Catarata em cães – revisão de literatura Luciane de Albuquerque Ana Carolina da Veiga Rodarte de Almeida Paula Stieven Hünning Fabiana Quartiero Pereira Cláudia Skilhan Faganello João Antonio Tadeu Pigatto RESUMO A catarata é a principal causa de cegueira tratável em cães, para qual a única forma de tratamento é a remoção cirúrgica. Sua origem pode ser metabólica, senil, inflamatória, tóxica, nutricional, induzida por fármacos, traumática ou primária relacionada à raça. O diagnóstico é realizado após a obtenção de midríase e utilizando a biomicroscopia com lâmpada de fenda. O diagnóstico diferencial deve ser feito de esclerose da lente. Nos últimos anos, o sucesso da remoção da catarata tem aumentado, principalmente após o desenvolvimento da técnica de facoemulsificação. Este trabalho é uma revisão de literatura sobre catarata em cães, incluindo etiologia, patogenia, sinais clínicos, diagnóstico, tratamento e prognóstico desta afecção. Palavras-chave: Catarata. Cães. Cirurgia. Cataract in dogs – a review ABSTRACT Cataract is a leading cause of treatable blindness in dogs. Surgery is the only method of restoring vision in a patient blinded by cataracts. Its origins may be due to hereditary, metabolic, senile changes, trauma, nutritional deficiencies, toxins, drugs, radiation therapy, and inflammation. Diagnosis of cataracts is made after mydriasis using slit-lamp biomicroscopy. The differential diagnostic for cataracts is nuclear sclerosis. Surgery is the only method of restoring vision in a Luciane de Albuquerque é acadêmica de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ana Carolina da Veiga Rodarte de Almeida é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-graduação Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Paula Stieven Hünning é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Fabiana Quartiero Pereira é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Cláudia Skilhan Faganello é acadêmica de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). João Antonio Tadeu Pigatto é Médico Veterinário, Doutor, Professor Adjunto, Departamento de Medicina Animal, Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço para correspondência: Prof. João A. T. Pigatto – Av. Bento Gonçalves, 9090. Bairro Agronomia. Porto Alegre, RS. 91540-000. E-mail: [email protected] Veterinária em Foco Canoas v.7 n.2 p.185-197 jan./jun. 2010 patient blinded by cataracts. The success rate of cataract surgery has risen significantly during last years, especially after introduction of phacoemulsification. This paper is a study based in literature review, about cataract in dogs, including etiology, pathogenesis, diagnostic, options of treatment and prognosis of this affection. Keywords: Cataract. Dogs. Surgery. INTRODUÇÃO A catarata é a opacidade das fibras ou da cápsula do cristalino, sendo a principal causa de cegueira tratável em cães (ADKINS; HENDRIX, 2005). O diagnóstico é baseado no exame com biomicroscopia com lâmpada de fenda realizado após obtenção de midríase. O exame da lente é fundamental para se detectar a presença, localização e extensão da opacidade do cristalino (BARNETT, 1985; ORÉFICE; BORATTO, 1989). O tratamento da catarata é cirúrgico. As técnicas de remoção da catarata evoluíram nas últimas décadas. Inicialmente, houve uma mudança da extração intra para a extracapsular convencional do cristalino e para a facoemulsificação (BARROS, 1990; DZIEZYC, 1990; GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; KEIL; DAVIDSON, 2001). Os principais avanços técnicos da cirurgia de catarata estão ligados à consolidação e ao aprimoramento da facoemulsificação que atualmente é a técnica de eleição para o tratamento de pacientes com catarata, quer em Medicina quer em Veterinária (ADKINS; HENDRIX, 2005; BARROS, 1990; BOLDY, 1988). Atualmente a taxa de sucesso para a extração da catarata varia de 80 a 95%, dependendo da seleção criteriosa do paciente e da técnica utilizada (GILGER, 1997). Objetiva-se, com este trabalho, auxiliar para a abordagem da catarata permitindo identificação precoce, diagnóstico preciso e tratamento eficaz. CRISTALINO O cristalino ou lente é uma estrutura biconvexa, transparente, avascular que está sustentado atrás da íris pelas fibras zonulares (Figura 1). Anterior à lente está o humor aquoso e posteriormente o humor vítreo (ORÉFICE; BORATTO, 1989; SLATTER, 2005). As fibras zonulares se originam no corpo ciliar, alterações na tensão dessas fibras, devido às contrações do músculo ciliar, alteram a curvatura do cristalino e consequentemente a sua dioptria. O bulbo do olho possui a capacidade de ajuste do seu foco devido à capacidade do cristalino de alterar sua forma de acordo com a distância dos objetos. Esse fenômeno denomina-se acomodação. Os cães possuem a musculatura do corpo ciliar menos desenvolvida do que os humanos, resultando em uma dioptria de 40 em comparação com o homem que possui uma dioptria de 20 e um alto poder de acomodação visual. Com o avanço da idade o poder de acomodação diminui devido à redução da elasticidade do cristalino (SLATTER, 2005; TEIXEIRA, 2003). 186 Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 FIGURA 1 – Cristalino de cão. Observa-se lente sem opacidade e ligamentos zonulares. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. A lente é composta por um núcleo e um córtex que são envolvidos por uma cápsula anterior e posterior. Seu volume em cães é de aproximadamente 0,5 ml, seu eixo ânteroposterior é de 7 mm e seu diâmetro equatorial pode variar de 9 a 11,5 mm (TEIXEIRA, 2003). A cápsula possui na sua face anterior, uma camada epitelial unicelular, que ao nível do equador, se diferencia em fibras lenticulares que vão se dispondo, em forma concêntrica, ao redor do núcleo, assim formando a camada cortical. Ela é composta por fibras de colágeno e carboidratos complexos, possuindo propriedades elásticas que regulam o formato da lente. É impermeável a moléculas grandes como albuminas e globulinas, mas permite a passagem de água e eletrólitos. Sua espessura é de 8 a 12 μm na região equatorial, 50 a 70 μm na porção anterior e apenas 2 a 4 μm na porção posterior (GELLAT; GELLAT, 2001; ORÉFICE; BORATTO, 1989; PLAYTER, 1977; SLATTER, 2005). O córtex é composto por células jovens, lenticulares dispostas em camadas interdigitadas ao redor do núcleo que é formado por células mais velhas, de maior densidade e menos transparentes que as do córtex (PLAYTER, 1977). O cristalino consiste basicamente de água, proteínas, minerais, carboidratos e lipídeos (GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997). A proporção de proteínas varia de acordo com a espécie, idade e dimensão da lente. Devido ao seu caráter avascular, o metabolismo da lente depende basicamente dos nutrientes e do oxigênio proveniente do humor aquoso. Distúrbios nessa composição afetam o metabolismo e a transparência lenticular (SLATTER, 2005). A principal função do cristalino é a refração dos raios luminosos em direção a retina e a acomodação visual (ADKINS; HENDRIX, 2003; GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; SLATTER, 2005). Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 187 CATARATA A catarata é a opacidade da lente ou de sua cápsula e é considerada uma das causas mais frequentes de cegueiras em cães (DAVIDSON; NELMS, 1999; KEIL; DAVIDSON, 2001; PARK et al., 2009; PLAYTER, 1977; ). A opacificação do cristalino impede que os feixes luminosos incidam sobre a retina e com isso não ocorre formação da visão (ADKINS; HENDRIX, 2003, SLATTER, 2005). Embora os caninos sejam na medicina veterinária, a espécie mais acometida pela opacificação da lente, estudos demonstram a ocorrência dessa afecção em outras espécies, incluindo os felinos (DAVID; HEATH, 2006; WILLIAMS; HEALTH, 2006), equinos (DZIEZYC, 1990), coelhos (ASHTON et al., 1976), avestruz (GONÇALVES et al., 2006), lhamas (GIONFRIDDO; BLAIR, 2002), roedores (MUNGER et al., 2002), leopardos (COOLEY, 2001), entre outras. O mecanismo de formação da catarata não está totalmente elucidado. Acredita-se que qualquer interferência que ocorra na nutrição da lente, metabolismo energético e/ou proteico e no equilíbrio osmótico podem resultar na opacificação lenticular (SLATTER, 2005). Estudos apontam que a catarata resulta da combinação de uma série de eventos onde ocorre agregação de proteínas lenticulares, aumento das proteínas insolúveis, estresse osmótico, disfunções no metabolismo energético, alterações no metabolismo nutricional, mudanças na concentração de oxigênio, exposição a toxinas e alterações de concentrações iônicas. Essas alterações acarretam a vacuolização ou precipitação das proteínas do cristalino que produzem perda da sua transparência (GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997). A catarata é comumente classificada de acordo com a sua etiologia, idade de aparecimento, grau de desenvolvimento e localização. Com relação à etiologia, a catarata pode ser hereditária ou adquirida. A hereditariedade da catarata foi descrita em várias raças de diferentes espécies como cães, gatos e cavalos (SLATTER, 2005). Estudo prévio, demonstrou que qualquer raça de cães pode ser acometida por catarata, contudo a incidência em cães da América do Norte é maior nas raças como Boston Terrier (11,11%), Poodle miniatura (10,79%), American Cocker Spaniel (8,77%), Standard Poodle (7,00%), e Schnauzer Miniatura (4,98 %) (GELLAT; MACKAY, 2005). Adkin e Hendrix (2005), também verificaram que as raças Cocker Spaniel, Schnauzer em miniatura, Boston Terrier, Poodle em miniatura e Bichon Frise foram as raças mais acometidas pela opacificação da lente. Entre as causas mais comuns das cataratas adquiridas, encontram-se as doenças metabólicas, trauma ocular, a inflamação intraocular, as deficiências nutricionais, o choque elétrico e a radioterapia (SLATTER, 2005). A idade dos cães no início da formação da catarata, bem como seu histórico completo, pode ajudar a determinar a causa (BAUMWORCEL et al., 2009; DAVIDSON; NELMS, 1999). A incidência de catarata em cães diabéticos chega a 68%, sendo considerada a manifestação ocular mais comum nos caninos com diabetes mellitus (BASHER; 188 Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 ROBERTS, 1995). As enzimas responsáveis pelo metabolismo normal da glicose tornam-se saturadas, ocasionando excesso de sorbitol que se acumula na lente, aumentando assim o estado osmótico da lente o que resulta em posterior estado de intumescência da lente. A catarata diabética geralmente cursa com surgimento agudo e é bilateral (BEAM et al., 1999; RICTHER et al., 2002). Com relação à idade de aparecimento, a catarata pode ser classificada como congênita, juvenil ou senil (SLATTER, 2005). Cataratas congênitas são frequentemente observadas em raças como Schnauzer miniatura e Labrador (DAVIDSON; NELMS, 1999). Em outras espécies, como equinos e bovinos, as cataratas congênitas podem ser observadas antes de duas semanas de idade. Geralmente são observadas de forma secundária ou em associação a outras alterações, como membrana pupilar persistente, persistência da artéria hialoide, microftalmia e anormalidades diversas (SLATTER, 2005). A catarata juvenil geralmente acomete cães até seis anos de idade e a catarata senil é aquela que atinge cães com idade superior a sete anos, afetando com maior frequência o núcleo do cristalino, sendo geralmente precedida de esclerose nuclear (GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; SLATTER, 2005). Quanto à localização anatômica, a catarata pode ser capsular, subcapsular, zonular, cortical, nuclear, polar, axial ou equatorial (DAVIDSON; NELMS, 1999; SLATTER, 2005). A classificação pelo estágio de desenvolvimento inclui incipiente, imatura, madura e hipermadura (BARNETT, 1985; BAUMWORCE et al., 2009; DAVIDSON et al., 1991, l). Na catarata incipiente ocorre opacidade em até 15 % do cristalino o que não acarreta perda da visão. Ela pode aparecer apenas como áreas focais enbranquecidas na lente. O estágio imaturo (Figura 2-A) envolve a opacidade entre o estágio incipiente e a catarata madura. Neste estágio ainda é possível visualizar o reflexo do fundo de olho. No estágio de catarata madura (Figura 2-B) o cristalino está totalmente opacificado e o reflexo de fundo de olho e a visão estão ausentes, o que conduz ao déficit visual. Na catarata hipermadura as proteínas corticais se tornam líquidas, normalmente deixando a cápsuIa enrugada. O córtex se liquefaz devido à proteólise, sendo possível visibilizar o reflexo do fundo de olho (BARROS, 1990; DAVIDSON; NELMS, 1999; TEIXEIRA, 2003). Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 189 FIGURA 2 – Catarata em cães. (A) Catarata imatura e (B) catarata madura. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA CATARATA O principal sinal clínico da catarata é a opacificação da lente e a diminuição da acuidade visual do animal relatada pelo proprietário. O diagnóstico da catarata é estabelecido com base na anamnese e no exame oftálmico (BARNETT, 1985; BAUMWORCEL et al., 2009; DAVIDSON; NELMS, 1999; TEIXEIRA, 2003). A opacificação pode estar presente em um ou em ambos os olhos. A maioria dos sinais clínicos relacionados à catarata tem evolução lenta, exceto nos casos relacionados a doenças sistêmicas, como o diabetes mellitus, onde a opacificação progride rapidamente. Nas cataratas maduras ou hipermaduras bilaterais ocorre a perda da visão (BEAM et al., 1999; RICHTER et al., 2002). Normalmente no exame oftálmico, utiliza-se biomicroscopia com lâmpada de fenda ou oftalmoscopia direta para confirmar o diagnóstico da opacificação lenticular, o exame é melhor realizado com a pupila dilatada (BARNETT, 1985; ORÉFICE; BORATTO, 1989). É importante diferenciar a catarata da esclerose (SLATTER, 2005). A esclerose nuclear consiste num processo fisiológico, que acomete cães geralmente com idade superior a sete anos e sua ocorrência é sempre bilateral (BARNETT, 1985). A esclerose ocorre devido ao aumento da densidade do núcleo ocasionado pela formação de novas células lenticulares no equador da lente que forçam a migração das células velhas em direção a zona nuclear (SLATTER, 2005). Clinicamente, o cristalino com esclerose não interfere na observação do reflexo do fundo de olho (Figura 3). Porém, quando associada à catarata, a visualização do reflexo do fundo de olho fica prejudicada ou impossível de ser identificada (PLAYTER, 1977). A esclerose não acarreta na perda da visão, não sendo necessária a intervenção cirúrgica. A perda da visão ocorre somente em casos em que a esclerose esteja associada à catarata madura ou hipermadura (BARNETT, 1985; PLAYTER, 1977). 190 Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 FIGURA 3 – Cão com esclerose da lente. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. O tratamento para catarata é cirúrgico e as técnicas incluem a remoção intracapsular, a extracapsular manual e a facoemulsificação (GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; KEIL; DAVIDSON, 2001; MAGRANE, 1989). Na extração intracapsular da catarata, o cristalino é removido por inteiro sendo utilizada apenas nos casos de luxação do cristalino (Figura 4). Nesta técnica, a incidência de descolamento de retina é mais elevada do que nas técnicas extracapsulares (DAVIDSON et al., 1990; GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997). Quando a remoção da catarata era rotineiramente conduzida empregando-se o procedimento intracapsular, obtinham-se bons resultados em apenas 29% dos cães operados (MAGRANE, 1989). FIGURA 4 – Cão com luxação da lente. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 191 Na remoção extracapsular manual, após ampla incisão de córnea de aproximadamente 12 mm, a porção central da cápsula anterior é removida para acessar a catarata. Nessa técnica a cápsula posterior do cristalino é preservada, evitando com isso prolapso do corpo vítreo e descolamento de retina (DAVIDSON et al., 1999; PIGATTO, 2004). Valendo-se da técnica extracapsular convencional em cães obtinha-se retorno da função visual em entre 79% e 85,7% dos casos operados (BARROS, 1990; ROOKS et al., 1985). Nos últimos anos, os principais avanços da cirurgia de catarata estão ligados à consolidação e ao aprimoramento da facoemulsificação. Surgida no final da década de 60, quando o cirurgião norte-americano Charles Kelman a apresentou em um encontro da Academia Americana de Oftalmologia, a facoemulsificação passou por inúmeros aperfeiçoamentos incluindo, novos aparelhos, lentes intraoculares dobráveis, desenvolvimento de substâncias viscoelásticas e formas diferenciadas de fragmentação do cristalino, entre outras (ARSHINOFF, 1999; BAGLEY; LAVACH, 1994; GILGER, 1997; MILLER et al., 1987). A facoemulsificação consiste na fragmentação ultra-sônica do cristalino, que é aspirado do bulbo do olho por uma incisão corneana de cerca de 3 mm (Figura 5). Comparada às demais técnicas de remoção da catarata, a facoemulsificação proporciona os melhores resultados (BOLDY, 1988; DZIEZYC, 1990; PIGATTO, 2004; WHITLEY et al., 1993; WILKIE; COLITZ, 2009). Dentre as principais vantagens da facoemulsificação, comparativamente às demais técnicas, estão a pequena incisão, a manutenção da pressão intraocular intraoperatória e a pouca manipulação das estruturas internas ao globo ocular (CHEE et al., 1999; GILGER, 1990; PIGATTO, 2004; TEIXEIRA, 2003; WARREN, 2004). Incluem-se ainda como vantagens da facoemulsificação sobre as técnicas manuais, menor contaminação, menor inflamação intraocular pós-operatória, menor tempo operatório e a reabilitação precoce da visão (BOLDY, 1988; GLOVER; CONSTANTINESCU, 1997; KOCH et al., 1993; MILLER et al.,1997; MURPHY, 1980). O sucesso da cirurgia de catarata em cães tem aumentado acentuadamente nos últimos 15 anos, especialmente devido ao desenvolvimento da facoemulsificação, alcançando o índice de 80 a 95% de resultados satisfatórios (GILGER, 1997; ÖZGENCIL, 2005, TAYLOR et al., 1995; WILKIE; COLITZ, 2009). 192 Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 FIGURA 5 – Técnica de facoemulsificação em cães. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. O implante de lente intraocular em cães após a remoção da catarata é tecnicamente possível (NASISSE et al., 1991; TEIXEIRA, 2003). Em virtude das diferenças de tamanho e de poder refrativo, as lentes intraoculares de uso humano devem ser evitadas e somente devem ser empregadas lentes específicas para a espécie canina (DAVIDSON et al., 1991; NASISSE et al., 1991). Em humanos após a remoção da carata são utilizadas lentes de 18 dioptrias. Em cães existem diferenças anatômicas e no mecanismo de acomodação visual, em relação ao homem, fazendo-se necessário uma lente de poder dióptrico mais elevado com 40 dioptrias (TEIXEIRA, 2003; KOPALA, 2008). A implantação da lente intraocular melhora o poder óptico do afácico e ajuda a diminuir a opacidade da cápsula posterior pós-operatória. Porém, complicações como luxação da lente implantada e inflamação intraocular transitória, são possíveis de acontecerem (DAVIDSON; NELMS, 1999). A lente mais utilizada em cães é constituida por material polimerizável, no entanto, existem lentes intraoculares produzidas com outros materiais, como silicone e hidroxietilmetacrilato (GILGER, 1997). Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 193 Em casos onde a remoção da catarata não seja realizada, poderá ocorrer uveíte lente induzida devido à perda de proteínas da lente acarretando uma resposta autoimune (BARROS, 1990; CURTIS et al, 1991; DAVIDSON, et al, 1990). Essa condição precisa necessariamente ser tratada. As complicações mais comuns da uveíte lente induzida são glaucoma e phthisis bulbi. Além disso, cataratas hipermaduras acarretam risco maior de subluxação ou luxação da lente, o que pode levar a complicações secundárias (DAVIDSON; NELMS, 1999; SLATTER, 2005). CONCLUSÕES A catarata é a principal causa de cegueira tratável em cães. O tratamento é unicamente cirúrgico e tem sido demonstrado que o diagnóstico precoce aliado à remoção da catarata utilizando a facoemulsificação permite a obtenção de resultados satisfatórios. REFERÊNCIAS ADKINS, E. A.; HENDRIX, D. V. Outcomes of dogs presented for cataract evaluation: A retrospective study. Journal American Hospital Association. v.41, n.4, p.235-240, 2005. ARSHINOFF, S. A. Dispersive-cohesive viscoelastic soft shell technique. Journal of Cataract and Refractive Surgery. v.24, p.167-173, 1999. ASHTON, N.; COOK, C.; CLEGG, F. Encephalitozoonosis (nosematosis) causing bilateral cataract in a rabbit. British Journal of Ophthalmology. v.60, p.618-631, 1976. BAGLEY, L. H.; LAVACH, J. D. Comparison of postoperative phacoemulsification results in dogs with and without diabetes mellitus: 153 cases (1991-1992). Journal of the American Veterinary Medical Association. v.205, n.8, p.1165-1169, 1994. BARNETT, K. C. The diagnosis and differential diagnosis of cataracts in the dog. Journal of Small Animal Practice. v.26, p.305–316, 1985. BARROS, P. S. M. Cirurgia da catarata no cão. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science. v.27, n.2, p.199-208, 1990. BASHER, A. W. P.; ROBERTS, S. M. Ocular manifestations of diabetes mellitus: Diabetic cataracts in dogs. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. v.25, p.661–676, 1995. BAUMWORCEL, N. et al. Three hundred and three dogs with cataracts seen in Rio de Janeiro, Brazil. Veterinary Ophthalmology. v.12, n.5, p.299-301, 2009. BEAM, S. C.; CORREA, M. T.; DAVIDSON, M. G. A retrospective-cohort study on the development of cataracts in dogs with diabetes mellitus: 200 cases. Veterinary Ophthalmology. v.2, n.3, p.169–172, 1999. BOLDY, K. L. Current status of canine cataract surgery. Seminars in Veterinary Medicine and Surgery. v.3, n.1, p.62-68, 1988. CHEE, S. et al. Postoperative inflammation: extracapsular cataract extraction versus phacoemulsification. Journal of Cataract and Refractive Surgery. v.25, p.1280-1285, 1999. 194 Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 COOLEY, P. L. Phacoemulsification in a clouded leopard (Neofelis nebulosa). Veterinary Ophthalmology. v.4, n.2, p.113-117, 2001. CURTIS, R.; BARNETT, K. C.; LEON, A. Diseases of the canine posterior segment. In Gelatt KN (ed.). Veterinary Ophthalmology. 2.ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1991, pp 461–525. DAVID, L. W.; HEATH, M. F. Prevalence of feline cataract: Results of a cross-sectional study of 2000 normal animals, 50 cats with diabetes and one hundred cats following dehydrational crises. Veterinary Ophthalmology. v.9, n.5, p.341-349, 2006. DAVIDSON, M. G. et al. Phacoemulsification and intraocular lens implantation: A study of surgical results in 182 dogs. Progress in Veterinary & Comparative Ophthalmology. v.1, n.4, p.233-238, 1991. DAVIDSON, M. G. et al. Success rates of unilateral vs. bilateral cataract extraction in dogs. Veterinary Surgery. v.19, n.3, p.232-236, 1990. DAVIDSON, M. G.; NELMS, S. R. Diseases of the lens and cataract formation. In: GELATT K. N. (ed.). Veterinary Ophthalmology. 3.ed. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 1999, pp.797–825. DZIEZYC, J. Cataract surgery. Current approaches. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. v.20, n.3, p.737-754, 1990. GELATT, K. N.; GELATT, J. P. Surgical procedures of the lens and cataracts. In: ______. Small Animal Ophthalmic Surgery. Oxford: 2001. Butterworth-Heinemann, 2001. p.286-335. GELATT, K. N.; MACKAY, E. O. Prevalence of primary breed-related cataracts in the dog in North America, Veterinary Ophthalmology. v.8, n.2, p.101-111, 2005. GILGER, B. C. Phacoemulsification, Technology and Fundamentals, Vet. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. v.27, n.5, p.1131-1141, 1997. GIONFRIDDO, R.; BLAIR, M. Congenital cataracts and persistent hyaloid vasculature in a llama (Lama glama). Veterinary Ophthalmology. v.e, n.1, p.65-70, 2002. GLOVER, T. D.; CONSTANTINESCU, G. M. Surgery for cataracts. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. v.27, n.5, p.1143-1173, 1997. GONÇALVES, G. F. et al. Extra-capsular facectomy in an ostrich (Struthio camelus linnaeus, 1758) case report. Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias. v.101, p.295-297, 2006. KEIL, S. M.; DAVIDSON, H. J. Canine cataracts: a review of diagnostic and treatment procedures. Veterinary Medicine. v.16, p.14-38, 2001. KOCH, D. D. et al. A comparison of corneal endothelial changes after use of Healon or Viscoat during phacoemulsification. American Journal of Ophthalmology. v.115, n.2, p.188-201, 1993. KOPALA, R. L. Unilateral phacoemulsification and intraocular lens implantation in a dachshund. The Canadian Veterinary Journal. v.49, n.10, p.1031-1036, 2008. MAGRANE, W. G. Cataract extraction: a follow-up study (429). Journal of Small Animal Practice. v.10, p.545-548, 1989. Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 195 MILLER, P. E. Et al. Mechanisms of acute intraocular pressure increases after phacoemulsification lens extractions in dogs. American Journal of Veterinary Research. v.58, n.10, p.1159-1165, 1997. MILLER, T. R. et al. Phacofragmentation and aspiration for cataract extraction in dogs: 56 cases (1980-1984). Journal of the American Veterinary Medical Association. v.190, n.12, p.1577-1580, 1987. MUNGER, R.; LANGEVIN, N.; PODVAL, J. Spontaneous cataracts in laboratory rabbits. Veterinary Ophthalmology. v.5, n.3, p.177-181, 2002. MURPHY, J. M. Sequela of extracapsular lens extraction in the normal dog. Journal of the American Animal Hospital Association. v.16, p.47-49, 1980. NASISSE, N. P. et al. Phacoemulsification and intraocular lens implantation: A study of technique in 182 dogs. Progress in Veterinary & Comparative Ophthalmology. v.1, n.4, p.252-232, 1991. ORÉFICE, F.; BORATTO, L. M. Biomicroscopia do cristalino. In: ORÉFICE, F.; BORATTO, L. M. (eds.). Biomicroscopia e gonioscopia. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1989. p.72-80. ÖZGENCIL, F. E. The results of phacofragmentation and aspiration surgery for cataract extraction in dogs. Türk Veterinerlik ve Hayvanclk Dergisi. v.29, n.1, p.165173, 2005. PARK, S. et al. Clinical manifestations of cataracts in small breed dogs. Veterinary Ophtahlmology. v.12, n.4, p.205-210, 2009. PIGATTO, J. A. T. Extração extracapsular do cristalino, comparativamente à facoemulsificação, com enfoque nas repercussões endoteliais corneanas em cães (Canis familiaris – Linnaeus, 1758). São Paulo, SP. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária) – Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, 2004. PLAYTER, R. F. The development and maturation of a cataract. Journal of the American Animal Hospital Association. v.13, n.3, p.317–322, 1977. RICTHER, M.; GUSCETTI, F.; SPIESS, B. Aldose reductase activity and glucoserelated opacities in incubated lenses from dogs and cats. American Journal Veterinary Research. v.63, n.11, p.1591–1597, 2002. ROOKS, R. L. et al. Extracapsular cataract extraction: An analysis of 240 operations in dogs. Journal of the American Veterinary Medical Association v.187, n.10, p.10131015, 1985. SLATTER, D. Fundamentos de Oftalmologia Veterinária. 3.ed. São Paulo: Roca, 2005. 686p. TAYLOR, M. M. et al. Intraocular bacterial contamination during cataract surgery in dogs. Journal of the American Veterinary Medical Association.. v.206, n.11, p.17161720, 1995. TEIXEIRA, A. L. Estudo comparativo do estresse oxidativo após facoemulsificação experimental com e sem implante de lentes intraoculares em cães. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. 196 Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 WARREN, C. Phaco chop technique for cataract surgery in the dog. Veterinary Ophthalmology. v.7, n.5, p.348–351, 2004. WHITLEY, R. D. et al. Cataract removal in dogs: The surgical techniques. Veterinary Medicine. v.9, p.859-866, 1993. WILKIE, D. A.; COLITZ, C. M. Update on veterinary cataract surgery. Current Opinion in Ophthalmology. v.20, n.1, p. 61-68, 2009. WILLIAMS, D. L.; HEALTH, M. F. Prevalence of feline cataract: Results of a crosssectional study of 2000 normal animals, 50 cats with diabetes and one hundred cats following dehydrational crises. Veterinary Ophthalmology. v.9, n.5, p.341-349, 2006. Recebido em: jan. 2009 Aceito em: abr. 2009 Veterinária em Foco, v.7, n.2, jan./jun. 2010 197