BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 1 1 aa s J o r n a d a s L u s ó f o n a s DE CARDIOLOGIA Praia, Santiago, Cabo Verde 20 a 23 de Janeiro de 2009 Hospital Dr. Agostinho Neto BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 2 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 3 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 4 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 5 PREFÁCIO Fez parte do programa desta Direcção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia um estreitamento das relações científicas, pedagógicas, culturais e afectivas com os Cardiologistas que se expressam em Português. Por isso, a Direcção planeou e organizou as “I Jornadas Lusófonas de Cardiologia”, que se realizaram em Janeiro deste ano, na Cidade da Praia, em Cabo Verde. Foram convidados a participar Colegas da Sociedade Brasileira e Cardiologistas de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Macau e Venezuela. O programa científico-pedagógico, gizado para quatro dias, permitiu uma intensa apresentação e discussão sobre temas com actualidade desde a prevenção cardiovascular até à insuficiência cardíaca, passando pelas doenças valvulares e das artérias coronárias, perante cerca de 50 médicos locais, cardiologistas e clínicos gerais. Para além do interesse profissional, as jornadas foram uma oportunidade afectiva única e uma poderosa alavanca para a constituição desejada duma “Federação das Sociedades de Cardiologia de Língua Portuguesa”. Aprovada pelas Direcções das Sociedades de Cardiologia Portuguesa e Brasileira deverá quando constituída prever representações dos Colégios ou Secções de Cardiologia das Ordens dos Médicos de expressão poruguesa que assim o desejarem. Para comemorar esta iniciativa, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia editou este livro (e este CD) das Jornadas. Hugo Madeira Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 6 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 7 ÍNDICE A Carta Europeia do Coração: o que é e o que se pretende com ela 8 Analíse dos factores de risco em Cabo Verde 10 Dislipidemias 12 Hipertensão arterial 14 Síndrome Metabólica 17 Sedentariedade e obesidade 19 Frequência cardíaca: um novo factor de risco? 21 Etiopatogenia e apresentação clínica da Febre Reumática 22 Fibrilação Auricular, Ritmo e Prevenção do Tromboembolismo 26 A doenca fibrocalcificante do idoso - importância do aperto valvular 28 Indicações para a cirurgia valvular 31 Etiopatogenia da Doença das Artérias Coronárias 33 Nova Definição do EAM e Abordagem Terapêutica 34 Doença das Artérias Coronárias: como identificar os candidatos à coronariografia 35 Indicações para a cirurgia 39 Epidemiologia da Insuficiência Cardíaca em Portugal 40 Insuficiência Cardíaca na África Sub-Sahariana 42 Tratamento da Insuficiência Cardíaca no ambulatório 44 Tratamento da Insuficiência Cardíaca no internamento 45 Hugo Madeira Vanda Azevedo Quitéria Rato Dulce Brito Luís Oliveira Miguel Mendes Hugo Madeira Auristela Ramos Rui Fernando Ramos Auristela Ramos Manuel J Antunes Miguel Mendes Mário Évora Antonio Chagas Manuel J Antunes Cândida Fonseca Albertino Damasceno Cândida Fonseca Dulce Brito BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 8 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A A Carta Europeia do Coração: o que é e o que se pretende com ela Hugo Madeira A divulgação dos princípios que enformam a Carta Europeia para a Saúde do Coração ou, mais simplesmente, “Carta Europeia do Coração”, é uma obrigação de qualquer cardiologista que se interessa pela saúde das populações. Mesmo Mesmo fora da Europa e particularmente em Cabo Verde, as recomendações daquele documento fazem sentido, dado que são em grande parte de carácter comportamental e nem envolvem grandes gastos, sobretudo se comparados com os recursos exigidos para tratar situações que podem, em muitos casos, ser evitados ou minorados. Transmitir as ideias expressas na Carta da Europa do Coração é como passar um testemunho para a geração actual, mas também para a seguinte. Esse testemunho contém uma mensagem clara que nos diz que “toda a criança nascida no novo milénio tem o direito de viver, pelo menos até aos 65 anos de idade, sem sofrer de uma doença cardiovascular evitável”. É este um objectivo atingível? A Carta Europeia do Coração desafianos a consegui-lo. Que é então esta Carta? A Carta é o primeiro documento global, público e doutrinário elaborado pela Sociedade Europeia de Cardiologia e pela Rede Europeia do Coração, conjunto de Fundações de Cardiologia da Europa, dirigido à prevenção da doença cardiovascular na Europa. Tal como disse Jill Farrington, da Organização Mundial de Saúde (OMS) - Região Europeia, aquando da apresentação da Carta no Parlamento Europeu, é necessário uma forte aliança da OMS com a Comissão Europeia para a luta contra a doença cardiovascular na Europa. Porquê tal aliança? A doença cardiovascular (DCV) - incluíndo nesta designação as doenças cardíacas, os acidentes vasculares cerebrais e as doenças vasculares periféricas - mata anualmente cerca de 18 milhões de pessoas em todo o Mundo. Tal equivale a 1 morte a cada 2 segundos! 8 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA Na região europeia da OMS - que engloba 52 países - esta doença é a primeira causa de morte, sendo responsável por 4,35 milhões de óbitos em cada ano. Na União Europeia propriamente dita, esse número é de cerca de 2 milhões. A DCV é mesmo a primeira causa de morte entre os Europeus e este facto tem vindo a acentuar-se. Apesar de se estarem a registar taxas decrescentes de mortalidade, há cada vez mais pessoas a viver com DCV. Este aparente paradoxo está relacionado com o aumento da longevidade e da sobrevivência. A DCV não só mata mais Europeus do que todas as formas de cancro combinadas, como é uma das principais causas de incapacidade e de pioria da qualidade de vida. Numa epóca em que tanto se fala das relações custo/benefício, valerá a pena assinalar que a DCV custa à União Europeia 169 mil milhões de euros por ano - 372 euros per capita - embora com variações assinaláveis entre os Estados-membros e as várias regiões europeias. Dos custos totais na União Europeia, 57% são devidos a custos directos de tratamentos, 21% a perdas de produtividade e 22% a custos de cuidados indirectos com os doentes com DCV. Em Portugal, a DCV é igualmente a primeira causa de morte, responsável por pouco mais de um terço de todas as mortes que ali ocorrem, também matando mais pessoas do que todas as formas de cancro combinadas. E todavia a DCV pode perfeitamente ser contrariada através da prevenção. A OMS calcula que uma ligeira redução, em toda a população mundial dos níveis de pressão arterial, da obesidade, da colesterolemia e do consumo de tabaco, iria fazer cair a incidência da DCV para menos de metade! Para modificar a realidade actual, a Sociedade Europeia de Cardiologia e a Rede Europeia do Coração trabalharam durante anos para obter os apoios de ordem política necessários, a nível dos órgãos do poder na União Europeia, expressos em várias Declarações de intenções e elaboraram a Carta, que surge como a primeira resposta, já atrás dito, pública e doutrinária, face à terrível realidade da DCV na Europa. A Carta - cujo objectivo é a redução do impacto de doença cardiovascular - foi apresentada no dia 12 de Junho de 2007 ao BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 9 Parlamento Europeu, na presença do Comissário Europeu para a Saúde e Ambiente e do Director Regional para a Europa da OMS e os seus princípios aprovados em Conselho de Ministros Europeu, sob a Presidência Portuguesa, a 6 de Dezembro do mesmo ano. Ao aprovarem a Carta, os governos, organizações nãogovernamentais e sociedade científicas comprometem-se a colocar na agenda política o problema da DCV e assumir como seus alguns objectivos estratégicos, visando o cumprimento das recomendações contidas na Carta do Coração, que a Sociedade Portuguesa de Cardiologia foi incumbida de divulgar. Que fazer então para manter a Saúde Cardiovascular? Os objectivos, bem estabelecidos na Carta Europeia do Coração, são fáceis de identificar embora, por vezes, penosos de atingir. Em primeiro lugar, não consumir tabaco. A lei anti-tabágica em vigor em Portugal terá melhorado a situação, calculando-se que o consumo se reduziu em 15%, durante o primeiro ano de vigência daquela lei. Está aconselhada uma actividade física adequada pelo menos 30 minutos, cinco vezes por semana. Em Portugal, infelizmente esta recomendação é muito pouco seguida, bem menos do que em Cabo Verde. Um inquérito conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde em 2005 e 2006 e cujos resultados foram analisados em 2007, veio mostrar que em Portugal, 63% da população inquirida andava menos de 60 minutos na semana anterior ao inquérito. Os hábitos alimentares saudáveis não são compatíveis com o uso imoderado de bebidas alcoólica, tão habituais em Portugal e em julgo que também em Cabo Verde. No inquérito referido, verificou-se que 90% dos homens e 60% das mulheres de Portugal bebem 1 ou mais bebidas alcoólicas/dia com predomínio para o vinho. Lutar contra o excesso de peso é uma necessidade, sendo a obesidade um poderoso factor de risco. Em Portugal a obesidade, definida como um índice de massa corporal entre 27 e 30 Kg/m2 e atingia, neste inquérito, 21% dos indivíduos do sexo masculino e 17% dos do sexo feminino. No entanto, apenas respectivamente 6% e 5%, tinham a noção de ser obesos. Aliás, também muitos portugueses ignoram ter hipertensão arterial. A prevalência diagnosticada em Portugal é de 16% nos homens e 23% nas mulheres, mas calcula-se, com base em várias outros rastreios que ultrapasse um terço da população podendo até atingir os 40%. No controlo da pressão arterial, que deve ser inferior a 140/90 mm Hg, tem particular destaque a redução de sal na ingesta alimentar, quer aquele que é adicionado na confecção dos alimentos do dia-a-dia (ou à mesa), quer aquele que já surge em alimentos enlatados. Idealmente não deveriam ser ingeridos mais do que 3 gramas de sal/dia. Em Portugal facilmente se chega aos 10 gramas. Cuidados alternativos são igualmente exigíveis, para manter a colesterolemia inferior a 5 mmol/L ou 190 mg/dl, evitando alimentos muito gordos e privilegiando legumes, cereais, frutos, incluindo produtos lácteos de baixo teor de gordura e peixe e carnes magras. O despiste da diabetes e seu tratamento, se encontrado, é igualmente fundamental dado o impacto extremamente significativo desta doença ao nível das artérias coronárias e não só. O “Stress”, físico e emocional, é muitas vezes o estimulo que vai determinando picos de hipertensão ou o gatilho para arritmias, pelo que deve - quando tal é possível - ser contrariado. Quando olhamos de forma global para os factores de risco associados aos acidentes cardiovasculares, vemos que: a. uns são biológicos e podem ser combatidos medicamente, com a colaboração do doente - estão neste caso a hipertensão, a diabetes, a hipercolesterolemia e a obesidade; b. outros estão associados as estilo de vida e dependem sobretudo do doente, a saber, tabagismo, má dieta, alcoolismo e sedentariedade. c. um terceiro grupo, engloba factores fixos, que não podem ser modificados, ou seja, o seu tratamento não depende nem do doente nem do médico, nomeadamente idade, sexo, genética e etnia; d. finalmente um quarto grupo de factores pode ser modificado, mas depende muito da Sociedade (e do poder Político) –rendimento, educação, condições de vida e condições de 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 9 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 10 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A trabalho. Está hoje bem claro que são as pessoas, as famílias, os sectores da sociedade, os países ou as regiões mais pobres e com menos índices de educação, que têm a maior taxa de mortalidade cardiovascular. Para contrariar este estado de coisas e reduzir de forma significativamente o peso da doença cardiovascular é necessário reduzir as desigualdades dentro de cada país e entre os vários países. Dados de 2006 mostravam que o despêndio per capita com a DCV atingiu na Alemanha um valor mais de 11 vezes superior ao da Bulgária, 600 versus 50 euros. É pois necessário colocar o combate à doença cardiovascular na agenda política dos Governos da União Europeia e onde mais seja possível. É necessário disponibilizar informações para melhorar o conhecimento que a população deve ter sobre a DCV. É mandatório questionar as entidades oficiais, as organizações de saúde e outras associações, para se basearem nas informações existentes e promoverem políticas e atitudes apropriadas. Até a nível local se deve incentivar as autarquias e contribuir localmente para que a população possa cumprir a sua luta contra os factores de risco. Sobretudo é necessário que os profissionais de saúde e os doentes (ou candidatos a doentes) possam, em consonância, publicitar o problema envolvendo os órgãos de comunicação social, para se lutar por um direito fundamental, o direito à saúde. Analíse dos factores de risco em Cabo Verde Vanda Azevedo • Cardiologista Cabo Verde, situado no Oceano Atlântico é um arquipélago de dez ilhas e oito ilhéus, de origem vulcânica, divididos em dois grupos, Barlavento e Sotavento. Tem uma superfície total de 4.033 km2, e está a cerca de 450 km de Dakar. A sua população total é de 491 419 habitantes (censo de 10 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 2000). A esperança de vida ao nascer na década de sessenta era de 51 anos. Na altura da Independência do País, era de 57,5 anos. Actualmente é de 70,2 anos e para 2020 estima-se que chegue aos 75anos (UN Population Division- The 2006 revision). O nível de fecundidade sempre elevado, mostra uma tendência a decrescer. De 7,5 crianças por mulher em 1970, baixou para 2,9 em 2007 (dados INE). O nível de mortalidade geral baixou de 11%0 nos anos 1970 para 5,6 por mil habitantes no ano 2000. Relativamente à mortalidade infantil, ela passou de 103,9 por mil nados vivos em 1975 para 21 por mil em 2007. (Dados do INE) A população de Cabo Verde é bastante jovem. 49% tem idade compreendida entre 0 e 17 anos. Apenas 9% são maiores de 60 anos (censo 2000-INE). A taxa de analfabetismo em 1975, altura da independência nacional era de 61,3%. Actualmente é de 7,6% (INE). Regista-se uma tendência à urbanização da população caboverdiana, com grande concentração nas principais cidades do país, Praia e Mindelo. No ano de 2000, dos 434.625 habitantes, 53% vivem no meio urbano (INE). A proporção da população a viver na pobreza reduziu-se de 48,97% em 1988/89 para 36,69% em 2000/2001 (INE). O sistema de saúde cabo-verdiano, vem acompanhando a evolução do País. Existem no País: 2 3 26 5 34 112 HOSPITAIS CENTRAIS HOSPITAIS REGIONAIS CENTROS SAÚDE C. SAÚDE REPRODUTIVA POSTOS SANITÁRIOS UNIDADES SANITÁRIAS DE BASE Em 1975 existiam apenas 13 médicos e 140 enfermeiros. Em 2007 registavam-se 230 médicos e 477 enfermeiros, correspondendo ao rácio médico/habitante 1/2136 e enfermeiro/habitante 1/ 1030 (GEPC, Ministério da Saúde Janeiro 2005). Em 1975 as doenças BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 11 cardiovasculares já eram a 3ª causa de mortalidade geral. Em 2007 passou a ser a primeira causa de mortalidade. Tentando estar preparados para enfrentar a batalha das doenças não transmissíveis, o Ministério da Saúde de Cabo Verde criou um Programa de Luta contra as Doenças não transmissíveis, que realizou em 2006 um inquérito nacional que veio confirmar algumas das nossas suposições e traduzir em números essas preocupações. O objectivo foi determinar a prevalência e as características epidemiológicas da HTA, Diabetes e outros importantes factores de risco modificáveis para as doenças não transmissíveis (dislipidemia, obesidade, tabagismo, etilismo e sedentarismo) na população cabo-verdiana, com base na metodologia por etapas (STEP) preconizada pela OMS. A amostra foi constituída por homens e mulheres dos 25-64 anos residentes em alguns concelhos triados aleatoriamente. Foram inquiridos 2200 Indivíduos de 25-64 anos, estratificados por sexo e grupo etário. Analisando estes dados, algumas conclusões interessantes foram tiradas: O tabagismo representa um problema de saúde pública mundial, sendo a primeira causa de mortalidade evitável. No nosso País, 9,9% dos inquiridos são fumadores sendo 15,9% homens e 4,0% mulheres. A idade média do início do consumo do tabaco é de 19,4 anos. A percentagem de ex-fumadores na população é de 8,3% (14,4% homens e 2,9% mulheres). O consumo de tabaco não fumado na população é de 4,6% em ambos os sexos. (dados do IDNT/MS). Do total dos inquiridos, 53,2% referem ter consumido álcool no decurso dos últimos 12 meses que precederam o inquérito. Destes, 77,8 % eram homens contra 30% de mulheres.A percentagem de inquiridos com consumo nocivo de álcool (> 60mg/ dia para os homens e >40mg/dia para as mulheres) é de 2,9% homens e 0,2% mulheres. (dados do IDNT/MS) A OMS recomenda um consumo mínimo de 5 porções de frutas e legumes por dia, abaixo do qual é considerado um factor de risco. O número médio de dias por semana em que se consome frutas em Cabo Verde é de 3,3 e de legumes é de 3,7. Há um total de 86,1% de indivíduos que consomem menos que cinco porções de frutas e legumes por dia. (dados do IDNT/MS) Segundo a OMS, a pratica de actividade física é necessária para se ter uma excelente saúde. Esta mensagem tem passado nas nossas intervenções, pelo que verificamos com entusiasmo que a maioria dos nossos inquiridos tem um nível elevado de actividade física (70% dos homens e 50% das mulheres). (dados do IDNT/MS) Foram estabelecidos os parâmetros de classificação de Hipertensão Arterial, segundo os critérios da OMS: TAS >140mmHg e/ou uma TAD >90mmHg. Dos participantes do estudo, 14,5 % declararam ser hipertensos com diagnóstico feito por um técnico de saúde nos últimos 12 meses, predominando o sexo feminino com 17,4 % contra 10,5% no sexo oposto. Entre os que referiram ser hipertensos, apenas 35% dos homens e 52% das mulheres declararam estar medicados. A prevalência estimada da HTA na nossa população foi de 34,9%. Verificou-se como era de esperar um nítido aumento da prevalência da HTA com a idade. Num total de 9,5% dos inquiridos, foram encontrados valores de TAS >160 e TAD >100 mmHg. (dados do IDNT/MS) Dos participantes, 1,1 % sabiam ter Diabetes com diagnóstico feito por um técnico de saúde nos últimos doze meses. A diferença entre homens e mulheres é mínima. A partir dos 55 anos nota-se um aumento da proporção de pessoas com o diagnóstico de diabetes. O valor médio da glicemia capilar nos inquiridos foi de 5,4mmol/l, sendo de 5,4% nos homens e 5,3 % nas mulheres. A taxa média de glicemia capilar >6,1mmol/l foi de 12,7%. Dos inquiridos com hiperglicemia, apenas 17% vinha fazendo tratamento para diabetes (8% dos homens e 31% das mulheres). (dados do IDNT/MS) Em ambos os sexos, a média da cardíaca foi de 77/mn, sendo de 75,3 nos homens e 78,7 nas mulheres. A prevalência da “cardíaca elevada > 100/ mn”, foi de 4,4 %, sendo 3,8% nos homens e 4,8% nas mulheres. (dados do IDNT/MS) Quanto a obesidade (IMC >30), constatou-se que 10,5% dos inquiridos estão nessa categoria, com franco predomínio nas 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 11 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 12 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A mulheres 14,6%, sendo de 6,5% homens. A faixa dos 55-64 anos é a mais atingida (54,0% das mulheres e 37,4% dos homens com IMC >25). (dados do IDNT/MS) Considerando os valores das medidas internacionalmente aceites do perímetro da cintura ( valor normal <88cm nas mulheres e <102 cm no homem ), a nossa media foi de 83,5cm nos homens e 84,5 cm nas mulheres estando pois dentro dos limites da normalidade. (dados do IDNT/MS) O valor médio do colesterol total capilar foi de 5,4mmol/l, (4,2mmol/l homens e 4,3mmol/l mulheres. A prevalência de colesterol elevado (>5,2mmmol/l ou 200mg/d) foi de 10,5%, sendo 8,4% nos homens e 12,6% nas mulheres. Em relação a valores mais elevados de colesterol capilar (> 6,5mmol/l ou 250mg/dl) foi encontrada uma prevalência de 2,9% (3,3 % homens, 2,5 % mulheres). (dados do IDNT/MS) Os resultados deste inquérito mostraram que em relação aos outros países da nossa região, que realizaram o mesmo inquérito STEP, a prevalência da Hipertensão arterial é a mais alta, 34,9%. A hiperglicémia também é uma grande preocupação, sendo a mais elevada desses países. O consumo de álcool confirmou-se ser também um grande problema. A obesidade e o consumo de tabaco apresentaram-se com dados menos preocupantes. (quadro1) Quadro 1 Dados comparativos de alguns STEP/OMS países que fizeram o inquérito Arg.- Argélia; Cog - Congo; ERI.-Eritreia; CMR-Camarões; MDG.-Madagáscar; MOZ.- Moçambique; CV.- Cabo Verde 12 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA Cabo Verde tem pois uma população jovem, alfabetizada, urbanizada. Sabendo que com a melhoria dos cuidados de saúde a esperança de vida aumenta, aumentando também as doenças não transmissíveis, o País está a preparar-se para enfrentar mais essa batalha. A vantagem das doenças cardiovasculares serem doenças com um grande potencial preventivo, levam-nos a investir muito no esclarecimento das populações, utilizando todos os meios à nossa disposição. Estamos certos que estaremos preparados para enfrentar, também, a batalha das doenças não transmissíveis. Dislipidemias Quitéria Rato Não obstante os avanços diagnósticos e terapêuticos ocorridos nas últimas décadas, as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte nas sociedades ditas desenvolvidas, estimando-se que em 2002 tenham contribuído para 36% do total de mortes a nível mundial (OMS). É indiscutível que uma abordagem global e precoce do risco cardiovascular, com adopção de medidas sobre o estilo de vida e eventual uso de fármacos em situações específicas, constitui um meio importante para a redução dos eventos cardiovasculares e para uma melhoria da qualidade de vida das populações. Das medidas preventivas aquelas que têm mais impacto na saúde das populações são as que incidem sobre os principais factores de risco cardiovascular, entre os quais se encontram as alterações dos níveis plasmáticos das lipoproteínas. Vários estudos epidemiológicos, assim como diversos trabalhos experimentais e clínicos, fundamentaram o papel do colesterol total e das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) como factor de risco para doença aterosclerótica em geral e doença isquémica coronária em particular. A relação entre o colesterol das LDL e a doença cardiovascular parece linear, com evidência considerável BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 13 suportando a hipótese “lower is better”. Os grandes ensaios clínicos multicentricos, aleatorizados, controlados, duplamente cegos, efectuados nas duas últimas décadas com os inibidores da redutase da 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A (estatinas) provaram conclusivamente que a redução do colesterol das LDL resulta numa significativa diminuição dos eventos cardiovasculares, estabelecendo a segurança e a eficácia daquele grupo de fármacos. No entanto, apesar de uma significativa redução dos níveis do colesterol das LDL, aproximadamente 70% dos eventos cardiovasculares não são evitados. Vários estudos indicam que a melhor forma de reduzir o risco cardiovascular é quando a redução do colesterol das LDL se associa a uma redução dos trigliceridos e a um aumento do colesterol das HDL, o que dá suporte à terapêutica combinada das dislipidemias. Mas em indivíduos muitas vezes já polimedicados, a associação de fármacos hipolipemiantes pode potenciar o risco de efeitos adversos. Uma avaliação precoce e correcta do risco de doença cardiovascular pode contribuir decisivamente para a diminuição da morbilidade e mortalidade associada a esta patologia, já que o diagnóstico atempado e a terapêutica adequada podem reduzir significativamente o número de eventos cardiovasculares e evitar mortes prematuras, o que tem custos familiares e sociais importantes. O primeiro passo na orientação terapêutica é determinar o risco individual e a primeira medida a mudança do estilo de vida, devendo dar-se a maior ênfase às medidas não farmacológicas (mudanças dietéticas, actividade física e redução do peso). A decisão para instituir medidas terapêuticas, bem como os níveis lipídicos a atingir, devem seguir as orientações científicas actuais. Segundo as últimas orientações europeias para a prevenção das doenças cardiovasculares, os níveis de colesterol total para a população em geral devem ser inferiores a 190mg/dL e os de colesterol das LDL inferiores a 115mg/dL. Nos indivíduos de alto risco, em que se incluem os doentes com doença cardiovascular estabelecida, os diabéticos tipo 2 ou tipo 1 com albuminúria, e os indivíduos com dislipidemia severa, os objectivos terapêuticos são inferiores: um colesterol total de 175 mg/dL e opcionalmente de 155 mg/dL se exequível, e um colesterol das LDL de 100 mg/dL e opcionalmente de 80 mg/dL se exequível, são as metas a atingir. Não foram definidos objectivos terapêuticos específicos para o colesterol das lipoproteínas de alta densidade (HDL) e dos trigliceridos, mas concentrações de colesterol das HDL inferiores a 40 mg/dL nos homens e a 45 mg/dL nas mulheres e níveis de trigliceridos plasmáticos em jejum superiores a 150 mg/dL são marcadores de risco cardiovascular aumentado, devendo ser considerados nas opções terapêuticas a efectuar. Se estes objectivos não forem conseguidos, o risco cardiovascular global deve ser reduzido através de um maior esforço no controlo dos outros factores de risco. Existem vários fármacos disponíveis para o tratamento das dislipidemias, com mecanismos de acção específicos e diferentes efeitos sobre o perfil lipídico, o que deve ser tido em atenção aquando da sua prescrição (quadros I e II). O conhecimento dos mecanismos de acção e efeitos adversos dos fármacos hipolipemiantes é indispensável para uma correcta abordagem da terapêutica das dislipidemias. Quadro 1 Fármacos hipolipemiantes e respectivos efeitos no perfil lipídico Ezetimiba * Em monoterapia Ezetimiba ** Efeitos médios adicionais quando co-administrado com uma estatina comparativamente aos obtidos com a estatina em monoterapia 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 13 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 14 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Quadro 2 Principais mecanismos de acção e reacções adversas dos fármacos Hipertensão arterial Dulce Brito Importância da pressão arterial como factor de risco cardiovascular 1. A morbilidade e a mortalidade cardiovascular (CV) têm uma relação contínua com a pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD); 2. A hipertensão arterial (HTA) é factor de risco (FR) major para doença CV e para doenças que aumentam o risco CV; 3. A HTA é a 1ª causa de morte em todo o mundo! 4. A PAS e PAD, ambas de forma independente predizem o risco de acidente vascular cerebral (AVC) ou de doença coronária. 14 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA Considera-se uma PA óptima quando os valores de PAS e PAD são respectivamente menores que 120 e 80 mmHg. De acordo com a classificação adoptada nas últimas Recomendações publicadas pela Sociedade Europeia de Cardiologia e pela Sociedade Europeia de Hipertensão (2007 Guidelines for the management of arterial hypertension, Eur Heart J 2007), considera-se existir PA normal perante valores de PAS entre 120-129 e/ou PAD entre 80-84 mmHg e PA normal/alta com valores de 130-139 de PAS e de 85-89 de PAD. Valores mais elevados classificam a HTA em grau I, II ou III (esta última quando a PAS tem valor igual ou superior a 180 mmHg e/ou PAD igual ou superior a 110 mmHg). A hipertensão sistólica isolada(valor de PAS igual ou superior a 140 mmHg e PAD inferior a 90 mmHg) é também classificada em graus I, II ou III, de acordo com os valores da PAS. Mas o limiar “real” para definir a gravidade da HTA terá de ser flexível e ter em conta o risco cardiovascular total do indivíduo. Este é expresso como o risco absoluto do indivíduo sofrer um evento CV nos 10 anos subsequentes. Assim, na prática, todos os doentes devem ser classificados não só em relação ao seu grau de HTA mas também em relação ao seu risco CV total, o qual dependerá da coexistência de FR diferentes e de existir ou não lesão de orgão ou mesmo já doença clínica. Há vários métodos para avalição do risco total CV, todos com vantagens e limitações. A avaliação do mesmo em 4 categorias de risco - baixo , moderado, alto e muito alto - é simples e deve ser utilizada, havendo tabelas para o efeito. A presença de múltiplos FR, de Diabetes Mellitus ou de lesão de orgão, aumenta muito o score de risco e colocam o doente com HTA ou mesmo com PA normal/alta na categoria de alto-risco. A idade é um factor também muito importante nas tabelas de avaliação do risco cardiovascular. Assim, um doente jovem pode ter um risco CV baixo apesar de ter HTA e FR adicionais embora, se não tratado, possa evoluir para situação de alto risco alguns anos depois. Aliás, no jovem, as decisões terapêuticas devem ser baseadas na quantificação do risco relativo (ou seja, o aumento do risco em relação ao risco médio da população). BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 15 Razões para que o diagnóstico e tratamento da HTA devam ser relacionados com a quantificação do risco CV global… 1. Apenas uma pequena fracção da população hipertensa tem “apenas“ HTA… a grande maioria têm FR adicionais! 2. Há relação entre a gravidade da HTA e as alterações do metabolismo da glucose e lípidos! 3. Quando coexistente, A HTA e os FR metabólicos potenciam-se mutuamente, sendo o risco total maior do que a soma de cada um separadamente! 4. Os objectivos do tratamento do indivíduo de alto risco são diferentes da estratégia a tomar em indivíduos de baixo risco! 5. A intensidade da abordagem terapêutica deverá ter sempre em conta o risco CV total. Várias variáveis clínicas são importantes na avaliação do risco CV total, além da idade e dos níveis de PA. Entre eles destacam-se a existência de dislipidémia, de alteração do metabolismo glucídico (ou a existência de Diabetes Mellitus), a presença de obesidade abdominal, a existência de síndrome metabólica ou a existência de doença cardiovascular prematura na família. Meios complementares de diagnóstico de relativa fácil execução na prática clínica avaliam a existência de lesão de orgão - como o electrocardiograma e o ecocardiograma (avaliação da repercussão cardíaca), o estudo da velocidade da onda de pulso carótida-femural e o estudo Doppler vascular (mostrando espessamento da parede arterial, placa ou mesmo já doença arterial periférica), a taxa de filtração glomerular, a quantificação da presença de microalbuminúria e os valores de creatinina séricos (avaliando a repercussão renal da HTA). A avaliação de lesão de orgão-alvo é recomendada pré-tratamento (para estratificação do risco) e durante o tratamento (porque por exemplo, a regressão da hipertrofia ventricular esquerda e a redução da proteinúria indicam que o tratamento está a ser eficaz em termos de protecção CV). Não devemos esquecer que a cardíaca (FC) elevada é também FR, tendo relação com a morbilidade e mortalidade CV e com a mortalidade de todas as causas. A FC elevada aumenta também o risco de HTA “de novo” e está frequentemente associada com alterações metabólicas (e com a síndrome metabólica). No entanto, não existe um valor de “cutoff” para definir qual a FC que realmente aumenta o risco CV. Avaliação diagnóstica Esta inclui a determinação do grau de HTA, a identificação de causas secundárias de HTA e avaliação do risco CV global (procurando outros FR, lesão de orgãos-alvo e doenças concomitantes). Em relação ao diagnóstico de HTA e à determinação da gravidade da mesma, é importante… 1. Ter a certeza dos valores tensionais. Por vezes é necessário a realização de avaliações repetidas (2/visita, 2-3 visitas) excepto se a PA fôr muito elevada, situação na qual se pode impôr tratamento imediato; 2. Medir a PA em ambos os braços na primeira visita (diferenças por doença vascular periférica?) - deveremos então valorizar o valor mais elevado; 3. A auto-medição (casa, trabalho…) é importante particularmente quando existem dúvidas em relação aos verdadeiros valores de PA do doente e por vezes é mais eficaz (mais real) que os valores de PA medidos no gabinete médico; 4. Ter um registo de medição ambulatória da PA (24 horas). Este exame dá indicações importantes sobre o perfil circadiano da PA, nomeadamente em relação aos valores da PA nocturna. A ausência de atenuação nocturna da PA (não-Dipper) está associada a maior prevalência de lesão dos orgãos - alvo e a um pior prognóstico. E os eventos cardíacos e cerebro-vasculares têm pico matinal (por subida da PA…). O conhecimento do perfil circadiano permitirá uma melhor decisão terapêutica e de horário da medicação a prescrever. HTA da “bata-branca” É definida como a constatação de valores elevados de PA (PAS >/= 140/90 mmHg) perante o clínico (em pelo menos 3 ocasiões) com 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 15 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 16 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A medição em casa (ou no MAPA -24h) normal. Existe em cerca de 15% da população, sendo responsável por 1/3 dos diagnósticos de HTA! Pode não ser um fenómeno “inocente”, pois associa-se a maior prevalência de lesão nos órgãos-alvo e alterações metabólicas do que nos indivíduos normais. Perante a HTA da “bata branca”, deveremos procurar FR metabólico e lesão nos órgãos-alvo. Se presentes, a HTA deverá ser tratada. Se ausentes, deveremos recomendar hábitos de vida saudáveis e vigiar a PA. Na avaliação diagnóstica do doente com HTA, os hábitos de vida do indivíduo são fundamentais - tabagismo, ingestão excessiva de álcool, sal ou gorduras, sedentarismo - e exige-se, em todos os doentes e para qualquer grau de HTA, a sua modificação. A observação clínica fornece dados importantes em relação à eventual existência de causas secundárias de HTA - síndrome de Cushing, feocromocitoma, coartação da aorta, doença aórtica, rins poliquísticos ou hipertensão reno-vascular - e ao atingimento dos órgãos-alvo (compromisso cardíaco, renal, vascular, cerebral). Tratamento da HTA. Evidência do benefício do seu tratamento. 1. A diminuição da PA diminui os eventos CV fatais e não-fatais (estudos controlados com placebo); 2. O benefício é evidente qualquer que seja o fármaco com o qual se inicia o tratamento (diurético tiazídico / bloqueador adrenérgico-beta (BB)/ antagonista do cácio (AC) / inibidor da enzima de conversão da angiotensina (i-ECA)/ antagonista dos receptores da angiotensina II (ARA II); 3. A comparação entre diferentes anti-hipertensores mostrou que: • para a mesma redução de PA, não há evidência conclusiva de que diferentes fármácos ou diferentes combinações de fármacos sejam melhores que outros na diminuição dos eventos CV; • Embora certos fármacos reduzam mais um evento específico que outro, esse efeito individual é menor do que o efeito de diminuir a PA “per se” 16 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA • Os efeitos independentes atribuíveis a cada tipo de fármacos (efeitos específicos) são mais consistentes em termos de protecção de orgãos-alvo e de prevenção de certos eventos, como sejam, a Diabetes Mellitus, a insuficiência renal e a fibrilhação auricular; O que é importante é realmente diminuir a pressão arterial quando ela se encontra elevada. E o início de tratamento deve ser decidido com base em 2 critérios: • Níveis de PAS e PAD • Risco CV total Com o tratamento pretende-se tratar a HTA e todos os FR reversíveis, bem como obter uma redução máxima no risco total de doença CV a longo prazo. Dever-se-á reduzir os níveis de PA para < 140/90 mmHg e para < 130-80 mmHg na presença de diabetes e nos doentes de alto risco (com evidência de doença clínica associada: acidente vascular cerebral, enfarte agudo de miocárdio, disfunção renal, proteinúria...). Como já referido, pretende-se uma mudança de hábitos de vida em todos os doentes: • Abandonar tabagismo • Diminuir (e manter) peso • Diminuir consumo de alcool • Reduzir ingestão de sal • Reduzir ingestão de gorduras • Praticar exercício físico • Aumentar consumo de frutas e vegetais Em relação à escolha do fármaco (ou combinação de fármacos) a administrar, qualquer um dos fármacos das 5 classes farmacológicas major habitualmente utilizadas, isolados ou em combinação, pode ser o escolhido para início do tratamento e manutenção do mesmo. No entanto, há combinações farmacológicas mais ou menos favoráveis em cada doente e, por exemplo, os bloqueadores adrenérgicos-beta (especialmente se BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:29 PM Page 17 associados a uma tiazida), não devem ser os fármacos preferenciais na presença de Diabetes ou em doentes com síndrome metabólica. Muitos doentes vão necessitar de mais de um fármaco. A escolha deverá ter em conta vários factores, nomeadamente: • A experiência prévia do doente com determinado fármaco; • O efeito do fármaco nos FR cardiovasculares do doente individual; • A presença de lesão de orgão (sub-clínica), doença clínica CV, doença renal, diabetes, etc. (situações que podem beneficiar mais especificamente de certos fármacos...); • A existência de outras doenças que possam limitar o uso de certas classes farmacológicas; • A possibilidade de interacção com outros fármacos que o doente já toma; • O custo... (embora este factor não devesse ser limitativo). • Os efeitos secundários dos fármacos devem ser um factor a considerar pois são a causa mais importante de não-aderência/abandono do tratamento!... O efeito anti-hipertensor deverá durar 24 horas, pelo que será desejável preferir fármacos que sejam eficazes dados uma vez/dia (facto que favorece a aderência ao tratamento). Certas situações específicas poderão beneficiar de fármacos (ou combinações farmacológicas) específicas. Como exemplos, cito a existência de HVE, de microalbuminúria, de insuficiência renal, diabetes ou síndrome metabólica - que beneficiam de iECA ou ARA II - ou o doente coronário - situação em que os BB e/ou antagonistas do cálcio estão indicados. As várias estratégias terapêuticas iniciais possíveis podem incluir a administração de um único fármaco ou de dois fármacos em dose baixa; se a resposta pretendida não fôr obtida, poder-se-á, numa escalada progressiva, aumentar a dose de cada um dos fármacos, mudar de classe farmacológica ou adicionar um 3º fármaco e ir aumentando as doses até às máximas recomendadas. De entre as várias combinações farmacológicas possíveis, algumas associações mostraram benefício em estudos clínicos de intervenção terapêutica (controlados), nomeadamente administrar i-ECA ou ARA II + diurético + antagonista AC ou BB. Síndrome Metabólica Luís Oliveira A síndrome metabólica (SM) é definida pelas mais recentes recomendações europeias de prevenção cardiovascular como a combinação de diversos factores que tendem a coexistir num indivíduo e que aumentam o risco de diabetes mellitus e doença cardiovascular: obesidade central, HTA, colesterol HDL baixo, triglicerídeos elevados, glicémia elevada. Duas ideias centrais são destacadas neste documento. Na primeira é feita a sugestão de que a identificação de um destes componentes deverá implicar o rastreio sistemático de todos os outros e, caso estejam presentes, o seu tratamento. Com igual realce é dito que a actividade física e o controle do peso reduzem drasticamente o risco de aparecimento de diabetes mellitus nos indivíduos com SM. Esta síndrome já conheceu outras designações tais como síndroma X (distinto do síndrome X que designa a isquémia miocárdica microciculatória), quarteto mortal, síndroma de resistência à insulina ou cintura hipertrigliceridémica, e tem sofrido uma evolução contínua dos seus critérios diagnósticos (quadro). Como facilmente se compreende, a taxa de prevalência da SM tem sofrido um forte incremento nos últimos anos, fruto quer do aumento da obesidade e do sedentarismo das populações de países desenvolvidos e em via de desenvolvimento, quer da maior abrangência dos critérios de diagnóstico 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 17 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 18 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Nota: na definição da OMS a microalbuminúria era também incluída como critério para SM Grande controvérsia tem surgido em torno desta designação, pois muitos autores defendem que não se trata de uma verdadeira síndrome mas sim de um aglomerado de factores de risco. A verdade é que o seu aparecimento resulta da coexistência no mesmo indivíduo de obesidade / excesso ponderal, maior resistência à insulina e um terreno genético predisponente, condições que aumentam o risco de HTA, dislipidémia e alteração do metabolismo glucídico, bem como outras patologias relacionadas como a esteatose hepática, a síndrome de apneia obstrutiva do sono, a litíase vesicular, o ovário poliquístico e a lipodistrofia. Actualmente conhecemos alguns aspectos do metabolismo do tecido adiposo, nomeadamente o visceral, que era considerado até há pouco tempo como metabolicamente inerte. Hoje sabemos que é capaz de desencadear uma resposta inflamatória crónica de baixa intensidade, através da indução da síntese de mediadores mitogénicos (JNK, NF-κß), quimotácticos (MCP-1), receptores de adesão leucocitária (ICAM-1, VCAM-1), prótrombóticos (PAI-1), entre outros. A marginação, adesão, diapedese e proliferação leucocitária que daqui resulta conduz à acumulação 18 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA de células mononucleadas entre as células adiposas, perpetuando e amplificando o processo inflamatório através da produção de múltiplas citoquinas (IL-6, TNF-α, etc) e exacerbando a resistência à insulina do próprio tecido adiposo e dos tecidos periféricos. Em condições de aumento da resistência à insulina a utilização de ácidos gordos livres pelos tecidos periféricos está diminuída e o fígado produz maior quantidade de lipoproteínas ricas em triglicerídeos. Este desvio condiciona as alterações lipídicas habitualmente encontradas nesta síndrome: aumento de TG e de apolipoproteína B, redução de colesterol-HDL e formação de LDL pequenas e densas (mais aterogénicas). Como atrás foi referido, a prevalência da SM varia de acordo com os critérios utilizados. No estudo europeu DECODE, em indivíduos não diabéticos e com idades entre os 30 e os 89 anos, a prevalência variava entre 25% (OMS) e 34% (IDF) nos homens e entre 18 e 32% nas mulheres (OMS e IDF, respectivamente). Utilizando os critérios NCEP ATP III aplicados ao registo NHANES III (1988-1994) a prevalência global de SM nos EUA era de 22%, sendo que os hispânicos tinham a maior taxa, 31,9%. Contudo, alguns registos norte-americanos têm demonstrado uma duplicação da prevalência da obesidade e diabetes mellitus na última década, de onde deverá resultar um aumento equivalente da SM. Entre nós, a prevalência da SM foi avaliada no registo VALSIM, que estudou mais de 16 000 indivíduos em cuidados de saúde primários, e os dados publicados revelam uma realidade preocupante, com a taxa de prevalência da SM de 27,5% para os critérios de NCEP ATP III, 49,1% para os critérios da IDF e 50,7% para os critérios da AHA/NHLBI. Paralelamente, 70% homens e 62% das mulheres avaliados tinham excesso de peso ou obesidade. Neste registo os factores que mais contribuíram para o diagnóstico de SM foram a HTA e a obesidade. A SM multiplica o risco de doença cardiovascular por 1,53 a 2,18 e o risco de mortalidade global por 1,27 a 1,60, sendo a variável mais determinante a sensibilidade à insulina. Neste âmbito a utilização de tabelas de risco (SCORE, Framingham, etc.) revelam-se mais eficazes para determinar o risco a médio prazo, quando BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 19 comparadas com o diagnóstico de SM. A presença desta entidade deverá estar mais relacionada com o risco para o tempo de uma vida de vir a padecer e/ou morrer de doença cardiovascular. Contudo, nos indivíduos de baixo risco (SCORE), a presença de SM confere-lhes risco cardiovascular aumentado (risco relativo aumenta 2,71 vezes). Por outro lado, o risco para o desenvolvimento da diabetes mellitus é multiplicado por 9 a 34 utilizando critérios da OMS e 7 a 24 com os critérios NCEP ATP III. Os maiores factores de risco para a DM são os estados de pré-diabetes: elevação glicose em jejum (glicose em jejum 100-125mg/dL) e intolerância à glicose oral (glicose 2 h após prova de tolerância à glicose oral 140199 mg/dL). O principal objectivo terapêutico da SM é a mudança do estilo de vida com vista à redução ponderal, ao aumento da actividade física e um dieta saudável. Estes são também algumas das medidas mais eficazes para prevenir o aparecimento da DM. Paralelamente, o tratamento / correcção dos principais factores de risco cardiovasculares (HTA, colesterol-LDL, tabagismo e DM) deve ser implementado de modo a atingir os objectivos definidos pelas recomendações internacionais. Se existe excesso de peso deve ser estabelecida uma dieta que permita a redução de 7 a 10% do peso corporal em 6 a 12 meses, o que implica uma redução da ingestão calórica diária de 500 a 1000 cal. As gorduras da alimentação devem fornecer 25-35% da ingestão calórica diária, com restrição da ingestão de gorduras saturadas ou trans, colesterol, sódio e açúcares de absorção rápida e incremento do consumo de frutas, vegetais, cereais integrais, peixe e carnes “brancas”. A prática de exercício físico deve consistir no mínimo 30 minutos de actividade moderada diária ou na maioria dos dias da semana. Especificamente para utilização na SM foi desenvolvida uma molécula, o rimonabant, que inibe o receptor canabinóide-1 endógeno, responsável pela regulação do apetite e do peso corporal. A sua utilização associou-se a efeitos favoráveis tais como a redução ponderal, redução perímetro da cintura, modificação da dislipidémia aterogénica e redução da TA, da glicemia e da prevalência da SM. Contudo o seu uso acarretava o aumento de efeitos adversos psiquiátricos tais como depressão, ansiedade e mesmo suicídio, o que levou à suspensão da sua comercialização pela EMEA. Assim, a terapêutica farmacológica deverá ser administrada para controlo da dislipidémia e da elevação da glicose em jejum, para o tratamento da HTA e da diabetes mellitus. Os objectivos da terapêutica da dislipidémia incluem a redução do colesterol-LDL, a redução do colesterol não-HDL e o aumento do colesterol HDL, o que se consegue geralmente com o uso de estatina isoladamente ou em associação com inibidor selectivo da absorção de colesterol, fibratos ou ácido nicotínico. As medidas mais eficazes para controlo da elevação da glicose em jejum são a redução ponderal e o aumento da actividade física, não existindo consenso relativamente a uso de certos antidiabéticos orais, nomeadamente a acarbose, a metformina ou as tiazolidinedionas, que retardam o desenvolvimento de diabetes, mas cujo efeito no prognóstico é desconhecido. Após a instalação da DM o seu controlo deve ter por alvo uma HbA1C inferior a 7,0% ou idealmente inferior a 6,5%. A TA deve ser reduzida para valores inferiores a 140/90mmHg ou mesmo 130/80mmHg em indivíduos com diabetes ou nefropatia. Por último, o controlo do estado pró-trombótico através da utilização de anti-agregantes plaquetares como o ácido acetilsalicílico continua a ser alvo de intensa controvérsia, dado o aumento de complicações hemorrágicas a que se associa a longo prazo. Sedentariedade e obesidade Miguel Mendes • Sociedade Portuguesa da Cardiologia O World Health Report, publicado pela OMs em 2002, estima que o sedentarismo, a obesidade e uma baixa ingesta de frutos e vegetais foram responsáveis por mais de 2.500.000 mortes em 2000. Relativamente a Portugal, as Health Statistics de 2002 da UE revelam que os Portugueses foram os europeus que menos tempo 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 19 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 20 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A despenderam semanalmente em actividade física em 1997, mas noutro artigo, publicado em 2006 (Sjöström, Journal of Public Health, 2006, 14: 291-300), verifica-se uma melhoria da situação, estando os Portugueses abaixo da média europeia em termos de tempo semanal gasto em marcha, mas com uma actividade física total ao nível da média europeia. Em termos de obesidade, segundo o já citado World Health Report, Portugal está acima da média Europeia na prevalência de excesso de peso e obesidade em adultos dos 2 sexos, mas tem o pior resultado da Europa em idade pediátrica. Embora de forma genérica se possa afirmar que o excesso de peso e a obesidade são devidos a um desequilibro entre as calorias ingeridas e as gastas em actividade física, sabe-se que têm múltiplas condicionantes, entre elas as relacionadas com a terciarização da sociedade, o acesso a transportes públicos e privados que condicionam uma redução da actividade física e factores culturais e educacionais que motivaram a troca da dieta tradicional por outra onde avultam alimentos de elevado valor calórico e escasso valor nutritivo, de fácil acesso, confecção e baixo custo. A situação da obesidade em Portugal e no mundo, é muito preocupante em termos de Saúde Pública porque se sabe apresenta uma relação directa com a aterosclerose, cujas primeiras lesões se instalam nas primeiras décadas da vida, pelo que se prevê um grande aumento da incidência de doença aterosclerótica em consequência da actual epidemia de obesidade, particularmente nos actuais adolescentes. A obesidade e o excesso de peso, devem ser avaliados pelo índice de massa corporal e também pelo perímetro da cintura, que quando elevado, apresenta um valor preditivo superior ao do peso para eventos cardiovasculares. Para além da doença cardiovascular aterosclerótica, que compreende a cardiopatia isquémica, a insuficiência cardíaca e o acidente vascular cerebral, os portadores de excesso de peso e de obesidade apresentam maior prevalência e gravidade de factores de risco clássicos (diabetes mellitus tipo II, HTA e dislipidémia) mas também de factores desencadeantes de 20 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA eventos como hipercoaguabilidade sanguínea e inflamação vascular. Sabendo-se que as intervenções estritamente farmacológicas apresentam uma eficácia inferior à mudança do estilo de vida para fazer face a esta problemática, é obrigatório promover uma intervenção combinada que promova a nutrição saudável e a actividade física, que associadas são a melhor forma para reduzir e manter os resultados ao nível da perda de peso. Esta intervenção combinada é obrigatória e a base da intervenção para controlo do excesso de peso, já que a abordagem farmacológica e a cirúrgica devem ser reservadas para os casos de obesidade grave ou quando já existe patologia relacionada com a obesidade. As mudanças nutricionais que se devem promover são o aumento de ingestão de cereais integrais, frutas e vegetais, a redução de cereais refinados, proteínas e gorduras animais, com a excepção das provenientes do peixe e dos frutos secos por serem ricas em óleos gordos ómega-3. O exercício físico tem um papel central na prevenção primária e secundária da patologia cardiovascular e deve ser promovido em todas as idades, para indivíduos saudáveis e para doentes cardíacos. É conhecido que o seu benefício que se correlaciona com o volume de actividade realizada (efeito doseresposta positivo) e que confere uma protecção com peso semelhante à dos factores de risco clássicos. Em termos populacionais, as últimas guidelines europeias e americanas, recomendam a adopção de um estilo de vida activo e o gasto de 1500 cal por semana em actividade física formal, realizada no mínimo cinco vezes por semana, durante 30 minutos se o exercício for de intensidade ligeira ou moderada como a marcha, ou durante 20 minutos e com periodicidade trissemanal se a actividade escolhida for mais intensa, como a corrida. BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 21 Frequência cardíaca: um novo factor de risco? Hugo Madeira Em muito estudo epidemiológicos verificou-se haver uma associação entre a cardíaca (FC) e o risco de sofrer acidentes cardiovasculares. Por exemplo no estudo de Framingham(1), em que mais de 2 mil doentes hipertensos foram observados durante 36 anos, verificou-se uma clara associação entre o aumento da FC e a subida da mortalidade. No estudo CASS - The Coronary Artery Surgery Study(2) - que envolveu cerca de 25.000 doentes, com doença das artérias cornarias com um tempo de acompanhamento médio de 14 anos, constatou-se que uma FC maior surgia associada a um aumento da mortalidade cardiovascular e da mortalidade total. Finalmente, no estudo INVEST(3), abrangendo cerca de 22 mil doentes hipertensos e com doença das artérias coronárias, concluiu-se que havia relação directa entre a FC e a incidência de acidentes cardiovasculares, particularmente quando aquela ultrapassava 70 batimentos por minuto (bpm). Qual a razão que pode estar na base destes factos em doentes com lesões coronárias? (4) O aumento da FC determinado por esforço físico ou emoção intensa, em doentes com insuficiência coronária, conduz simultaneamente a um aumento do consumo de oxigénio e a uma redução do fluxo coronário, face à redução do tempo diastólico. Estes factores desencadeiam isquemia miocárdica, eventualmente angina, provocando um aumento das catecolaminas circulantes que, por sua vez, determinam um incremento da FC. Cria-se assim um ciclo vicioso que, se se mantém, não só agrava a disfunção ventricular esquerda como pode terminar em novo acidente coronário agudo. Apesar dos progressos terapêuticos na área cardiovascular, a mortalidade e a morbilidade na doença das artérias coronárias continuam muito elevadas. A exploração da hipótese terapêutica incidindo sobre o controlo da FC foi recentemente testada num estudo - o estudo Beautiful(4), que se socorreu das propriedades de um novo fármaco, a Ivabradina. A Ivabradina (5,6) é um inibidor selectivo dos canais f nas células do nódulo sinusal, responsáveis pelo estímulo cardíaco. A inibição dos canais f impede a passagem da corrente iónica que origina a propagação do potencial de acção, cujo resultado é justamente aquele estímulo. Assim, uma inibição dos canais f, pela Ivabradina, atrasa o tempo de despolarização diastólica e o próximo estímulo, reduzindo portanto a FC. O estudo BEAUTIFUL - morBidity-mortality EvAlUaTion of the IF inhibitor ivabradine in patients with CAD and left ventricULar dysfunction(7) - decorreu em 781 centros de 33 países e envolveu cerca de 11.000 doentes, com cardíaca em repouso > 60 bpm. O objectivo principal do estudo foi avaliar o efeito do fármaco na prevenção de acidentes cardiovasculares em doentes com doença das artérias coronárias e disfunção ventricular esquerda (fracção de ejecção <40%). No entanto, um outro objectivo, secundário mas importante, foi avaliar os efeitos duma FC > 70 bpm neste tipo de doentes, em relação ao aparecimento de enfarte agudo de miocárdio (EAM) ou à necessidade de revascularização coronária (na população placebo). O objectivo primário combinado, procurou analisar os resultados na perspectiva do aparecimento de morte cardiovascular, hospitalização por EAM e hospitalização por novos casos ou agravamento de insuficiência cardíaca, tanto no total da população incluída (FC > 60 bpm), como separadamente no subgrupo de doentes com FC basal (no início do estudo) > 70bpm. Durante a duração do estudo (35 meses) com uma média de acompanhamento de 19 meses, foram avaliados 5.479 doentes que tomaram Ivabradina e 5.438 que receberam placebo. As características dos 2 grupos de doentes eram similares. Analisando a distribuição de cardíaca na população no início do estudo, observou-se que a FC média estava entre 71 e 72 bpm, sendo que quase metade dos doentes tinha FC > 70 bpm, apesar de maioritariamente tratados com bloqueadores adrenérgicos-ß. Aliás pode dizer-se que a população em estudo estava bem tratada, visto que 94% dos doentes tomavam agentes anti-trombóticos, 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 21 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 22 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A 90% inibidores do sistema renina-angiotensina, 87% bloqueadores adrenérgicos-ß e 74% estatinas. Vejamos, os pricipais resultados do estudo(8). Em relação à análise, simplesmente, da influência da FC na ocorrência de acidentes cardiovasculares em doentes coronários com disfunção sistólica ventricular esquerda (critério de inclusão no estudo) verificou-se (doentes do grupo placebo), que os pacientes que registavam FC em repouso superior a 70 bpm no início do estudo, tinham - relativamente aos de inferior - um aumento de risco de ocorrência de acidentes cardiovasculares que no caso, por exemplo, de novo enfarte de miocárdio fatal ou não fatal, foi de 46%, atingindo 34% para a morte de causa cardiovascular e 38% para necessidade de revascularização coronária. Ou seja a FC, quando > 70 bpm, no tipo de população estudada, é um factor de risco independente dos outros e deve constituir um alvo terapêutico. Observando agora os resultados da acção da Ivabradina (sobre a FC) quando comparada com o placebo, verifica-se que a Ivabradina leva a uma redução média de FC de 5 bpm. Se analisarmos separadamente o sub-grupo que no início do estudo tinha FC > 70 bpm, então o efeito da Ivabradina torna-se maior, quando comparado com os do placebo, registandose uma redução média de FC de 7 bpm. Neste grupo com FC > 70 bpm são bem evidentes os efeitos da Ivabradina na protecção contra novos acidentes cardiovasculares. De facto, comparativamente aos doentes do grupo placebo, observa-se uma redução de risco de hospitalização por EAM ou angina instável de 22%, de hospitalização devido a EAM fatal e não-fatal de 36%, e de necessidade de revascularização coronária de 30%. Se quisermos situar os benefícios obtidos pela Ivabradina ao nível da prevenção de EAM fatal e não fatal, vemos que o número de doentes que é necessário tratar (NNT) durante 1 ano, para evitar 1 acidente coronário, é de 93, contra 107 para os bloqueadores adrenérgicos-ß, 105 para os inibidores da enzima de conversão da angiotensina e 63 para as estatinas. Pode pois concluir-se que os doentes com doença das artérias coronárias e má função sistólica ventricular esquerda que tem FC > 70 bpm têm um risco 22 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA cardiovascular superior aos que têm FC menor. A FC deve ser tomada, neste contexto, como um factor de risco. A Ivabradina reduz os acidentes coronários em 22%, no tipo de doentes em causa, com FC > 70 bpm, mesmo que prescrita em adição à terapêutica convencional óptima. Referências 1. Gilman MW, et al Am Heart J 1993; 125:1148-54 2. Diaz A, et al Eur Heart J 2005; 26:867-74 3. Kolloch et al Cur Heart J 2008 ; 29 :1327-34 4. Fox K. Lancet 1990; 335:94-96 5. Thollon C, et al, Br. J. Pharmacol 1994 ;512 :37-42 6. DiFrancesco A et al. Drugs 2004 ; 64 :1757-65 7. Fox K, et al Cardiology 2008 ;110 :271-82 8. Fox K, et al. ————— 2008 Etiopatogenia e apresentação clínica da Febre Reumática Auristela Ramos • Chefe da Sessão de endocardite infecciosa e Médica da Sessão de valvopatias do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia do Estado de São Paulo - Brasil. • Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo- Brasil 1. Introdução A Febre Reumática é uma doença que acomete cerca de 15 milhões de cidadãos ao redor do mundo, sendo a maioria deles crianças e adolescentes, em idade escolar. É responsável por cerca de 500.000 mortes por ano, desabilita inúmeras pessoas, em conseqüência das lesões valvares irreversíveis, da necessidade de várias cirurgias cardíacas e da incapacidade física, secundária ao acidente vascular cerebral, que com frequência acomete os pacientes com valvopatia reumática. A Febre reumática é responsável por 60% das cardiopatias nas crianças e nos adultos jovens. O impacto social é incalculável com altos índices de repetência escolar e absenteísmo no trabalho por parte dos pais(1). No Brasil, no período compreendido entre 2005 e 2007 cerca de BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 23 30.000 pacientes necessitaram internação para tratamento de Febre reumática, contabilizando custos de 162 milhões de reais. Dentre as cirurgias cardíacas realizadas no Brasil, 26% são para correção de valvopatia reumática(2). Foi no início do século XX que ocorreram as primeiras suspeitas de que a febre reumática era precedida por uma infecção bacteriana da orofaringe e em 1930 Coburn confirmou a associação da FR com uma faringoamidalite causada pelo Streptococcus pyogenis(3). A faringite é a infecção mais comumente encontrada entre crianças e adolescentes na maior parte do mundo. Estima-se que as crianças tenham pelo menos uma infecção da orofaringe por ano. No entanto, a grande maioria das infecções tem origem idiopática ou viral e cerca de 5 a 10% tem origem bacteriana. Dentre as infecções bacterianas o Streptococcus é o principal agente etiológico. A grande maioria das faringites bacterianas é benigna, responde bem ao tratamento antimicrobiano e não leva a complicações. O diagnóstico é geralmente clínico, realizado por meio de história de febre alta, adenomegalia dolorosa cervical, coloração avermelhada da orofaringe, dor a deglutição, com ou sem a presença de placas purulentas. Em geral a faringoamidalite bacteriana não vem acompanhada de coriza, tosse ou rouquidão. O diagnóstico definitivo é feito por meio da cultura da secreção da orofaringe ou pelo Teste imunológico rápido. Contudo, a cultura leva de 24 a 48 horas para positivar, o que pode atrasar o início do tratamento. O teste imunológico, por sua vez, realizado com material colhido da orofaringe detecta antígenos da parede celular do Streptococcus e não necessita de aparato laboratorial sofisticado. A especificidade deste método gira em torno de 85 a 100% de acordo com o kit utilizado. Por outro lado nenhum dos testes mencionados acima diferencia uma infecção bacteriana aguda de um portador crônico do Streptococcus(3). Um estudo envolvendo 1860 crianças e adolescentes do Brasil, da Croácia e do Egito com o objetivo de avaliar a acurácia do exame físico para o diagnóstico de faringite estreptocócica, verificou que o exame clínico isolado teve uma baixa sensibilidade, quando comparado a cultura da orofaringe, variando entre 4,1 e 8,5% e uma alta especificidade (93%). Do ponto de vista prático, nas regiões com alta prevalência de FR é necessário que o método diagnóstico para detecção de estreptococcia tenha alta sensibilidade, para que as faringoamidalites bacterianas não deixem de ser tratadas adequadamente(4). Logo o ideal seria a utilização de diagnósticos mais sensíveis, como a cultura ou o teste rápido. Dentre as crianças que tem faringoamidalite estreptocócica, cerca de 3 a 4 % desenvolverão a febre reumática e 30 a 40% terão lesão valvar grave. 2. Patogênese A patogênese da Febre reumática é complexa, tem caráter imunológico, é patologicamente significativa e clinicamente devastadora. As evidências apontam para ocorrência de uma resposta imune anormal, tanto humoral como celular contra o Streptococcus‚-hemolítico do grupo A e seus componentes. Um mimetismo molecular entre os antígenos do Streptococcus, principalmente os epítopos da proteína–M e os tecidos humanos, tais como as valvas cardíacas, a miosina, a tropomiosina, as proteínas, o tecido sinovial e as cartilagens, tem sido proposto como um fator desencadeante da autoimunidade, em indivíduos geneticamente predispostos(5). A maior frequência da FR encontrada entre os gémeos (homozigóticos 18,7% versus heterozigóticos 2,5%) e a presença de vários marcadores genéticos corroboram para fortalecer as evidências da susceptibilidade genética para a febre reumática. A associação com alguns alelos do sistema de histocompatibilidade (HLA classe II) tem sido observada em vários estudos. HLA-DR e DQ foram observados em países de etnias diversas como Brasil, Turquia, Egito e Lativia. Os linfócitos T são sensibilizados pelos antígenos do Streptococcus, ativam os linfócitos-B que irão infiltrar o tecido cardíaco e desencadear a lesão. Desta forma inicia-se um processo inflamatório, com elevação da molécula de adesão VCAM-1 e interação com linfócitos T(CD4+ e CD8+). Esta interação dá origem ao recrutamento e a 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 23 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 24 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A infiltração celular no tecido valvar, particularmente dos linfócitos T que são os principais mediadores da lesão valvar (6,7). 3. Diagnóstico O diagnóstico da Febre reumática baseia-se no quadro clínico obtido por meio dos critérios de Jones revisados(4). Entre os critérios maiores estão: a cardite, a artrite, a coréia e os nódulos subcutâneos e entre os menores estão: a artralgia, a febre, a alteração das provas inflamatórias e o prolongamento do intervalo PR presente no eletrocardiograma. A associação de dois critérios maiores, ou de um maior e dois menores, na presença de história e exames complementares compatíveis com uma estreptococcia previa, sugere fortemente o diagnóstico de Febre reumática. Nos pacientes já sabidamente portadores de doença valvar cardíaca, dois critérios menores em associação com antecedentes de estreptococcia são suficientes para fazer o diagnóstico (1,3,8). 4. Apresentação clínica Artrite é o sintoma mais comum, caracterizada por dor e edema das grandes articulações, de caráter migratório e responde muito bem aos antinflamatórios não hormonais sem deixar seqüelas. Cardite caracteriza-se por uma pancardite, elevação da frequência cardíaca, dor precordial, dispnéia, aparecimento de sopros e atritos cardíacos.A repercussão hemodinâmica pode ser discreta ou levar a franca insuficiência cardíaca congestiva. Coréia é resultado do envolvimento do sistema nervoso central, manifesta-se por sintomas de irritabilidade, falta de concentração, labilidade emocional e movimentos involuntários, em um ou nos dois lados do corpo. Mais comumente encontrado nas mulheres jovens. Pode aparecer entre três e seis meses após a infecção da orofaringe. Os nódulos subcutâneos (frequentemente associado com a cardite, indolores) e o eritema marginatum (indolores, aparecem nos dorso) são menos freqüentes. Em um hospital infantil, localizado no Nordeste Brasileiro, numa população de 133 crianças, com idades entre 3 e 16 anos, internadas com diagnóstico de FR, observou-se 24 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA que a cardite isolada foi o principal motivo da internação, seguida pela cardite e artrite, pela artrite isolada e pela coréia. Meira et al (9) ao acompanharem 258 crianças com diagnóstico de FR, por um período de dois a 15 anos, observaram que cerca de 70% delas evoluíram com seqüela cardíaca, das quais 16% ficaram com lesão grave. Ao analisarem os preditores para desenvolvimento de lesão valvar grave observaram que: a baixa escolaridade da mãe da criança portadora de FR (período escolar inferior a quatro anos, p=0,0066, IC=1,46-10,47), a recorrência da febre reumática (p=0,0006, IC=2,21-18,02), a presença de cardite moderada a grave (p<0,0001, IC=6,26-43,08) e a associação da baixa escolaridade da mãe com a recorrência da FR (p=0,0351, IC=0,06-0,9) foram os fatores preditivos de maior impacto na gravidade da lesão cardíaca. 5. Exames complementares Não há provas laboratoriais específicas para confirmar o diagnóstico de febre reumática. Na fase aguda os exames se destinam a comprovar a existência de uma infecção estreptocócica recente e a presença de um processo inflamatório. A cultura de orofaringe fornece pouca informação, visto que, só é positiva em 25% dos casos. Entretanto, os testes que avaliam a presença de anticorpos antiestreptocócicos são de grande utilidade. A antiestreptolisina O está elevada na grande maioria dos casos. Antiestreptoquinase, antihialuronidase, antidesoxirribonuclease A e B também podem ser pesquisados. O processo inflamatório é confirmado pela elevação do número de leucócitos, velocidade de hemossedimentação, mucoproteínas e proteína C reativa (1,3). Radiografia de tórax, eletrocardiograma e Doppler-ecocardiograma devem fazer parte da avaliação do paciente com quadro de febre reumática. O ecocardiograma é mais sensível do que o exame clínico para detecção da doença valvar reumática, aumentado em 10 vezes a prevalência da valvopatia(10). BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 25 6. Tratamento O tratamento da Febre reumática baseia-se na erradicação do Streptococcus, ou seja, na profilaxia primária, no alívio dos sintomas inflamatórios, no tratamento da insuficiência cardíaca, no acompanhamento da criança e da sua família, com melhorias nas condições sócio-econômicas e culturais e na garantia da profilaxia secundária. A penicilina Benzatina é o antimicrobiano mais recomendado, tanto para profilaxia primária como para a secundária, em razão de sua comprovada eficácia bacteriológica, seu espectro de atividade contra o Streptococcus, por ser dose única intramuscular e por ser uma medicação de baixo custo. Para tratamento da faringite a recomendação é de uma injeção intramuscular profunda, dose única de 600.000U para as crianças com peso inferior a 25Kg e 1.200.000U para aquelas com mais de 25 Kg, caso o paciente não aceite a aplicação da penicilina por via intramuscular, pode ser prescrita a Penicilina V oral, 250 a 500mg de acordo com o peso, três vezes ao dia, por um período de 10 dias. Se houver história de alergia à penicilina recomenda-se Eritromicina ou Azitromicina (1,3,11,12,13). A artrite responde bem aos analgésicos e antinflamatórios não-hormonais. A cardite deve ser tratada com repouso relativo, restrição hídrica e salina, tratamento convencional da insuficiência cardíaca, diurético, inibidores de enzima de conversão. Embora os benefícios dos corticoesteróides para tratamento da cardite não tenham sido comprovados por meio de estudos clínicos randomizados, estes continuam sendo recomendados por uma grande parcela da comunidade médica que lida com febre reumática aguda. A prednisona pode ser prescrita na dose de 1 a 2 mg/Kg dia por duas semanas, com redução gradual, em torno de 25% da dose por semana, de modo que o tratamento dure cerca de três meses (1,3,11). intramuscular parece ser mais eficaz do que a oral, bem como o regime de aplicação a cada três semanas(15). Nos casos de febre reumática sem cardite a profilaxia deve ser mantida por um período de cinco anos após o último surto da doença ou até a criança completar 18 anos de idade. Nos casos em que houve cardite, porém não houve lesão valvar permanente, a profilaxia deve ser estendida por 10 anos após o último surto ou até que o paciente complete 25 anos de idade. Sempre deve-se dar preferência ao maior tempo possível de profilaxia. Nos pacientes que ficaram com doença cardíaca reumática, ou seja, com lesão valvar permanente a profilaxia deve ser prolongada até pelo menos os 40 anos de idade (1,3,11,12,14,15). Bibliografia 1. World Health Organization. Rheumatic Fever and Rheumatic heart disease. Geneve. WHO expert consultation, 2004 (WHO Technical Report Series-923). 2. Ministério da Saúde. Assessoria Tecnica-Gerencial. DATASUS/FNS/MS. WWW.datasus.gov.br 3. Dajani A, Taubert K, Ferrieri P, Peter G, Shulman S and the Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis and Kawasaki disease of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, the American Heart Association. Treatment of acute Streptococcal pharyngitis and prevention of Rheumatic Fever: A Statement for health prefessionals. Pediatrics. 1985;96:758 4. Rimoin et al. Evaluation of the WHO clinical decision rule for streptococcal pharyngitis. Archives of Disease in Childhood 2005;90:1066 5. Guilherme L, Fae KC, Tanaka AC, Binotto MA, Kalil J. Doença Reumática. In: Lesões das valvas cardíacas, do diagnóstico ao tratamento. Meneghelo ZM, Ramos AIO. Atheneu 2007. Capitulo 3:27. 6. Guilherme L, Kalil J. Role of autoimmunity in rheumatic fever. Future Rheumatol 2008;3:161. 7. 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Update Software. 7.Profilaxia: Para a profilaxia secundária recomendam-se as dosagens descritas acima, aplicadas a cada três ou quatro semanas. A penicilina 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 25 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 26 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Fibrilação Auricular, Ritmo e Prevenção do Tromboembolismo Rui Fernando Ramos • Diretor de saúde cardiovascular da Sociedade Brasileira de cardiologia • Médico responsável pela Unidade Coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum nos Estados Unidos. Sua prevalência aumenta com a idade, ocorrendo em 3,8% das pessoas com até 60 anos e em 9% das pessoas com idade acima de 80 anos(1).Pode ser classificada em paroxística, persistente ou permanente. A fibrilação atrial paroxística é aquela que reverte espontaneamente em menos de sete dias, usualmente em menos de 24hs. A fibrilação atrial persistente requer a cardioversão elétrica ou farmacológica ou tem duração superior a sete dias. A fibrilação atrial permanente é aquela na qual nunca foi tentada a cardioversão ou a mesma foi sem sucesso e tem duração superior a 12 meses(2). Esta classificação se aplica a episódios da FA com mais de 30 segundos de duração e não relacionadas a uma causa reversível. Se a fibrilação atrial é secundária a cirurgia cardíaca, pericardite, infarto do miocárdio, hipertireodismo, embolismo pulmonar, ou outras causas reversíveis, o tratamento deve também ser dirigido para a doença de base. As causas de FA podem ser cardíacas e não cardíacas como demonstrado no quadro anexo (slide 6). “Lone fibrillation” é a FA que ocorre em pacientes sem lesão estrutural cardíaca, usualmente em indivíduos abaixo de 60 anos e apresenta baixo risco de tromboembolismo e morte(6). Tratamento O tratamento da fibrilação atrial contempla quatro objetivos principais: • Controle do ritmo, que consiste na reversão da FA para o ritmo sinusal, seguido da sua manutenção. • Controle da frequência cardíaca, que consiste na administração de medicamentos para controlar a frequência ventricular em pacientes com FA crônica. • Alívio dos sintomas • Prevenção do tromboembolismo sistêmico 26 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA Controle do Ritmo: O controle do ritmo da FA pode ser obtido por a cardioversão elétrica externa sincronizada ou por cardioversão farmacológica. O tempo de duração da FA é um importante fator e influencia na decisão de reversão. Pacientes com episódios de FA com menos de 48h de duração apresentam cerca de 60% de reversão espontânea da FA, em 24h(3). Os pacientes com episódios de FA com duração superior a 48h ou com duração desconhecida, assim como os portadores de estenose mitral, pacientes com antecedentes de tromboembolismo, mesmo com duração inferior a 48hs, podem apresentar trombo atrial e devem ser anticoagulados antes de serem submetidos à uma terapia de reversão do ritmo. A reversão do ritmo deve ser postergada e o paciente anticoagulado apropriadamente, mantendo uma Relação Normatizada Internacional (RNI ) entre 2.0 e 3.0, por um período de 4 semanas pré reversão do ritmo e por mais quatro semanas após reversão devido o risco similar de tromboembolismo neste período(2,4). O sucesso da cardioversão elétrica é de 75% a 93% e este índice pode ser maior quando se administram antiarrítmicos antes de sua realização. O sucesso da cardioversão farmacológica varia com o agente utilizado e está em torno de 50% após 1 a 5h (4). Vários antiarrítmicos são comprovadamente mais efetivos que placebo para reverter o ritmo, com um índice de sucesso que varia entre 30 e 60%(5). A eficácia da reversão do ritmo com o ibutilide, flecainamida, dofetelide, propafenona e amiodarona foi evidenciada em estudos randomizados e já está bem estabelecida(2). Por outro lado, os grandes estudos que avaliaram o benefício do controle do ritmo versus controle de frequência, mostraram que não houve nenhum beneficio no braço de controle do ritmo. Não houve diferença em relação à mortalidade, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e sangramento(2,6,7,8). Vale ressaltar que os resultados dos estudos são mais aplicáveis em pacientes idosos, pois a idade média dos pacientes randomizados nos estudos AFFIRM(6) e RACE(7) foi de 70 e 68 anos respectivamente. Em pacientes jovens, sintomáticos, sem doença estrutural cardíaca, a reversão para o ritmo sinusal deve ser tentada(2). Após a cardioversão, quando não é prescrito antiarritmicos, a manutenção do ritmo sinusal ao final de um ano é de 20 a 30%. Probabilidade do paciente permanecer em ritmo sinusal é maior quando os pacientes tem FA de curta duração (inferior a um ano), quando o diâmetro de átrio esquerdo BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 27 é normal e quando a FA é secundária a hipotireoidismo, pericardites, embolia pulmonar e cirurgia cardíaca(9). A droga de escolha para manutenção do ritmo sinusal varia conforme o quadro clinico. A flecainamida e a propafenona podem ser empregadas em pacientes com doença cardíaca mínima. A amiodarona é significantemente superior aos outros medicamentos na manutenção do ritmo sinusal, mas devido aos seus efeitos colaterais deve ser reservada para os pacientes com insuficiência cardíaca, disfunção sistólica moderada a grave ou hipertensão arterial com hipertrofia ventricular esquerda(2). Controle da em pacientes com FA crónica O controle da frequência cardíaca previne a instabilidade hemodinâmica, os sintomas de palpitação, ICC, angina, baixa capacidade de exercício e evita a taquicardiomiopatia. Considera-se controle ideal da frequência cardíaca quando esta se mantém entre 60 e 80 batimentos/minuto em repouso e 90 a 115 durante o exercício(2). As medicações mais utilizadas para retardar a condução atrioventricular são os betabloqueadores, os bloqueadores dos canais de cálcio e nos pacientes com insuficiência cardíaca os digitálicos. Os betabloqueadores são os mais efetivos, especialmente em estados hiperadrenérgicos(9). O controle da frequência é adequado em mais de 80% dos pacientes. Os bloqueadores dos canais de cálcio devem ser preferidos em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. A digoxina não reduz a frequência cardíaca durante o exercício e por isto dever ser utilizada como terceira opção. É a droga de escolha em pacientes sedentários(2). Controle do ritmo versus No passado a reversão para o ritmo sinusal era a conduta preferida. Após os estudos AFFIRM (6) e RACE (7) se observou que os eventos embólicos ocorrem na mesma frequência, independentemente da reversão ou do ritmo da FA. Ocorre nos pacientes inadequadamente anticoagulados e naqueles que suspenderam a anticoagulação. O (8) controle da frequência é preferida na maioria dos pacientes . A reversão para ritmo sinusal deve ser considerada quando os sintomas persistem apesar do controle adequado da frequência cardíaca e nos pacientes jovens com primeiro episódio da FA, de início recente e com baixa probabilidade de recorrência(8). Procedimentos não faramacológicos Existem várias alternativas para manutenção ao ritmo sinusal em pacientes refratários ao tratamento convencional. Dentre eles o isolamento das veias pulmonares com cateter de radiofreqüência, a cirurgia, a ablação do nó sinusal com implante de marcapasso definitivo(2). Anticoagulação A anticoagulação para prevenir a embolização sistêmica é necessária em duas situações: antes e após a cardioversão química ou elétrica e nos pacientes com FA permanente. Todos pacientes com FA de duração superior a 48h ou tempo de duração desconhecidos devem ser anticoagulados no mínimo por quatro semanas antes da cardioversão. Este procedimento também é indicado em portadores de estenose mitral, tromboembolismo prévio(10). Cerca de 85% dos trombos do átrio esquerdo se resolvem em quatro semanas de anticoagulação(10). A RNI deve estar na faixa terapêutica variando entre 2.0 e 3.0 e deve-se ter certeza o seu valor manteve-se acima de 2.0 por mais de quatro semanas. Após a cardioversão é recomendado manter a anticoagulação na faixa adequada por mais quatro semanas. Mas cerca de 50% dos pacientes cardiovertidos apresentam FA recorrente, o que justifica mantê-los em regime de anticoagulação indefinidamente se forem de alto risco para formação de trombo(2). Em pacientes com FA crônica a incidência de acidente vascular cerebral (AVC) é de 3 a 5% ao ano na ausência de anticoagulação adequada. A incidência de AVC é baixa em pacientes abaixo de 75 anos sem fatores de risco. Aumenta consideravelmente em pacientes acima de 75 anos , principalmente naqueles com ICC, hipertensão arterial, diabetes mellitus e AVC prévio11. Existem vários modelos para estratificação de risco em pacientes com FA. Atualmente o escore CHADS 2 é o mais validado e utilizado(12). Pacientes com escore CHADS 2 igual a zero são de baixo risco para AVC isquêmico ou embolia periférica (0,5%/ano) e podem ser tratados com aspirina. Pacientes com escore CHADS 2 maior do que três são de alto risco para os eventos (5.3 a 6,9%/ano) e devem ser anticoagulados, respeitando-se as contraindicações para o uso de anticoagulante oral. Pacientes com CHADS 2 de um ou dois são de risco intermediário para o evento 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 27 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 28 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A (1.5 a 2.5%/ano). Neste grupo a escolha entre anticoagulação e aspirina depende de muitos fatores e da preferência dos pacientes. A RNI entre 2.0 e 3.0 é recomendada para todos os pacientes com FA. Nos paciente de alto risco a faixa recomendada deve estar entre 2.5 a 3.5 (tromboembolismo prévio, doença cardíaca reumática prótese valvar). Nos pacientes com idade superior a 75 anos e com risco aumentado de sangramento, recomenda-se deixar o RNI entre 1.8 e 2.0 (2). Além da anticoagulação, o tratamento da hipertensão arterial sistêmica, compensação da insuficiência cardíaca congestiva se faz necessária nestes pacientes. Os inibidores de enzima de conversão também parecem ter um papel na prevenção da recorrência e da FA (2). Bibliografia 1. 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Introdução Existem pelo menos três causas de estenose aórtica, a saber, doença congênita (valva aórtica bicúspide), degenerativa (calcificação dos folhetos) e doença valvar reumática. A estenose aórtica degenerativa, ou doença fibrocalcificante, é a lesão mais comum na população idosa (1,2). Os resultados do Helsink Aging Study (3)., o qual envolveu 501 pacientes com idade entre 75 e 86 anos, demonstraram que a prevalência da estenose aórtica, pelo menos moderada, encontrada nesta população foi 5%. A prevalência de estenose aórtica grave aumentou acentuadamente com a elevação da idade, sendo 1% entre os pacientes com 75 anos, 2% no grupo de pacientes com 76 anos e 6% naqueles com 86anos. Houve maior prevalência nas mulheres (8,8 versus 3,6%). 2. Etiopatogenia A doença degenerativa pode ocorrer tanto nas valvas aórticas bicúspides como nas tricúspides, agrava-se com a idade e caracteriza-se por espessamento e calcificação dos folhetos. A degeneração é decorrente do acúmulo de lipídios, de um processo inflamatório e do depósito de cálcio. A valva tricúspide e a pulmonar são pouco afetadas. O depósito de cálcio inicia-se na base e se estende para a extremidade livre dos folhetos, há depósito de nódulos de cálcio nos seios de Valsalva. As comissuras ficam livres, ocorre fibrose, esclerose e calcificação, inicialmente discreta, a qual se intensifica levando a distorção e a disfunção valvar. Histologicamente trata-se de um processo inflamatório, 28 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 29 semelhante à aterosclerose coronariana (4).. Uma vez instalada a estenose aórtica o grau de progressão da obstrução varia marcadamente. Em geral, ocorre uma elevação anual de 7 mmHg no gradiente transvalvar e uma queda na área valvar de 0,02 a 0,3 2 cm . Vários estudos demonstraram que a evolução da doença é mais acelerada nos idosos, nos hipertensos, nos dislipêmicos e nos fumantes. A progressão parece ser mais acelerada nas mulheres 2 com idade superior a 75 anos de idade (0,11cm /ano) e mais lenta 2 nos homens com idade inferior a 75 anos (0,08cm ). Outro estudo identificou que os pacientes diabéticos, com síndrome metabólica ou em programa de diálise tinham progressão mais acentuada da estenose aórtica (5,6,7). Entre outros fatores de risco que podem influenciar a progressão da estenose aórtica estão: a gravidade da lesão, avaliada pela área valvar e pela velocidade do jato, o grau de calcificação, a tolerância ao exercício físico, a etiologia da estenose, hipercolesterolemia, insuficiência renal e hipercalcemia, além do sexo masculino, o hábito de fumar e a idade (8).. 3. Fisiopatologia e quadro clínico Quando a estenose aórtica torna-se hemodinamicamente significativa ocorrem alterações adaptativas no ventrículo esquerdo, caracterizadas por hipertrofia concêntrica. Esta hipertrofia consegue manter o débito cardíaco e a tensão da parede durante um longo período. Entretanto, com a progressão da estenose o ventrículo esquerdo torna-se menos complacente, elevando a pressão diastólica final e os sintomas aparecem. Em geral, os sintomas surgem quando a área valvar se estreita, em 2 torno de 1,0cm , e o gradiente transvalvar médio eleva-se acima de 40 mmHg. Os pacientes permanecem assintomáticos durante um longo período de tempo, e a sobrevida durante este período é praticamente semelhante à sobrevida da população da mesma idade e sexo. Quando os sintomas clássicos aparecem, dispnéia, angina ou síncope a mortalidade com o tratamento clínico em alguns anos excede os 90% (9,10). Por outro lado, a probabilidade de um paciente com estenose valvar desenvolver sintomas em um curto período de tempo é elevada (10,11). Um estudo envolvendo 622 pacientes com estenose aórtica grave, seguidos por um período médio de 5,1 anos, com média de idade de 72 anos, demonstrou que a probabilidade do indivíduo permanecer livre de troca valvar aórtica ou morte de causa cardíaca foi de 80%, 63% e 25% em um, dois e cinco anos, respectivamente. A probabilidade de permanecer assintomático e sem indicação cirúrgica foi de 82%, 67% e 33%, no mesmo período de tempo. O risco foi mais elevado nos pacientes com obstruções mais graves (velocidade de pico ? que 4,0 m/s) e a incidência de morte súbita nos pacientes assintomáticos foi inferior a 1%. Por esta razão, o paciente com estenose aórtica grave deve ser avaliado sistemática e periódicamente, com história clínica detalhada, exame físico, eletrocardiograma, radiografia de tórax e Doppler-ecocardiograma, para mensurar o gradiente transvalvar, a área valvar o grau de hipertrofia e a função ventricular esquerda. O teste de esforço pode ser realizado nos pacientes, assintomáticos, com o objetivo de avaliar a capacidade funcional, o comportamento da pressão arterial o aparecimento de arritmias ou de sintomas. Amato e cols. realizaram teste de esforço em 66 pacientes com área valvar aórtica 2 entre 0.3 e 0.6cm . A sobrevida livre de eventos foi significativamente superior nos pacientes com teste de esforço negativo (3 de 66 pacientes com teste de esforço negativo e 33 de 45 com teste positivo tiveram eventos cardíacos ou morte)(12). 3. Tratamento O único tratamento efetivo para aliviar os sintomas e aumentar a sobrevida de pacientes com estenose aórtica grave é a troca valvar(12,13,14). Nos pacientes que não aceitam a cirurgia ou que tem risco cirúrgico muito elevado, as opções são limitadas. A valvotomia percutânea alivia os sintomas, mas o índice de reestenose é elevado(15). O implante de próteses por via percutânea já é uma realidade e tem sido realizado com sucesso em alguns centros (16). Mesmo nos pacientes idosos a intervenção cirúrgica é o tratamento de eleição para pacientes sintomáticos com estenose aórtica. 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 29 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 30 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A A idade avançada é um preditor de mortalidade cirúrgica, a qual varia entre 5 e 18%. Em algumas séries a mortalidade no grupo de pacientes com idade igual ou superior a 80 anos foi significativamente mais elevada do que no grupo entre 65 e 75 anos (14% versus 4%). A associação com cirurgia de revascularização miocárdica ou cirurgia sobre a valva mitral elevam ainda mais a mortalidade (17,18,19,20). O tratamento clínico dos pacientes com estenose aórtica consiste na prevenção de endocardite infecciosa, no controle da dislipidemia, diabetes, na interrupção do hábito de fumar e no controle da pressão arterial (13,14). Até o presente momento nenhum tratamento medicamentoso específico pode alterar a história natural da doença. Embora estudos retrospectivos com estatina tenham sido promissores(21,22), os resultados não foram comprovados no mais recente e prospectivo estudo SEAS(23) (Sinvastatina and Ezetimibe in Aortic Stenosis). Este estudo envolveu 1873 pacientes com estenose discreta a moderada os quais foram randomizados para sinvastatina associado à ezetimibe versus placebo. Não foram encontradas diferenças significativas, em um seguimento de 52 meses, em relação à morte de origem cardiovascular, troca valvar, infarto do miocárdio, angina instável e insuficiência coronariana. Também não houve diferença na progressão da doença (velocidade de pico 0,62 0,61m/s/ano no grupo placebo versus 0,61+0,59m/s/ano no grupo medicação). O papel dos inibidores da angiotensina em retardar a progressão da calcificação dos folhetos também não está comprovado (24). A decisão terapêutica no idoso com estenose aórtica deve ser individualizada, levando-se em consideração a gravidade da doença, as comorbidades associadas, a expectativa de vida, a mortalidade cirúrgica e principalmente o desejo do próprio paciente. 30 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA Bibliografia 1. Spencer, G. US bureau of the census: Projections of the population of the United States, by age, sex and race: 1988 to 2080. Current Population 1989. p.1018. 2. Lung, B, Baron, G, Butchart, EG, et al. A prospective survey of patients with valvular heart disease in Europe: The Euro Heart Survey on Valvular Heart Disease. Eur Heart J 2003; 24:1231. 3. Lindroos, M, Kupari, M, Heikkila, J, et al. Prevalence of aortic valve abnormalities in the elderly: an echocardiographic study of a random population sample. J Am Coll Cardiol 1993; 21:1220. 4. Stewart, BF, Siscovick, D, Lind, BK, et al. Clinical factors associated with calcific aortic valve disease. Cardiovascular Health Study. J Am Coll Cardiol 1997; 29:630. 5. Otto CM; Burwash IG; Legget ME; Munt BI; Fujioka M; Healy NL; Kraft CD; Miyake-Hull CY; Schwaegler RG. Prospective study of asymptomatic valvular aortic stenosis. Clinical, echocardiographic, and exercise predictors of outcome. Circulation 1997 May 6;95(9):2262-70. 6. Rosenhek R; Binder T; Porenta G; Lang I; Christ G; Schemper M; Maurer G; Baumgartner H. Predictors of outcome in severe, asymptomatic aortic stenosis. N Engl J Med 2000 Aug 31;343(9):611-7. 7. Palta S; Pai AM; Gill KS; Pai RG. New insights into the progression of aortic stenosis: implications for secondary prevention. Circulation 2000 May 30;101(21):2497-502 8. Freeman RV; Otto CM. Spectrum of calcific aortic valve disease: pathogenesis, disease progression, and treatment strategies. Circulation 2005 Jun 21;111(24):3316-26. 9. Chizner MA; Pearle DL; deLeon AC Jr. The natural history of aortic stenosis in adults. Am Heart J 1980 Apr;99(4):419-24. 10. Pellikka PA; Sarano ME; Nishimura RA; Malouf JF; Bailey KR; Scott CG; Barnes ME. Outcome of 622 adults with asymptomatic hemodynamically significant aortic stenosis during, prolonged follow-up. Circulation 2005 Jun 21;111(24):3290-5. Epub 2005 Jun 13. 11. Rosenhek R; Binder T; Porenta G; Lang I; Christ G; Schemper M; Maurer G; Baumgartner H. Predictors of outcome in severe, asymptomatic aortic stenosis. N Engl J Med 2000 Aug 31;343(9):611-7. 12. Amato MC; Moffa PJ; Werner KE; Ramires JA. Treatment decision in asymptomatic aortic valve stenosis: role of exercise testing. Heart 2001 Oct;86(4):381-6. 13. Vahanian, A, Baumgartner, H, Bax, J, et al. Guidelines on the management of valvular heart disease: The Task Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology. Eur Heart J 2007; 28:230. 14. Bonow, RO, Carabello, BA, Chatterjee, K, et al. ACC/AHA 2006 guidelines for the management of patients with valvular heart disease. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing committee to revise the 1998 guidelines for the management of patients with valvular heart disease). J Am Coll Cardiol 2006; 48:e1. 15. Eltchaninoff H; Cribier A; Tron C; Anselme F; Koning R; Soyer R; Letac B. Balloon aortic valvuloplasty in elderly patients at high risk for surgery, or inoperable. Immediate and mid-term results. Eur Heart J 1995 Aug;16(8):1079-84. 16. Eberhard Grube, MD; Jean C. Laborde, MD; Ulrich Gerckens, MD; Thomas Felderhoff, MD; Barthel Sauren, MD; Lutz Buellesfeld, MD; Ralf Mueller, MD; Maurizio Menichelli, MD; Thomas Schmidt, MD; Bernfried Zickmann, MD; Stein Iversen, ; Gregg W. Stone, MD. Percutaneous Implantation of the CoreValve Self-Expanding Valve Prosthesis in High-Risk Patients With Aortic Valve Disease. Circulation 2006,114:1616-24 17. Asimakopoulos G; Edwards MB; Taylor KM. 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No entanto, as complicações das próteses, tanto biológicas como mecânicas fazem com que a substituição valvular seja a troca de uma doença por outra, a doença protésica, embora esta possa ser mais controlável do que a doença valvular nativa. Complicações das próteses A obstrução trombótica, mais frequente nas próteses mecânicas mas também observada nas próteses biológicas, a obstrução por pannus, a degradação das válvulas biológicas, as fugas peri-protésicas e a disfunção estruturais são complicações graves da substituição valvular. As próteses mecânicas são ainda as mais utilizadas mas obrigam à anticoagulação permanente. Esta é difícil de controlar e obriga à manutenção de um balanço muito estreito entre a trombose e os fenómenos hemorrágicos. A trombose protésica das válvulas mecânicas ocorre com uma incidência de 0,5 - 1,2% por doente e por ano e é fatal em cerca de 2/3 dos casos. Embora mais frequente com as próteses de disco antigas, é também frequentemente observada nas próteses modernas de 2ª e 3ª geração. É mais frequente na posição mitral que na aórtica e obriga geralmente à substituição protésica de emergência, mas a remoção do coágulo e a trombólise médica podem também ser opções a considerar. No caso das válvulas biológicas, a degradação é a complicação mais frequente, resulta da degenerescência dos tecidos biológicos de que é feita a válvula e da deposição de cálcio, provavelmente resultante do tratamento a que estes tecidos são submetidos para lhes abolir a sua capacidade imunogénica. A incidência da degradação biológica varia entre 0,5 e 5% por doente por ano, muito mais acelerada nos jovens o que torna proibitiva a sua utilização nestes doentes. Está também aumentada nas situações com metabolismo de cálcio acelerado, como é o caso na gravidez e na insuficiência renal. Pode originar situações de urgência resultantes da rotura de cúspides, com regurgitação severa, e o tratamento é a substituição. Em ambos os casos, a reoperação comporta riscos significativos de mortalidade e morbilidade. Uma complicação comum às duas válvulas é a endocardite protésica que pode ser precoce ou tardia, sendo a primeira resultante de infecção peri-operatória e ocorrendo no primeiro ano após a implantação. A incidência é de 1 - 4% e tem uma mortalidade elevada com a terapêutica médica apenas, pelo que geralmente requer cirurgia, especialmente nos casos em que há desenvolvimento de fuga peri-protésica. A gravidade da infecção depende também do agente patogénico e as infecções por estafilococos e por fungos têm piores resultados. O problema nestas circunstâncias é o da recorrência frequente que leva à necessidade de múltiplas reoperações, cada uma com o seu grau de morbilidade e mortalidade. Selecção da prótese A escolha de prótese depende de vários factores; normalmente as próteses mecânicas são utilizadas nos doentes com idades inferiores a 65 - 70 anos e com uma expectativa de vida prolongada. A indicação põe-se especialmente nos doentes que necessitam de anticoagulação por outras causas, uma vez que, nestas circunstâncias, a utilização de uma prótese biológica não traz vantagens significativas. Por outro lado, a indicação para a prótese biológica é geralmente relacionada com a impossibilidade ou dificuldade de uma anticoagulação de boa qualidade ou durante a reoperação por trombose da prótese mecânica. Os indivíduos mais idosos, com idades superiores a 70 - 75 anos são bons candidatos, uma vez que, nestas circunstâncias, a expectativa de vida dos pacientes é geralmente inferior à expectativa de durabilidade da prótese. Duas situações podem alterar estas indicações: tendo em conta a capacidade teratogénica da 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 31 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 32 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A anticoagulação, as próteses biológicas poderão estar indicadas na mulher jovem em idade de procriação. Finalmente, condições específicas do paciente e a sua própria vontade podem determinar a implantação de válvulas biológicas em indivíduos mais jovens que não estejam predispostos para a anticoagulação. Valvuloplastia mitral Por todas estas situações, a reparação da válvula, especialmente da válvula mitral, deve ser realizada quando tecnicamente possível e quando a experiência do cirurgião ou da equipe cirúrgica fizer prever bons resultados a longo prazo. Várias estatísticas de grandes séries demonstram que a sobrevivência dos doentes sujeitos a valvuloplastia mitral é superior à dos doentes em quem a válvula foi substituída por prótese biológica ou mecânica. No entanto, a válvula aórtica é menos favorável à valvuloplastia, pelo que, tendo também em conta que a incidência de complicações das próteses aórticas é inferior à das próteses mitrais, geralmente a plastia não é opção no caso da válvula aórtica. Os resultados da plastia mitral são diferentes consoante o tipo de patologia. Na patologia degenerativa, especialmente no caso de prolapso isolado do escalope médio da valva posterior (P2) os resultados são bons e a durabilidade a longo prazo da plastia é excelente. Já no caso de doença reumática, a plastia é tecnicamente mais difícil e os resultados a longo prazo são de menor qualidade. No entanto, os resultados são superiores aos da substituição valvular, sobretudo tendo em conta que tanto as complicações das próteses mecânicas, como as das biológicas são mais frequentes nesta população. A reparação mitral tem também sido utilizada nas patologias infecciosa e isquémica, embora os resultados sejam nestas circunstâncias ligeiramente inferiores aos observados na patologia degenerativa. Indicações para a cirurgia As indicações para a cirurgia valvular são hoje bem conhecidas e encontram-se expressas nas guidelines produzidas quer pelas 32 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA Sociedades Americanas quer pela Sociedade Europeia de Cardiologia. Normalmente, a doença mitral, tanto a estenose como a regurgitação severas, tem indicação cirúrgica independentemente da sintomatologia. No entanto, subsistem algumas dúvidas sobre a indicação imediata no caso dos doentes assintomáticos, sendo que no caso da regurgitação mitral a indicação cirúrgica deve estar associada à dilatação e disfunção ventricular; quando estas estão ausentes, uma atitude expectante pode ser apropriada. Já no caso da estenose mitral, quando esta é severa, isto é com uma área 2 inferior a 1.2cm , há indicação para tratamento. Nas últimas duas décadas, a plastia mitral percutânea por balão tem sido utilizada preferencialmente à cirurgia. Esta pode ser feita com alguma simplicidade de métodos e com um baixo risco, evitando a toracotomia ou esternotomia. Na minha experiência, contudo, os resultados da comissurotomia mitral cirúrgica são superiores e mais duradouros que os da comissurotomia por balão. As indicações para a cirurgia da válvula aórtica são semelhantes às da mitral. No 2 2 2 caso da estenose aórtica severa (área <1cm ou 0,6cm /m ), todos os doentes sintomáticos devem ser referidos para a cirurgia. Na estenose aórtica severa assintomática a situação é um pouco menos bem definida. Se houver disfunção significativa do ventrículo esquerdo a indicação para a cirurgia é clara, caso contrário uma atitude expectante pode ser justificada sendo, no entanto, necessário um acompanhamento regular do paciente. Finalmente, no caso da regurgitação aórtica severa sintomática, a indicação para a cirurgia é evidente e o mesmo acontece no caso dos doentes assintomáticos com disfunção significativa do ventrículo esquerdo (fracção de ejecção < 50%) ou ventrículo esquerdo dilatado (diâmetro diastólico > 70mm). Resultados Os resultados da cirurgia valvular tem vindo progressivamente a melhorar. Os registos internacionais apontam para mortalidades inferiores a 3,5% na maior parte dos casos, ligeiramente superior no que diz respeito à válvula mitral. Durante o ano de 2008, quase BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 33 500 doentes foram sujeitos a cirurgia valvular no Centro de Cirurgia Cardiotorácica. A mortalidade global foi de 0,6% no caso da válvula mitral e não houve mortalidade na cirurgia valvular aórtica isolada. A mortalidade é geralmente ligeiramente superior nos casos em que é necessária a revascularização coronária associada, cada vez mais frequente, especialmente na estenose aórtica do idoso. A sobrevivência a longo prazo depende da idade do doente e é condicionada pelas complicações relacionadas com a prótese e pelo eventual compromisso miocárdico prévio à cirurgia. Nos casos mais favoráveis, a sobrevivência pode ser muito semelhante à da população normal. Etiopatogenia da Doença das Artérias Coronárias Miguel Mendes • Sociedade Portuguesa da Cardiologia A aterosclerose que atinge a toda a árvore arterial, é marcada pela deposição de lípidos e pela inflamação, e expressa-se macroscopicamente por formação de estenoses do lúmen das artérias ou de aneurismas. Embora seja uma doença sistémica atinge preferencialmente as regiões proximais, as bifurcações e as curvaturas das artérias cerebrais médias, carótidas, vertebrais, coronárias, aorta e artérias dos membros inferiores, poupando nomeadamente as artérias dos membros superiores e as mamárias internas que podem assim ser utilizadas como bypass em cirurgia coronária. Apesar de existirem dezenas de factores de risco descritos, o estudo InterHeart, um estudo mundial e multicêntrico, provou que 90% dos enfartes do miocárdio são explicados pelos factores de risco clássicos, pela obesidade abdominal e pelo stress psicológico, de forma uniforme nos vários continentes. Para além dos factores predisponentes confirmou ainda o exercício físico regular, a ingestão de frutos, vegetais e de álcool como factores protectores para eventos coronários. A doença aterosclerótica, que habitualmente só tinha manifestações clínicas após a quinta década da vida e nos indivíduos do género masculino, vem alterando a sua apresentação, atingindo indivíduos cada vez mais jovens e do sexo feminino. É um processo progressivo, que decorre silenciosamente ao longo de décadas até que as estenoses atingem uma dimensão suficiente para condicionar isquémia nos territórios a juzante, no início apenas nas situações em que se verifica um aumento das necessidades metabólicas. Os eventos clínicos estão habitualmente relacionados com a formação aguda de trombos intra-arteriais que ocluem de forma súbita e total o lúmen da artéria. A aterosclerose tem sido explicada por várias teorias, sendo actualmente aceite a teoria inflamatória associada à agressão por lipoproteínas. A inflamação desempenha um papel major na arteriosclerose do coração transplantado e as lipoproteínas na hipercolesterolemia familiar. A aterosclerose comum é explicada pelas duas etiologias, inflamação e lipoproteínas, com peso semelhante, depois de os ensaios clínicos com antibióticos, que foram realizados em vários quadros clínicos da doença coronária, terem tido resultados negativos. A associação destes 2 componentes é sustentada por resultados positivos obtidos em ensaios de prevenção primária e secundária com rosuvastatina em indivíduos com níveis elevados de PCR (Jupiter, NEJM 2008) ou com níveis de LDL e de PCR aumentados. A disfunção endotelial, qualquer que seja a causa, é o primeiro passo da agressão. Cria condições para a penetração do LDL, adesão e migração de plaquetas e de monocitos para o espaço sub-endotelial, iniciando a formação da placa aterosclerótica e tornando o vaso mais susceptível de vasoconstrição e de ser sede de fenómenos trombóticos. As estrias lipídicas são as lesões iniciais, ainda reversíveis, que se observam em adolescentes e jovens adultos em função dos factores de risco clássicos que já estão existentes. Posteriormente observa-se progressão destas lesões para placas ateroscleróticas que evoluem para formas complexas com ulceração, calcificação e trombose local. 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 33 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 34 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Os eventos clínicos são devidos à formação destes trombos que se tornam oclusivos ou quase-oclusivos, após a rotura da placa. As placas jovens com elevado conteúdo lipídico e capa fibrosa fina, são as mais susceptíveis de rotura, mas não são facilmente identificáveis, mesmo com recurso aos modernos métodos de imagem, como a ressonância magnética e a angio-TC. Apenas métodos de investigação, como a medição da temperatura e do pH no local da lesão têm possibilidade de o fazer. Uma vez identificadas estas placas, é possível estabilizá-las e reduzir os eventos clínicos, recorrendo a fármacos como as estatinas, os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, os antiagregantes e os anticoagulantes. Nova Definição do EAM e Abordagem Treapêutica Mário Évora • Presidente de Associação de Cardiologia de Macau A definição de Enfarte Agudo de Miocardio (EAM) é aceite por consenso desde há muito, baseando-se nos sintomas, alterações caracteristicas e dinâmicas do ECG e no doseamento seriado dos enzimas. O desenvolvimento recente de biomarcadores mais sensiveis e especificos (TROPONINAS) a par da evolução técnica no campo da Imagiologia levaram a que recentemente (2007) um documento traduzindo o consenso das mais prestigiadas Sociedades Cientificas estabelecece novos critérios para a definição e classificação do EAM. A nova classificação engloga ainda a experiência vivida com as técnicas de revascularização coronária resultando na seguinte classificação subscrita pela Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), o American College of Cardiology (ACC), American Heart Association(AHA) e a Federação Mundial de Cardiologia (WHF). 34 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4a Tipo 4b Tipo 5 EAM expontâneo resultante de um evento coronário primário EAM secundario a uma desquilibrio na oferta-consumo de Oxigénio Morte Subita com evidência de sinais de isquémia ou existência de trombos recentes intra-coronários. EAM associado à Intervenção Percutânea Coronária (PCI) EAM associado à ocorrência de Trombose intra-“STENTS” EAM associado à Cirurgia de Revascularização Coronária (CABG) Este sistema deixa de lado a velha distinção entre transmural vs não transmural ou Enfarte com onda “Q” vs sem onda “Q”. Este sistema também reconhece formalmente a necrose do miocardio associada ao “PCI”ou “CABG” baseado nos níveis de elevação dos marcadores enzimáticos estabelecidos para estas situações. Agora, mesmo na ausência de alterções do ECG, em presença de um Sindrome Coronário Agudo (SCA) com elevação tipica da TROPONINA, e apenas baseado nestes dois elementos, fica estabelecido o diagnóstico. Decorre assim que um maior número de doentes anteriormente “excluidos” ou “não incluidos” passam a merecer uma abordagem terapêutica mais agressiva e eficaz. Acresce ainda salientar a importância que esta standarização oferece na uniformidade de linguagem e critérios para os ensaios clínicos e investigação cientifica. Pasteriormente, na discussão da abordagem terapêutica dos Enfartes com ou seu elevação do segmento “ST” (STEMI vs NSTEMI) foram salientadas a importância do diagnóstico clínico, do diagnóstico diferencial e da importância da revascularização tão imediata quanto possivel no STEMI e dos critérios de revascularização no NSTEMI segundo a estratificação de risco (Alto risco, Risco Intermédio e Baixo Risco) de acordo com as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia. BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 35 Doença das Artérias Coronárias: como identificar os candidatos à coronariografia Antonio Carlos Palandri Chagas • Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Professor Livre-docente de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo • Coordenador do Laboratório de Investigação em Isquemia Miocárdica, Unidade Clínica de Aterosclerose do Instituto do Coração (InCor) do HC da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo • Fellow, European Society of Cardiology • Felllow, American College of Cardiology João Fernando Monteiro Ferreira • Coordenador da Comissão de Título de Especialista em Cardiologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Doutor em cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo • Unidade Clínica de Coronariopatia Crônica do Instituto do Coração (InCor) do HC da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo • Felllow, American College of Cardiology O desenvolvimento das técnicas de cateterismo cardíaco e coronariografia remontam 1840, data do primeiro relato de cateterização cardíaca experimental. A primeira colocação de cateter no interior de um ser humano vivo foi feita em 1929 por Werner Forsmann, sendo que a partir da década de 1940, a técnica de passou a ser praticada de forma sistemática. Posteriormente, o pioneirismo de Andreas Gruntzig, ao realizar a primeira angioplastia coronária com cateter-balão em setembro de 1977, abriu novas fronteiras no tratamento da doença coronária com a possibilidade de intervenção minimamente invasiva. A evolução dos equipamentos e materiais utilizados na coronariografia associado à aquisição de conhecimento sobre o método, o transformou na mais importante ferramenta de diagnóstico e avaliação da doença coronária. Atualmente, com o advento dos cateteres balão e stents, a intervenção coronária por cateter também passou a ser rotineira na prática cardiológica. Recentemente, novos métodos de imagem não invasivos para a avaliação da anatomia coronária vem sendo incorporados, como por exemplo, a angiotomografia coronária. Estes métodos proporcionam alternativas e comparações com a coronariografia tradicional, tornando este um tema atual e provocante. Entretanto, o cateterismo cardíaco e a coronariografia, pelo conhecimento acumulado, acessibilidade e segurança, permanecem como os mais importantes instrumentos de avaliação coronária, determinando o prognóstico e a estratégia terapêutica, sendo muitas vezes utilizados em combinação com testes não invasivos. A identificação dos pacientes candidatos a coronariografia está estabelecida por inúmeros estudos clínicos, que permitiram determinar as classes de indicação deste método. Essas informações agrupadas levaram a criação de diretrizes por diferentes entidades médicas, entre elas, a European Society of Cardiology, American College of Cardiology em associação com American Heart Association e, em língua portuguesa, a Sociedade Brasileira de Cardiologia. O material a seguir foi destacado da Diretriz de Intervenção Coronária e Métodos Adjuntos Diagnósticos em Cardiologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia, adotada por ser a mais recente diretriz sobre o assunto (dezembro de 2008), e que está em concordância com o conteúdo das demais normativas. 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 35 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:30 PM Page 36 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Tabela 1 Recomendações para angiografia coronária em pacientes com angina estável Tabela 2 Recomendações para intervenção coronária em pacientes com angina estável 36 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 37 Tabela 3 Recomendações para coronariografia e intervenção coronária em pacientes com SCA Sem Supra de ST Tabela 4 Recomendações para intervenção coronária em pacientes com SCA Com Supra de ST 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 37 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 38 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Tabela 5 Recomendações para intervenção coronária em pacientes com SCA Com Supra de ST + Fibrinólise Tabela 6 Recomendações para intervenção coronária em pacientes com Oclusão Coronária Crónica Leitura Recomendada - Portal eletrônico European Society of cardiology – statments - Portal eletrônico American College of cardiology – statements - Portal eletrônico Sociedade Brasilera de cardiologia – publicações/consenços-diretrizes - Diretriz de Intervenção Coronária e Métodos Adjuntos Diagnósticos em Cardiologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Brás Cardiol.2008;91(6 supl.1):1-58. 38 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 39 Indicações para a cirurgia Manuel J Antunes A doença coronária aterosclerótica é uma das principais causas de mortalidade no mundo ocidental. Tem como substrato anatómico a obstrução parcial ou completa de uma ou mais das três artérias coronárias pela placa aterosclerótica que, a partir de determinados níveis, é geralmente irreversível e pode apenas ser tratada pela revascularização coronária. Esta pode ser feita por métodos não cirúrgicos, através da dilatação, com ou sem a aplicação de stents, ou pela cirurgia de bypass aorto-coronário. O bypass aorto-coronário é efectuado através da construção de uma ponte entre a aorta ou um dos seus ramos principais e o segmento coronário distal à obstrução ou oclusão. É geralmente feito com condutos venosos e/ou arteriais, a veia safena e as artérias torácicas internas sendo os mais frequentes. As principais razões para a revascularização são a erradicação ou a melhoria dos sintomas e do prognóstico. Sendo evidente que nem sempre é possível eliminar completamente a angina, parece claro que a revascularização coronária cirúrgica tem conseguido alterar positivamente o prognóstico da doença. Indicações e selecção do método de revascularização As indicações para a revascularização coronária são hoje bem conhecidas e tanto as Sociedades Americanas como a Europeia estabeleceram guidelines, quer para as circunstâncias de angina estável quer para as situações agudas. As indicações genéricas para a revascularização coronária cirúrgica incluem a estenose significativa do tronco comum esquerdo, a estenose proximal significativa das 3 grandes artérias coronárias, ou a estenose significativa de 2 artérias coronárias incluindo uma estenose significativa da artéria descendente anterior proximal. As estenoses significativas são geralmente definidas como estenoses iguais ou superiores a 70% dos ramos principais coronários iguais ou superiores a 50% do tronco coronário esquerdo. No entanto, subsistem dúvidas sobre as indicações relativas entre os dois métodos terapêuticos, nomeadamente cirúrgico e não cirúrgico, ainda assim parecendo cada vez mais evidente a vantagem da cirurgia nos casos da doença do tronco comum e da doença de 3 vasos, especialmente quando há uma lesão significativa da descendente anterior proximal. A selecção do método de revascularização depende da morbilidade e mortalidade da intervenção a sua probabilidade de sucesso incluindo, factores como a adequação das lesões para a angioplastia ou para a cirurgia; o risco de reestenose ou de oclusão do enxerto; a capacidade de proceder a uma revascularização completa, tendo a intervenção percutânea geralmente menor capacidade de revascularização completa; a experiências das equipes cirúrgica e de intervenção e a preferência do doente. A diabetes mellitus parece reduzir a eficácia da intervenção percutânea, pelo que os doentes diabéticos devem geralmente ser sujeitos a revascularização cirúrgica. Deste modo, a tendência é para reservar a intervenção percutânea para a doença de 1 ou 2 vasos não envolvendo o tronco coronário ou a origem da artéria descendente anterior, sobretudo se esta é dominante. A presença de disfunção ventricular esquerda aumenta a vantagem prognóstica absoluta da cirurgia sobre o tratamento médico em todas estas circunstâncias. Técnica cirúrgica Desde o principio, se verificou que os enxertos arteriais tinham melhores resultados a longo prazo que os enxertos venosos. No entanto, tendo em conta que a grande maioria dos doentes está nas sétima ou oitava décadas de vida, é difícil estabelecer a vantagem relativa entre os 2 tipos de condutos, uma vez que a diferença de permeabilidade parece ser significativa apenas a partir dos 15 anos após a cirurgia. Por isso, a maior parte dos cirurgiões mantêm a utilização da artéria torácica (ou mamária) interna esquerda para revascularizar a artéria descendente anterior e utilizam veias para as outras artérias nos doentes com mais de 65 anos e preferem a utilização de 2 condutos arteriais, um para a 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 39 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 40 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A artéria descendente anterior e outro para a circunflexa ou seus ramos nos doentes com menos de 65 anos. A artéria coronária direita aparentemente não beneficia da utilização de condutos arteriais pelo que praticamente deixou de ser utilizada a artéria gastroepiplóica esquerda, que constituiu moda há umas décadas atrás. Ainda assim, há grupos cirúrgicos que mantêm uma preferência pela revascularização arterial total, em cujas circunstâncias as artérias mamárias internas são utilizadas para enxertos múltiplos sequenciais, utilizando-se ainda a artéria radial para complemento. No entanto, dados bem recentes não parecem demonstrar uma superioridade deste conduto arterial sobre os condutos venosos. Nalgumas circunstâncias, com doença arterial muito difusa e por incapacidade de encontrar um local favorável para o estabelecimento de uma ponte aorto-coronária, pode haver lugar à utilização da endarterectomia que nas artérias coronárias não tem tido os resultados favoráveis que se observam em ramos arteriais de maior calibre, como as artérias carótidas e as artérias ilíacas. Resultados Apesar do aumento da dificuldade técnica da revascularização cirúrgica, relacionada com o facto de que os melhores vasos e as lesões mais fáceis são geralmente tratadas no laboratório de hemodinâmica, a mortalidade cirúrgica tem vindo a diminuir progressivamente. Na nossa própria experiência, com mais de 7 500 doentes que sofreram revascularização coronária isolada nas últimas 2 décadas, a mortalidade é agora inferior a 1% e a incidência de enfarte agudo do miocárdio peri-operatório é inferior a 3%. Porque a doença aterosclerótica é uma doença difusa e afecta todos os territórios arteriais, a ocorrência de AVC não é desprezível e a sua incidência é de cerca de 2,5%. A longo prazo, a artéria torácica interna para a artéria descendente anterior tem uma taxa de permeabilidade muito elevada, provavelmente superior a 90% ao fim de 10 a 15 anos. Pelo contrário, os enxertos venosos têm uma taxa de oclusão entre 2 e 40 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 2,5% por enxerto e por ano, o que significa que ao fim de 10 anos cerca de 25% dos enxertos estarão ocluídos. Ainda assim, parece evidente que um enxerto de artéria torácica interna permeável para uma artéria descendente anterior de boa qualidade é uma garantia de sobrevivência a longo prazo, mesmo na presença de oclusão total dos enxertos venosos para outros territórios. Conclusão Em conclusão, a revascularização coronária cirúrgica ainda hoje o gold standard no tratamento da obstrução/oclusão coronária significativa. Apesar dos progressos da intervenção percutânea, nomeadamente após a introdução dos stents e, sobretudo, mais recentemente, dos stents revestidos por fármacos, muitos doentes acabam por ter que ser submetidos a revascularização cirúrgica. Esta oferece a melhor probabilidade de uma revascularização completa e duradoura com uma sobrevivência a longo prazo que se aproxima da observada na população normal. Epidemiologia da Insuficiência Cardíaca em Portugal Cândida Fonseca • Hospital de S. Francisco Xavier, CHLO, Lisboa A insuficiência cardíaca (IC) é um problema grave da Saúde Pública; atinge proporções epidémicas. É uma síndrome com elevada morbilidade e mortalidade, identificada como a principal causa de internamento hospitalar após os 65 anos, na Europa e nos Estados Unidos. Prevê-se que a prevalência da IC possa vir a aumentar em cerca de 50 a 70% até ao ano de 2030. É a derradeira fase da maioria das doenças cardíacas, aspecto que, associado aos progressos terapêuticos em geral e na área da doença das artérias coronárias em particular e ao aumento da esperança média de vida, faz com BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 41 que a prevalência e incidência da IC continuem a aumentar. A doença já afecta cerca de 2% da população na Europa e nos Estados Unidos. Apesar do mau prognóstico da IC, do enorme impacto social e económico, com custos estimados em mais de 2% do total do Orçamento para a Saúde dos Países industrializados, os dados epidemiológicos sobre esta síndrome, na população em geral, são escassos, tornando-se difícil quantificar o seu real impacto. O estudo EPICA - EPidemiologia da Insuficiência Cardíaca e Aprendizagem - avaliou a prevalência da IC em Portugal Continental, numa amostra da população dos utentes de 345 Centros de Saúde seleccionados aleatoriamente em todo o País, representativa da população Portuguesa em geral. Dos 5434 indivíduos consecutivamente incluídos no estudo, 1058 apresentavam clínica compatível com IC. Destes apenas 551 tinham disfunção cardíaca objectivamente comprovada, de acordo com os critérios de Sociedade Europeia de Cardiologia, confirmando a dificuldade do diagnóstico no ambulatório, onde as formas ligeiras a moderadas da síndrome predominam. A prevalência global da IC em Portugal Continental foi de 4,36%, equivalendo a cerca de 260.000 indivíduos. A prevalência da síndrome aumenta exponencialmente com a idade; atinge 1% dos indivíduos até aos 59 anos e ultrapassa os 16% nos com mais de 80 (Quadro 1). O estudo EPICA incluiu todos os doentes com IC, nomeadamente os muito idosos (dos 25 aos 99 anos), que têm maior prevalência da síndrome, quer tivessem função sistólica deprimida (Fracção de Encurtamento < 28%) quer conservada, contrariamente à maioria dos estudos que incluiram apenas doentes com IC por disfunção sistólica ventricular e grupos etários seleccionados. A prevalência da IC por disfunção sistólica ventricular foi de 1,36% e a da IC com função sistólica conservada de 1,7%, a da IC por doença valvular de 0,69%, da IC direita de 0,45% e por doença do péricardio de 0,04%, correspondendo a 30, 40, 16, 11 e 1% do total dos casos de IC respectivamente. No que respeita à IC por disfunção sistólica ventricular a prevalência é concordante com a de 1,5% relatada por Mc Donagh no estudo MONICA e a de 1,48% relatada por Mosterd no estudo de Roterdão (Quadro 2). Quadro 1 Prevalência da IC em Portugal Continental por grupo etário e por sexo . Existem poucos estudos epidemiologicos na IC com função sistólica conservada. São habitualmente baseados em populações hospitalares ou análises de sub-populações incluídas nos grandes estudos de terapêutica. Foram adoptados critérios heterogéneos para o diagnóstico da situação e as prevalências relatadas são muito variáveis, entre os 13 e os 75%. Quadro 2 Prevalência da IC global (IC), com disfunção ventricular sistólica (IC/DS), com função sistólica conservada (IC/FSC) e da disfunção sistólica assintomática e sintomática (DS/A+S) na comunidade. NA: não avaliado; Fej: Fracção de Ejecção; FEc: Fracção de Encurtamento. *Critérios de diagnóstico exclusivamente clínicos ** Critérios clínicos + disfunção cardíaca por ecocardiografia. 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 41 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 42 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Vasan, num sub-estudo do Framingham Heart Study, que adoptou os critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia para o diagnóstico da IC, determinou que 51% dos doentes com IC tinham a função sistólica conservada, enquanto que 49% tinham disfunção sistólica ventricular. Este estudo, tal como o EPICA, apoia o facto de que mais de metade dos doentes com IC sintomática na comunidade têm a função sistólica conservada; são mais habitualmente mulheres do que homens, contrariamente ao que acontece na disfunção sistólica ventricular. No que diz respeito à etiologia, a IC tem muitas causas e factores de risco. Na população portuguesa predominam a hipertensão arterial (66%) sobretudo nos doentes com IC e fracção de ejecção normal, seguida da doença das artérias coronárias (36%), mais frequente na disfunção sistólica ventricular. A diabetes mellitus e a fibrilhação auricular estiveram presentes em 11 e 13% dos casos respectivamente. Na população com IC do estudo EPICA, 77,5% dos doentes estavam medicados com diurético, 58% com enzima de conversão da angiotensina, 29% com digitálico e apenas 7% com bloqueador adrenérgico, percentagens em tudo similares às descritas nos estudos internacionais da mesma época, nomeadamente no EuroHeartFailure Survey. A mortalidade por insuficiência cardíaca, nas suas fases mais evoluídas, classe IV da NYHA, atinge os 50% ao ano; morrem mais doentes de IC do que de cancro da mama, do cólon, da prótasta, mais do que de todas as neoplasias malignas em conjunto. Apesar do mau prognóstico, do enorme impacto social e económico, a IC é uma doença ainda mal conhecida, o que se deve fundamentalmente às dificuldades do diagnóstico, sobretudo nas suas formas mais precoces ou assintomáticas, na comunidade. Referências 1. Fonseca C. Prévalence de l’insuffisance cardiaque ao Portugal. Rev Port Cardiol 1999; 18: 1151-1155. 2. Ceia F, Fonseca C, Mota T, Morais H, Matias F, de Sousa A, et al. on behalf of the EPICA Investigators. Prevalence of chronic heart failure in Southwestern Europe: the EPICA study. Eur J Heart Fail 2002; 4: 531-539. 3. Ceia F, Fonseca C, Mota T, Morais H, Matias F, Costa C, et al. Aetiology, comorbidity and drug therapy of chronic heart failure in the real world: the EPICA sub-study. Eur J Heart Fail 2004; 6: 801-806. 4. Cleland JGF, Cohen-Solal A, Cosín Aguillar J, et al. Management of heart failure in primary care (the IMPROVEMENT of Heart Failure Programme ): an international survey. Lancet 2002; 360: 1631-1639. 42 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 5. Komajda M, Follath F, Swedberg K, Cleland J, Aguilar JC, Cohen-Solal A, et al. The EuroHeart Failure Survey programme—a survey on the quality of care among patients with heart failure in Europe. Part 2: treatment Eur Heart J 2003; 24: 464-74. 6. Cleland JGF, Swedberg K, Follath F, Komadja M, Cohen-Solal A, Aguilar JC et al. The EuroHeart failure survey programme- a survey on he quality of care among patients with heart failure in Europe. Part 1: patient characteristics and diagnosis. Eur Heart J 2003; 24: 442-463. 7. Mosterd A, Hoes AW, Bruyne MC, Deckerst JW, Linkert DT, Hofman A, and Grobbes DE. Prevalence of heart failure in general population. The Rotterdam Study. Eur Heart J 1999; 20: 447-455. 8. Mc Donagh TA, Morrison CE, Lawrence A et al. Symptomatic and asymptomatic left ventricular systolic dysfunction in an urban population. Lancet 1997; 350: 829-33. 9. Vassan RS, Benjamin EJ, Levy D. Prevalence, clinical features and prognosis of diastolic heart failure: an epidemiological perspective. J Am Col Cardiol 1995; 26: 1565-74. 10. Fonseca C. Diagnosis of heart failure in primary care. Heart Fail Rev 2006; 11: 95-107. Insuficiência Cardíaca na África Sub-Sahariana Albertino Damasceno Falar de insuficiência Cardíaca especificamente na Africa sub-Sahariana parece à partida não se justificar, pois a etiologia e a clinica da insuficiência cardíaca deveriam te um padrão universal. Tal não é verdade e principalmente por 3 razões. Em primeiro lugar, África é um Continente devastado pela pobreza, com a maioria da população a viver com menos que 2 USD$ por dia. As doenças infecciosas são ainda um importante peso para a Saúde Pública dos Países Africanos. Verifica-se no entanto uma emergência de fatores de risco das doenças não transmissíveis, particularmente a hipertensão arterial, o consumo de tabaco, a obesidade e a diabetes, os quais irão muito em breve transformar completamente o padrão epidemiológico da morbimortalidade em África. A segunda razão prende-se com a estrutura etária e com a esperança de vida da população africana. Em meados de 2008, estimava-se que haveria cerca de 967 milhões de Africanos e que 400 milhões, ou seja 42% desta população teria menos de 15 anos de idade. Por outro lado são vários os Países em África em que a esperança de vida pouco ultrapassa os 40 anos enquanto a maioria dos Países Europeus têm uma esperança de vida de cerca de 80 anos. Em conseqüência, África encontra-se na generalidade numa fase mais precoce da transição epidémiológica quando comparada à Europa e aos Estados Unidos, de onde vem a esmagadora BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 43 maioria da bibliografia médica. A patologia dominante é ainda a infecciosa e a patologia cardíaca mais frequente é a secundária à hipertensão arterial e a patologia valvular reumática. A patologia aterosclerótica, dominante nos Países desenvolvidos, só agora e apenas nas cidades começa a surgir e a sua manifestação mais comum é ainda o acidente cerebral vascular. Características da Insuficiência Cardíaca em África A insuficiência cardíaca em África tem uma etiologia bastante diferente da classicamente descrita na Europa, está relacionada com o grau de desenvolvimento do continente e atinge predominantemente uma população jovem. Num trabalho de revisão publicado recentemente afirmamos que a informação existente sobre a insuficiência cardíaca em África é pouca e refere-se ao período pré-ecocardiografia. Numa meta-análise de estudos publicados até 2007, Bongani Mayosi et al conseguiu reunir uma amostra de mais de 4500 doentes oriundos de 8 Países africanos e mostrou que a hipertensão arterial é a principal causa de insuficiência cardíaca em África (23%) seguida das cardiomiopatias, particularmente a dilatada e da cardiopatia reumática. A cardiopatia isquémica só contribuía para 2% das causas de insuficiência cardíaca. Num estudo mais recente publicado na Lancet, Karen Sliwa mostra que em cerca de 1600 novos casos de insuficiência cardíaca admitidos ao hospital de Baragwanath em Joanesburgo, a hipertensão arterial, a cardiopatia reumática e a cardiomiopatia dilatada são as principais causas de internamento e a cardiopatia isquémica só contribui com 10% dos internamentos. Assim, passaremos a caracterizar estas entidades nosológicas e o que de novo se conhece sobre cada uma delas. Cardiopatia reumática Com uma prevalencia cerca de 30 vezes superior á existente na Europa a cardiopatia reumática é uma importante causa de morbilidade e mortalidade na África sub-Sahariana. Sobre esta patologia pouco mais se sabe do que se conhecia há 40 anos. Um dos aspectos recentemente descritos liga-se ao mecanismo da insuficiencia cardíaca que está relacionado com a dilatação do anel da mitral, o alongamento das cordas tendíneas e o prolapso da cuspide anterior e não com uma miocardite reumática deitando assim por terra o mito do uso de corticoides na fase aguda da febre reumática. Um outro artigo recente publicado no New England Journal of Medecine, mostrou que a ecocardiografia é cerca de 5 a 10 vezes mais sensivel que a clinica como instrumento de determinação epidemiológica da prevalencia da cardiopatia reumática. Este estudo mostrou que as prevalencias reais da cardiopatia reumatica são bem superiores as anteriores estimativas de 10 a 15/1000 devendo estar proximas dos 30/1000 casos de cardiopatia reumática. Um programa africano foi lançado recentemente, o ASAP que tem o objetivo ambicioso de tentar erradicar a patologia reumatica de África durante os proximos 30 anos. Cardiomiopatias Em relação as cardiomiopatias, há duas, a Cardiomiopatia Peri-Parto (CMPPP) e a Fibrose Endomiocardica (FEM) que são particularmente importantes em África. O grupo de Joanesburgo, tem-se dedicado ao estudo da CMPPP e tem contribuido com nvos conhecimentos nesta área. Já em relação à FEM, um artigo recente publicado pelo grupo da Dra. Ana Olga de Moçambique definiu critérios ecocardiograficos para o diagnóstico desta patologia e encontrou numa area da provincia de Inhambane em Moçambique, usando estes critérios, uma prevalencia de cerca de 20% de casos. A Hipertensão Arterial e a Pericardite Tuberculosa A hipertensão arterial é uma causa importante de insuficiencia cardiaca,contribuindo com inumeros casos e doentes que se apresentam com uma dilatação ventricular esquerda e disfunção sistólica sem componente isquémico. Já em relação á pericardite 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 43 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 44 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A tuberculosa, que voltou a assumir uma importância enorme depois do surgimento da epidemia pelo HIV, há ainda duvidas sobre a eficácia dos corticoides na evolução desta patologia. Um estudo multicentrico está agora em curso em vários Países africanos tentando responder a esta pergunta. O Futuro África está a atravessar um período muito rápido de transição epidemiológica e diversos estudos mostram já um aumento explosivo da prevalencia da obesidade, da hipertensão e da diabetes, criando assim um duplo peso económico aos ministérios da saude Africanos. Por um lado têm que fazer face ás ainda prevalecentes doenças infecciosas e por outro lado enfrentar o aumento previsivel das doenças não transmissíveis com o consequente aumento dos doentes crónicos necessitados de periodos longos de tratamento e terapeuticas dispendiosas. Só a prevenção primaria iniciada desde já poderá evitar o previsivel colapso dos depauperados sistemas de saude Africanos. Tratamento da Insuficiência Cardíaca no ambulatório Cândida Fonseca Pretendemos nesta palestra sumarizar o tratamento actual da insuficiência cardíaca (IC) crónica, por disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, bem estabelecido e codificado nas Recomendações Internacionais, uma vez que o tratamento da IC com fracção de ejecção conservada, ou por disfunção diastólica ainda carece de grandes estudos de sobrevida, assentando fundamentalmente no tratamento fisiopatológico da situação e da patologia subjacente. O tratamento farmacológico optimizado da IC crónica por disfunção sistólica ventricular, no ambulatório, tal como é preconizado nas Recomendações Internacionais para o 44 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA tratamento da IC, consiste na prescrição de fármacos que demonstraram, em grandes estudos aleatorizados, controlados com placebo, melhorar a sobrevida dos doentes, associados a outros que, apesar de não influenciarem a sobrevida, mostraram-se capazes de melhorar os sintomas e a qualidade de vida dos doentes com IC. A associação da enzima de conversão da angiotensina (i-ECA) e do bloqueador beta-adrenérgico é mandatória em todas as classes da NYHA. Nos doentes mais graves, classes III e IV, deve ser associada a espironolactona. Excepto contra-indicação formal, todos os fármacos devem ser administrados concomitantemente, e mas doses que mostraram ser eficazes nos grandes estudos. A estes fármacos, deverão ser associados diuréticos que melhoram os sintomas de ICC, sempre que exista sobrecarga hídrica (classes II a IV da NYHA) e, caso persistam os sintomas após a administração e correcta titulação de todos os fármacos mencionados, digoxina que demonstrou melhorar a morbilidade, nestas circunstâncias. Aos doentes intolerantes ao i-ECA, ou ainda muito sintomáticos após optimização das doses dos fármacos atráz referidos, as Recomendações preconizam que se prescrevam antagonistas dos receptores AT1 da angiotensina II (ARA II), baseadas nos resultados de dois grandes estudos com ARA II no tratamento da ICC, recentemente publicados, o CHARM e o VALLIANT. O CHARM-Added demonstrou que a associação de candesartan ao tratamento convencional da IC com i-ECA e bloqueador adrenérgico melhora significativamente a morbilidade e mortalidade dos doentes. No CHARM-Alternative o candesartan demonstrou ser uma alternativa ao i-ECA para os doentes intolerantes a esta classe farmacológica, proporcionando uma diminuição semelhante da mortalidade e morbilidade. No VALLIANT, o valsartan mostrou não ser inferior ao captopril, quanto à mortalidade cardiovascular e internamento por IC, nos doentes com enfarte agudo do miocárdio complicado com IC. Ambos os estudos comprovaram que os benefícios dos ARA II são sobreponíveis nos doentes medicados com e sem bloqueadoradrenérgico, contrariamente ao que os primeiros estudos com ARA BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 45 II na IC faziam prever. Apesar dos constantes avanços na área do tratamento da IC, a elevada morbilidade e mortalidade da síndrome persiste, justificando os esforços na investigação de novos fármacos e atitudes terapêuticas. Após os i-ECA, os bloqueadores adrenérgicos e os ARA II, outros fármacos, nomeadamente antagonistas das citoquinas, imuno-moduladores, têm vindo a ser testados no tratamento da IC crónica sem sucesso, no que à melhoria da sobrevida diz respeito. Em contrapartida, os grandes estudos com dispositivos, nomeadamente com cardioversores desfibrilhadores (CDI) e pacemaker de ressincronização cardíaca (CRT), têm-nos proporcionado dados importantes, nos últimos anos. Assim, os doentes com fracção de ejecção inferior a 35%, muito sintomáticos, em classes III e IV da NYHA, sob terapêutica farmacológica máxima, optimizada e com QRS superior ou igual a 120 mseg, têm indicação para colocação de pacemaker de ressincronização cardíaca, idealmente com CDI, procedimentos que demonstram prolongar a vida deste tipo de doentes. Finalmente, e para doentes seleccionados, restam ainda alguns procedimentos cirúrgicos benéficos, como a substituição valvular, valvuloplastias e/ou a colocação de anel na válvula mitral, procedimentos de revascularização miocárdica. A transplantação cardíaca é o último recurso para o doente refractário às restantes modalidades terapêuticas; tem Recomendações precisas. O tratamento da comorbilidade tem merecido alguma atenção por parte dos clínicos nos últimos anos. A comorbilidade, nomeadamente a existência de anemia e insuficiência renal associadas à IC, recentemente apelidada de anemia cardio-renal, é uma situação frequente que agrava o prognóstico da síndrome. Pequenos estudos demonstraram que o tratamento destes casos com eritropoietina sub-cutânea e ferro endovenoso melhora os sintomas, a qualidade de vida, a fracção de ejecção ventricular esquerda, diminui o internamento e melhora a capacidade de exercício dos doentes portadores da síndrome. Aguarda-se um grande estudo aleatorizado e controlado com placebo para confirmar estes resultados promissores (RED-HF). O tratamento da IC crónica por disfunção sistólica ventricular no ambulatório é assim uma politerapia prolongada, de difícil manejo, condicionada pela tolerância do doente caso a caso, as interacções medicamentosas e os efeitos acessórios/secundários dos diferentes fármacos, para doentes mais habitualmente idosos com múltiplas comorbilidades exigindo frequentemente tratamento complementar. Referências 1. Dickstein K, Cohen-Solal A, Filippatos G et al. Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure of the European Society of Cardiology. Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. Eur Heart J 2008; 29: 2388-2442. 2. Pfeffer MA et al. Effects of candesartan on mortality and morbidity in patients with chronic heat failure: the CHARM-overall programme. Lancet 2003;362: 759-66. 3. Pfeffer MA et al. Valsartan, captopril or both in myocardial infarction complicated by heart failure, left ventricular dysfunction, or both . N Eng J Med 2003; 349: 1893-906. 4. McMurray et al. Effects of candesartan in patients with chronic heat failure and reduced left-ventricular systolic function taking angiotensin-converting-enzyme inhibitors:the CHARM-added trial. Lancet 2003;362: 767-71. 5. Granger CB et al. Effects of candesartan in patients with chronic heat failure and reduced left-ventricular systolic function intolerant to angiotensin-converting-enzyme inhibitors:the CHARM-alternative trial. Lancet 2003;362: 772-6. 6. Wexler D et al.The importance of correction of anemia with erythropoietin and intravenous iron in severe resistant congestive heart failure. Eur J Heart Failure 2003;2(suppl 2): 225-30. Tratamento da Insuficiência Cardíaca no internamento Dulce Brito A insuficiência cardíaca (IC) é uma causa muito frequente de internamento hospitalar - quer a IC aguda (“de novo”), quer a situação de agudização/descompensação de IC crónica (a mais frequente). Com efeito, cerca de 40% dos doentes internados no contexto desta última situação serão re-hospitalizados nos 6 meses após a alta hospitalar, por nova descompensação. A IC crónica sintomática afecta mais de 10 milhões de europeus - dos quais 2/3 têm disfunção sistólica ventricular esquerda - e a situação tem mau prognóstico se o problema subjacente não puder ser rectificado, cursando com descompensações frequentes (hospitalizações repetidas) e taxa de mortalidade elevada (50% no prazo de 5 anos). Uma fracção importante desta população (cerca de 10 a 20%) tem IC avançada - estando funcionalmente em classe III/IV da NYHA - a qual cursa com disfunção miocárdica e compromisso 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 45 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 46 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A hemodinâmico graves, associando-se frequentemente também outras situações de comorbilidade (metabólicas, cerebral e renal). Ao longo da história natural da síndrome, muitos destes doentes desenvolverão mesmo IC refractária à terapêutica, com manifestações persistentes de baixo débito cardíaco e de congestão, má tolerância - por hipotensão - à terapêutica com inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA) e bloqueadores adrenérgicos-ß (B.ß), necessidade frequente de terapêutica inotrópica intermitente (ou mesmo dependência desta) e alguns doentes precisarão mesmo de transplantação cardíaca ou de assistência mecânica ventricular. A síndrome de IC aguda ou crónica agudizada - passando a ser ambas designadas de ora em diante neste manuscrito por ICA - pode ser definida como “o início rápido de sintomas e sinais secundários a disfunção cardíaca”. As suas causas podem ser variadas, como represento nesta adaptação pictórica e livre das Recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia sobre a temática 1 (fig.1). Todas estas situações aparentemente tão diferentes, partilham um denominador comum: o coração está em falência “aguda” e o importante é “ajudar” o órgão e neutralizar a causa. E a causa pode ser cardíaca ou extracardíaca e ser reversível ou induzir lesão conduzindo a insuficiência cardíaca (IC) crónica. Frequentemente, existe um factor precipitante sem cuja identificação e tratamento a reversibilidade do processo pode ficar comprometida. Como referido previamente, na ICA, o coração pode adoecer de novo, pela primeira vez, não havendo doença cardíaca prévia conhecida. Mas, muito mais frequentemente, o doente tem já doença cardíaca e o que existe é uma descompensação mais ou menos súbita. Cito como exemplos da primeira situação, um enfarte agudo de miocárdio ou um derrame pericárdico volumoso provocando tamponamento cardíaco, sendo exemplos da segunda situação, uma disritmia (frequentemente a fibrilhação auricular com ventricular rápida) ou a crise hipertensiva. Qualquer delas pode ser o factor causal/precipitante da ICA, descompensando quer um coração com défice contráctil ventricular 46 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA (disfunção sistólica), quer um coração com boa função contráctil mas com disfunção diastólica. Entre os vários factores precipitantes possíveis, são de nomear também, pela com que se nos deparam, as infecções, a anemia, a insuficiência renal (IR) e o incumprimento da terapêutica (quer das medidas não-farmacológicas - excesso de ingestão sódica, por exemplo - quer mesmo da farmacológica). No doente que recorre ao Serviço de Urgência com ICA, alguns exames complementares de diagnóstico são fundamentais e considerados “rotina” pois podem ajudar ao esclarecimento diagnóstico, quer identificando a causa da síndrome e/ou o factor precipitante imediato, quer avaliando o tipo e grau de disfunção ventricular presentes, quer ainda identificando a existência de comorbilidades associadas, aspecto fundamental para o correcto manejo terapêutico da IC. Entre esses exames incluem-se a realização de ECG, radiografia do tórax, avaliação laboratorial (função renal, hematologia, ionograma sérico, glicemia, marcadores de necrose miocárdica e gasimetria do sangue arterial) e ecocardiograma. A determinação dos péptídeos natriuréticos de tipo B (BNP ou NT-proBNP) pode ser importante quando há dúvidas de diagnóstico diferencial, sendo um bom teste de “exclusão”. Clinicamente, o diagnóstico de ICA assenta na existência de manifestações de congestão (pulmonar e/ou sistémica) e/ou decorrentes de baixo débito cardíaco, com hipotensão (e vasoconstrição periférica com hipoperfusão tecidular), taquicardia e oligúria (por diminuição do débito renal) - fig.2. Estas manifestações associam-se de forma e em grau variáveis, dependendo de vários factores. São eles: a causa da ICA e a sua gravidade, a situação cardíaca prévia ao ” insulto”, o tipo de disfunção ventricular predominante (sistólica ou diastólica), o(s) factor(es) precipitante(s) e a(s) comorbilidade(s) associadas. Assim, vários “cenários” clínicos de ICA são possíveis de ser observados no doente que recorre ao Serviço de Urgência. BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 47 Cenários clínicos 1. O primeiro é aquele em que predominam manifestações de congestão pulmonar (podendo existir também manifestações de grau variável de baixo débito cardíaco, com hipotensão, palidez/cianose, pele húmida e fria e oligúria) - fig. 3. A dispneia e a estase pulmonar podem ser apenas de grau ligeiro/moderado, ou ao contrário, muito grave, com edema pulmonar agudo, existindo então grande dificuldade respiratória, estase importante e diminuição marcada da saturação em oxigénio do sangue arterial periférico. O enfarte agudo de miocárdio, a disfunção valvular mitral ou aórtica, a miocardiopatia dilatada ou mesmo causas extra-cardíacas como a crise hipertensiva ou a insuficiência renal grave, são exemplos de situações que assim se podem manifestar. Aliás, estas duas últimas podem cursar com o chamado edema agudo do pulmão em “flash” (assim designado pela sua rapidez de instalação), cursando frequentemente com função sistólica preservada e com níveis periféricos de BNP/NT-proBNP “falsamente” diminuídos, por não ter decorrido ainda tempo suficiente para a síntese ventricular da hormona. O tratamento deste quadro clínico assenta primeiramente na administração de vasodilatadores e de diuréticos e na correcção da hipoxémia, quer pelo aporte de oxigénio, quer mesmo, se esta medida não for eficaz, por apoio ventilatório (recorrendo a ventilação não-invasiva - CPAP ou BIPAP - ou invasiva, se necessário). 2. O segundo cenário clínico é o do doente que se apresenta com manifestações predominantemente de baixo débito cardíaco (podendo haver ou não sinais de congestão) - fig. 4. O quadro clínico pode ser apenas de grau ligeiro/moderado ou ao invés existirem critérios de choque cardiogénico, com pressão arterial sistólica < 90 mmHg, taquicardia e oligúria marcada (débito urinário < 0,5 ml/kg/hora). O enfarte de miocárdio, a miocardite aguda grave, a embolia pulmonar ou o tamponamento cardíaco, são alguns exemplos de situações que podem manifestar-se desta forma. O tratamento visa aumentar o débito cardíaco e a oxigenação tecidular e assenta também na administração de vasodilatadores - se a pressão arterial o permitir - na manutenção duma oxigenação/ventilação adequadas, na optimização da pré-carga (se necessário pela administração de fluidos) e no suporte inotrópico, recorrendo inicialmente a fármacos com esta propriedade. Noutro “patamar” de intervenção e dependendo da resposta do doente à terapêutica, poderá mesmo ser necessário suporte inotrópico com balão intra-aórtico. Nas situações de choque, naturalmente que poderá ser necessário o recurso a vasoconstritores. Situações específicas poderão exigir terapêuticas dirigidas, como é o caso de terapêutica de revascularização no enfarte agudo de miocárdio, do tratamento com heparina ou agente trombolítico na embolia pulmonar ou da necessidade imediata de drenagem pericárdica em caso de tamponamento. 3. Uma outra forma de apresentação é aquela em que predominam manifestações de insuficiência cardíaca direita, com sinais de congestão sistémica (que pode mesmo ser um quadro de anasarca), associados a manifestações de baixo débito cardíaco (de gravidade variável) - fig. 5. Doenças do sistema pulmonar (agudas ou crónicas agudizadas), o enfarte do ventrículo direito e doenças graves do “coração esquerdo” em fase avançada, são alguns exemplos de situações que podem dar um quadro clínico deste tipo. O tratamento é dirigido à causa mas exige também o recurso a diuréticos (para alívio da congestão) e é frequente administrar-se dopamina, em dose baixa (dose dopaminérgica, “renal”), numa tentativa de promover a diurese, combatendo a oligúria. 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 47 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 48 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Tratamento Os objectivos terapêuticos visam melhorar clinicamente o doente e estabilizar a situação hemodinâmica o mais rapidamente possível. Em simultâneo, pretende-se limitar a lesão miocárdica e, se possível, melhorar o prognóstico também a longo prazo, diminuindo a morbilidade (< internamento hospitalar, < taxa de readmissões) e a mortalidade da síndrome (a curto e a longo prazo). Claro que evitar iatrogenias, tendo em consideração as comorbilidades existentes deverá estar sempre na mente do clínico. O tratamento obedece a prioridades de acordo com a gravidade da situação clínica. Essa gravidade é avaliada geralmente duma forma não-invasiva, com monitorização dos parâmetros vitais (pressão arterial, frequência e ritmo cardíacos, temperatura, frequência respiratória) e da saturação arterial em oxigénio do sangue periférico (oximetria de pulso). E também pela vigilância/monitorização dos electrolíticos séricos, da função renal, da glicémia, dos marcadores de infecção e metabólicos e pela determinação por ecocardiografia do débito cardíaco e da situação de replecção volémica do doente. A estabilização respiratória é uma prioridade, pretendendo-se uma oxigenação/ventilação adequadas, de forma a manter saturações periféricas em oxigénio tão próximas do normal quanto possível. Outra prioridade é manter um débito cardíaco suficiente para uma boa perfusão tecidular periférica. Assim, o controlo da frequência e ritmo cardíacos é um aspecto fundamental - quer com fármacos, quer recorrendo a “pacing” ou a cardioversão eléctrica - bem como a manutenção duma pressão arterial adequada. Na insuficiência cardíaca, a vasoconstrição é a regra pelo que a administração de fármacos vasodilatadores está indicada sempre que a pressão arterial sistólica seja > 85 mmHg. No entanto, quando esta está entre 85 e 100 mmHg, é de ponderar também a administração de um fármaco inotrópico ou, alternativamente, de um inodilatador. Quando a pressão arterial sistólica tem valores < 85 mmHg, dever-se-á excluir situação de hipovolémia (a qual será corrigida pelo aporte de soros). Se após esta medida persistir um débito cardíaco 48 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA inadequado - com ausência de reversão da acidémia metabólica e ausência de sinais clínicos de boa perfusão periférica - será necessária terapêutica com inotrópicos e, eventualmente, mesmo com vasoconstritores - Fig.6. Os vasodilatadores e os diuréticos são dos fármacos mais frequentemente administrados no tratamento da ICA. Em relação aos vasodilatadores, os nitratos (dinitrato de isosorbido ou nitroglicerina), habitualmente dados por via intra-venosa, são muito eficazes em dose alta (devendo a dose ser gradualmente aumentada até à dose máxima tolerada - pressão arterial sistólica de 90-100 mmHg), sendo útil a sua associação a terapêutica com diurético de ansa (furosemida). A dose de nitratos deverá ser diminuída ou a administração interrompida se a pressão arterial sistólica diminuir excessivamente (pretendendo-se habitualmente com o tratamento, uma redução de 10 mmHg da pressão arterial média). Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, embora não estejam aconselhados para uso intravenoso na ICA, podem ser muito úteis por administração sub-lingual (captopril) no tratamento do edema pulmonar agudo associado a crise hipertensiva por exemplo, como é constatado diariamente na prática clínica. Os diuréticos de ansa, dados por via intra-venosa, são frequentemente utilizados. Têm também um efeito vasodilatador (em 5 a 30 minutos.) e, na ICA, podem reduzir a curto prazo a activação neurohormonal. A furosemida deverá ser administrada inicialmente em bolus (dose de carga), seguida de infusão contínua - mais eficaz do que a administração intermitente de bolus em doses elevadas. A sua associação a dobutamina, dopamina ou nitratos parece também ter maior eficácia e menores efeitos secundários do que o aumento isolado da dose de diurético. Com efeito, os diuréticos não são inócuos e a administração de grandes doses não é aconselhada, devendo a mesma reduzir-se logo após o controlo da retenção hidro-salina. O uso em excesso desta terapêutica pode conduzir a insuficiência renal, seja por acção directa nefrotóxica, seja secundariamente a hipovolémia (com diminuição do débito renal). E a insuficiência renal é um importante factor determinante do prognóstico na ICA. BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 49 Além de hipovolémia iatrogénica - situação a merecer particular atenção na ICA com disfunção diastólica predominante ou no enfarte do ventrículo direito, que exigem pressões de enchimento elevadas - o uso de diuréticos pode causar depleções iónicas causadoras de arritmias graves, pelo que, durante a administração desta terapêutica, é fundamental monitorizar o sódio, potássio e magnésio séricos (substituindo as perdas destes iões) e a função renal - Fig.7. A chamada “resistência aos diuréticos” - diminuição ou ausência de resposta ao fármaco, antes que tenha ocorrido alívio da situação de congestão - é uma situação com a qual nos podemos deparar ao tratar o doente com ICA e, justamente uma das suas causas, é a existência de depleção de volume intravascular. Esta pode ser devida a “excesso” de administração de diuréticos de ansa por via intra-venosa - excesso que pode ser até relativo, no doente com insuficiência cardíaca crónica, sob terapêutica diurética crónica e que tem já activação neurohormonal e baixo débito renal. Outra causa frequente para a resistência diurética é a existência de baixo débito cardíaco, com défice de perfusão renal, causando ou agravando (se pré-existente) uma situação de disfunção renal. Ultrapassar a resistência à acção diurética pode ser muito difícil. Além de ser fundamental manter o doente com repleção de volume adequada, deve dar-se preferência, como já referido, à administração de furosemida por infusão intravenosa contínua, poder-se-á também associar diuréticos (nomeadamente a metolazona), e/ou associar-se a administração de dopa/dobutamina ao diurético. Se estas medidas não forem eficazes, a ultrafiltração ou a diálise renal poderão ser as únicas medidas terapêuticas que aliviem as manifestações congestivas Fig.8. Em relação ao uso de fármacos inotrópicos no doente com ICA e disfunção sistólica ventricular, a sua administração está indicada - de acordo com as Recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia - quando existe “hipoperfusão periférica (hipotensão e oligúria), com ou sem congestão pulmonar e refractária a terapêutica diurética e vasodilatadora em doses optimizadas” (e, naturalmente, na ausência de hipovolémia). A Dopamina é frequentemente utilizada, mas em dose baixa (</= 23 μg/kg/min.), dose dopaminérgica, com a intenção de aumentar a resposta à terapêutica diurética, contrariando a oligúria. Doses um pouco mais elevadas - 2-5 μg/kg/min. - podem ser úteis na ICA com hipotensão, pois estimulam os receptores adrenérgicos-ß, com aumento da contractilidade miocárdica e do débito cardíaco. Doses superiores a 5 μg/kg/min. provocam vasoconstrição - por estimulação dos receptores adrenérgicos-α - e não são aconselhadas na ICA. A dobutamina actua por estimulação dos receptores adrenérgicos ß 1 e 2 e é um dos inotrópicos mais utilizados na prática clínica. Tanto este efeito como o seu efeito cronotrópico são dependentes da dose administrada. Pretendendose, na ICA, aumentar o débito cardíaco, a dose inicial do fármaco deverá ser baixa - 2-3 μg/kg/min - provocando vasodilatação arterial, aumentando-se gradualmente, de acordo com a resposta clínica. Doses elevadas dão vasoconstrição e têm maior risco arrítmico e isquémico. Esta realidade tem de ser considerada quando se pensa na administração de um fármaco inotrópico ao doente sob terapêutica crónica com bloqueador adrenérgico-ß como é frequentemente o doente com insuficiência cardíaca crónica agudizada. Este tipo de doente necessita de doses elevadas de dobutamina para um mesmo efeito hemodinâmico, não sendo assim este fármaco o inotrópico “ideal”. O levosimendan pertence a uma nova classe farmacológica, a dos inodilatadores. Os seus principais mecanismos de acção são diferentes dos outros inotrópicos descritos previamente. Actua por sensibilização das proteínas contrácteis ao cálcio, afectando positivamente o inotropismo sem aumentar o cálcio intra-celular pelo que tem menor risco arritmogénico - e causa vasodilatação periférica por abrir os canais de potássio no músculo liso vascular. O levosimendan está indicado nas situações de insuficiência cardíaca por disfunção sistólica ventricular que curse com baixo débito cardíaco, mas sem hipotensão grave (pressão arterial sistólica > 85 - 90 mmHg). Entre os inotrópicos, este fármaco é o mais aconselhado nas Recomendações da Sociedade Europeia de 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 49 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 50 1 as J o r n a d a s L u s ó f o n a s d e C A R D I O L O G I A Cardiologia - Classe IIa, nível de evidência B. Os seus efeitos aumento do débito cardíaco e diminuição das resistências vasculares sistémica e pulmonar - são também dependentes da dose administrada. Tem boa eficácia hemodinâmica, sendo dado em infusão intra-venosa contínua - habitualmente durante 6 a 24 horas - prolongando-se os seus efeitos benéficos durante vários dias após interrupção da mesma, devido à persistência em circulação de um metabolito activo do fármaco. Durante a administração pode ocorrer diminuição da pressão arterial e aumento da frequência cardíaca, efeitos geralmente de grau ligeiro, nomeadamente se se cumprirem certas “regras”, como a omissão da “dose de carga” (nos doentes com pressão arterial sistólica “borderline”) e se mantiver a infusão com dose relativamente baixa do fármaco (0,05 - 0,01 μg/kg/min.). Facto importante é o de que a resposta hemodinâmica ao levosimendan se mantem mesmo nos doentes sob terapêutica crónica com bloqueadores adrenérgicos-ß. Algumas situações específicas deparam-se frequentemente no doente com ICA e justificam considerandos particulares. A primeira é a fibrilhação auricular (FA), a qual é um frequente factor causal / precipitante de ICA - causa de 28% de ICA de “novo” no Euro Heart Failure Survey - II - sendo o controlo da frequência cardíaca importante (particularmente no doente com disfunção diastólica). O tratamento da arritmia dependerá da gravidade hemodinâmica da situação e da duração da FA. Sob hipocoagulação, poder-se-á optar pela cardioversão eléctrica - no doente com instabilidade hemodinâmica - ou pela cardioversão química (nomeadamente se a arritmia é recente - duração inferior a 48 horas) recorrendo à administração, por via intra-venosa, de amiodarona, digoxina ou mesmo bloqueador adrenérgico-ß (em certas situações particulares, como por exemplo no hipertiroidismo). Alternativamente, o primeiro objectivo terapêutico poderá ser apenas o controlo farmacológico da frequência cardíaca - com os fármacos referidos quando se pensa que a FA é de longa duração. Nesta última situação, após 3 semanas de hipocoagulação oral e excluindo-se a existência de trombo intra-auricular pelo recurso à ecocardiografia 50 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA transesofágica, poderá ser equacionada a hipótese de cardioversão (eléctrica ou química). A segunda situação é justamente o problema da anticoagulação, impondo-se esta não só na FA como também nas síndromes coronárias agudas Além disso, no contexto de ICA, a administração de heparina (quer de baixo peso molecular, quer não-fraccionada), diminui a incidência de trombose venosa profunda. A terceira situação que optei por focar é a administração de bloqueadores adrenérgicos-ß. Esta, por regra, não deve ser feita nas situações de ICA grave, embora hajam excepções. Um exemplo é o do doente que está sob terapêutica crónica com este tipo de fármaco. Não tendo havido aumento recente da dose de bloqueador adrenérgico-ß (a qual pode até ser a causa da descompensação), a sua administração não deverá ser interrompida. No entanto, a sua interrupção (ou apenas redução da dose) pode ter que ser considerada se existir bradicardia importante ou hipotensão sintomática. Em caso de necessidade de suporte inotrópico, como já sugerido, a administração de levosimendan poderá ser uma boa opção. Por último, falo da insuficiência renal (IR). Esta é frequente no doente com ICA e ambas as situações se interrelacionam duma forma adversa, cada uma causando/agravando a outra. No doente com ICA - a qual é, frequentemente como já referido, IC crónica descompensada - a depleção de volume pela terapêutica diurética, o tratamento crónico com iECA / ARA II e mesmo a utilização (frequente) de fármacos nocivos para o rim (como os anti-inflamatórios não esteróides, por exemplo), predispõem a disfunção renal. Por outro lado, vários factores existem na IR - anemia, acidose metabólica e alterações iónicas (favorecendo arritmias) - que agravam a ICA e dificultam o seu tratamento. Este pode mesmo ser particularmente difícil - nomeadamente em termos de alívio da congestão - na presença de resistência à acção diurética, situação em que a sobrecarga de volume se agrava - o chamado síndrome cardiorenal, no qual a ultra-filtração ou mesmo a diálise renal poderão ser as únicas medidas terapêuticas eficazes. A IR associa-se, na insuficiência cardíaca, a um pior prognóstico, BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 51 como o mostraram dados do Euro Heart Failure Survey, em que um valor de creatinina sérica superior a 1,3 mg/dl quase duplicou a mortalidade ao ano. Assim, no tratamento do doente com ICA, monitorizar a função renal e seleccionar bem os fármacos a administrar (e a dose dos mesmos) é uma exigência, porque preservar o rim é uma prioridade da terapêutica. Referências 1. Guidelines on the diagnosis and treatment of Acute Heart Failure of the European Society of Cardiology. Eur Heart J, 2005 1as Jornadas Lusófonas de CARDIOLOGIA 51 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 52 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 53 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 54 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:31 PM Page 55 BK J CABO VERDE AF 4/27/09 3:32 PM Page 56 Apoio