Catarata em cães – revisão de literatura

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Catarata em cães – revisão de literatura
Luciane de Albuquerque
Ana Carolina da Veiga Rodarte de Almeida
Paula Stieven Hünning
Fabiana Quartiero Pereira
Cláudia Skilhan Faganello
João Antonio Tadeu Pigatto
RESUMO
A catarata é a principal causa de cegueira tratável em cães, para qual a única forma de
tratamento é a remoção cirúrgica. Sua origem pode ser metabólica, senil, inflamatória, tóxica,
nutricional, induzida por fármacos, traumática ou primária relacionada à raça. O diagnóstico é
realizado após a obtenção de midríase e utilizando a biomicroscopia com lâmpada de fenda. O
diagnóstico diferencial deve ser feito de esclerose da lente. Nos últimos anos, o sucesso da remoção
da catarata tem aumentado, principalmente após o desenvolvimento da técnica de facoemulsificação.
Este trabalho é uma revisão de literatura sobre catarata em cães, incluindo etiologia, patogenia,
sinais clínicos, diagnóstico, tratamento e prognóstico desta afecção.
Palavras-chave: Catarata. Cães. Cirurgia.
Cataract in dogs – a review
ABSTRACT
Cataract is a leading cause of treatable blindness in dogs. Surgery is the only method of
restoring vision in a patient blinded by cataracts. Its origins may be due to hereditary, metabolic,
senile changes, trauma, nutritional deficiencies, toxins, drugs, radiation therapy, and inflammation.
Diagnosis of cataracts is made after mydriasis using slit-lamp biomicroscopy. The differential
diagnostic for cataracts is nuclear sclerosis. Surgery is the only method of restoring vision in a
Luciane de Albuquerque é acadêmica de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
Ana Carolina da Veiga Rodarte de Almeida é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-graduação
Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Paula Stieven Hünning é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Ciências Veterinárias
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Fabiana Quartiero Pereira é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Ciências Veterinárias
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Cláudia Skilhan Faganello é acadêmica de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
João Antonio Tadeu Pigatto é Médico Veterinário, Doutor, Professor Adjunto, Departamento de Medicina Animal,
Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Endereço para correspondência: Prof. João A. T. Pigatto – Av. Bento Gonçalves, 9090. Bairro Agronomia. Porto
Alegre, RS. 91540-000. E-mail: [email protected]
Veterinária em Foco
Canoas
v.7
n.2
p.185-197
jan./jun. 2010
patient blinded by cataracts. The success rate of cataract surgery has risen significantly during last
years, especially after introduction of phacoemulsification. This paper is a study based in literature
review, about cataract in dogs, including etiology, pathogenesis, diagnostic, options of treatment
and prognosis of this affection.
Keywords: Cataract. Dogs. Surgery.
INTRODUÇÃO
A catarata é a opacidade das fibras ou da cápsula do cristalino, sendo a principal
causa de cegueira tratável em cães (ADKINS; HENDRIX, 2005).
O diagnóstico é baseado no exame com biomicroscopia com lâmpada de fenda
realizado após obtenção de midríase. O exame da lente é fundamental para se detectar
a presença, localização e extensão da opacidade do cristalino (BARNETT, 1985;
ORÉFICE; BORATTO, 1989).
O tratamento da catarata é cirúrgico. As técnicas de remoção da catarata evoluíram
nas últimas décadas. Inicialmente, houve uma mudança da extração intra para a
extracapsular convencional do cristalino e para a facoemulsificação (BARROS, 1990;
DZIEZYC, 1990; GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; KEIL; DAVIDSON, 2001).
Os principais avanços técnicos da cirurgia de catarata estão ligados à consolidação e
ao aprimoramento da facoemulsificação que atualmente é a técnica de eleição para o
tratamento de pacientes com catarata, quer em Medicina quer em Veterinária (ADKINS;
HENDRIX, 2005; BARROS, 1990; BOLDY, 1988).
Atualmente a taxa de sucesso para a extração da catarata varia de 80 a 95%,
dependendo da seleção criteriosa do paciente e da técnica utilizada (GILGER, 1997).
Objetiva-se, com este trabalho, auxiliar para a abordagem da catarata permitindo
identificação precoce, diagnóstico preciso e tratamento eficaz.
CRISTALINO
O cristalino ou lente é uma estrutura biconvexa, transparente, avascular que está
sustentado atrás da íris pelas fibras zonulares (Figura 1). Anterior à lente está o humor
aquoso e posteriormente o humor vítreo (ORÉFICE; BORATTO, 1989; SLATTER,
2005). As fibras zonulares se originam no corpo ciliar, alterações na tensão dessas
fibras, devido às contrações do músculo ciliar, alteram a curvatura do cristalino e
consequentemente a sua dioptria. O bulbo do olho possui a capacidade de ajuste do seu
foco devido à capacidade do cristalino de alterar sua forma de acordo com a distância
dos objetos. Esse fenômeno denomina-se acomodação. Os cães possuem a musculatura
do corpo ciliar menos desenvolvida do que os humanos, resultando em uma dioptria
de 40 em comparação com o homem que possui uma dioptria de 20 e um alto poder de
acomodação visual. Com o avanço da idade o poder de acomodação diminui devido à
redução da elasticidade do cristalino (SLATTER, 2005; TEIXEIRA, 2003).
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FIGURA 1 – Cristalino de cão. Observa-se lente sem opacidade e ligamentos zonulares.
Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS.
A lente é composta por um núcleo e um córtex que são envolvidos por uma cápsula
anterior e posterior. Seu volume em cães é de aproximadamente 0,5 ml, seu eixo ânteroposterior é de 7 mm e seu diâmetro equatorial pode variar de 9 a 11,5 mm (TEIXEIRA,
2003). A cápsula possui na sua face anterior, uma camada epitelial unicelular, que ao
nível do equador, se diferencia em fibras lenticulares que vão se dispondo, em forma
concêntrica, ao redor do núcleo, assim formando a camada cortical. Ela é composta
por fibras de colágeno e carboidratos complexos, possuindo propriedades elásticas
que regulam o formato da lente. É impermeável a moléculas grandes como albuminas
e globulinas, mas permite a passagem de água e eletrólitos. Sua espessura é de 8 a 12
μm na região equatorial, 50 a 70 μm na porção anterior e apenas 2 a 4 μm na porção
posterior (GELLAT; GELLAT, 2001; ORÉFICE; BORATTO, 1989; PLAYTER, 1977;
SLATTER, 2005).
O córtex é composto por células jovens, lenticulares dispostas em camadas
interdigitadas ao redor do núcleo que é formado por células mais velhas, de maior
densidade e menos transparentes que as do córtex (PLAYTER, 1977).
O cristalino consiste basicamente de água, proteínas, minerais, carboidratos e
lipídeos (GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997). A proporção de proteínas varia de
acordo com a espécie, idade e dimensão da lente. Devido ao seu caráter avascular, o
metabolismo da lente depende basicamente dos nutrientes e do oxigênio proveniente do
humor aquoso. Distúrbios nessa composição afetam o metabolismo e a transparência
lenticular (SLATTER, 2005). A principal função do cristalino é a refração dos raios
luminosos em direção a retina e a acomodação visual (ADKINS; HENDRIX, 2003;
GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; SLATTER, 2005).
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CATARATA
A catarata é a opacidade da lente ou de sua cápsula e é considerada uma das
causas mais frequentes de cegueiras em cães (DAVIDSON; NELMS, 1999; KEIL;
DAVIDSON, 2001; PARK et al., 2009; PLAYTER, 1977; ).
A opacificação do cristalino impede que os feixes luminosos incidam sobre a retina e
com isso não ocorre formação da visão (ADKINS; HENDRIX, 2003, SLATTER, 2005).
Embora os caninos sejam na medicina veterinária, a espécie mais acometida
pela opacificação da lente, estudos demonstram a ocorrência dessa afecção em outras
espécies, incluindo os felinos (DAVID; HEATH, 2006; WILLIAMS; HEALTH, 2006),
equinos (DZIEZYC, 1990), coelhos (ASHTON et al., 1976), avestruz (GONÇALVES et
al., 2006), lhamas (GIONFRIDDO; BLAIR, 2002), roedores (MUNGER et al., 2002),
leopardos (COOLEY, 2001), entre outras.
O mecanismo de formação da catarata não está totalmente elucidado. Acredita-se
que qualquer interferência que ocorra na nutrição da lente, metabolismo energético e/ou
proteico e no equilíbrio osmótico podem resultar na opacificação lenticular (SLATTER,
2005). Estudos apontam que a catarata resulta da combinação de uma série de eventos
onde ocorre agregação de proteínas lenticulares, aumento das proteínas insolúveis,
estresse osmótico, disfunções no metabolismo energético, alterações no metabolismo
nutricional, mudanças na concentração de oxigênio, exposição a toxinas e alterações
de concentrações iônicas. Essas alterações acarretam a vacuolização ou precipitação
das proteínas do cristalino que produzem perda da sua transparência (GLOVER;
CONSTANTINESCU, 1997).
A catarata é comumente classificada de acordo com a sua etiologia, idade de
aparecimento, grau de desenvolvimento e localização. Com relação à etiologia, a
catarata pode ser hereditária ou adquirida. A hereditariedade da catarata foi descrita
em várias raças de diferentes espécies como cães, gatos e cavalos (SLATTER, 2005).
Estudo prévio, demonstrou que qualquer raça de cães pode ser acometida por catarata,
contudo a incidência em cães da América do Norte é maior nas raças como Boston
Terrier (11,11%), Poodle miniatura (10,79%), American Cocker Spaniel (8,77%),
Standard Poodle (7,00%), e Schnauzer Miniatura (4,98 %) (GELLAT; MACKAY, 2005).
Adkin e Hendrix (2005), também verificaram que as raças Cocker Spaniel, Schnauzer
em miniatura, Boston Terrier, Poodle em miniatura e Bichon Frise foram as raças mais
acometidas pela opacificação da lente.
Entre as causas mais comuns das cataratas adquiridas, encontram-se as doenças
metabólicas, trauma ocular, a inflamação intraocular, as deficiências nutricionais, o
choque elétrico e a radioterapia (SLATTER, 2005). A idade dos cães no início da
formação da catarata, bem como seu histórico completo, pode ajudar a determinar a
causa (BAUMWORCEL et al., 2009; DAVIDSON; NELMS, 1999).
A incidência de catarata em cães diabéticos chega a 68%, sendo considerada
a manifestação ocular mais comum nos caninos com diabetes mellitus (BASHER;
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ROBERTS, 1995). As enzimas responsáveis pelo metabolismo normal da glicose
tornam-se saturadas, ocasionando excesso de sorbitol que se acumula na lente,
aumentando assim o estado osmótico da lente o que resulta em posterior estado de
intumescência da lente. A catarata diabética geralmente cursa com surgimento agudo
e é bilateral (BEAM et al., 1999; RICTHER et al., 2002).
Com relação à idade de aparecimento, a catarata pode ser classificada como
congênita, juvenil ou senil (SLATTER, 2005).
Cataratas congênitas são frequentemente observadas em raças como Schnauzer
miniatura e Labrador (DAVIDSON; NELMS, 1999). Em outras espécies, como equinos
e bovinos, as cataratas congênitas podem ser observadas antes de duas semanas de idade.
Geralmente são observadas de forma secundária ou em associação a outras alterações,
como membrana pupilar persistente, persistência da artéria hialoide, microftalmia e
anormalidades diversas (SLATTER, 2005). A catarata juvenil geralmente acomete cães
até seis anos de idade e a catarata senil é aquela que atinge cães com idade superior a sete
anos, afetando com maior frequência o núcleo do cristalino, sendo geralmente precedida
de esclerose nuclear (GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; SLATTER, 2005).
Quanto à localização anatômica, a catarata pode ser capsular, subcapsular, zonular,
cortical, nuclear, polar, axial ou equatorial (DAVIDSON; NELMS, 1999; SLATTER,
2005).
A classificação pelo estágio de desenvolvimento inclui incipiente, imatura, madura
e hipermadura (BARNETT, 1985; BAUMWORCE et al., 2009; DAVIDSON et al., 1991,
l). Na catarata incipiente ocorre opacidade em até 15 % do cristalino o que não acarreta
perda da visão. Ela pode aparecer apenas como áreas focais enbranquecidas na lente. O
estágio imaturo (Figura 2-A) envolve a opacidade entre o estágio incipiente e a catarata
madura. Neste estágio ainda é possível visualizar o reflexo do fundo de olho. No estágio de
catarata madura (Figura 2-B) o cristalino está totalmente opacificado e o reflexo de fundo
de olho e a visão estão ausentes, o que conduz ao déficit visual. Na catarata hipermadura
as proteínas corticais se tornam líquidas, normalmente deixando a cápsuIa enrugada. O
córtex se liquefaz devido à proteólise, sendo possível visibilizar o reflexo do fundo de
olho (BARROS, 1990; DAVIDSON; NELMS, 1999; TEIXEIRA, 2003).
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FIGURA 2 – Catarata em cães. (A) Catarata imatura e (B) catarata madura.
Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA CATARATA
O principal sinal clínico da catarata é a opacificação da lente e a diminuição
da acuidade visual do animal relatada pelo proprietário. O diagnóstico da catarata
é estabelecido com base na anamnese e no exame oftálmico (BARNETT, 1985;
BAUMWORCEL et al., 2009; DAVIDSON; NELMS, 1999; TEIXEIRA, 2003). A
opacificação pode estar presente em um ou em ambos os olhos. A maioria dos sinais
clínicos relacionados à catarata tem evolução lenta, exceto nos casos relacionados a
doenças sistêmicas, como o diabetes mellitus, onde a opacificação progride rapidamente.
Nas cataratas maduras ou hipermaduras bilaterais ocorre a perda da visão (BEAM et
al., 1999; RICHTER et al., 2002).
Normalmente no exame oftálmico, utiliza-se biomicroscopia com lâmpada de
fenda ou oftalmoscopia direta para confirmar o diagnóstico da opacificação lenticular,
o exame é melhor realizado com a pupila dilatada (BARNETT, 1985; ORÉFICE;
BORATTO, 1989).
É importante diferenciar a catarata da esclerose (SLATTER, 2005). A esclerose
nuclear consiste num processo fisiológico, que acomete cães geralmente com idade
superior a sete anos e sua ocorrência é sempre bilateral (BARNETT, 1985). A esclerose
ocorre devido ao aumento da densidade do núcleo ocasionado pela formação de novas
células lenticulares no equador da lente que forçam a migração das células velhas em
direção a zona nuclear (SLATTER, 2005).
Clinicamente, o cristalino com esclerose não interfere na observação do reflexo do
fundo de olho (Figura 3). Porém, quando associada à catarata, a visualização do reflexo
do fundo de olho fica prejudicada ou impossível de ser identificada (PLAYTER, 1977).
A esclerose não acarreta na perda da visão, não sendo necessária a intervenção
cirúrgica. A perda da visão ocorre somente em casos em que a esclerose esteja associada
à catarata madura ou hipermadura (BARNETT, 1985; PLAYTER, 1977).
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FIGURA 3 – Cão com esclerose da lente. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS.
O tratamento para catarata é cirúrgico e as técnicas incluem a remoção intracapsular,
a extracapsular manual e a facoemulsificação (GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997;
KEIL; DAVIDSON, 2001; MAGRANE, 1989).
Na extração intracapsular da catarata, o cristalino é removido por inteiro sendo
utilizada apenas nos casos de luxação do cristalino (Figura 4). Nesta técnica, a incidência
de descolamento de retina é mais elevada do que nas técnicas extracapsulares (DAVIDSON
et al., 1990; GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997). Quando a remoção da catarata era
rotineiramente conduzida empregando-se o procedimento intracapsular, obtinham-se bons
resultados em apenas 29% dos cães operados (MAGRANE, 1989).
FIGURA 4 – Cão com luxação da lente. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS.
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Na remoção extracapsular manual, após ampla incisão de córnea de
aproximadamente 12 mm, a porção central da cápsula anterior é removida para acessar
a catarata. Nessa técnica a cápsula posterior do cristalino é preservada, evitando com
isso prolapso do corpo vítreo e descolamento de retina (DAVIDSON et al., 1999;
PIGATTO, 2004). Valendo-se da técnica extracapsular convencional em cães obtinha-se
retorno da função visual em entre 79% e 85,7% dos casos operados (BARROS, 1990;
ROOKS et al., 1985).
Nos últimos anos, os principais avanços da cirurgia de catarata estão ligados à
consolidação e ao aprimoramento da facoemulsificação. Surgida no final da década
de 60, quando o cirurgião norte-americano Charles Kelman a apresentou em um
encontro da Academia Americana de Oftalmologia, a facoemulsificação passou por
inúmeros aperfeiçoamentos incluindo, novos aparelhos, lentes intraoculares dobráveis,
desenvolvimento de substâncias viscoelásticas e formas diferenciadas de fragmentação
do cristalino, entre outras (ARSHINOFF, 1999; BAGLEY; LAVACH, 1994; GILGER,
1997; MILLER et al., 1987).
A facoemulsificação consiste na fragmentação ultra-sônica do cristalino, que
é aspirado do bulbo do olho por uma incisão corneana de cerca de 3 mm (Figura
5). Comparada às demais técnicas de remoção da catarata, a facoemulsificação
proporciona os melhores resultados (BOLDY, 1988; DZIEZYC, 1990; PIGATTO, 2004;
WHITLEY et al., 1993; WILKIE; COLITZ, 2009). Dentre as principais vantagens da
facoemulsificação, comparativamente às demais técnicas, estão a pequena incisão,
a manutenção da pressão intraocular intraoperatória e a pouca manipulação das
estruturas internas ao globo ocular (CHEE et al., 1999; GILGER, 1990; PIGATTO,
2004; TEIXEIRA, 2003; WARREN, 2004). Incluem-se ainda como vantagens da
facoemulsificação sobre as técnicas manuais, menor contaminação, menor inflamação
intraocular pós-operatória, menor tempo operatório e a reabilitação precoce da visão
(BOLDY, 1988; GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; KOCH et al., 1993; MILLER
et al.,1997; MURPHY, 1980).
O sucesso da cirurgia de catarata em cães tem aumentado acentuadamente nos
últimos 15 anos, especialmente devido ao desenvolvimento da facoemulsificação,
alcançando o índice de 80 a 95% de resultados satisfatórios (GILGER, 1997;
ÖZGENCIL, 2005, TAYLOR et al., 1995; WILKIE; COLITZ, 2009).
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FIGURA 5 – Técnica de facoemulsificação em cães.
Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS.
O implante de lente intraocular em cães após a remoção da catarata é tecnicamente
possível (NASISSE et al., 1991; TEIXEIRA, 2003). Em virtude das diferenças de
tamanho e de poder refrativo, as lentes intraoculares de uso humano devem ser evitadas
e somente devem ser empregadas lentes específicas para a espécie canina (DAVIDSON
et al., 1991; NASISSE et al., 1991). Em humanos após a remoção da carata são utilizadas
lentes de 18 dioptrias. Em cães existem diferenças anatômicas e no mecanismo de
acomodação visual, em relação ao homem, fazendo-se necessário uma lente de poder
dióptrico mais elevado com 40 dioptrias (TEIXEIRA, 2003; KOPALA, 2008).
A implantação da lente intraocular melhora o poder óptico do afácico e ajuda a
diminuir a opacidade da cápsula posterior pós-operatória. Porém, complicações como
luxação da lente implantada e inflamação intraocular transitória, são possíveis de
acontecerem (DAVIDSON; NELMS, 1999). A lente mais utilizada em cães é constituida
por material polimerizável, no entanto, existem lentes intraoculares produzidas com
outros materiais, como silicone e hidroxietilmetacrilato (GILGER, 1997).
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Em casos onde a remoção da catarata não seja realizada, poderá ocorrer uveíte
lente induzida devido à perda de proteínas da lente acarretando uma resposta autoimune
(BARROS, 1990; CURTIS et al, 1991; DAVIDSON, et al, 1990). Essa condição precisa
necessariamente ser tratada. As complicações mais comuns da uveíte lente induzida
são glaucoma e phthisis bulbi. Além disso, cataratas hipermaduras acarretam risco
maior de subluxação ou luxação da lente, o que pode levar a complicações secundárias
(DAVIDSON; NELMS, 1999; SLATTER, 2005).
CONCLUSÕES
A catarata é a principal causa de cegueira tratável em cães. O tratamento é unicamente
cirúrgico e tem sido demonstrado que o diagnóstico precoce aliado à remoção da catarata
utilizando a facoemulsificação permite a obtenção de resultados satisfatórios.
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Recebido em: jan. 2009
Aceito em: abr. 2009
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