de cardiologia de cardiologia - Sociedade Portuguesa de Cardiologia

Propaganda
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 1
1 aa s J o r n a d a s L u s ó f o n a s
DE CARDIOLOGIA
Praia, Santiago, Cabo Verde
20 a 23 de Janeiro de 2009
Hospital Dr. Agostinho Neto
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 2
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 3
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 4
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 5
PREFÁCIO
Fez parte do programa desta Direcção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia um estreitamento
das relações científicas, pedagógicas, culturais e afectivas com os Cardiologistas que se expressam
em Português. Por isso, a Direcção planeou e organizou as “I Jornadas Lusófonas de Cardiologia”,
que se realizaram em Janeiro deste ano, na Cidade da Praia, em Cabo Verde.
Foram convidados a participar Colegas da Sociedade Brasileira e Cardiologistas de Angola, Cabo
Verde, Moçambique, Macau e Venezuela.
O programa científico-pedagógico, gizado para quatro dias, permitiu uma intensa apresentação e
discussão sobre temas com actualidade desde a prevenção cardiovascular até à insuficiência
cardíaca, passando pelas doenças valvulares e das artérias coronárias, perante cerca de 50 médicos
locais, cardiologistas e clínicos gerais.
Para além do interesse profissional, as jornadas foram uma oportunidade afectiva única e uma
poderosa alavanca para a constituição desejada duma “Federação das Sociedades de Cardiologia
de Língua Portuguesa”. Aprovada pelas Direcções das Sociedades de Cardiologia Portuguesa e
Brasileira deverá quando constituída prever representações dos Colégios ou Secções de Cardiologia
das Ordens dos Médicos de expressão poruguesa que assim o desejarem. Para comemorar esta
iniciativa, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia editou este livro (e este CD) das Jornadas.
Hugo Madeira
Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 6
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 7
ÍNDICE
A Carta Europeia do Coração: o que é e o que se pretende com ela
8
Analíse dos factores de risco em Cabo Verde
10
Dislipidemias
12
Hipertensão arterial
14
Síndrome Metabólica
17
Sedentariedade e obesidade
19
Frequência cardíaca: um novo factor de risco?
21
Etiopatogenia e apresentação clínica da Febre Reumática
22
Fibrilação Auricular, Ritmo e Prevenção do Tromboembolismo
26
A doenca fibrocalcificante do idoso - importância do aperto valvular
28
Indicações para a cirurgia valvular
31
Etiopatogenia da Doença das Artérias Coronárias
33
Nova Definição do EAM e Abordagem Terapêutica
34
Doença das Artérias Coronárias: como identificar os candidatos à coronariografia
35
Indicações para a cirurgia
39
Epidemiologia da Insuficiência Cardíaca em Portugal
40
Insuficiência Cardíaca na África Sub-Sahariana
42
Tratamento da Insuficiência Cardíaca no ambulatório
44
Tratamento da Insuficiência Cardíaca no internamento
45
Hugo Madeira
Vanda Azevedo
Quitéria Rato
Dulce Brito
Luís Oliveira
Miguel Mendes
Hugo Madeira
Auristela Ramos
Rui Fernando Ramos
Auristela Ramos
Manuel J Antunes
Miguel Mendes
Mário Évora
Antonio Chagas
Manuel J Antunes
Cândida Fonseca
Albertino Damasceno
Cândida Fonseca
Dulce Brito
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 8
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
A Carta Europeia do Coração:
o que é e o que se pretende com ela
Hugo Madeira
A divulgação dos princípios que enformam a Carta Europeia para a
Saúde do Coração ou, mais simplesmente, “Carta Europeia do
Coração”, é uma obrigação de qualquer cardiologista que se
interessa pela saúde das populações. Mesmo Mesmo fora da
Europa e particularmente em Cabo Verde, as recomendações
daquele documento fazem sentido, dado que são em grande parte
de carácter comportamental e nem envolvem grandes gastos,
sobretudo se comparados com os recursos exigidos para tratar
situações que podem, em muitos casos, ser evitados ou
minorados. Transmitir as ideias expressas na Carta da Europa do
Coração é como passar um testemunho para a geração actual, mas
também para a seguinte. Esse testemunho contém uma mensagem
clara que nos diz que “toda a criança nascida no novo milénio tem
o direito de viver, pelo menos até aos 65 anos de idade, sem sofrer
de uma doença cardiovascular evitável”.
É este um objectivo atingível? A Carta Europeia do Coração desafianos a consegui-lo.
Que é então esta Carta? A Carta é o primeiro documento global,
público e doutrinário elaborado pela Sociedade Europeia de
Cardiologia e pela Rede Europeia do Coração, conjunto de
Fundações de Cardiologia da Europa, dirigido à prevenção da
doença cardiovascular na Europa. Tal como disse Jill Farrington, da
Organização Mundial de Saúde (OMS) - Região Europeia, aquando
da apresentação da Carta no Parlamento Europeu, é necessário
uma forte aliança da OMS com a Comissão Europeia para a luta
contra a doença cardiovascular na Europa.
Porquê tal aliança? A doença cardiovascular (DCV) - incluíndo nesta
designação as doenças cardíacas, os acidentes vasculares cerebrais
e as doenças vasculares periféricas - mata anualmente cerca de 18
milhões de pessoas em todo o Mundo. Tal equivale a 1 morte a
cada 2 segundos!
8
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
Na região europeia da OMS - que engloba 52 países - esta doença
é a primeira causa de morte, sendo responsável por 4,35 milhões
de óbitos em cada ano. Na União Europeia propriamente dita, esse
número é de cerca de 2 milhões. A DCV é mesmo a primeira causa
de morte entre os Europeus e este facto tem vindo a acentuar-se.
Apesar de se estarem a registar taxas decrescentes de mortalidade,
há cada vez mais pessoas a viver com DCV. Este aparente paradoxo
está relacionado com o aumento da longevidade e da
sobrevivência. A DCV não só mata mais Europeus do que todas as
formas de cancro combinadas, como é uma das principais causas
de incapacidade e de pioria da qualidade de vida.
Numa epóca em que tanto se fala das relações custo/benefício,
valerá a pena assinalar que a DCV custa à União Europeia 169 mil
milhões de euros por ano - 372 euros per capita - embora com
variações assinaláveis entre os Estados-membros e as várias
regiões europeias. Dos custos totais na União Europeia, 57% são
devidos a custos directos de tratamentos, 21% a perdas de
produtividade e 22% a custos de cuidados indirectos com os
doentes com DCV. Em Portugal, a DCV é igualmente a primeira
causa de morte, responsável por pouco mais de um terço de todas
as mortes que ali ocorrem, também matando mais pessoas do que
todas as formas de cancro combinadas. E todavia a DCV pode
perfeitamente ser contrariada através da prevenção. A OMS calcula
que uma ligeira redução, em toda a população mundial dos níveis
de pressão arterial, da obesidade, da colesterolemia e do consumo
de tabaco, iria fazer cair a incidência da DCV para menos de
metade! Para modificar a realidade actual, a Sociedade Europeia de
Cardiologia e a Rede Europeia do Coração trabalharam durante
anos para obter os apoios de ordem política necessários, a nível
dos órgãos do poder na União Europeia, expressos em várias
Declarações de intenções e elaboraram a Carta, que surge como a
primeira resposta, já atrás dito, pública e doutrinária, face à terrível
realidade da DCV na Europa.
A Carta - cujo objectivo é a redução do impacto de doença
cardiovascular - foi apresentada no dia 12 de Junho de 2007 ao
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 9
Parlamento Europeu, na presença do Comissário Europeu para a
Saúde e Ambiente e do Director Regional para a Europa da OMS e
os seus princípios aprovados em Conselho de Ministros Europeu,
sob a Presidência Portuguesa, a 6 de Dezembro do mesmo ano.
Ao aprovarem a Carta, os governos, organizações nãogovernamentais e sociedade científicas comprometem-se a colocar
na agenda política o problema da DCV e assumir como seus
alguns objectivos estratégicos, visando o cumprimento das
recomendações contidas na Carta do Coração, que a Sociedade
Portuguesa de Cardiologia foi incumbida de divulgar.
Que fazer então para manter a Saúde Cardiovascular?
Os objectivos, bem estabelecidos na Carta Europeia do Coração,
são fáceis de identificar embora, por vezes, penosos de atingir.
Em primeiro lugar, não consumir tabaco. A lei anti-tabágica em
vigor em Portugal terá melhorado a situação, calculando-se que o
consumo se reduziu em 15%, durante o primeiro ano de vigência
daquela lei. Está aconselhada uma actividade física adequada pelo menos 30 minutos, cinco vezes por semana. Em Portugal,
infelizmente esta recomendação é muito pouco seguida, bem
menos do que em Cabo Verde. Um inquérito conduzido pelo
Instituto Nacional de Saúde em 2005 e 2006 e cujos resultados
foram analisados em 2007, veio mostrar que em Portugal, 63% da
população inquirida andava menos de 60 minutos na semana
anterior ao inquérito. Os hábitos alimentares saudáveis não são
compatíveis com o uso imoderado de bebidas alcoólica, tão
habituais em Portugal e em julgo que também em Cabo Verde. No
inquérito referido, verificou-se que 90% dos homens e 60% das
mulheres de Portugal bebem 1 ou mais bebidas alcoólicas/dia com
predomínio para o vinho. Lutar contra o excesso de peso é uma
necessidade, sendo a obesidade um poderoso factor de risco. Em
Portugal a obesidade, definida como um índice de massa corporal
entre 27 e 30 Kg/m2 e atingia, neste inquérito, 21% dos indivíduos
do sexo masculino e 17% dos do sexo feminino. No entanto,
apenas respectivamente 6% e 5%, tinham a noção de ser obesos.
Aliás, também muitos portugueses ignoram ter hipertensão arterial.
A prevalência diagnosticada em Portugal é de 16% nos homens e
23% nas mulheres, mas calcula-se, com base em várias outros
rastreios que ultrapasse um terço da população podendo até
atingir os 40%. No controlo da pressão arterial, que deve ser
inferior a 140/90 mm Hg, tem particular destaque a redução de sal
na ingesta alimentar, quer aquele que é adicionado na confecção
dos alimentos do dia-a-dia (ou à mesa), quer aquele que já surge
em alimentos enlatados. Idealmente não deveriam ser ingeridos
mais do que 3 gramas de sal/dia. Em Portugal facilmente se chega
aos 10 gramas. Cuidados alternativos são igualmente exigíveis,
para manter a colesterolemia inferior a 5 mmol/L ou 190 mg/dl,
evitando alimentos muito gordos e privilegiando legumes, cereais,
frutos, incluindo produtos lácteos de baixo teor de gordura e peixe
e carnes magras. O despiste da diabetes e seu tratamento, se
encontrado, é igualmente fundamental dado o impacto
extremamente significativo desta doença ao nível das artérias
coronárias e não só.
O “Stress”, físico e emocional, é muitas vezes o estimulo que vai
determinando picos de hipertensão ou o gatilho para arritmias,
pelo que deve - quando tal é possível - ser contrariado.
Quando olhamos de forma global para os factores de risco
associados aos acidentes cardiovasculares, vemos que:
a. uns são biológicos e podem ser combatidos medicamente,
com a colaboração do doente - estão neste caso a hipertensão,
a diabetes, a hipercolesterolemia e a obesidade;
b. outros estão associados as estilo de vida e dependem sobretudo
do doente, a saber, tabagismo, má dieta, alcoolismo e
sedentariedade.
c. um terceiro grupo, engloba factores fixos, que não podem ser
modificados, ou seja, o seu tratamento não depende nem do
doente nem do médico, nomeadamente idade, sexo, genética
e etnia;
d. finalmente um quarto grupo de factores pode ser modificado,
mas depende muito da Sociedade (e do poder Político)
–rendimento, educação, condições de vida e condições de
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
9
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 10
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
trabalho. Está hoje bem claro que são as pessoas, as famílias,
os sectores da sociedade, os países ou as regiões mais pobres
e com menos índices de educação, que têm a maior taxa de
mortalidade cardiovascular.
Para contrariar este estado de coisas e reduzir de forma
significativamente o peso da doença cardiovascular é necessário
reduzir as desigualdades dentro de cada país e entre os vários
países. Dados de 2006 mostravam que o despêndio per capita com
a DCV atingiu na Alemanha um valor mais de 11 vezes superior ao
da Bulgária, 600 versus 50 euros. É pois necessário colocar o
combate à doença cardiovascular na agenda política dos Governos
da União Europeia e onde mais seja possível. É necessário
disponibilizar informações para melhorar o conhecimento que a
população deve ter sobre a DCV. É mandatório questionar as
entidades oficiais, as organizações de saúde e outras associações,
para se basearem nas informações existentes e promoverem
políticas e atitudes apropriadas. Até a nível local se deve incentivar
as autarquias e contribuir localmente para que a população possa
cumprir a sua luta contra os factores de risco. Sobretudo é
necessário que os profissionais de saúde e os doentes (ou
candidatos a doentes) possam, em consonância, publicitar o
problema envolvendo os órgãos de comunicação social, para se
lutar por um direito fundamental, o direito à saúde.
Analíse dos factores de risco em Cabo Verde
Vanda Azevedo
• Cardiologista
Cabo Verde, situado no Oceano Atlântico é um arquipélago de dez
ilhas e oito ilhéus, de origem vulcânica, divididos em dois grupos,
Barlavento e Sotavento.
Tem uma superfície total de 4.033 km2, e está a cerca de 450 km
de Dakar. A sua população total é de 491 419 habitantes (censo de
10
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
2000). A esperança de vida ao nascer na década de sessenta era
de 51 anos. Na altura da Independência do País, era de 57,5 anos.
Actualmente é de 70,2 anos e para 2020 estima-se que chegue aos
75anos (UN Population Division- The 2006 revision). O nível de
fecundidade sempre elevado, mostra uma tendência a decrescer.
De 7,5 crianças por mulher em 1970, baixou para 2,9 em 2007
(dados INE). O nível de mortalidade geral baixou de 11%0 nos anos
1970 para 5,6 por mil habitantes no ano 2000. Relativamente à
mortalidade infantil, ela passou de 103,9 por mil nados vivos em
1975 para 21 por mil em 2007. (Dados do INE)
A população de Cabo Verde é bastante jovem. 49% tem idade
compreendida entre 0 e 17 anos. Apenas 9% são maiores de 60
anos (censo 2000-INE). A taxa de analfabetismo em 1975, altura da
independência nacional era de 61,3%. Actualmente é de 7,6% (INE).
Regista-se uma tendência à urbanização da população caboverdiana, com grande concentração nas principais cidades do país,
Praia e Mindelo. No ano de 2000, dos 434.625 habitantes, 53%
vivem no meio urbano (INE). A proporção da população a viver na
pobreza reduziu-se de 48,97% em 1988/89 para 36,69% em
2000/2001 (INE).
O sistema de saúde cabo-verdiano, vem acompanhando a evolução
do País. Existem no País:
2
3
26
5
34
112
HOSPITAIS CENTRAIS
HOSPITAIS REGIONAIS
CENTROS SAÚDE
C. SAÚDE REPRODUTIVA
POSTOS SANITÁRIOS
UNIDADES SANITÁRIAS DE BASE
Em 1975 existiam apenas 13 médicos e 140 enfermeiros. Em 2007
registavam-se 230 médicos e 477 enfermeiros, correspondendo ao
rácio médico/habitante 1/2136 e enfermeiro/habitante 1/ 1030
(GEPC, Ministério da Saúde Janeiro 2005). Em 1975 as doenças
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 11
cardiovasculares já eram a 3ª causa de mortalidade geral. Em 2007
passou a ser a primeira causa de mortalidade. Tentando estar
preparados para enfrentar a batalha das doenças não
transmissíveis, o Ministério da Saúde de Cabo Verde criou um
Programa de Luta contra as Doenças não transmissíveis, que
realizou em 2006 um inquérito nacional que veio confirmar
algumas das nossas suposições e traduzir em números essas
preocupações. O objectivo foi determinar a prevalência e as
características epidemiológicas da HTA, Diabetes e outros
importantes factores de risco modificáveis para as doenças não
transmissíveis (dislipidemia, obesidade, tabagismo, etilismo e
sedentarismo) na população cabo-verdiana, com base na
metodologia por etapas (STEP) preconizada pela OMS. A amostra
foi constituída por homens e mulheres dos 25-64 anos residentes
em alguns concelhos triados aleatoriamente. Foram inquiridos 2200
Indivíduos de 25-64 anos, estratificados por sexo e grupo etário.
Analisando estes dados, algumas conclusões interessantes foram
tiradas:
O tabagismo representa um problema de saúde pública mundial,
sendo a primeira causa de mortalidade evitável. No nosso País,
9,9% dos inquiridos são fumadores sendo 15,9% homens e 4,0%
mulheres. A idade média do início do consumo do tabaco é de 19,4
anos. A percentagem de ex-fumadores na população é de 8,3%
(14,4% homens e 2,9% mulheres). O consumo de tabaco não
fumado na população é de 4,6% em ambos os sexos. (dados do
IDNT/MS).
Do total dos inquiridos, 53,2% referem ter consumido álcool no
decurso dos últimos 12 meses que precederam o inquérito. Destes,
77,8 % eram homens contra 30% de mulheres.A percentagem de
inquiridos com consumo nocivo de álcool (> 60mg/ dia para os
homens e >40mg/dia para as mulheres) é de 2,9% homens e 0,2%
mulheres. (dados do IDNT/MS)
A OMS recomenda um consumo mínimo de 5 porções de frutas e
legumes por dia, abaixo do qual é considerado um factor de risco.
O número médio de dias por semana em que se consome frutas
em Cabo Verde é de 3,3 e de legumes é de 3,7. Há um total de
86,1% de indivíduos que consomem menos que cinco porções de
frutas e legumes por dia. (dados do IDNT/MS)
Segundo a OMS, a pratica de actividade física é necessária para se
ter uma excelente saúde. Esta mensagem tem passado nas nossas
intervenções, pelo que verificamos com entusiasmo que a maioria
dos nossos inquiridos tem um nível elevado de actividade física
(70% dos homens e 50% das mulheres). (dados do IDNT/MS)
Foram estabelecidos os parâmetros de classificação de Hipertensão
Arterial, segundo os critérios da OMS: TAS >140mmHg e/ou uma
TAD >90mmHg. Dos participantes do estudo, 14,5 % declararam ser
hipertensos com diagnóstico feito por um técnico de saúde nos
últimos 12 meses, predominando o sexo feminino com 17,4 %
contra 10,5% no sexo oposto. Entre os que referiram ser
hipertensos, apenas 35% dos homens e 52% das mulheres
declararam estar medicados. A prevalência estimada da HTA na
nossa população foi de 34,9%. Verificou-se como era de esperar
um nítido aumento da prevalência da HTA com a idade. Num total
de 9,5% dos inquiridos, foram encontrados valores de TAS >160 e
TAD >100 mmHg. (dados do IDNT/MS)
Dos participantes, 1,1 % sabiam ter Diabetes com diagnóstico feito
por um técnico de saúde nos últimos doze meses. A diferença entre
homens e mulheres é mínima. A partir dos 55 anos nota-se um
aumento da proporção de pessoas com o diagnóstico de diabetes.
O valor médio da glicemia capilar nos inquiridos foi de 5,4mmol/l,
sendo de 5,4% nos homens e 5,3 % nas mulheres. A taxa média
de glicemia capilar >6,1mmol/l foi de 12,7%. Dos inquiridos com
hiperglicemia, apenas 17% vinha fazendo tratamento para diabetes
(8% dos homens e 31% das mulheres). (dados do IDNT/MS)
Em ambos os sexos, a média da cardíaca foi de 77/mn, sendo de
75,3 nos homens e 78,7 nas mulheres. A prevalência da “cardíaca
elevada > 100/ mn”, foi de 4,4 %, sendo 3,8% nos homens e 4,8%
nas mulheres. (dados do IDNT/MS)
Quanto a obesidade (IMC >30), constatou-se que 10,5% dos
inquiridos estão nessa categoria, com franco predomínio nas
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
11
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 12
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
mulheres 14,6%, sendo de 6,5% homens. A faixa dos 55-64 anos é
a mais atingida (54,0% das mulheres e 37,4% dos homens com
IMC >25). (dados do IDNT/MS)
Considerando os valores das medidas internacionalmente aceites
do perímetro da cintura ( valor normal <88cm nas mulheres e <102
cm no homem ), a nossa media foi de 83,5cm nos homens e 84,5
cm nas mulheres estando pois dentro dos limites da normalidade.
(dados do IDNT/MS)
O valor médio do colesterol total capilar foi de 5,4mmol/l,
(4,2mmol/l homens e 4,3mmol/l mulheres. A prevalência de
colesterol elevado (>5,2mmmol/l ou 200mg/d) foi de 10,5%, sendo
8,4% nos homens e 12,6% nas mulheres.
Em relação a valores mais elevados de colesterol capilar
(> 6,5mmol/l ou 250mg/dl) foi encontrada uma prevalência de 2,9%
(3,3 % homens, 2,5 % mulheres). (dados do IDNT/MS)
Os resultados deste inquérito mostraram que em relação aos
outros países da nossa região, que realizaram o mesmo inquérito
STEP, a prevalência da Hipertensão arterial é a mais alta, 34,9%. A
hiperglicémia também é uma grande preocupação, sendo a mais
elevada desses países. O consumo de álcool confirmou-se ser
também um grande problema. A obesidade e o consumo de tabaco
apresentaram-se com dados menos preocupantes. (quadro1)
Quadro 1
Dados comparativos de alguns
STEP/OMS
países que fizeram o inquérito
Arg.- Argélia; Cog - Congo; ERI.-Eritreia; CMR-Camarões;
MDG.-Madagáscar; MOZ.- Moçambique; CV.- Cabo Verde
12
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
Cabo Verde tem pois uma população jovem, alfabetizada,
urbanizada. Sabendo que com a melhoria dos cuidados de saúde
a esperança de vida aumenta, aumentando também as doenças
não transmissíveis, o País está a preparar-se para enfrentar mais
essa batalha. A vantagem das doenças cardiovasculares serem
doenças com um grande potencial preventivo, levam-nos a investir
muito no esclarecimento das populações, utilizando todos os
meios à nossa disposição. Estamos certos que estaremos
preparados para enfrentar, também, a batalha das doenças não
transmissíveis.
Dislipidemias
Quitéria Rato
Não obstante os avanços diagnósticos e terapêuticos ocorridos nas
últimas décadas, as doenças cardiovasculares continuam a ser a
principal causa de morte nas sociedades ditas desenvolvidas,
estimando-se que em 2002 tenham contribuído para 36% do total
de mortes a nível mundial (OMS). É indiscutível que uma
abordagem global e precoce do risco cardiovascular, com adopção
de medidas sobre o estilo de vida e eventual uso de fármacos em
situações específicas, constitui um meio importante para a redução
dos eventos cardiovasculares e para uma melhoria da qualidade de
vida das populações. Das medidas preventivas aquelas que têm
mais impacto na saúde das populações são as que incidem sobre
os principais factores de risco cardiovascular, entre os quais se
encontram as alterações dos níveis plasmáticos das lipoproteínas.
Vários estudos epidemiológicos, assim como diversos trabalhos
experimentais e clínicos, fundamentaram o papel do colesterol total
e das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) como factor de risco
para doença aterosclerótica em geral e doença isquémica coronária
em particular. A relação entre o colesterol das LDL e a doença
cardiovascular parece linear, com evidência considerável
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 13
suportando a hipótese “lower is better”. Os grandes ensaios
clínicos multicentricos, aleatorizados, controlados, duplamente
cegos, efectuados nas duas últimas décadas com os inibidores da
redutase da 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A (estatinas)
provaram conclusivamente que a redução do colesterol das LDL
resulta numa significativa diminuição dos eventos cardiovasculares,
estabelecendo a segurança e a eficácia daquele grupo de fármacos.
No entanto, apesar de uma significativa redução dos níveis do
colesterol das LDL, aproximadamente 70% dos eventos
cardiovasculares não são evitados. Vários estudos indicam que a
melhor forma de reduzir o risco cardiovascular é quando a redução
do colesterol das LDL se associa a uma redução dos trigliceridos e
a um aumento do colesterol das HDL, o que dá suporte à
terapêutica combinada das dislipidemias. Mas em indivíduos
muitas vezes já polimedicados, a associação de fármacos
hipolipemiantes pode potenciar o risco de efeitos adversos.
Uma avaliação precoce e correcta do risco de doença cardiovascular pode contribuir decisivamente para a diminuição da
morbilidade e mortalidade associada a esta patologia, já que o
diagnóstico atempado e a terapêutica adequada podem reduzir
significativamente o número de eventos cardiovasculares e evitar
mortes prematuras, o que tem custos familiares e sociais
importantes. O primeiro passo na orientação terapêutica é
determinar o risco individual e a primeira medida a mudança do
estilo de vida, devendo dar-se a maior ênfase às medidas não
farmacológicas (mudanças dietéticas, actividade física e redução do
peso). A decisão para instituir medidas terapêuticas, bem como os
níveis lipídicos a atingir, devem seguir as orientações científicas
actuais. Segundo as últimas orientações europeias para a
prevenção das doenças cardiovasculares, os níveis de colesterol
total para a população em geral devem ser inferiores a 190mg/dL e
os de colesterol das LDL inferiores a 115mg/dL. Nos indivíduos de
alto risco, em que se incluem os doentes com doença
cardiovascular estabelecida, os diabéticos tipo 2 ou tipo 1 com
albuminúria, e os indivíduos com dislipidemia severa, os objectivos
terapêuticos são inferiores: um colesterol total de 175 mg/dL e
opcionalmente de 155 mg/dL se exequível, e um colesterol das LDL
de 100 mg/dL e opcionalmente de 80 mg/dL se exequível, são as
metas a atingir. Não foram definidos objectivos terapêuticos
específicos para o colesterol das lipoproteínas de alta densidade
(HDL) e dos trigliceridos, mas concentrações de colesterol das HDL
inferiores a 40 mg/dL nos homens e a 45 mg/dL nas mulheres e
níveis de trigliceridos plasmáticos em jejum superiores a 150 mg/dL
são marcadores de risco cardiovascular aumentado, devendo ser
considerados nas opções terapêuticas a efectuar. Se estes
objectivos não forem conseguidos, o risco cardiovascular global
deve ser reduzido através de um maior esforço no controlo dos
outros factores de risco. Existem vários fármacos disponíveis para
o tratamento das dislipidemias, com mecanismos de acção
específicos e diferentes efeitos sobre o perfil lipídico, o que deve
ser tido em atenção aquando da sua prescrição (quadros I e II).
O conhecimento dos mecanismos de acção e efeitos adversos dos
fármacos hipolipemiantes é indispensável para uma correcta
abordagem da terapêutica das dislipidemias.
Quadro 1
Fármacos hipolipemiantes e respectivos efeitos no perfil lipídico
Ezetimiba * Em monoterapia
Ezetimiba ** Efeitos médios adicionais quando co-administrado com uma estatina
comparativamente aos obtidos com a estatina em monoterapia
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
13
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 14
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Quadro 2
Principais mecanismos de acção e reacções adversas dos fármacos
Hipertensão arterial
Dulce Brito
Importância da pressão arterial como factor de risco cardiovascular
1. A morbilidade e a mortalidade cardiovascular (CV) têm uma
relação contínua com a pressão arterial sistólica (PAS)
e diastólica (PAD);
2. A hipertensão arterial (HTA) é factor de risco (FR) major
para doença CV e para doenças que aumentam o risco CV;
3. A HTA é a 1ª causa de morte em todo o mundo!
4. A PAS e PAD, ambas de forma independente predizem o risco
de acidente vascular cerebral (AVC) ou de doença coronária.
14
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
Considera-se uma PA óptima quando os valores de PAS e PAD são
respectivamente menores que 120 e 80 mmHg. De acordo com a
classificação adoptada nas últimas Recomendações publicadas
pela Sociedade Europeia de Cardiologia e pela Sociedade Europeia
de Hipertensão (2007 Guidelines for the management of arterial
hypertension, Eur Heart J 2007), considera-se existir PA normal
perante valores de PAS entre 120-129 e/ou PAD entre 80-84 mmHg
e PA normal/alta com valores de 130-139 de PAS e de 85-89 de
PAD. Valores mais elevados classificam a HTA em grau I, II ou III
(esta última quando a PAS tem valor igual ou superior a 180 mmHg
e/ou PAD igual ou superior a 110 mmHg). A hipertensão sistólica
isolada(valor de PAS igual ou superior a 140 mmHg e PAD inferior
a 90 mmHg) é também classificada em graus I, II ou III, de acordo
com os valores da PAS. Mas o limiar “real” para definir a gravidade
da HTA terá de ser flexível e ter em conta o risco cardiovascular
total do indivíduo. Este é expresso como o risco absoluto do
indivíduo sofrer um evento CV nos 10 anos subsequentes. Assim,
na prática, todos os doentes devem ser classificados não só em
relação ao seu grau de HTA mas também em relação ao seu risco
CV total, o qual dependerá da coexistência de FR diferentes e de
existir ou não lesão de orgão ou mesmo já doença clínica.
Há vários métodos para avalição do risco total CV, todos com
vantagens e limitações. A avaliação do mesmo em 4 categorias de
risco - baixo , moderado, alto e muito alto - é simples e deve ser
utilizada, havendo tabelas para o efeito. A presença de múltiplos
FR, de Diabetes Mellitus ou de lesão de orgão, aumenta muito o
score de risco e colocam o doente com HTA ou mesmo com PA
normal/alta na categoria de alto-risco. A idade é um factor também
muito importante nas tabelas de avaliação do risco cardiovascular.
Assim, um doente jovem pode ter um risco CV baixo apesar de ter
HTA e FR adicionais embora, se não tratado, possa evoluir para
situação de alto risco alguns anos depois. Aliás, no jovem, as
decisões terapêuticas devem ser baseadas na quantificação do
risco relativo (ou seja, o aumento do risco em relação ao risco
médio da população).
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 15
Razões para que o diagnóstico e tratamento da HTA devam ser
relacionados com a quantificação do risco CV global…
1. Apenas uma pequena fracção da população hipertensa
tem “apenas“ HTA… a grande maioria têm FR adicionais!
2. Há relação entre a gravidade da HTA e as alterações
do metabolismo da glucose e lípidos!
3. Quando coexistente, A HTA e os FR metabólicos potenciam-se
mutuamente, sendo o risco total maior do que a soma
de cada um separadamente!
4. Os objectivos do tratamento do indivíduo de alto risco são
diferentes da estratégia a tomar em indivíduos de baixo risco!
5. A intensidade da abordagem terapêutica deverá ter sempre em
conta o risco CV total.
Várias variáveis clínicas são importantes na avaliação do risco CV
total, além da idade e dos níveis de PA. Entre eles destacam-se a
existência de dislipidémia, de alteração do metabolismo glucídico
(ou a existência de Diabetes Mellitus), a presença de obesidade
abdominal, a existência de síndrome metabólica ou a existência de
doença cardiovascular prematura na família. Meios complementares
de diagnóstico de relativa fácil execução na prática clínica avaliam
a existência de lesão de orgão - como o electrocardiograma e o
ecocardiograma (avaliação da repercussão cardíaca), o estudo da
velocidade da onda de pulso carótida-femural e o estudo Doppler
vascular (mostrando espessamento da parede arterial, placa ou
mesmo já doença arterial periférica), a taxa de filtração glomerular,
a quantificação da presença de microalbuminúria e os valores de
creatinina séricos (avaliando a repercussão renal da HTA).
A avaliação de lesão de orgão-alvo é recomendada pré-tratamento
(para estratificação do risco) e durante o tratamento (porque por
exemplo, a regressão da hipertrofia ventricular esquerda e a
redução da proteinúria indicam que o tratamento está a ser eficaz
em termos de protecção CV). Não devemos esquecer que a
cardíaca (FC) elevada é também FR, tendo relação com a
morbilidade e mortalidade CV e com a mortalidade de todas as
causas. A FC elevada aumenta também o risco de HTA “de novo” e
está frequentemente associada com alterações metabólicas (e com
a síndrome metabólica). No entanto, não existe um valor de
“cutoff” para definir qual a FC que realmente aumenta o risco CV.
Avaliação diagnóstica
Esta inclui a determinação do grau de HTA, a identificação de
causas secundárias de HTA e avaliação do risco CV global
(procurando outros FR, lesão de orgãos-alvo e doenças
concomitantes). Em relação ao diagnóstico de HTA e à
determinação da gravidade da mesma, é importante…
1. Ter a certeza dos valores tensionais. Por vezes é necessário
a realização de avaliações repetidas (2/visita, 2-3 visitas) excepto se a PA fôr muito elevada, situação na qual se
pode impôr tratamento imediato;
2. Medir a PA em ambos os braços na primeira visita (diferenças
por doença vascular periférica?) - deveremos então valorizar
o valor mais elevado;
3. A auto-medição (casa, trabalho…) é importante particularmente
quando existem dúvidas em relação aos verdadeiros valores de
PA do doente e por vezes é mais eficaz (mais real) que os valores
de PA medidos no gabinete médico;
4. Ter um registo de medição ambulatória da PA (24 horas).
Este exame dá indicações importantes sobre o perfil circadiano da
PA, nomeadamente em relação aos valores da PA nocturna.
A ausência de atenuação nocturna da PA (não-Dipper) está
associada a maior prevalência de lesão dos orgãos - alvo e a um
pior prognóstico. E os eventos cardíacos e cerebro-vasculares têm
pico matinal (por subida da PA…). O conhecimento do perfil
circadiano permitirá uma melhor decisão terapêutica e de horário
da medicação a prescrever.
HTA da “bata-branca”
É definida como a constatação de valores elevados de PA (PAS >/=
140/90 mmHg) perante o clínico (em pelo menos 3 ocasiões) com
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
15
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 16
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
medição em casa (ou no MAPA -24h) normal. Existe em cerca de
15% da população, sendo responsável por 1/3 dos diagnósticos de
HTA!
Pode não ser um fenómeno “inocente”, pois associa-se a maior
prevalência de lesão nos órgãos-alvo e alterações metabólicas do
que nos indivíduos normais. Perante a HTA da “bata branca”,
deveremos procurar FR metabólico e lesão nos órgãos-alvo.
Se presentes, a HTA deverá ser tratada. Se ausentes, deveremos
recomendar hábitos de vida saudáveis e vigiar a PA. Na avaliação
diagnóstica do doente com HTA, os hábitos de vida do indivíduo
são fundamentais - tabagismo, ingestão excessiva de álcool, sal ou
gorduras, sedentarismo - e exige-se, em todos os doentes e para
qualquer grau de HTA, a sua modificação.
A observação clínica fornece dados importantes em relação à
eventual existência de causas secundárias de HTA - síndrome de
Cushing, feocromocitoma, coartação da aorta, doença aórtica, rins
poliquísticos ou hipertensão reno-vascular - e ao atingimento dos
órgãos-alvo (compromisso cardíaco, renal, vascular, cerebral).
Tratamento da HTA. Evidência do benefício do seu tratamento.
1. A diminuição da PA diminui os eventos CV fatais e não-fatais
(estudos controlados com placebo);
2. O benefício é evidente qualquer que seja o fármaco com o
qual se inicia o tratamento (diurético tiazídico / bloqueador
adrenérgico-beta (BB)/ antagonista do cácio (AC) / inibidor
da enzima de conversão da angiotensina (i-ECA)/ antagonista
dos receptores da angiotensina II (ARA II);
3. A comparação entre diferentes anti-hipertensores mostrou que:
• para a mesma redução de PA, não há evidência conclusiva
de que diferentes fármácos ou diferentes combinações
de fármacos sejam melhores que outros na diminuição
dos eventos CV;
• Embora certos fármacos reduzam mais um evento específico
que outro, esse efeito individual é menor do que o efeito
de diminuir a PA “per se”
16
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
• Os efeitos independentes atribuíveis a cada tipo de fármacos
(efeitos específicos) são mais consistentes em termos
de protecção de orgãos-alvo e de prevenção de certos
eventos, como sejam, a Diabetes Mellitus, a insuficiência
renal e a fibrilhação auricular;
O que é importante é realmente diminuir a pressão arterial quando
ela se encontra elevada. E o início de tratamento deve ser decidido
com base em 2 critérios:
• Níveis de PAS e PAD
• Risco CV total
Com o tratamento pretende-se tratar a HTA e todos os FR
reversíveis, bem como obter uma redução máxima no risco total de
doença CV a longo prazo. Dever-se-á reduzir os níveis de PA para <
140/90 mmHg e para < 130-80 mmHg na presença de diabetes e
nos doentes de alto risco (com evidência de doença clínica
associada: acidente vascular cerebral, enfarte agudo de miocárdio,
disfunção renal, proteinúria...). Como já referido, pretende-se uma
mudança de hábitos de vida em todos os doentes:
• Abandonar tabagismo
• Diminuir (e manter) peso
• Diminuir consumo de alcool
• Reduzir ingestão de sal
• Reduzir ingestão de gorduras
• Praticar exercício físico
• Aumentar consumo de frutas e vegetais
Em relação à escolha do fármaco (ou combinação de fármacos) a
administrar, qualquer um dos fármacos das 5 classes
farmacológicas major habitualmente utilizadas, isolados ou em
combinação, pode ser o escolhido para início do tratamento e
manutenção do mesmo. No entanto, há combinações
farmacológicas mais ou menos favoráveis em cada doente e, por
exemplo, os bloqueadores adrenérgicos-beta (especialmente se
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:29 PM
Page 17
associados a uma tiazida), não devem ser os fármacos preferenciais
na presença de Diabetes ou em doentes com síndrome metabólica.
Muitos doentes vão necessitar de mais de um fármaco. A escolha
deverá ter em conta vários factores, nomeadamente:
• A experiência prévia do doente com determinado fármaco;
• O efeito do fármaco nos FR cardiovasculares do doente
individual;
• A presença de lesão de orgão (sub-clínica), doença clínica CV,
doença renal, diabetes, etc. (situações que podem beneficiar
mais especificamente de certos fármacos...);
• A existência de outras doenças que possam limitar
o uso de certas classes farmacológicas;
• A possibilidade de interacção com outros fármacos
que o doente já toma;
• O custo... (embora este factor não devesse ser limitativo).
• Os efeitos secundários dos fármacos devem ser um factor
a considerar pois são a causa mais importante de não-aderência/abandono do tratamento!...
O efeito anti-hipertensor deverá durar 24 horas, pelo que será
desejável preferir fármacos que sejam eficazes dados uma vez/dia
(facto que favorece a aderência ao tratamento). Certas situações
específicas poderão beneficiar de fármacos (ou combinações
farmacológicas) específicas. Como exemplos, cito a existência de
HVE, de microalbuminúria, de insuficiência renal, diabetes ou
síndrome metabólica - que beneficiam de iECA ou ARA II - ou o
doente coronário - situação em que os BB e/ou antagonistas do
cálcio estão indicados. As várias estratégias terapêuticas iniciais
possíveis podem incluir a administração de um único fármaco ou
de dois fármacos em dose baixa; se a resposta pretendida não fôr
obtida, poder-se-á, numa escalada progressiva, aumentar a dose de
cada um dos fármacos, mudar de classe farmacológica ou adicionar
um 3º fármaco e ir aumentando as doses até às máximas
recomendadas. De entre as várias combinações farmacológicas
possíveis, algumas associações mostraram benefício em estudos
clínicos de intervenção terapêutica (controlados), nomeadamente
administrar i-ECA ou ARA II + diurético + antagonista AC ou BB.
Síndrome Metabólica
Luís Oliveira
A síndrome metabólica (SM) é definida pelas mais recentes
recomendações europeias de prevenção cardiovascular como a
combinação de diversos factores que tendem a coexistir num
indivíduo e que aumentam o risco de diabetes mellitus e doença
cardiovascular: obesidade central, HTA, colesterol HDL baixo,
triglicerídeos elevados, glicémia elevada. Duas ideias centrais são
destacadas neste documento. Na primeira é feita a sugestão de
que a identificação de um destes componentes deverá implicar o
rastreio sistemático de todos os outros e, caso estejam presentes,
o seu tratamento. Com igual realce é dito que a actividade física e
o controle do peso reduzem drasticamente o risco de aparecimento
de diabetes mellitus nos indivíduos com SM. Esta síndrome já
conheceu outras designações tais como síndroma X (distinto do
síndrome X que designa a isquémia miocárdica microciculatória),
quarteto mortal, síndroma de resistência à insulina ou cintura
hipertrigliceridémica, e tem sofrido uma evolução contínua dos
seus critérios diagnósticos (quadro). Como facilmente se
compreende, a taxa de prevalência da SM tem sofrido um forte
incremento nos últimos anos, fruto quer do aumento da obesidade
e do sedentarismo das populações de países desenvolvidos e em
via de desenvolvimento, quer da maior abrangência dos critérios
de diagnóstico
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
17
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 18
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Nota: na definição da OMS a microalbuminúria era também incluída como critério para SM
Grande controvérsia tem surgido em torno desta designação, pois
muitos autores defendem que não se trata de uma verdadeira
síndrome mas sim de um aglomerado de factores de risco. A
verdade é que o seu aparecimento resulta da coexistência no
mesmo indivíduo de obesidade / excesso ponderal, maior
resistência à insulina e um terreno genético predisponente,
condições que aumentam o risco de HTA, dislipidémia e alteração
do metabolismo glucídico, bem como outras patologias
relacionadas como a esteatose hepática, a síndrome de apneia
obstrutiva do sono, a litíase vesicular, o ovário poliquístico e a
lipodistrofia. Actualmente conhecemos alguns aspectos do
metabolismo do tecido adiposo, nomeadamente o visceral, que era
considerado até há pouco tempo como metabolicamente inerte.
Hoje sabemos que é capaz de desencadear uma resposta
inflamatória crónica de baixa intensidade, através da indução da
síntese de mediadores mitogénicos (JNK, NF-κß), quimotácticos
(MCP-1), receptores de adesão leucocitária (ICAM-1, VCAM-1), prótrombóticos (PAI-1), entre outros. A marginação, adesão, diapedese
e proliferação leucocitária que daqui resulta conduz à acumulação
18
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
de células mononucleadas entre as células adiposas, perpetuando
e amplificando o processo inflamatório através da produção de
múltiplas citoquinas (IL-6, TNF-α, etc) e exacerbando a resistência
à insulina do próprio tecido adiposo e dos tecidos periféricos.
Em condições de aumento da resistência à insulina a utilização de
ácidos gordos livres pelos tecidos periféricos está diminuída e o
fígado produz maior quantidade de lipoproteínas ricas em
triglicerídeos. Este desvio condiciona as alterações lipídicas
habitualmente encontradas nesta síndrome: aumento de TG e de
apolipoproteína B, redução de colesterol-HDL e formação de LDL
pequenas e densas (mais aterogénicas). Como atrás foi referido, a
prevalência da SM varia de acordo com os critérios utilizados. No
estudo europeu DECODE, em indivíduos não diabéticos e com
idades entre os 30 e os 89 anos, a prevalência variava entre 25%
(OMS) e 34% (IDF) nos homens e entre 18 e 32% nas mulheres
(OMS e IDF, respectivamente). Utilizando os critérios NCEP ATP III
aplicados ao registo NHANES III (1988-1994) a prevalência global de
SM nos EUA era de 22%, sendo que os hispânicos tinham a maior
taxa, 31,9%. Contudo, alguns registos norte-americanos têm
demonstrado uma duplicação da prevalência da obesidade e
diabetes mellitus na última década, de onde deverá resultar um
aumento equivalente da SM. Entre nós, a prevalência da SM foi
avaliada no registo VALSIM, que estudou mais de 16 000 indivíduos
em cuidados de saúde primários, e os dados publicados revelam
uma realidade preocupante, com a taxa de prevalência da SM de
27,5% para os critérios de NCEP ATP III, 49,1% para os critérios da
IDF e 50,7% para os critérios da AHA/NHLBI. Paralelamente, 70%
homens e 62% das mulheres avaliados tinham excesso de peso ou
obesidade. Neste registo os factores que mais contribuíram para o
diagnóstico de SM foram a HTA e a obesidade. A SM multiplica o
risco de doença cardiovascular por 1,53 a 2,18 e o risco de
mortalidade global por 1,27 a 1,60, sendo a variável mais
determinante a sensibilidade à insulina. Neste âmbito a utilização
de tabelas de risco (SCORE, Framingham, etc.) revelam-se mais
eficazes para determinar o risco a médio prazo, quando
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 19
comparadas com o diagnóstico de SM. A presença desta entidade
deverá estar mais relacionada com o risco para o tempo de uma
vida de vir a padecer e/ou morrer de doença cardiovascular.
Contudo, nos indivíduos de baixo risco (SCORE), a presença de SM
confere-lhes risco cardiovascular aumentado (risco relativo aumenta
2,71 vezes). Por outro lado, o risco para o desenvolvimento da
diabetes mellitus é multiplicado por 9 a 34 utilizando critérios da
OMS e 7 a 24 com os critérios NCEP ATP III. Os maiores factores
de risco para a DM são os estados de pré-diabetes: elevação
glicose em jejum (glicose em jejum 100-125mg/dL) e intolerância à
glicose oral (glicose 2 h após prova de tolerância à glicose oral 140199 mg/dL). O principal objectivo terapêutico da SM é a mudança
do estilo de vida com vista à redução ponderal, ao aumento da
actividade física e um dieta saudável. Estes são também algumas
das medidas mais eficazes para prevenir o aparecimento da DM.
Paralelamente, o tratamento / correcção dos principais factores de
risco cardiovasculares (HTA, colesterol-LDL, tabagismo e DM) deve
ser implementado de modo a atingir os objectivos definidos pelas
recomendações internacionais. Se existe excesso de peso deve ser
estabelecida uma dieta que permita a redução de 7 a 10% do peso
corporal em 6 a 12 meses, o que implica uma redução da ingestão
calórica diária de 500 a 1000 cal. As gorduras da alimentação
devem fornecer 25-35% da ingestão calórica diária, com restrição
da ingestão de gorduras saturadas ou trans, colesterol, sódio e
açúcares de absorção rápida e incremento do consumo de frutas,
vegetais, cereais integrais, peixe e carnes “brancas”. A prática de
exercício físico deve consistir no mínimo 30 minutos de actividade
moderada diária ou na maioria dos dias da semana.
Especificamente para utilização na SM foi desenvolvida uma
molécula, o rimonabant, que inibe o receptor canabinóide-1
endógeno, responsável pela regulação do apetite e do peso
corporal. A sua utilização associou-se a efeitos favoráveis tais como
a redução ponderal, redução perímetro da cintura, modificação da
dislipidémia aterogénica e redução da TA, da glicemia e da
prevalência da SM. Contudo o seu uso acarretava o aumento de
efeitos adversos psiquiátricos tais como depressão, ansiedade e
mesmo suicídio, o que levou à suspensão da sua comercialização
pela EMEA. Assim, a terapêutica farmacológica deverá ser
administrada para controlo da dislipidémia e da elevação da
glicose em jejum, para o tratamento da HTA e da diabetes mellitus.
Os objectivos da terapêutica da dislipidémia incluem a redução do
colesterol-LDL, a redução do colesterol não-HDL e o aumento do
colesterol HDL, o que se consegue geralmente com o uso de
estatina isoladamente ou em associação com inibidor selectivo da
absorção de colesterol, fibratos ou ácido nicotínico. As medidas
mais eficazes para controlo da elevação da glicose em jejum são a
redução ponderal e o aumento da actividade física, não existindo
consenso relativamente a uso de certos antidiabéticos orais,
nomeadamente a acarbose, a metformina ou as tiazolidinedionas,
que retardam o desenvolvimento de diabetes, mas cujo efeito no
prognóstico é desconhecido. Após a instalação da DM o seu
controlo deve ter por alvo uma HbA1C inferior a 7,0% ou
idealmente inferior a 6,5%. A TA deve ser reduzida para valores
inferiores a 140/90mmHg ou mesmo 130/80mmHg em indivíduos
com diabetes ou nefropatia. Por último, o controlo do estado pró-trombótico através da utilização de anti-agregantes plaquetares
como o ácido acetilsalicílico continua a ser alvo de intensa
controvérsia, dado o aumento de complicações hemorrágicas a que
se associa a longo prazo.
Sedentariedade e obesidade
Miguel Mendes
• Sociedade Portuguesa da Cardiologia
O World Health Report, publicado pela OMs em 2002, estima que
o sedentarismo, a obesidade e uma baixa ingesta de frutos e
vegetais foram responsáveis por mais de 2.500.000 mortes em
2000. Relativamente a Portugal, as Health Statistics de 2002 da UE
revelam que os Portugueses foram os europeus que menos tempo
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
19
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 20
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
despenderam semanalmente em actividade física em 1997, mas
noutro artigo, publicado em 2006 (Sjöström, Journal of Public
Health, 2006, 14: 291-300), verifica-se uma melhoria da situação,
estando os Portugueses abaixo da média europeia em termos de
tempo semanal gasto em marcha, mas com uma actividade física
total ao nível da média europeia. Em termos de obesidade,
segundo o já citado World Health Report, Portugal está acima da
média Europeia na prevalência de excesso de peso e obesidade em
adultos dos 2 sexos, mas tem o pior resultado da Europa em idade
pediátrica.
Embora de forma genérica se possa afirmar que o excesso de peso
e a obesidade são devidos a um desequilibro entre as calorias
ingeridas e as gastas em actividade física, sabe-se que têm
múltiplas condicionantes, entre elas as relacionadas com a
terciarização da sociedade, o acesso a transportes públicos e
privados que condicionam uma redução da actividade física e
factores culturais e educacionais que motivaram a troca da dieta
tradicional por outra onde avultam alimentos de elevado valor
calórico e escasso valor nutritivo, de fácil acesso, confecção e baixo
custo. A situação da obesidade em Portugal e no mundo, é muito
preocupante em termos de Saúde Pública porque se sabe
apresenta uma relação directa com a aterosclerose, cujas primeiras
lesões se instalam nas primeiras décadas da vida, pelo que se
prevê um grande aumento da incidência de doença aterosclerótica
em consequência da actual epidemia de obesidade,
particularmente nos actuais adolescentes.
A obesidade e o excesso de peso, devem ser avaliados pelo índice
de massa corporal e também pelo perímetro da cintura, que
quando elevado, apresenta um valor preditivo superior ao do peso
para eventos cardiovasculares. Para além da doença cardiovascular
aterosclerótica, que compreende a cardiopatia isquémica, a
insuficiência cardíaca e o acidente vascular cerebral, os portadores
de excesso de peso e de obesidade apresentam maior prevalência
e gravidade de factores de risco clássicos (diabetes mellitus tipo II,
HTA e dislipidémia) mas também de factores desencadeantes de
20
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
eventos como hipercoaguabilidade sanguínea e inflamação
vascular. Sabendo-se que as intervenções estritamente
farmacológicas apresentam uma eficácia inferior à mudança do
estilo de vida para fazer face a esta problemática, é obrigatório
promover uma intervenção combinada que promova a nutrição
saudável e a actividade física, que associadas são a melhor forma
para reduzir e manter os resultados ao nível da perda de peso.
Esta intervenção combinada é obrigatória e a base da intervenção
para controlo do excesso de peso, já que a abordagem
farmacológica e a cirúrgica devem ser reservadas para os casos de
obesidade grave ou quando já existe patologia relacionada com a
obesidade.
As mudanças nutricionais que se devem promover são o aumento
de ingestão de cereais integrais, frutas e vegetais, a redução de
cereais refinados, proteínas e gorduras animais, com a excepção
das provenientes do peixe e dos frutos secos por serem ricas em
óleos gordos ómega-3. O exercício físico tem um papel central na
prevenção primária e secundária da patologia cardiovascular e deve
ser promovido em todas as idades, para indivíduos saudáveis e
para doentes cardíacos. É conhecido que o seu benefício que se
correlaciona com o volume de actividade realizada (efeito doseresposta positivo) e que confere uma protecção com peso
semelhante à dos factores de risco clássicos.
Em termos populacionais, as últimas guidelines europeias e
americanas, recomendam a adopção de um estilo de vida activo e
o gasto de 1500 cal por semana em actividade física formal,
realizada no mínimo cinco vezes por semana, durante 30 minutos
se o exercício for de intensidade ligeira ou moderada como a
marcha, ou durante 20 minutos e com periodicidade trissemanal se
a actividade escolhida for mais intensa, como a corrida.
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 21
Frequência cardíaca: um novo factor de risco?
Hugo Madeira
Em muito estudo epidemiológicos verificou-se haver uma
associação entre a cardíaca (FC) e o risco de sofrer acidentes
cardiovasculares. Por exemplo no estudo de Framingham(1), em que
mais de 2 mil doentes hipertensos foram observados durante 36
anos, verificou-se uma clara associação entre o aumento da FC e a
subida da mortalidade.
No estudo CASS - The Coronary Artery Surgery Study(2) - que
envolveu cerca de 25.000 doentes, com doença das artérias
cornarias com um tempo de acompanhamento médio de 14 anos,
constatou-se que uma FC maior surgia associada a um aumento da
mortalidade cardiovascular e da mortalidade total.
Finalmente, no estudo INVEST(3), abrangendo cerca de 22 mil
doentes hipertensos e com doença das artérias coronárias,
concluiu-se que havia relação directa entre a FC e a incidência de
acidentes cardiovasculares, particularmente quando aquela
ultrapassava 70 batimentos por minuto (bpm).
Qual a razão que pode estar na base destes factos em doentes com
lesões coronárias? (4)
O aumento da FC determinado por esforço físico ou emoção
intensa, em doentes com insuficiência coronária, conduz
simultaneamente a um aumento do consumo de oxigénio e a uma
redução do fluxo coronário, face à redução do tempo diastólico.
Estes factores desencadeiam isquemia miocárdica, eventualmente
angina, provocando um aumento das catecolaminas circulantes
que, por sua vez, determinam um incremento da FC. Cria-se assim
um ciclo vicioso que, se se mantém, não só agrava a disfunção
ventricular esquerda como pode terminar em novo acidente
coronário agudo. Apesar dos progressos terapêuticos na área
cardiovascular, a mortalidade e a morbilidade na doença das
artérias coronárias continuam muito elevadas.
A exploração da hipótese terapêutica incidindo sobre o controlo da
FC foi recentemente testada num estudo - o estudo Beautiful(4), que
se socorreu das propriedades de um novo fármaco, a Ivabradina.
A Ivabradina (5,6) é um inibidor selectivo dos canais f nas células do
nódulo sinusal, responsáveis pelo estímulo cardíaco. A inibição dos
canais f impede a passagem da corrente iónica que origina a
propagação do potencial de acção, cujo resultado é justamente
aquele estímulo. Assim, uma inibição dos canais f, pela Ivabradina,
atrasa o tempo de despolarização diastólica e o próximo estímulo,
reduzindo portanto a FC.
O estudo BEAUTIFUL - morBidity-mortality EvAlUaTion of the IF
inhibitor ivabradine in patients with CAD and left ventricULar
dysfunction(7) - decorreu em 781 centros de 33 países e envolveu
cerca de 11.000 doentes, com cardíaca em repouso > 60 bpm. O
objectivo principal do estudo foi avaliar o efeito do fármaco na
prevenção de acidentes cardiovasculares em doentes com doença
das artérias coronárias e disfunção ventricular esquerda (fracção de
ejecção <40%). No entanto, um outro objectivo, secundário mas
importante, foi avaliar os efeitos duma FC > 70 bpm neste tipo de
doentes, em relação ao aparecimento de enfarte agudo de
miocárdio (EAM) ou à necessidade de revascularização coronária
(na população placebo). O objectivo primário combinado, procurou
analisar os resultados na perspectiva do aparecimento de morte
cardiovascular, hospitalização por EAM e hospitalização por novos
casos ou agravamento de insuficiência cardíaca, tanto no total da
população incluída (FC > 60 bpm), como separadamente no subgrupo de doentes com FC basal (no início do estudo) > 70bpm.
Durante a duração do estudo (35 meses) com uma média de
acompanhamento de 19 meses, foram avaliados 5.479 doentes que
tomaram Ivabradina e 5.438 que receberam placebo. As
características dos 2 grupos de doentes eram similares. Analisando
a distribuição de cardíaca na população no início do estudo,
observou-se que a FC média estava entre 71 e 72 bpm, sendo que
quase metade dos doentes tinha FC > 70 bpm, apesar de
maioritariamente tratados com bloqueadores adrenérgicos-ß. Aliás
pode dizer-se que a população em estudo estava bem tratada,
visto que 94% dos doentes tomavam agentes anti-trombóticos,
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
21
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 22
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
90% inibidores do sistema renina-angiotensina, 87% bloqueadores
adrenérgicos-ß e 74% estatinas. Vejamos, os pricipais resultados
do estudo(8). Em relação à análise, simplesmente, da influência da
FC na ocorrência de acidentes cardiovasculares em doentes
coronários com disfunção sistólica ventricular esquerda (critério de
inclusão no estudo) verificou-se (doentes do grupo placebo), que
os pacientes que registavam FC em repouso superior a 70 bpm
no início do estudo, tinham - relativamente aos de inferior - um
aumento de risco de ocorrência de acidentes cardiovasculares que
no caso, por exemplo, de novo enfarte de miocárdio fatal ou não
fatal, foi de 46%, atingindo 34% para a morte de causa
cardiovascular e 38% para necessidade de revascularização
coronária. Ou seja a FC, quando > 70 bpm, no tipo de população
estudada, é um factor de risco independente dos outros e deve
constituir um alvo terapêutico. Observando agora os resultados da
acção da Ivabradina (sobre a FC) quando comparada com o
placebo, verifica-se que a Ivabradina leva a uma redução média de
FC de 5 bpm. Se analisarmos separadamente o sub-grupo que no
início do estudo tinha FC > 70 bpm, então o efeito da Ivabradina
torna-se maior, quando comparado com os do placebo, registandose uma redução média de FC de 7 bpm. Neste grupo com FC > 70
bpm são bem evidentes os efeitos da Ivabradina na protecção
contra novos acidentes cardiovasculares. De facto, comparativamente aos doentes do grupo placebo, observa-se uma
redução de risco de hospitalização por EAM ou angina instável de
22%, de hospitalização devido a EAM fatal e não-fatal de 36%, e
de necessidade de revascularização coronária de 30%. Se
quisermos situar os benefícios obtidos pela Ivabradina ao nível da
prevenção de EAM fatal e não fatal, vemos que o número de
doentes que é necessário tratar (NNT) durante 1 ano, para evitar 1
acidente coronário, é de 93, contra 107 para os bloqueadores
adrenérgicos-ß, 105 para os inibidores da enzima de conversão da
angiotensina e 63 para as estatinas. Pode pois concluir-se que os
doentes com doença das artérias coronárias e má função sistólica
ventricular esquerda que tem FC > 70 bpm têm um risco
22
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
cardiovascular superior aos que têm FC menor. A FC deve ser
tomada, neste contexto, como um factor de risco. A Ivabradina
reduz os acidentes coronários em 22%, no tipo de doentes em
causa, com FC > 70 bpm, mesmo que prescrita em adição à
terapêutica convencional óptima.
Referências
1. Gilman MW, et al Am Heart J 1993; 125:1148-54
2. Diaz A, et al Eur Heart J 2005; 26:867-74
3. Kolloch et al Cur Heart J 2008 ; 29 :1327-34
4. Fox K. Lancet 1990; 335:94-96
5. Thollon C, et al, Br. J. Pharmacol 1994 ;512 :37-42
6. DiFrancesco A et al. Drugs 2004 ; 64 :1757-65
7. Fox K, et al Cardiology 2008 ;110 :271-82
8. Fox K, et al. ————— 2008
Etiopatogenia e apresentação
clínica da Febre Reumática
Auristela Ramos
• Chefe da Sessão de endocardite infecciosa e
Médica da Sessão de valvopatias do Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia do
Estado de São Paulo - Brasil.
• Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo- Brasil
1. Introdução
A Febre Reumática é uma doença que acomete cerca de 15 milhões
de cidadãos ao redor do mundo, sendo a maioria deles crianças e
adolescentes, em idade escolar. É responsável por cerca de
500.000 mortes por ano, desabilita inúmeras pessoas, em
conseqüência das lesões valvares irreversíveis, da necessidade de
várias cirurgias cardíacas e da incapacidade física, secundária ao
acidente vascular cerebral, que com frequência acomete os
pacientes com valvopatia reumática. A Febre reumática é
responsável por 60% das cardiopatias nas crianças e nos adultos
jovens. O impacto social é incalculável com altos índices de
repetência escolar e absenteísmo no trabalho por parte dos pais(1).
No Brasil, no período compreendido entre 2005 e 2007 cerca de
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 23
30.000 pacientes necessitaram internação para tratamento de
Febre reumática, contabilizando custos de 162 milhões de reais.
Dentre as cirurgias cardíacas realizadas no Brasil, 26% são para
correção de valvopatia reumática(2). Foi no início do século XX que
ocorreram as primeiras suspeitas de que a febre reumática era
precedida por uma infecção bacteriana da orofaringe e em 1930
Coburn confirmou a associação da FR com uma faringoamidalite
causada pelo Streptococcus pyogenis(3).
A faringite é a infecção mais comumente encontrada entre crianças
e adolescentes na maior parte do mundo. Estima-se que as
crianças tenham pelo menos uma infecção da orofaringe por ano.
No entanto, a grande maioria das infecções tem origem idiopática
ou viral e cerca de 5 a 10% tem origem bacteriana. Dentre as
infecções bacterianas o Streptococcus é o principal agente
etiológico. A grande maioria das faringites bacterianas é benigna,
responde bem ao tratamento antimicrobiano e não leva a
complicações. O diagnóstico é geralmente clínico, realizado por
meio de história de febre alta, adenomegalia dolorosa cervical,
coloração avermelhada da orofaringe, dor a deglutição, com ou
sem a presença de placas purulentas. Em geral a faringoamidalite
bacteriana não vem acompanhada de coriza, tosse ou rouquidão.
O diagnóstico definitivo é feito por meio da cultura da secreção da
orofaringe ou pelo Teste imunológico rápido. Contudo, a cultura
leva de 24 a 48 horas para positivar, o que pode atrasar o início
do tratamento. O teste imunológico, por sua vez, realizado com
material colhido da orofaringe detecta antígenos da parede celular
do Streptococcus e não necessita de aparato laboratorial
sofisticado. A especificidade deste método gira em torno de 85 a
100% de acordo com o kit utilizado. Por outro lado nenhum dos
testes mencionados acima diferencia uma infecção bacteriana
aguda de um portador crônico do Streptococcus(3).
Um estudo envolvendo 1860 crianças e adolescentes do Brasil, da
Croácia e do Egito com o objetivo de avaliar a acurácia do exame
físico para o diagnóstico de faringite estreptocócica, verificou que
o exame clínico isolado teve uma baixa sensibilidade, quando
comparado a cultura da orofaringe, variando entre 4,1 e 8,5% e
uma alta especificidade (93%). Do ponto de vista prático, nas
regiões com alta prevalência de FR é necessário que o método
diagnóstico para detecção de estreptococcia tenha alta
sensibilidade, para que as faringoamidalites bacterianas não
deixem de ser tratadas adequadamente(4). Logo o ideal seria a
utilização de diagnósticos mais sensíveis, como a cultura ou o teste
rápido. Dentre as crianças que tem faringoamidalite estreptocócica,
cerca de 3 a 4 % desenvolverão a febre reumática e 30 a 40% terão
lesão valvar grave.
2. Patogênese
A patogênese da Febre reumática é complexa, tem caráter
imunológico, é patologicamente significativa e clinicamente
devastadora. As evidências apontam para ocorrência de uma
resposta imune anormal, tanto humoral como celular contra o
Streptococcus‚-hemolítico do grupo A e seus componentes. Um
mimetismo molecular entre os antígenos do Streptococcus,
principalmente os epítopos da proteína–M e os tecidos humanos,
tais como as valvas cardíacas, a miosina, a tropomiosina, as
proteínas, o tecido sinovial e as cartilagens, tem sido proposto
como um fator desencadeante da autoimunidade, em indivíduos
geneticamente predispostos(5). A maior frequência da FR encontrada
entre os gémeos (homozigóticos 18,7% versus heterozigóticos
2,5%) e a presença de vários marcadores genéticos corroboram
para fortalecer as evidências da susceptibilidade genética para a
febre reumática. A associação com alguns alelos do sistema de
histocompatibilidade (HLA classe II) tem sido observada em vários
estudos. HLA-DR e DQ foram observados em países de etnias
diversas como Brasil, Turquia, Egito e Lativia. Os linfócitos T são
sensibilizados pelos antígenos do Streptococcus, ativam os
linfócitos-B que irão infiltrar o tecido cardíaco e desencadear a
lesão. Desta forma inicia-se um processo inflamatório, com
elevação da molécula de adesão VCAM-1 e interação com linfócitos
T(CD4+ e CD8+). Esta interação dá origem ao recrutamento e a
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
23
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 24
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
infiltração celular no tecido valvar, particularmente dos linfócitos T
que são os principais mediadores da lesão valvar (6,7).
3. Diagnóstico
O diagnóstico da Febre reumática baseia-se no quadro clínico
obtido por meio dos critérios de Jones revisados(4). Entre os critérios
maiores estão: a cardite, a artrite, a coréia e os nódulos
subcutâneos e entre os menores estão: a artralgia, a febre, a
alteração das provas inflamatórias e o prolongamento do intervalo
PR presente no eletrocardiograma. A associação de dois critérios
maiores, ou de um maior e dois menores, na presença de história
e exames complementares compatíveis com uma estreptococcia
previa, sugere fortemente o diagnóstico de Febre reumática. Nos
pacientes já sabidamente portadores de doença valvar cardíaca,
dois critérios menores em associação com antecedentes de
estreptococcia são suficientes para fazer o diagnóstico (1,3,8).
4. Apresentação clínica
Artrite é o sintoma mais comum, caracterizada por dor e edema das
grandes articulações, de caráter migratório e responde muito bem
aos antinflamatórios não hormonais sem deixar seqüelas. Cardite
caracteriza-se por uma pancardite, elevação da frequência cardíaca,
dor precordial, dispnéia, aparecimento de sopros e atritos
cardíacos.A repercussão hemodinâmica pode ser discreta ou levar
a franca insuficiência cardíaca congestiva. Coréia é resultado do
envolvimento do sistema nervoso central, manifesta-se por
sintomas de irritabilidade, falta de concentração, labilidade
emocional e movimentos involuntários, em um ou nos dois lados
do corpo. Mais comumente encontrado nas mulheres jovens. Pode
aparecer entre três e seis meses após a infecção da orofaringe.
Os nódulos subcutâneos (frequentemente associado com a cardite,
indolores) e o eritema marginatum (indolores, aparecem nos dorso)
são menos freqüentes. Em um hospital infantil, localizado no
Nordeste Brasileiro, numa população de 133 crianças, com idades
entre 3 e 16 anos, internadas com diagnóstico de FR, observou-se
24
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
que a cardite isolada foi o principal motivo da internação, seguida
pela cardite e artrite, pela artrite isolada e pela coréia.
Meira et al (9) ao acompanharem 258 crianças com diagnóstico de
FR, por um período de dois a 15 anos, observaram que cerca de
70% delas evoluíram com seqüela cardíaca, das quais 16% ficaram
com lesão grave.
Ao analisarem os preditores para
desenvolvimento de lesão valvar grave observaram que: a baixa
escolaridade da mãe da criança portadora de FR (período escolar
inferior a quatro anos, p=0,0066, IC=1,46-10,47), a recorrência da
febre reumática (p=0,0006, IC=2,21-18,02), a presença de cardite
moderada a grave (p<0,0001, IC=6,26-43,08) e a associação da
baixa escolaridade da mãe com a recorrência da FR (p=0,0351,
IC=0,06-0,9) foram os fatores preditivos de maior impacto na
gravidade da lesão cardíaca.
5. Exames complementares
Não há provas laboratoriais específicas para confirmar o
diagnóstico de febre reumática. Na fase aguda os exames se
destinam a comprovar a existência de uma infecção estreptocócica
recente e a presença de um processo inflamatório. A cultura de
orofaringe fornece pouca informação, visto que, só é positiva em
25% dos casos. Entretanto, os testes que avaliam a presença de
anticorpos antiestreptocócicos são de grande utilidade. A
antiestreptolisina O está elevada na grande maioria dos casos.
Antiestreptoquinase, antihialuronidase, antidesoxirribonuclease A e
B também podem ser pesquisados. O processo inflamatório é
confirmado pela elevação do número de leucócitos, velocidade de
hemossedimentação, mucoproteínas e proteína C reativa (1,3).
Radiografia de tórax, eletrocardiograma e Doppler-ecocardiograma
devem fazer parte da avaliação do paciente com quadro de febre
reumática. O ecocardiograma é mais sensível do que o exame
clínico para detecção da doença valvar reumática, aumentado em
10 vezes a prevalência da valvopatia(10).
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 25
6. Tratamento
O tratamento da Febre reumática baseia-se na erradicação do
Streptococcus, ou seja, na profilaxia primária, no alívio dos
sintomas inflamatórios, no tratamento da insuficiência cardíaca, no
acompanhamento da criança e da sua família, com melhorias nas
condições sócio-econômicas e culturais e na garantia da profilaxia
secundária. A penicilina Benzatina é o antimicrobiano mais
recomendado, tanto para profilaxia primária como para a
secundária, em razão de sua comprovada eficácia bacteriológica,
seu espectro de atividade contra o Streptococcus, por ser dose
única intramuscular e por ser uma medicação de baixo custo. Para
tratamento da faringite a recomendação é de uma injeção
intramuscular profunda, dose única de 600.000U para as crianças
com peso inferior a 25Kg e 1.200.000U para aquelas com mais de
25 Kg, caso o paciente não aceite a aplicação da penicilina por via
intramuscular, pode ser prescrita a Penicilina V oral, 250 a 500mg
de acordo com o peso, três vezes ao dia, por um período de 10
dias. Se houver história de alergia à penicilina recomenda-se
Eritromicina ou Azitromicina (1,3,11,12,13).
A artrite responde bem aos analgésicos e antinflamatórios não-hormonais. A cardite deve ser tratada com repouso relativo,
restrição hídrica e salina, tratamento convencional da insuficiência
cardíaca, diurético, inibidores de enzima de conversão. Embora os
benefícios dos corticoesteróides para tratamento da cardite não
tenham sido comprovados por meio de estudos clínicos
randomizados, estes continuam sendo recomendados por uma
grande parcela da comunidade médica que lida com febre
reumática aguda. A prednisona pode ser prescrita na dose de 1 a 2
mg/Kg dia por duas semanas, com redução gradual, em torno de
25% da dose por semana, de modo que o tratamento dure cerca
de três meses (1,3,11).
intramuscular parece ser mais eficaz do que a oral, bem como o
regime de aplicação a cada três semanas(15). Nos casos de febre
reumática sem cardite a profilaxia deve ser mantida por um período
de cinco anos após o último surto da doença ou até a criança
completar 18 anos de idade. Nos casos em que houve cardite,
porém não houve lesão valvar permanente, a profilaxia deve ser
estendida por 10 anos após o último surto ou até que o paciente
complete 25 anos de idade. Sempre deve-se dar preferência ao
maior tempo possível de profilaxia. Nos pacientes que ficaram com
doença cardíaca reumática, ou seja, com lesão valvar permanente
a profilaxia deve ser prolongada até pelo menos os 40 anos de
idade (1,3,11,12,14,15).
Bibliografia
1. World Health Organization. Rheumatic Fever and Rheumatic heart disease. Geneve. WHO expert consultation,
2004 (WHO Technical Report Series-923).
2. Ministério da Saúde. Assessoria Tecnica-Gerencial. DATASUS/FNS/MS. WWW.datasus.gov.br
3. Dajani A, Taubert K, Ferrieri P, Peter G, Shulman S and the Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis and
Kawasaki disease of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, the American Heart Association.
Treatment of acute Streptococcal pharyngitis and prevention of Rheumatic Fever: A Statement for health
prefessionals. Pediatrics. 1985;96:758
4. Rimoin et al. Evaluation of the WHO clinical decision rule for streptococcal pharyngitis. Archives of Disease
in Childhood 2005;90:1066
5. Guilherme L, Fae KC, Tanaka AC, Binotto MA, Kalil J. Doença Reumática. In: Lesões das valvas cardíacas, do
diagnóstico ao tratamento. Meneghelo ZM, Ramos AIO. Atheneu 2007. Capitulo 3:27.
6. Guilherme L, Kalil J. Role of autoimmunity in rheumatic fever. Future Rheumatol 2008;3:161.
7. Guilherme L, Kalil J, Cunningham M. Molecular mimicry in the autoimmune pathogenesis of rheumatic heart
disease. Autoimmunity 2006;39:31.
8. Special writing group of the Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis and Kawasaki Disease of the
Council on Cardiovascular Disease in the Young of the American Heart Association. Guidelines for the
Diagnosis of Rheumatic Fever Jones Criteria 1992 Update. JAMA, 1992;268:2069-2073.
9. Meira ZM, Goulart EM, Colosimo EA, Mota CC. Long-term follow-up of rheumatic fever and predictors of
severe rheumatic valvar disease in Brazilian children and adolescents. Heart 2005;91:1019
10. Marijon E, Ou P, Celermajer DS, Ferreira B, Mocumbi AO et al. Prevalence of Rheumatic heart disease detected
by echocardiographic screening. N Engl J Med 2007; 357:470.
11. Bonow, RO, Carabello, BA, Chatterjee, K, et al. ACC/AHA 2006 guidelines for the management of patients
with valvular heart disease. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task
Force on Practice Guidelines (Writing committee to revise the 1998 guidelines for the management of
patients with valvular heart disease). J Am Coll Cardiol 2006; 48:e1.
12. Mayosi BM. Protocols for antibiotic use in primary and secondary prevention of rheumatic fever. S Afr Med
J 2006;96:240.
13. Massel,BF, Chute CG, Walker AM, Kurland GS. Penicilin and the marked decrease in morbidity and mortality
from rheumatic fever in the United State. N Engl J Med 1988;318:280-6.
14. Lue H, Wu M, Wang J, Wu F, Wu Y. Long-term outcome of patients with rheumatic fever receiving benzathine
penicilin G prophylaxis every three weeks versus every four weeks. J Pediatr 1994;125:812-6.
15. Manyemba J, Mayosi BM. Penicilin for secondary prevention of rheumatic Fever (Cochrane Review). In: The
Cochrane Library, issue 2, 2008. Oxford. Update Software.
7.Profilaxia:
Para a profilaxia secundária recomendam-se as dosagens descritas
acima, aplicadas a cada três ou quatro semanas. A penicilina
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
25
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 26
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Fibrilação Auricular, Ritmo e Prevenção do
Tromboembolismo
Rui Fernando Ramos
• Diretor de saúde cardiovascular da
Sociedade Brasileira de cardiologia
• Médico responsável pela Unidade Coronária
do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum nos Estados Unidos.
Sua prevalência aumenta com a idade, ocorrendo em 3,8% das
pessoas com até 60 anos e em 9% das pessoas com idade acima
de 80 anos(1).Pode ser classificada em paroxística, persistente ou
permanente. A fibrilação atrial paroxística é aquela que reverte
espontaneamente em menos de sete dias, usualmente em menos
de 24hs. A fibrilação atrial persistente requer a cardioversão elétrica
ou farmacológica ou tem duração superior a sete dias. A fibrilação
atrial permanente é aquela na qual nunca foi tentada a
cardioversão ou a mesma foi sem sucesso e tem duração superior
a 12 meses(2). Esta classificação se aplica a episódios da FA com
mais de 30 segundos de duração e não relacionadas a uma causa
reversível. Se a fibrilação atrial é secundária a cirurgia cardíaca,
pericardite, infarto do miocárdio, hipertireodismo, embolismo
pulmonar, ou outras causas reversíveis, o tratamento deve também
ser dirigido para a doença de base. As causas de FA podem ser
cardíacas e não cardíacas como demonstrado no quadro anexo
(slide 6).
“Lone fibrillation” é a FA que ocorre em pacientes sem lesão
estrutural cardíaca, usualmente em indivíduos abaixo de 60 anos e
apresenta baixo risco de tromboembolismo e morte(6).
Tratamento
O tratamento da fibrilação atrial contempla quatro objetivos
principais:
• Controle do ritmo, que consiste na reversão da FA para o ritmo
sinusal, seguido da sua manutenção.
• Controle da frequência cardíaca, que consiste na
administração de medicamentos para controlar a
frequência ventricular em pacientes com FA crônica.
• Alívio dos sintomas
• Prevenção do tromboembolismo sistêmico
26
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
Controle do Ritmo:
O controle do ritmo da FA pode ser obtido por a cardioversão
elétrica externa sincronizada ou por cardioversão farmacológica. O
tempo de duração da FA é um importante fator e influencia
na decisão de reversão. Pacientes com episódios de FA com
menos de 48h de duração apresentam cerca de 60% de reversão
espontânea da FA, em 24h(3). Os pacientes com episódios de
FA com duração superior a 48h ou com duração desconhecida,
assim como os portadores de estenose mitral, pacientes com
antecedentes de tromboembolismo, mesmo com duração inferior
a 48hs, podem apresentar trombo atrial e devem ser
anticoagulados antes de serem submetidos à uma terapia de
reversão do ritmo. A reversão do ritmo deve ser postergada e o
paciente anticoagulado apropriadamente, mantendo uma Relação
Normatizada Internacional (RNI ) entre 2.0 e 3.0, por um período
de 4 semanas pré reversão do ritmo e por mais quatro semanas
após reversão devido o risco similar de tromboembolismo neste
período(2,4). O sucesso da cardioversão elétrica é de 75% a 93% e
este índice pode ser maior quando se administram antiarrítmicos antes de sua realização. O sucesso da cardioversão
farmacológica varia com o agente utilizado e está em torno de 50%
após 1 a 5h (4). Vários antiarrítmicos são comprovadamente mais
efetivos que placebo para reverter o ritmo, com um índice de
sucesso que varia entre 30 e 60%(5).
A eficácia da reversão do ritmo com o ibutilide, flecainamida,
dofetelide, propafenona e amiodarona foi evidenciada em estudos
randomizados e já está bem estabelecida(2). Por outro lado, os
grandes estudos que avaliaram o benefício do controle do ritmo
versus controle de frequência, mostraram que não houve nenhum
beneficio no braço de controle do ritmo. Não houve diferença em
relação à mortalidade, acidente vascular cerebral, insuficiência
cardíaca e sangramento(2,6,7,8). Vale ressaltar que os resultados dos
estudos são mais aplicáveis em pacientes idosos, pois a idade
média dos pacientes randomizados nos estudos AFFIRM(6) e RACE(7)
foi de 70 e 68 anos respectivamente. Em pacientes jovens,
sintomáticos, sem doença estrutural cardíaca, a reversão para o
ritmo sinusal deve ser tentada(2). Após a cardioversão, quando não
é prescrito antiarritmicos, a manutenção do ritmo sinusal ao final
de um ano é de 20 a 30%. Probabilidade do paciente permanecer
em ritmo sinusal é maior quando os pacientes tem FA de curta
duração (inferior a um ano), quando o diâmetro de átrio esquerdo
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 27
é normal e quando a FA é secundária a hipotireoidismo,
pericardites, embolia pulmonar e cirurgia cardíaca(9). A droga de
escolha para manutenção do ritmo sinusal varia conforme o quadro
clinico. A flecainamida e a propafenona podem ser empregadas
em pacientes com doença cardíaca mínima. A amiodarona é
significantemente superior aos outros medicamentos na
manutenção do ritmo sinusal, mas devido aos seus efeitos
colaterais deve ser reservada para os pacientes com insuficiência
cardíaca, disfunção sistólica moderada a grave ou hipertensão
arterial com hipertrofia ventricular esquerda(2).
Controle da em pacientes com FA crónica
O controle da frequência cardíaca previne a instabilidade
hemodinâmica, os sintomas de palpitação, ICC, angina, baixa
capacidade de exercício e evita a taquicardiomiopatia. Considera-se
controle ideal da frequência cardíaca quando esta se mantém entre
60 e 80 batimentos/minuto em repouso e 90 a 115 durante o
exercício(2). As medicações mais utilizadas para retardar a condução
atrioventricular são os betabloqueadores, os bloqueadores dos
canais de cálcio e nos pacientes com insuficiência cardíaca os
digitálicos. Os betabloqueadores são os mais efetivos,
especialmente em estados hiperadrenérgicos(9). O controle da
frequência é adequado em mais de 80% dos pacientes.
Os bloqueadores dos canais de cálcio devem ser preferidos em
pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. A digoxina não
reduz a frequência cardíaca durante o exercício e por isto dever ser
utilizada como terceira opção. É a droga de escolha em pacientes
sedentários(2).
Controle do ritmo versus
No passado a reversão para o ritmo sinusal era a conduta preferida.
Após os estudos AFFIRM (6) e RACE (7) se observou que os eventos
embólicos ocorrem na mesma frequência, independentemente da
reversão ou do ritmo da FA. Ocorre nos pacientes inadequadamente
anticoagulados e naqueles que suspenderam a anticoagulação.
O
(8)
controle da frequência é preferida na maioria dos pacientes . A
reversão para ritmo sinusal deve ser considerada quando os
sintomas persistem apesar do controle adequado da frequência
cardíaca e nos pacientes jovens com primeiro episódio da FA, de
início recente e com baixa probabilidade de recorrência(8).
Procedimentos não faramacológicos
Existem várias alternativas para manutenção ao ritmo sinusal em
pacientes refratários ao tratamento convencional. Dentre eles o
isolamento das veias pulmonares com cateter de radiofreqüência,
a cirurgia, a ablação do nó sinusal com implante de marcapasso
definitivo(2).
Anticoagulação
A anticoagulação para prevenir a embolização sistêmica é
necessária em duas situações: antes e após a cardioversão química
ou elétrica e nos pacientes com FA permanente.
Todos pacientes com FA de duração superior a 48h ou tempo de
duração desconhecidos devem ser anticoagulados no mínimo por
quatro semanas antes da cardioversão. Este procedimento
também é indicado em portadores de estenose mitral,
tromboembolismo prévio(10).
Cerca de 85% dos trombos do átrio esquerdo se resolvem em
quatro semanas de anticoagulação(10).
A RNI deve estar na faixa terapêutica variando entre 2.0 e 3.0 e
deve-se ter certeza o seu valor manteve-se acima de 2.0 por mais
de quatro semanas.
Após a cardioversão é recomendado manter a anticoagulação na
faixa adequada por mais quatro semanas. Mas cerca de 50% dos
pacientes cardiovertidos apresentam FA recorrente, o que justifica
mantê-los em regime de anticoagulação indefinidamente se forem
de alto risco para formação de trombo(2).
Em pacientes com FA crônica a incidência de acidente vascular
cerebral (AVC) é de 3 a 5% ao ano na ausência de anticoagulação
adequada. A incidência de AVC é baixa em pacientes abaixo de 75
anos sem fatores de risco. Aumenta consideravelmente em
pacientes acima de 75 anos , principalmente naqueles com ICC,
hipertensão arterial, diabetes mellitus e AVC prévio11.
Existem vários modelos para estratificação de risco em pacientes
com FA. Atualmente o escore CHADS 2 é o mais validado e
utilizado(12). Pacientes com escore CHADS 2 igual a zero são de
baixo risco para AVC isquêmico ou embolia periférica (0,5%/ano) e
podem ser tratados com aspirina. Pacientes com escore CHADS 2
maior do que três são de alto risco para os eventos (5.3 a
6,9%/ano) e devem ser anticoagulados, respeitando-se as
contraindicações para o uso de anticoagulante oral. Pacientes com
CHADS 2 de um ou dois são de risco intermediário para o evento
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
27
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 28
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
(1.5 a 2.5%/ano). Neste grupo a escolha entre anticoagulação e
aspirina depende de muitos fatores e da preferência dos pacientes.
A RNI entre 2.0 e 3.0 é recomendada para todos os pacientes com
FA. Nos paciente de alto risco a faixa recomendada deve estar entre
2.5 a 3.5 (tromboembolismo prévio, doença cardíaca reumática
prótese valvar). Nos pacientes com idade superior a 75 anos e com
risco aumentado de sangramento, recomenda-se deixar o RNI entre
1.8 e 2.0 (2). Além da anticoagulação, o tratamento da hipertensão
arterial sistêmica, compensação da insuficiência cardíaca
congestiva se faz necessária nestes pacientes. Os inibidores de
enzima de conversão também parecem ter um papel na prevenção
da recorrência e da FA (2).
Bibliografia
1. Go A , Hylek E, Phillips K, et al .Prevalence of diagnosed atrial fibrillation in adults: national implications for
rhythm management and stroke prevention. The anticoagulation and risk factors in atrial fibrillation study.
JAMA 2001; 285: 2370-5.
2. Fuster V, Ryden LE, Cannon DS et al. ACC/AHA/ESC 2006 Guidelines for the Management of patients with
atrial fibrillation. A Report of the American College of Cardiology/ American Heart Association Task Force on
Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines. J Am Coll
Cardiol 2006; 48: 1493. Nacarelli GV, Wolbrette DL, Bhattal et al. A review of clinical trials assessing the efficacy and safety of newer
antiarrhythmic drugs in atrial fibrillation. J Interv Card Electroplysial 2003; 9: 215- 22.
4. Nattel S, Lionel HO. Controversies em atrial fibrillation Lancet 2006: 367: 262-72.
5. Nichlol G, MC Alister F, Pham B et al. Meta-analysis of randomized controlled trials of the effectiveness of
antiarrhythmic agents at promoting sinus rhythm in patient with atrial fibrillation. Heart 2002 87 35.
6. Wyse 1G, Waldo SP, Dimarco JM et al. A comparison of rate control and rhythm control in patients with atrial
fibrillation. N Eng J med 2002; 347: 1825-33.
7. Van Gilder I, Hagens V, Boshev M et al. A comparison rate control and rhythm control in patients with
recurrent persistent atrial fibrillation . N Engl J Med 2002; 347: 1834-40
8. Macnamara RL, Tamarg LS, Segal JB et al Management of atrial fibrillation review of the evidence for the role
of pharmacologic ,electrical cardioversion and echocardiography.. Ann: Interm Med 2003; 139 1018.
9. Pritchett EL. Management of atrial fibrillation N Eng J Med 1992; 326: 1264
10. Collins J, Silverman DI, Douglas PS et al. Cardioversion of nonrheumatic atrial fibrillation.Reduced
thromboembolic complications with 4 weeks of pré cardioversion anticoagulation at the time of
cardioversion .Circulation 1995;92:16011. Hart RG, Pearce LA, Rothbart RM et al. Stroke with intermitent atrial fibrillation :incidence and predictors
during aspirin therapy.Stroke Prevention in Atrial Fibrillation Investigators. J AM Coll Cardiol 200, 35:183
12. Gage BF, Waterman AD, Shamon W et al.Validation of clinical classification schemes for predicting stroke
results from thr National Registry of Atrial Fibrillation .JAMA 2001,285: 2864
A doenca fibrocalcificante do idoso
- importância do aperto valvular
Auristela Isabel de Oliveira Ramos
• Chefe da Sessão de endocardite infecciosa e
Médica da Sessão de valvopatias do Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia do
Estado de São Paulo - Brasil.
• Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo- Brasil
1. Introdução
Existem pelo menos três causas de estenose aórtica, a saber,
doença congênita (valva aórtica bicúspide), degenerativa
(calcificação dos folhetos) e doença valvar reumática. A estenose
aórtica degenerativa, ou doença fibrocalcificante, é a lesão mais
comum na população idosa (1,2). Os resultados do Helsink Aging
Study (3)., o qual envolveu 501 pacientes com idade entre 75 e 86
anos, demonstraram que a prevalência da estenose aórtica, pelo
menos moderada, encontrada nesta população foi 5%.
A prevalência de estenose aórtica grave aumentou acentuadamente
com a elevação da idade, sendo 1% entre os pacientes com 75
anos, 2% no grupo de pacientes com 76 anos e 6% naqueles com
86anos. Houve maior prevalência nas mulheres (8,8 versus 3,6%).
2. Etiopatogenia
A doença degenerativa pode ocorrer tanto nas valvas aórticas
bicúspides como nas tricúspides, agrava-se com a idade e
caracteriza-se por espessamento e calcificação dos folhetos.
A degeneração é decorrente do acúmulo de lipídios, de um
processo inflamatório e do depósito de cálcio. A valva tricúspide e
a pulmonar são pouco afetadas. O depósito de cálcio inicia-se na
base e se estende para a extremidade livre dos folhetos, há
depósito de nódulos de cálcio nos seios de Valsalva. As comissuras
ficam livres, ocorre fibrose, esclerose e calcificação, inicialmente
discreta, a qual se intensifica levando a distorção e a disfunção
valvar. Histologicamente trata-se de um processo inflamatório,
28
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 29
semelhante à aterosclerose coronariana (4).. Uma vez instalada a
estenose aórtica o grau de progressão da obstrução varia
marcadamente. Em geral, ocorre uma elevação anual de 7 mmHg
no gradiente transvalvar e uma queda na área valvar de 0,02 a 0,3
2
cm . Vários estudos demonstraram que a evolução da doença é
mais acelerada nos idosos, nos hipertensos, nos dislipêmicos e nos
fumantes. A progressão parece ser mais acelerada nas mulheres
2
com idade superior a 75 anos de idade (0,11cm /ano) e mais lenta
2
nos homens com idade inferior a 75 anos (0,08cm ). Outro estudo
identificou que os pacientes diabéticos, com síndrome metabólica
ou em programa de diálise tinham progressão mais acentuada da
estenose aórtica (5,6,7). Entre outros fatores de risco que podem
influenciar a progressão da estenose aórtica estão: a gravidade da
lesão, avaliada pela área valvar e pela velocidade do jato, o grau
de calcificação, a tolerância ao exercício físico, a etiologia da
estenose, hipercolesterolemia, insuficiência renal e hipercalcemia,
além do sexo masculino, o hábito de fumar e a idade (8)..
3. Fisiopatologia e quadro clínico
Quando a estenose aórtica torna-se hemodinamicamente
significativa ocorrem alterações adaptativas no ventrículo
esquerdo, caracterizadas por hipertrofia concêntrica. Esta
hipertrofia consegue manter o débito cardíaco e a tensão da
parede durante um longo período. Entretanto, com a progressão
da estenose o ventrículo esquerdo torna-se menos complacente,
elevando a pressão diastólica final e os sintomas aparecem. Em
geral, os sintomas surgem quando a área valvar se estreita, em
2
torno de 1,0cm , e o gradiente transvalvar médio eleva-se acima de
40 mmHg. Os pacientes permanecem assintomáticos durante um
longo período de tempo, e a sobrevida durante este período é
praticamente semelhante à sobrevida da população da mesma
idade e sexo. Quando os sintomas clássicos aparecem, dispnéia,
angina ou síncope a mortalidade com o tratamento clínico em
alguns anos excede os 90% (9,10). Por outro lado, a probabilidade de
um paciente com estenose valvar desenvolver sintomas em um
curto período de tempo é elevada (10,11). Um estudo envolvendo 622
pacientes com estenose aórtica grave, seguidos por um período
médio de 5,1 anos, com média de idade de 72 anos, demonstrou
que a probabilidade do indivíduo permanecer livre de troca valvar
aórtica ou morte de causa cardíaca foi de 80%, 63% e 25% em um,
dois e cinco anos, respectivamente. A probabilidade de permanecer
assintomático e sem indicação cirúrgica foi de 82%, 67% e 33%,
no mesmo período de tempo. O risco foi mais elevado nos
pacientes com obstruções mais graves (velocidade de pico ? que
4,0 m/s) e a incidência de morte súbita nos pacientes
assintomáticos foi inferior a 1%. Por esta razão, o paciente com
estenose aórtica grave deve ser avaliado sistemática e
periódicamente, com história clínica detalhada, exame físico,
eletrocardiograma, radiografia de tórax e Doppler-ecocardiograma,
para mensurar o gradiente transvalvar, a área valvar o grau de
hipertrofia e a função ventricular esquerda. O teste de esforço pode
ser realizado nos pacientes, assintomáticos, com o objetivo de
avaliar a capacidade funcional, o comportamento da pressão
arterial o aparecimento de arritmias ou de sintomas. Amato e cols.
realizaram teste de esforço em 66 pacientes com área valvar aórtica
2
entre 0.3 e 0.6cm . A sobrevida livre de eventos foi
significativamente superior nos pacientes com teste de esforço
negativo (3 de 66 pacientes com teste de esforço negativo e 33 de
45 com teste positivo tiveram eventos cardíacos ou morte)(12).
3. Tratamento
O único tratamento efetivo para aliviar os sintomas e aumentar a
sobrevida de pacientes com estenose aórtica grave é a troca
valvar(12,13,14). Nos pacientes que não aceitam a cirurgia ou que tem
risco cirúrgico muito elevado, as opções são limitadas. A valvotomia
percutânea alivia os sintomas, mas o índice de reestenose é
elevado(15). O implante de próteses por via percutânea já é uma
realidade e tem sido realizado com sucesso em alguns centros (16).
Mesmo nos pacientes idosos a intervenção cirúrgica é o tratamento
de eleição para pacientes sintomáticos com estenose aórtica.
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
29
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 30
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
A idade avançada é um preditor de mortalidade cirúrgica, a qual
varia entre 5 e 18%. Em algumas séries a mortalidade no grupo de
pacientes com idade igual ou superior a 80 anos foi
significativamente mais elevada do que no grupo entre 65 e 75
anos (14% versus 4%). A associação com cirurgia de
revascularização miocárdica ou cirurgia sobre a valva mitral elevam
ainda mais a mortalidade (17,18,19,20).
O tratamento clínico dos pacientes com estenose aórtica consiste
na prevenção de endocardite infecciosa, no controle da
dislipidemia, diabetes, na interrupção do hábito de fumar e no
controle da pressão arterial (13,14). Até o presente momento nenhum
tratamento medicamentoso específico pode alterar a história
natural da doença. Embora estudos retrospectivos com estatina
tenham sido promissores(21,22), os resultados não foram
comprovados no mais recente e prospectivo estudo SEAS(23)
(Sinvastatina and Ezetimibe in Aortic Stenosis). Este estudo
envolveu 1873 pacientes com estenose discreta a moderada os
quais foram randomizados para sinvastatina associado à ezetimibe
versus placebo. Não foram encontradas diferenças significativas,
em um seguimento de 52 meses, em relação à morte de origem
cardiovascular, troca valvar, infarto do miocárdio, angina instável e
insuficiência coronariana. Também não houve diferença na
progressão da doença (velocidade de pico 0,62 0,61m/s/ano no
grupo placebo versus 0,61+0,59m/s/ano no grupo medicação).
O papel dos inibidores da angiotensina em retardar a progressão
da calcificação dos folhetos também não está comprovado (24).
A decisão terapêutica no idoso com estenose aórtica deve ser
individualizada, levando-se em consideração a gravidade da
doença, as comorbidades associadas, a expectativa de vida, a
mortalidade cirúrgica e principalmente o desejo do próprio
paciente.
30
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
Bibliografia
1. Spencer, G. US bureau of the census: Projections of the population of the United States, by age, sex and
race: 1988 to 2080. Current Population 1989. p.1018.
2. Lung, B, Baron, G, Butchart, EG, et al. A prospective survey of patients with valvular heart disease in Europe:
The Euro Heart Survey on Valvular Heart Disease. Eur Heart J 2003; 24:1231.
3. Lindroos, M, Kupari, M, Heikkila, J, et al. Prevalence of aortic valve abnormalities in the elderly: an
echocardiographic study of a random population sample. J Am Coll Cardiol 1993; 21:1220.
4. Stewart, BF, Siscovick, D, Lind, BK, et al. Clinical factors associated with calcific aortic valve disease.
Cardiovascular Health Study. J Am Coll Cardiol 1997; 29:630.
5. Otto CM; Burwash IG; Legget ME; Munt BI; Fujioka M; Healy NL; Kraft CD; Miyake-Hull CY; Schwaegler RG.
Prospective study of asymptomatic valvular aortic stenosis. Clinical, echocardiographic, and exercise
predictors of outcome. Circulation 1997 May 6;95(9):2262-70.
6. Rosenhek R; Binder T; Porenta G; Lang I; Christ G; Schemper M; Maurer G; Baumgartner H. Predictors of
outcome in severe, asymptomatic aortic stenosis. N Engl J Med 2000 Aug 31;343(9):611-7.
7. Palta S; Pai AM; Gill KS; Pai RG. New insights into the progression of aortic stenosis: implications for
secondary prevention. Circulation 2000 May 30;101(21):2497-502
8. Freeman RV; Otto CM. Spectrum of calcific aortic valve disease: pathogenesis, disease progression, and
treatment strategies. Circulation 2005 Jun 21;111(24):3316-26.
9. Chizner MA; Pearle DL; deLeon AC Jr. The natural history of aortic stenosis in adults. Am Heart J 1980
Apr;99(4):419-24.
10. Pellikka PA; Sarano ME; Nishimura RA; Malouf JF; Bailey KR; Scott CG; Barnes ME. Outcome of 622 adults
with asymptomatic hemodynamically significant aortic stenosis during, prolonged follow-up. Circulation 2005
Jun 21;111(24):3290-5. Epub 2005 Jun 13.
11. Rosenhek R; Binder T; Porenta G; Lang I; Christ G; Schemper M; Maurer G; Baumgartner H. Predictors of
outcome in severe, asymptomatic aortic stenosis. N Engl J Med 2000 Aug 31;343(9):611-7.
12. Amato MC; Moffa PJ; Werner KE; Ramires JA. Treatment decision in asymptomatic aortic valve stenosis: role
of exercise testing. Heart 2001 Oct;86(4):381-6.
13. Vahanian, A, Baumgartner, H, Bax, J, et al. Guidelines on the management of valvular heart disease: The Task
Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology. Eur Heart J 2007;
28:230.
14. Bonow, RO, Carabello, BA, Chatterjee, K, et al. ACC/AHA 2006 guidelines for the management of patients
with valvular heart disease. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task
Force on Practice Guidelines (Writing committee to revise the 1998 guidelines for the management of
patients with valvular heart disease). J Am Coll Cardiol 2006; 48:e1.
15. Eltchaninoff H; Cribier A; Tron C; Anselme F; Koning R; Soyer R; Letac B. Balloon aortic valvuloplasty in elderly
patients at high risk for surgery, or inoperable. Immediate and mid-term results. Eur Heart J 1995
Aug;16(8):1079-84.
16. Eberhard Grube, MD; Jean C. Laborde, MD; Ulrich Gerckens, MD; Thomas Felderhoff, MD; Barthel Sauren, MD;
Lutz Buellesfeld, MD; Ralf Mueller, MD; Maurizio Menichelli, MD; Thomas Schmidt, MD; Bernfried Zickmann,
MD; Stein Iversen, ; Gregg W. Stone, MD. Percutaneous Implantation of the CoreValve Self-Expanding Valve
Prosthesis in High-Risk Patients With Aortic Valve Disease. Circulation 2006,114:1616-24
17. Asimakopoulos G; Edwards MB; Taylor KM. Aortic valve replacement in patients 80 years of age and older:
survival and cause of death based on 1100 cases: collective results from the UK Heart Valve Registry.
Circulation 1997 Nov 18;96(10):3403-8.
18. Kvidal P; Bergstrom R; Horte LG; Stahle E. Observed and relative survival after aortic valve replacement. J
Am Coll Cardiol 2000 Mar 1;35(3):747-56.
19. Olsson M; Granstrom L; Lindblom D; Rosenqvist M; Ryden L. Aortic valve replacement in octogenarians with
aortic stenosis: a case-control study. Am Coll Cardiol 1992 Dec;20(7):1512-6.
20. Elayda MA; Hall RJ; Reul RM; Alonzo DM; Gillette N; Reul GJ Jr; Cooley DA. Aortic valve replacement in patients
80 years and older. Operative risks and long-term results. Circulation 1993 Nov;88(5 Pt 2):II11-6.
21. Cowell SJ; Newby DE; Prescott RJ; Bloomfield P; Reid J; Northridge DB; Boon NA. A randomized trial of
intensive lipid-lowering therapy in calcific aortic stenosis. N Engl J Med 2005 Jun 9;352(23):2389-97.
22. Moura LM; Ramos SF; Zamorano JL; Barros IM; Azevedo LF; Rocha-Goncalves F; Rajamannan NM.
Rosuvastatin affecting aortic valve endothelium to slow the progression of aortic stenosis. J Am Coll Cardiol.
2007 Feb 6;49(5):554-61. Epub 2007 Jan 22.
23. Rossebø, AB, Pedersen, TR, Boman, K, et al. Intensive lipid lowering with simvastatin and ezetimibe in aortic
stenosis. N Engl J Med 2008; 359:1343-1356.
24. O’Brien KD; Probstfield JL; Caulfield MT; Nasir K; Takasu J; Shavelle DM; Wu AH; Zhao XQ; Budoff MJ.
Angiotensin-converting enzyme inhibitors and change in aortic valve calcium. Arch Intern Med 2005 Apr
25;165(8):858-62.
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 31
Indicações para a cirurgia valvular
Manuel J Antunes
A doença valvular é ainda uma das mais frequentes situações
patológicas em cardiologia e a sua evolução progressiva conduz
normalmente à necessidade de cirurgia. Esta assume
frequentemente a forma de substituição da válvula por uma
prótese. No entanto, as complicações das próteses, tanto
biológicas como mecânicas fazem com que a substituição valvular
seja a troca de uma doença por outra, a doença protésica, embora
esta possa ser mais controlável do que a doença valvular nativa.
Complicações das próteses
A obstrução trombótica, mais frequente nas próteses mecânicas
mas também observada nas próteses biológicas, a obstrução por
pannus, a degradação das válvulas biológicas, as fugas peri-protésicas e a disfunção estruturais são complicações graves da
substituição valvular. As próteses mecânicas são ainda as mais
utilizadas mas obrigam à anticoagulação permanente. Esta é difícil
de controlar e obriga à manutenção de um balanço muito estreito
entre a trombose e os fenómenos hemorrágicos. A trombose
protésica das válvulas mecânicas ocorre com uma incidência de 0,5
- 1,2% por doente e por ano e é fatal em cerca de 2/3 dos casos.
Embora mais frequente com as próteses de disco antigas, é
também frequentemente observada nas próteses modernas de 2ª
e 3ª geração. É mais frequente na posição mitral que na aórtica e
obriga geralmente à substituição protésica de emergência, mas a
remoção do coágulo e a trombólise médica podem também ser
opções a considerar. No caso das válvulas biológicas, a degradação
é a complicação mais frequente, resulta da degenerescência dos
tecidos biológicos de que é feita a válvula e da deposição de
cálcio, provavelmente resultante do tratamento a que estes tecidos
são submetidos para lhes abolir a sua capacidade imunogénica. A
incidência da degradação biológica varia entre 0,5 e 5% por doente
por ano, muito mais acelerada nos jovens o que torna proibitiva a
sua utilização nestes doentes. Está também aumentada nas
situações com metabolismo de cálcio acelerado, como é o caso na
gravidez e na insuficiência renal. Pode originar situações de
urgência resultantes da rotura de cúspides, com regurgitação
severa, e o tratamento é a substituição. Em ambos os casos, a
reoperação comporta riscos significativos de mortalidade e
morbilidade. Uma complicação comum às duas válvulas é a
endocardite protésica que pode ser precoce ou tardia, sendo a
primeira resultante de infecção peri-operatória e ocorrendo no
primeiro ano após a implantação. A incidência é de 1 - 4% e tem
uma mortalidade elevada com a terapêutica médica apenas, pelo
que geralmente requer cirurgia, especialmente nos casos em que
há desenvolvimento de fuga peri-protésica. A gravidade da infecção
depende também do agente patogénico e as infecções por
estafilococos e por fungos têm piores resultados. O problema
nestas circunstâncias é o da recorrência frequente que leva à
necessidade de múltiplas reoperações, cada uma com o seu grau
de morbilidade e mortalidade.
Selecção da prótese
A escolha de prótese depende de vários factores; normalmente as
próteses mecânicas são utilizadas nos doentes com idades
inferiores a 65 - 70 anos e com uma expectativa de vida
prolongada. A indicação põe-se especialmente nos doentes que
necessitam de anticoagulação por outras causas, uma vez que,
nestas circunstâncias, a utilização de uma prótese biológica não
traz vantagens significativas. Por outro lado, a indicação para a
prótese biológica é geralmente relacionada com a impossibilidade
ou dificuldade de uma anticoagulação de boa qualidade ou durante
a reoperação por trombose da prótese mecânica. Os indivíduos
mais idosos, com idades superiores a 70 - 75 anos são bons
candidatos, uma vez que, nestas circunstâncias, a expectativa de
vida dos pacientes é geralmente inferior à expectativa de
durabilidade da prótese. Duas situações podem alterar estas
indicações: tendo em conta a capacidade teratogénica da
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
31
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 32
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
anticoagulação, as próteses biológicas poderão estar indicadas na
mulher jovem em idade de procriação. Finalmente, condições
específicas do paciente e a sua própria vontade podem determinar
a implantação de válvulas biológicas em indivíduos mais jovens
que não estejam predispostos para a anticoagulação.
Valvuloplastia mitral
Por todas estas situações, a reparação da válvula, especialmente
da válvula mitral, deve ser realizada quando tecnicamente possível
e quando a experiência do cirurgião ou da equipe cirúrgica fizer
prever bons resultados a longo prazo. Várias estatísticas de
grandes séries demonstram que a sobrevivência dos doentes
sujeitos a valvuloplastia mitral é superior à dos doentes em quem
a válvula foi substituída por prótese biológica ou mecânica. No
entanto, a válvula aórtica é menos favorável à valvuloplastia, pelo
que, tendo também em conta que a incidência de complicações
das próteses aórticas é inferior à das próteses mitrais, geralmente
a plastia não é opção no caso da válvula aórtica. Os resultados da
plastia mitral são diferentes consoante o tipo de patologia. Na
patologia degenerativa, especialmente no caso de prolapso isolado
do escalope médio da valva posterior (P2) os resultados são bons
e a durabilidade a longo prazo da plastia é excelente. Já no caso
de doença reumática, a plastia é tecnicamente mais difícil e os
resultados a longo prazo são de menor qualidade. No entanto, os
resultados são superiores aos da substituição valvular, sobretudo
tendo em conta que tanto as complicações das próteses
mecânicas, como as das biológicas são mais frequentes nesta
população. A reparação mitral tem também sido utilizada nas
patologias infecciosa e isquémica, embora os resultados sejam
nestas circunstâncias ligeiramente inferiores aos observados na
patologia degenerativa.
Indicações para a cirurgia
As indicações para a cirurgia valvular são hoje bem conhecidas e
encontram-se expressas nas guidelines produzidas quer pelas
32
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
Sociedades Americanas quer pela Sociedade Europeia de
Cardiologia. Normalmente, a doença mitral, tanto a estenose como
a regurgitação severas, tem indicação cirúrgica independentemente
da sintomatologia. No entanto, subsistem algumas dúvidas sobre
a indicação imediata no caso dos doentes assintomáticos, sendo
que no caso da regurgitação mitral a indicação cirúrgica deve estar
associada à dilatação e disfunção ventricular; quando estas estão
ausentes, uma atitude expectante pode ser apropriada. Já no caso
da estenose mitral, quando esta é severa, isto é com uma área
2
inferior a 1.2cm , há indicação para tratamento. Nas últimas duas
décadas, a plastia mitral percutânea por balão tem sido utilizada
preferencialmente à cirurgia. Esta pode ser feita com alguma
simplicidade de métodos e com um baixo risco, evitando a
toracotomia ou esternotomia. Na minha experiência, contudo, os
resultados da comissurotomia mitral cirúrgica são superiores e mais
duradouros que os da comissurotomia por balão. As indicações
para a cirurgia da válvula aórtica são semelhantes às da mitral. No
2
2
2
caso da estenose aórtica severa (área <1cm ou 0,6cm /m ), todos
os doentes sintomáticos devem ser referidos para a cirurgia. Na
estenose aórtica severa assintomática a situação é um pouco
menos bem definida. Se houver disfunção significativa do
ventrículo esquerdo a indicação para a cirurgia é clara, caso
contrário uma atitude expectante pode ser justificada sendo, no
entanto, necessário um acompanhamento regular do paciente.
Finalmente, no caso da regurgitação aórtica severa sintomática, a
indicação para a cirurgia é evidente e o mesmo acontece no caso
dos doentes assintomáticos com disfunção significativa do
ventrículo esquerdo (fracção de ejecção < 50%) ou ventrículo
esquerdo dilatado (diâmetro diastólico > 70mm).
Resultados
Os resultados da cirurgia valvular tem vindo progressivamente a
melhorar. Os registos internacionais apontam para mortalidades
inferiores a 3,5% na maior parte dos casos, ligeiramente superior
no que diz respeito à válvula mitral. Durante o ano de 2008, quase
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 33
500 doentes foram sujeitos a cirurgia valvular no Centro de Cirurgia
Cardiotorácica. A mortalidade global foi de 0,6% no caso da válvula
mitral e não houve mortalidade na cirurgia valvular aórtica isolada.
A mortalidade é geralmente ligeiramente superior nos casos em
que é necessária a revascularização coronária associada, cada vez
mais frequente, especialmente na estenose aórtica do idoso.
A sobrevivência a longo prazo depende da idade do doente e é
condicionada pelas complicações relacionadas com a prótese e
pelo eventual compromisso miocárdico prévio à cirurgia. Nos casos
mais favoráveis, a sobrevivência pode ser muito semelhante à da
população normal.
Etiopatogenia da Doença
das Artérias Coronárias
Miguel Mendes
• Sociedade Portuguesa da Cardiologia
A aterosclerose que atinge a toda a árvore arterial, é marcada pela
deposição de lípidos e pela inflamação, e expressa-se
macroscopicamente por formação de estenoses do lúmen das
artérias ou de aneurismas. Embora seja uma doença sistémica
atinge preferencialmente as regiões proximais, as bifurcações e as
curvaturas das artérias cerebrais médias, carótidas, vertebrais,
coronárias, aorta e artérias dos membros inferiores, poupando
nomeadamente as artérias dos membros superiores e as mamárias
internas que podem assim ser utilizadas como bypass em cirurgia
coronária. Apesar de existirem dezenas de factores de risco
descritos, o estudo InterHeart, um estudo mundial e multicêntrico,
provou que 90% dos enfartes do miocárdio são explicados pelos
factores de risco clássicos, pela obesidade abdominal e pelo stress
psicológico, de forma uniforme nos vários continentes. Para além
dos factores predisponentes confirmou ainda o exercício físico
regular, a ingestão de frutos, vegetais e de álcool como factores
protectores para eventos coronários. A doença aterosclerótica, que
habitualmente só tinha manifestações clínicas após a quinta
década da vida e nos indivíduos do género masculino, vem
alterando a sua apresentação, atingindo indivíduos cada vez mais
jovens e do sexo feminino. É um processo progressivo, que decorre
silenciosamente ao longo de décadas até que as estenoses
atingem uma dimensão suficiente para condicionar isquémia nos
territórios a juzante, no início apenas nas situações em que se
verifica um aumento das necessidades metabólicas. Os eventos
clínicos estão habitualmente relacionados com a formação aguda
de trombos intra-arteriais que ocluem de forma súbita e total o
lúmen da artéria. A aterosclerose tem sido explicada por várias
teorias, sendo actualmente aceite a teoria inflamatória associada à
agressão por lipoproteínas. A inflamação desempenha um papel
major na arteriosclerose do coração transplantado e as
lipoproteínas na hipercolesterolemia familiar. A aterosclerose
comum é explicada pelas duas etiologias, inflamação e
lipoproteínas, com peso semelhante, depois de os ensaios clínicos
com antibióticos, que foram realizados em vários quadros clínicos
da doença coronária, terem tido resultados negativos. A associação
destes 2 componentes é sustentada por resultados positivos
obtidos em ensaios de prevenção primária e secundária com
rosuvastatina em indivíduos com níveis elevados de PCR (Jupiter,
NEJM 2008) ou com níveis de LDL e de PCR aumentados.
A disfunção endotelial, qualquer que seja a causa, é o primeiro
passo da agressão. Cria condições para a penetração do LDL,
adesão e migração de plaquetas e de monocitos para o espaço
sub-endotelial, iniciando a formação da placa aterosclerótica e
tornando o vaso mais susceptível de vasoconstrição e de ser sede
de fenómenos trombóticos. As estrias lipídicas são as lesões
iniciais, ainda reversíveis, que se observam em adolescentes e
jovens adultos em função dos factores de risco clássicos que já
estão existentes. Posteriormente observa-se progressão destas
lesões para placas ateroscleróticas que evoluem para formas
complexas com ulceração, calcificação e trombose local.
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
33
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 34
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Os eventos clínicos são devidos à formação destes trombos que se
tornam oclusivos ou quase-oclusivos, após a rotura da placa. As
placas jovens com elevado conteúdo lipídico e capa fibrosa fina,
são as mais susceptíveis de rotura, mas não são facilmente
identificáveis, mesmo com recurso aos modernos métodos de
imagem, como a ressonância magnética e a angio-TC. Apenas
métodos de investigação, como a medição da temperatura e do pH
no local da lesão têm possibilidade de o fazer. Uma vez
identificadas estas placas, é possível estabilizá-las e reduzir os
eventos clínicos, recorrendo a fármacos como as estatinas, os
inibidores da enzima de conversão da angiotensina, os
antiagregantes e os anticoagulantes.
Nova Definição do EAM
e Abordagem Treapêutica
Mário Évora
• Presidente de Associação de Cardiologia de Macau
A definição de Enfarte Agudo de Miocardio (EAM) é aceite por
consenso desde há muito, baseando-se nos sintomas, alterações
caracteristicas e dinâmicas do ECG e no doseamento seriado dos
enzimas. O desenvolvimento recente de biomarcadores mais
sensiveis e especificos (TROPONINAS) a par da evolução técnica no
campo da Imagiologia levaram a que recentemente (2007) um
documento traduzindo o consenso das mais prestigiadas
Sociedades Cientificas estabelecece novos critérios para a definição
e classificação do EAM. A nova classificação engloga ainda a
experiência vivida com as técnicas de revascularização coronária
resultando na seguinte classificação subscrita pela Sociedade
Europeia de Cardiologia (ESC), o American College of Cardiology
(ACC), American Heart Association(AHA) e a Federação Mundial de
Cardiologia (WHF).
34
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
Tipo 1
Tipo 2
Tipo 3
Tipo 4a
Tipo 4b
Tipo 5
EAM expontâneo resultante de um
evento coronário primário
EAM secundario a uma desquilibrio
na oferta-consumo de Oxigénio
Morte Subita com evidência de sinais de isquémia
ou existência de trombos recentes intra-coronários.
EAM associado à Intervenção Percutânea Coronária (PCI)
EAM associado à ocorrência de Trombose intra-“STENTS”
EAM associado à Cirurgia de Revascularização
Coronária (CABG)
Este sistema deixa de lado a velha distinção entre transmural vs
não transmural ou Enfarte com onda “Q” vs sem onda “Q”.
Este sistema também reconhece formalmente a necrose do
miocardio associada ao “PCI”ou “CABG” baseado nos níveis de
elevação dos marcadores enzimáticos estabelecidos para estas
situações. Agora, mesmo na ausência de alterções do ECG, em
presença de um Sindrome Coronário Agudo (SCA) com elevação
tipica da TROPONINA, e apenas baseado nestes dois elementos,
fica estabelecido o diagnóstico. Decorre assim que um maior
número de doentes anteriormente “excluidos” ou “não incluidos”
passam a merecer uma abordagem terapêutica mais agressiva e
eficaz. Acresce ainda salientar a importância que esta standarização
oferece na uniformidade de linguagem e critérios para os ensaios
clínicos e investigação cientifica. Pasteriormente, na discussão da
abordagem terapêutica dos Enfartes com ou seu elevação do
segmento “ST” (STEMI vs NSTEMI) foram salientadas a importância
do diagnóstico clínico, do diagnóstico diferencial e da importância
da revascularização tão imediata quanto possivel no STEMI e dos
critérios de revascularização no NSTEMI segundo a estratificação de
risco (Alto risco, Risco Intermédio e Baixo Risco) de acordo com as
recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia.
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 35
Doença das Artérias Coronárias:
como identificar os candidatos à coronariografia
Antonio Carlos Palandri Chagas
• Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia
• Professor Livre-docente de Cardiologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
• Coordenador do Laboratório de Investigação em Isquemia
Miocárdica, Unidade Clínica de Aterosclerose do Instituto
do Coração (InCor) do HC da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
• Fellow, European Society of Cardiology
• Felllow, American College of Cardiology
João Fernando Monteiro Ferreira
• Coordenador da Comissão de Título de Especialista
em Cardiologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia
• Doutor em cardiologia pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
• Unidade Clínica de Coronariopatia Crônica do Instituto
do Coração (InCor) do HC da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
• Felllow, American College of Cardiology
O desenvolvimento das técnicas de cateterismo cardíaco e
coronariografia remontam 1840, data do primeiro relato de
cateterização cardíaca experimental. A primeira colocação de cateter
no interior de um ser humano vivo foi feita em 1929 por Werner
Forsmann, sendo que a partir da década de 1940, a técnica de
passou a ser praticada de forma sistemática. Posteriormente, o
pioneirismo de Andreas Gruntzig, ao realizar a primeira angioplastia
coronária com cateter-balão em setembro de 1977, abriu novas
fronteiras no tratamento da doença coronária com a possibilidade
de intervenção minimamente invasiva. A evolução dos
equipamentos e materiais utilizados na coronariografia associado à
aquisição de conhecimento sobre o método, o transformou na mais
importante ferramenta de diagnóstico e avaliação da doença
coronária. Atualmente, com o advento dos cateteres balão e stents,
a intervenção coronária por cateter também passou a ser rotineira
na prática cardiológica. Recentemente, novos métodos de imagem
não invasivos para a avaliação da anatomia coronária vem sendo
incorporados, como por exemplo, a angiotomografia coronária.
Estes métodos proporcionam alternativas e comparações com a
coronariografia tradicional, tornando este um tema atual e
provocante. Entretanto, o cateterismo cardíaco e a coronariografia,
pelo conhecimento acumulado, acessibilidade e segurança,
permanecem como os mais importantes instrumentos de avaliação
coronária, determinando o prognóstico e a estratégia terapêutica,
sendo muitas vezes utilizados em combinação com testes não
invasivos. A identificação dos pacientes candidatos a
coronariografia está estabelecida por inúmeros estudos clínicos,
que permitiram determinar as classes de indicação deste método.
Essas informações agrupadas levaram a criação de diretrizes por
diferentes entidades médicas, entre elas, a European Society of
Cardiology, American College of Cardiology em associação com
American Heart Association e, em língua portuguesa, a Sociedade
Brasileira de Cardiologia.
O material a seguir foi destacado da Diretriz de Intervenção
Coronária e Métodos Adjuntos Diagnósticos em Cardiologia da
Sociedade Brasileira de Cardiologia, adotada por ser a mais recente
diretriz sobre o assunto (dezembro de 2008), e que está em
concordância com o conteúdo das demais normativas.
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
35
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:30 PM
Page 36
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Tabela 1
Recomendações para angiografia coronária em pacientes com angina estável
Tabela 2
Recomendações para intervenção coronária em pacientes com angina estável
36
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 37
Tabela 3
Recomendações para coronariografia e intervenção coronária em pacientes com SCA Sem Supra de ST
Tabela 4
Recomendações para intervenção coronária em pacientes com SCA Com Supra de ST
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
37
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 38
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Tabela 5
Recomendações para intervenção coronária em pacientes com SCA Com Supra de ST + Fibrinólise
Tabela 6
Recomendações para intervenção coronária em pacientes com Oclusão Coronária Crónica
Leitura Recomendada
- Portal eletrônico European Society of cardiology – statments
- Portal eletrônico American College of cardiology – statements
- Portal eletrônico Sociedade Brasilera de cardiologia – publicações/consenços-diretrizes
- Diretriz de Intervenção Coronária e Métodos Adjuntos Diagnósticos em Cardiologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Brás Cardiol.2008;91(6 supl.1):1-58.
38
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 39
Indicações para a cirurgia
Manuel J Antunes
A doença coronária aterosclerótica é uma das principais causas de
mortalidade no mundo ocidental. Tem como substrato anatómico a
obstrução parcial ou completa de uma ou mais das três artérias
coronárias pela placa aterosclerótica que, a partir de determinados
níveis, é geralmente irreversível e pode apenas ser tratada pela
revascularização coronária. Esta pode ser feita por métodos não
cirúrgicos, através da dilatação, com ou sem a aplicação de stents,
ou pela cirurgia de bypass aorto-coronário. O bypass aorto-coronário é efectuado através da construção de uma ponte entre
a aorta ou um dos seus ramos principais e o segmento coronário
distal à obstrução ou oclusão. É geralmente feito com condutos
venosos e/ou arteriais, a veia safena e as artérias torácicas internas
sendo os mais frequentes. As principais razões para a
revascularização são a erradicação ou a melhoria dos sintomas e
do prognóstico. Sendo evidente que nem sempre é possível
eliminar completamente a angina, parece claro que a
revascularização coronária cirúrgica tem conseguido alterar
positivamente o prognóstico da doença.
Indicações e selecção do método de revascularização
As indicações para a revascularização coronária são hoje bem
conhecidas e tanto as Sociedades Americanas como a Europeia
estabeleceram guidelines, quer para as circunstâncias de angina
estável quer para as situações agudas. As indicações genéricas
para a revascularização coronária cirúrgica incluem a estenose
significativa do tronco comum esquerdo, a estenose proximal
significativa das 3 grandes artérias coronárias, ou a estenose
significativa de 2 artérias coronárias incluindo uma estenose
significativa da artéria descendente anterior proximal. As estenoses
significativas são geralmente definidas como estenoses iguais ou
superiores a 70% dos ramos principais coronários iguais ou
superiores a 50% do tronco coronário esquerdo. No entanto,
subsistem dúvidas sobre as indicações relativas entre os dois
métodos terapêuticos, nomeadamente cirúrgico e não cirúrgico,
ainda assim parecendo cada vez mais evidente a vantagem da
cirurgia nos casos da doença do tronco comum e da doença de 3
vasos, especialmente quando há uma lesão significativa da
descendente anterior proximal. A selecção do método de
revascularização depende da morbilidade e mortalidade da
intervenção a sua probabilidade de sucesso incluindo, factores
como a adequação das lesões para a angioplastia ou para a
cirurgia; o risco de reestenose ou de oclusão do enxerto; a
capacidade de proceder a uma revascularização completa, tendo
a intervenção percutânea geralmente menor capacidade de
revascularização completa; a experiências das equipes cirúrgica e
de intervenção e a preferência do doente. A diabetes mellitus
parece reduzir a eficácia da intervenção percutânea, pelo que
os doentes diabéticos devem geralmente ser sujeitos a
revascularização cirúrgica. Deste modo, a tendência é para reservar
a intervenção percutânea para a doença de 1 ou 2 vasos não
envolvendo o tronco coronário ou a origem da artéria descendente
anterior, sobretudo se esta é dominante. A presença de disfunção
ventricular esquerda aumenta a vantagem prognóstica absoluta da
cirurgia sobre o tratamento médico em todas estas circunstâncias.
Técnica cirúrgica
Desde o principio, se verificou que os enxertos arteriais tinham
melhores resultados a longo prazo que os enxertos venosos. No
entanto, tendo em conta que a grande maioria dos doentes está
nas sétima ou oitava décadas de vida, é difícil estabelecer a
vantagem relativa entre os 2 tipos de condutos, uma vez que a
diferença de permeabilidade parece ser significativa apenas a partir
dos 15 anos após a cirurgia. Por isso, a maior parte dos cirurgiões
mantêm a utilização da artéria torácica (ou mamária) interna
esquerda para revascularizar a artéria descendente anterior e
utilizam veias para as outras artérias nos doentes com mais de 65
anos e preferem a utilização de 2 condutos arteriais, um para a
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
39
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 40
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
artéria descendente anterior e outro para a circunflexa ou seus
ramos nos doentes com menos de 65 anos. A artéria coronária
direita aparentemente não beneficia da utilização de condutos
arteriais pelo que praticamente deixou de ser utilizada a artéria
gastroepiplóica esquerda, que constituiu moda há umas décadas
atrás. Ainda assim, há grupos cirúrgicos que mantêm uma
preferência pela revascularização arterial total, em cujas
circunstâncias as artérias mamárias internas são utilizadas para
enxertos múltiplos sequenciais, utilizando-se ainda a artéria radial
para complemento. No entanto, dados bem recentes não parecem
demonstrar uma superioridade deste conduto arterial sobre os
condutos venosos.
Nalgumas circunstâncias, com doença arterial muito difusa e por
incapacidade de encontrar um local favorável para o
estabelecimento de uma ponte aorto-coronária, pode haver lugar à
utilização da endarterectomia que nas artérias coronárias não tem
tido os resultados favoráveis que se observam em ramos arteriais
de maior calibre, como as artérias carótidas e as artérias ilíacas.
Resultados
Apesar do aumento da dificuldade técnica da revascularização
cirúrgica, relacionada com o facto de que os melhores vasos e as
lesões mais fáceis são geralmente tratadas no laboratório de
hemodinâmica, a mortalidade cirúrgica tem vindo a diminuir
progressivamente. Na nossa própria experiência, com mais de 7
500 doentes que sofreram revascularização coronária isolada nas
últimas 2 décadas, a mortalidade é agora inferior a 1% e a
incidência de enfarte agudo do miocárdio peri-operatório é inferior
a 3%. Porque a doença aterosclerótica é uma doença difusa e
afecta todos os territórios arteriais, a ocorrência de AVC não é
desprezível e a sua incidência é de cerca de 2,5%.
A longo prazo, a artéria torácica interna para a artéria descendente
anterior tem uma taxa de permeabilidade muito elevada,
provavelmente superior a 90% ao fim de 10 a 15 anos. Pelo
contrário, os enxertos venosos têm uma taxa de oclusão entre 2 e
40
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
2,5% por enxerto e por ano, o que significa que ao fim de 10 anos
cerca de 25% dos enxertos estarão ocluídos. Ainda assim, parece
evidente que um enxerto de artéria torácica interna permeável para
uma artéria descendente anterior de boa qualidade é uma garantia
de sobrevivência a longo prazo, mesmo na presença de oclusão
total dos enxertos venosos para outros territórios.
Conclusão
Em conclusão, a revascularização coronária cirúrgica ainda hoje o
gold standard no tratamento da obstrução/oclusão coronária
significativa. Apesar dos progressos da intervenção percutânea,
nomeadamente após a introdução dos stents e, sobretudo, mais
recentemente, dos stents revestidos por fármacos, muitos doentes
acabam por ter que ser submetidos a revascularização cirúrgica.
Esta oferece a melhor probabilidade de uma revascularização
completa e duradoura com uma sobrevivência a longo prazo que
se aproxima da observada na população normal.
Epidemiologia da Insuficiência
Cardíaca em Portugal
Cândida Fonseca
• Hospital de S. Francisco Xavier, CHLO, Lisboa
A insuficiência cardíaca (IC) é um problema grave da Saúde
Pública; atinge proporções epidémicas.
É uma síndrome com elevada morbilidade e mortalidade,
identificada como a principal causa de internamento hospitalar
após os 65 anos, na Europa e nos Estados Unidos. Prevê-se que
a prevalência da IC possa vir a aumentar em cerca de 50 a 70%
até ao ano de 2030. É a derradeira fase da maioria das doenças
cardíacas, aspecto que, associado aos progressos terapêuticos
em geral e na área da doença das artérias coronárias em
particular e ao aumento da esperança média de vida, faz com
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 41
que a prevalência e incidência da IC continuem a aumentar. A
doença já afecta cerca de 2% da população na Europa e nos
Estados Unidos. Apesar do mau prognóstico da IC, do enorme
impacto social e económico, com custos estimados em mais de
2% do total do Orçamento para a Saúde dos Países
industrializados, os dados epidemiológicos sobre esta síndrome,
na população em geral, são escassos, tornando-se difícil
quantificar o seu real impacto. O estudo EPICA - EPidemiologia
da Insuficiência Cardíaca e Aprendizagem - avaliou a prevalência
da IC em Portugal Continental, numa amostra da população dos
utentes de 345 Centros de Saúde seleccionados aleatoriamente
em todo o País, representativa da população Portuguesa em
geral. Dos 5434 indivíduos consecutivamente incluídos no
estudo, 1058 apresentavam clínica compatível com IC. Destes
apenas 551 tinham disfunção cardíaca objectivamente
comprovada, de acordo com os critérios de Sociedade Europeia
de Cardiologia, confirmando a dificuldade do diagnóstico no
ambulatório, onde as formas ligeiras a moderadas da síndrome
predominam. A prevalência global da IC em Portugal Continental
foi de 4,36%, equivalendo a cerca de 260.000 indivíduos. A
prevalência da síndrome aumenta exponencialmente com a
idade; atinge 1% dos indivíduos até aos 59 anos e ultrapassa os
16% nos com mais de 80 (Quadro 1). O estudo EPICA incluiu
todos os doentes com IC, nomeadamente os muito idosos (dos
25 aos 99 anos), que têm maior prevalência da síndrome, quer
tivessem função sistólica deprimida (Fracção de Encurtamento <
28%) quer conservada, contrariamente à maioria dos estudos
que incluiram apenas doentes com IC por disfunção sistólica
ventricular e grupos etários seleccionados. A prevalência da IC
por disfunção sistólica ventricular foi de 1,36% e a da IC com
função sistólica conservada de 1,7%, a da IC por doença valvular
de 0,69%, da IC direita de 0,45% e por doença do péricardio de
0,04%, correspondendo a 30, 40, 16, 11 e 1% do total dos casos
de IC respectivamente. No que respeita à IC por disfunção
sistólica ventricular a prevalência é concordante com a de 1,5%
relatada por Mc Donagh no estudo MONICA e a de 1,48%
relatada por Mosterd no estudo de Roterdão (Quadro 2).
Quadro 1
Prevalência da IC em Portugal Continental por grupo etário e por
sexo .
Existem poucos estudos epidemiologicos na IC com função
sistólica conservada. São habitualmente baseados em
populações hospitalares ou análises de sub-populações incluídas
nos grandes estudos de terapêutica. Foram adoptados critérios
heterogéneos para o diagnóstico da situação e as prevalências
relatadas são muito variáveis, entre os 13 e os 75%.
Quadro 2
Prevalência da IC global (IC), com disfunção ventricular sistólica
(IC/DS), com função sistólica conservada (IC/FSC) e da disfunção
sistólica assintomática e sintomática (DS/A+S) na comunidade.
NA: não avaliado; Fej: Fracção de Ejecção; FEc: Fracção de Encurtamento.
*Critérios de diagnóstico exclusivamente clínicos
** Critérios clínicos + disfunção cardíaca por ecocardiografia.
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
41
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 42
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Vasan, num sub-estudo do Framingham Heart Study, que
adoptou os critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia para
o diagnóstico da IC, determinou que 51% dos doentes com IC
tinham a função sistólica conservada, enquanto que 49% tinham
disfunção sistólica ventricular. Este estudo, tal como o EPICA,
apoia o facto de que mais de metade dos doentes com IC
sintomática na comunidade têm a função sistólica conservada;
são mais habitualmente mulheres do que homens,
contrariamente ao que acontece na disfunção sistólica
ventricular. No que diz respeito à etiologia, a IC tem muitas
causas e factores de risco. Na população portuguesa
predominam a hipertensão arterial (66%) sobretudo nos doentes
com IC e fracção de ejecção normal, seguida da doença das
artérias coronárias (36%), mais frequente na disfunção sistólica
ventricular. A diabetes mellitus e a fibrilhação auricular estiveram
presentes em 11 e 13% dos casos respectivamente. Na população
com IC do estudo EPICA, 77,5% dos doentes estavam medicados
com diurético, 58% com enzima de conversão da angiotensina,
29% com digitálico e apenas 7% com bloqueador adrenérgico,
percentagens em tudo similares às descritas nos estudos
internacionais da mesma época, nomeadamente no
EuroHeartFailure Survey. A mortalidade por insuficiência
cardíaca, nas suas fases mais evoluídas, classe IV da NYHA,
atinge os 50% ao ano; morrem mais doentes de IC do que de
cancro da mama, do cólon, da prótasta, mais do que de todas
as neoplasias malignas em conjunto. Apesar do mau
prognóstico, do enorme impacto social e económico, a IC é uma
doença ainda mal conhecida, o que se deve fundamentalmente
às dificuldades do diagnóstico, sobretudo nas suas formas mais
precoces ou assintomáticas, na comunidade.
Referências
1. Fonseca C. Prévalence de l’insuffisance cardiaque ao Portugal. Rev Port Cardiol 1999; 18: 1151-1155.
2. Ceia F, Fonseca C, Mota T, Morais H, Matias F, de Sousa A, et al. on behalf of the EPICA Investigators.
Prevalence of chronic heart failure in Southwestern Europe: the EPICA study. Eur J Heart Fail 2002; 4:
531-539.
3. Ceia F, Fonseca C, Mota T, Morais H, Matias F, Costa C, et al. Aetiology, comorbidity and drug therapy of
chronic heart failure in the real world: the EPICA sub-study. Eur J Heart Fail 2004; 6: 801-806.
4. Cleland JGF, Cohen-Solal A, Cosín Aguillar J, et al. Management of heart failure in primary care (the
IMPROVEMENT of Heart Failure Programme ): an international survey. Lancet 2002; 360: 1631-1639.
42
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
5. Komajda M, Follath F, Swedberg K, Cleland J, Aguilar JC, Cohen-Solal A, et al. The EuroHeart Failure Survey
programme—a survey on the quality of care among patients with heart failure in Europe. Part 2:
treatment Eur Heart J 2003; 24: 464-74.
6. Cleland JGF, Swedberg K, Follath F, Komadja M, Cohen-Solal A, Aguilar JC et al. The EuroHeart failure
survey programme- a survey on he quality of care among patients with heart failure in Europe. Part 1:
patient characteristics and diagnosis. Eur Heart J 2003; 24: 442-463.
7. Mosterd A, Hoes AW, Bruyne MC, Deckerst JW, Linkert DT, Hofman A, and Grobbes DE. Prevalence of heart
failure in general population. The Rotterdam Study. Eur Heart J 1999; 20: 447-455.
8. Mc Donagh TA, Morrison CE, Lawrence A et al. Symptomatic and asymptomatic left ventricular systolic
dysfunction in an urban population. Lancet 1997; 350: 829-33.
9. Vassan RS, Benjamin EJ, Levy D. Prevalence, clinical features and prognosis of diastolic heart failure: an
epidemiological perspective. J Am Col Cardiol 1995; 26: 1565-74.
10. Fonseca C. Diagnosis of heart failure in primary care. Heart Fail Rev 2006; 11: 95-107.
Insuficiência Cardíaca
na África Sub-Sahariana
Albertino Damasceno
Falar de insuficiência Cardíaca especificamente na Africa sub-Sahariana parece à partida não se justificar, pois a etiologia e a
clinica da insuficiência cardíaca deveriam te um padrão universal.
Tal não é verdade e principalmente por 3 razões. Em primeiro
lugar, África é um Continente devastado pela pobreza, com a
maioria da população a viver com menos que 2 USD$ por dia.
As doenças infecciosas são ainda um importante peso para a
Saúde Pública dos Países Africanos. Verifica-se no entanto uma
emergência de fatores de risco das doenças não transmissíveis,
particularmente a hipertensão arterial, o consumo de tabaco, a
obesidade e a diabetes, os quais irão muito em breve
transformar completamente o padrão epidemiológico da morbimortalidade em África. A segunda razão prende-se com a
estrutura etária e com a esperança de vida da população
africana. Em meados de 2008, estimava-se que haveria cerca de
967 milhões de Africanos e que 400 milhões, ou seja 42% desta
população teria menos de 15 anos de idade. Por outro lado são
vários os Países em África em que a esperança de vida pouco
ultrapassa os 40 anos enquanto a maioria dos Países Europeus
têm uma esperança de vida de cerca de 80 anos. Em
conseqüência, África encontra-se na generalidade numa fase
mais precoce da transição epidémiológica quando comparada à
Europa e aos Estados Unidos, de onde vem a esmagadora
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 43
maioria da bibliografia médica. A patologia dominante é ainda a
infecciosa e a patologia cardíaca mais frequente é a secundária
à hipertensão arterial e a patologia valvular reumática. A
patologia aterosclerótica, dominante nos Países desenvolvidos,
só agora e apenas nas cidades começa a surgir e a sua
manifestação mais comum é ainda o acidente cerebral vascular.
Características da Insuficiência Cardíaca em África
A insuficiência cardíaca em África tem uma etiologia bastante
diferente da classicamente descrita na Europa, está relacionada
com o grau de desenvolvimento do continente e atinge
predominantemente uma população jovem. Num trabalho de
revisão publicado recentemente afirmamos que a informação
existente sobre a insuficiência cardíaca em África é pouca e
refere-se ao período pré-ecocardiografia. Numa meta-análise de
estudos publicados até 2007, Bongani Mayosi et al conseguiu
reunir uma amostra de mais de 4500 doentes oriundos de
8 Países africanos e mostrou que a hipertensão arterial é a
principal causa de insuficiência cardíaca em África (23%) seguida
das cardiomiopatias, particularmente a dilatada e da cardiopatia
reumática. A cardiopatia isquémica só contribuía para 2% das
causas de insuficiência cardíaca. Num estudo mais recente
publicado na Lancet, Karen Sliwa mostra que em cerca de 1600
novos casos de insuficiência cardíaca admitidos ao hospital de
Baragwanath em Joanesburgo, a hipertensão arterial, a
cardiopatia reumática e a cardiomiopatia dilatada são as
principais causas de internamento e a cardiopatia isquémica só
contribui com 10% dos internamentos. Assim, passaremos a
caracterizar estas entidades nosológicas e o que de novo se
conhece sobre cada uma delas.
Cardiopatia reumática
Com uma prevalencia cerca de 30 vezes superior á existente na
Europa a cardiopatia reumática é uma importante causa de
morbilidade e mortalidade na África sub-Sahariana. Sobre esta
patologia pouco mais se sabe do que se conhecia há 40 anos.
Um dos aspectos recentemente descritos liga-se ao mecanismo
da insuficiencia cardíaca que está relacionado com a dilatação
do anel da mitral, o alongamento das cordas tendíneas e o
prolapso da cuspide anterior e não com uma miocardite
reumática deitando assim por terra o mito do uso de corticoides
na fase aguda da febre reumática. Um outro artigo recente
publicado no New England Journal of Medecine, mostrou que a
ecocardiografia é cerca de 5 a 10 vezes mais sensivel que a
clinica como instrumento de determinação epidemiológica da
prevalencia da cardiopatia reumática. Este estudo mostrou que
as prevalencias reais da cardiopatia reumatica são bem
superiores as anteriores estimativas de 10 a 15/1000 devendo
estar proximas dos 30/1000 casos de cardiopatia reumática. Um
programa africano foi lançado recentemente, o ASAP que tem o
objetivo ambicioso de tentar erradicar a patologia reumatica de
África durante os proximos 30 anos.
Cardiomiopatias
Em relação as cardiomiopatias, há duas, a Cardiomiopatia Peri-Parto (CMPPP) e a Fibrose Endomiocardica (FEM) que são
particularmente importantes em África. O grupo de Joanesburgo,
tem-se dedicado ao estudo da CMPPP e tem contribuido com
nvos conhecimentos nesta área. Já em relação à FEM, um artigo
recente publicado pelo grupo da Dra. Ana Olga de Moçambique
definiu critérios ecocardiograficos para o diagnóstico desta
patologia e encontrou numa area da provincia de Inhambane em
Moçambique, usando estes critérios, uma prevalencia de cerca
de 20% de casos.
A Hipertensão Arterial e a Pericardite Tuberculosa
A hipertensão arterial é uma causa importante de insuficiencia
cardiaca,contribuindo com inumeros casos e doentes que se
apresentam com uma dilatação ventricular esquerda e disfunção
sistólica sem componente isquémico. Já em relação á pericardite
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
43
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 44
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
tuberculosa, que voltou a assumir uma importância enorme
depois do surgimento da epidemia pelo HIV, há ainda duvidas
sobre a eficácia dos corticoides na evolução desta patologia. Um
estudo multicentrico está agora em curso em vários Países
africanos tentando responder a esta pergunta.
O Futuro
África está a atravessar um período muito rápido de transição
epidemiológica e diversos estudos mostram já um aumento
explosivo da prevalencia da obesidade, da hipertensão e da
diabetes, criando assim um duplo peso económico aos ministérios
da saude Africanos. Por um lado têm que fazer face ás ainda
prevalecentes doenças infecciosas e por outro lado enfrentar o
aumento previsivel das doenças não transmissíveis com o
consequente aumento dos doentes crónicos necessitados de
periodos longos de tratamento e terapeuticas dispendiosas. Só a
prevenção primaria iniciada desde já poderá evitar o previsivel
colapso dos depauperados sistemas de saude Africanos.
Tratamento da Insuficiência
Cardíaca no ambulatório
Cândida Fonseca
Pretendemos nesta palestra sumarizar o tratamento actual da
insuficiência cardíaca (IC) crónica, por disfunção sistólica do
ventrículo esquerdo, bem estabelecido e codificado nas
Recomendações Internacionais, uma vez que o tratamento da IC
com fracção de ejecção conservada, ou por disfunção diastólica
ainda carece de grandes estudos de sobrevida, assentando
fundamentalmente no tratamento fisiopatológico da situação e da
patologia subjacente. O tratamento farmacológico optimizado da IC
crónica por disfunção sistólica ventricular, no ambulatório, tal como
é preconizado nas Recomendações Internacionais para o
44
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
tratamento da IC, consiste na prescrição de fármacos que
demonstraram, em grandes estudos aleatorizados, controlados
com placebo, melhorar a sobrevida dos doentes, associados a
outros que, apesar de não influenciarem a sobrevida, mostraram-se capazes de melhorar os sintomas e a qualidade de vida dos
doentes com IC. A associação da enzima de conversão da
angiotensina (i-ECA) e do bloqueador beta-adrenérgico é
mandatória em todas as classes da NYHA. Nos doentes mais
graves, classes III e IV, deve ser associada a espironolactona.
Excepto contra-indicação formal, todos os fármacos devem ser
administrados concomitantemente, e mas doses que mostraram ser
eficazes nos grandes estudos. A estes fármacos, deverão ser
associados diuréticos que melhoram os sintomas de ICC, sempre
que exista sobrecarga hídrica (classes II a IV da NYHA) e, caso
persistam os sintomas após a administração e correcta titulação de
todos os fármacos mencionados, digoxina que demonstrou
melhorar a morbilidade, nestas circunstâncias. Aos doentes
intolerantes ao i-ECA, ou ainda muito sintomáticos após
optimização das doses dos fármacos atráz referidos, as
Recomendações preconizam que se prescrevam antagonistas dos
receptores AT1 da angiotensina II (ARA II), baseadas nos resultados
de dois grandes estudos com ARA II no tratamento da ICC,
recentemente publicados, o CHARM e o VALLIANT. O CHARM-Added
demonstrou que a associação de candesartan ao tratamento
convencional da IC com i-ECA e bloqueador adrenérgico melhora
significativamente a morbilidade e mortalidade dos doentes. No
CHARM-Alternative o candesartan demonstrou ser uma alternativa
ao i-ECA para os doentes intolerantes a esta classe farmacológica,
proporcionando uma diminuição semelhante da mortalidade e
morbilidade. No VALLIANT, o valsartan mostrou não ser inferior ao
captopril, quanto à mortalidade cardiovascular e internamento por
IC, nos doentes com enfarte agudo do miocárdio complicado com
IC. Ambos os estudos comprovaram que os benefícios dos ARA II
são sobreponíveis nos doentes medicados com e sem bloqueadoradrenérgico, contrariamente ao que os primeiros estudos com ARA
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 45
II na IC faziam prever. Apesar dos constantes avanços na área do
tratamento da IC, a elevada morbilidade e mortalidade da síndrome
persiste, justificando os esforços na investigação de novos
fármacos e atitudes terapêuticas. Após os i-ECA, os bloqueadores
adrenérgicos e os ARA II, outros fármacos, nomeadamente
antagonistas das citoquinas, imuno-moduladores, têm vindo a ser
testados no tratamento da IC crónica sem sucesso, no que à
melhoria da sobrevida diz respeito. Em contrapartida, os grandes
estudos com dispositivos, nomeadamente com cardioversores
desfibrilhadores (CDI) e pacemaker de ressincronização cardíaca
(CRT), têm-nos proporcionado dados importantes, nos últimos
anos. Assim, os doentes com fracção de ejecção inferior a 35%,
muito sintomáticos, em classes III e IV da NYHA, sob terapêutica
farmacológica máxima, optimizada e com QRS superior ou igual a
120 mseg, têm indicação para colocação de pacemaker de
ressincronização cardíaca, idealmente com CDI, procedimentos que
demonstram prolongar a vida deste tipo de doentes.
Finalmente, e para doentes seleccionados, restam ainda alguns
procedimentos cirúrgicos benéficos, como a substituição valvular,
valvuloplastias e/ou a colocação de anel na válvula mitral,
procedimentos de revascularização miocárdica. A transplantação
cardíaca é o último recurso para o doente refractário às restantes
modalidades terapêuticas; tem Recomendações precisas. O
tratamento da comorbilidade tem merecido alguma atenção por
parte dos clínicos nos últimos anos. A comorbilidade,
nomeadamente a existência de anemia e insuficiência renal
associadas à IC, recentemente apelidada de anemia cardio-renal, é
uma situação frequente que agrava o prognóstico da síndrome.
Pequenos estudos demonstraram que o tratamento destes casos
com eritropoietina sub-cutânea e ferro endovenoso melhora os
sintomas, a qualidade de vida, a fracção de ejecção ventricular
esquerda, diminui o internamento e melhora a capacidade de
exercício dos doentes portadores da síndrome. Aguarda-se um
grande estudo aleatorizado e controlado com placebo para
confirmar estes resultados promissores (RED-HF). O tratamento da
IC crónica por disfunção sistólica ventricular no ambulatório é
assim uma politerapia prolongada, de difícil manejo, condicionada
pela tolerância do doente caso a caso, as interacções
medicamentosas e os efeitos acessórios/secundários dos diferentes
fármacos, para doentes mais habitualmente idosos com múltiplas
comorbilidades
exigindo
frequentemente
tratamento
complementar.
Referências
1. Dickstein K, Cohen-Solal A, Filippatos G et al. Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and
Chronic Heart Failure of the European Society of Cardiology. Guidelines for the diagnosis and treatment of
acute and chronic heart failure. Eur Heart J 2008; 29: 2388-2442.
2. Pfeffer MA et al. Effects of candesartan on mortality and morbidity in patients with chronic heat failure: the
CHARM-overall programme. Lancet 2003;362: 759-66.
3. Pfeffer MA et al. Valsartan, captopril or both in myocardial infarction complicated by heart failure, left
ventricular dysfunction, or both . N Eng J Med 2003; 349: 1893-906.
4. McMurray et al. Effects of candesartan in patients with chronic heat failure and reduced left-ventricular
systolic function taking angiotensin-converting-enzyme inhibitors:the CHARM-added trial. Lancet 2003;362:
767-71.
5. Granger CB et al. Effects of candesartan in patients with chronic heat failure and reduced left-ventricular
systolic function intolerant to angiotensin-converting-enzyme inhibitors:the CHARM-alternative trial. Lancet
2003;362: 772-6.
6. Wexler D et al.The importance of correction of anemia with erythropoietin and intravenous iron in severe
resistant congestive heart failure. Eur J Heart Failure 2003;2(suppl 2): 225-30.
Tratamento da Insuficiência
Cardíaca no internamento
Dulce Brito
A insuficiência cardíaca (IC) é uma causa muito frequente de
internamento hospitalar - quer a IC aguda (“de novo”), quer a
situação de agudização/descompensação de IC crónica (a mais
frequente). Com efeito, cerca de 40% dos doentes internados no
contexto desta última situação serão re-hospitalizados nos 6 meses
após a alta hospitalar, por nova descompensação. A IC crónica
sintomática afecta mais de 10 milhões de europeus - dos quais 2/3
têm disfunção sistólica ventricular esquerda - e a situação tem mau
prognóstico se o problema subjacente não puder ser rectificado,
cursando com descompensações frequentes (hospitalizações
repetidas) e taxa de mortalidade elevada (50% no prazo de 5
anos). Uma fracção importante desta população (cerca de 10 a
20%) tem IC avançada - estando funcionalmente em classe III/IV da
NYHA - a qual cursa com disfunção miocárdica e compromisso
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
45
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 46
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
hemodinâmico graves, associando-se frequentemente também
outras situações de comorbilidade (metabólicas, cerebral e renal).
Ao longo da história natural da síndrome, muitos destes doentes
desenvolverão mesmo IC refractária à terapêutica, com
manifestações persistentes de baixo débito cardíaco e de
congestão, má tolerância - por hipotensão - à terapêutica com
inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA) e
bloqueadores adrenérgicos-ß (B.ß), necessidade frequente de
terapêutica inotrópica intermitente (ou mesmo dependência desta)
e alguns doentes precisarão mesmo de transplantação cardíaca ou
de assistência mecânica ventricular. A síndrome de IC aguda ou
crónica agudizada - passando a ser ambas designadas de ora em
diante neste manuscrito por ICA - pode ser definida como “o início
rápido de sintomas e sinais secundários a disfunção cardíaca”. As
suas causas podem ser variadas, como represento nesta adaptação
pictórica e livre das Recomendações da Sociedade Europeia de
Cardiologia sobre a temática 1 (fig.1). Todas estas situações
aparentemente tão diferentes, partilham um denominador comum:
o coração está em falência “aguda” e o importante é “ajudar” o
órgão e neutralizar a causa. E a causa pode ser cardíaca ou extracardíaca e ser reversível ou induzir lesão conduzindo a insuficiência
cardíaca (IC) crónica. Frequentemente, existe um factor precipitante
sem cuja identificação e tratamento a reversibilidade do processo
pode ficar comprometida. Como referido previamente, na ICA, o
coração pode adoecer de novo, pela primeira vez, não havendo
doença cardíaca prévia conhecida. Mas, muito mais
frequentemente, o doente tem já doença cardíaca e o que existe é
uma descompensação mais ou menos súbita. Cito como exemplos
da primeira situação, um enfarte agudo de miocárdio ou um
derrame pericárdico volumoso provocando tamponamento
cardíaco, sendo exemplos da segunda situação, uma disritmia
(frequentemente a fibrilhação auricular com ventricular rápida) ou
a crise hipertensiva.
Qualquer delas pode ser o factor causal/precipitante da ICA,
descompensando quer um coração com défice contráctil ventricular
46
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
(disfunção sistólica), quer um coração com boa função contráctil
mas com disfunção diastólica. Entre os vários factores precipitantes
possíveis, são de nomear também, pela com que se nos deparam,
as infecções, a anemia, a insuficiência renal (IR) e o incumprimento
da terapêutica (quer das medidas não-farmacológicas - excesso de
ingestão sódica, por exemplo - quer mesmo da farmacológica).
No doente que recorre ao Serviço de Urgência com ICA, alguns
exames complementares de diagnóstico são fundamentais e
considerados “rotina” pois podem ajudar ao esclarecimento
diagnóstico, quer identificando a causa da síndrome e/ou o factor
precipitante imediato, quer avaliando o tipo e grau de disfunção
ventricular presentes, quer ainda identificando a existência de comorbilidades associadas, aspecto fundamental para o correcto
manejo terapêutico da IC.
Entre esses exames incluem-se a realização de ECG, radiografia do
tórax, avaliação laboratorial (função renal, hematologia, ionograma
sérico, glicemia, marcadores de necrose miocárdica e gasimetria do
sangue arterial) e ecocardiograma. A determinação dos péptídeos
natriuréticos de tipo B (BNP ou NT-proBNP) pode ser importante
quando há dúvidas de diagnóstico diferencial, sendo um bom teste
de “exclusão”.
Clinicamente, o diagnóstico de ICA assenta na existência de
manifestações de congestão (pulmonar e/ou sistémica) e/ou
decorrentes de baixo débito cardíaco, com hipotensão (e
vasoconstrição periférica com hipoperfusão tecidular), taquicardia e
oligúria (por diminuição do débito renal) - fig.2. Estas
manifestações associam-se de forma e em grau variáveis,
dependendo de vários factores. São eles: a causa da ICA e a sua
gravidade, a situação cardíaca prévia ao ” insulto”, o tipo de
disfunção ventricular predominante (sistólica ou diastólica), o(s)
factor(es) precipitante(s) e a(s) comorbilidade(s) associadas.
Assim, vários “cenários” clínicos de ICA são possíveis de ser
observados no doente que recorre ao Serviço de Urgência.
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 47
Cenários clínicos
1. O primeiro é aquele em que predominam manifestações de
congestão pulmonar (podendo existir também manifestações
de grau variável de baixo débito cardíaco, com hipotensão,
palidez/cianose, pele húmida e fria e oligúria) - fig. 3.
A dispneia e a estase pulmonar podem ser apenas de grau
ligeiro/moderado, ou ao contrário, muito grave, com edema
pulmonar agudo, existindo então grande dificuldade respiratória,
estase importante e diminuição marcada da saturação em
oxigénio do sangue arterial periférico.
O enfarte agudo de miocárdio, a disfunção valvular mitral ou
aórtica, a miocardiopatia dilatada ou mesmo causas extra-cardíacas
como a crise hipertensiva ou a insuficiência renal grave, são
exemplos de situações que assim se podem manifestar. Aliás, estas
duas últimas podem cursar com o chamado edema agudo do
pulmão em “flash” (assim designado pela sua rapidez de
instalação), cursando frequentemente com função sistólica
preservada e com níveis periféricos de BNP/NT-proBNP
“falsamente” diminuídos, por não ter decorrido ainda tempo
suficiente para a síntese ventricular da hormona. O tratamento
deste quadro clínico assenta primeiramente na administração de
vasodilatadores e de diuréticos e na correcção da hipoxémia, quer
pelo aporte de oxigénio, quer mesmo, se esta medida não for
eficaz, por apoio ventilatório (recorrendo a ventilação não-invasiva
- CPAP ou BIPAP - ou invasiva, se necessário).
2. O segundo cenário clínico é o do doente que se apresenta com
manifestações predominantemente de baixo débito cardíaco
(podendo haver ou não sinais de congestão) - fig. 4.
O quadro clínico pode ser apenas de grau ligeiro/moderado ou
ao invés existirem critérios de choque cardiogénico, com pressão
arterial sistólica < 90 mmHg, taquicardia e oligúria marcada
(débito urinário < 0,5 ml/kg/hora).
O enfarte de miocárdio, a miocardite aguda grave, a embolia
pulmonar ou o tamponamento cardíaco, são alguns exemplos de
situações que podem manifestar-se desta forma. O tratamento visa
aumentar o débito cardíaco e a oxigenação tecidular e assenta
também na administração de vasodilatadores - se a pressão
arterial o permitir - na manutenção duma oxigenação/ventilação
adequadas, na optimização da pré-carga (se necessário pela
administração de fluidos) e no suporte inotrópico, recorrendo
inicialmente a fármacos com esta propriedade.
Noutro “patamar” de intervenção e dependendo da resposta do
doente à terapêutica, poderá mesmo ser necessário suporte
inotrópico com balão intra-aórtico. Nas situações de choque,
naturalmente que poderá ser necessário o recurso a
vasoconstritores. Situações específicas poderão exigir terapêuticas
dirigidas, como é o caso de terapêutica de revascularização no
enfarte agudo de miocárdio, do tratamento com heparina ou
agente trombolítico na embolia pulmonar ou da necessidade
imediata de drenagem pericárdica em caso de tamponamento.
3. Uma outra forma de apresentação é aquela em que predominam
manifestações de insuficiência cardíaca direita, com sinais de
congestão sistémica (que pode mesmo ser um quadro de
anasarca), associados a manifestações de baixo débito cardíaco
(de gravidade variável) - fig. 5.
Doenças do sistema pulmonar (agudas ou crónicas agudizadas), o
enfarte do ventrículo direito e doenças graves do “coração
esquerdo” em fase avançada, são alguns exemplos de situações
que podem dar um quadro clínico deste tipo. O tratamento é
dirigido à causa mas exige também o recurso a diuréticos (para
alívio da congestão) e é frequente administrar-se dopamina, em
dose baixa (dose dopaminérgica, “renal”), numa tentativa de
promover a diurese, combatendo a oligúria.
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
47
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 48
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Tratamento
Os objectivos terapêuticos visam melhorar clinicamente o doente e
estabilizar a situação hemodinâmica o mais rapidamente possível.
Em simultâneo, pretende-se limitar a lesão miocárdica e, se
possível, melhorar o prognóstico também a longo prazo,
diminuindo a morbilidade (< internamento hospitalar, < taxa de
readmissões) e a mortalidade da síndrome (a curto e a longo
prazo). Claro que evitar iatrogenias, tendo em consideração as comorbilidades existentes deverá estar sempre na mente do clínico.
O tratamento obedece a prioridades de acordo com a gravidade da
situação clínica. Essa gravidade é avaliada geralmente duma forma
não-invasiva, com monitorização dos parâmetros vitais (pressão
arterial, frequência e ritmo cardíacos, temperatura, frequência
respiratória) e da saturação arterial em oxigénio do sangue
periférico
(oximetria
de
pulso).
E
também
pela
vigilância/monitorização dos electrolíticos séricos, da função renal,
da glicémia, dos marcadores de infecção e metabólicos e pela
determinação por ecocardiografia do débito cardíaco e da situação
de replecção volémica do doente. A estabilização respiratória é
uma prioridade, pretendendo-se uma oxigenação/ventilação
adequadas, de forma a manter saturações periféricas em oxigénio
tão próximas do normal quanto possível. Outra prioridade é manter
um débito cardíaco suficiente para uma boa perfusão tecidular
periférica. Assim, o controlo da frequência e ritmo cardíacos é um
aspecto fundamental - quer com fármacos, quer recorrendo a
“pacing” ou a cardioversão eléctrica - bem como a manutenção
duma pressão arterial adequada. Na insuficiência cardíaca, a
vasoconstrição é a regra pelo que a administração de fármacos
vasodilatadores está indicada sempre que a pressão arterial
sistólica seja > 85 mmHg. No entanto, quando esta está entre 85 e
100 mmHg, é de ponderar também a administração de um fármaco
inotrópico ou, alternativamente, de um inodilatador. Quando a
pressão arterial sistólica tem valores < 85 mmHg, dever-se-á excluir
situação de hipovolémia (a qual será corrigida pelo aporte de
soros). Se após esta medida persistir um débito cardíaco
48
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
inadequado - com ausência de reversão da acidémia metabólica e
ausência de sinais clínicos de boa perfusão periférica - será
necessária terapêutica com inotrópicos e, eventualmente, mesmo
com vasoconstritores - Fig.6. Os vasodilatadores e os diuréticos
são dos fármacos mais frequentemente administrados no
tratamento da ICA. Em relação aos vasodilatadores, os nitratos
(dinitrato de isosorbido ou nitroglicerina), habitualmente dados por
via intra-venosa, são muito eficazes em dose alta (devendo a dose
ser gradualmente aumentada até à dose máxima tolerada - pressão
arterial sistólica de 90-100 mmHg), sendo útil a sua associação a
terapêutica com diurético de ansa (furosemida). A dose de nitratos
deverá ser diminuída ou a administração interrompida se a pressão
arterial sistólica diminuir excessivamente (pretendendo-se
habitualmente com o tratamento, uma redução de 10 mmHg da
pressão arterial média). Os inibidores da enzima de conversão da
angiotensina, embora não estejam aconselhados para uso intravenoso na ICA, podem ser muito úteis por administração sub-lingual (captopril) no tratamento do edema pulmonar agudo
associado a crise hipertensiva por exemplo, como é constatado
diariamente na prática clínica. Os diuréticos de ansa, dados por via
intra-venosa, são frequentemente utilizados. Têm também um
efeito vasodilatador (em 5 a 30 minutos.) e, na ICA, podem reduzir
a curto prazo a activação neurohormonal. A furosemida deverá ser
administrada inicialmente em bolus (dose de carga), seguida de
infusão contínua - mais eficaz do que a administração intermitente
de bolus em doses elevadas. A sua associação a dobutamina,
dopamina ou nitratos parece também ter maior eficácia e menores
efeitos secundários do que o aumento isolado da dose de
diurético. Com efeito, os diuréticos não são inócuos e a
administração de grandes doses não é aconselhada, devendo a
mesma reduzir-se logo após o controlo da retenção hidro-salina. O
uso em excesso desta terapêutica pode conduzir a insuficiência
renal, seja por acção directa nefrotóxica, seja secundariamente a
hipovolémia (com diminuição do débito renal). E a insuficiência
renal é um importante factor determinante do prognóstico na ICA.
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 49
Além de hipovolémia iatrogénica - situação a merecer particular
atenção na ICA com disfunção diastólica predominante ou no
enfarte do ventrículo direito, que exigem pressões de enchimento
elevadas - o uso de diuréticos pode causar depleções iónicas
causadoras de arritmias graves, pelo que, durante a administração
desta terapêutica, é fundamental monitorizar o sódio, potássio e
magnésio séricos (substituindo as perdas destes iões) e a função
renal - Fig.7. A chamada “resistência aos diuréticos” - diminuição ou
ausência de resposta ao fármaco, antes que tenha ocorrido alívio
da situação de congestão - é uma situação com a qual nos
podemos deparar ao tratar o doente com ICA e, justamente uma
das suas causas, é a existência de depleção de volume intravascular. Esta pode ser devida a “excesso” de administração de
diuréticos de ansa por via intra-venosa - excesso que pode ser até
relativo, no doente com insuficiência cardíaca crónica, sob
terapêutica diurética crónica e que tem já activação neurohormonal e baixo débito renal. Outra causa frequente para a
resistência diurética é a existência de baixo débito cardíaco, com
défice de perfusão renal, causando ou agravando (se pré-existente)
uma situação de disfunção renal. Ultrapassar a resistência à acção
diurética pode ser muito difícil. Além de ser fundamental manter o
doente com repleção de volume adequada, deve dar-se preferência,
como já referido, à administração de furosemida por infusão intravenosa contínua, poder-se-á também associar diuréticos
(nomeadamente a metolazona), e/ou associar-se a administração
de dopa/dobutamina ao diurético. Se estas medidas não forem
eficazes, a ultrafiltração ou a diálise renal poderão ser as únicas
medidas terapêuticas que aliviem as manifestações congestivas Fig.8. Em relação ao uso de fármacos inotrópicos no doente com
ICA e disfunção sistólica ventricular, a sua administração está
indicada - de acordo com as Recomendações da Sociedade
Europeia de Cardiologia - quando existe “hipoperfusão periférica
(hipotensão e oligúria), com ou sem congestão pulmonar e
refractária a terapêutica diurética e vasodilatadora em doses
optimizadas” (e, naturalmente, na ausência de hipovolémia).
A Dopamina é frequentemente utilizada, mas em dose baixa (</= 23 μg/kg/min.), dose dopaminérgica, com a intenção de aumentar a
resposta à terapêutica diurética, contrariando a oligúria. Doses um
pouco mais elevadas - 2-5 μg/kg/min. - podem ser úteis na ICA com
hipotensão, pois estimulam os receptores adrenérgicos-ß, com
aumento da contractilidade miocárdica e do débito cardíaco. Doses
superiores a 5 μg/kg/min. provocam vasoconstrição - por
estimulação dos receptores adrenérgicos-α - e não são
aconselhadas na ICA. A dobutamina actua por estimulação dos
receptores adrenérgicos ß 1 e 2 e é um dos inotrópicos mais
utilizados na prática clínica. Tanto este efeito como o seu efeito
cronotrópico são dependentes da dose administrada. Pretendendose, na ICA, aumentar o débito cardíaco, a dose inicial do fármaco
deverá ser baixa - 2-3 μg/kg/min - provocando vasodilatação
arterial, aumentando-se gradualmente, de acordo com a resposta
clínica. Doses elevadas dão vasoconstrição e têm maior risco
arrítmico e isquémico. Esta realidade tem de ser considerada
quando se pensa na administração de um fármaco inotrópico ao
doente sob terapêutica crónica com bloqueador adrenérgico-ß como é frequentemente o doente com insuficiência cardíaca crónica
agudizada. Este tipo de doente necessita de doses elevadas de
dobutamina para um mesmo efeito hemodinâmico, não sendo
assim este fármaco o inotrópico “ideal”.
O levosimendan pertence a uma nova classe farmacológica, a dos
inodilatadores. Os seus principais mecanismos de acção são
diferentes dos outros inotrópicos descritos previamente. Actua por
sensibilização das proteínas contrácteis ao cálcio, afectando
positivamente o inotropismo sem aumentar o cálcio intra-celular pelo que tem menor risco arritmogénico - e causa vasodilatação
periférica por abrir os canais de potássio no músculo liso vascular.
O levosimendan está indicado nas situações de insuficiência
cardíaca por disfunção sistólica ventricular que curse com baixo
débito cardíaco, mas sem hipotensão grave (pressão arterial
sistólica > 85 - 90 mmHg). Entre os inotrópicos, este fármaco é o
mais aconselhado nas Recomendações da Sociedade Europeia de
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
49
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 50
1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A
Cardiologia - Classe IIa, nível de evidência B. Os seus efeitos aumento do débito cardíaco e diminuição das resistências
vasculares sistémica e pulmonar - são também dependentes da
dose administrada. Tem boa eficácia hemodinâmica, sendo dado
em infusão intra-venosa contínua - habitualmente durante 6 a 24
horas - prolongando-se os seus efeitos benéficos durante vários
dias após interrupção da mesma, devido à persistência em
circulação de um metabolito activo do fármaco. Durante a
administração pode ocorrer diminuição da pressão arterial e
aumento da frequência cardíaca, efeitos geralmente de grau ligeiro,
nomeadamente se se cumprirem certas “regras”, como a omissão
da “dose de carga” (nos doentes com pressão arterial sistólica
“borderline”) e se mantiver a infusão com dose relativamente baixa
do fármaco (0,05 - 0,01 μg/kg/min.). Facto importante é o de que a
resposta hemodinâmica ao levosimendan se mantem mesmo nos
doentes sob terapêutica crónica com bloqueadores adrenérgicos-ß.
Algumas situações específicas deparam-se frequentemente no
doente com ICA e justificam considerandos particulares. A primeira
é a fibrilhação auricular (FA), a qual é um frequente factor causal /
precipitante de ICA - causa de 28% de ICA de “novo” no Euro Heart
Failure Survey - II - sendo o controlo da frequência cardíaca
importante (particularmente no doente com disfunção diastólica).
O tratamento da arritmia dependerá da gravidade hemodinâmica
da situação e da duração da FA. Sob hipocoagulação, poder-se-á
optar pela cardioversão eléctrica - no doente com instabilidade
hemodinâmica - ou pela cardioversão química (nomeadamente se
a arritmia é recente - duração inferior a 48 horas) recorrendo à
administração, por via intra-venosa, de amiodarona, digoxina ou
mesmo bloqueador adrenérgico-ß (em certas situações particulares,
como por exemplo no hipertiroidismo). Alternativamente, o
primeiro objectivo terapêutico poderá ser apenas o controlo
farmacológico da frequência cardíaca - com os fármacos referidos quando se pensa que a FA é de longa duração. Nesta última
situação, após 3 semanas de hipocoagulação oral e excluindo-se a
existência de trombo intra-auricular pelo recurso à ecocardiografia
50
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
transesofágica, poderá ser equacionada a hipótese de cardioversão
(eléctrica ou química). A segunda situação é justamente o problema
da anticoagulação, impondo-se esta não só na FA como também
nas síndromes coronárias agudas Além disso, no contexto de ICA,
a administração de heparina (quer de baixo peso molecular, quer
não-fraccionada), diminui a incidência de trombose venosa
profunda. A terceira situação que optei por focar é a administração
de bloqueadores adrenérgicos-ß. Esta, por regra, não deve ser feita
nas situações de ICA grave, embora hajam excepções. Um exemplo
é o do doente que está sob terapêutica crónica com este tipo de
fármaco. Não tendo havido aumento recente da dose de
bloqueador adrenérgico-ß (a qual pode até ser a causa da
descompensação), a sua administração não deverá ser
interrompida. No entanto, a sua interrupção (ou apenas redução da
dose) pode ter que ser considerada se existir bradicardia
importante ou hipotensão sintomática. Em caso de necessidade de
suporte inotrópico, como já sugerido, a administração de
levosimendan poderá ser uma boa opção. Por último, falo da
insuficiência renal (IR). Esta é frequente no doente com ICA e
ambas as situações se interrelacionam duma forma adversa, cada
uma causando/agravando a outra. No doente com ICA - a qual é,
frequentemente como já referido, IC crónica descompensada - a
depleção de volume pela terapêutica diurética, o tratamento
crónico com iECA / ARA II e mesmo a utilização (frequente) de
fármacos nocivos para o rim (como os anti-inflamatórios não
esteróides, por exemplo), predispõem a disfunção renal. Por outro
lado, vários factores existem na IR - anemia, acidose metabólica e
alterações iónicas (favorecendo arritmias) - que agravam a ICA e
dificultam o seu tratamento. Este pode mesmo ser particularmente
difícil - nomeadamente em termos de alívio da congestão - na
presença de resistência à acção diurética, situação em que a
sobrecarga de volume se agrava - o chamado síndrome cardiorenal, no qual a ultra-filtração ou mesmo a diálise renal poderão
ser as únicas medidas terapêuticas eficazes.
A IR associa-se, na insuficiência cardíaca, a um pior prognóstico,
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 51
como o mostraram dados do Euro Heart Failure Survey, em que um
valor de creatinina sérica superior a 1,3 mg/dl quase duplicou a
mortalidade ao ano. Assim, no tratamento do doente com ICA,
monitorizar a função renal e seleccionar bem os fármacos a
administrar (e a dose dos mesmos) é uma exigência, porque
preservar o rim é uma prioridade da terapêutica.
Referências
1. Guidelines on the diagnosis and treatment of Acute Heart Failure of the European Society of Cardiology. Eur
Heart J, 2005
1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA
51
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 52
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 53
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 54
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:31 PM
Page 55
BK J CABO VERDE AF
4/27/09
3:32 PM
Page 56
Apoio
Download