A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA INTRODUÇÃO O principal objetivo deste artigo será contextualizar a terapia centrada na pessoa, a psicoterapia e a psicologia humanística fazendo uma correlação entre as mesmas de forma a proporcionar um melhor entendimento sobre a relação do terapeuta com o seu cliente. A Terapia Centrada na Pessoa foi desenvolvida por Carl Rogers durante o processo de sua formação, tendo como principal pressuposto que o homem é livre para escolher qualquer direção, mas, na realidade, ele seleciona caminhos positivos e construtivos onde a presença do terapeuta irá contribuir para direcioná-lo em crescimento pessoal e bem-estar psíquico. Através das teorias de Rogers a psicoterapia passou a ter uma nova visão da pessoa humana. Já a psicologia humanística centra-se na figura humana surgiu a partir da década de 50, com mais ênfase nas décadas de 60 e 70 defende a idéia de que o ser humanístico é um dom que prioriza o jeito de ver as pessoas e de se relacionar, através da visão do conjunto, das limitações, qualidades e defeitos. Há ainda a idéia da psicoterapia libertadora, defendida por Angerami-Camon (1995) que afirma que para a psicoterapia tornar-se libertadora precisa antes libertar-se das amarras teóricas que insistem em conceituar a existente humana de forma artificial e abstrata. As três teorias quando estudadas em conjunto proporcionam uma idéia completa sobre como se deve proporcionar um atendimento eficaz aos clientes através de um novo olhar da psicologia clínica. A TERAPIA CENTRADA NA PESSOA E A PSICOTERAPIA A primeira abordagem sobre a terapia centrada na pessoa aconteceu através dos estudos do psicólogo americano Carl Ransom Rogers que ao longo de sua vida pessoal e profissional foi amadurecendo suas idéias de forma que nos dias atuais seus estudos têm fortes implicações tanto na dimensão social quanto política. Os estudos de Rogers buscaram, em um primeiro momento, aplicar diversos contextos de diferentes realidades da psicoterapia individual, de grupo, ludoterapia, educação, relações de trabalho, grupos sociais de encontros, relações diplomáticas e encontros comunitários. Sua forma de praticar psicoterapia criou um novo sentido de valorização tanto do cliente (o termo paciente foi abolido para se evitar a conotação de doença e passividade) quanto da própria relação terapêutica, sobre a qual pesava uma hierarquização rígida de papéis. Além disso, as condições essenciais para a transformação terapêutica foram descritas por ele com extrema clareza. Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 14 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA No que diz respeito a psicoterapia, devido ao grande número de teorias que buscam seu embasamento, torna-se difícil se achar uma definição precisa do termo. Para Patterson e Hidore (1999) a psicoterapia é um conjunto “inumerável de técnicas aplicadas a problemas ilimitados com resultados imprevisíveis”. A Psicoterapia busca explicar as anormalidades da mente, através de um modelo que os médicos convencionaram adotar como forma de tratamento, objetivando a cura de determinadas doenças. Em muitos casos assemelha-se aos tratamentos específicos de algumas outras doenças da medicina convencional, contudo alia-se a psiquiatria e a psicologia clínica como forma de embasar suas teorias. De acordo com Angerami-Camon (1995) A psicoterapia traz em seu bojo a questão da libertação existencial como determinante de sua fundamentação teórica e por assim dizer de sua própria justificativa. É desolador o número de pacientes que buscam a psicoterapia, tentando se libertar de seus sofrimentos e aguras existenciais, e que desavisadamente, vão de encontro a caminhos que, ao invés de levá-los a essa tão almejada libertação, ao contrário, cerceiam inclusive sua condição de homem. (p. 06) Através dos estudos de Rogers, a psicoterapia passou por inúmeras transformações, visto ter sido constante à necessidade de se encontrar um caminho próprio para sua atuação. De acordo com as afirmações desse estudioso surge uma nova abordagem a partir de hipóteses, baseada numa confiança na tendência do indivíduo para o crescimento, para a saúde e para a maturidade; dava maior ênfase aos sentimentos do que à compreensão intelectual; à situação imediata do que ao passado do indivíduo e considerava a relação terapêutica em si mesma como uma experiência de crescimento (Rogers, 1977). Foi dessa forma que surgiu a Terapia Centrada na Pessoa, que de acordo com Wood (1995) citado por Messias (2001, p. 18) deve obedecer as seguintes etapas: 1. Ênfase na descrição e compreensão das atitudes do terapeuta. 2. Preocupação com métodos de psicoterapia. 3. Enfoque na experiência e nos processos internos. Ainda segundo os mesmos autores a Abordagem Centrada na Pessoa aplica diversos princípios da teoria rogeriana: 4. Aplicabilidade das idéias no campo da educação e aprendizado. 5. Enfoque nos trabalhos de relacionamento interpessoal. 6. Ênfase nos processos sociais e culturais. Após toda a experiência adquirida a partir dos estudos da teoria de Rogers, em 1993 foi a vez de Cury propor os estudos da psicoterapia centrada na pessoa, com ênfase nas atitudes de empatia, aceitação positiva incondicional e congruência, no sentido de uma fenomenologia da relação psicoterápica enquanto encontro de subjetividades num processo experiencial a dois. De acordo com esta autora: Nossa posição é a de que não estamos mais falando do terapeuta como fornecendo apenas uma atmosfera de calor humano, genuinidade e empatia para o cliente quando nos referimos a este modelo psicoterápico em sua fase atual. O terapeuta que incorporou o conceito de experienciação e participa das aplicações correntes da Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 15 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA Abordagem Centrada na Pessoa aos Grupos de Encontro e Workshops Intensivos adquiriu uma perspectiva nova em relação à terapia individual: passou a considerá-la como um grupo didático. Ao fazê-lo, redimensionou os elementos envolvidos no processo, passando a conferir igualdade de posição às duas pessoas que se encontram face-a-face, num processo a médio e longo prazo (Cury, 1993, p. 233) Verifica-se, portanto, que a teoria defendida por Cury deriva da compreensão sobre a psicologia humanística onde a figura do terapeuta vai muito além de um simples profissional, mas reveste de um grande aliado no tratamento das patologias mentais inseridas no contexto da psicoterapia, que serão discutidos nos tópicos a seguir. A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) ou Terapia Centrada na Pessoa se diferencia das outras principalmente por não haver técnicas. Segundo Rogers (ROGERS; KINGET, 1977, p.9), o terapeuta precisa se esforçar plenamente o máximo possível em se conduzir como pessoa e não como especialista. Assim, seu papel consiste em colocar em prática atitudes e concepções fundamentais relacionadas ao ser humano e não na explicação de conhecimentos e habilidades especiais. PRINCIPAIS NOÇÕES DA TERAPIA CENTRADA NA PESSOA TENDÊNCIA ATUALIZANTE: ENERGIA DA VIDA De acordo com Rogers (1977) a tendência atualizante diz respeito ao fato de que todo indivíduo tem a capacidade latente ou manifesta de compreender a si mesmo e a de solucionar seus próprios problemas de forma suficiente para alcançar a satisfação e eficácia necessárias ao funcionamento adequado de sua mente. Esta tendência é a mais essencial ao ser humano, pois serve como impulsionadora ao pleno funcionamento do organismo e é responsável por todas as funções, tanto físicas, quanto experienciais. Essa parte da teoria ACP tem como principal objetivo que o indivíduo esteja sempre em constante desenvolvimento de suas potencialidades, buscando o equilíbrio e o enriquecimento enquanto pessoa ciente de suas possibilidades e limitações. “O que a Tendência Atualizante procura atingir é aquilo que o sujeito percebe como valorizador ou enriquecedor – não necessariamente o que objetiva ou intrinsecamente enriquecedor” (Rogers e Kinget 1977 p.41). A NOÇÃO DO “EU” Enquanto a anterior é a essência da teoria de Rogers, a Noção do “Eu” é considerada o pivô, é quando o indivíduo percebe a ele mesmo, suas características, atributos, qualidades e defeitos, capacidades e limites, valores e relações. A pessoa, então, adquiri a capacidade de se autoRevista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 16 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA descrever e definir a própria identidade. Em conjunto com a Tendência Atualizante, a Noção do “Eu” a pessoa passa a construir o próprio comportamento, sendo que a primeira indica a dinâmica e a segunda regula o comportamento, ou ainda, a primeira fornece energia e a segunda a direção. A Tendência Atualizante é contra tudo que afeta o “eu”. Na direção da diminuição, desvalorização, contradição, etc., pois, ela age na conservação e enriquecimento do eu. No entanto o sucesso ou a eficácia vai depender não da situação “real” ou “objetiva”, e sim da situação como o individuo a percebe. A pessoa percebe a situação em função de sua noção de seu “eu” (Rogers e Kinget 1977 p.44). NOÇÃO DE LIBERDADE EXPERIENCIAL De acordo com Rogers e Kinget (1977) a liberdade está diretamente relacionada com a experiência e os fenômenos internos. É quando o indivíduo se sente livre para reconhecer e elaborar suas experiências pessoais sem ser obrigado a negar ou desfigurar suas opiniões e atitudes para manter afeição e apreço das pessoas que significam algo para ele. Desse modo, a liberdade acontece quando o individuo percebe o que lhe é permitido expressar, pelo menos verbalmente. Suas experiências, emoções e desejos tais e quais ele os experimenta, independentemente de sua conformidade às normas sociais e morais que está inserido. Só se é psicologicamente livre a partir do momento que não há obrigação de se negar ou deformar o que experimenta, a fim de manter um afeto ou estima, por exemplo, daquelas que representam um papel fundamental, seja na sua economia interna, seja na sua auto-estima. PSICOLOGIA HUMANÍSTICA Os primeiros relatos sobre a psicologia humanística surgiram a partir da década de 50, com mais ênfase nas décadas de 60 e 70, quando aconteceram diversos movimentos liderados pelos psicólogos conservadores contra as idéias do behaviorismo e da psicanálise, buscando um novo olhar para a psicologia. A principal crítica ao behaviorismo referiam-se a sua abordagem estreita, artificial e estéril da natureza humana, onde o homem era visto com uma máquina, uma condicionalidade. A teoria da psicologia humanística defende a idéia de que o ser humanístico é um dom que prioriza o jeito de ver as pessoas e de se relacionar, através da visão do conjunto, das limitações, qualidades e defeitos. Assim, o ser humano completo, ou seja, bio-psico-socialespiritual, jamais deverá ser comparado com uma máquina, não é singular, mais total e completo e como tal, quando em tratamento com um terapeuta, deve ser analisado também na sua totalidade (Silveira, 2009). Para Finkler (2000) citado por Silveira (2009) apesar da grande variedade de estilos profissionais frente às pessoas que o procuram, o psicólogo humanista se encontra em quatro pontos em comum: Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 17 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA 1. Fixa sua atenção sobre a experiência da pessoa e procura compreender o significado dessa experiência para a pessoa; 2. Procura compreender a pessoa na base de suas escolhas, da sua criatividade, de seus valores e da sua auto-realização; 3. Considera importante a escolha dos aspectos problemáticos a serem tratados, procurando aprofundar aqueles que têm relevância para a pessoa e encontrar o significado que tem para a mesma; 4. Trata a pessoa com grande respeito à sua dignidade e valor, assim como se empenha a ajudá-la a desenvolver todas as suas potencialidades. O compromisso ético do terapeuta centrado na pessoa é com a promoção das forças de seu crescimento. Difere das relações de ajuda usuais, que procuram “diagnosticar” e “resolver” os problemas dos indivíduos, a terapia centrada na pessoa procura promover a autonomia do cliente para que ele próprio possa decidir quais são os seus problemas e como poderá resolvêlos. A relação terapêutica centrada na pessoa não é uma relação tutelar, isto é, não é uma relação que tem por objetivo oferecer apoio, orientação ou esclarecimento, como tradicionalmente são as relações terapêuticas em outras abordagens. Ao contrário, o único objetivo do terapeuta centrado na pessoa é promover a liberação da tendência atualizante do cliente. De acordo com Rogers (1942/1997, p. 28): “A terapia não é uma forma de fazer algo para o indivíduo ou de induzi-lo a fazer algo sobre sim mesmo. É antes um processo de libertá-lo para um amadurecimento e um desenvolvimento normal, de remover obstáculos que o impeçam de avançar”. Na terapia centrada no cliente, a pessoa é livre para escolher qualquer direção, mas, na realidade, ela seleciona caminhos positivos e construtivos. Só é possível explicar isto em termos de uma tendência direcional inerente ao organismo humano – uma tendência para crescer, se desenvolver e realizar plenamente seu potencial. É comum se observar que a representação social do psicoterapeuta é a de uma pessoa revestida de alto poder de resolução de problemas, um “expert” em psicologia, ou seja, alguém que adquiriu, através dos anos de estudos, um conhecimento teórico que lhe habilita a discernir o que é o adequado, o correto, o maduro e o ideal para o comportamento das pessoas. Considera-se que o psicoterapeuta possui um “poder” de avaliar e orientar a conduta dos indivíduos. A primeira dificuldade enfrentada pelo terapeuta centrado na pessoa, portanto, é a de abrir mão dessa representação social e não se colocar na relação terapêutica como um expert detentor de um saber e de um conhecimento “superior” ao cliente. Neste sentido, Freire (2000) afirmam que a terapia centrada na pessoa pode ser vista como uma arte, onde a vivência das atitudes de congruência, consideração positiva, incondicional e a compreensão empática não podem ser alcançadas apenas por meio de um aprendizado teórico ou intelectual. As atitudes não são apenas “técnicas” que o terapeuta aprende a utilizar através de algum “treinamento”. Pelo contrário, precisam ser vivenciadas de forma genuína, autêntica, sincera e espontânea. Dessa forma, essas três condições podem ser encontradas em outras relações além do terapeuta-cliente, entretanto, Rogers (1957, apud Freire, s.d, [s.p]) estabelece para a relação Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 18 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA terapêutica uma hipótese mais completa, postulando seis condições necessárias e suficientes para que ocorra a mudança na personalidade: a) Que duas pessoas estejam em contato psicológico; b) Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa; c) Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de terapeuta esteja congruente ou integrada na relação; d) Que o terapeuta experiencie uma consideração positiva incondicional pelo cliente; e) Que o terapeuta experiencie uma compreensão empática do quadro interno de referência do cliente e se esforce por comunicar esta experiência ao cliente; f) Que a comunicação ao cliente da compreensão empática do terapeuta e da consideração positiva incondicional seja efetivada, pelo menos num grau mínimo. Desse modo, nenhuma outra condição se é necessária, quando estas seis condições estão presentes. AS CARACTERÍSTICAS DE UMA RELAÇÃO DE AJUDA “Meu interesse pela psicoterapia gerou meu interesse por toda espécie de relação de ajuda. Entendo por esta expressão uma relação na qual pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida.” (Rogers, 2009). Ainda segundo este autor, a relação terapêutica deve ser alicerçada no respeito, consideração e valorização do outro. Os elementos atitudinais na relação entre o terapeuta e o cliente são responsáveis pelas modificações verificadas: a confiança que tinham sentido no seu terapeuta; o terem sido compreendidos por ele; o sentimento de independência que tiveram ao fazer opções e tomar decisões. O procedimento do terapeuta que os clientes consideravam de maior ajuda era o de este clarificar e exprimir abertamente o que era trazido vagamente e com hesitação pelo cliente. A atitude de querer compreender o outro na relação é fundamental para o crescimento do outro e para que essa relação continue. Para o cliente a orientação teórica do terapeuta tem pouco significado, mas as atitudes e os sentimentos deste são mais importantes, pois a percepção do cliente se foca nesses pontos. A percepção com relação à atitude está presente na relação cliente/terapeuta. Outros pontos destacados por Rogers (2009) para que o terapeuta crie uma relação de ajuda são: 1- Ser de uma maneira que possa ser apreendida pela outra pessoa como merecedora de confiança; 2- Ser suficientemente expressivo enquanto pessoa para que o que sou possa ser comunicado sem ambigüidades; 3- Ser capaz de vivenciar atitudes positivas para com o outro, tais como atitudes de calor, de atenção, de afeição, de interesse, de respeito; 4- Ser suficientemente forte como pessoa para ser independente do outro; 5- Estar seguro no interior de mim mesmo para permitir ao outro ser independente; Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 19 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA 6- Permitir-me entrar no mundo dos sentimentos do outro e das suas concepções pessoais e vê-los como ele os vê, sem julgamentos; 7- Poder aceitar todas as facetas que a outra pessoa me apresenta, mostrando como ela é, aceitando a pessoa de forma incondicional; 8- Ser capaz de agir com sensibilidade na relação para que meu comportamento não seja percebido como ameaça; 9- Poder libertar o cliente do receio de ser julgado pelos outros; 10- Ser capaz de ver o outro indivíduo como uma pessoa em processo tornar-se ela mesma. A PSICOTERAPIA COMO AÇÃO LIBERTADORA Angerami-Camon (1995) defende que uma psicoterapia para tornar-se libertadora precisa antes libertar-se das amarras teóricas que insistem em conceituar a existente humana de forma artificial e abstrata. A psicoterapia traz em seu bojo a questão da libertação existencial como determinante de sua fundamentação teórica e por assim dizer de sua própria justificativa. É desolador o número de pacientes que buscam a psicoterapia, tentando se libertar de seus sofrimentos e agruras existenciais, e que desavisadamente, vão de encontro a caminhos que, ao invés de levá-los a essa tão almejada libertação, ao contrário, cerceiam inclusive sua condição de homem. (p. 06) O simples fato do homem buscar “ajuda” através do processo psicoterápico é um indício seguro de sua condição mutante, pois a capacidade dessa busca pode ser vista como sendo uma tentativa de decisão para se alcançar patamares mais altos do que aqueles dimensionados até então. Assim, sentimentos como o amor, o ódio e outros sentimentos vivenciados pelo homem devem ser apreendidos e respeitados em sua essência, e não como especulações teóricas de coisificação do homem que não respeitam, inclusive sua própria essência (Angerami-Camon, 1995). No que diz respeito a essa particularidade de ser libertadora, Rogers acreditava que a função do terapeuta é a de liberar (ou libertar) o potencial do cliente, e que para isso suas atitudes devem ser cuidadosamente analisadas para que assim possa fluir de maneira satisfatória. Messias (2001) afirma que, se o terapeuta fosse capaz de permitir a livre expressão dos sentimentos do cliente, independente de serem sentimentos negativos ou positivos e se ele pudesse abdicar da direção da terapia fazendo com que o cliente assumisse a responsabilidade pelo seu próprio processo de transformação, então estaria colaborando para o crescimento e transformação de personalidade de seu cliente. Esse ponto de vista tornou-se bastante polêmico na época. Rogers (1977) afirma que: Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 20 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA Parece genuinamente perturbador para muitos profissionais concordar com o pensamento de que esse cliente, sobre quem eles têm estado exercitando suas habilidades profissionais, saiba realmente mais sobre o seu próprio self psicológico, do que eles mesmos possam saber; e que o cliente possua poderes construtivos que fazem com que o esforço do terapeuta pareça insignificante (p.28). Para Angerami-Camon (1995) ao paciente é dado um de seus direitos existenciais mais básicos: o de criar e até mesmo enredar a compreensão de sua própria existência, a partir de sua condição humana e, portanto, um ser capaz de alcançar a transfenomenalidade do fenômeno de ser. A psicoterapia deve caminhar em total harmonia com a existência, em suas nuances e combinações maravilhosas. O crescimento do paciente é dimensionado a parti dos projetos de vida por ele próprio idealizados. OS SETE ESTÁGIOS DO PROCESSO Rogers (2009) descreve sete estágios do processo onde o indivíduo muda da fixidez para fluidez, de um ponto situado perto do pólo estático do contínuo para o ponto situado perto do seu pólo em movimento. 1º Estágio: o Indivíduo encontra-se em um estado de rigidez psicológica opondo-se a qualquer fluxo ou mudança. A comunicação interna entre o ego e a experiência imediata está seriamente bloqueada e ele tem pouco ou nenhum reconhecimento do fluxo de sua vida afetiva. As relações íntimas com outras pessoas são consideradas perigosas e o indivíduo é capaz de comunicar-se apenas através de referências e assuntos exteriores. 2º estágio: a expressão começa a ser mais fluente em relação a tópicos não pessoais. Os problemas são captados como exteriores ao próprio indivíduo. Os sentimentos podem ser exteriorizados, mas não são reconhecidos como pertencendo ao próprio indivíduo ou são descritas como objetos passados. 3º estágio: a experiência é descrita no passado ou como afastada do ego e a aceitação dos sentimentos é muito reduzida. As construções pessoais continuam rígidas, mas já podem ser reconhecidas como construções e não como fatos exteriores. 4º estágio: o indivíduo descreve com maior intensidade os sentimentos passados e é capaz de referir-se a eles também no presente, embora ainda os considere como objetos. O indivíduo já é capaz de apreender as contradições entre a experiência e o ego e toma consciência de sua responsabilidade perante seus próprios problemas. 5º estágio: os sentimentos são expressos livremente como se fossem experienciados no presente e o indivíduo desenvolve uma tendência para perceber que a experiência de um sentimento envolve uma referência direta. O rigor na diferenciação dos sentimentos e dos significados pessoais se intensifica e o indivíduo aceita cada vez mais as suas próprias contradições e incongruências. Como decorrência assume mais facilmente a responsabilidade pela resolução de seus problemas. 6º estágio: os sentimentos são experienciados no presente imediato. Este caráter imediato da experiência é aceito, bem como o sentimento que constitui o seu conteúdo. Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 21 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA 7º estágio: sentimentos novos são experienciados de forma imediata e com riqueza de pormenores, tanto na relação terapêutica como fora dela. A experiência imediata perde seu caráter esquemático e toma-se a experiência de um processo. As opções do indivíduo se ampliam na resolução dos problemas e na maneira de conduzir-se (MENDES, 1994, apud ROGERS, 2009). A PESSOA EM PLENO FUNCIONAMENTO: ALGUMAS REFLEXÕES FRENTE AO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO Rogers (2009) o processo de libertação em dois sentidos: o negativo e o positivo. Na observação negativa a “Vida Plena” não é um estado fixo. Não é um estado de virtude, de contentamento, de nirvana ou de felicidade. Não é uma condição em que o indivíduo esteja adaptado, cumulado ou atualizado. Não é um estado de redução de impulsos, de redução de tensão ou de homeostase. Já na observação positiva “Vida Plena” é um processo, não um estado de ser. É uma direção, não um destino. A “Vida Plena” é o processo do movimento numa direção que o organismo humano seleciona quando é interiormente livre para se mover em qualquer direção, e as características dessa direção escolhida revelam uma certa universalidade. UMA ABERTURA CRESCENTE À EXPERIÊNCIA Esta atitude é oposta à atitude defensiva. A pessoa torna-se progressivamente mais capaz de ouvir a si mesma, de experimentar o que se passa em si. Está mais aberta aos seus sentimentos de receio, de desânimo e de desgosto. Fica igualmente mais aberta aos seus sentimentos de coragem, de ternura e de fervor. É livre para viver os seus sentimentos subjetivamente, como eles em si existem, e é igualmente livre para tomar consciência deles. Torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de o impedir de atingir a consciência. AUMENTO DA VIVÊNCIA EXISTENCIAL Esta característica implica uma tendência para viver plenamente cada momento. Uma pessoa que esteja plenamente aberta a cada experiência nova, completamente desprovida de uma atitude de defesa, vive cada momento da sua vida como novo. A configuração de estímulos internos e externos que existe num determinado momento nunca antes existira exatamente da mesma maneira. Por conseguinte, essa pessoa compreenderia que “aquilo que eu vou ser no próximo momento e aquilo que eu vou fazer nasce desse momento e não pode ser previsto de antemão nem por mim nem pelos outros”. Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 22 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA Uma forma de exprimir a fluidez que está presente numa tal vivência existencial é dizer que o eu e a personalidade emergem da experiência, em vez de dizer que a experiência foi traduzida ou deformada para se ajustar a uma estrutura preconcebida do eu. Isto quer dizer que uma pessoa se torna um participante e um observador do processo em curso da experiência organísmica, em vez de controlá-lo. Esse viver no momento significa uma ausência de rigidez, de organização estreita, de imposição de uma estrutura à experiência. Significa muito especialmente um máximo de adaptabilidade, uma descoberta de estrutura na experiência, uma organização fluente, mutável, do eu e da personalidade. A maior parte de nós, porém, aplica à experiência uma estrutura pré-fabricada, uma apreciação, e nunca a abandona, comprimindo e deformando a experiência para adaptá-la às nossas idéias preconcebidas, irritados com os aspectos fugidios que a tornam tão difícil de adaptar às nossas esquadrias cuidadosamente construídas. Abrir o espírito àquilo que se está a passar agora, e descobrir no processo presente a estrutura específica que se apresenta, tal é, uma das características da “Vida Plena”. UMA CONFIANÇA CRESCENTE NO SEU ORGANISMO A pessoa torna-se mais capaz de confiar nas suas reações organísmicas totais frente a uma nova situação porque foi progressivamente descobrindo que, se estivesse aberta à sua experiência, se fizesse o que sente que seria bom fazer, essas reações revelar-se-iam como um guia completo e digno de confiança do comportamento que realmente satisfaz. Os defeitos que invalidam a confiança no processo em muitos de nós são a inclusão de informações que não pertencem à situação presente, ou a exclusão de informação que lhe diz respeito. É quando a memória e a aprendizagem anterior se introduzem nos cálculos, como se fossem essa realidade e não memória e aprendizagem, que é fornecido como resposta um comportamento errado. O PROCESSO DE UM FUNCIONAMENTO MAIS PLENO A pessoa torna-se mais capaz de experimentar todos os seus sentimentos e, por isso, passa a ter menos medo deles; filtra a sua própria experiência e mostra-se mais aberto aos testemunhos que provêm de outras fontes; mergulha completamente no processo de ser e de se tornar o que é, descobrindo então que é profunda e radicalmente social; vive de um modo mais pleno no momento que passa, pois aprende que é sempre essa a maneira mais saudável de viver. A pessoa torna-se um organismo que funciona mais plenamente e, devido à consciência de si mesmo que corre livremente na e através da sua experiência, torna-se uma pessoa que funciona de um modo pleno. Assim, adjetivos tais como feliz, satisfeito, contente, agradável, não parecem adequados para uma descrição geral do processo de “Vida Plena”, mesmo que a pessoa envolvida neste Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 23 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA processo experimente cada um destes sentimentos nos devidos momentos. Mas os adjetivos que parecem de um modo geral mais apropriados são: enriquecedor, apaixonante, valioso, estimulante, significativo. O processo da “Vida Plena” não é um gênero de vida que convenha aos que desanimam facilmente. Este processo implica a expansão e a maturação de todas as potencialidades de uma pessoa. Implica a coragem de ser. Significa que se mergulha em cheio na corrente da vida. E, no entanto, o que há de mais profundamente apaixonante em relação aos seres humanos é que, quando a pessoa se torna livre interiormente, escolhe esta “Vida Plena” como processo de transformação CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudar a psicoterapia, a psicologia humanística e a terapia centrada na pessoa foi sem dúvida uma experiência fundamental enquanto acadêmica do curso de Psicologia. É certo que todas as teorias que compõe o grande acervo deste curso serão em parte, utilizadas durante o exercício profissional, mas, com certeza, será na prática da psicologia clínica que mais teremos oportunidades de estar em contato com esses três temas, pois de forma consciente ou não os mesmos se tornaram um exercício contínuo. Revista Comunicar Psicologia, 2012, Maria Eliza Rosendo 24 A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO NA TERAPIA HUMANÍSTICA REFERÊNCIAS Angerami-Camon, V. A. Psicologia hospitalar: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Pioneira, c1995. In: Cury, V.E. Abordagem Centrada na Pessoa. 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