Entrevista para a Revista Superinteressante RSI: Em que data e ano

Entrevista para a Revista Superinteressante
RSI: Em que data e ano é mais provável que Jesus tenha nascido? Como se chegou à data
tradicional de 25 de dezembro?
Pe. Manuel Hurtado, s.j.: Paradoxalmente, podemos dizer que Jesus Cristo nasceu antes
de Cristo! Com efeito, segundo alguns pesquisadores, Jesus nasceu no dia 29 de setembro
do ano 2 antes da era cristã. Para outros estudiosos, o ano do nascimento pode inclusive
ser anterior. Alguns falam do ano 4 ou 6 antes de nossa era. Porém, o único dado certo
com o qual todos os especialistas concordam é que Jesus não nasceu no ano zero, pois o
rei Herodes, do qual fala o evangelho de Mateus 2,1-15, morreu no ano 4 antes de Cristo.
Por que então o ano do nascimento de Jesus foi alterado? Simplesmente, por causa de um
erro de cálculo feito por um monge cita, erudito e matemático, chamado Dionísio o
Pequeno, no começo do século VI de nossa era, o qual pós-datou o nascimento de Jesus
sem ter consciência de fazer isso, o que só pode ser explicado pela falta de dados
precisos no momento de estabelecer o calendário cristão (Anno Domini).
Os evangelhos de Mateus e Lucas apresentam o nascimento de Jesus durante a noite, e
uma velha tradição cristã afirma que aconteceu no inverno. Mas é bastante inverossímil
que o recenseamento mencionado no evangelho de Lucas 2,1-2 tenha acontecido durante
o inverno. Do mesmo modo, é muito improvável que os pastores nessa época invernal
estivessem cuidando das ovelhas no campo (Lc 2,8).
Ora, bem posteriormente, por motivos de unificação e com a finalidade de combater
vários cultos pagãos celebrados no solstício de inverno, o nascimento de Jesus substituirá
a festa pagã do nascimento do sol invicto, associada ao nascimento do deus Apolo. Essa
festa era celebrada precisamente no solstício de inverno, que no hemisfério norte
acontece ao redor de 25 de dezembro.
RSI: Onde Cristo nasceu? Encontrei algumas referências de que o local mais provável
teria sido Nazaré, e não Belém. Neste caso, por que o texto bíblico menciona Belém?
Pe. Manuel Hurtado, s.j.: Segundo os evangelhos de Mateus e de Lucas, Jesus nasceu
na Judéia, numa cidade chamada Belém, a cidade do rei Davi. Essa foi sempre a
afirmação da tradição cristã. No entanto, o evangelho de João 7,42 coloca uma pergunta
de caráter ambíguo, que levou a duvidar sobre o lugar de nascimento de Jesus. De fato, as
multidões pensavam que Jesus era originário de Nazaré, cidade da Galiléia. Jesus tinha
crescido nessa cidade, todo mundo sabia que Jesus era de Nazaré. Por isso, lembrando a
tradição judaica, as pessoas perguntam surpresas se o Cristo (o Messias) não tinha que vir
de Belém, pois o Cristo tem de ser necessariamente da descendência de Davi. Ora, se
Jesus é o Cristo, como é possível que ele venha de Nazaré? Essa é a questão levantada
pelo evangelho de João e essa é a questão que provocou a dúvida sobre o lugar do
nascimento de Jesus. Nazaré ou Belém?
É verdade que na grande maioria das referências dos evangelhos Jesus aparece como
Jesus de Nazaré ou como o nazareno. Com efeito, fora dos primeiros capítulos de Mateus
e Lucas, Jesus é sempre designado como sendo de Nazaré. Precisamente essa referência
contínua e majoritária a Nazaré como a cidade de Jesus foi o motivo para alguns
afirmarem que Jesus nasceu de fato em Nazaré e não em Belém. Contudo, devemos dizer
que é uma necessidade interna à lógica dos evangelhos a afirmação que Jesus nasceu em
Belém, isto para que as Escrituras sejam cumpridas. Ora, a intenção do evangelho de
João não é pôr em duvida que Jesus tivesse nascido em Belém, mas a intenção de fundo é
mostrar a verdadeira origem de Jesus, i.e., que ele não tem uma origem terrestre, mas que
ele vem de cima, que ele vem de Deus.
RSI: Ele era carpinteiro? Várias de suas parábolas fazem referência ao campo, à
agricultura.
Pe. Manuel Hurtado, s.j. : Jesus vivia certamente numa sociedade agrária. É bem
possível que ele dedicasse uma parte do seu tempo eventualmente à agricultura. Só nesse
sentido pode-se dizer que ele era um camponês. Daí podem-se explicar as múltiplas
imagens e referências agrícolas e camponesas usadas por Jesus em suas parábolas.
Porém, Jesus não tinha certamente dedicação exclusiva aos trabalhos agrícolas.
Tampouco trabalhava numa fazenda nem era proprietário de um sítio na roça.
Jesus morava em Nazaré, um povoado que tinha no máximo 1900 habitantes e o mais
provável era que tirava a maior parte de seu sustento dos trabalhos artesanais que ele
fazia. Com o apoio do texto de Marcos 6,3 Jesus é identificado como carpinteiro: “Não é
este o carpinteiro?”. O evangelho de Mateus 13,55 modifica este texto. Jesus não é
carpinteiro, mas é apenas “o filho do carpinteiro”. O evangelho de Lucas 4, 22 modificará
ainda mais o texto de Marcos, e a pergunta se converterá em: “Não é este o filho de José?
Em todo o Novo Testamento a palavra “carpinteiro” (Tékton) aplicada diretamente a
Jesus só aparece em Mc 6,3. Toda a tradição que afirma ser Jesus um carpinteiro está
apoiada nesse único versículo. É por isso que muitos têm tentado propor diferentes
hipóteses sobre o tipo de trabalho que Jesus realizava como carpinteiro. Era Jesus um
marceneiro, um carpinteiro de oficina? O mais provável é que Jesus tenha sido um
carpinteiro de oficina, pois o termo grego Tékton usado em Marcos e Mateus faz
referência sobretudo a esse tipo de carpinteiro. É provável e verossímil que Jesus tenha
ido trabalhar como carpinteiro, em certos momentos da sua vida, na cidade de Séforis que
distava 6 km de Nazaré. Esta cidade helenística era um centro comercial importante
naquela época. Mas os poucos dados que temos nos levam a concluir que Jesus passou a
maior parte da sua vida trabalhando como carpinteiro em Nazaré.
Manuel Hurtado SJ é doutor em teologia pelas Faculdades Jesuítas de Paris (Paris,
França). É professor de teologia sistemática na Universidade Católica Boliviana
(Cochabamba) e na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE (Belo Horizonte,
MG). Tem experiência no ensino da cristologia, antropologia teológica, teologia trinitária
e teologia cristã das religiões.
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