III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS CENTRO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ECOTURISMO EM SÃO SEBASTIÃO/SP Silvia Regina Valim ([email protected]) Arquiteta - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / USP. RESUMO Os recursos naturais são fundamentais à sobrevivência humana, devendo ser utilizados de maneira responsável. Enquanto o crescimento populacional gera aumentos constantes na demanda por recursos, diariamente observamos comportamentos destrutivos do homem em relação ao meio ambiente. São Sebastião apresenta um quadro natural excepcional, ameaçado pela degradação relacionada à urbanização e às atividades econômicas praticadas no município; esta degradação traz prejuízos à qualidade de vida local, aos ecossistemas e ao próprio crescimento turístico da cidade. O desenvolvimento sustentável pressupõe não apenas interesses econômicos, mas também sociais e ambientais. Sua adoção exige uma nova condição das relações entre homem e ambiente e participação individual e coletiva na preservação do equilíbrio ecológico, objetivos que podem ser alcançados através da educação ambiental. É fundamental conscientizar as pessoas, para que tenham conhecimento das implicações ambientais de suas ações, considerando-as com a devida importância. O arquiteto tem responsabilidade social para com o meio ambiente e bem-estar humano e pode buscar em seus projetos a utilização dos recursos naturais de forma mais racional e a construção de edifícios mais saudáveis. Aliada a um caráter educativo do edifício, é proposta uma arquitetura com preocupações ambientais, procurando soluções mais condizentes com a conservação dos recursos naturais e bem-estar humano. Palavras-chave: edificação sustentável; educação ambiental CENTER OF ENVIRONMENTAL EDUCATION AND ECOTOURISM IN SÃO SEBASTIÃO/SP ABSTRACT The natural resources are fundamental to human survival and must be used with responsibility. While the populational growth generates constant increases in the demand for resources, we can daily observe man's destructive behaviors regarding the environment. São Sebastião has an exceptional natural scene, threatened by the degradation related to urbanization and to the economic activities practiced in the city; this degradation brings damages to the quality of life, to the ecosystems and to the touristic growth. The sustainable development presupposes not only economic concerns, but also social and environmental ones. Its adoption demands a new condition of the relations between man and environment and individual and collective participation in the preservation of the ecological balance, objective that can be reached through the environmental education. It is fundamental that people become aware, so that they have knowledge of the environmental implications of their actions, considering them with their importance. The architect has social responsibility with the environment and human welfare and can search in his projects the utilization of the natural resources in a more rational way and the construction of healthier buildings. Allied to an educational character of the building, it is proposed architecture with environmental preoccupations, searching solutions more suitable with the preservation of the natural resources and human welfare. Keywords: sustainable building; environmental education 1. INTRODUÇÃO Analisando a ocupação do litoral brasileiro nas últimas décadas, constatamos que a ação humana tem se caracterizado pela utilização destrutiva dos recursos ambientais e paisagísticos. Este padrão de ocupação corresponde a um modelo de desenvolvimento considerado predatório, no qual o crescimento econômico provoca a degradação do meio ambiente, levando ao esgotamento de recursos naturais dos quais a sobrevivência da humanidade depende. Com a difusão das preocupações ecológicas nos anos 70 e 80, foi formulado o ideal de um desenvolvimento sustentável, que pudesse garantir o direito das futuras gerações à utilização dos recursos naturais. No entanto, apesar do crescimento da consciência social diante dos problemas ecológicos, da divulgação dos ideais de conservação e preservação dos recursos ambientais e paisagísticos, e da elaboração de políticas, leis e planos relativos à questão do meio ambiente, até os dias atuais tem ocorrido pequena incorporação da dimensão ambiental nos processos de uso e ocupação litorânea. Os sistemas naturais de São Sebastião, constituídos principalmente pelas matas Atlântica, de restinga e manguezais e pelas ilhas, rios e praias são extremamente vulneráveis às intensas atividades humanas. Problemas como pesca predatória, poluição das águas e desmatamentos trazem grandes prejuízos aos ecossistemas costeiros, podendo levar a sua destruição. Para reverter tal situação, AFONSO (1999) afirma que: “a possibilidade, baseada no paradigma do desenvolvimento sustentável, reside na efetiva implantação do gerenciamento costeiro. (...) Acreditamos que a ordenação das atividades desenvolvidas na zona costeira, se executada com a rapidez que o processo de ocupação exige, poderá constituir um novo rumo para as relações entre as atividades humanas e os recursos naturais costeiros”. Não há dúvidas sobre a importância do controle, da fiscalização e do planejamento ambiental, como o plano de gerenciamento costeiro, que pode ser valioso instrumento para o controle e manejo das áreas costeiras. Por outro lado, desde os anos 70, quando o mundo acordava para as questões relativas a degradação do meio ambiente, diversas medidas foram tomadas na forma de planos, leis e regulamentações, sem que o quadro de degradação se alterasse significativamente. Por tanto, ao que tudo indica, não basta o planejamento, mas sim, obtidos tais parâmetros, é preciso orientar o cidadão. A educação ambiental tem que estar presente em todas as iniciativas de política ambiental, inquestionavelmente, como uma prioridade. As unidades de conservação de São Sebastião abrangem a maioria de seu território, constituídas por áreas tombadas pelo Condephaat e pelo Parque Estadual da Serra do Mar, que ocupa 70% da área do município e é uma das maiores unidades de conservação da Mata Atlântica no Brasil. As restrições impostas legalmente pela proteção ambiental - cujo mérito é incontestável - limitam a possibilidade de uso destes espaços. O ecoturismo é uma possibilidade de uso das unidades de conservação pois, além do impacto ambiental ser mínimo, pode gerar uma sustentação econômica para as mesmas; outro benefício que o ecoturismo pode gerar é a ampliação da capacidade de fiscalização das unidades de conservação. O ecoturismo é uma maneira inteligente de se utilizar uma área na qual, segundo a legislação, além da preservação e conservação, só são permitidas atividades educativas e científicas. As atividades do ecoturismo estão se iniciando em São Sebastião a partir do Programa de Ecoturismo, Proteção e Educação Ambiental, da Prefeitura Municipal. Em 1999, foi realizado um levantamento das trilhas existentes, que estão em fase de oficialização. Além disso, estão sendo feitos investimentos na formação de monitores de ecoturismo, bem como na confecção de folhetos e material de divulgação. Além de possibilitar um uso para as unidades de conservação, o ecoturismo, ao chamar a atenção dos turistas para as áreas verdes, para a vegetação, matas e rios, abre novas vertentes para o turismo na cidade, que atualmente se limita às atividades balneárias de veraneio, relacionadas ao uso das praias. Isso é essencial para o desenvolvimento da atividade turística em São Sebastião, que atualmente sofre o problema da sazonalidade e pode ser revigorada na medida em que se voltar para o setor de serviços de hospedagem e alimentação que funcionem o ano todo. Originalmente, a Mata Atlântica estava distribuída em 17 estados brasileiros, ocupando cerca de 15% do território nacional. Hoje, seus remanescentes correspondem a menos de 8% desse total, sendo um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo. A Mata Atlântica apresenta uma das maiores taxas de biodiversidade por metro quadrado do planeta; no entanto, é um dos ecossistemas menos estudados em nosso país. Assim, nota-se a importância de se incentivar a realização de pesquisas científicas com diversas finalidades em espaço tão rico. Além disso, o município de São Sebastião apresenta uma demanda na área de pesquisas científicas, principalmente nos campos da saúde pública relacionada à atividade turística e da questão ecológica ligada às atividades do TEBAR (terminal petroleiro da Petrobrás). O investimento em pesquisas pode contribuir muito para se atingir condições de desenvolvimento sustentável. Baseado nas condicionantes do município de São Sebastião, foi elaborado o tema: Centro de Educação Ambiental e Ecoturismo em São Sebastião, SP - que atenderia estudantes, turistas, pesquisadores e a comunidade em geral. Reunindo atividades educativas, recreativas e científicas, seria um espaço para o aprendizado, o lazer e a produção e divulgação do conhecimento, proporcionando o estudo, a observação, a compreensão e a valorização do meio ambiente e das relações ecológicas; o objetivo é a conscientização para a participação e responsabilidade individual e coletiva, enfim, para a conquista da cidadania. Pretende-se, a partir deste tema, propor uma arquitetura preocupada com as questões ambientais e do desenvolvimento sustentável; uma contribuição local para um desafio global. CROWTHER (1992) afirma que: “a arquitetura, como um reflexo de costumes, necessidades, desejos, tecnologias e políticas públicas de nossa sociedade, também traz conseqüências prejudiciais ao meio ambiente e bem-estar humano”. Cada decisão arquitetônica tem um efeito sobre o meio ambiente. Muitas vezes, observamos que a arquitetura: causa muitos impactos no solo (desmatamentos excessivos, impermeabilizações, aterros); ignora as características físicas do sítio em que se insere (clima, insolação, ventos, paisagem); consome intensamente energia (ar condicionado, iluminação); não considera o ciclo de vida do edifício (operação, manutenção, durabilidade, reutilização, reciclagem). O arquiteto, em seu exercício profissional, tem responsabilidade social para com o meio ambiente e bem-estar humano; assim, uma consciência e um entendimento ecológicos são importantes para o nosso destino. Além disso, o desenvolvimento tecnológico e as políticas públicas devem considerar a questão ambiental e precisam estar alinhadas com a conservação dos recursos naturais. Nas operações comerciais, industriais e políticas, materiais, processos e sistemas usados atualmente não são facilmente substituídos por elementos mais benignos e menos prejudiciais ao meio ambiente. No entanto, sob uma visão otimista, uma porção substantiva de novas pesquisas e desenvolvimento tecnológico com preocupação ambiental estão sendo realizados. Em todo este processo, a educação ambiental é uma ferramenta pública e privada para a construção da consciência ecológica. A aquisição de uma consciência e entendimento ecológicos e as mudanças na tecnologia e políticas públicas não ocorrem do dia para a noite. Entretanto, embora dentro de um contexto específico, o arquiteto pode buscar em seus projetos a utilização dos recursos naturais de forma mais racional e a construção de edifícios mais saudáveis. 2. OBJETIVOS Pretende-se que o conjunto de espaços e edificações, com suas soluções arquitetônicas e instalações, sejam artifício para a sensibilização e educação ambiental dos usuários. Para tanto, é intenção adotar os seguintes métodos: criar condições para que o usuário entre em contato com o sítio, ou seja, possa caminhar pelo local e observar todos os espaços, as edificações e a paisagem; dar ao usuário a oportunidade de observar o funcionamento do edifício: o modo como recebe e utiliza recursos naturais e bens e o modo como trata seus resíduos; fazer os espaços de serviço convenientemente integrados com os espaços servidos, permitindo que o usuário perceba sua presença e função; fazer os principais componentes de instalações de energia, água e tratamento de resíduos visíveis para os usuários, respeitando certas limitações; ressaltar a intervenção do usuário no funcionamento do edifício e na utilização de recursos; locar o espaço destinado exclusivamente às atividades de educação ambiental como a “contemplar” o edifício do Centro, fazendo com que dele seja observada a maioria das instalações e uma visão geral do funcionamento do edifício. A percepção da inserção do edifício no meio natural e de seu funcionamento, aliada a orientação educativa, pode ser uma aula de ecologia e educação ambiental, levando o usuário a refletir sobre sua relação com os recursos naturais e impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente. Como dito anteriormente, pretende-se propor uma arquitetura preocupada com o meio ambiente e bem-estar humano, ou seja, procurar o uso racional dos recursos naturais, a minimização dos impactos ambientais na implantação das edificações e a criação de espaços saudáveis. Para tanto, é intenção adotar os seguintes métodos, quando couber: – Implantação das edificações: evitar desmatamentos, cortes e aterros; reduzir o impacto no solo, protegendo a superfície e a vegetação existente; orientar os edifícios de acordo com a ventilação, iluminação e insolação convenientes, visando ao conforto térmico e à economia de energia. – Materiais: usar, predominantemente, material: renovável; durável; reciclável; não poluente e que exige menor quantidade de energia na produção (madeira laminada colada, terra); usar, pelo menos em parte, matéria-prima local (terra, palha), eliminado a necessidade de transporte; evitar desperdícios; proteger o edifício da chuva e da umidade. – Conforto ambiental: garantir condições de ventilação e iluminação naturais que proporcionem conforto aos usuários e minimizem ou eliminem gastos energéticos; usar sistemas para economia de energia na iluminação (exemplo: sensores); usar equipamentos de alta eficiência (exemplo: lâmpadas fluorescentes compactas com filtro U.V.). – Abastecimento de energia: utilizar fontes renováveis, de produção local e que não poluem; usar a energia solar, através de elementos fotovoltaicos, para iluminação e equipamentos; usar a energia eólica, através de aerogerador, para bombeamento de água e esgoto e para irrigação do viveiro de mudas; usar o biogás, produzido pela decomposição de biomassa no biodigestor, para aquecimento. – Abastecimento de água: captar água da nascente e tratá-la para fins potáveis; captar água das chuvas através do telhado, adequando-a para uso em torneiras; reutilizar a água de pias, lavatórios e tanques (água servida) nos vasos sanitários; usar sistemas para economia de água (exemplo: torneiras automáticas, válvulas com baixo consumo de água). – Tratamento de resíduos: reduzir a produção de esgoto através da reciclagem de águas servidas e responsabilizar-se pelo esgoto produzido, usando biodigestor para seu tratamento; aproveitar os resíduos da decomposição de biomassa como fertilizantes e irrigação para o viveiro de mudas; fazer coleta seletiva do lixo, para reciclagem; utilizar o lixo orgânico como matéria-prima para produção de biogás e biofertilizantes, no biodigestor. 3. MATERIAIS 3.1. Madeira O uso da madeira faz parte da tradição construtiva local e caracteriza a integração da arquitetura à natureza. Trata-se de um produto da floresta, renovável, transformado em material de construção através de processamento simples, de baixo consumo energético e não poluidor. A madeira é um material reutilizável, reciclável e, por fim, pode ser transformada em fonte de energia. A madeira apresenta vantagens como: excelentes características mecânicas em relação a sua baixa densidade, o que significa economia nas fundações; bom isolamento térmico, graças à propriedade de sua matéria; boa resistência mecânica ao fogo e comportamento previsível durante incêndios; grande facilidade de manuseio, usinagem e execução de ligações químicas ou mecânicas, até mesmo com outros materiais de construção. A tendência futura nas estruturas de madeira é a técnica do laminado-colado, na qual a matéria-prima proveniente das árvores nativas (pinus) vem sendo substituída nos últimos 10 anos pelo eucalipto de reflorestamento, especialmente na região Sudeste, que detém quase 50% das florestas de eucalipto do mundo. Szücs (1998) afirma que: “chama-se Madeira Laminada Colada (MLC) a peças de madeira reconstituídas a partir de lâminas (tábuas), que são de dimensões relativamente reduzidas se comparadas às dimensões da peça final. Essas lâminas, que são unidas por colagem, ficam dispostas de tal maneira que as suas fibras estejam paralelas entre si”. A espessura das lâminas varia em geral de 1,5 cm a 3 cm. No Brasil, já contamos com fabricantes destes produtos há mais de 30 anos. Além das vantagens conhecidas da madeira, a técnica do laminado-colado apresenta: possibilidade de preservação das matas nativas, pois emprega a madeira de reflorestamento (principalmente eucalipto); facilidade de pré-fabricação, restando para o local da obra apenas operações de montagem, reduzindo o desperdício de materiais e proporcionando uma construção rápida, econômica e de qualidade; relação peso/resistência bastante reduzida, se comparada à madeira maciça; resistência mecânica superior a da madeira maciça (cerca de 10%); possibilidade de realizar seções de peças não limitadas pelas dimensões e geometria do tronco das árvores; possibilidade de fabricar peças de comprimento limitado apenas pelo transporte; possibilidade de vencer grandes vãos, com número bem menor de ligações em comparação com as estruturas de madeira feitas com peças maciças. Ponce (1997) afirma que: “durante muito tempo, o uso da madeira esteve associado à devastação, a incêndios nas matas e à desertificação. No caso da madeira de reflorestamento, a produção de madeira é um meio de fixação do CO2, de regularização dos rios, de controle de enchentes e inundações. O uso nobre da madeira, atribuindo mais valor a floresta, pode fazer com que se obtenha o rendimento sustentado nas florestas plantadas.” As florestas plantadas, através de manejo adequado, podem ser mais uniformes e muito mais produtivas do que as florestas nativas em produção de madeira. Assim, vemos grandes vantagens no uso da madeira de florestas plantadas utilizando a técnica do laminado-colado para a produção de elementos estruturais. É importante lembrar que a madeira precisa ser tratada contra a água e os insetos. Uma chave para o uso satisfatório da madeira como material de construção é a compreensão dos agentes e das condições que podem levar à deterioração. É preciso evitar o contato da madeira com o solo ou colocar barreiras contra a passagem de umidade entre o solo e a madeira. Construções de madeira, quando corretamente projetadas e construídas, podem durar por centenas de anos. 3.2. Terra O uso da terra em técnicas construtivas é milenar e destaca a antiga habilidade do homem em executar, com um material encontrado no próprio local - a terra crua -, edificações para diversas finalidades. No Brasil, a arquitetura colonial é riquíssima em exemplos do uso da terra como material de construção. No Litoral Norte de São Paulo, a terra foi tradicionalmente utilizada como material de construção pela arquitetura caiçara, geralmente sob a técnica do pau-a-pique. McHenry (1989) afirma que: “desde os primórdios da humanidade, a disponibilidade imediata do material contribuiu para o desenvolvimento de técnicas de construção em terra. Porém, as mudanças trazidas pela Revolução Industrial, como energia barata e rápida expansão dos transportes e sistemas de distribuição, favoreceram o uso de materiais "modernos", de alto custo energético, e reduziram muito o uso da terra para construção”. Este quadro se alterou a partir de 1973, quando a crise de energia, aliada ao crescimento das preocupações ecológicas, fez com que fosse reconsiderada a importância da terra como material de construção. A terra apresenta vantagens como: seu processamento e produção de componentes são simples, requer pouca infra-estrutura, não exige energia proveniente de combustíveis fósseis ou eletricidade, não produz resíduos químicos ou industriais e não polui; sendo matéria-prima do próprio terreno, permite uma considerável economia em energia para o transporte; permite o uso de técnicas artesanais, de fácil adaptação de mão-de-obra; é reciclável. A terra moldada e seca ao sol é, sem dúvida, uma das técnicas mais antigas utilizadas para a construção de edificações, conhecida como “adobe”. O adobe é constituído por terra e água, formando uma massa de consistência plástica ou “argamassa de solo”. A composição do solo a ser usado na fabricação do adobe precisa ser analisada: o solo pode apresentar a composição ideal (30% de argila e 70% de areia) ou necessitar de estabilização - adicionar mais areia ou argila, ou elementos como a palha, o capim, ou pedaços de conchas ou telhas, por exemplo. Os edifícios de terra são considerados confortáveis térmica e acusticamente em escala mundial. Geralmente, são usadas paredes estruturais de terra com espessura em torno de 30 cm ou mais, que são pesadas e apresentam grande inércia térmica. O clima de São Sebastião, que apresenta pequenas mudanças de temperatura diária, não pede vedos com alta inércia térmica, que podem acumular calor; é preferível usar vedos leves e isolantes. Para adequar o uso da terra sob a forma de adobe ao clima da cidade, uma técnica muito apropriada é o terrapalha, uma variação do adobe. O bloco de terra-palha, que é constituído por mais palha do que terra, um elemento bastante leve, apresenta densidades a partir de 300 kg/m³, enquanto o adobe tradicional chega a 1800 kg/m³. Isso representa uma leveza comparável a de um painel de madeira, com baixa inércia térmica. Além disso, a palha é um ótimo isolante térmico e acústico. Outra vantagem do terra-palha é no caso da associação entre madeira (estrutura) e terra (vedos). Esta associação garante vãos generosos, assim como permite a verticalização da construção, na medida em que a estrutura suporta a carga da cobertura e dos vedos, que, no caso do terra-palha, é muito menor do que a carga do adobe tradicional. Para adaptar o uso da terra ao clima úmido de São Sebastião, é importante usar revestimento e impermeabilização nas paredes externas e beirais largos para protege-las da chuva, promover altos níveis de ventilação e elevar a construção acima do nível do solo. No caso de São Sebastião, seria apropriado o uso da palha de bananeira, muito cultivada no município, a qual deve ser seca, picada e tratada contra cupim antes do uso. 4. CONFORTO AMBIENTAL Para o clima do terreno, tropical quente e úmido, além das altas temperaturas, o problema mais difícil de se solucionar é o alto índice de umidade. Hertz (1998) afirma que: “a maneira mais eficaz de produzir conforto é controlar a radiação solar e promover a ventilação, em vez de tentar, inutilmente, reduzir a umidade”. Isso nos dá as seguintes prioridades para o desenvolvimento do projeto, com vistas ao conforto térmico: evitar a radiação solar direta; maximizar a ventilação natural; evitar a umidade. Para cumprir estas prioridades, temos as seguintes intenções: orientar o edifício de acordo com o vento mais favorável; fazer a forma do edifício alongada, o que permite maior exposição aos ventos; fazer a fachada maior do edifício perpendicular à direção do vento dominante; tratar cada fachada de acordo com o vento e radiação solar correspondentes; fazer muitas aberturas para favorecer a ventilação; minimizar divisões internas para favorecer o fluxo de ar no interior do edifício; usar ventilação cruzada, com aberturas em paredes opostas; usar pé-direito alto para o ar quente subir e deixar a parte ocupada do cômodo mais fresca; usar aberturas na cobertura (por exemplo, um lanternim) e nas paredes acima do forro, para deixar sair o ar quente; usar aberturas que permitam o vento entrar entre o forro e a cobertura; fazer uma câmara de ar ventilada entre o forro e a cobertura para evitar o ganho de calor e umidade pela cobertura; fazer a cobertura inclinada, para que a chuva escorra; conseguir um alto nível de sombra para evitar que os raios diretos do sol toquem paredes e janelas, através de quebra-sol, beirais e árvores – a cobertura pode funcionar como um “guarda-sol”; aproveitar as árvores altas existentes, que sombreiam e deixam passar o vento; usar cores claras, que refletem mais a radiação solar; proteger o edifício não só do sol e calor, mas também das chuvas; pelas pequenas mudanças de temperatura diária, não usar vedos com alta inércia térmica, que podem acumular calor – usar vedos leves e isolantes; evitar a penetração da umidade na estrutura, usando materiais impermeáveis e resistentes ao mofo nas paredes e fundações; elevar o edifício do chão para evitar a umidade e reduzir os efeitos da radiação de calor refletida do solo; evitar pavimentação em volta do edifício, pois reflete e armazena muito calor, que penetra no edifício; conservar a vegetação rasteira ao redor do edifício, que tem um nível de reflexão baixo – quanto mais intensa é a grama e mais numerosas são as árvores, mais fresco é o ar. Hertz (1998) afirma que, “para se atender a necessidade primordial de se evitar que entre muito sol nos edifícios das regiões tropicais, não podemos permitir níveis de iluminação natural muito altos. Todas as decisões relacionadas à manipulação da fachada e das janelas, no sentido de aumentar o nível de iluminação natural, têm que levar em conta as fortes implicações de ganho de calor delas decorrentes”. Portanto, o ideal é usar um nível de iluminação que seja o apenas o necessário. Assim, devemos considerar algumas idéias para favorecer o conforto visual, como: evitar a radiação solar direta; usar janelas grandes; prever janelas contínuas, em vez de aberturas independentes; usar quebra-sol com venezianas horizontais de cor clara, que impedem a radiação solar direta e refletem a luz natural mais dentro do ambiente; fazer cômodos com pouca profundidade ou com aberturas em mais de uma parede; prever outra entrada de luz além das janelas (por exemplo, um lanternim); usar forro de cor clara nos beirais para refletir luz dentro dos ambientes; aliar o uso da iluminação natural a sistemas artificiais eficientes (lâmpadas fluorescentes compactas com filtro UVA/UVB, reatores eletrônicos, luminárias reflexivas, sistemas de controle de presença); usar iluminação artificial orientada à tarefa, que é mais eficiente. 5. ENERGIA 5.1. Energia e meio ambiente A partir do século 20, o petróleo, o carvão e o gás natural, combustíveis fósseis não renováveis, se tornaram as fontes de energia dominantes no mundo. O uso destas fontes de energia constitui uma das principais causas da poluição que enfrentamos hoje. O último século foi o mais quente do milênio passado, com aquecimento superior às variações naturais e, portanto, causado por atividades humanas. O aumento das temperaturas é atribuído, principalmente, às emissões dos gases do efeito estufa, entre os quais o dióxido de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis ou de florestas é o maior vilão. Estudos divulgados em 2000 pela WWF alertam que o aquecimento global deve destruir neste século um terço dos habitats naturais e ameaçar a sobrevivência de povos do Ártico. No Brasil, a matriz energética é baseada nas hidrelétricas, geradoras de energia limpa e renovável, mas que causam grande impacto ambiental onde instaladas. Mudanças na matriz energética brasileira indicam a instalação de 49 unidades térmicas de geração de energia, movidas a gás natural. Apesar de o gás natural ser um combustível mais limpo que o petróleo, seu uso aumentará as emissões brasileiras de gases do efeito estufa e a dependência externa de fontes de energia não renováveis. Enquanto a poluição e perigos decorrentes do uso de combustíveis fósseis aumentam, os recursos hídricos diminuem, haja visto o racionamento de energia enfrentado recentemente. Por outro lado, Lamberts (1997) afirma que, “o consumo de energia elétrica no país triplicou nos últimos 18 anos, sendo 42% deste consumo destinado a residências e edifícios comerciais e públicos”. Todo este cenário torna evidente a necessidade de conservação da energia e busca de fontes alternativas. O ideal seria investir em fontes de energia renováveis e não poluentes, como a solar, a eólica e a biomassa, que a cada ano apresentam maior viabilidade. A arquitetura pode contribuir para a conservação de energia, criando condições para a utilização de energias renováveis e não poluentes e para a redução do consumo, através de equipamentos mais eficientes e que evitam o desperdício, e do aproveitamento da ventilação e da iluminação naturais. 5.2. Energia solar A energia solar pode ser usada através do efeito fotovoltaico, pelo qual as células solares contidas em painéis convertem diretamente a energia do sol em energia elétrica. Recentemente, sistemas solares fotovoltaicos vêm sendo experimentados de forma interligada à rede pública, como usinas geradoras em paralelo às grandes centrais geradoras elétricas convencionais; desta forma, fica dispensado o sistema acumulador (baterias), já que a “bateria” da instalação solar fotovoltaica interligada à rede elétrica é a própria rede elétrica. Os sistemas solares fotovoltaicos podem ser integrados a uma edificação, com a dupla função de gerar eletricidade e funcionar como elemento arquitetônico em coberturas ou fachadas. Entre as vantagens deste tipo de instalação, pode-se destacar: não requer área extra, podendo ser utilizada no meio urbano, junto ao ponto de consumo; elimina as perdas por transmissão e distribuição da energia elétrica, como ocorre com usinas geradoras centralizadas; não requerer instalações de infra-estrutura adicionais. Na configuração mais comum, estes sistemas são instalados de modo que, quando o gerador solar fornece mais energia do que a necessária para atender a instalação consumidora, o excesso é injetado na rede pública e a instalação consumidora acumula um crédito. Por outro lado, quando o sistema solar gera menos energia do que a demanda da instalação consumidora, o déficit é suprido pela rede. Vários parâmetros podem afetar o rendimento do conjunto de painéis solares fotovoltaicos, como a radiação solar, o sombreamento, e a inclinação e orientação dos painéis. Como regra geral, a inclinação ótima com relação à horizontal para incidência solar máxima em regime anual é dada pela latitude local. A orientação ideal é a de uma superfície voltada para o equador (norte geográfico). Rüther (1999) afirma que, “a inclinação e a orientação exata não são críticas, ao contrário de uma percepção existente de que painéis solares somente podem ser instalados em estruturas voltadas para o norte, de preferência móveis para seguir o sol. Para uma grande variedade de orientações possíveis, pode se atingir uma incidência de mais de 95% da radiação máxima”. 5.3. Energia eólica A energia eólica pode ser usada através de uma turbina, ou aerogerador, que consiste em um rotor que capta a energia cinética dos ventos e transforma em energia girante, chamada de torque mecânico. Esta energia mecânica aciona um gerador elétrico, que produz corrente. No Brasil, o aproveitamento dos recursos eólicos tem sido feito tradicionalmente com a utilização de cata-ventos para geração de energia mecânica e, mais recentemente, com turbinas eólicas conectadas à rede, para geração de energia elétrica. Algumas medidas precisas de vento, realizadas recentemente em diversos pontos do território nacional, indicam a existência de um imenso potencial eólico em nosso país. A empresa Wobben Windpower, subsidiária da Enercon (empresa alemã) no Brasil, instalou três usinas eólicas no país, duas no Ceará e uma no Paraná. Os aerogeradores podem ser integrados a uma construção ou ser apoiados no alto de torres. O espaço ocupado pelas torres pode ser utilizado ou conservado em suas características naturais; no caso de uma fazenda, por exemplo, o fazendeiro pode plantar ou deixar o gado pastar embaixo das turbinas. O principal fator para o rendimento dos aerogeradores é a velocidade média anual do vento; as turbinas produzem energia com velocidades a partir de 2,5 m/s. Para a geração eficiente de energia elétrica são necessárias altas velocidades, enquanto a geração de energia em menor quantidade, para bombeamento de água em um edifício, por exemplo, pode ser feita a baixas velocidades. 5.4. Energia de biomassa A biomassa é o material orgânico que se decompõe pela ação de bactérias, como, por exemplo: restos de cultivos, restos de alimentos, dejetos animais, esgotos sanitários, enfim, resíduos orgânicos. A decomposição bacteriana é um processo biológico, que ocorre naturalmente, na presença ou não de oxigênio. A decomposição aeróbia de matéria orgânica no solo, por exemplo, produz o húmus. Este processo pode ser utilizado e controlado pelo homem para produzir fertilizantes, através da compostagem. A decomposição anaeróbia de matérias orgânicas em aterros, por exemplo, produz o biogás, que é liberado para a atmosfera. Uma deficiência em fontes de energia renováveis é para o aquecimento, por exemplo, para cozinhar, a qual pode ser suprida pelo biogás. Para aproveitar este produto, a decomposição anaeróbia da matéria orgânica pode ser feita em biodigestores. O biodigestor é uma câmara onde, fora da presença da claridade e da presença de oxigênio, e sob condições ideais de temperatura (que são condizentes com o clima tropical de nosso país), realiza-se a digestão da biomassa pelas bactérias anaeróbias. O biogás produzido pode ser usado em fogões, aquecedores de água e lampiões e pode substituir o GLP (gás liquefeito de petróleo), utilizando matéria-prima gratuita, renovável, não poluente e de produção local. O metano, que constitui a maior parte do biogás, é incolor, inodoro, insípido e inflama-se com facilidade. Além do biogás, a digestão da biomassa em biodigestores produz resíduos sob formas pastosa (lodo) e líquida (efluente), que podem ser utilizados, respectivamente, para fertilizar e irrigar cultivos não-comestíveis. O biofertilizante proporciona alta produtividade, pois suas características fazem com que atue como um protetor natural das plantas cultivadas contra doenças e pragas; sem danos ao meio ambiente e riscos à saúde humana. Macyntire (1996) afirma que: “para demonstrar a importância do emprego de biomassas para produção de biogás e biofertilizantes, vale mencionar que na China existem mais de 7,5 milhões de biodigestores instalados, e na Índia, cerca de um 1 milhão”. No Brasil, houve uma tentativa de se introduzir o uso da biomassa para produção de energia em biodigestores, quando da crise do petróleo nos anos 70. No entanto, a prática não foi assimilada, por questões de preconceito. Além disso, o uso de biodigestores convencionais, como os de modelo indiano, chinês ou modelos derivados, que são de operação muito trabalhosa, só se concretiza em comunidades muito pobres, que não contam com outra opção de fonte de energia. Com a evolução da tecnologia anaeróbia no país, o uso da biomassa para produção de energia em biodigestores pode ser revigorado e estimulado pelo desenvolvimento de um novo tipo de biodigestor, o RAFA (ver item 7.1.). 6. ÁGUA As grandes cidades do mundo necessitam, para abastecer suas numerosas populações, de volumes imensos de água doce, captados a distâncias cada vez maiores e a custos elevados. São comuns os conflitos provocados pelo uso da água. É o caso de São Paulo, que invade bacias hidrográficas que não lhe são adjacentes para obter a água de que necessita. Nossa sociedade consome muita água, que pouco a pouco está se tornando uma raridade em diversos países. Segundo previsões do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), a não ser que sejam modificadas as atuais práticas de desperdício e degradação dos recursos hídricos, dois terços da população mundial estará vivendo em condições de escassez de água até 2025. Com um crescimento populacional estimado em 2 bilhões de pessoas nos próximos 25 anos, especialistas alertam para um possível colapso das reservas de água doce da Terra. É possível buscar alternativas para abastecer os edifícios, reduzindo o uso de água da rede pública, que muitas vezes passa períodos de escassez; a chuva, por exemplo, é uma fonte de água doce valiosa. VALE (1977) afirma que: “se aceitarmos o fato de que toda a água da chuva que cai em um terreno pode ser usada no edifício, será possível que cada pessoa use a água que cai naturalmente em sua propriedade”. É importante notar que quanto maior a autosuficiência de um edifício, menor seu impacto ambiental. A arquitetura pode contribuir para a conservação da água, criando condições para a captação da água das chuvas, para a reutilização da água e para a redução do consumo, através de equipamentos mais eficientes e que evitam o desperdício. A água da chuva pode ser coletada por superfícies impermeabilizadas ou pela cobertura, através de calhas e condutores. Depois de captada, dependendo do uso a que se destina, a água da chuva precisa ser tratada e pode ser armazenada em um reservatório subterrâneo ou de superfície. Através do uso de uma bomba a água pode ser conduzida a um reservatório superior, para que haja pressão nos pontos de consumo. Se o uso da água exigir tratamento, antes de ser acumulada no primeiro reservatório, a água da chuva deve passar por um tanque de sedimentação e por um filtro de brita e areia. Esta água pode ser usada nas pias, lavatórios ou no tanque; a água já usada nas pias, lavatórios e no tanque (água servida), após passar por uma caixa de gordura e por um filtro de areia, pode ser coletada num segundo reservatório, de onde sai uma alimentação para a descarga do vaso sanitário; assim, a água será utilizada duas vezes, reduzindo a quantidade de água consumida. Mascaró (1991) afirma que: “a reutilização da água é interessante não só porque permite importantes economias nos volumes de água a abastecer, mas também porque diminui a necessidade de despejar águas servidas, com seus conhecidos problemas”. A água da chuva não é recomendada para fins potáveis, pois, muitas vezes, sua composição química pode ser prejudicial à saúde humana. Neste caso, quando possível, é preferível usar água da rede pública ou de uma nascente. Esta água precisa ter boa qualidade do ponto de vista físico, químico, biológico e bacteriológico, o que pode exigir processos de tratamento de água. Complementando o sistema de abastecimento de água, é essencial o uso de sistema de tratamento de esgotos, para que se possa completar o ciclo da água e devolvê-la a natureza em condições adequadas a integridade do meio ambiente. 7. RESÍDUOS 7.1. Esgotos sanitários O tratamento de esgotos sanitários é essencial à manutenção de suprimento de água nos centros urbanos em condições desejáveis à saúde pública. O relatório Avaliação Mundial 2000 do Abastecimento de Água e Saneamento, da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que 2,4 bilhões de pessoas no mundo não têm esgoto e 1,1 bilhão não recebem água. Por causa disso, ocorrem 4 bilhões de casos de diarréia por ano, 10% da população mundial tem parasitas intestinais e 200 milhões sofrem de esquistossomose. Os esgotos sanitários que não recebem tratamento contaminam e poluem o solo e corpos d’água, transmitindo doenças à população e prejudicando ecossistemas e meio ambiente. A arquitetura pode contribuir para a qualidade ambiental, criando condições para a redução da produção de esgoto, através da reutilização de águas servidas e para o tratamento dos esgotos sanitários, quando não há uma rede coletora, ou quando há a preocupação ambiental de se responsabilizar pelo tratamento dos resíduos gerados no edifício. O tratamento do esgoto sanitário, uma biomassa, pode ser feito pela decomposição anaeróbia por bactérias, em biodigestores. Como dito anteriormente, os biodigestores convencionais não tiveram aceitação nas pequenas comunidades brasileiras. Além disso, Gasi (1989) afirma que: “para tratar o esgoto doméstico de grandes e médias comunidades, nunca foi usado um biodigestor convencional, devido ao grande tempo de retenção exigido (15 a 60 dias) que resultaria em unidades de proporções proibitivas. (...) Entretanto, a tecnologia mais moderna da digestão anaeróbia vem desenvolvendo um novo biodigestor, dito de fluxo ascendente. Sua característica fundamental é ter reduzido o tempo de retenção para apenas algumas horas, tornando o sistema compacto e viabilizando o tratamento do esgoto sanitário neste novo modelo de biodigestor”. Além disso, o biodigestor de fluxo ascendente, RAFA (Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente), apresenta as seguintes vantagens para o tratamento de esgotos domésticos: pequena área necessária; baixo custo; simplicidade de construção e operação; não há consumo de energia; há produção de energia (biogás); baixa produção de lodo, que pode ser adequado para uso como fertilizante; não remove nutrientes, uma vantagem para utilizar o efluente na irrigação de cultivos não-comestíveis. O controle do sistema para esgoto doméstico é bastante simples, necessitando apenas remoção periódica do lodo, além da manutenção e limpeza. Atualmente, sistemas de tratamento de esgotos aeróbios são mais utilizados, pois, além de eficientes na remoção de matéria orgânica, até pouco tempo atrás eram os mais compactos; no entanto, são sistemas caros, que consomem muita energia (aeração para fornecer oxigênio às bactérias) e geram grandes quantidades de lodo. A grande vantagem dos biodigestores é sua utilização simultânea no saneamento e na produção de energia. Além disso, é um sistema que possui caráter educativo, a ser trabalho entre as comunidades: os resíduos, visto como indesejáveis pela cultura dominante, são na realidade muito úteis, seja na forma de gás, de fertilizantes ou simplesmente de água. 7.2. Lixo O lixo tem uma grande implicância sanitária, pois atua indiretamente como causador de enfermidades, servindo de base para a ação de vetores animais e, por intermédio da poluição, causando doenças. A integridade do solo e da água é decisiva para a saúde humana e qualidade ambiental. Uma vez depositado no solo, o lixo, contendo líquido com carga de poluentes, infiltra-se no subsolo, podendo contaminar lençóis freáticos e corpos d’água. O lixo pode seguir três caminhos: ser jogado em locais impróprios; ser coletado de forma convencional, indo para lixões ou aterros; ou ser coletado seletivamente, indo para reciclagem, compostagem ou incineração. Do lixo produzido nas regiões urbanas do Brasil, foi estimado pelo IBGE que: 76% são depositados em locais impróprios ou lixões; 23% em aterros e 1% é tratado (compostagem, incineração ou reciclagem). Entre as formas de disposição do lixo, o aterro sanitário é a mais segura ambientalmente. No entanto, pela crescente quantidade de lixo, há limitação de áreas para disposição final; grandes cidades precisam, muitas vezes, exportar seu lixo para áreas de municípios vizinhos. De acordo com o princípio dos “três erres”, o ideal para o meio ambiente seria, em primeiro lugar, uma política de redução da produção de lixo; em segundo, a reutilização de materiais e, em terceiro, a reciclagem apenas do que não pode ser reutilizado. Reutilizar vasilhames de bebidas, por exemplo, era comum em nossa sociedade, mas optamos pelos descartáveis, mais cômodos, e passamos do reutilizar para o reciclar, um passo atrás. A redução da produção de lixo, a reutilização de materiais e a separação do lixo para coleta seletiva e reciclagem são questões de educação ambiental. A produção de lixo vem aumentando muito em todo o planeta. A necessidade de redução da produção do lixo entra em conflito com os hábitos consumistas e desperdícios de nossa sociedade, que entende mais de conforto e comodidade do que do meio ambiente do qual faz parte. Pelo dicionário, lixo é: “coisa imprestável que se joga fora”. Na realidade, este material foi, um dia, retirado da natureza e processado; consumiu água, energia, mão-de-obra e insumos; atendeu a uma necessidade e, perdendo sua função, tornou-se lixo? Não, não é imprestável, nem deve ser jogado fora: materiais e energia presentes nele devem ser recuperados, trazidos de volta ao ciclo produtivo. A reciclagem do lixo é um caminho para o uso sustentável dos recursos naturais. Reciclar é economizar energia, poupar recursos naturais e tornar útil o que jogamos fora. É possível reciclar praticamente todo o lixo que produzimos. A reciclagem pode ser a solução para vários problemas ambientais, como a devastação de florestas, a poluição da água e a escassez de matéria prima. Os principais materiais para a reciclagem são plástico, vidro, metal e papel. O material orgânico, como restos de cultivos, restos de alimentos e papel higiênico, pode ser tratado através da compostagem, quando é deixado para decompor sob condições controladas, produzindo adubo. Ou pode ser tratado no biodigestor, produzindo biogás e biofertilizantes. Em São Sebastião, o Programa de Coleta Seletiva do Lixo atende 80% do município; porém, a maior parte do lixo não é enviada para reciclagem, sendo depositada em locais impróprios ou no lixão da Baleia, único local utilizado oficialmente para disposição do lixo na cidade. 8. PROJETO Após os estudos feitos sobre os processos de uso e ocupação litorânea, especificamente do município de São Sebastião, sobre a questões do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, sobre educação ambiental e ecoturismo; após a elaboração do tema e do programa de necessidades; após a escolha do terreno, a elaboração de uma proposta para sua ocupação e coleta de dados sobre o clima local e, após a pesquisa dos métodos aqui apresentados, foi feito o projeto, que pretende cumprir os objetivos de apresentar uma arquitetura que seja compatível com a conservação ambiental e que tenha caráter educativo. O projeto constitui-se pela implantação do edifício do Centro, ao lado de Viveiro de Mudas existente, de um Alojamento, de um Mirante e de uma Trilha, que se ligaria a outras trilhas existentes. O edifício do Centro foi detalhado através de plantas, cortes, esquemas e detalhes. Apresentamos aqui apenas duas figuras sintéticas. Na Figura 1, temos um esquema geral que descreve o fluxo de recursos no edifício do Centro, o qual se associa a presença do Viveiro de Mudas. Na Figura 2, temos a maquete eletrônica do edifício do Centro, onde se pode ver também o Mirante, ao fundo. origem reciclada ÁGUA torneiras cisterna 2 chuva cisterna 1 caixa 1 nascente e.t.a. caixa 3 consumo eólica bombas solar consumo biogás consumo caixa 2 ENERGIA rede pública biomassa descargas esgoto alimentos triturador biodigestor p/ viveiro de mudas cultivos RESÍDUOS lodo/efluente inorgânicos biofertilizante reciclagem aterro Figura 1 - Fluxo de recursos proposto. irrigação Figura 2 - Maquete eletrônica do projeto proposto. 9. CONCLUSÃO O arquiteto precisa considerar as questões ambientais em seus projetos pois, como dito, cada decisão arquitetônica tem um efeito sobre o meio ambiente. Apesar de não ser o único agente do processo, sua responsabilidade é certa e dele podem partir diversas decisões que resultarão em uma edificação mais compatível com a conservação ambiental. É possível construir uma edificação coerente com os ideais de desenvolvimento sustentável. Apesar das dificuldades de se adotar técnicas e tecnologias novas, pouco usuais ou que possam ter sido abandonadas, como algumas das alternativas citadas, todas vêm sendo aplicadas e desenvolvidas a tempos e, se ainda não o são totalmente, tornam-se mais viáveis a cada ano. A questão dos custos expressos em valores, a qual sempre se dá importância, não deve ser a fundamental pois, além dos custos financeiros, estão os custos sociais e ambientais, que têm conseqüências e precisam ser considerados como custos reais atribuídos ao que se seleciona, especifica ou contrata. O uso das alternativas citadas contribui para a preservação ambiental, pode reduzir custos construtivos e, certamente, reduz muito os custos operacionais. Com vistas ao desenvolvimento sustentável, é isto o que a arquitetura pode buscar: a preservação do meio ambiente aliada à redução dos custos construtivos e operacionais. A falta de consciência ambiental é, certamente, a causa primária para que, apesar de esforços localizados, tão pouco seja feito cotidianamente nas direções que apontam para o desenvolvimento sustentável. Alternativas existem, mas é primordial o conhecimento da importância de coloca-las em prática. A educação ambiental é a questão mais urgente pois a ação do homem, da qual depende o futuro do planeta, precisa ser consciente. 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Afonso, C. (1999) Uso e ocupação do solo na zona costeira do estado de São Paulo. São Paulo. Annablume. Bono, C. (1996) Madeira Laminada Colada na Arquitetura. Dissertação de Mestrado. EESC, Universidade de São Paulo. São Carlos. Brasil (1999) Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília. Brasil (1994) Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo. Brasília. Crowther, R. (1992) Ecologic architecture. Boston, USA. Butterworth Architecture. Gasi, T. (1989) Tratamento de esgotos de pequenas comunidades. São Paulo. CETESB. 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