60%
20%
0%
0%
30%
20%
0%
30%
30%
20%
0%
10%
70%
40%
40%
0%
10%
30%
50%
30%
0%
40%
50%
10%
0%
30%
50%
60%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
opção
2ª
opção
3ª
opção
4ª
opção
Inaceitável
Tabela 35: Avaliação da sentença “Aqui se pode conduzir a 80 km/h” (e variantes) em valores percentuais
pelos informantes brasileiros e portugueses
Nota-se que portugueses e brasileiros apresentam de forma bastante diferente as
escolhas tidas como naturais. Os portugueses tendem a selecionar como primeira opção
a variante enclítica a V1, em 60% dos casos, quando se trata de um “se”
indeterminador/apassivador em estrutura com o verbo principal no infinitivo, seguida de
30% da variante enclítica a V2 como primeira opção. Esta última variante foi
selecionada como segunda opção por 70% dos falantes europeus. É interessante
observar que o falante português parece não ter intuído o advérbio curto “aqui” como
elemento “proclisador”, tendo em vista que este não favoreceu a escolha dos falantes
pela próclise a V1 no contexto.
Por outro lado, 60% dos falantes brasileiros optaram em primeiro lugar pela
próclise a V1, seguida da ênclise a V1 e a V2 em 20% cada uma. Como segunda opção,
40% dos falantes brasileiros optaram pela ênclise a V2, seguida de 30% de próclise a
V1. Curiosamente, a variante proclítica a V2 não foi selecionada como primeira opção
por nenhum falante brasileiro ou português. Entende-se que, tanto para brasileiros
quanto
para
europeus,
pode
haver
a
influência
do
tipo
de
“se”
indeterminador/apassivador que tende a ficar adjacente a V1, sendo a preferência
brasileira pela próclise e a europeia pela ênclise, na sentença sob análise.
223
(ii) Foi quando se resolveu fazer um seguro.
Em termos percentuais, tem-se:
Foi
quando
resolveu
se
fazer
um
seguro.
Foi
quando
Foi
quando
Foi
quando
resolveu-se fazer
resolveu se fazer
resolveu fazer-se
um seguro.
um seguro.
um seguro.
Portugues
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileir
Portugu
Brasileir
es
s
eses
s
eses
os
eses
os
1ª opção
50%
70%
10%
0%
0%
30%
40%
0%
2ª opção
50%
20%
10%
50%
0%
30%
40%
0%
3ª opção
0%
10%
50%
50%
50%
40%
0%
0%
4ª opção
0%
0%
30%
0%
50%
0%
20%
100%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 36: Avaliação da sentença “Foi quando se resolveu fazer um seguro” (e variantes) em valores
percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Os portugueses elegeram como primeira opção a próclise a V1 em 50% dos
casos e 40%, a ênclise a V2, o que, de certa forma, se assemelha às tendências gerais do
corpus escrito, que tende a se equilibrar entre próclise a V1 e ênclise a V2 diante do
infinitivo como verbo principal. Como segunda opção, seguem as mesmas tendências da
amostra.
Já os brasileiros optaram em 70% pela próclise a V1e 30% pela próclise a V2.
Como segunda opção, 50% dos brasileiros elegeram a ênclise a V1 e 30% a próclise a
V2. Destaca-se, ainda, que a variante enclítica a V2 foi a mais rejeitada pelo brasileiro,
unanimemente, o que confirma que, para um falante do Brasil, seria pouco natural um
“se” indeterminador/apassivador adjacente a V2.
(iii) Não se chegou a pensar sobre ajudas externas.
Em valores percentuais, tem-se:
224
Não se chegou a
Não chegou-se a
Não chegou a se
Não
pensar
pensar
pensar
pensar-se
sobre
sobre
sobre
chegou
a
sobre
ajudas externas.
ajudas externas.
ajudas externas.
ajudas externas.
Portugues
Brasileir
Portugu
Brasileir
Portugues
Brasileir
Portugu
Brasileir
es
os
eses
os
es
os
eses
os
1ª opção
80%
50%
0%
10%
0%
30%
20%
10%
2ª opção
20%
40%
10%
10%
0%
50%
70%
0%
3ª opção
0%
10%
60%
50%
30%
10%
10%
30%
4ª opção
0%
0%
20%
30%
70%
10%
0%
50%
Inaceitável
0%
0%
10%
0%
0%
0%
0%
10%
Tabela 37: Avaliação da sentença “Não se chegou a pensar sobre ajudas externas” (e variantes) em
valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
A tabela acima ilustra que 80% dos portugueses elegeram, na amostra, a próclise
a V1 como primeira opção quando a estrutura verbal da sentença é composta por um
verbo aspectual antecedido de partícula negativa, seguida da ênclise a V2, eleita pelo
restante dos europeus como primeira opção. Como segunda opção, 70% dos falantes
escolheram a variante enclítica a V2, seguida da próclise a V1, o que mostra, mais uma
vez, que as principais preferências europeias circulam em torno da próclise a V1 e da
ênclise a V2. Parece mais natural para os europeus ou seguir o padrão da “atração”
pronominal, atendendo ainda que de forma não categórica à atuação do elemento
“proclisador”, ou o padrão enclítico, por ser a ordem não marcada da variedade
europeia.
Quanto às escolhas brasileiras, 50% dos falantes elegeram a próclise a V1 como
primeira opção, seguida de 30% de próclise a V2. Como segunda opção, foi escolhida a
próclise a V2 por 50% dos brasileiros e 40% escolheram a próclise a V1, o que ilustra
que, independentemente do contexto apresentar um “proclisador”, o brasileiro tende a
adjungir o “se” indeterminador/apassivador na referida construção aspectual em próclise
tanto a V1 quanto a V2. O falante português parece não identificar a preposição “a” que
integra o complexo verbal como elemento suficiente para hospedar o clítico, tendo em
vista que a construção V1 (a) cl V2 foi a variante rejeitada, nunca escolhida como 1ª ou
2ª opção. Talvez isso se deva ao caráter fônico enfraquecido da preposição “a”, que se
constitui apenas de material vocálico.
(iv) Todos os esforços foram empreendidos para se tentar realizar o show.
225
Chegou-se aos seguintes resultados, em valores percentuais:
Todos os esforços
Todos os esforços
Todos os esforços
Todos os esforços
foram
foram
foram
foram
empreendidos
empreendidos
empreendidos
empreendidos
para
para
para
se
tentar
tentar-se
tentar
se
para
tentar
realizar o show.
realizar o show.
realizar o show.
realizar-se o show.
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
eses
s
eses
s
eses
s
eses
s
1ª opção
60%
50%
0%
0%
0%
50%
40%
0%
2ª opção
20%
20%
0%
30%
20%
10%
60%
40%
3ª opção
0%
30%
60%
20%
40%
40%
0%
10%
4ª opção
20%
0%
40%
50%
40%
0%
0%
50%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 38: Avaliação da sentença “Todos os esforços foram empreendidos para se tentar realizar o
show” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Em construções com complexos verbais bi-oracionais de mesmo referente
sujeito, 60% dos portugueses elegeram a próclise a V1 como primeira opção,
acompanhada da ênclise a V2 por 40% dos votos, seguindo tendências semelhantes de
colocação ora da próclise a V1 ora da ênclise a V2. Como segunda opção, 60% dos
portugueses optaram pela ênclise a V2, confirmando as tendências já apontadas.
Já o brasileiro opta de forma equilibrada entre a próclise a V1 e a próclise a V2,
atribuindo metade dos votos para cada variante. Como segunda opção, 40% tenderam a
escolher a ênclise a V2 e 30%, a ênclise a V1.
5.3.1.1.2 Resultados referentes ao “se” reflexivo/inerente em complexos verbais
com o verbo principal no infinitivo
O questionário propôs sentenças com o “se” reflexivo/inerente em estruturas
com o verbo principal no infinitivo para que os falantes escalonassem suas preferências
quanto às variantes sob análise nos seguintes exemplos: (i) Primeiramente se deve
dirigir ao balcão de informações, Primeiramente deve-se dirigir ao balcão de
informações, Primeiramente deve se dirigir ao balcão de informações, Primeiramente
deve dirigir-se ao balcão de informações ; (ii) Este aparelho possui três lâminas para que
226
se possa barbear melhor, Este aparelho possui três lâminas para que possa-se barbear
melhor, Este aparelho possui três lâminas para que possa se barbear melhor, Este
aparelho possui três lâminas para que possa barbear-se melhor; (iii) Mais cedo ou mais
tarde se começam a lembrar de que já são homens, Mais cedo ou mais tarde começamse a lembrar de que já são homens, Mais cedo ou mais tarde começam a se lembrar de
que já são homens, Mais cedo ou mais tarde começam a lembrar-se de que já são
homens; (iv) Como se costuma vestir para sair à noite?, Como costuma-se vestir para
sair à noite?, Como costuma se vestir para sair à noite?, Como costuma vestir-se para
sair à noite?
Os resultados seguem sistematizados nas tabelas abaixo:
(i) Primeiramente se deve dirigir ao balcão de informações.
Os valores percentuais expõem-se na seguinte tabela:
Primeiramente se
Primeiramente
Primeiramente
Primeiramente
deve
ao
deve-se dirigir ao
deve se dirigir ao
deve dirigir-se ao
de
balcão
balcão
balcão
dirigir
balcão
informações
de
informações
de
informações
de
informações
Portugu
Brasileir
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileir
Portugues
Brasileir
eses
os
eses
s
eses
os
es
os
1ª opção
0%
20%
30%
10%
0%
60%
70%
10%
2ª opção
10%
10%
60%
40%
20%
10%
10%
40%
3ª opção
40%
0%
10%
30%
40%
30%
10%
40%
4ª opção
50%
70%
0%
20%
40%
0%
10%
10%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 39: Avaliação da sentença “Primeiramente se deve dirigir ao balcão de informações.” (e
variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Os valores percentuais ilustram que 70% dos falantes portugueses tenderam à
ênclise a V2, enquanto 60% dos brasileiros tenderam à próclise a V2. Como segunda
opção lusitana, foi escolhida a ênclise a V1 por 60% dos falantes analisados; já os
brasileiros se dividiram entre a ênclise a V1 e a ênclise a V2 por 40% dos falantes em
cada caso. O fato de a sentença não apresentar um contexto com “proclisador” pode ter
favorecido a ênclise a V2, especialmente na amostra europeia e, consequentemente, os
227
maiores índices de rejeição da próclise a V1. O tipo de “se”, por si só, também
apresenta características suficientes para justificar seu afastamento de V1.
(ii) Este aparelho possui três lâminas para que se possa barbear melhor.
Este
aparelho
Este
aparelho
Este
aparelho
Este
aparelho
possui três lâminas
possui três lâminas
possui três lâminas
possui
três
para que se possa
para que possa-se
para que possa se
lâminas para que
barbear melhor.
barbear melhor.
barbear melhor.
possa barbear-se
melhor.
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileir
eses
s
eses
s
eses
s
eses
os
1ª opção
90%
70%
0%
0%
0%
30%
10%
0%
2ª opção
10%
0%
10%
10%
10%
70%
70%
20%
3ª opção
0%
30%
50%
30%
30%
0%
20%
40%
4ª opção
0%
0%
40%
60%
60%
0%
0%
40%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 40: Avaliação da sentença “Este aparelho possui três lâminas para que se possa barbear
melhor.” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
A escolha quase categórica, por 90% dos portugueses, pela próclise a V1 se
aproximou bastante da escolha dos brasileiros, que optaram em 70% pela mesma
variante. Chama atenção o fato de a próclise a V2 ser eleita não em primeiro lugar, mas
em segundo por 70% dos falantes brasileiros, na amostra. Talvez isso tenha acontecido
pelo fato de não haver uma marcação evidente da presença de um sujeito, como “você”,
por exemplo, para que o brasileiro identificasse o “se” como reflexivo/inerente, ou “tu”,
no caso dos portugueses, ou a desinência de número e pessoa expressa no verbo, para
desfazer possíveis ambiguidades. Já os portugueses elegeram como segunda opção mais
natural a ênclise a V2 por 70% dos indivíduos testados. As opções mais rejeitadas pelos
portugueses foram a ênclise a V1 e a próclise a V2, motivados especialmente pela
presença de “proclisador” prototípico, que desfavoreceu tais variantes. Acompanhando
as tendências já destacadas, a ênclise a V1 e a V2 foram as mais rejeitadas pelos
brasileiros.
228
(iii) Mais cedo ou mais tarde se começam a lembrar de que já são homens. Os valores
percentuais expõem-se na seguinte tabela:
Mais cedo ou mais
Mais
cedo
ou
Mais
tarde
tarde se começam
mais
a lembrar de que
começam-se
já são homens.
lembrar de que
lembrar de que
lembrar-se de que
já são homens.
já são homens.
já são homens.
a
cedo
ou
Mais
mais
tarde
mais
começam
a
começam
se
cedo
ou
tarde
a
Portugues
Brasileir
Portugu
Brasileir
Portugu
Brasileir
Portugu
Brasileir
es
os
eses
os
eses
os
eses
os
1ª opção
0%
0%
40%
0%
0%
100%
60%
0%
2ª opção
10%
30%
50%
0%
10%
0%
30%
70%
3ª opção
20%
40%
10%
30%
60%
0%
10%
30%
4ª opção
70%
30%
0%
70%
30%
0%
0%
0%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 41: Avaliação da sentença “Mais cedo ou mais tarde se começam a lembrar de que já são
homens.” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Como primeira opção, 60% dos portugueses escolheram a ênclise a V2, seguida
de 40% de ênclise a V1. Já os brasileiros foram categóricos e 100% deles selecionaram
a próclise a V2 como primeira opção, o que ilustra a diferença entre as tendências
brasileira e europeia nesse tipo de construção com o “se” reflexivo/inerente. A segunda
opção mais votada pelos portugueses foi a ênclise a V1, por 50% deles, seguida de
ênclise a V2, por 30%; já os brasileiros optaram, como segunda opção, em 70% pela
ênclise a V2 e 30% escolheram a próclise a V1, que foi a variante mais rejeitada pelos
portugueses, desfavorecida provavelmente pelo fato de não apresentar um elemento
“proclisador”. Os brasileiros rejeitaram em maior quantidade a ênclise a V1, talvez pelo
fato de não adotarem como natural o padrão enclítico da colocação pronominal.
Nenhum falante escolheu como primeira opção a próclise a V1.
229
(iv) Como se costuma vestir para sair à noite?
Como se costuma
Como costuma-
Como costuma se
Como
vestir para sair à
se
vestir para sair à
vestir-se
noite?
sair à noite?
noite?
sair à noite?
vestir
para
costuma
para
Portugues
Brasileir
Portugu
Brasileir
Portugues
Brasileir
Portugu
Brasileir
es
os
eses
os
es
os
eses
os
1ª opção
60%
20%
0%
0%
0%
80%
40%
0%
2ª opção
40%
60%
10%
20%
0%
10%
50%
10%
3ª opção
0%
20%
30%
30%
70%
10%
0%
40%
4ª opção
0%
0%
60%
30%
30%
0%
10%
50%
Inaceitável
0%
0%
0%
20%
0%
0%
0%
0%
Tabela 42: Avaliação da sentença “Como se costuma vestir para sair à noite?” (e variantes) em valores
percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Na avaliação dos portugueses, a próclise a V1 ora foi selecionada como primeira
opção, por 60% dos falantes, ora como segunda, por 40% deles. O contexto com a
presença do ‘proclisador’ “como” parece favorecer a escolha da próclise. Por outro lado,
80% dos brasileiros, número bastante significativo, optaram pela próclise a V2, tendo
em vista a influência do “se” reflexivo, que tende a se ligar ao verbo lexical. Como
segunda opção, 60% dos brasileiros escolheram a próclise a V1. Curiosamente, destacase que dois informantes brasileiros sinalizaram como inaceitável a construção com
ênclise a V1 (Como costuma-se vestir para sair à noite?), além de ser essa também uma
das variantes mais rejeitadas, juntamente com a ênclise a V2, por portugueses e
brasileiros. Destaca-se que a mesma situação metodológica já explicitada no início da
subseção possa ter comprometido a análise, tendo em vista que a retirada do sujeito
expresso do contexto deva ter induzido a uma interpretação como indeterminador, o que
possivelmente levou aos resultados expostos.
230
5.3.1.1.3 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal
no infinitivo
Em linhas gerais, os questionários ilustraram que a intuição de falantes
brasileiros e portugueses a respeito dos diferentes tipos de “se” influencia em suas
escolhas. Quando o “se” é indeterminador/apassivador, a maioria dos brasileiros e
portugueses optou pelas variantes adjacentes a V1, com exceção da sentença com um
complexo verbal bi-oracional com mesmo referente sujeito e do tipo de complexo
verbal aspectual (com preposição integrante) + infinitivo, em que os brasileiros se
mostraram divididos entre próclise a V1 e próclise a V2, enquanto os lusitanos se
dividiram entre a próclise a V1 e a ênclise a V2. Destaca-se que as preferências
apontadas se deram com a colocação do “se” em sentenças com “proclisador”
prototípico (“quando” e “não”), com o advérbio curto “aqui” e a preposição “para”,
elemento que não exige a colocação proclítica, sendo seu emprego, portanto,
facultativo. Ainda que em diferentes níveis de “atração”, as tendências da colocação do
indeterminador parecem semelhantes entre brasileiros e portugueses, considerando-se
ambientes linguísticos distintos.
Em termos gerais, o questionário confirma que o indeterminador não distancia
claramente as variedades brasileira e europeia no que tange às peculiaridades da
colocação pronominal em cada uma. A adjacência a V1 é a opção mais apontada na
maioria dos contextos morfossintáticos, com diferentes tipos de elementos antecedentes.
Mais discretamente, percebe-se que o brasileiro, mesmo em se tratando do clítico
indeterminador, quando está diante de complexos verbais menos integrados – como no
caso do aspectual “chegou a” e no caso do bi-oracional com “tentar” + infinitivo –,
chega a aceitar a variante proclítica a V2, raramente aventada como natural pelos
portugueses.
Quanto ao emprego do “se” reflexivo/inerente, brasileiros e portugueses
apresentam como tendência geral a ligação do clítico ao verbo principal, mas não de
maneira unânime. Os diferentes contextos de teste mostraram-se favoráveis para a
variação da posição do clítico. Quando, por exemplo, testada uma sentença com
elemento “proclisador” no contexto, ambos os grupos de falantes optaram, em sua
maioria, pela próclise a V1. A decisão de se eliminar o sujeito explícito do contexto não
parece ter sido uma medida adequada, tendo em vista que os exemplos do tipo “Este
aparelho possui três lâminas para que se possa barbear melhor” (e suas variantes) pode
231
ter gerado uma ambiguidade na interpretação do “se”, tanto por parte dos brasileiros
quanto por parte dos europeus. Cogita-se, então, que os votos para a próclise a V1
podem estar relacionados também a uma possível leitura do “se” não como reflexivo.
No dado a seguir, por exemplo, não se sabe, ao certo, se os falantes europeus se
influenciaram pela presença do elemento “proclisador” (“como”) ou pelo tipo de “se”,
possivelmente interpretado como indeterminador, conforme se vê: “Como (se) costuma
vestir para sair à noite?”, a maioria dos portugueses elegeu a próclise a V1, enquanto
80% dos brasileiros selecionaram a próclise a V2.
Por outro lado, em frases sem fator de próclise, a maioria dos brasileiros
selecionou a próclise a V2, enquanto a maioria lusitana escolheu a ênclise a V2. Em
confirmação ao exposto, em sentenças sem “proclisador” e com complexo verbal
composto pela preposição “a”, brasileiros e portugueses reforçam suas preferências
distintas, a saber: falantes brasileiros categoricamente optaram pela próclise a V2,
enquanto os europeus se dividiram entre as duas variantes enclíticas. Como já se disse,
o material fônico de uma preposição composta apenas por vogal não seria suficiente
para funcionar como “proclisador” para um europeu. Além disso, a ausência de um fator
de próclise no contexto parece desfavorecer o emprego da próclise a V1.
5.3.1.2 Contextos com o “se” em sentenças com o verbo principal no gerúndio
5.3.1.2.1 Resultados referentes ao “se” indeterminador/apassivador em sentenças
com o verbo principal no gerúndio
Para avaliação da colocação do indeterminador em sentenças com o gerúndio
como verbo principal, tomou-se por base a seguinte sentença e suas variantes: O mau
comportamento de celebridades se vem observando como tendência em todo o mundo,
O mau comportamento de celebridades vem-se observando como tendência em todo o
mundo, O mau comportamento de celebridades vem se observando como tendência em
todo o mundo, O mau comportamento de celebridades vem observando-se como
tendência em todo o mundo. A partir de então, expõem-se as construções destacadas
segundo o resultado das escolhas dos falantes. Os valores percentuais expõem-se na
seguinte tabela:
232
O
mau
O
mau
O
mau
O
mau
comportamento
comportamento
comportamento
comportamento
de celebridades se
de
de
de
vem
vem-se
vem
se
vem observando-
observando como
observando como
se como tendência
tendência em todo
tendência em todo
em todo o mundo.
o mundo.
o mundo.
observando
como
tendência
em todo o mundo.
celebridades
celebridades
celebridades
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileir
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
eses
s
eses
os
eses
s
eses
s
1ª opção
0%
10%
70%
0%
0%
80%
30%
10%
2ª opção
20%
30%
20%
40%
40%
20%
20%
10%
3ª opção
50%
40%
0%
40%
40%
0%
10%
20%
4ª opção
30%
20%
10%
20%
20%
0%
40%
60%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 43: Avaliação da sentença “O mau comportamento de celebridades se vem observando como
tendência em todo o mundo.” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e
portugueses
É interessante observar que 70% dos portugueses optam pela ênclise a V1,
quando o “se” é indeterminador/apassivador, em um contexto em que não há elemento
“proclisador”, o que desfavorece a variante proclítica a V1, por exemplo. 30%
escolheram, ainda, como 1ª opção a ênclise a V2. Vê-se, então, que as variantes
enclíticas parecem ser as preferidas no contexto em questão, por parte dos europeus. Por
outro lado, dentre os falantes brasileiros, 80% selecionaram a próclise a V2. Como
segunda opção, 40% elegeram a ênclise a V1.
Observa-se, com os resultados da
avaliação
que
dos
brasileiros,
que,
ainda
o
“se”
tenha
função
indeterminadora/apassivadora na frase em questão, a tendência parece ser pela ligação
em próclise a V2 com o verbo principal no gerúndio.
233
5.3.1.2.2 Resultados referentes ao “se” reflexivo/inerente em sentenças com o verbo
principal no gerúndio
Para efeito de avaliação do contexto, selecionou-se a seguinte sentença com a
construção em destaque mais suas formas alternantes: A enfermeira se ia sempre
apresentando quando chegava para cuidar das pacientes, A enfermeira ia-se sempre
apresentando quando chegava para cuidar das pacientes, A enfermeira ia sempre se
apresentando quando chegava para cuidar das pacientes, A enfermeira ia sempre
apresentando-se quando chegava para cuidar das pacientes. Segue, abaixo, a avaliação
dos falantes a respeito de suas preferências na escolha pela ordem do “se” no referido
contexto:
Os valores percentuais expõem-se na seguinte tabela:
A enfermeira se ia
A enfermeira ia-se
A enfermeira ia
A enfermeira ia
sempre
sempre
sempre
sempre
apresentando
apresentando
apresentando
apresentando-se
quando
quando
quando
quando
chegava
chegava
se
chegava
chegava
para cuidar das
para cuidar das
para cuidar das
para cuidar das
pacientes.
pacientes.
pacientes.
pacientes.
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
eses
s
eses
s
eses
s
eses
s
1ª opção
10%
0%
50%
0%
10%
100%
30%
0%
2ª opção
0%
0%
20%
10%
30%
0%
50%
90%
3ª opção
60%
60%
10%
30%
20%
0%
10%
10%
4ª opção
30%
40%
20%
60%
40%
0%
10%
0%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 44: Avaliação da sentença “A enfermeira se ia sempre apresentando quando chegava para cuidar
das pacientes.” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Ressalta-se que metade dos falantes portugueses optou pela ênclise a V1,
provavelmente pela ausência de um elemento “proclisador”, que motivasse outra
variante. Como segunda opção, 50% dos portugueses optaram pela ênclise a V2. Ao que
parece, os lusitanos tentaram evitar as variantes proclíticas. O mesmo não ocorre nas
escolhas brasileiras, em que se selecionou categoricamente a próclise a V2. Esse
comportamento ainda mais expressivo da próclise a V2 do que se viu com o infinitivo,
por parte dos brasileiros, parece se dar exatamente por conta de a influência do tipo de
234
“se” no Brasil, neste caso, do reflexivo/inerente, adjungir-se a V2. Confirma-se, ainda, a
mesma tendência por meio do índice de 90% de ênclise a V2 como segunda opção pelos
brasileiros e, consequentemente, maior rejeição à ênclise a V1 e à próclise a V1.
5.3.1.2.3 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal
no gerúndio
Os dois contextos analisados nos questionários com o verbo principal no
gerúndio, tanto com o indeterminador quanto o “se” reflexivo, não apresentam um
elemento “proclisador” na sentença. Dessa maneira, pode-se perceber a preferência de
cada falante sem uma possível interferência desse contexto morfossintático. Assim,
observou-se que, diante do indeterminador bem como do reflexivo, os lusitanos
tenderam a selecionar a ênclise a V1; os brasileiros priorizaram a próclise a V2 com os
dois tipos de “se”, sendo de forma categórica com o reflexivo.
5.3.1.3 Contextos com o “se” em sentenças com o verbo principal no particípio
5.3.1.3.1 Resultados referentes ao “se” indeterminador/apassivador em sentenças
com o verbo principal no particípio
Quanto
aos
exemplos
avaliados,
ambos
configuram
casos
de
“se”
indeterminador/apassivador, a saber: (i) Por se ter feito o acordo, os trabalhadores não
aderiram à greve, Por ter-se feito o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve,
Por ter se feito o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve, *Por ter feito-se o
acordo, os trabalhadores não aderiram à greve; (ii) Talvez só agora se tenha
encontrado, com relação ao cólera, alguma solução, Talvez só agora tenha-se
encontrado, com relação ao cólera, alguma solução, Talvez só agora tenha se
encontrado, com relação ao cólera, alguma solução, *Talvez só agora tenha
encontrado-se, com relação ao cólera, alguma solução. Não houve sentenças com o
reflexivo mais particípio como verbo principal26.
26
Devido ao extenso questionário, nem todos as sentenças, em seus variados contextos de colocação do
“se” em complexos verbais puderam ser atestadas, além, principalmente, das dificuldades de aplicação
dos questionários, que dependem de voluntários com tempo disponível.
235
(i) Por se ter feito o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve.
Os valores percentuais expõem-se na seguinte tabela:
Por se ter feito o
Por ter-se feito o
Por ter se feito o
*Por ter feito-se o
acordo,
acordo,
acordo,
acordo,
os
os
os
os
trabalhadores não
trabalhadores
trabalhadores não
trabalhadores não
aderiram à greve.
não aderiram à
aderiram à greve.
aderiram à greve.
greve.
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileir
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
eses
s
eses
os
eses
s
eses
s
1ª opção
80%
60%
20%
10%
0%
30%
0%
0%
2ª opção
10%
30%
80%
30%
10%
30%
0%
10%
3ª opção
10%
10%
0%
50%
80%
40%
10%
0%
4ª opção
0%
0%
0%
10%
10%
0%
90%
80%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
10%
Tabela 45: Avaliação da sentença “Por se ter feito o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve.” (e
variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
A estrutura verbal complexa composta por particípio como verbo principal
parece ser a que mais aproxima as escolhas dos falantes brasileiros e europeus, tendo
em vista o fato de a maioria ter optado pela próclise a V1, como primeira opção, sendo
80% de portugueses e 60% de brasileiros. A segunda opção mais votada pelos
portugueses foi a ênclise a V1, o que dá a entender que os lusitanos parecem evitar a
adjacência do “se” à forma participial, assim como os brasileiros, ainda que tenham
distribuído mais os seus votos por outras variantes. Os índices de rejeição da ênclise a
V2, quase unânimes, confirmam o afastamento do “se” da forma participial. Contudo,
ressalte-se que apenas um falante considerou a construção enclítica a V2 como
inaceitável, sendo este um representante brasileiro. Esperava-se que mais informantes,
principalmente os europeus, reconhecessem a ênclise ao particípio não só como a menos
natural, mas como inaceitável em sua produção natural da língua.
236
(ii) Talvez só agora se tenha encontrado, com relação ao cólera, alguma solução. Os
valores percentuais expõem-se na seguinte tabela:
Talvez só agora se
Talvez só agora
Talvez só agora
*Talvez só agora
tenha encontrado,
tenha-se
tenha
tenha
com
encontrado,
relação
cólera,
ao
alguma
solução.
com
se
encontrado,
com
encontrado-se,
relação ao cólera,
relação ao cólera,
com relação ao
alguma solução.
alguma solução.
cólera,
alguma
solução.
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileiro
Portugu
Brasileir
eses
s
eses
s
eses
s
eses
os
1ª opção
70%
70%
20%
0%
10%
30%
0%
0%
2ª opção
10%
20%
60%
30%
20%
40%
10%
10%
3ª opção
10%
10%
20%
60%
40%
20%
30%
10%
4ª opção
10%
0%
0%
10%
30%
10%
70%
80%
Inaceitável
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Tabela 46: Avaliação da sentença “Talvez só agora se tenha encontrado, com relação ao cólera, alguma
solução.” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Portugueses e brasileiros tenderam a assumir parâmetros semelhantes da
colocação do “se” quando em construções verbais complexas com V2 sendo um
particípio. A próclise a V1 é preferida como primeira opção por 70% dos lusitanos e
brasileiros. Como segunda opção, 60% dos portugueses escolheram a ênclise a V1,
enquanto 40% dos brasileiros elegeram, secundariamente, a variante próclise a V2. Mais
uma vez, a variante de maior rejeição no contexto por brasileiros e portugueses seria a
ênclise a V2, mas chama-se atenção para o fato de nenhum voluntário ter alertado para a
impossibilidade gramatical da construção, conforme proposto nas prescrições
tradicionais.
5.3.1.3.2 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal
no particípio
Os dois exemplos observados, com V2 na forma participial, embora semelhantes
por ambos contarem com o “se” indeterminador/apassivador, apresentam um contexto
considerado tradicionalmente de colocação facultativa da próclise (preposição “por”) e,
por outro lado, na segunda sentença, há o elemento de inclusão “só” (além do advérbio
237
curto “agora”), tido como “proclisador”. Independentemente dos contextos apontados,
os resultados das escolhas entre brasileiros e portugueses foram bem próximos.
Nos dois casos, ambos os grupos de falantes elegeram a próclise a V1 como
primeira opção pela maioria. A maior parte dos lusitanos escolheu como segunda opção
a ênclise a V1, nos dois exemplos, enquanto os brasileiros vacilaram mais na segunda
escolha, com votos bastante distribuídos entre as demais variantes. Consegue-se
perceber, então, que o falante, sobretudo o português, tende a afastar o “se” de V2
quando este é um particípio.
5.3.2 Análise dos questionários: segundo teste
No que tange ao preenchimento de lacunas, em que se propunha uma forma
verbal entre parênteses, o falante possuía a liberdade de preencher o espaço em branco
com o complexo verbal dado e posicionar o “se” em uma única ordem de sua
preferência.27 Sendo assim, tomaram-se por base as seguintes sentenças com o verbo
principal no infinitivo: (i) As políticas públicas que ________________ para o ano que
vem ainda não são garantia de melhorias para a população. (começar a delinear [se]);
(ii) Quanto ao pouco tempo que temos, ________________ esse problema da melhor
forma possível (pretender administrar [se]); (iii) Eu não sei se ela _________________
nesta cadeira. (poder sentar – [se]); (iv) Algumas pessoas que moram longe do
trabalho __________________ com o horário. (devem preocupar [se]).
27
Algumas tabelas não acusam a totalidade de 100% das escolhas, visto que alguns falantes selecionaram
formas imprevistas para o preenchimento das lacunas. As mais recorrentes serão apresentadas
posteriormente.
238
5.3.2.1 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” em sentenças com o verbo
principal no infinitivo
5.3.2.1.1 Resultados referentes ao “se” indeterminador/apassivador em sentenças
com o verbo principal no infinitivo
(i) As políticas públicas que se começam a delinear para o ano que vem ainda não são
garantia de melhorias para a população.
Quanto ao primeiro exemplo analisado, com o “se” indeterminador/apassivador
em complexo verbal com construção aspectual composta também por preposição, temse a seguinte avaliação:
As políticas públicas
As políticas públicas
As políticas públicas
As políticas públicas
que
que
que
que
se
começam a
começam-se
a
começam a
se
começam
a
delinear para o ano
delinear para o ano
delinear para o ano
delinear-se para o ano
que vem ainda não são
que vem ainda não são
que vem ainda não são
que vem ainda não são
garantia de melhorias
garantia de melhorias
garantia de melhorias
garantia de melhorias
para a população.
para a população.
para a população.
para a população.
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
50%
20%
0%
0%
0%
80%
40%
0%
Tabela 47: Avaliação da sentença “As políticas públicas que se começam a delinear para o ano que vem
ainda não são garantia de melhorias para a população.” (e variantes) em valores percentuais pelos
informantes brasileiros e portugueses
Destaca-se que as escolhas de brasileiros e portugueses se apresentaram bastante
distintas. O resultado do questionário dos portugueses confirma as tendências gerais
apresentadas na análise da amostra europeia, de equilíbrio entre a próclise a V1 e
ênclise a V2. É interessante notar que o “proclisador” não exerce seu efeito
categoricamente. Além disso, quando a preposição integrante ao complexo verbal é o
“a” parece não haver o efeito “proclisador”, que geraria a construção V1 (x) cl V2,
devido a seu frágil conteúdo fônico, diferentemente das outras preposições. Por outro
lado, a maior parte dos brasileiros sob análise realizou a próclise a V2, confirmando as
tendências do padrão brasileiro. Chama-se atenção para o fato de o brasileiro parecer
não realizar suas escolhas influenciado pela presença do elemento “proclisador”, além
de a preposição “a” não configurar, em qualquer hipótese, um empecilho para a posição
de próclise ao verbo principal, como o é para o europeu. Observa-se, contudo, que a
adjacência do indeterminador a V1 (posição mais comum nesse contexto) pode não ter
239
sido concretizada em grande quantidade por se tratar de uma construção verbal
complexa integrada pela preposição “a”.
(ii) Quanto ao pouco tempo que temos, se pretende administrar esse problema da
melhor forma possível.
Quanto
ao
pouco
Quanto
ao
pouco
Quanto
que
temos,
tempo
tempo que temos, se
tempo
pretende
pretende-se
esse
administrar
problema
da
melhor forma possível.
ao
pouco
Quanto
que
temos,
tempo
pretende
ao
pouco
que
temos,
se
pretende administrar-
esse
se esse problema da
problema da melhor
problema da melhor
melhor forma possível.
forma possível.
forma possível.
administrar
esse
administrar
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
0%
40%
70%
50%
0%
0%
30%
0%
Tabela 48: Avaliação da sentença “Quanto ao pouco tempo que temos, se pretende administrar esse
problema da melhor forma possível.” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e
portugueses
Em contexto sem atração pronominal, confirma-se a relação direta que o falante
português apresenta com o ambiente linguístico para eleger a ordem do “se”. Observase que, na ausência de elementos “proclisadores” antes do grupo clítico-complexo
verbal, as variantes enclíticas ganham espaço, especialmente a V2, provavelmente por
se tratar de um indeterminador. Já a distribuição equilibrada entre a próclise a V1 e a
ênclise a V1 por parte dos brasileiros parece indicar dois dados importantes, a saber: (i)
reforça a relevância do tipo de “se” para a ordem do clítico no Brasil; (ii) para o
brasileiro, ao contrário do europeu, a sentença não precisa de um contexto com
“proclisador”, necessariamente, para haver a próclise. O que importa para o brasileiro,
de fato, é a natureza do “se”.
240
5.3.2.1.2 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” reflexivo/inerente em
sentenças com o verbo principal no infinitivo
Por meio do segundo exemplo investigado, acerca da colocação do reflexivo em
construções com o infinitivo como verbo principal, chegou-se ao seguinte resultado:
(i) Eu não sei se ela se pode sentar nesta cadeira.
Eu não sei se ela se
Eu não sei se ela pode-
Eu não sei se ela pode
Eu não sei se ela pode
pode
se sentar nesta cadeira.
se sentar nesta cadeira.
sentar-se
sentar
nesta
cadeira.
nesta
cadeira.
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
90%
0%
0%
0%
0%
80%
10%
0%
Tabela 49: Avaliação da sentença “Eu não sei se ela se pode sentar nesta cadeira.” (e variantes) em
valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
No que tange ao exemplo de “se” reflexivo/inerente, em complexo verbal com a
construção modal + infinitivo, dentre os 10 informantes brasileiros avaliados, 8 optaram
pela próclise a V2, com o preenchimento “Eu não sei se ela pode se sentar nesta
cadeira”, dado que confirma a hipótese de que o emprego do “se” reflexivo pelo
brasileiro, em seu modo mais natural/aceitável, tende a se ligar em próclise a V2 e não
está condicionado à presença de um elemento “proclisador”, que, neste caso é a
conjunção integrante “se”.
O fato curioso é que os outros dois informantes preencheram a lacuna sem
empregar o “se”, da seguinte forma: “Eu não sei se ela pode sentar nesta cadeira”. O
exemplo ilustra um fenômeno importante que também merece investigação, mas não se
insere no escopo deste trabalho, que seria o apagamento do “se” na fala de brasileiros.
Por outro lado, os portugueses, quase unanimemente (90%), optaram pela próclise a V1,
provavelmente pela motivação linguística, representada pela presença da conjunção “se”
antecedendo o grupo clítico-complexo verbal.
241
(ii) Algumas pessoas que moram longe do trabalho se devem preocupar com o horário.
Algumas pessoas que
Algumas pessoas que
Algumas pessoas que
Algumas pessoas que
moram
longe
moram
moram
longe
do
moram
trabalho
se
devem
se
trabalho
com
o
preocupar
do
devem
com
o
horário.
longe
do
trabalho
devem-se
trabalho
preocupar
com
preocupar
o
horário.
horário.
longe
preocupar-se
do
devem
com o
horário.
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
0%
0%
30%
10%
0%
90%
70%
0%
Tabela 50: Avaliação da sentença “Algumas pessoas que moram longe do trabalho se devem preocupar
com o horário.” (e variantes) em valores percentuais pelos informantes brasileiros e portugueses
Em contraste ao exemplo anterior, o contexto que ora se apresenta, sem
“proclisador”, é um ambiente linguístico fértil para a colocação da ênclise, nesse caso a
V2, por parte dos portugueses, especialmente por ser um reflexivo. Os brasileiros
assumem, quase categoricamente, o padrão proclítico do reflexivo ao verbo principal,
confirmando as tendências anteriormente expostas.
5.3.2.1.3 Sistematização do emprego do “se” nas construções com o verbo principal
no infinitivo: preenchimento de lacunas
Observou-se que os falantes brasileiros e portugueses tenderam ao
preenchimento semelhante de lacunas quando se trata de um indeterminador. Ambos os
grupos preferiram a próclise a V1, diante da preposição “para”. Contudo, os resultados
diferenciam-se no emprego do reflexivo. 90% dos portugueses elegeram a próclise a V1
com o “se” reflexivo/inerente, influenciados pela conjunção integrante “se” (tradicional
“proclisador”) que antecede o grupo clítico-complexo verbal. 80% dos brasileiros
optaram pela próclise a V2, o que demonstra que a presença de um “proclisador”
prototípico não afeta a avaliação de um brasileiro; o fato de se tratar de um clítico
sintaticamente ligado a V2 acarreta a adjacência do clítico ao verbo principal.
242
5.3.2.2 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” em sentenças com o verbo
principal no gerúndio
5.3.2.2.1 Resultados referentes ao “se” reflexivo/inerente em sentenças com o verbo
principal no gerúndio
Para o preenchimento das lacunas com o clítico inserido no complexo verbal
com o gerúndio como V2, tomou-se por base a seguinte sentença: O país sede das
próximas Olimpíadas _________________ para o grande evento. (ir preparando –
[se]).
Chegou-se ao seguinte resultado:
O
país
sede
das
O
país
sede
das
O
país
sede
das
O
país
sede
das
próximas Olimpíadas
próximas Olimpíadas
próximas Olimpíadas
próximas Olimpíadas
se
vai-se
vai
vai
vai
preparando
preparando
se
preparando
preparando-se
para o grande evento.
para o grande evento.
para o grande evento.
para o grande evento.
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
0%
0%
50%
0%
0%
100%
10%
0%
Tabela 51: Avaliação da sentença “O país sede das próximas Olimpíadas se vai preparando para o
grande evento.” (e variantes) pelos informantes brasileiros e portugueses
Dentre os informantes portugueses, 50% optaram pela ênclise a V1,
provavelmente por não haver um elemento “proclisador” antecedendo o grupo clíticocomplexo verbal. Apenas um falante optou pela ênclise a V2. Os demais (40%),
curiosamente, escolheram outras formas de preenchimento das lacunas não previstos na
elaboração do questionário28, e realizaram as seguintes sentenças: “O país sede das
próximas Olimpíadas está a preparar-se para o grande evento” (por dois candidatos);
“O país sede das próximas Olimpíadas está-se preparando para o grande evento”; “*O
país sede das próximas Olimpíadas para se preparar para o grande evento.” Quanto
aos brasileiros, optaram categoricamente pelo emprego da próclise a V2, especialmente
pelo fato de ser um reflexivo/inerente.
28
Nota-se que as recorrentes fugas ou outras estratégias inesperadas no preenchimento das lacunas podem
ser um indício de que as sentenças criadas nem sempre foram as melhores e, por isso, mal compreendidas
por alguns falantes.
243
5.3.2.2.2 Sistematização dos resultados do teste do preenchimento de lacunas com o
“se” em sentenças com o verbo principal no gerúndio
Em contextos sem licenciamento para a próclise, os portugueses tenderam a
empregar o “se” reflexivo/inerente em ênclise a V1, também com o gerúndio como
verbo principal. Já os brasileiros demonstram escolhas integralmente diferentes das
apresentadas pelos europeus. Categoricamente, os brasileiros selecionaram a próclise a
V2 no contexto descrito.
5.3.2.3 Teste do preenchimento de lacunas com o “se” em sentenças com o verbo
principal no particípio
5.3.2.3.1 Resultados referentes ao “se” indeterminador/apassivador em sentenças
com o verbo principal no particípio
Para o preenchimento das lacunas com o clítico inserido no complexo verbal
com o particípio como V2, tomaram-se por base as seguintes sentenças: (i) Mesmo com
a crise, _________________ bons negócios. (ter feito – [se]); (ii) Descobriram
recentemente que __________________ de tudo para demitirem os funcionários da
empresa. (ter/haver feito – [se]);
Com relação ao primeiro exemplo, os resultados seguem abaixo:
Mesmo com a crise, se
Mesmo com a crise,
Mesmo com a crise,
*Mesmo com a crise,
tem
tem-se
tem
tem
feito
bons
negócios.
feito
bons
negócios.
se
feito
bons
negócios.
feito-se
bons
negócios.
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
0%
60%
60%
10%
0%
30%
0%
0%
Tabela 52: Avaliação da sentença “Mesmo com a crise, se tem feito bons negócios.” (e variantes) pelos
informantes brasileiros e portugueses
No contexto descrito acima, 60% dos brasileiros preferiram, na amostra, a
próclise a V1 e 30% a próclise a V2, enquanto os portugueses optaram pela ênclise a
V1, tendo em vista que não há contexto de atração pronominal. Esta, mais uma vez, não
constitui condição para o brasileiro realizar suas escolhas, tanto que utilizou a próclise a
V1, mesmo sem a presença do elemento “proclisador”. Ressalte-se, ainda, que 40% dos
portugueses utilizaram outras formas de preenchimento das lacunas, não previstas na
elaboração do questionário, a saber: “Mesmo com a crise, fez-se bons negócios” (por
244
dois informantes); “Mesmo com a crise, ter-se-á feito bons negócios” e “Mesmo com a
crise, são feitos bons negócios”.
Registra-se que três falantes brasileiros preencheram a lacuna com a próclise ao
particípio; já os falantes portugueses não fizeram o mesmo. Quanto ao emprego de
ênclise ao particípio, não houve qualquer registro desse tipo nos questionários.
No segundo exemplo, tem-se:
Descobriram
Descobriram
Descobriram
*Descobriram
recentemente que se
recentemente que tem-
recentemente que tem
recentemente que tem
tem feito de tudo para
se feito de tudo para
se feito de tudo para
feito-se de tudo para
demitirem
os
demitirem
os
demitirem
os
demitirem
os
funcionários
da
funcionários
da
funcionários
da
funcionários
da
empresa.
empresa.
empresa.
empresa.
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
Portugueses
Brasileiros
20%
60%
10%
20%
0%
20%
0%
0%
Tabela 53: Avaliação da sentença “Descobriram recentemente que se tem feito de tudo para demitirem os
funcionários da empresa.” (e variantes) pelos informantes brasileiros e portugueses
A mesma tendência do emprego da próclise a V1 do exemplo anterior repete-se,
nesse caso, com a presença de “proclisador”, por 60% dos brasileiros. Já os portugueses
parecem não ter compreendido a estrutura dessa parte do questionário e utilizaram
outras formas de preenchimento, não previstos no teste, a saber: “Descobriram
recentemente que tem de se fazer de tudo para demitirem os funcionários da empresa.”;
“Descobriram recentemente que tinham-lhe feito de tudo para demitirem os
funcionários da empresa.”; “Descobriram recentemente que se devia ter feito de tudo
para demitirem os funcionários da empresa.”; “Descobriram recentemente que tem que
se fazer de tudo para demitirem os funcionários da empresa.” “Descobriram
recentemente que ter-se há feito de tudo para demitirem os funcionários da empresa.”;
“Descobriram recentemente que teriam de fazer de tudo para demitirem os funcionários
da empresa.”, além de um candidato ter deixado em branco tal lacuna.
245
5.3.2.3.2 Sistematização dos resultados do teste do preenchimento de lacunas com o
“se” em sentenças com o verbo principal no particípio
As escolhas de brasileiros e portugueses mostraram-se diferentes diante de um
complexo verbal com V2 na forma participial quando ocorre o emprego do
indeterminador. Por se tratar de uma estrutura verbal complexa composta por V2 no
particípio, brasileiros e portugueses tenderam a optar pelo clítico adjacente ao primeiro
verbo, porém a maioria dos brasileiros selecionou a próclise a V1, enquanto os
portugueses escolheram majoritariamente a ênclise a V1. Destaca-se, contudo, que não
havia elemento “proclisador” na sentença em questão. Confirmou-se que, na intuição da
maioria dos falantes brasileiros, a próclise não precisa estar licenciada pela presença de
“proclisador” para figurar em estruturas verbais complexas. Já a naturalidade de
aceitação da ordem do clítico “se” para os lusitanos segue o padrão enclítico da
colocação pronominal, especialmente quando não há “proclisadores” antecedendo o
grupo clítico-complexo verbal.
5.3.3 Análise dos questionários: terceiro teste
No que se refere ao terceiro teste, o mais livre dos três, foram dados comandos
(perguntas) por meio dos quais se esperava que o falante utilizasse o clítico “se” em
contextos diversos. As quatro perguntas fornecidas foram as seguintes: (a) O que se
pode/deve ou não fazer (levar) numa viagem?; (b) O que se pode/deve ou não fazer em
(levar para) um acampamento?; (c) O que pode acontecer a uma criança que está à beira
de uma piscina?; (d) O que pode acontecer a uma criança que brinca próximo a uma
fogueira?. Dentre o falantes que utilizaram o “se” nas respostas, registraram-se as
tendências expostas a seguir.
5.3.3.1 Análise das construções produzidas livremente por falantes brasileiros
Os brasileiros tenderam a separar suas escolhas da maneira apresentada a seguir:
com o “se” indeterminador/apassivador, este ficava na adjacência de V1. Seguem
algumas produções de autoria dos próprios falantes para observação: “Pode-se levar
roupas de banho”; “Pode-se levar casacos”; “Pode-se passear de noite”; “Pode-se
dormir tarde”; “Deve-se aproveitar ao máximo”; “Pode-se levar objetos eletrônicos”;
246
“Deve-se levar repelente para mosquitos”; “Deve-se respeitar os amigos/pessoas
acampadas.”; “Não se pode esquecer a mala numa viagem.”
Dentre as várias construções elaboradas pelos informantes, umas com o clítico
“se” e outras sem, contabilizaram-se todas as respostas para separar os contextos com o
clítico diante de “proclisadores” (subordinativos e partículas de negação) daqueles que
não apresentaram qualquer “proclisador”, incluindo-se os casos de início absoluto de
período/oração. O padrão de resposta mais utilizado foi o da ênclise a V1, em 28
sentenças num total de 115 frases (todas as frases foram contempladas, inclusive as sem
registros de clítico), especialmente em início absoluto de período/oração; como
alternativa, utilizou-se a próclise a V1, 16 vezes, diante da presença de “proclisadores”
(“que” e “não”). Os falantes que utilizaram o clítico “se” nas respostas, mas fugiram ao
padrão observado acima, produziram as poucas construções que se seguem: “Se pode
levar uma barraca”, “Se deve levar comida” (as duas fornecidas pelo mesmo
informante), “Se deve levar tudo que se vai precisar para a viagem”, “Se deve levar
alimentos que não estraguem para o acampamento” (as duas últimas fornecidas pelo
mesmo informante) e “Tem que se levar uma barraca”. É interessante notar que quatro
dos cinco exemplos ilustram a possibilidade de emprego da próclise do se
indeterminador a V1 (e não a V2), por parte do brasileiro, mesmo em início absoluto de
oração, além de uma ocorrência de próclise a V2 dentro de um complexo verbal
composto por “que”. Além disso, em uma resposta com a partícula de negação
antecedendo o grupo clítico-complexo verbal, registrou-se uma ênclise a V2: “Não
pode-se fumar nos aviões”.
Destaca-se que as respostas dadas aos comandos que induziam ao uso do
indeterminador eram, na maioria das vezes, favoráveis à ênclise a V1. É interessante
chamar atenção para o fato de que, mesmo com o sujeito da voz passiva no plural, o
verbo modal “pode/deve” foi empregado no singular por todos os falantes brasileiros, o
que parece ilustrar que no Brasil há uma tendência a não mais interpretar o argumento
externo do verbo como sujeito do complexo verbal. Um maior detalhamento não se faz
necessário, já que o assunto não se insere nos limites desta pesquisa.
Quanto às respostas dadas aos comandos que favoreciam a ocorrência do “se”
reflexivo/inerente, figuraram todos em próclise a V2, na amostra dos questionários do
247
Brasil. O padrão de resposta assemelha-se a alguns dos exemplos aqui reproduzidos, a
saber: “A criança pode se afogar”; “A criança pode se queimar”; “A criança pode se
aquecer”; “A criança pode se jogar na piscina”; “Ela pode se ferir”; “Ela pode se
machucar”; “Ela pode se interessar pela fogueira”; “Ela pode se sentir aquecida”. O
mesmo padrão de resposta foi repetido ao longos dos diferentes questionários 28 vezes
categoricamente em próclise a V2. Não houve qualquer registro de contexto com
partícula de negação ou outro elemento “proclisador”.
5.3.3.2 Análise dos construções produzidas livremente por falantes portugueses
Quanto aos padrões europeus de respostas ao questionário de forma mais livre,
tem-se com relação ao emprego do indeterminador, as seguintes construções: “Deve-se
levar produtos de higiene pessoal”; “Deve-se levar máquina fotográfica”; “Deve-se
levar mapas da cidade”; “Pode-se ir tomar banho à cascata”; “Numa viagem pode-se ir
à praia”; “Não se deve levar sapatos de salto alto”; “Não se deve levar roupa em
excesso”; “Não se pode subir montanhas sem cuidado”. O mesmo padrão de respostas
do clítico em ênclise a V1 em sentenças sem a partícula de negação ou outro
“proclisador” repetiu-se em 23 ocorrências num total de 102 frases. A próclise a V1 em
sentenças diante de partículas de negação foi empregada seis vezes. Não houve formas
variantes para a colocação do “se” indeterminador/apassivador na amostra, ou seja, das
23 ocorrências de indeterminador sem “proclisador”, todas foram empregadas em
ênclise a V1, tendo em vista o contexto de início absoluto de oração que favorece tal
variante. Da mesma forma, ocorreu a próclise a V1 nos contextos com o “proclisador”,
ou seja, das seis ocorrências registradas, todas foram procliticamente empregadas a V1,
favorecidas pelo “atrator”.
No que tange às respostas que possibilitavam o “se” reflexivo/inerente nas
sentenças, encontrou-se o seguinte padrão de respostas fornecido pelos lusitanos: “Pode
afogar-se”; “Pode aleijar-se”; “Pode queimar-se”; “Pode assustar-se”; “A criança pode
desequilibrar-se e cair para dentro da fogueira”. Esse padrão de respostas foi repetido
13 vezes ao longo dos questionários de diferentes informantes; enquanto uma outra
variante foi empregada quatro vezes, a saber: “A criança pode-se queimar”. Como se
pode observar, a ênclise a V1 foi empregada como opção possível pelos portugueses, o
248
que ilustra um comportamento diferente com relação aos brasileiros, que
inequivocamente optaram pela próclise a V2, no caso de um reflexivo.
5.3.3.3 Sistematização dos resultados dos contextos produzidos livremente por
brasileiros e portugueses
A terceira questão do teste, de cunho mais livre de elaboração de respostas por
parte do falante, confirma algumas semelhanças e diferenças entre as escolhas intuitivas
de brasileiros e portugueses a respeito da colocação do “se”. Com o indeterminador, por
exemplo, a tendência geral de ambos os grupos é optar pela ênclise a V1,
especificamente por se tratar de contextos de início absoluto de oração, que
desfavorecem outras variantes. Por se tratar dos modais “poder/dever”, a estrutura
parece funcionar como uma espécie de fórmula, em que a ênclise a V1 ainda sobrevive
no Brasil, mas não categoricamente. Nos poucos casos de sentenças com partículas de
negação antecedendo o grupo clítico-complexo verbal, optou-se pela próclise a V1.
Contudo, enquanto os portugueses foram categóricos em suas decisões diante do “se”
indeterminador/apassivador, os brasileiros apresentaram outras formas de emprego do
clítico, como o uso da próclise a V1 em início absoluto de oração (em quatro respostas,
formuladas por dois informantes diferentes), além de um caso de ênclise a V1 diante do
“proclisador” partícula de negação.
Quanto ao emprego do “se” reflexivo/inerente, as diferenças entre os falantes
das duas variedades da Língua Portuguesa tornam-se mais evidentes. Os brasileiros
formularam suas respostas categoricamente utilizando a próclise a V2. Já os portugueses
utilizaram majoritariamente a ênclise a V2. Como segunda opção, empregaram,
também, o reflexivo em ênclise a V1 (em quatro sentenças). Não houve qualquer
registro de próclise a V2 por parte dos lusitanos nessa parte dos questionários.
249
6. CONTRASTE ENTRE OS PADRÕES DE COLOCAÇÃO DO “SE” EM
COMPLEXOS VERBAIS NAS ESCRITAS BRASILEIRA E EUROPEIA
O presente capítulo visa a comparar os padrões de colocação do “se” nas
estruturas com complexos verbais na escrita do Português do Brasil e do Português
Europeu, viabilizados a partir da análise apresentada. Em seguida, expõem-se as
conclusões da pesquisa, com a sistematização dos principais resultados, sempre que
possível.
6.1 Comparação entre os padrões de colocação do “se” em complexos verbais nas
escritas brasileira e europeia
Apresenta-se, aqui, uma síntese comparativa entre a escrita no Brasil e em
Portugal, a respeito da ordem do “se” em complexos verbais. De antemão, destaca-se a
existência de uma regra variável refletida no comportamento dos dados, em que se
verifica o registro de quatro variantes para o Brasil (cl V1 V2, V1-cl V2, V1 cl V2 e V1
V2-cl) e de três para Portugal (cl V1 V2, V1-cl V2 e V1 V2-cl), ainda que com
frequências diferentes.
Cabe observar que a modalidade escrita da língua portuguesa apresenta mais
aspectos de aproximação do que de afastamento entre as normas brasileira e europeia no
que tange à ordem do “se” em construções com complexos verbais em textos
jornalísticos. Primeiramente, os resultados da pesquisa evidenciaram que, em início
absoluto de período/oração, não se registra a próclise a V1 nas duas amostras. Empregase como estratégia, no referido contexto, as variantes enclíticas, sendo a ênclise a V1
um pouco mais produzida na amostra brasileira e a ênclise a V1 e a V2 distribuídas em
equilíbrio na europeia, considerando-se o total de dados da amostra. Outra semelhança
encontrada por meio da observação dos dados diz respeito às construções com as formas
participiais. Tanto na amostra brasileira quanto na europeia, não se registrou qualquer
dado de ênclise a V2. Além disso, registraram-se altíssimos índices de próclise a V1
com os dois tipos de “se” nas duas amostras.
Em termos de quantidades brutas relativas à distribuição geral de dados em
contexto de verbo não inicial, os padrões brasileiro e europeu também são bastante
semelhantes. Nota-se a alternância entre as variantes proclítica a V1 e enclítica a V2,
mesmo quando na presença de elementos “proclisadores”.
250
Na particularização da análise por tipo de “se”, observam-se semelhanças e
diferenças entre as duas variedades, a saber: (i) o indeterminador tende a se adjungir a
V1, enquanto o reflexivo tende a se adjungir a V2 nas duas amostras; (ii) apesar de as
duas amostras se mostrarem sensíveis ao tipo de “se” na escolha da ordem pronominal
em complexos verbais, o efeito “proclisador” – que não se aproxima do categórico em
qualquer das amostras – ocorre em quantidade de ocorrências um pouco maior nos
dados europeus, especialmente no século XX. No caso das duas amostras, comparado
ao indeterminador, o reflexivo apresenta-se menos sensível aos contextos de atração,
priorizando a adjacência a V2. A diferença mais nítida entre PB e PE, nesse contexto, é
que o PB registra, nas últimas fases do século XX, um aumento da próclise a V2,
enquanto o PE, além de não empregar tal variante e priorizar a ênclise a V2 com ou sem
a presença de “proclisadores”, registra maior número de ocorrências de “se” reflexivo
anteposto a V1 do que na amostra brasileira.
Vale ressaltar, então, a respeito dos contrastes entre as duas variedades, que o
principal aspecto diferenciador reside no fato de a variante proclítica a V2 não ser
registrada na amostra europeia, o que confirma não ser esta uma variante natural em
textos portugueses, assim como não o é na fala, conforme demonstram os estudos
resenhados neste trabalho (VIEIRA, M.F., 2011). O clítico apenas se posiciona à
esquerda de V2 quando o complexo é composto por uma preposição/conector entre as
duas formas verbais, elemento que funciona como uma espécie de “proclisador” nesse
contexto. Em qualquer outra ocasião, não ocorre efetivamente V1 cl V2 na escrita
europeia. Já com relação aos dados da amostra brasileira, a próclise a V2 figura não
apenas nos contextos com preposição/conector integrante ao complexo verbal. Tal
resultado fica ainda mais evidente nas últimas fases do século XX, em que a escrita
brasileira, ao que tudo indica, passa a assumir esse padrão proclítico, natural na fala
vernacular (CORRÊA, 2012).
Confirmando as hipóteses postuladas, os resultados dos dados de indeterminador
também nos contextos de verbo não inicial não permitem postular quaisquer distinções
entre as normas da escrita brasileira e europeia, conforme sistematizado nos próximos
gráficos da subseção 6.1.1. O clítico “se” indeterminador tende a figurar adjacente a
V1, mas raramente em ênclise. No PB, especificamente, tal variante costuma ser
registrada em uma construção particular do “se” inserido no complexo verbal do tipo
“modal” + infinitivo. O ambiente, portanto, em que a ênclise a V1 sobrevive na escrita
251
brasileira parece funcionar como uma espécie de fórmula (“assim deve-se fazer/assim
pode-se dizer...”).
Por outro lado, a partir dos resultados obtidos para o “se” reflexivo, evidenciamse as diferenças entre as amostras analisadas. Nos dados brasileiros, consoante a
tendência geral desse clítico a se ligar a V2 (como se apresentou, o reflexivo costuma
estar ligado ao verbo que lhe atribui papel sintático-semântico), o reflexivo figura em
próclise nas últimas fases do século XX, principalmente na fase 7 (1975-2000), único
período em que o índice de próclise a V2 supera o da ênclise a V2. Já a amostra
europeia – que não apresenta qualquer ocorrência da variante inovadora brasileira, como
já apontado – apresenta altos índices de ênclise a V2, que concorre com a próclise a V1,
esta revela um pouco mais de atuação do “proclisador” se comparada aos resultados da
amostra brasileira, principalmente no século XX, mesmo assim, não tão efetiva quanto
com o indeterminador (que também não apresenta dados categóricos de próclise diante
de “atratores”).
A análise em função da época da publicação, bem como de alguns contextos
linguísticos, mostrou-se bastante produtiva para o debate do tema, principalmente a
respeito das diferenças gramaticais entre PB e PE apontadas na literatura. Estas e outras
particularizações serão sistematizadas conforme a especificação de cada contexto
investigado nas próximas subseções. Dessa forma, julga-se importante apresentar a
síntese
dos
resultados
conforme
a
distribuição
dos
dados
de
“se”
indeterminador/apassivador e de “se” reflexivo/inerente, buscando-se comparar como se
deu particularmente a distribuição da próclise a V1 na escrita brasileira e na europeia,
conforme as fases analisadas, pelos contextos linguísticos que demonstraram influências
na ordem do “se”, a saber: início absoluto de período/oração, contexto sem
“proclisador”, contexto com “proclisador”. Apresenta-se, ainda, a sistematização dos
resultados por forma do verbo principal do complexo verbal, contemplando-se os três
grupos investigados, a saber: (i) VP no infinitivo, (ii) VP no gerúndio e, (iii) VP no
particípio.
252
6.1.1 Comparação entre a distribuição do “se” com VP no infinitivo nas amostras
brasileira e europeia
6.1.1.1 A ordem do “se” indeterminador/apassivador com VP no infinitivo nas
duas amostras
A função do “se” demonstrou importante papel na pesquisa, tendo em vista que,
a partir da análise em separado do indeterminador e do reflexivo, foi possível realizar
com segurança o tratamento contrastivo das duas amostras. As investigações com base
em produções do início do século XIX até fins do século XX indicam que é a partir da
análise do uso do “se” indeterminador, especialmente, que as semelhanças entre as
escritas brasileira e europeia se evidenciam, diferentemente das tendências observadas
sobre o reflexivo, conforme já havia sugerido SCHEI (2003). Pode-se dizer que a
próclise do indeterminador a V1 figura nos textos jornalísticos brasileiros até a última
década do século XX com a frequência semelhante à do início do século XIX. Além
disso, a frequência do uso da próclise aproxima-se muito da registrada na variedade
europeia, principalmente diante da presença do elemento “proclisador”, conforme se
observa nos gráficos abaixo.
Distribuição do indeterminador em próclise a V1 na amostra europeia
conforme os contextos morfossintáticos com VP no infinitivo
100%
90%
88%
82%
79%
80%
70%
64%
73%
64%
60%
61%
60%
50%
38%
40%
31%
30%
20%
20%
20%
10%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
0%
início de período/oração
sem "proclisador"
com "proclisador"
Gráfico 61: Distribuição do “se” indeterminador em próclise a V1 na amostra europeia conforme os
contextos morfossintáticos de colocação do clítico com o verbo principal no infinitivo
253
Distribuição do indeterminador em próclise a V1 na amostra brasileira
conforme os contextos morfossintáticos com VP no infinitivo
100%
90%
80%
70%
88%
86%
82%
67%
88%
79%
73%
72%
59%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
14%
11%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
0%
início de período/oração
sem "proclisador"
com "proclisador"
Gráfico 62: Distribuição do “se” indeterminador em próclise a V1 na amostra brasileira conforme os
contextos morfossintáticos de colocação do clítico com o verbo principal no infinitivo
Primeiramente, registra-se a ausência de dados em próclise a V1 em posição
inicial de período/oração nas duas amostras analisadas. Em segundo lugar, identificamse altos índices de próclise a V1 diante de contextos com “proclisadores” tanto na
escrita brasileira quanto na europeia, mas ressalte-se que, em nenhuma fase, a
frequência da próclise foi categórica. Observa-se, ainda, especialmente a partir das
primeiras fases do século XX – época em que a norma escrita brasileira tende a seguir o
padrão europeu como modelar –, que os índices da variante cl V1 V2, mesmo sem o
elemento “proclisador”, se mostraram bastante elevados. O resultado parece demonstrar
uma preocupação excessiva no registro do protótipo europeu, o que acaba por gerar
índices de próclise do “se” indeterminador a V1 mais altos do que os verificados na
amostra de Portugal.
Nos textos europeus, ao longo da fase 1 (1808-1840), registra-se, também, um
alto índice de próclise a V1 mesmo diante de um contexto, aparentemente, sem
elemento “proclisador”, o que chama atenção por não haver necessariamente um item
linguístico para licenciar a próclise, além de o verbo principal estar no infinitivo, o que
costuma favorecer a ênclise a V2. Ao que tudo indica, o início do século XIX pode,
ainda, conter certo resquício do padrão gramatical do século anterior que, conforme
apontado por PAGOTTO (1992) a respeito dos usos praticados pelos portugueses
recém-chegados ao Brasil, era preferencialmente proclítico em contextos com ou sem
254
“atratores”. Retomam-se, aqui, alguns exemplos que ilustram essa tendência “Os Planos
do regulamento interno se podem procurar no mesmo Colégio” [Amostra europeia –
anúncio fase 1] e “As assignaturas se podem fazer no Escritorio dos Redactores, rua
nova do Almada” [Amostra europeia – anúncio fase 1]. Ambos os exemplos, extraídos
de anúncios, ilustram um caso bastante comum da próclise a V1, no início do século
XIX, diante de um ‘argumento interno anteposto’, que pareceu funcionar, na amostra
coletada, como “proclisador”. Dessa forma, a análise aponta que, talvez, o melhor seria
ter amalgamado o ‘argumento interno anteposto’ junto aos elementos “proclisadores” e
não tê-lo considerado como um simples SN sujeito, que, de fato, não demonstrou
qualquer efeito proclisador na pesquisa.
De maneira geral, as tendências verificadas nas amostras brasileira e europeia
quanto ao uso do indeterminador com o infinitivo como V2 são bastante semelhantes,
com exceção da fase 4, período que compreende o espaço de tempo entre 1901-1924. A
próclise do indeterminador a V1 em contextos supostamente sem elementos
“proclisadores”, nesse período, não é registrada no Brasil; já em Portugal chega a 38%.
Destaca-se a importância do período em questão, no sentido de propiciar a
concretização do efeito proclisador na escrita brasileira, supostamente modelar na
europeia. Ao fim de tal período, a Semana de Arte Moderna no Brasil, momento da
história em que o país tentava romper com os modelos importados de Portugal, não foi
suficiente para alterar o padrão adotado para o “se” indeterminador na escrita brasileira,
que efetivamente apresenta comportamento particular na escrita e em nada revela
qualquer alteração gramatical brasileira29, até mesmo no que tange ao emprego da
próclise a V2, que raramente figurou com o indeterminador na amostra.
Observem-se os dados de reflexivo dos gráficos abaixo, em que se ressaltam as
principais diferenças entre as escritas do Brasil e de Portugal, quanto ao fenômeno da
ordem.
29
Sem dúvida, observa-se a preferência vernacular brasileira por outras estratégias de indeterminação,
não encontradas amplamente nos textos jornalísticos. Tais estratégias não serão apresentadas ou
discutidas nesta pesquisa por não constituírem seu objeto de estudo.
255
6.1.1.2 A ordem do “se” reflexivo/inerente com VP no infinitivo nas duas amostras
Saliente-se que as duas amostras sob análise se mostraram sensíveis quanto ao
tipo de “se” para o fenômeno da ordem pronominal em complexos verbais, mas de
forma um pouco mais discreta na escrita europeia. Cabe observar que, de maneira
geral, a próclise a V1 não se relaciona, em primeiro plano, aos contextos de “atração”,
mas ao tipo de “se”, de forma mais evidente na escrita brasileira do século XX,
conforme se verifica nos gráficos a seguir.
Distribuição do reflexivo/inerente em próclise a V1 na amostra europeia
conforme os contextos morfossintáticos com VP no infinitivo
100%
80%
60%
40%
20%
50%
47%
56%
43%
36%
30%
12%
13%
14%
14%
15%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
0%
início de período/oração
sem proclisador
com proclisador
Gráfico 63: Distribuição do “se” reflexivo/inerente em próclise a V1 na amostra europeia conforme os
contextos morfossintáticos de colocação do clítico com o verbo principal no infinitivo
256
Distribuição do reflexivo/inerente em próclise a V1 na amostra brasileira
conforme os contextos morfossintáticos com VP no infinitivo
100%
80%
60%
48%
41%
40%
34%
38%
35%
26%
20%
20%
11%
10%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
0%
início de período/oração
sem proclisador
com proclisador
Gráfico 64: Distribuição do “se” reflexivo em próclise a V1 na amostra brasileira conforme os contextos
morfossintáticos de colocação do clítico com o verbo principal no infinitivo
A distribuição do “se” reflexivo evidencia a diferença na história das normas
brasileira e europeia, especialmente acentuada no século XX, a partir do período
modernista no Brasil.
No início do século XIX, como já se comentou na subseção anterior, o maior
número de dados de próclise do reflexivo a V1 em contextos de verbo não inicial,
independentemente da presença de “proclisador”, constitui, ao que tudo indica, a
tendência da escrita do período, que registraria possivelmente os usos preferenciais do
século anterior. Na passagem do século XIX em diante, é preciso observar o que
acontece em cada amostra.
É interessante notar que a linha do reflexivo em próclise a V1 na presença de
“proclisador”, no gráfico da amostra brasileira, se apresenta em queda, gradualmente, ao
longo das fases analisadas, especialmente da fase 4 (1901-1924) em diante – período em
que o brasileiro parece começar a admitir uma norma mais particular, sem a
preocupação em seguir os modelos europeus – até chegar ao índice de 10% de próclise a
V1 na última fase do século XX. Importa lembrar que, ao passo que a referida variante
decrescia, a próclise a V2 ganhava espaço na amostra brasileira (cf. Gráfico 29, na
análise), o que ilustra que brasileiros e portugueses traçaram caminhos diferentes,
particularmente ao longo de todo o século XX, no que se refere à colocação do
reflexivo, o que se ratifica na contrastante marca de 43% de próclise a V1 diante de
257
“proclisador” na amostra europeia da fase 7 (1975-2000) versus 10% de próclise a V1,
no mesmo contexto descrito, na amostra brasileira. Fica refletido, aqui, o que se
costuma considerar a diferença gramatical entre o PB e o PE vernaculares
contemporaneamente: os dados de reflexivo em próclise a V1 – pouco naturais para
falantes brasileiros, como comprovam as respostas aos testes desta investigação – são
raros inclusive na escrita do fim do século XX.
No que tange ao contexto sem “proclisador”, os dados coletados nos textos
brasileiros e portugueses praticamente não registram a próclise a V1. Os textos europeus
empregam a variante em poucos dados até a fase 4 (1901-1924). A amostra brasileira a
partir da segunda fase (1841-1870) não registra dados da variante sem que haja
“proclisador”. Esse resultado na realidade pode revelar, a depender do período em
questão, motivações diferentes. Na passagem do século XIX ao XX, a recusa da
variante pode estar relacionada ao propósito de seguir o suposto modelo europeu, de
fazer a próclise apenas em contextos com “proclisador”, mesmo quando se tratasse de
um clítico reflexivo. Após a fase 4, a recusa da variante cl V1 V2 em contextos sem
“proclisador” e seu decréscimo em contextos com “proclisador”, em conjunto, estariam
relacionados à entrada da próclise a V2 na escrita brasileira. Saliente-se, pois, que a
variante mencionada foi quase exclusivamente registrada com o reflexivo.
6.1.2 A ordem do “se” indeterminador/apassivador e do reflexivo/inerente com VP
no gerúndio nas duas amostras
A observação dos dados com gerúndio como VP legitima as diferenças entre a
escrita brasileira e a europeia.30
Com relação às ocorrências na escrita de Portugal, há uma tendência de o clítico
se adjungir a V1, independentemente do tipo de “se”. A única diferença entre
indeterminador e reflexivo é que o primeiro apresenta uma regra variável binária de uso
da próclise e da ênclise a V1, enquanto o reflexivo, a regra variável ternária. De modo
geral, ambos os clíticos priorizam a variante proclítica a V1, especialmente diante da
presença do “proclisador” no PE, de forma categórica com o gerúndio diante deste
elemento, embora com base em poucas ocorrências.
30
Optou-se por não apresentar, por meio do padrão gráfico, os referidos contrastes com o VP no gerúndio
e no particípio, devido ao insuficiente número de dados diluídos por subamostra e por tipo de “se” em
cada fase.
258
O gerúndio mostrou-se como o contexto que mais distancia as duas variedades,
no que se refere ao comportamento já sistematizado para o clítico reflexivo nas
construções com infinitivo. Enquanto o indeterminador se apresenta majoritariamente
proclítico a V1, nas duas variedades, o reflexivo é registrado na escrita brasileira – de
forma bem mais evidente no caso dos complexos com gerúndio do que nos complexos
com infinitivo – prioritariamente proclítico a V2, em todo o século XX, principalmente
na última fase (1975-2000). Ressalte-se que não houve registros do reflexivo em
próclise a V2 no século XIX, período em que ainda era comum seguir o padrão de
modelo da escrita europeia. Saliente-se, ainda, que os dados de indeterminador em
próclise a V2 foram raramente registrados na amostra brasileira, o que corrobora a tese
de que o reflexivo é o clítico que, de fato, permite apontar as diferenças entre as normas
estudadas.
Os contextos com gerúndio como verbo principal, por revelarem resultados
interessantes a respeito da colocação pronominal no Brasil, especialmente relativos ao
número elevado de registros da variante inovadora, merecem um destaque particular. O
contexto parece configurar, na escrita jornalística, uma espécie de construção mais
acolhedora da brasileira próclise do reflexivo – e dos outros clíticos argumentais – a V2.
6.1.3 A ordem “se” indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente com VP no
particípio nas duas amostras
Na amostra europeia, a colocação do “se” com o particípio como VP, parece
idêntica com o indeterminador e o reflexivo: a regra variável é binária com forte
favorecimento da próclise a V1 nos dois contextos e em todas as fases investigadas,
consoante as tendências já sistematizadas. O resultado assemelha-se ao encontrado nos
dados da amostra brasileira, com a diferença de que, nestes, a regra variável se
apresentou como ternária, ou seja, a variante proclítica a V2 figura também com o
particípio na escrita brasileira, quase exclusivamente com dados do reflexivo, embora
de maneira pouco produtiva.
259
6.2 Comparação entre as respostas aos questionários por parte de brasileiros e
portugueses
As diferenças entre o Português do Brasil e o Português Europeu detectadas na
escrita sobretudo do século XX e na últimas fases são em certa medida confirmadas
quando comparadas as respostas fornecidas aos questionários de interpretação dos
falantes acerca do que seria natural na fala de cada variedade. Apesar da artificialidade
do instrumento – testes que por vezes abrangem construções pouco naturais para a
intuição de um brasileiro ou estruturas que geram certa ambiguidade na interpretação de
um português –, os resultados especialmente de alguns contextos foram reveladores das
diferenças sincrônicas nos padrões de colocação brasileira e europeia.
De maneira geral, chegou-se às generalizações de que brasileiros e portugueses
optam por posicionar o indeterminador na periferia do verbo (semi)auxiliar,
especialmente, no caso dos portugueses, em próclise a V1, influenciados, não
sistematicamente, pela presença de algum elemento “proclisador”. Também quanto às
escolhas de cada falante, o indeterminador parece mais um elemento de aproximação do
que de distanciamento entre as duas variedades.
Quando se trata de um reflexivo, o brasileiro parece praticamente categórico em
suas escolhas nos três tipos de questionários avaliados, sempre com o “se” ligado a V2,
majoritariamente em próclise, independentemente da presença ou ausência de
“proclisadores”. Já o falante português parece mais vacilante quanto às escolhas da
posição do reflexivo: ora relaciona a sua opção à presença ou à ausência do elemento
“proclisador”, ora à forma do verbo principal – o clítico tenderia a se adjungir a V1
sobretudo quando o verbo principal está no gerúndio ou no particípio.
O melhor exemplo que representa a distinção entre as escolhas dos falantes
observa-se no fato de que 90% dos portugueses optaram pela próclise a V1 em “Eu não
sei se ela se pode sentar nesta cadeira.”, motivados pela influência da conjunção
integrante “se”. Por outro lado, 80% dos brasileiros, ignorando a presença do
“proclisador”, optaram pela próclise a V2 no mesmo contexto, a saber: “Eu não sei se
ela pode se sentar nesta cadeira.”. O exemplo ilustra que as escolhas do brasileiro em
boa parte dos contextos propostos nos questionários dependem, quase que
exclusivamente, do tipo de “se”.
260
Com isso, constata-se que o indeterminador não revela, também nos
questionários, nítidas diferenças entre PB e PE. Já quanto ao reflexivo, os resultados
ratificam que esse é um ponto importante na distinção entre as duas variedades. Embora
ambas tendam a preferir a adjacência do reflexivo a V2, os falantes do PB preferem, em
grande parte dos exemplos, a próclise ao verbo principal. Por outro lado, os falantes
portugueses, ao menos nos questionários sob análise sobre os usos contemporâneos do
Português, associam – ainda que de forma menos nítida, se comparada a avaliação que
fazem no caso do “se” indeterminador – a colocação do reflexivo à presença do
“proclisador”.
261
7. CONCLUSÃO
Após o levantamento cuidadoso de diversas obras relacionadas à colocação
pronominal, ponderou-se que elas apresentam perspectivas que não dão conta,
suficientemente, da história da ordem do “se”, tendo em vista que a maioria não se
detém,
especificamente,
nos
contrastes
do
indeterminador/apassivador
e
do
reflexivo/inerente em termos diacrônicos. Além disso, os trabalhos consultados
dificilmente analisam comparativamente as normas brasileira e europeia a partir da
colocação do “se” em estruturas verbais complexas. Embora de forma pouco detalhada
e sem propor análises históricas independentes por tipo de “se”, muitas vezes pelo fato
de esse propósito não configurar o foco da pesquisa, alguns trabalhos, entretanto,
observaram que a colocação do “se” denotava padrão diferente do observado para os
demais clíticos – como PAGOTTO (1992), VIEIRA (2002), SCHEI (2003), NUNES
(2009). Sendo assim, desenvolveu-se a presente pesquisa, cujos resultados ora se
destacam, na tentativa de preencher as lacunas sobre o assunto e, assim, contribuir para
o conhecimento da história do Português.
A questão central da investigação estabeleceu-se a partir da necessidade de
verificar se as variedades brasileira e europeia da língua portuguesa apresentam
trajetórias diferentes, ao longo dos séculos XIX e XX, quanto ao emprego do “se” em
complexos verbais. Limitada à observação de dados em textos jornalísticos (editoriais,
notícias e anúncios), que são fortes representantes do padrão culto escrito, os resultados
obtidos permitiram, em primeiro plano, postular as normas praticadas nas amostras
brasileira e europeia, as quais em alguma medida (mas nem sempre) puderam sugerir as
mudanças gramaticais por que passaram o Português do Brasil e o Português de
Portugal. Em outras palavras, embora os fatos a que se teve acesso fossem
objetivamente “fatos de norma”, em alguns casos eles revelaram as particularidades
apontadas, especialmente em estudos que se ocupam da variação paramétrica, como
pertencentes a uma gramática e não a outra.
De fato, a tarefa de responder aos questionamentos propostos para a
investigação, além dos outros que foram se delineando no curso da pesquisa, não
pareceu tão simples, e demandou uma série de análises – mais detalhadas do que se
planejara inicialmente – para alcançar seu propósito. Em linhas gerais, pode-se afirmar
que se cumpriu a proposta inicial, a partir da observação da colocação do “se”,
262
estabelecendo-se as diferenças e semelhanças entre as amostras brasileira e europeia.
Em síntese, as distintas funções do “se” mostraram-se bastante reveladoras para o
tratamento diacrônico da ordem do clítico nas estruturas verbais complexas.
De fato, as variedades brasileira e europeia apresentam duas histórias distintas
quanto à colocação do pronome em complexos verbais para cada tipo de “se”. Enquanto
com o reflexivo os textos brasileiros demonstram o que outros estudos assinalam como
uma mudança particular, não se verifica o mesmo com o indeterminador. Os resultados
confirmam que a variedade brasileira, especificamente, passou da próclise a V1 (no
chamado Português Clássico – cf. GBPS, 2005; MARTINS, 2009) para um sistema com
atenção vacilante à presença do elemento “proclisador”, especialmente a partir do final
do século XIX, época em que se instituiu uma norma inspirada no modelo europeu, até
chegar à preferência pela próclise a V2. Fica evidente que a tendência descrita ocorre
primordialmente com o reflexivo, embora a escrita jornalística só demonstre assumir
discretamente esse padrão brasileiro a partir do modernismo. Na última fase do século
XX (1975-2000), essa variante substitui a preferência que havia pela ênclise a V2 –
enquanto a ênclise a V1 chega a desaparecer na amostra e a próclise a V1 apresenta um
forte declínio. Diante do gerúndio como verbo principal, a tendência da próclise a V2 da
norma brasileira se revela ainda mais forte, sendo o contexto em que se registra o maior
quantitativo da variante, mantendo-se majoritária em todo o século XX. Destacam-se, a
esse respeito, os trabalhos de PAGOTTO (1992) e CYRINO (1996), que registraram um
crescimento maior da próclise a V2 no mesmo período em questão, o que ilustra a
importância de se pesquisar o fenômeno em diversos corpora e gêneros textuais, tendo
em vista que o primeiro utilizou dados extraídos de documentos e a segunda, de peças
teatrais.
Na escrita do Português Europeu, considerando-se as formas de VP no gerúndio
e no particípio, a próclise a V1 foi a variante mais registrada. Merece destaque a atuação
categórica do “proclisador” em complexos verbais com gerúndio na primeira fase do
século XIX (1808-1840), com os dois tipos de “se”, ainda que seja um resultado com
base em poucos dados. Os elementos “proclisadores” também se mostraram bastante
efetivos diante das construções com particípio, mas não categoricamente, sem grandes
diferenças quanto aos tipos de “se”.
263
Por outro lado, tanto nos textos brasileiros quanto nos europeus, o
indeterminador permanece adjacente a V1 em grande parte dos dados, até o final do
século XX, o que sugere que as trajetórias dos dados brasileiros e europeus para o
fenômeno da ordem em complexos verbais se assemelham ao longo do período
analisado. A maior parte dos registros nas duas amostras é da ligação do clítico ao verbo
(semi)auxiliar, principalmente em próclise. Essa tendência parece tão forte na primeira
fase do século XIX, como um provável resquício do Português Clássico do século
XVIII, que as ocorrências figuram até mesmo sem a presença de um “proclisador”
prototípico, em ambas as amostras. Além disso, os resultados indicaram, na amostra
brasileira, que o indeterminador ainda sobrevive em contextos bastante específicos
como nas construções com “modais” + infinitivo, especialmente enclítico, tal como uma
fórmula (deve-se dizer), quando em início absoluto de período/oração. Este último caso
ilustra que a modalidade escrita, em especial a jornalística, apresenta algumas estruturas
particulares que retratam a manutenção de um padrão normativo, que tomaria por base
um suposto modelo europeu presente em descrições tradicionais e ainda em muitos
compêndios didáticos. Esse resultado mostra-se muito afastado do que se verifica na
norma vernacular brasileira (cf. CORRÊA, 2012) a ser comentado a seguir, cujas
tendências se apresentam, ainda que discretas, na fase 7 (1975-2000) da amostra
coletada neste trabalho.
As semelhanças já apontadas entre as duas amostras (especialmente quanto ao
comportamento do “se” indeterminador) podem ser sistematizadas da seguinte forma:
SEMELHANÇAS ENTRE AS AMOSTRAS BRASILEIRA E EUROPEIA
Em contexto de início absoluto de período/oração, não houve registros de próclise a
V1.
Não houve dados de ênclise a V2 com a forma participial do verbo principal.
A próclise a V1 é a variante preferencial com o indeterminador, enquanto a ênclise a
V2 é a variante preferencial com o reflexivo.
O “se” indeterminador parece mais sensível à atuação do elemento “proclisador” do
que o “se” reflexivo.
264
Os padrões brasileiro e europeu detectados a partir do quantitativo geral dos dados são
muito parecidos, com registros da alternância entre as variantes próclise a V1 e ênclise
a V2.
Os questionários de percepção aplicados aos falantes demonstraram preferência de
ambos os grupos pela ligação a V1 com o indeterminador.
Quadro 3: Sistematização das principais semelhanças entre as amostras brasileira e europeia segundo o
fenômeno da colocação pronominal em estruturas verbais complexas
Ocorre que, conforme apontado, no comportamento geral das amostras, o
“proclisador” exerce maior atração sobre o indeterminador, que tende a figurar em
próclise a V1. O efeito proclisador é mais brando com o reflexivo (que apresenta a
ligação a V2 como tendência) nas duas amostras, deixando quase de existir na escrita
brasileira do fim do século XX, ao contrário da escrita europeia, que registra a próclise a
V1 em expressivo número de dados.
As alterações no padrão de colocação, especificamente do “se” reflexivo,
diferentemente do “se” indeterminador, constituem indícios de uma mudança que se
opera na própria norma brasileira, que, ao que parece, de um modelo inspirado na
norma europeia passa, ainda que timidamente a partir do Modernismo, a concretizar o
que diversos estudos indicam ser a opção gramatical (paramétrica) brasileira de
colocação. Em toda a amostra, o reflexivo tende a se colocar adjacente a V2,
preferencialmente em ênclise no século XIX, em que a proposta de se basear em um
modelo europeu ainda era muito forte. Por outro lado, ao longo do século XX, essa
preferência diminui gradativamente e cede lugar à variante proclítica a V2, tida como
inovação brasileira.
Assim, os resultados relativos ao clítico reflexivo vão ao encontro do que
apontou MARTINS (2009) a respeito das principais diferenças entre PB e PE. Ao longo
do século XX, parece haver, aos poucos, a construção de dois padrões distintos entre
Brasil e Portugal, que parecem se consolidar no final do período (1975-2000). Ressaltase que a próclise a V2 é considerada uma inovação pelo fato de não ser naturalmente
registrada nem na amostra europeia nem em outras línguas românicas. Como o presente
estudo demonstrou, o único ambiente linguístico, na variedade europeia, em que se
encontra V1 (x) cl V2 refere-se ao complexo verbal formado por uma
preposição/conector interveniente, que exerce função de “proclisador” interno à
265
construção. Nos textos brasileiros, isso não é uma condição para figurar a próclise a V2,
que se encontra até mesmo “solta” entre as duas formas do complexo verbal (ex.: Um
diretor da empresa, que não quis se identificar para a reportagem, declarou que o
seguro indenizaria as famílias das vítimas, | bem como as despesas de hospi- |
talização. [Amostra brasileira – anúncio fase 7]) ou, ainda, conforme atestado nos
questionários brasileiros, após a preposição “a”, um item linguístico fonicamente
enfraquecido, que seria impossível de hospedar o clítico em PE (cf. BRITO, DUARTE
& MATOS, 2003).
Se, de um lado, é interessante notar que, no fim do século XX, o padrão de
colocação pronominal em complexos verbais da fala brasileira – que admite a próclise
sobretudo dos reflexivos a V2 e não se submete a efeito de partículas proclisadoras –
pode ser observado na escrita jornalística, o padrão culto escrito apresenta, de outro
lado, dados que não revelam as transformações ocorridas na fala. A partir da análise da
amostra, nota-se que a modalidade escrita é completamente diferente da oral, no que
tange à norma vernacular brasileira. O início absoluto de oração/período constitui claro
contexto da distinção fala e escrita: nenhum dado, nem mesmo na última fase do século
XX, apresenta próclise a V1 e há ampla preferência pela ênclise a V1 ou a V2. O
indeterminador, além de ainda ser registrado nos textos jornalísticos escritos no
Português do Brasil até os dias atuais, mantém praticamente os mesmos padrões de
colocação pronominal registrados no Português Europeu, o que demonstra que a
modalidade escrita não revela as diferenças entre as duas variedades, quanto a esse
clítico. Contudo, é na fala que se manifestam integralmente tais distinções entre PB e
PE. Conforme apontam os resultados de CORRÊA (2012), a preferência pela próclise a
V2 na fala carioca fica muito próxima a índices categóricos, independentemente dos
contextos morfossintáticos, ao ponto de a própria autora questionar a existência de uma
regra variável do fenômeno em questão nessa modalidade. É importante ressaltar que a
pequena alternância de formas se deu exclusivamente com os poucos dados de “se”
indeterminador, pouco produtivo na modalidade oral brasileira, em construções do tipo
“não se pode fazer”.
Sabe-se que outro ponto de afastamento entre PB e PE reside nos resultados a
respeito das lexias verbais simples, que apresentam uma realidade completamente
distinta da observada nos complexos verbais. As motivações linguísticas que
266
influenciam a colocação pronominal em estruturas verbais complexas são bastante
diversas das referentes à ordem dos clíticos em lexias verbas simples e, por isso, não
devem ser tratadas como parte de um mesmo fenômeno linguístico com características
iguais. Nesse ponto, aliás, saliente-se a pouca atenção, ou, praticamente, a omissão do
tratamento da gramática tradicional sobre o fenômeno da ordem dos clíticos nos
complexos verbais. Um exemplo do caso é o fato de os compêndios gramaticais
aludirem genericamente aos mesmos fatores de “atração” pronominal para os contextos
de lexias verbais simples e de lexias verbais complexas. Na verdade, a presente pesquisa
aponta que, nem mesmo na escrita europeia, o efeito proclisador sequer se aproxima do
categórico nos complexos verbais com quaisquer dos tipos de “se” em contextos de
atração – principalmente com o reflexivo, o que demonstra um padrão bastante diferente
do que deve ser descrito para as lexias verbais simples. Assim sendo, a generalização
usualmente feita de que a escrita brasileira se pauta no modelo europeu inspirador da
descrição tradicional não se aplica verdadeiramente ao caso dos complexos verbais, em
que efetivamente ocorre nos dados escritos europeus uma situação de variação entre a
próclise ou ênclise a V1 e a ênclise a V2, mesmo na presença de elementos
proclisadores.
A análise de MARTINS (2009) corrobora a ideia de que há duas realidades
diferentes entre a colocação pronominal nas lexias verbais simples e nas complexas. O
estudo revelou que o Português do Brasil, com base em textos de peças teatrais,
demonstrou forte padrão de próclise, nas lexias verbais simples, por exemplo, que
aumenta gradativamente com o passar das décadas até o século XX, enquanto os índices
do PE atingem níveis quase categóricos de ênclise, especialmente quando não há
presença de elemento “proclisador”. Ressalte-se que, a partir das análises apresentadas
na presente pesquisa, os elementos preponderantes para a colocação pronominal nas
estruturas verbais complexas são relativos ao tipo de verbo principal e ao tipo de “se”,
nas duas variedades, enquanto nas lexias verbais simples, conforme diversas pesquisas
já mencionadas apresentaram, a motivação para a ocorrência da próclise e da ênclise se
dá pela presença/ausência e a natureza do elemento “proclisador”, em particular na
escrita do Português Europeu.
267
É importante ressaltar, com base em toda a análise apresentada, as principais
características que ajudam a construir as duas realidades observadas para a colocação do
“se” em estruturas verbais complexas na escrita brasileira e na europeia, a saber:
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
DA AMOSTRA BRASILEIRA
DA AMOSTRA EUROPEIA
Registra-se a variante inovadora próclise a A próclise a V2 não é registrada. A
V2 em alguns dados do século XIX, mas posição do clítico à esquerda de V2
principalmente
no
XX,
quase ocorre, exclusivamente, com o complexo
exclusivamente com o reflexivo.
verbal integrado por uma preposição.
A preferência pela próclise a V1 com o O indeterminador tende a se ligar a V1,
infinitivo, no caso do indeterminador, enquanto o reflexivo costuma se ligar a
perdura até fins do século XX, época em V2, além de este pronome se mostrar
que, com o reflexivo, a ênclise a V2 é menos sensível ao efeito “proclisador”.
suplantada pela próclise a V2.
Os típicos “proclisadores” não atuaram A influência dos “proclisadores”, ainda
com o reflexivo.
que discreta, demonstrou-se um pouco
mais efetiva com o reflexivo.
A forma do VP no gerúndio foi a que mais Registra-se o predomínio da próclise a V1
teve registros da próclise a V2, com com o VP no gerúndio e atuação
progressivo aumento a partir da fase 3.
categórica dos “proclisadores”.
A forma do VP no particípio foi a que Registra-se o predomínio da próclise a V1
mais aproximou os dois tipos de “se”, que com o VP no particípio, mas sem atuação
figuraram preferencialmente em próclise a categórica dos “proclisadores”.
V1.
Em
questionários
de
avaliação,
os Em
questionários
de
avaliação,
os
brasileiros elegeram o reflexivo ligado em europeus elegeram a ligação do reflexivo
próclise a V2 como a variante mais a V1 na presença do “atrator”; quando
natural, independentemente da presença este
do “atrator”.
era
ausente,
escolhiam
preferencialmente a ênclise a V2.
Quadro 4: Sistematização das principais características das amostras brasileira e europeia segundo o
fenômeno da colocação pronominal em estruturas verbais complexas
268
Sem a rigidez da escrita jornalística e apesar de constituir um instrumento
artificial de recolha de dados, as diferenças apontadas para as variedades brasileira e
europeia nos dias atuais puderam ser confirmadas por meio dos questionários de
avaliação do falante. Merecem destaque, por exemplo, dois casos que ilustram o fato de
o tipo de “se” ser o fator mais atuante principalmente para a interpretação das estruturas
por parte dos brasileiros: (i) enquanto a maior parte dos brasileiros elegeu a próclise a
V1 com o se indeterminador, mesmo em uma sentença sem elemento “proclisador”,
como em “Mesmo com a crise, se tem feito bons negócios.”, os portugueses elegeram a
ênclise a V1; e (ii) os brasileiros quase categoricamente escolheram a próclise a V2, em
“Eu não sei se ela pode se sentar nesta cadeira.”, por ser um reflexivo; por outro lado,
quase todos os portugueses elegeram a próclise a V1, o que se vincula também à
presença da conjunção integrante, elemento tipicamente “proclisador”.
Ainda a título de síntese, o presente estudo dos textos jornalísticos demonstra
que a escrita, consoante o que se idealiza como padrão culto, tende a ser niveladora das
normas brasileira e europeia, especialmente na passagem do século XIX ao XX, de
modo que não manifesta óbvias diferenças entre elas, mesmo no que se refere à ordem
do “se” reflexivo, o que tende a paulatinamente se alterar ao longo do século XX. Como
se apresentou, em contexto de início de período/oração, não se observam parâmetros
diferentes de colocação entre as duas variedades, nem mesmo na última fase do século
XX. Contudo, encontraram-se divergências reveladoras quanto ao uso do reflexivo no
PB e no PE, que constituem, possivelmente, reflexos da evolução de gramáticas
distintas quanto à ordem dos clíticos argumentais.
No início do século XIX, registrava-se maior número de dados de próclise a V1
nas duas amostras, como um possível vestígio de uma gramática antiga do Português
Clássico. Passa-se a registrar a próclise a V2 somente nos dados da amostra brasileira,
já no século XIX, consolidando-se no final do XX – mais fortemente no caso das
construções complexas com o gerúndio. Essa alteração gramatical do PB é ratificada
pelo fato de não haver qualquer caso de efetiva próclise a V2 nos dados da amostra
europeia.
Quanto ao possível efeito das partículas consideradas proclisadoras, os
resultados revelam que essa variável não atua categoricamente, nem em índices
próximos ao categórico no caso de complexos verbais, em qualquer das duas amostras,
269
com exceção dos complexos verbais com o gerúndio no PE. Enquanto o indeterminador
parece mais sensível à atuação desse grupo de fatores, com mais registros de próclise a
V1 nas duas amostras, em todas as fases estudadas, o “proclisador” não é suficiente para
exercer a atração do reflexivo, o que é ainda mais nítido nos dados brasileiros. Quanto
ao PE, o efeito proclisador parece aumentar diante do reflexivo, ainda que
discretamente, ao longo do século XX.
Com os esforços empreendidos nesta pesquisa, da ampla revisão bibliográfica à
análise dos dados, por meio de dois instrumentos analíticos tomados em conjunto – a
descrição das ocorrências extraídas de textos jornalísticos em uma perspectiva
diacrônica e, secundariamente, a aplicação de questionários a falantes brasileiros e
portugueses –, tornou-se possível a assunção de que:
(i)
a história da ordem do “se” indeterminador/apassivador é completamente
distinta da relativa à ordem do clítico “se” reflexivo/inerente;
(ii)
quanto à ordem do “se” indeterminador – que, embora seja improdutivo na
fala naturalmente adquirida no Brasil, permanece produtivo na escrita –, as
normas brasileira e europeia não se diferenciam efetivamente nessa
modalidade;
(iii)
quanto à ordem do clítico “se” reflexivo, os resultados obtidos na escrita
jornalística refletem em certa medida a mudança por que passou a língua
portuguesa, especialmente no que se refere a um padrão de maior
concretização da próclise a V1, nos diversos contextos, no início do século
XIX, a dois novos padrões mais evidentes ao longo do século XX: um que
passa a admitir a próclise a V2 e não costuma realizar a subida do clítico, o
do Português do Brasil; e outro que não admite a próclise a V2 e registra
casos de subida do clítico argumental na presença de “proclisadores”
(embora estes não manifestem atuação na maioria dos dados, admitindo
variação entre próclise a V1 e ênclise a V1 ou a V2);
(iv)
o padrão culto escrito não deixa ver algumas alterações gramaticais, visto
apresentar fatos relacionados especificamente à idealização da norma, o que
se aplica não só ao padrão de colocação do se indeterminador, mas também
ao contexto de início de período/oração, que concretizou as variantes
270
enclíticas. Não se esperava, nesse contexto, o emprego da próclise a V1 em
complexos verbais nem mesmo na variedade brasileira, mas a próclise a V2,
especialmente com o reflexivo, o que não ocorreu.
Do conjunto de resultados – amplamente detalhados no desenvolvimento do
trabalho, mas sistematizados de várias formas no capítulo anterior e nesta conclusão –,
avalia-se que o presente trabalho cumpriu e até ultrapassou os objetivos inicialmente
estabelecidos no que se refere às seguintes contribuições ao estudo do tema:
(i)
demonstrou que não se podem tratar todos os clíticos em conjunto para uma
boa observação da diacronia da colocação pronominal: trata-se de evoluções
e padrões distintos de ordem de clíticos;
permitiu verificar que a escrita jornalística ora revela “fatos de norma”, que
(ii)
não acompanham a evolução gramatical natural na fala – como, por
exemplo, os padrões observados nos contextos de clítico em posição inicial,
“se” indeterminador em geral e na produtiva variação no caso do “se”
reflexivo –, ora revela “fatos de gramática”, que se processaram na fala e
passaram aos poucos à norma escrita – como a inserção mais recente e de
forma crescente da colocação proclítica a V2 na escrita brasileira;
(iii)
ofereceu relevante descrição quantitativa de dados, demonstrando haver não
só na amostra brasileira, mas também na europeia, a atuação de uma efetiva
regra variável de colocação pronominal que faz alternar a adjacência do
clítico a V1 ou a V2, mesmo nos contextos com os chamados elementos
proclisadores; decorre dessa descrição importante reflexão sobre o
tratamento tradicional dispensado ao contexto de complexos verbais, omisso
também no que se refere aos padrões europeus de colocação pronominal.
Por fim, de todo o exposto, espera-se que se tenha contribuído efetivamente para
a ampliação do conhecimento da história da língua portuguesa, nas variedades brasileira
e europeia, tomando por base especificamente a colocação pronominal do “se” em
complexos verbais. Fica para a agenda de futuras investigações aplicar a proposta deste
trabalho considerando dados de diferentes gêneros textuais, contemplando não só a
escrita, mas também a fala em corpora sociolinguisticamente controlados, seja em
271
perspectiva sincrônica, seja em perspectiva diacrônica. Assim, será possível confirmar e
ampliar os propósitos investigativos, especialmente no que se refere aos interesses
declaradamente sociolinguísticos.
272
ANEXO
Dados Pessoais do Informante
1. Nome:
3 Sexo: M 
2. Data de Nascimento:
F
4. Idade:
5. Estado Civil: A.  Solteiro B.  Casado C.  Viúvo D.  Outro
6. Naturalidade:
7. Com que idade chegou a Lisboa? (Caso
não seja natural da localidade)
8. Domicílios e Tempo de Permanência Fora da Localidade:
9. Curso:
10. Período:
11. Naturalidade
A. da Mãe:
B. do Pai:
C. do Cônjuge:
12. Foi criado pelos próprios pais?
A.  Sim
B.  Não
13. Em caso negativo, por quem foi criado?
Naturalidade:
A. da Mãe Adotiva:
B. do Pai Adotivo:
A tarefa que lhe pedimos consta de duas partes:
a) Um inquérito sobre a sua identificação (quadro
acima);
b) Um conjunto de três questões diversificadas para 1)
ordenar frases mais aceitáveis, 2) preencher
lacunas e 3) produzir frases livres.
Instruções:
(1) Não deixe de responder a nenhuma das
questões colocadas. Mesmo nos casos em
que tiver dúvidas, pedimos que responda.
(2) Não pare muito tempo para pensar. Siga as
suas primeiras intuições e não releia, nem
revise as respostas no final. Tem
aproximadamente 30 minutos para fazer a
tarefa.
(3) Não há resposta certa nem errada nesta
atividade. Pense sempre no que lhe parece
mais natural em sua fala corrente.
273
1) Após ler as frases abaixo, coloque-as na ordem da mais natural/aceitável até à menos
natural/aceitável, seguindo uma escala de 1 (para a mais natural/aceitável), 2 (para um nível
intermediário de aceitação), 3 (para a menos aceitável) e, quando houver 4 opções, 4 (para a
menos aceitável de todas as opções). Se houver alguma construção considerada
inaceitável/impossível, favor sinalizar por escrito ao lado da frase. Pense sempre no que é mais
natural/comum na sua fala corrente.
( ) A maior parte dos executivos leem jornais pela manhã
( ) A maior parte dos executivos lêem jornais pela manhã.
( ) A maior parte dos executivos lê jornais pela manhã.
(
(
(
(
) Aqui se pode conduzir a 80 km/h.
) Aqui pode-se conduzir a 80 km/h.
) Aqui pode conduzir-se a 80 km/h.
) Aqui pode se conduzir a 80 km/h.
(
(
(
(
) Venha-me visitar quando puder!
) Venha visitar-me quando puder!
) Venha me visitar quando puder!
) Me venha visitar quando puder!
( ) A maioria dos recibos é informatizada.
( ) A maioria dos recibos são informatizados.
( ) A maioria dos recibos são informatizadas.
( ) Aquele tipo de lazer agradaria-nos.
( ) Aquele tipo de lazer nos agradaria.
(
(
(
(
) Primeiramente se deve dirigir ao balcão de informações.
) Primeiramente deve-se dirigir ao balcão de informações.
) Primeiramente deve se dirigir ao balcão de informações.
) Primeiramente deve dirigir-se ao balcão de informações.
( ) O
mundo.
( ) O
mundo.
( ) O
mundo.
( ) O
mundo.
(
(
(
(
mau comportamento de celebridades vem se observando como tendência em todo o
mau comportamento de celebridades vem-se observando como tendência em todo o
mau comportamento de celebridades se vem observando como tendência em todo o
mau comportamento de celebridades vem observando-se como tendência em todo o
) Espera-se que os candidatos venham se inscrever até amanhã.
) Espera-se que os candidatos se venham inscrever até amanhã.
) Espera-se que os candidatos venham-se inscrever até amanhã.
) Espera-se que os candidatos venham inscrever-se até amanhã.
( ) Tem calma, porque no fim de semana faço-te um belo jantar!
( ) Tem calma, porque no fim de semana te faço um belo jantar!
( ) O número de papéis e documentos é inferior a 10%.
( ) O número de papéis e documentos são inferior a 10%.
( ) O número de papéis e documentos são inferiores a 10%.
274
(
(
(
(
) Este aparelho possui três lâminas para que se possa barbear melhor.
) Este aparelho possui três lâminas para que possa-se barbear melhor.
) Este aparelho possui três lâminas para que possa se barbear melhor.
) Este aparelho possui três lâminas para que possa barbear-se melhor.
( ) Conheço um senhor que chama-se Arlindo.
( ) Conheço um senhor que se chama Arlindo.
( ) A série de recibos está pronta para ser emitida.
( ) A série de recibos estão prontos para serem emitidos.
( ) A série de recibos está pronto para ser emitido.
(
(
(
(
) Por se ter feito o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve.
) Por ter-se feito o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve.
) Por ter se feito o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve.
) Por ter feito-se o acordo, os trabalhadores não aderiram à greve.
(
(
(
(
) Dos locais mais atingidos pela chuva destacam-se a Ilha da Madeira e Coimbra.
) Dos locais mais atingidos pela chuva destaca-se a Ilha da Madeira e Coimbra.
) A Ilha da Madeira e Coimbra destacam-se dos locais mais atingidos pela chuva.
) A Ilha da Madeira e Coimbra destaca-se dos locais mais atingidos pela chuva.
(
(
(
(
) O descaso das autoridades é algo que nos está a incomodar cada vez mais.
) O descaso das autoridades é algo que está-nos a incomodar cada vez mais.
) O descaso das autoridades é algo que está a nos incomodar cada vez mais.
) O descaso das autoridades é algo que está a incomodar-nos cada vez mais.
(
(
(
(
) Ninguém se teve de desfazer dos seus pertences.
) Ninguém teve-se de desfazer dos seus pertences.
) Ninguém teve de se desfazer dos seus pertences.
) Ninguém teve de desfazer-se dos seus pertences.
( ) Nós vamos à praia todos os sábados.
( ) A gente vamos à praia todos os sábados.
( ) A gente vai à praia todos os sábados.
( ) Dá-me esse livro, por favor!
( ) Me dá esse livro, por favor!
(
(
(
(
) Como se costuma vestir para sair à noite?
) Como costuma se vestir para sair à noite?
) Como costuma-se vestir para sair à noite?
) Como costuma vestir-se para sair à noite?
(
(
(
(
) Um dos que mais reclamaram da punição do árbitro foi o técnico.
) Um dos que mais reclamou da punição do árbitro foi o técnico.
) O técnico foi um dos que mais reclamou da punição do árbitro.
) O técnico foi um dos que mais reclamaram da punição do árbitro.
( ) Não fazia-se ideia do quanto a admiravam.
( ) Não se fazia ideia do quanto a admiravam.
( ) Foi quando se resolveu fazer um seguro de carro.
( ) Foi quando resolveu-se fazer um seguro de carro.
275
( ) Foi quando resolveu se fazer um seguro de carro.
( ) Foi quando resolveu fazer-se um seguro de carro.
(
(
(
(
) Esse motorista deverá-se entender com a justiça.
) Esse motorista se deverá entender com a justiça.
) Esse motorista deverá entender-se com a justiça.
) Esse motorista dever-se-á entender com a justiça.
(
(
(
(
) Os polícias se pretendem mostrar eficazes contra o crime.
) Os polícias pretendem-se mostrar eficazes contra o crime.
) Os polícias pretendem mostrar-se eficazes contra o crime.
) Os polícias pretendem se mostrar eficazes contra o crime.
(
(
(
(
) O meu pai nos vai proibir de sair de casa.
) O meu pai vai nos proibir de sair de casa.
) O meu pai vai-nos proibir de sair de casa.
) O meu pai vai proibir-nos de sair de casa.
( ) Um grupo de notas promissórias estão rasuradas.
( ) Um grupo de notas promissórias está rasurada.
( ) Um grupo de notas promissórias está rasurado.
(
(
(
(
) Não se chegou a pensar sobre ajudas externas.
) Não chegou-se a pensar sobre ajudas externas.
) Não chegou a se pensar sobre ajudas externas.
) Não chegou a pensar-se sobre ajudas externas.
(
(
(
(
) As más companhias não lhe estão fazendo muito bem.
) As más companhias não estão lhe fazendo muito bem.
) As más companhias não estão-lhe fazendo muito bem.
) As más companhias não estão fazendo-lhe muito bem.
(
(
(
(
) Mais cedo ou mais tarde se começam a lembrar de que já são homens.
) Mais cedo ou mais tarde começam-se a lembrar de que já são homens.
) Mais cedo ou mais tarde começam a se lembrar de que já são homens.
) Mais cedo ou mais tarde começam a lembrar-se de que já são homens.
( ) A minoria dos funcionários conseguiram o aumento de salário desejado.
( ) A minoria dos funcionários conseguiu o aumento de salário desejado.
( ) O aumento de salário desejado foi conseguido pela minoria dos funcionários.
(
(
(
(
) Os médicos esperam que os pacientes se continuem a tratar.
) Os médicos esperam que os pacientes continuem-se a tratar.
) Os médicos esperam que os pacientes continuem a se tratar.
) Os médicos esperam que os pacientes continuem a tratar-se.
( ) As medidas socioeducativas para os infratores menores vão os tornando cada
conscientes.
( ) As medidas socioeducativas para os infratores menores os vão tornando cada
conscientes.
( ) As medidas socioeducativas para os infratores menores vão tornando-os cada
conscientes.
( ) As medidas socioeducativas para os infratores menores vão-nos tornando cada
conscientes.
276
vez mais
vez mais
vez mais
vez mais
( ) As medidas socioeducativas para os infratores menores vão-os tornando cada vez mais
conscientes.
(
(
(
(
) Mesmo com as condições climáticas favoráveis, acho que não conseguiu se fazer o passeio.
) Mesmo com as condições climáticas favoráveis, acho que não se conseguiu fazer o passeio.
) Mesmo com as condições climáticas favoráveis, acho que não conseguiu-se fazer o passeio.
) Mesmo com as condições climáticas favoráveis, acho que não conseguiu fazer-se o passeio.
(
(
(
(
) E aí acabam muitas vezes por se prostituir.
) E aí se acabam muitas vezes por prostituir.
) E aí acabam-se muitas vezes por prostituir.
) E aí acabam muitas vezes por prostituir-se.
(
(
(
(
) Os treinos são realizados para se procurar fazer o melhor concurso.
) Os treinos são realizados para procurar-se fazer o melhor concurso.
) Os treinos são realizados para procurar fazer-se o melhor concurso.
) Os treinos são realizados para procurar se fazer o melhor concurso.
( ) Aconteceram dois acidentes ontem à noite.
( ) Aconteceu dois acidentes ontem à noite.
( ) Dois acidentes aconteceram ontem à noite.
(
(
(
(
) Por causa do horário teve que se vestir às pressas.
) Por causa do horário se teve que vestir às pressas.
) Por causa do horário teve-se que vestir às pressas.
) Por causa do horário teve que vestir-se às pressas.
( ) Portanto julgamos que nestes tempos de dificuldade se poderia abolir
simples.
( ) Portanto julgamos que nestes tempos de dificuldade poderia-se abolir
simples.
( ) Portanto julgamos que nestes tempos de dificuldade poderia abolir-se
simples.
( ) Portanto julgamos que nestes tempos de dificuldade poder-se-ia abolir
simples.
(
(
(
(
algum benefício
algum benefício
algum benefício
algum benefício
) Todos os esforços foram empreendidos para se tentar realizar o show.
) Todos os esforços foram empreendidos para tentar-se realizar o show.
) Todos os esforços foram empreendidos para tentar se realizar o show.
) Todos os esforços foram empreendidos para tentar realizar-se o show.
( ) Houveram duas reuniões na empresa.
( ) Houve duas reuniões na empresa.
( ) Duas reuniões houveram na empresa.
(
(
(
(
) Se vai investir bastante dinheiro nas festas de fim de ano de 2010.
) Vai-se investir bastante dinheiro nas festas de fim de ano de 2010.
) Vai investir-se bastante dinheiro nas festas de fim de ano de 2010.
) Vai se investir bastante dinheiro nas festas de fim de ano de 2010.
(
(
(
(
) Talvez só agora se tenha encontrado, com relação ao cólera, alguma solução.
) Talvez só agora tenha se encontrado, com relação ao cólera, alguma solução.
) Talvez só agora tenha-se encontrado, com relação ao cólera, alguma solução.
) Talvez só agora tenha encontrado-se, com relação ao cólera, alguma solução.
277
( ) As professores aplicarão as provas hoje e os alunos dizem que elas propõem corrigi-las até
amanhã.
( ) As professores aplicarão as provas hoje e os alunos dizem que elas as propõem corrigir até
amanhã.
( ) As professores aplicarão as provas hoje e os alunos dizem que elas propõem-nas corrigir até
amanhã.
( ) As professores aplicarão as provas hoje e os alunos dizem que elas propõem as corrigir até
amanhã.
(
(
(
(
) Os convidados acham que se pretende cantar hoje à noite.
) Os convidados acham que pretende-se cantar hoje à noite.
) Os convidados acham que pretende cantar-se hoje à noite.
) Os convidados acham que pretende se cantar hoje à noite.
(
(
(
(
) O rapaz lhe quis agradar.
) O rapaz quis lhe agradar.
) O rapaz quis-lhe agradar.
) O rapaz quis agradar-lhe.
(
(
(
(
) A enfermeira ia sempre se apresentando quando chegava para cuidar das pacientes.
) A enfermeira se ia sempre apresentando quando chegava para cuidar das pacientes.
) A enfermeira ia-se sempre apresentando quando chegava para cuidar das pacientes.
) A enfermeira ia sempre apresentando-se quando chegava para cuidar das pacientes.
2) Preencha as lacunas valendo-se das estruturas sugeridas entre parênteses, da forma que lhe
parece natural em sua fala corrente.
a) Eu não sei se ela ___________________ nesta cadeira. (pode sentar)
[se]
b) A Maria disse que ______________________ humilhada com o que ouviu de você neste
momento. (acabar de sentir)
[se]
c) O João disse ter medo de ____________________ (poder fazer) mal com suas próprias
brincadeiras.
[se]
d) Tudo de que os chefes precisam _______________________ (ser pedido) com bastante
antecedência.
[me]
e) Nos casos de doenças crónicas, _______________________ um acompanhamento médico.
(ter que fazer)
[se]
f) Espero que ele não _________________________ de boba. (voltar a fazer)
[te]
g) Casos delicados em que __________________________ (haver de fazer) uma cirurgia, o
paciente não
[se]
___________________ (conseguir acalmar) num primeiro momento.
278
[se]
h) Quando têm muitos brinquedos, é importante que as crianças _________________ (ir
guardando) aos poucos.
[os]
i) Algumas pessoas que moram longe do trabalho ______________________ com o horário.
(deve preocupar)
[se]
j) Mesmo com a crise, ________________________ (ter feito) bons negócios.
[se]
k) Quem tem muitos filhos _______________________ quanto às compras de fim de ano.
(costuma prevenir)
[se]
l) Longas caminhadas _______________________ cansados. (poder deixar)
[nos]
m) Como ele tem muito pêlo no rosto, _______________________ todos dias. (precisa barbear)
[se]
n) Essa situação ______________________ (estar deixar) cada vez mais preocupados.
[nos]
o) As autoridades já estão preocupadas com a limpeza das ruas para ____________________
(tentar evitar)
as grandes enchentes.
[se]
p) Como se tomou tarde a decisão sobre o trabalho, o grupo ______________________
(resolver deixar) para o próximo mês.
[o]
q) Esperam pela aprovação da verba para ______________________ (permitir realizar) as obras
mais prementes com rapidez.
[se]
r) Tenho uma notícia que ______________________ (ir deixar) muito feliz.
[te]
s) Descobriram recentemente que __________________________ de tudo para demitirem os
funcionários da empresa. (ter/haver feito)
[se]
t) Tenho adiantado tudo o que _______________________ (ser solicitado) para que não eu
tenha problemas futuros.
[me]
u) O país sede das próximas Olimpíadas _______________________ (ir preparando) para o
grande evento.
[se]
v) Com relação aos relatórios, quando eles _________________________ (prometer devolver)?
[o]
279
w) As políticas públicas que _______________________ (começar a delinear) para o ano que
vem ainda não são garantia de melhorias para a população.
[se]
x) São tão boas as notícias que _______________________ (chegar a animar) pelos próximos
dias.
[nos]
y) Tome muito cuidado na hora de ___________________________ (procurar dizer) as
palavras certas.
[lhe]
z) Quanto ao pouco tempo que temos, ____________________ (pretender administrar) esse
problema da melhor forma possível.
[se]
3) Observe os comandos de cada item abaixo e escreva pelos menos 3 frases de forma livre,
conforme as orientações a seguir:
a) O que se pode/deve ou não fazer (levar) numa viagem:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
b) O que se pode/deve ou não fazer (levar) para um acampamento:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
c) O que pode acontecer a uma criança que está à beira de uma piscina:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
d) O que pode acontecer a uma criança que brinca próximo a uma fogueira:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Obrigada pela participação!
280
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