FICHA TÉCNICA – FILME Produção Sociedade Universal de Super-Filmes, Lda. Estreia Lisboa, S. Luís, 2 de Dezembro de 1936. Realização Leitão de Barros. Leitão de Barros realizou uma versão espanhola de Bocage, intitulada Las Tres Gracias, para o produtor espanhol Ernesto Gonzalez, com Alfredo Mayo (Bocage) e Fuensanta Lorente (Márcia). Argumento Rocha Martins. Diálogos e Versos Matos Sequeira e Pereira Coelho. Fotografia J. Barth, Salazar Diniz, Aquilino Mendes e Octávio Bobone. Música Afonso Correia Leite, Armando Rodrigues, Carlos Calderon, Raul Portela e Cruz e Sousa. Assistente de realização Arthur Duarte. Som Eng.º Paulo de Brito Aranha. Bailados Piero. Intérpretes Raul de Carvalho (Bocage), Maria Helena (Márcia), Maria Castelar (Anália), Celita Bastos (Canária), Maria Valdez (Marquesa de Alorna), Araújo Pereira (Pina Manique), António Silva (polícia da Intendência), Lino Ferreira (polícia), Tarquínio Vieira (António Coutinho), Joaquim Prata (poeta Caldas), João Villaret (Rei D. João VI)), Silvestre Alegrim, Maria Albertina, Francisco Costa e Tomás Alcaide. Ficha Técnica – EXPOSIÇÃO SOCIEDADE UNIVERSAL DE SUPER-FILMES, LDA Organização Câmara Municipal de Setúbal Departamento de Cultura, Educação, Desporto, Juventude e Inclusão Social / Divisão de Cultura Exposição Filme Bocage (1936), de Leitão de Barros. Textos Carlos Mouro e Horácio Manuel Pena Iconografia Documentos da época, gentilmente cedidos por António Cunha Bento Design Rita Firmino Pereira (Serviço Municipal de Comunicação e Imagem) Promoção Elisa Pedradas (Serviço Municipal de Comunicação e Imagem) Produção Crómia Belgráfica NOVEMBRO 2015 15 de Setembro de 1765 CONTEXTO MOMENTO HISTÓRICO Após os êxitos alcançados pel’A Severa (1931) e pel’As pupilas do senhor reitor (1935) Leitão de Barros abalançou-se a novo e ousado projeto: a realização de uma película destinada aos mercados de Portugal, de Espanha e do Brasil. Em 1936 – ano em que Leitão de Barros realiza Bocage – entra em funções o 3.º Governo de Salazar (1889-1970), que se prolongará até 27 de Novembro de 1968. Para tema da nova fita – pensada como filme histórico – foi escolhida a vida do setubalense Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), o maior e mais popular poeta português. Pelo vulgo, Bocage era tido por uma existência boémia, pela veia de repentista mordaz, pelo desbragamento de uma erótica que circulava clandestinamente e pelas inúmeras e “picantes” anedotas que lhe atribuíam e que nem sequer criara: “a opção parecia, em princípio, malandreca e apetecível” (COSTA; 1991: 60). Afinal, aquelas dimensões foram escamoteadas “e o filme ficou-se por uma pesadíssima reconstituição histórica (…) para que se foi severo ao tempo” (COSTA; 1991: 60). “Leitão de Barros não consegue harmonizar, como em a Severa, o estúdio e a Natureza, a verdade dos rostos e a convenção da época reconstituída. Bocage, apesar do brio de Raul de Carvalho [1905-1984], pouco à-vontade na personagem, deixa de ser o poeta singular, a figura discutida que o povo consagrou. Ficamnos alguns apontamentos de bom gosto e algumas canções, como a célebre Marcha dos marinheiros, de Carlos Calderon [1867-?], sem esquecer a romança O Amor é cego e vê, cantada por Tomás Alcaide [1901-1967]” (PINA; 1986: 80). Em Portugal e em Espanha – para cujo público se fizera uma versão intitulada Las tres gracias – o filme fracassou. Porém, no Brasil obteve um estrondoso êxito, como já sucedera com A Severa, A Canção de Lisboa (1933), de Cottinelli Telmo (1897-1948) e As pupilas… A estrutura clandestina do Partido continuava a ser abalada por sucessivas investidas da PIDE. É criado o campo de concentração do Tarrafal (Abril), que logo em Outubro receberia os primeiros 157 prisioneiros políticos. Comemora-se o 10.º aniversário do 28 de Maio. É instituída a Mocidade Portuguesa (Julho). Bento Gonçalves (1902-1942), secretário-geral do P. C. P., é condenado pelo Tribunal Militar Especial a 6 anos de desterro, 12.000$00 de multa e à perda de direitos políticos, por 10 anos (Agosto). É criada a Legião Portuguesa (Setembro). No âmbito estritamente cinematográfico assinale-se a estreia, no lisboeta Tivoli, a 1 de Junho, da fita O Trevo de quatro folhas, de Chianca de Garcia (1898-1983). No respectivo elenco brilhavam, entre outros, Nascimento Fernandes (1881-1955), Beatriz Costa (1907-1996), o brasileiro Procópio Ferreira (1898-1979), Costinha (1891-1976). CORREIA, Ricardo (1986), Vultos setubalenses, Setúbal, Ed. do Autor. COSTA, Alves (1978), Breve história do cinema português (1896-1962), Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa. PINA, Luís de (1986), História do cinema português, Publicações Europa-América. COSTA, João Bénard da (1991), Histórias do cinema, INCM, Lisboa. RAMOS, Jorge Leitão (1995), “O Cinema salazarista”, João Medina (dir.), História de Portugal. Dos tempos pré-históricos aos nossos dias, Amadora, Ediclube, pp. 387-406. PIÇARRA, Maria do Carmo (2006), Salazar vai ao cinema – O Jornal Português de actualidades filmadas, Coimbra, Minerva. PINA, Luís de (1978), Panorama do cinema português, Lisboa, Terra Livre. 1918: Malmequer. Curta-metragem (35mm., pb, 600m., 21min.). Mal de Espanha. Curtametragem (35mm., pb, 280m., c. 10min.). O Homem dos Olhos Tortos (35mm., pb, série inacabada). Casado com D. Luísa Mateus Alegrim (?-1947), de quem houve três filhos: Fernando Alegrim, Maria Augusta Alegrim e Natália Alegrim Martins. Viria a falecer, em Lisboa, a 17 de Outubro de 1946. Pisou o palco pela primeira vez, aos 9 anos, integrando a companhia de um teatro infantil – precisamente denominado Bijou Infantil – no elenco da opereta Intrigas no Bairro, de Luís Araújo (1833-1906). Era a primeira tentativa, em Portugal, de se criar um teatro para crianças, pela mão do ator José Rodrigues Chaves. O projeto gorou-se na noite de 1 de Abril de 1893, quando um violento incêndio destruiu o teatrinho e todo o seu recheio. Alegrim fez-se tipógrafo, trabalhando nos jornais Correio da Noite, O Século e Diário de Notícias. Matriculou-se no Conservatório. Formou-se. Obteve o 1.º prémio, em comédia. Entrou para o cinema, pela mão de Leitão de Barros (18961967), desempenhando o papel de “Timpanas”, na primeira fita sonora portuguesa: A Severa (1931). BASTOS, Sousa (1994), Dicionário do teatro português, Coimbra, Minerva (1.ª ed. 1908). MORAIS, João e VIOLANTE, Luís (1986), Contribuição para uma cronologia dos factos económicos e sociais. Portugal, 1926-1985, Lisboa, Livros Horizonte. Filmografia SILVESTRE ALEGRIM nasceu em Setúbal (S. Julião, 10-III1881 - Lisboa, 17-X-1946), filho do pedreiro Carlos Jacob e de Augusta Carlota. Em 1908, Sousa Bastos (1844-1911), no seu Dicionário do Teatro Português, escrevera, a propósito deste sadino: “Um novo que muito promete. Cursou o Conservatório, de lá saiu com boa fama e é dos raros que a tem conservado”. Por seu turno, Jorge Leitão Ramos, dá-o como “dotado de uma bela voz de tenor” (RAMOS; 1995: 26). ALDEIA, João (1986), A Fé regionalista e o documentário ‘Setúbal’, Setúbal, Festival Internacional de Cinema de Tróia. MATOS-CRUZ (1989), Prontuário do cinema português 1896-1989, Lisboa, Cinemateca Portuguesa. Silvestre Alegrim Em 1904, pela mão do ator José António do Vale estreouse no teatro Ginásio, com o monólogo O Dorminhoco, de D. João da Câmara (1852-1908). Manteve-se até 1908. Posteriormente integraria os elencos do Apolo (1911), da Companhia Maria Matos/Mendonça de Carvalho (1913), Chiado Terrasse (1923), entre outros. Fez digressões em Portugal e ao Brasil. BIBLIOGRAFIA ENVIA, João Francisco (2003), Setubalenses de mérito, Setúbal, Ed. do Autor. “Acredito num cinema português porque acredito na eternidade deste grupo parecido que somos nós, mandriões pescadores que nos deitamos ao sol da praia na certeza do peixe de amanhã, que somos capazes de muita asneira e de muita coisa bem feita, que somos, enfim uma raça: isto é, que levamos sobre alguns outros povos esta vantagenzinha apreciável: conhecermo-nos uns aos outros, de ginjeira, há oito séculos! E, graças a Deus, damo-nos mal!”. (Leitão de Barros citado por: PINA; 1986: 217). Reorganiza-se o Comité Central do P. C. P. (Abril), do qual fazem parte Alberto Araújo, Rodrigues da Silva, Álvaro Cunhal e Pires Jorge (que em Julho seria preso pelos franquistas, em Espanha, e entregue à PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, a polícia política da Ditadura, que o deteria em Julho de 1937). Assinalem-se, como curiosidades, a estreia de João Villaret (1913-1961) no cinema, no papel do rei D. João VI; a participação do já referido tenor Tomás Alcaide – célebre voz da cena lírica portuguesa e, por fim, a participação do actor setubalense Silvestre Alegrim (1881-1946). DUARTE, Fernando (1976), “Elementos para a história do cinema português, do livro e da imprensa cinematográfica e do cineclubismo”, Celulóide, n.os 231-232-233, Rio Maior. Leitão de Barros RAMOS, Jorge Leitão (2012), Dicionário do Cinema Português, Editorial Caminho. SIMÕES, António Rodrigues (2000), História de Portugal em datas, Lisboa Temas & Debates. TORGAL, Luís Reis (1996), “História, divulgação e ficção”, Luís Reis Torgal, José Maria Amado Mendes e Fernando Catroga, História da História em Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 491-545. Voltaria Alegrim a ser registado em celuloide nas películas A Canção de Lisboa (1933), de Cotinelli Telmo (18971948); Bocage (1936), do já citado L. de Barros, ao lado de nomes grandes da nossa cinematografia como Raul de Carvalho (1905-1984), António Silva (1886-1971), João Villaret (1913-1961); A Rosa do Adro (1938), de Chianca de Garcia (1898-1983); Fidalgos da Casa Mourisca (1938), de Arthur Duarte (1895-1982); Varanda dos Rouxinóis (1939), de L. de Barros; Pão Nosso (1940), de Armando Miranda (1904-1975); Amor de Perdição (1943), de António Lopes Ribeiro (1908-1995); A Menina da Rádio (1944), de Arthur Duarte; A Vizinha do Lado (1945), de A. L. Ribeiro. 1926: Festas da Curia. Curta-metragem (35mm., pb, 123m., c. 3min.). 1929: Nazaré, Praia de Pescadores. Documentário. (35mm., pb, 900m., 32min.). 1930: Lisboa, Crónica Anedótica. Documentário. (35mm., pb, 2600m., 94min.). 1931: A Severa (35mm., pb, 2800m., 102min.). 1935: As Pupilas do Senhor Reitor (35mm., pb, 2811m., 102min.). 1936: Bocage. (Ver ficha à parte). 1937: Maria Papoila (35mm., pb, 2900m., 106min.). 1939: Varanda dos Rouxinóis (35mm., pb, 2800m., 102min.). A Pesca do Atum (35mm., pb, 270m., c. 10min.). 1942: Ala Arriba (35mm., pb, 2580m., 94min.). 1945: Inês de Castro (também designado Pedro, il Crudele). (35mm., pb, 2995m., 110min.). Lisboa e o problema dos seus acessos. (Curtametragem). 1946: Camões (35mm., pb, 3200m., 118min.). 1949: Vendaval Maravilhoso (35mm., pb, 3850m., 140min.). 1951: A Última Rainha de Portugal (35mm., pb, 638m., c. 22min.). 1959: Relíquias Portuguesas do Brasil, (35mm., c, 255m., c. 9min.). 1961: Comemorações henriquinas (Curtametragem). 1962: Escolas de Portugal (35mm., c, 400m., 14min.). José Júlio Marques LEITÃO DE BARROS (Lisboa, 22-10-1896-Lisboa, 29-6-1967). Académico de BelasArtes; das Faculdades de Ciências e de Letras. Professor liceal após concluir o curso da Escola Normal Superior. Interessou-se pelo Teatro (escreveu peças e foi cenógrafo). Fez-se jornalista (com colaborações no Correio da Manhã, n’O Século, n’A Capital, na Imprensa da Manhã, n’A Noite, no ABC). Fundou e dirigiu o semanário Domingo Ilustrado. Actualizou conhecimentos gráficos na Alemanha. Fundou a Neogravura, Lda. Visitou, ainda, a França, a Itália e a Espanha. Em 1930 – ao lado de Lopes Ribeiro (1908-1995) e de Chianca (1898-1983) – entrou na Inspecção Geral de Espectáculos, criada em 1927. Leitão de Barros foi o organizador dos Cortejos da Cidade (Lisboa, 1934-1935). Secretário-geral da Exposição do Mundo Português (1940). Criador da Feira Popular, em Lisboa. Foi premiado em Belas-Artes. 1.º Prémio de Cinematografia Espanhola (1945). Cavaleiro e comendador da Ordem de Santiago e Grande Oficial da Ordem de Cristo. Era casado com a aguarelista e professora Helena Roque Gameiro Leitão de Barros (n. 2-8-1895), filha do pintor Roque Gameiro (1864-1935). Sobre ele escreveu Alves Costa, na Breve História do Cinema Português: “Homem de múltiplas facetas, Leitão de Barros dispersa o seu entusiasmo, os seus interesses, as suas capacidades e a sua constante inquietação por diferentes actividades: ‘Pinta, ensina, pronuncia conferências, escreve crónicas e artigos (dirá Acúrcio Pereira) que têm a marca desse talento singular que lhe atribuiu no berço uma ronda ingénua de fadas protectoras. Comenta com bom humor no artigo de fundo, palpita na reportagem, sorri trocista nas entrelinhas do ‘eco’ jornalístico’. Faz cinema – com dois ou três momentos fulgurantes – e organiza cortejos históricos com o mesmo jeito com que movimenta centenas de figurantes no écran”. (COSTA; 1978: 69-70). Estreou-se como cineasta em três curtas-metragens da efémera produtora Lusitânia Filmes (à qual se associaria). Logo em 1918 rodou três películas: Mal de Espanha (que teve má receção); Malmequer (a primeira reconstituição histórica do realizador) e O Homem dos olhos tortos (que não chegou a concluirse). Em 1931 Leitão de Barros realizou a primeira película sonora portuguesa, numa produção da SUS (Sociedade (Sociedade Universal SuperFilmes, Lda.): A Severa, tendo por base a peça homónima de Júlio Dantas (1876-1962), cujo êxito “serviu de detonador para uma nova ‘explosão’ de cinema português” (COSTA; 1978: 75) e contribuiu substancialmente para a fundação da produtora Tobis Portuguesa, em Junho do ano seguinte. Naquele ano de viragem na história da nossa cinematografia, sintomaticamente, desaparecia a pioneira Invicta Film (criada em 1917); morria o “pai do cinema português” – Aurélio da Paz dos Reis (nascera em 1862) – e Manoel de Oliveira (19082015) estreava o documentário surpreendente e então polémico: Douro, faina fluvial. Barros dirigiria, depois, As Pupilas do Senhor Reitor (1935), com argumento tirado do romance homónimo de Júlio Dinis (1839-1871); Bocage (1936); Maria Papoila (1937); Varanda dos Rouxinóis (1939); Ala Arriba (1942), película com que ganhou, na X Bienal de Veneza, a Taça Volpi (o Conde de Volpi, era, ao tempo, Ministro italiano da Propaganda); Inês de Castro (1945); Camões (1946) e Vendaval Maravilhoso (1949). “… Leitão de Barros morre cinematograficamente com Vendaval Maravilhoso, tentativa de cinema luso-brasileiro que não resultou e que transformou a vida do poeta dos escravos, Castro Alves [18471871], num episódio romântico, muito composto e muito literário, não agradando em Portugal nem no Brasil, apesar da presença da nossa maior vedeta musical Amália Rodrigues [1920-1999]. Está-se em 1949: a carreira de Leitão de Barros acabara” (PINA; 1978: 23). Leitão de Barros, com o ator Alfredo Mayo que desempenhou o papel de Bocage, na versão castelhana do filme, com o título «Las três Gracias», financiada por Ernesto Gonzalez. A versão espanhola do filme foi exibida em Barcelona a 4 de Agosto de 1941 no Cinema Saboya. O filme, em que participou também a atris brasileira Celita Bastos foi exibido em São Paulo a 10.11.1937, no Rialto e “Lançado” em Curitiba a 19.01.1938, no Imperial.