Conhecimento e autoconhecimento em Filosofia Clínica

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CONHECIMENTO E AUTOCONHECIMENTO
EM FILOSOFIA CLÍNICA1
Carlos Copelli Neto
Filósofo e especialista em Filosofia Clínica
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Conhece-te a ti mesmo! Esta expressão, de um caráter praticamente imperioso,
registrada à porta do templo de Apolo constitui um ponto de partida para uma reflexão acerca
do conhecimento humano, tanto aquele que se tem do mundo exterior, como o que se tem de
si mesmo. Conhecer a si mesmo, de um modo bastante geral e prático, também implica em
conhecer o entorno, não apenas aquilo que está ao alcance dos sentidos, mas em um sentido
mais amplo, abrangendo estados mentais, como abstrações, imaginação, criatividade,
memória, etc. Portanto, depreende-se, inicialmente, que se trata de um tema bastante
complexo, o qual doravante será denominado de epistemológico, não vindo, evidentemente, a
esgotar-se nesta reflexão, mas antes, levantar questionamentos a fim de que o próprio leitor
trilhe o seu caminho específico, direcionando as colocações aqui apresentadas para si próprio,
em prol do desenvolvimento de um conhecimento crítico sobre si e sobre o mundo. Os
questionamentos aqui formulados foram extraídos de algumas conceituações constantes na
história da Filosofia e no embasamento teórico da Filosofia Clínica.
Tomando o imperativo apresentado no início – conhece-te a ti mesmo – faz-se
necessária uma volta ao passado distante, onde Platão (428-347 a.C.) ao ensinar quão
enganosos os sentidos podem ser para o entendimento humano, o faz através de uma alegoria,
de caráter didático, que é denominada Alegoria da Caverna (também conhecida como Mito
da Caverna), em seu livro A República. Na seqüência, um breve resumo dessa alegoria:
Imagine-se uma caverna, onde seres humanos estão aprisionados, geração após
geração, desde suas infâncias, algemados de tão forma que são forçados a ficar sempre na
mesma posição, impedidos de quaisquer movimentos. Na caverna há pouca luz, a qual é
fornecida por uma grande fogueira. Homens transportam estatuetas de objetos, animais e
coisas, cujas sombras são projetadas para uma mureta que há em frente, permitindo aos
prisioneiros apenas verem tais sombras e, como nunca viram outra coisa além dessas
sombras, entendem que aquilo é o real. Na hipótese de algum prisioneiro conseguir sair da
caverna, enxergaria os homens que estariam transportando as estatuetas, veria a luz do sol
(inicialmente ficaria ofuscado por ela) e, finalmente, veria as coisas como elas realmente
são. Todavia, se esse prisioneiro retornasse à caverna e contasse aos demais o que tinha
contemplado, muitos zombariam dele e alguns poucos decidiriam sair da caverna.
Partindo desta alegoria, há a possibilidade de enunciar alguns questionamentos: (1) O
que é a caverna? (2) O que são as sombras? (3) Quem é o prisioneiro que saiu da caverna?
(4) O que é a visão que ele teve fora da caverna?
Segundo Platão, a caverna seria o mundo em que vivemos; as sombras seriam as
coisas materiais que percebemos sensorialmente; o prisioneiro liberto seria o próprio filósofo
e a visão exterior seria o Mundo das Idéias.
Cabe aqui uma explicação sobre o Mundo das Idéias preconizado por Platão. Segundo
esse filósofo, haveria um mundo inteligível onde as idéias de todos os entes existentes
estariam em sua forma perfeita, eterna e imutável. Assim, uma alma antes do seu nascimento
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Artigo publicado na Revista Paradigmas, publicada pelo CEFS – Centro de Estudos Filosóficos de Santos.
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contemplava essas idéias e ao vir para este mundo, estaria se recordando daquilo que já havia
sido contemplado nesse mundo inteligível. Portanto, para Platão, conhecer é que recordar. Há
que se lembrar que Platão também era herdeiro da tradição órfico-pitagórica, onde a teoria da
transmigração das almas era aceita.
Mas, independentemente dessa teoria, o que é importante neste contexto, é o caráter
iluminador que a reflexão e o pensamento têm para o ser humano, que deixa de ser um mero
expectador da vida, dominado circunstancialmente por ela e passa a seguir um novo caminho
em busca do conhecimento, ainda que, evidentemente, sempre parcial; conhecimento esse que
pode libertá-lo da ignorância (agnóia), levando-o ao mundo da ciência (gnose) e também ao
próprio mundo do conhecimento em si (episteme). Em poucas palavras, pode-se dizer que
esse caráter iluminador é uma passagem do “lugar comum” para o “eu penso”.
Saltando na historia da Filosofia, chegando ao século XVIII, Imanuel Kant (17241804) mostra que a razão também tem seus limites, sendo impossível um conhecimento total
das coisas como elas são realmente, isto é, se eu contemplo uma árvore, eu não tenho
condições de conhecê-la em sua totalidade, mas tal conhecimento está condicionado ao
sujeito pensante, com suas estruturas próprias de sensibilidade e intelecto; portanto o
conhecimento de árvore passa por uma espécie de filtro mental, que possibilita o
conhecimento fenomênico da árvore. Usando a terminologia do próprio Kant, há um acesso
apenas ao fenômeno (fenomenon) das coisas e nunca à coisa-em-si, em sua essência
(noumenon).
Do ponto de vista da limitação do conhecimento, a postura kantiana pode ser
corroborada pelos escritos de Aristóteles (384-322 a.C.), onde este pensador adverte que o
conhecimento também é parcial, posto que a possibilidade de conhecer restringe-se apenas
aos predicados das coisas, não obstante, ao contrário de Platão, ele preconizar a importância
dos sentidos na captação do mundo exterior, a fim de que haja posteriormente a intelecção
(operação mental interior) dos objetos apreendidos deste mundo. No entanto, o conhecimento
fica limitado tão somente aos seus predicados.
Ainda há que se destacar o postulado de Arthur Schopenhauer (1788-1860), que fala
da questão da representação, ou seja, conhecemos através da representação (mental) que
temos dos objetos, os quais estão situados em contextos espaço-temporais; assim, se houver
alguma mudança contextual, necessariamente ocorrerão outras representações diversas das
anteriores, ainda que no mesmo sujeito.
Considerando o exposto e retomando o que foi colocado inicialmente, a questão
epistemológica realmente apresenta-se como algo muito complexo, ainda hoje objeto de
especulações e estudos, não apenas filosóficos, mas também pelas ciências cognitivas e pelas
neurociências. A despeito de todo o desenvolvimento apresentado, evidentemente ainda há
muito por fazer.
Mas, objetivando o caráter prático desta reflexão, principalmente a função
pedagógico-terapêutica do filósofo, a Alegoria da Caverna de Platão tem muito a ensinar
acerca da importância do conhecimento adequado e da reflexão; esclarece acerca de não ficar
preso totalmente àquilo que é aceito pelo senso comum, não obstante este também ter a sua
utilidade, notadamente para a possibilidade de estabelecimento de parâmetros comparativos;
mas antes ter em mente que o conhecimento, com todas as suas limitações, sempre constitui
um polo iluminador para avaliações pessoais, culturais, sociais e também reacionais diante
das tomadas de decisão.
A Filosofia Clínica, por seu turno, também pode ser um elemento para auxiliar nessa
árdua tarefa de libertação. A sua prática consiste, entre outros elementos, na observação e na
compreensão das representações (Schopenhauer) daquele que procura a clínica, denominado
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partilhante, o qual, devido muitas vezes a fatores circunstanciais, encontra-se em situações de
aparente ausência de saídas para os seus conflitos existenciais, levando-o à angústia,
depressão ou ansiedade. Junto com o filósofo clínico, há a possibilidade de verificar a partir
dele próprio, os modos de saída para esses estados, isto é, tirá-lo da caverna e das sombras
para um conhecimento melhor de si e de suas circunstâncias, não obstante, como foi
mostrado, todo o conhecimento é parcial (Kant, Aristóteles e Schopenhaeur). Tendo por base
a própria subjetividade do partilhante (o seu modo específico de ser, situar-se e agir) é que o
filósofo clínico irá elaborar o seu planejamento com vistas a estabelecer uma relação de ajuda
terapêutica; terapia essa dentro da ótica dada por Michel Foucault (1926-1984), que tem por
foco a própria pessoa e não a doença, como ocorre em outras formas psicoterápicas.
Dentre os múltiplos elementos que compõem a clínica filosófica, alguns pontos apenas
serão abordados em função do objetivo desta reflexão, que abrange a temática epistemológica,
conforme colocado inicialmente. Estes pontos serão colocados não apenas para a
compreensão da prática em clínica, mas também de um modo genérico, para aqueles que
desejam ter acesso aos seus modos de conhecimento do mundo e de si mesmo.
Em Filosofia Clínica há um tópico denominado Epistemologia, onde o clínico observa
como o seu partilhante construiu e constrói o seu conhecimento: se por experimentação
alheia, ou através de suas próprias abstrações, ou através de uma ou mais fontes de
informação, etc.
Fazendo referência ao comentário sobre a Alegoria da Caverna, depreende-se que o
conhecimento é libertador, e dá lugar para o “eu penso”. Assim, inicialmente pode ser feita a
pergunta: eu conheço apenas por meio da experimentação alheia, como os prisioneiros que
estavam à mercê daqueles que projetavam as sombras das estátuas? Esta pergunta pode
parecer à primeira vista um tanto agressiva, podendo gerar um entendimento de que toda e
qualquer forma de experimento fora de mim mesmo deve ser refutado. No entanto, não se
trata disso; veja-se por exemplo, o desenvolvimento científico, que são experimentações
alheias (feitas pelos cientistas) e contribuem enormemente para o progresso e o
desenvolvimento humanos em várias áreas do saber. Trata-se sobretudo de um exame pessoal
do seu próprio cotidiano, algo ao longo da vida, como foi a sua forma de conhecer. Eu
sempre me vali do que os outros haviam experimentado? Ou segui meu próprio caminho de
busca do conhecimento, através de minhas abstrações e/ou ainda através do exame de
várias fontes? Quais os meus critérios de avaliação dessas fontes? Como eu formei a idéia
que tenho de mim? Dentro deste segmento epistemológico, várias outras perguntas podem ser
feitas para si mesmo com o objetivo de avaliar os critérios que foram utilizados para a
formação do “eu”.
Falando agora em termos de avaliação do conhecimento obtido, há que se fazer
referência à filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), onde a subjetividade se faz presente
e cada homem é um ser que julga. Em outras palavras, o homem para Nietzsche é um ser que
pratica atos de aferição de tudo, como também o seu olhar é sempre um juízo. De acordo com
esse pensador seria um erro crer que para cada coisa particularmente deve haver um único
conceito que a definiria por excelência. Tendo e vista que o julgamento é inerente ao ser
humano, esse julgamento implica em uma avaliação que leva em consideração os impactos
que os objetos externos exercem sobre cada um; impactos esses, segundo Nietzsche, que
podem ser definidos como sensações graduadas de prazer e de dor. São essas sensações que
moldam as perspectivas e as interpretações que se tem a respeito das coisas externas.
Observando o elemento perspectivista de Nietzsche, reside a possibilidade em
estabelecer um paralelo com as restrições da razão preconizadas por Kant, conforme
anteriormente citado. Esse olhar para o mundo e também para si mesmo em perspectivas
diferentes, antes de tudo, demonstra que o acesso a um conhecimento pleno e perfeito é
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impossível. No entanto, nos fornece um importante elemento para uma avaliação dos nossos
atos de julgamento, principalmente com relação à construção dos valores pessoais; construção
essa que compõe o tópico Axiologia em Filosofia Clínica. A respeito do sistema subjetivo de
valoração de cada um, caberiam as perguntas: Avalio sempre o que me é conveniente através
de critérios de prazer e dor? Sob qual perspectiva avalio as coisas: (a) Unicamente através
do que o senso comum determina? (b) Através de critérios familiares, sociais ou culturais
já estabelecidos? (c) Através de uma perspectiva que me trará benefícios? (d) Esses
benefícios ficariam disponíveis para outras pessoas? Tais perguntas, colocadas como
exemplos, juntamente com outras de caráter absolutamente pessoal também poderiam ser
colocadas, a fim de que cada um possa ter uma ideia de seus critérios de avaliação e
julgamento de si mesmo e do mundo.
Ainda comentando critérios de julgamento, cabe aqui uma alusão a Kant quanto ao
imperativo categórico que diz: “procedas de tal maneira que possas querer que a máxima
que te levou a agir seja transformada em princípio de legislação universal”. Em nível
subjetivo fica a pergunta: as ações que pratico podem ser transformadas em princípios de
legislação universal? Para que seja possível responder a esta pergunta, há a necessidade de se
questionar se a representação (Schopenhauer) da máxima que me levou à ação é tão adequada
e tão próxima da realidade (lembrando os limites da razão abordados pelo próprio Kant) que
ela pode ser um principio universal? Sem dúvida, são questões que podemos nos fazer, não
obstante a evidência das dificuldades em respondê-las satisfatoriamente e com razoável
exatidão.
Fazendo uma junção do que foi exposto até o momento no que se refere aos tópicos
Epistemologia e Axiologia, conceituados a partir das premissas da Filosofia Clínica com suas
respectivas bases filosóficas, já se tem alguns elementos para abordar mais três tópicos
simultaneamente, que são: (1) Ação, (2) Hipótese e (3) Experimentação. Estes três tópicos
encontram-se em estreita relação, visto tratarem do movimento do pensamento, ressaltando
que a mente nunca para e os pensamentos estão sempre em constante movimento.
O primeiro – Ação – vai mostrar a sequência e o encadeamento das idéias de cada um,
segundo o seu próprio ritmo. Ora, a partir do momento que já se tem os dados relativos à
forma como o conhecimento é adquirido (Epistemologia) e as valorações a ele atribuídas
(Axiologia), estas perguntas podem ser feitas em prol do conhecimento de si: Qual a
velocidade do pensamento? De que forma eu dou andamento às minhas idéias? Como as
associo? Quais os critérios que normalmente me utilizo nessas associações e sequências de
pensamento? Seriam critérios apenas de valores pessoais? Seriam critérios apenas
baseados nas fontes de informação, sem atribuição de quaisquer valores?
Quanto ao segundo – Hipótese – em consonância com o primeiro, trata se esse modo
de pensar engloba (ou não) o levantamento de hipóteses, as quais, não obstante um ritmo
acelerado de pensamento, podem deixar de fazer parte da estrutura mental da pessoa, ou
mesmo diante de algumas circunstâncias, as hipóteses parecem não surgir. Assim, procedendo
a um autoexame, poderíamos nos perguntar: Normalmente sou uma pessoa que levanta
hipóteses diante de fatos e/ou decisões? Em quais circunstâncias sou capaz de levantar
hipóteses? Quais as que impedem que hipóteses sejam levantadas? Em que contextos
levanto mais de uma hipótese?
Já o terceiro – Experimentação – visa a observação prévia das consequências das
hipóteses que foram enunciadas, ou seja, se a linha de raciocínio da pessoa permite (ou não)
uma antecipação de resultados. Dessa forma, a fim de que se possa verificar se esse tópico faz
parte ou não da minha subjetividade, há que se perguntar: eu antecipo os resultados das
hipóteses que levanto? Calculo as suas consequências?Tenho ideia das probabilidades de
reação, tanto minhas como de terceiros se minhas hipóteses se concretizarem?
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Estas colocações embasadas na teoria da Filosofia Clínica também apontam para o
segmento do comportamento humano e as funções desse comportamento, segmento esse
denominado Comportamento e Função, fundamentado em Aristóteles, onde as relações entre
causa e efeito são observadas. Às vezes tem-se um determinado comportamento com vistas a
uma função específica; pode ocorrer que um único comportamento implique em várias
funções, ou ainda que uma única função requeira vários comportamentos. Com base nisso,
poderíamos nos perguntar: com base na forma como conheço as coisas, o meu
comportamento me leva a quais funções? O meu sistema de valores norteia o meu
comportamento e me direciona para funções específicas? Todo o meu comportamento
aponta para uma determinada função, ou várias?
Este caminhar para o conhecimento de si é bastante complexo e longo, visto que ao
longo da vida, estamos sempre construindo conceitos, julgamentos, ora descartando alguns,
ora os ampliando, dada a dinâmica do próprio existir em seu contexto espaço-temporal. Nessa
construção elaboramos aquilo que em Filosofia Clínica constitui o tópico Pré-Juízos. Estes
não constituem elementos que possam denotar a ideia de bem ou de mal, de verdade ou de
falsidade, mas antes são construções que são feitas conforme a experiência de cada um em seu
histórico existencial, que podem vir a determinar as suas escolhas e as suas ações. Dessa
forma, ficam as perguntas: diante de algo que me é apresentado, eu me valho de meus préjuízos para agir? Eu levanto hipóteses diante de alguma experiência com base nos meus
pré-juízos? De que forma os meus pré-juízos foram construídos? O que os determinaram?
Foram os meus valores, as minha escolhas anteriores ou as minhas formas de conhecer
que funcionaram como determinantes para a sua construção?
Como está sendo demonstrado aqui, a Filosofia Clínica observa (sem julgar ou
enquadrar a pessoa dentro de um padrão de normalidade ou anormalidade) a forma como o
raciocínio de alguém encontra-se estruturado, se há predominância dos parâmetros da lógica
formal. O respectivo tópico chama-se Estruturação de Raciocínio. No conhecimento de si, as
seguintes perguntas poderiam ser feitas: sou capaz de responder adequadamente a um
estímulo? Em minhas falas há uma relação íntima entre um termo e outro?Estabeleço
relações pertinentes entre as causas e seus efeitos?Possuo uma associação coerente entre
minhas ideias?
Até o momento esta abordagem referiu-se a aspectos racionais da estrutura mental do
ser humano. Mas e as emoções? Elas fazem parte do nosso sistema cognitivo? Evidentemente
que sim. Pois elementos como raiva, ciúme, inveja, medo, amor, entre outros, influenciam
sobremaneira o nosso modo de aquisição de conhecimento, nossos valores e o nosso agir.
Pensar corretamente apenas do ponto de vista racional não é o único elemento capaz de dar
significado à existência e direcionar as ações. Já a Filosofia, através de Espinosa e Pascal
apontam para isso. Na contemporaneidade, Antonio Damásio (neurocientista) também se
reporta em sua abordagem empírica, sobre a base emocional nas tomadas de decisões. Então,
fica também a questão se todos os elementos racionais apresentados nesta reflexão estariam
amparados por elementos emocionais? Para o conhecimento de si mesmo, ficam as questões:
Qual o papel de minhas emoções na estruturação do meu raciocínio? Sou totalmente livre
emocionalmente em minhas decisões? Minhas emoções são saudáveis a ponto de servirem
de excelente suporte para o meu pensar e agir?Elas interferem na minha aquisição de
conhecimentos, em meus valores, em meus juízos, em minhas hipóteses, em minha
estruturação pessoal e em minhas experimentações? Quais os resultados que tenham
obtido através dessas interferências?
Apenas alguns poucos tópicos estudados pela Filosofia Clínica foram abordados nesta
reflexão, posto que a lista completa engloba trinta tópicos e denomina-se Estrutura de
Pensamento. Tal estrutura constitui-se em um elemento dinâmico e plástico, variando
conforme o contexto espaço-temporal em que a pessoa está inserida e, evidentemente, dadas
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as variáveis existenciais, essa estrutura também se modifica, quer em determinadas partes,
quer em seu todo. Embora se possa, através da metodologia da Filosofia Clínica, apresentar
alguns elementos sobre conhecimento e autoconhecimento, não se dispensa o trabalho do
clínico habilitado para caminhar junto com o partilhante nessa busca, dada a riqueza que cada
vida traz em seu bojo e a descoberta de novas vias de ação sempre em conformidade com a
subjetividade de cada um.
A fim de que as últimas perguntas sejam lançadas, em encerramento aos
questionamentos aqui feitos, cabe uma volta a Platão com mais uma alegoria: A Parelha
Alada, cuja síntese adaptada está apresentada a seguir, voltada para o objeto desta reflexão:
A natureza da alma é movimento. Ela [a alma] pode ser comparada a uma força
natural e ativa que unisse um carro puxado por uma parelha alada e conduzido por um
cocheiro. Um dos cavalos é belo e bom o outro é de uma raça má e de natureza contrária. O
cocheiro tem um ofício difícil e penoso, visto que enquanto o cavalo bom almeja em seguir os
deuses (beleza, sabedoria e bondade) e outro puxa a alma em direção à feiúra, à ignorância
e à maldade. A alma entra em luta interna. Se o cocheiro conseguir dominar o cavalo mau
irá em direção ao Absoluto; caso contrário, a alma cairá e ficará condenada à simples
opinião.
Perguntas: Em qual direção a minha existência está caminhando segundo a minha
representação subjetiva de mim mesmo e do mundo? O conhecimento de mim e do mundo
fica no âmbito das opiniões? Sou ciente de que meu conhecimento é racional e envolvido
por emoções saudáveis? Enfim, como eu penso e conheço?
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