ESCORSIM, Leila. Mariátegui: vida e obra. São Paulo

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RESENHAS
ESCORSIM, Leila. Mariátegui: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
Celso Gestermeier do Nascimento
Unidade Acadêmica de História e Geografia (UFCG)
O livro de Leila Escorsin ajuda a suprir uma grande ausência nas livrarias brasileira:a de trabalhos
que tenham como foco a América Latina. A obra que ela assina, embasada em seu trabalho de tese de
doutorado, é uma preciosidade ao público leitor que pouca oportunidade tem de ler acerca de José
Carlos Mariátegui e isso no ano em que completam-se 80 anos de sua obra mais importante: “Sete
Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”, o que torna ainda mais importante e apaixonante o
trabalho de Leila, que se constitui num passeio pela vida pessoal do autor, expondo também ao leitor
a trajetória intelectual que o levou a tornar-se um marxista voltado para a análise da realidade
peruana com a finalidade de transformá-la.
O primeiro capítulo: O país e o Revolucionário: o Peru de Mariatégui traz a dimensão pessoal da
trajetória de vida do pensador peruano José Carlos Mariátegui (1894-1930), de origem humilde e
autodidata. Nele a autora mostra o contexto histórico da transição do século XIX para o século XX
em que Mariátegui viveu, como a criação do Partido Civilista, surgido como uma reação ao
caudilhismo militar. Formado por proprietários urbanos, homens de negócios, fazendeiros e
advogados, o Civilismo dominou o cenário político peruano de 1895 a 1919, enquanto a economia
nacional era dominada por um pequeno grupo de comerciantes e de homens ligados a produção
agrícola e extrativista, com poderes quase ditatoriais em seus domínios – “gamonalismo” – além de
associados aos interesses britânicos. Além disso, o país também se dividiu em duas regiões: de um
lado o litoral, de economia agroexportadora e branca e, de outro, a da serra, os Andes, isolada, de
economia atrasada – para os moldes capitalista - e presença maciça indígena. O período civilista
encerrou-se em 1919 com a chegada ao poder do ditador Leguía (1919-1930) e do abandono de um
projeto econômico nacional – burguês e autônomo - face aos laços cada vez mais estreitos da
economia peruana com o capital norte-americano, que aos poucos substituía o britânico, o incentivo
à imigração – principalmente asiática – e ao extrativismo mineral (cobre, petróleo e carvão). Tratouse de uma crise do modelo oligárquico que acompanhou a falência do civilismo e cujo estado de
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coisas viu eclodir no país grandes manifestações de camponeses, estudantes e de operários,
notadamente de anarquistas e anarcossindicalistas e ainda o problema indígena aparecendo como
elemento fundamental dentro da questão nacional. Esse é o pano de fundo em que se desenrola a
primeira fase da vida de Mariátegui, que muitos autores caracterizam como “idade da pedra”,
marcada por artigos sob o pseudônimo de Juan Croniqueur. Tendo a vida toda trabalhado em jornais
e revistas e colaborado na fundação de muitos deles, o autor é praticamente forçado a viajar à Europa
em 1919, onde viveu até 1923 – na Itália – e realizou intenso aprendizado ao travar contato com o
pensamento marxista, que o auxiliou na tarefa de uma análise histórica – com enfoque econômico –
do Peru, com a finalidade de detectar problemas que persistem desde o período colonial com a
finalidade de traçar as diretrizes para a organização da classe operária peruana com vistas à
Revolução Socialista: “trazer o Peru para a modernidade revolucionária do século XX” (p.42). Sob a
perspectiva mariateguiana da revolução mundial que se preparava então, havia tarefas formidáveis a
serem realizadas com a função de inserir seu país nela.
No capítulo II: Do Anticapitalismo Romântico às lutas sociais, a autora sustenta a tese de que tal
conceito - anticapitalismo romântico - recuperado pelo pensador Löwy nos anos de 1980 não
poderia ser aplicado a Mariátegui, na medida em que ele carrega implícitamente o retorno a valores
sociais e culturais do passado, algo que só poderia referir-se ao autor de forma bastante residual,
presente na “idade da pedra” e possivelmente relacionada a um projeto de “estetização da
experiência religiosa” que, segundo a autora, refere-se a uma “posição global diante da vida” (p.56),
no sentido de construção da própria vida como uma obra de arte, e é esse caráter subjetivista que o
coloca em confronto com o anticapitalismo romântico, não se trata de restaurar um “comunismo
agrário”, mas de recuperar elementos fundamentais para a construção de um novo socialismo, tais
como a tradição cooperativa e socialista incaica, submetidos às novas bases marxistas, pois ela vê a
tradição em Mariátegui como “viva e dinâmica”. Ao mesmo tempo, a autora retrata duas ordens de
experiência para a vida de Mariátegui pós 1916 que o distanciam definitivamente do anticapitalismo
romântico. Em primeiro lugar a influência anarquista de González Prada, cujas grandes temáticas de
reflexão aparecerão na obra de Mariátegui, tais como a valorização do índio e sua importância na
construção da nacionalidade peruana, assim como a visão das massas enquanto sujeito histórico,
além de um gritante anti-academicismo. Entretanto, para o amauta, Prada não focou seu trabalho
numa obra coletiva, que por sinal foi uma tarefa recusada pelos anarquistas do período. A outra
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experiência que o afastou do anticapitalismo romântico foi sua atuação profissional como jornalista,
na cobertura dos debates parlamentares ao mesmo tempo em que foi tocado pelas transformações
políticas do período, tais como a greve geral, a criação da Federação dos Trabalhadores Têxteis do
Peru e do Partido Socialista do Peru, do jornal “Germinal” etc. Aqui se encerra “idade da pedra” e
1919 marca o ano da viagem de Mariátegui para a Europa e seu aprendizado no pensamento
marxista.
No capítulo III: As concepções marxistas de Mariátegui, Escorsim mostra a importância da
estadia européia na formação intelectual de Mariátegui, principalmente no tocante a falência do
modelo democrático-liberal e a ascensão do fascismo e do comunismo. Também é tocante o
movimento de reação à Segunda Internacional Comunista (1889), e seu “marxismo vulgar”, no qual
ao partido caberia a organização e conscientização da classe operária à espera de uma “crise final” do
capitalismo. É nesse momento que Mariátegui sofre influências que lhe serão caras para o resto da
vida, em especial a importância da “análise econômica como suporte da análise histórico-política”
que encontra em Golbetti e a valorização da tese do mito – a revolução operária – enquanto
“mobilizador da ação social”, a ponto de encarar a força revolucionária como uma verdadeira força
religiosa. Aqui se configura o marxismo agônico, no sentido de luta, de um pensamento sempre em
movimento como um método de interpretação da sociedade capitalista, assim como de ação sobre
ela, dinâmico e não apenas enquanto concepção teórica.
No capítulo IV: A tarefa americana (I): a organização da cultura, partindo do pressuposto de
uma relação entre a decadência artística – dado que em Mariátegui não existe a arte “pura” – o
processo de crise da sociedade burguesa levou à falência do projeto de construção de mitos,
produzindo duas alternativas possíveis: o protesto romântico, com a tese do retorno ao passado
dourado, típico do fascismo, e o protesto socialista, que aponta para o mito revolucionário e a nova
sociedade socialista. É nesse momento em que o surrealismo o atrai, a ponto de chamá-lo de “suprarealismo” ou de uma antecipação do “verdadeiro realismo”, porque retrata o auge da dramática
decadência burguesa. O artista vive, nesse momento, na “zona de sombra” que compõe a passagem
do mito burguês para o mito revolucionário e daí a importância da organização da vanguarda
artística, que caminha junto com a vanguarda revolucionária. O retorno ao Peru em 1923 marca a
transição entre a “morte” de Juan Croniqueur e a importância cada vez maior de temáticas como
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“Ensino e Educação” associada à preparação para a escola única que acompanharia uma “nova
ordem social”. Da mesma forma, aparece a valorização do indigenismo, apontando para o fato que,
dada a configuração da população peruana, a classe trabalhadora era eminentemente indígena e seu
problema seria um problema social, tendo relação direta com o problema da terra. Logo, é preciso
organizar a vanguarda cultural, e essa será uma penosa tarefa para “Amauta” (1926-1930), revista
fundada sob os ventos da Internacional Comunista de 1921 e sua tese leninista de “frente única” para
ser a “voz da nova geração”, onde “tudo o que é humano nos pertence” (201). O capítulo é encerrado
com a autora comentando cada um dos Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, a saber:
Esquema da Evolução Econômica, O Problema do Índio, O Problema da Terra, O Processo da
Instrução Pública, O Fator Religioso, Regionalismo e Centralismo e O Processo da Literatura.
Os últimos anos da vida de Mariátegui e sua maturidade política são enfocados no capítulo V: A
tarefa americana (II): a organização do proletariado, leva a autora a polemizar com autores que
viam relações conflituosas entre Mariátegui e a Internacional Comunista, ao mostrar que na realidade
existiram tensões normais que nunca supuseram oposições ou rompimento; ela divide a tarefa
mariateguiana de organização do proletariado em seus últimos 7 anos de vida em duas fases: a
primeira indo de 1923 a 1928, sob os auspícios da tese da “frente única” que, aos poucos, leva-o a
confrontos com Haya de La Torre e o APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana, fundada
em 7/5/24). A segunda vai de 1928 ao final de sua vida, pois na VI Internacional Comunista, a
política da “frente única” é substituída pela “classe contra classe”, o que acabou por levar ao
rompimento definitivo de Mariátegui com Haya de La Torre e à fundação do Partido Socialista
Peruano em 1928, quando ssumiu a Secretária Geral, da Confederação Geral dos Trabalhadores
Peruanos em 1919 e, posteriormente, ao Partido Comunista Peruano, em 1930.
Ao concluir este instigante trabalho, Escorsim recupera a imagem não somente do ativista político
como também do ser humano que foi Mariátegui e entende que, embora hoje enfrentemos novos
problemas que sem sequer se esboçavam ao mundo ainda pré-urbano do pensador, mesmo assim é
possível pensar-se na sua contemporaneidade, principalmente através de três planos: da antifetichização da teoria, da realidade enquanto submetida a investigação e pesquisa e da ação política
anti-utópica e, por outro lado, anti-demagógica. Por fim, se o Amauta pode ser visto como um
pensador radical, também foi um intelectual coerente, que pautou sua vida num movimento
incessante de aprendizagem teórica e de ação prática, sem jamais perder a fé no mito da revolução
proletária.
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