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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES – DLET
LICENCIATURA EM LETRAS COM A LÍNGUA INGLESA
FILOLOGIA
PROF. FABRÍCIO BRANDÃO
JOÃO BOSCO DA SILVA
([email protected])
EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - UMA INCURSÃO NA HISTÓRIA
GRAMATICAL.
Feira de Santana
2009
RESUMO:
Este trabalho tem por objetivo fazer uma incursão na história gramatical,
através da obra “Emilia no Pais da Gramática”, de Monteiro Lobato. As personagens são as
praticantes dos fatos narrados, podendo ou não ser reais. Em sua obra, Monteiro Lobato dá
vida a seres irreais como o rinoceronte Quindim, etimologias (estudo das origens das
palavras) e muitos outros. É a trama, as intrigas, ações que ocorrem ligando os fatos entre si,
mostrando que Pedrinho e Narizinho estão com dificuldades com a gramática e a avó Dona
Benta tenta ensiná-los. É nesse contexto que Emília idealiza a viagem para o país da
gramática. Às vezes a personagem está na 1ª pessoa (dentro do contexto) ou na 3ª pessoa,
sendo que o autor Monteiro Lobato não está diretamente dentro da história, mas através da
boneca Emília. O tempo pode ser cronológico ou psicológico (sentido ou vivido e não tendo
ligação com o cronológico) e o espaço é aonde acontecem os fatos narrados, num país
chamado Gramática, povoado por substantivos, gerúndios, verbos e tantas outras
manifestações gramaticais.
Palavras-chave: Estudo, Gramática, Verbos, Etimologia e Língua.
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I – INTRODUÇÃO:
Monteiro Lobato ao escrever “Emília no País da Gramática” trouxe para
nós, professores de português, novas possibilidades de ensino da língua, sobretudo no que
concerne à educação básica. Apresentar o lúdico como uma possibilidade para o ensinoaprendizagem é uma ferramenta que pode ajudar e muito os docentes em suas práticas
didáticas na sala de aula. Trazer a boneca Emília e toda a turma do “Sítio do Pica-pau
Amarelo” para o mundo das letras pode fazer despertar nas crianças um fascínio pela língua
que, geralmente, não vemos com o ensino puro e descontextualizado da gramática.
Neste trabalho vamos discorrer numa visão geral do Livro “Emília no País
da Gramática”, de José Bento Marcondes Monteiro Lobato (1882-1948), editado em 1934,
no período no qual Lobato fez a tradução de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol pseudônimo do autor inglês Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898).
A idéia central foi transformar a gramática num assunto que pudesse
despertar interesse do aprendizado da língua pelas crianças, associando os assuntos a a jogos
ou brincadeiras. Trata-se, portanto, de uma obra prima de Monteiro Lobato, figurando a
língua como uma cidade, “a cidade da Gramática”, e leva para lá as personagens do sítio,
montado no rinoceronte, que como um gramático, mostra e explica de modo simples as
principais regras normativas da ortografia.
Quando Emília chama Pedrinho para ir ao País da Gramática (Cap. I), ele
diz que não existe esse local, mas ela afirma que o rinoceronte Quindim, que já era sabidão,
disse que existia sim. “Que divertimento interessante não deve ser o estudo da vidinha de cada
palavra! — exclamou Pedrinho. — Há de ter cada uma o seu romance, como acontece com a
gente... E assim é — confirmou o rinoceronte. — Esse estudo chama-se Etimologia”.
“Poderíamos ir montado nele” (p.15) – concluiu ela.
Pedrinho mostra dificuldade com a gramática e a avó Dona Benta incentiva
o seu aprendizado, entrando na história para dar mais um tom de verdade. Existem vários
personagens na história: os netos Narizinho e Pedrinho, os personagens-antropomórficos:
Emília, Visconde e Palavras Personificadas; personagem-intermediário – Quindim (o
rinoceronte que fala).
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1 A RELAÇÃO DE EMILIA E A COMPREENSÃO DO MUNDO PELO VERBO:
Emília representa a vontade de Lobato romper com o estabelecido e propor
mudanças, tornando os leitores como investigadores daquela realidade gramatical imposta.
Deixa caracterizado que o objeto de mudança é a palavra usada na comunicação da língua,
como mostra a autoridade concedida a Emília para atuar na transformação da realidade nos
diálogos, buscando e indicando caminhos menos sistemáticos e mais flexíveis na busca do
saber, com flexibilidade em relação às práticas já instaladas.
Ao fazer um passeio pelo campo de Marte, onde vivem acampados os
verbos, Emília toma conhecimento de uma classe de palavras, sem a qual a língua portuguesa
não teria razão de ser, de fundamental importância para que nossas idéias possam ser
estruturadas, pensadas, faladas e passadas para o papel. Em um passeio pelo tal campo a
boneca e sua turma descobrem a fascinante vida deste grupo de palavras que pode se
apresentar de maneiras distintas em nossa língua. Primeiro, conhecem os campos em que são
definidas as terminações das conjugações verbais: AR, ER, IR, OR. Após terem visto estes
campos, visitam o acampamento da quarta conjugação, onde podemos perceber a admiração e
indignação de Emília ao ver que foi criada uma conjugação inteira apenas porque o antigo
verbo POER, perdeu ao longo dos anos a sua marca de verbo de segunda conjugação, o E.
Nesse ínterim notamos que Lobato através de Emília mostra a sua insatisfação com regras de
nossa língua.
No capítulo I, ao assistir as aulas de gramática de Pedrinho, ela sugere: “—
Pedrinho – disse ela um dia depois de terminada a lição – por que, em vez de estarmos aqui a
ouvir falar de gramática, não havemos de ir passear no País da Gramática?” (p. 11)
Emília queria ir mais longe, além das explicações de Dona Benta, em busca
de uma nova realidade, pois ouvir apenas não bastava, era preciso ir passear no País da
Gramática a fim de apropriar o saber e interagir e intervir na realidade.
Para Emília, existe o que ela vê agora, mas existe também o que ela verá
daqui a pouco quando descobrir ou inventar mais coisas.
Foi ao passar pelo acampamento da segunda conjugação que Emília e sua
turma puderam perceber as formas multifacetadas que os verbos podem ter, tomando como
exemplo o próprio verbo TER. Descobriram as pessoas, os tempos e os modos verbais e se
depararam com 65 possibilidades de manifestação de um único verbo. Começaram pelo modo
indicativo e seus cinco tempos: presente, pretérito imperfeito; pretérito perfeito; pretérito
mais-que-perfeito e futuro. Acompanharam o segundo modo, o condicional, que se compunha
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de apenas seis “soldados” ou flexões. Posteriormente ao modo condicional, seguiu o modo
imperativo que apesar de apresentar apenas dois soldados, o TER e o TENDE, era
orgulhosíssimo. Logo após veio o modo subjuntivo e seus três tempos verbais, o presente, o
pretérito perfeito e o futuro; e para terminar o passeio viram o modo infinitivo acompanhado
de seus dois tempos, o presente impessoal (com apenas um soldado) e o presente pessoal, com
seis.
No sétimo capítulo (p. 52), Emília afirma que os verbos são os camaleões da
língua porque assumem sessenta e oito formas diferentes:
— Verbo é uma palavra que muda muito de forma e serve para indicar o
que os Substantivos fazem. A maior parte dos Verbos assume sessenta e oito formas
diferentes.
— Nesse caso são os camaleões da língua – observou Emília. — Dona
Benta diz que o camaleão está sempre mudando de cor. Sessenta e oito formas diferentes!
Isso até chega a ser desaforo. Os Nomes e Adjetivos só mudam seis vezes – para fazer o
Gênero, o Número e o Grau.
— Pois os senhores Verbos até cansam a gente de tanto mudar – disse o
rinoceronte. —
São palavras políticas, que se ajeitam em todas as situações da vida.
Moram aqui em quatro grandes acompanhamentos, ou campos de Conjugação.
Percebemos que Emília transita com desenvoltura e naturalidade entre o
estabelecido e o diferente, fazendo comparações com bom senso e ousadia. Lobato reforça
novamente a idéia de que o povo é o dono da língua alterando as suas formas de acordo com
as suas necessidades, sem traumas ou limitações, como veremos no Capítulo: No
acampamento dos verbos (p. 54).
— Parece simples, mas não é. Os gramáticos mexem e remexem com as
palavras da língua e estudam o comportamento delas, xingam-nas de nomes rebarbativos,
mas não podem alterá-las. Quem altera as palavras, e as faz e desfaz, e esquece umas e
inventam novas, é o dono da língua – o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua
importância, não passam dos “grilos” da língua
Mais uma vez, Emília de posse de uma compreensão particular sugere:
“— Nesse caso – insistiu Emília —em vez de xingá-lo de Anômalo, podiam
ter posto um letreirinho no pescoço do Verbo: “Ele é Poer; se está Pôr é porque o E
apodreceu e caiu”
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Capítulo VII No Acampamento dos Verbos. (pag.53) POER :
– Vamos começar nossa visita por aquele – disse Emília – só porque ele é
mais novinho e menor do que os outros.
Dirigiram-se todos para lá mas o desapontamento foi grande. Encontraram
apenas o verbo Pôr e sua família.
– Ora essa – disse Emília. – explique, Quindim, o que faz aí essa coruja?
Por que não está no acampamento grande junto com os outros?
Quindim suspirou e começou:
– Antigamente Pôr pertencia à Segunda Conjugação e chamava-se Poer.
Mas o tempo, que tanto estraga e muda os verbos, como tudo mais, fez que apodrecesse e
caísse o E de Poer. Ficou Pôr, como está hoje. Os gramáticos então criaram uma nova
conjugação para ele e seus parentes Compor, Depor, Propor, Dispor, Antepor, Supor e
outros.
Depois outros gramáticos acharam que não estava bem criarem uma
conjugação inteira para um verbo só, e trouxeram o pobre Pôr e sua família para este anexo
da Segunda
Conjugação e lhe deram o nome de Verbo Anômalo, que quer dizer, Verbo
Anormal da Segunda Conjugação.
– Que complicação! Seria muito mais simples fabricarem um E novo de pau
para substituir o que apodreceu – lembrou Emília.
2 VERBO SER (Capítulo VIII - Emília na Casa do Verbo Ser):
Lobato dramatiza a gramática e literalmente humaniza seus termos. O verbo
“ser”, os ditongos e as figuras de retóricas, por exemplo, viram gente e ganham até endereço –
a cidade de Portugália, a mais próxima do sítio. O lugar lembra uma “fruta incõe” ou duas
cidades “emendadas, uma mais nova e outra mais velha”. A separação entre as duas partes é
marcada por um braço de mar, anota Lobato.
O verbo SER é o verbo dos Verbos. Emília venera o verbo SER, que ela
trata respeitosamente de Vossa Serência! O aprendizado do idioma é um jogo que segue a
gramática normativa, mas não como um purista, e na obra Quindim a come depois que o
Visconde a esqueceu no pomar, por isso é que o rinoceronte tem “familiaridade” com o País
da Gramática. Um falante guia da aventura, deixando Dona Benta de lado. Ele funciona como
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um educador ao nível da turma do sítio e permite que as crianças escolham o que desejam
conhecer.
ESSE (p. 61) - O verbo Ser falou muita coisa de si, contando toda a sua
vida desde o começo dos começos. Disse que já havia morado na cidade das palavras latinas,
hoje morta.
– Naquele tempo eu me chamava Esse. Depois que a cidade latina começou
a decair, mudei-me para as cidades novas que se foram formando por perto e em cada uma
assumi forma especial. Aqui nesta tomei esta forma que você está vendo e que se escreve
apenas com três letras. Na cidade de Galópolis virei Etre. Em Italópolis virei Essere. Em
Castelópolis sou como aqui mesmo.
A construção dos verbos também se dá de maneira semelhante ao que ocorre
com os pronomes. São antropomorfizados, ganhando condição de personagem “humana”, que
dialoga com Emília, e vivem, assim como os pronomes, em uma sociedade hierarquizada,
liderada pelo verbo SER, um ancião e líder de uma sociedade, dialogando com uma tradição
filosófica de linguagem, que remonta ao século XVI expressando o pensamento dos falantes.
Capítulo VIII – Emília na casa do verbo SER (p. 60-61). Emilia subiu os
degraus do trono, abrindo caminho a cotoveladas por entre a soldadesca atônita e foi postar-se
bem defronte do venerável ancião.
- Fale Serência, enquanto eu tomo notas.
O Verbo Ser tossiu o pigarro dos séculos e começou:
-Eu sou o Verbo dos Verbos, porque sou o que faz tudo quanto existe ser. Se
você existe, bonequinha, é por minha causa. Se eu não existisse, como poderia você existir ou
ser?
-Está claro – disse Emília escrevendo uns garranchos. Vá falando.
SER tossiu outro pigarro e continuou: Cf. capítulo “Na casa dos
Pronomes”,
-Muitos gramáticos me chamam de Verbo Substantivo, como quem diz que
eu sou a substância de todos os demais Verbos. E isso é verdade. Sou a Substância! Sou o Pai
dos Verbos! Sou o Pai de Tudo! Sou o Pai do Mundo! Como poderia o mundo existir, ou ser,
se não fosse eu? Responda!
A compreensão do conceito de verbo, e todas as suas mutações, ficaram
muito mais divertidas para Emília que pode se relacionar com este aprendizado de maneira
lúdica e encantadora.
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3 EMILIA ATACA O REDUTO ETIMOLÓGICO;
Assim como os outros termos que compõem a gramática são na obra
humanizados, a Etimologia também é caracterizada tal como uma pessoa.
Na sua busca de um estilo pessoal, sem vícios, Lobato se entrega à história
das palavras. Não é por acaso que as crianças do Sítio visitam com vivo interesse a Dona
Etimologia e concluem que o povo muda a língua com os seus “erros”, que depois de certo
tempo vai sendo considerado como uso, passando a pertencer ao acervo da língua, porém
outras morrem por desuso ou, podem ainda se transformar em arcaismos.
No português, temos muitas palavras que nasceram com a língua,
continuação do latim vulgar e do romance lusitânico. Às vezes, palavras arcaicas, mortas e
enterradas reaparecem, pois tinham ficado guardadas na memória do povo, numa região mais
afastada ou foram redescobertas num texto por este ou aquele escritor, que as devolvem à
circulação, inadvertidamente ou de propósito, como nesta obra lobatiana.
As palavras novas também são contempladas pelo escritor, empregando
neologismos, que é estranho no início, mas depois passa a ter valor expressivo. Vamos
destacar várias passagens que mexem com a Senhora Etimologia.
Capítulo II – Portugália - Narizinho ia conversar com uma palavra ainda
mais coroca (p.23):
– E a senhora, quem é? Perguntou-lhe.
– Sou a palavra Ogano.
– Ogano? O que quer dizer isso?
– Nem queira saber, menina! Sou uma palavra que já perdeu até a memória
da vida passada. Apenas me lembro que vim do latim Hoc Anno, que significa Este Ano.
Entrei nesta cidade quando só havia uns começos de rua; os homens desse tempo usavam-me
para dizer Este Ano. Depois fui sendo esquecida, e hoje ninguém se lembra de mim. A
senhora Bofé é mais feliz; os escrevedores de romances históricos ainda a chamam de longe
em longe. Mas a mim ninguém, absolutamente ninguém, me chama. Já sou mais que
Arcaísmo; sou simplesmente uma palavra morta...
Capítulo XIII - A Senhora Etimologia. POENE (Pag. 75)
– Acorde boi sonso! Que nostalgia é essa?
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– Estou pensando em coisas passadas – respondeu o excelente paquiderme –
Estou pensando na velhice destas palavras. Vieram de muito longe, sofreram grandes
mudanças e continuam a se transformar, como a Pena de escrever que perdeu um “N”. A
maioria delas já morou na Antiga Roma, dois mil anos atrás. Depois espalharam-se pelas
terras conquistadas pelos romanos e misturaram-se às palavras que existiam nessas terras. E
vieram vindo, e vieram vindo, até chegarem ao que hoje são.
– Enquanto vocês estavam de prosa com Pena (dó), eu pus-me a recordar a
forma dessa palavra no tempo dos romanos. Escrevia-se Poene. E antes ainda de escrever-se
assim, escrevia-se Poine, no tempo ainda mais antigo em que ela morava na Grécia.
– Que divertimento interessante não deve ser o estudo da vidinha de cada
palavra! – falou Pedrinho. – Hão de ter cada uma o seu romance, como acontece com a gente.
– E assim é – confirmou o rinoceronte. – Esse estudo chama-se Etimologia.
Ainda no Capítulo XIII a evolução da língua pode ser evidenciada na
Interjeição – a Senhora Etimologia “uma velha coroca, de nariz recurvo e uma papeira – a
papeira da sabedoria” (p. 77) para falar como lingüista. O autor recorre à etimologia, para
explicar a mudança dos vocábulos do latim para o português e vice-versa, como, por exemplo,
as palavras esse, speculum, castra, entre outros, com as participações dos personagens
criticando os gramáticos e os filólogos.
Emília Ataca o Reduto Etimológico, travando uma discussão com a Senhora
Etimologia, eliminando consoantes e vogais desnecessárias das palavras que teimavam em
seguir a antiga Ortografia Etimológica.
Capítulo XIV - Uma nova Interjeição. SPECULUM (pag. 79)
– E os ignorantes de hoje continuam a mexer nela – observou Narizinho. –
A gente da roça diz Espeio.
– Muito bem lembrado – concordou a velha. – Essa forma Espeio é hoje
repelida com horror pelos cultos modernos como a forma Espelho devia ter sido repelida com
horror pelos cultos de dantes. Mas como os cultos de hoje aceitam como certo o que já foi
erro, bem pode ser que os cultos do futuro aceitem como certo o erro de hoje. Eu, que sou
muito velha e tenho visto muita coisa, de nada me admiro. O homem é um animal comodista.
Daí à sua tendência a adotar os erros que exigem menor esforço para a pronúncia. Espelho
exige menor esforço do que Speculum, e por isso venceu. Espeio exige menor esforço do que
Espelho. Quem nos diz que não acabará vencendo, nestes mil ou dois mil anos?
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Continuando no Capítulo “Uma nova interjeição”, a Dona Etimologia
continua explicando sobre outra palavra: CASTRA (Pag. 80)
– As palavras desta cidade nova, onde estamos, vieram quase todas da
cidade velha que fica do outro lado do mar. Lá na cidade velha, porém, essas palavras levaram
uns dois mil anos para se formarem.
– Como foi isso? Explique.
– Nos começos, as terras em redor dessa cidade haviam sido ocupadas pelos
soldados romanos, que só falavam latim. Esses soldados moravam em acampamentos (ou
Castra, como se dizia em latim), de modo que foi em redor dos acampamentos que a língua
nova começou a surgir.
– Que língua nova?
– A portuguesa. [..].
– Então a língua portuguesa não passa dum dialeto do latim?
– Perfeitamente. E também a língua francesa, a espanhola e a italiana não
passam de outros tantos dialetos do mesmo latim. [...].
Capítulo XV – Emilia forma palavras:
“Pronto ! Exclamou Emilia. – O pobre substantivo está reduzido a uma
simples raiz (p. 84).
Capítulo XVI - O Susto da Velha - Monóculo, centímetro e mineralogia
(P. 93)
– Então aquelas palavras no cercado não são Híbridas e sim de puro sangue.
– Perfeitamente – concordou a velha. – Um verdadeiro vocábulo Híbrido é o
Monóculo que já citei; como também Centímetro e Mineralogia, porque nos três casos metade
da palavra é grega e outra metade é latina. Estas sim, são as verdadeiras mulas da língua.
Capítulo XX – Os vícios da linguagem (p. 113) Emília, ao visitar os vícios
da linguagem encarcerados por Dona Sintaxe, revolta-se ao encontrar o Neologismo entre eles
e o solta.
– Não mexa, Emília – gritou Narizinho. Não mexa na língua que vovó fica
danada...
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– Mexo e remexo! replicou a boneca batendo o pezinho –e foi e abriu a
porta e soltou o Neologismo, dizendo: Vá passear entre os vivos e forme quantas palavras
novas quiser.
Lobato gosta tanto do neologismo como recurso estilístico que inventa o
verbo josezar, para indicar a atividade que faz o substantivo José em batizar crianças com
esse nome.
Emília quer visitar a Dona Prosódia, pois errava muito na pronúncia e queria
aprender, preferindo a Ortografia Simplificada, condenando, por exemplo, o uso do trema e
do acento grave. Lobato, mesmo nas cartas posteriores à reforma de acentuação, resiste
marcando a crase através do acento agudo. É uma característica.
As personagens de Lobato também “vivem” a língua: brincam de cortar as
palavras, arrancando-lhes a desinência para daí derivar outras.
As crianças do Sítio lidam com as palavras sem diferenciá-las das coisas.
Vejamos este diálogo entre Dona Sintaxe e Emília no Capítulo XVIII (p.101-102):
– [...] a boa ordem das palavras na frase ajuda a expressão do
pensamento, ensinava a Dona Sintaxe.
– A senhora tem toda a razão – concordou a boneca. Lá no sítio de Dona
Benta o Substantivo Nastácia também gosta de dar ordens a tudo, porque a ordem facilita as
coisas, diz ela.
E mais tarde (p. 106-107), quando aprende que na mesóclise o pronome fica
embutido no verbo, a bonequinha reflete:
- Quanta complicação para dar dor de cabeça nas crianças – comenta
Narizinho. E, de repente Emilia caindo numa gargalhada: Estou me lembrando dos pimentões
mesoclíticos que tia Nastácia faz sem saber...
No último parágrafo (p. 117) da obra, logo depois da Emília ter obrigado o
pobre do Visconde de Sabugosa a devolver á língua portuguesa o ditongo “ao” que ele
roubara: “Meia hora mais tarde já estavam todos no sítio, contando ao Burro Falante o
maravilhoso passeio pelas terras da Gramática”.
O livro vai se transformando num misto de didatismo e literatura,
respeitando o imaginário infantil, tendo cautela, na abordagem dos assuntos de natureza
normativa, transformando o escritor num Lobato lingüista e ao mesmo tempo em filólogo
latinista.
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Capítulo XXV - Emília Ataca o Reduto Etimológico. (P. 137)
–Emília acenou para uma das palavras que andavam por ali. Era a palavra
Sabbado com dois BB.
– Senhor Sabbado venha cá. Sabbado aproximou-se.
– Diga-me por que é que traz no lombo dois BB quando poderia passar
muito bem com um só?
Sabbado olhou para o lado da casinha da velha, com expressão de terror nos
olhos. Emília viu que ele estava com medo de manifestar-se livremente, e levou-o para mais
longe dali. Sabbado então disse:
– É por causa da bruxa velha. Como venho do latim sabbatum, que, por sua
vez, veio do hebraico Sabbat, ela não consente que eu me alivie desse B inútil. Há séculos que
trago no lombo semelhante parasito, que nenhum serviço me presta.
Quindim interveio: - Você tem razão Emilia. A tendência natural de uma
língua é para a simplificação, por causa da grande lei do menor esforço. (...) Em vez de exigir
menor esforço, exige maior esforço. Logo é um absurdo. (p. 144)
Ainda no mesmo capítulo (p. 145) Quindim, o gramático e lingüista, usa a
expressão latina “Est modus in rebus”, para evidenciar a importância do uso lingüístico pelo
povo. Emilia ficou radiante com as explicações de Quindim e pôs em votação o caso. Todos
votaram contra os acentos, inclusive Dona Benta, a qual declarou peremptoriamente – Nunca
admiti nem admitirei imbecilidade aqui em casa.
4 EMILIA E OS ADVÉRBIOS.
A partir das indagações de Emília há um diálogo entre ela e o Verbo Ser a
respeito das palavras Inflexivas, onde o advérbio capta a atenção dela ao perguntar como essa
classe de palavras modificam os verbos e os adjetivos e às vezes também os advérbios. Emília
se compara com os advérbios ao afirmar que é gente e nada modifica. Emília pergunta ao
verbo ser o porquê dos advérbios terminados em MENTE e como se pode tornar um adjetivo
em advérbio e vice-versa, ela usou a palavra constantemente como exemplo. Ela chamou os
advérbios de gringo porque tem ares estrangeirados.
Capítulo IX - A Tribo dos Advérbios. (p. 64-65)
(...) - “Mas que é Advérbio? – indagou Emília.
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- Advérbio é uma palavra que nos modifica a nós Verbos e que modifica os
Adjetivos; e que às vezes modifica também os próprios advérbios.
- Que danadinhos, hein? – exclamou Emília. Mas de que jeito modificam?
- De muitos jeitos. Modificam de LUGAR, tirando daqui e pondo ali.
Modificam de TEMPO, fazendo que seja agora ou depois. Modificam de MODO ou
QUALIDADE, fazendo que seja deste jeito ou daquele, ou que seja assim ou assado.
Modificam de QUANTIDADE, fazendo que seja mais ou menos. Modificam de ORDEM,
fazendo que seja em primeiro lugar ou não.
Pelos rótulos das prateleiras você poderá ver de que jeito elas modificam a
gente”.
- A gente verbática – frisou Emília, porque eu também sou gente e nada me
modifica. Só Tia Nastácia, às vezes...
- Quem é essa senhora?
- Um Advérbia preta como carvão, que mora no sítio de D. Benta. Isto é,
Advérbia só para mim, porque só a mim que ela modifica. Para os outros é uma Substantiva
que faz bolinhos muito gostosos”.
Emília comenta que gosta de advérbios porque eles prestam enormes
serviços a quem fala e o nosso autor, ao elogiar o estilo de Euclides da Cunha, afirma que este
é alérgico aos advérbios terminados em “-mente” preferindo, com muito acerto, as suas
formas analíticas.
No Capítulo Portugália (p. 22) constatamos um diálogo:
(...)“Narizinho parou diante de uma palavra muito velha, bem coroca, que
estava catando pulgas históricas à porta dum casebre. Era a palavra BOFÉ.
-Então, como vai a senhora? – perguntou a menina, mirando-a de alto a
baixo.
-Mal, muito mal – respondeu a velha. No tempo de dantes fui moça das
mais faceiras e fiz o papel de ADVÉRBIO. Os homens gostavam de empregar-me sempre que
iam dizer EM VERDADE, FRANCAMENTE. Mas começaram a aparecer uns ADVÉRBIOS
novos, que caíram no goto das gentes e tomaram meu lugar. Fui sendo esquecida. Por fim,
tocaram-me lá do centro. “Já que está muito velha e inútil, que fica fazendo aqui?”- disseramme. “Mude-se para o subúrbio dos Arcaísmos”, e eu tive de mudar-me para cá”. (pp.10-11)
Advérbios latinos (p. 67) Emília viu ainda outra caixa de Advérbios de ares
estrangeirados.
– E estes gringos? – perguntou.
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– São advérbios latinos que ainda têm uso no Brasil. Moram nessa caixa o
Máxime, o Infra, o Supra, o Grátis, o Bis, o Primo, o Segundo, e outros [...].
CONCLUSÃO:
A versão do Livro Emília no País da Gramática, que a gente estudou, é de
jul/2008, apresentando 117 páginas numeradas, tratando dos níveis fonológico, morfológico e
o sintático da língua portuguesa, não deixando de abordar a história interna e externa da
língua, a semântica e a estilística.
Diz o biógrafo de Lobato que, depois de alfabetizado, ele teve um professor
particular e, aos sete anos, vai finalmente para a escola, passando por uma sucessão de
estabelecimentos. Provavelmente escreveu Emilia no País da Gramática para uma provável
vingança.
Conceitos de Saussure: O batismo do rinoceronte Quindim é uma das
criatividades de Emilia. Em livro anterior, “Reinações de Narizinho” (1931), o personagem
não tinha nome. A criação do nome lembra os conceitos do lingüista belga Ferdinand de
Saussure, que é a arbitrariedade do signo. Vejamos o diálogo no Cap. I – Uma idéia da
Senhora Emília (p. 18):
“ Nisto dobraram uma curva do caminho e avistaram ao longe o casario
duma cidade. Na mesma direção, mais para além, viam-se outras cidades do mesmo tipo.
– Que tantas cidades são aquelas, Quindim? – perguntou Emília.
Todos olharam para a boneca, franzindo a testa. Quindim? Não havia ali
ninguém com semelhante nome.
– Quindim – explicou Emília – é o nome que resolvi botar no rinoceronte.
– Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso, e um paquiderme
cascudo destes? – perguntou o menino, ainda surpreso.
– A mesma que há entre a sua pessoa, Pedrinho, e a palavra Pedro – isto é,
nenhuma. Nome é nome, não precisa ter relação com o “nomado”. “Eu sou Emília, como
podia ser Teodora, Inácia, Hilda ou Cunegundes...”
Fazer uma relação mais amena entre o conteúdo gramatical e a maneira
como ensiná-lo pode ser de grande valia para que o aprendiz tenha, de fato, apreendido regras
e nomenclaturas sistemáticas que não terão grande importância na sua vida cotidiana, já que o
indivíduo nativo é um conhecedor natural de sua língua materna.
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Lobato mostra que processo de ensino de língua portuguesa, como ainda
vem sendo ensinado hoje, pode ser muito menos sofrido para o professor e muito menos
traumático para os alunos, se este processo puder ser prazeroso para ambos.
REFERÊNCIAS:
ABNT. NBR 6022: Informação e documentação: artigo em publicação periódica científica
impressa: apresentação. Rio de Janeiro, 2003. 5 p.
CÂMARA JR. J. Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Padrão, 1975.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das origens
Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. 4ª ed. ver. São Paulo: Ática, 1991.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
LOBATO, Monteiro. Conferências, artigos e crônicas. 5ª ed. v. 15 São Paulo: Brasiliense,
1968.
––––––. Emília no País da Gramática. Edição comentada. São Paulo: Editora Globo, 2008.
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