BIOMATERIAS UTILIZADOS EM ATROPLASTIA TOTAL DE JOELHO: DA MATÉRIAPRIMA ÀS NORMAS DE FABRICAÇÃO Aline Cristina Carrasco1, João Paulo Freitas2, Cassio da Silva Pereira2, Vanessa Cristina Novak2, Ana Maria do Espírito Santo3 1 Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná /Departamento de Fisioterapia, Rua: Varela de Sá, 03, Guarapuava-Pr, e-mail: [email protected] 2 Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná /Departamento de Fisioterapia, Guarapuava-Pr 3 Universidade do Vale do Paraíba/Departamento de Bioengenharia Resumo- A artroplastia total do joelho é um procedimento cirúrgico indicado quando não há possibilidade de recuperação funcional da articulação, utilizando-se de um implante de prótese composta de biomateriais com o objetivo de manter a funcionalidade articular. Para isso é necessário que os biomateriais utilizados sejam biocompatíveis obedecendo a normatizações de fabricação para oferecer seus benefícios e segurança ao paciente. O objetivo deste trabalho foi realizar uma pesquisa referencial sobre a artroplastia total de joelho e as propriedades biomecânicas dos biomaterias utilizados na sua confecção, relacionando a fatores de produção e normas de fabricação. Para que um material possa ser utilizado em implantes, é necessário que apresente propriedades mecânicas próximas dos ossos humanos. No componente metálico, o titânio-liga possui características como alta relação resistência/peso, resistência à corrosão e elevada biocompatibilidade, tornando-o o mais apropriado para estas aplicações. Porém, no Brasil, a maioria das próteses é fabricada em aço inoxidável, pois as ligas de titânio são importadas e caras. Outro fator é a adequação da regulamentação e maior fiscalização sobre os fabricantes para garantir a saúde física dos pacientes. Palavras-chave: artroplastia de joelho, biomateriais, biocompatibilidade. Área do Conhecimento: Ciências da Saúde Introdução A implantação de dispositivos no corpo humano é uma prática de longa data, marcada principalmente até 1875 pela utilização de metais puros como ouro, prata e cobre. As ligas metálicas tomaram-se mais utilizadas entre 1875 e 1925 coincidindo com avanços nas técnicas cirúrgicas e posteriormente o desenvolvimento dos biomateriais metálicos. Os implantes que proporcionam boas respostas ao tecido hospedeiro são os que possuem capacidade de interagir diretamente com o osso sem promover a formação do tecido fibroso interposto, processo chamado de osseointegração, definido como o contato estabelecido entre o osso normal e remodelado e a superfície do implante sem a interposição de tecido conectivo não ósseo, em nível de microscopia óptica. Os implantes à base de titânio e suas ligas são os que têm apresentado maior porcentagem de sucesso de casos de osseointegração utilizados em artroplastia (VALENTE, 1999). O tratamento cirúrgico de salvamento para a artroplastia total de joelho (ATJ), remonta ao século XIX (PINTO, et al. 1997) sendo indicada principalmente em casos de osteoartrose e artrite reumatóide com destruição osteocartilagínea avançada, mesmo em doentes jovens, com os objetivos de eliminação da sintomatologia dolorosa, correção das deformidades e a estabilização do joelho. Para alcançá-los, é necessário obedecer a critérios mecânicos fundamentais de alinhamento no posicionamento dos componentes e de equilíbrio ligamentar, pois a não observância destes critérios pode alterar a cinemática do joelho, o que, invariavelmente, proporciona mal resultado. Além disso, é necessário que os biomateriais utilizados nas próteses sejam biocompatíveis obedecendo a normatizações de fabricação para oferecer seus benefícios e segurança ao paciente. (VEIGA; VILLARDI; PALMA, 2001). Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi realizar uma pesquisa referencial sobre artroplastia total de joelho e as propriedades biomecânicas dos biomaterias utilizados na sua confecção, relacionando a fatores de produção e normas de fabricação. Desenvolvimento Para que um material possa ser utilizado em implantes, é necessário que apresentem propriedades mecânicas as mais próximas possíveis dos ossos humanos. As mais importantes propriedades mecânicas para aplicações ortopédicas são resistência mecânica à XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 tração, compressão e flexo-compressão e o módulo de elasticidade. O interessante é ter materiais que tenham módulo de elasticidade próximo ao tecido ósseo (VALENTE, 1999). Na Tabela 1, são apresentados valores do módulo de elasticidade para alguns materiais. Tabela 1- Módulo de elasticidade de diversos materiais utilizados em implantes e tecidos naturais Material Módulo de Elasticidade GPa Aço inox 316 L 200 Liga Co-Cr fundida 248 Titânio 110 Ti6Al14V Al2O3 124 365 ZrO2 200 ZrO2-Y2O3 205 Osso cortical 3,8 - 25 Osso esponjoso 0,7 – 4 dentina 18,2 Esmalte dentário 82,4 Hidroxiapatita sintética 110 - 279 Fonte: Valente (1999). As próteses de joelho são compostas por quatro componentes metálicos, identificados como: componente femoral, bandeja tibial, haste extensora e parafuso de fixação; e por dois componentes poliméricos, identificados como: inserto articular e componente patelar. Podem ser divididas, de acordo com os componentes articulares a serem substituídos, em dois tipos: a artroplastia total, em que são substituídos todos os três compartimentos articulares (femorotibial medial, femorotibial lateral e o femoropatelar) e a artroplastia unicompartimental em que apenas um dos compartimentos, seja o femorotibial medial, ou seja o lateral, é substituído (HORN; OLIVEIRA, 2005). Os modelos atualmente disponíveis apresentam um desenho muito próximo da anatomia normal do joelho, permitindo alcançar um bom resultado clínico com uma baixa freqüência de complicações, porém é determinante a qualidade da técnica cirúrgica para o sucesso do tratamento (JUDAS; COSTA; TEIXEIRA; SAAVEDRA, 2007). No componente metálico das próteses, o biomaterial mais freqüentemente utilizado é o aço inoxidável, principalmente o aço 316L (SOARES, 2005), resistente à corrosão e biocompatível, além da sua resistência à fadiga e boa ductilidade, baixo custo efetivo e de fácil fabricação. Isso faz com que seja a primeira opção na confecção de dispositivos de implante que o serviço de saúde governamental inclui em seu orçamento (ZIMMER, 2006), porém apresentam toxidade e problemas alergênicos somados a altos módulos de elasticidade, características aos quais constantemente levam a cirurgias de revisão dos dispositivos implantados (ALEIXO; BUTTON; CARAM, 2006). Nestes implantes de aço inoxidável devem conter uma única fase de microestrutura austenítica. As normas para implantes especificam que a microestrutura não deve conter ferrita delta quando examinada com 100 x de ampliação. Ferrita delta é uma fase secundária inaceitável em implantes de aço inoxidável por causa da menor resistência à corrosão quando comparada a matriz austenítica. Além disso, ferrita delta é ferromagnética e aumenta a permeabilidade magnética do aço inoxidável. Implantes com formato de barra, arame, chapa e tira devem ter um tamanho de grão 5 ou mais fino. Um grão fino é desejável para oferecer uma boa combinação de propriedades de tensão e fadiga (ZIMMER, 2006). Outro metal utilizado em implantes é o titânio. Foi inicialmente aplicado em implantes ortopédicos no inicio dos anos 60. O Titânio puro exibe características interessantes como alta relação resistência/peso, boa resistência à corrosão e elevada biocompatibilidade, o que torna o mesmo apropriado para aplicações em implantes no corpo humano, porém não são consideradas ideais e suficientes para a prótese, passando-se assim a empregar ligas de Titânio, que apresentam propriedades superiores as do Titânio puro (ALEIXO; BUTTON; CARAM, 2006). Algumas ligas de titânio podem incorporar pequenas quantidades de paládio (Ti 0,2 Pd) e níquelmolibdênio (Ti 0,3 Mo 0,8 Ni), com o intuito de melhorar a resistência à corrosão e ou a resistência mecânica (RENZ, 2007). Em relação aos fabricantes nacionais na área de artroplastia, são 12 fabricantes registrados atendendo à área, um no Paraná e os demais em São Paulo. Os produtos fabricados são em sua maioria de aço inoxidável, principalmente o aço 316L, mesmo sendo as matérias primas mais indicadas para a fabricação das próteses permanentes as ligas de titânio e as ligas cobaltocromo-molibdênio devido apresentarem a desvantagem de serem importadas e caras. Este fato gera uma disparidade no preço das próteses, com as importadas a um custo de cerca de US$ XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 4,5 mil, enquanto as de aço inoxidável saem por US$ 600. A consulta à base de patentes do INPI indica que existiu, especialmente na década de 90, iniciativas brasileiras na área de design, projeto ou material, mas a maioria dos processos, após tramitação de 5-10 anos, acabaram sendo arquivados (SOARES, 2005). A patente da endoprótese femoral e joelho articulados em titânio revestido com hidroxiapatita foi concedida em 1998, São Paulo. A base normativa nacional para produção de artroplastia atende, em grande parte, as exigências para a maioria dos implantes seguindo as normas do Comitê Brasileiro Odonto Médico Hospitalar (CB26), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que alcançou, em 2004, a marca de 203 normas. A comercialização de implantes no País está sujeita à legislação específica, que exige que os produtos sejam submetidos a processo de registro, junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA., sendo que a partir de 2002, o registro destes produtos para os fabricantes nacionais passou a estar condicionado à certificação das empresas para as Boas Práticas de Fabricação (BPF), introduzindo um instrumento sanitário complementar para avaliar as informações apresentadas no processo de registro, no que tange à qualidade dos produtos. Este controle é claramente insuficiente, pois algumas empresas terceirizam o processo de fabricação que fica, então, fora do alcance das BPF (SOARES, 2005). O desgaste da articulação artificial trata-se de uma falha importante e presente nos sistemas de próteses existentes mundialmente. Já a metalose é um tipo de problema típico de países do terceiro mundo. A metalose é conseqüência da corrosão do material e é geralmente associada ao uso do aço inoxidável em próteses permanentes. Devido ao baixo custo, alguns poucos países (dentre os quais o Brasil) ainda utilizam o aço inoxidável em próteses articulares permanentes. Dessa forma, é necessário uma maior atenção e discussão sobre a conveniência de manter o uso das próteses fabricadas em aço inoxidável, visando ampliar o número de atendidos na rede SUS ou a opção por investir na substituição destes materiais por outros potencialmente superiores (Ligas Ti, ligas Co-Cr-Mo, acetábulos cerâmicos, etc.) (SOARES, 2005). Silva (2006) buscou apresentar a análise realizada em uma prótese de joelho rompida na haste extensora. Nenhum dos componentes apresentava marcação segundo a norma ABNT NBR 15165 Implantes Ortopédicos – Requisitos gerais para marcação, embalagem e rotulagem, “implantes que tenham espaço suficiente para acomodar todas as informações aplicáveis têm que ser marcados com o máximo de informações possíveis”. Além disso, o resultado da investigação mostrou que ocorreu uma falha por processo de fadiga incentivada por erros de projeto, além de apresentar material fora do especificado pela Norma NBR ISO 5832-1 Implantes Para Cirurgia – Materiais Metálicos – Aços Inoxidáveis Conformados. A partir desses dados é possível associar o desempenho insatisfatório da prótese com as inconformidades encontradas no material, evidenciando a necessidade de normatização e fiscalização rígidas, além do incentivo a pesquisa e novas tecnologias nesta área. Conclusão Dessa forma, para que um material possa ser utilizado em implantes, é necessário que apresentem propriedades mecânicas as mais próximas possíveis dos ossos humanos. O titânio liga é uma dos biomateriais mais indicados, porém, no Brasil, a maioria das próteses é fabricada em sua maioria de aço inoxidável, principalmente o aço 316L devido às ligas de titânio serem importadas e caras. Esse tipo de problema deve ser adequado para que a produção seja realizada com as melhores opções para salvaguardar a integridade física dos pacientes, além de regulamentação e fiscalização mais rígida sobre os fabricantes para que não levem incapacitações permanentes as pessoas que esperam nestes dispositivos as possibilidades de uma melhor qualidade de vida. Além disso, deve ser proporcionado mais incentivo a pesquisa para que mais estudos sejam realizados nesta área. Referências - ALEIXO, G.T.; BUTTON, S.T.; CARAM, R. Forjamento de hastes de próteses femorais em liga de titânio tipo β. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 17, 2006, Foz do Iguaçu, PR. Anais... Foz do Iguaçu, 2006. - HORN, C. C.; OLIVEIRA, S. G. Qualidade de vida pós-artroplastia total de joelho. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano, jul./dez. p. 57-64, 2005. - JUDAS, F.; COSTA, P.; TEIXEIRA, L.; SAAVEDRA, M. J. Procedimentos cirúrgicos do joelho na artrite reumatóide. Acta Reum Port. v. 32, p. 333-339, 2007. - RENZ, R. P. Avaliação da osseointegração de implantes de titânio submetidos a diferentes tratamentos de superfícies. 2007. 111f. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 Dissertação (Mestrado em Engenharia e Tecnologia de Materiais) – Faculdade de Engenharia, Física e Química, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. - SILVA, E. P. Análise de falha em prótese de joelho revisada. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 17, 2006, Foz do Iguaçu, PR. Anais... Foz do Iguaçu, 2006. - SOARES, G. A. Biomateriais. In: FÓRUM DE BIOTECNOLOGIA BIOMATERIAIS DA UFRJ, 2005, Rio de Janeiro, RJ. Anais... Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. p. 1-80. - VALENTE, M.C. Síntese de hidroxiapatita e sua aplicação como biomaterial. 1999. 129f. Tese (Doutorado em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear-Aplicações) - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. - VEIGA, L. T.; VILLARDI, A. M.; PALMA, I. M. Revisão de artroplastia total do joelho. Rev Bras Ortop. v.36, n.1/2, p.25-28, 2001. - ZIMMER, C. G. Análise de material de prótese de joelho explantada. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 17, 2006, Foz do Iguaçu, PR. Anais... Foz do Iguaçu, 2006. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 4