Projecto e construção do Centro de Alto Rendimento Desportivo de

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012
FEUP, 24-26 de outubro de 2012
Projecto e Construção do Centro de Alto Rendimento Desportivo
de Panticosa
Foto doNunes
autor, com
Jorge
da
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tamanho 4×3cm
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Silva
RESUMO
João Maria
Sobreira1
Ana Silva2
Foto do autor, com
tamanho 4×3cm2
Este edifício foi programado como parte integrante do complexo Balneário de Panticosa, estância
termal de montanha, cujo edificado remonta ao século XVII. Este núcleo encontra-se localizado no
coração do Pirineu Aragonês, a 1600 metros de altitude, num vale rodeado de picos com mais de 3000
metros de altitude em redor de um lago natural. A presente comunicação pretende descrever as
soluções adoptadas, algumas inovadoras, necessárias para a execução de um edifício com
características particulares das quais de destaca a utilização de betão branco aparente em condições
climatéricas muito adversas.
Palavras-chave: Obras Especiais, Estrutura não convencional, Betão Branco Aparente.
1. INTRODUÇÃO
Concebido para ser um Centro de Alto Rendimento Desportivo de montanha, este edifício teve como
principal desafio um vasto programa a respeitar para uma área de implantação reduzida. Desta
premissa resultou um edifício muito singular nos seus percursos, com vários níveis internos e
pormenorização muito extensa.
Em termos geotécnicos, o terreno de fundação é constituído por uma camada de depósitos quaternários
de material detrítico de granulometria grossa (com elementos de grande tamanho), sobre o maciço
granítico dos Pirenéus (ver Fig.1). Estes depósitos albergam um aquífero livre, cujo nível, dada a sua
grande permeabilidade, está fortemente condicionado pelo degelo. As sondagens realizadas
assinalavam o maciço granítico a uma profundidade média de cerca de 20 metros. Foram realizados
três furos para medição do nível freático, em dois deles a água é termal e no outro foi interceptado um
veio em pressão. As águas de Panticosa são sulfurosas, o que condicionou a composição do betão a
utilizar nas fundações.
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2
Sócio-Gerente, GOP- Gabinete de Organização e Projectos, Lda., Porto, Portugal. [email protected]
Engenheira-Projectista de Estruturas, GOP- Gabinete de Organização e Projectos, Lda., Porto, Portugal. [email protected]
Projecto e Construção do Centro de Alto Rendimento Desportivo de Panticosa
Figura 1. Material extraído de poço de fundação.
O edifício é semienterrado e genericamente apresenta três pisos implantado numa parcela de terreno
inclinado ao longo da margem do Rio Calderés (ver Fig.2). A cota da envolvente varia cerca de 6
metros resultando numa profundidade variável de escavação entre os 5 e os 11 metros.
Figura 2. Vista aérea do edifício em tosco.
Para além de outras vantagens associadas, a complexidade da geometria do edifício determinou a
opção por uma estrutura constituída em elementos laminares em betão armado. Esta opção permitiu
ainda a inexistência de juntas de dilatação e consequentemente eliminar todos os problemas que,
normalmente, lhes estão associados.
Desde o princípio da concepção que o edifício foi dotado de uma galeria perimetral com a função de
garantir a ausência de infiltrações nas zonas habitáveis. Esta galeria permitiu ainda a distribuição das
infraestruturas a partir das áreas técnicas bem como a recolha e aproveitamento das águas termais
afluentes, o que seria impossível de outra forma dada a complexidade dos percursos.
2. ESCAVAÇÃO E FUNDAÇÃO
A escavação do espaço para implantação da superfície enterrada tinha várias condicionantes. O facto
do edifício se desenvolver muito perto de um curso de água a manter e sem possibilidade de desvio, e
da pretensão de manter o conjunto arbóreo anexo determinou o recurso a escavação com muro cortina
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Nunes da Silva, João Maria Sobreira e Ana Silva
(escavação vertical). A expectável interacção com nível freático determinou a escolha por uma cortina
“impermeável”.
No decurso da execução das microestacas e ancoragens foram interceptados veios de águas termais
originando uma revisão do projecto para permitir o seu encaminhamento e aproveitamento.
2.1 Colunas de Jet Grouting armadas
Apesar das dificuldades de execução (como a necessidade de recurso a martelo de fundo e das
dificuldades de garantia da boa execução) a opção por colunas de Jet grouting em presença de terrenos
com blocos (dado o chamado “efeito sombra”) revelou-se bastante eficaz. De facto, perante estas
condições de solo verdadeiramente heterogéneo e presença de água errática esta foi a melhor solução.
A cortina foi constituída por dois alinhamentos de colunas de Jet secantes com diâmetro de 650mm
afastadas a cerca de 50cm em ambas as direcções (ver Fig.3). Antes de iniciar a escavação foi
construída uma viga de coroamento perimetral garantindo o funcionamento conjunto das colunas
materializando o binário entre os varões que armam as colunas.
Figura 3. Esquema em planta da cortina de contenção.
Na generalidade dos casos, a cortina foi provisoriamente ancorada ao nível da viga de coroamento e
consoante as alturas, a um nível intermedio. Posteriormente a cortina foi travada ao nível das lajes do
edifício e revestida com capa de betão armado conferindo a necessária capacidade resistente. Na Fig.4
é possível apreciar o aspecto final, o desenho das colunas não é visível mas o muro apresenta-se com
aspecto compacto.
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Projecto e Construção do Centro de Alto Rendimento Desportivo de Panticosa
Figura 4. Aspecto final da cortina de contenção.
Ao longo do alinhamento nascente, a furação para as ancoragens foi sendo adaptada ao aparecimento
das águas termais que, no final, resultou no total de 9 captações.
O aproveitamento destas águas revelou-se algo complexo uma vez que a cota das captações é baixa e
as águas teriam de ser bombadas mas não havia necessidade de bombagem integral (o consumo de
água termal não é constante ao longo do ano). De modo a garantir a estanquicidade do edifício havia
que estudar a possibilidade de drenagem natural das captações. Assim, todas as captações foram
envolvidas por poços em betão (com acessos a partir do exterior) e foi construída uma nova galeria a
cota inferior ao longo dos alinhamentos sul e nascente. Estes poços em betão servem de reservatórios
interligados por tubos permitindo a bombagem em apenas um dos poços. Caso não haja
aproveitamento das águas estas desaguam na galeria termal que dispõe de uma descarga em tubo de
grande diâmetro para o lago natural a cerca de 250 metros.
2.2 Ensoleiramento Ancorado
Terminada a contenção/escavação iniciou-se a construção da laje de ensoleiramento geral com 50 cm
de espessura. Havia ainda que ancorar a laje de fundo para resistir às pressões ascendentes para o que
foram adoptadas microestacas tubulares em aço cravadas no maciço rochoso para uma carga de
cálculo de 850kN (ver planta representada na Fig.5). Na zona do ginásio foram adoptadas vigas de
fundação para substituir a falta das paredes em betão. Estas vigas, posteriormente, “dobram” para a
galeria constituindo os necessários contrafortes no muro de contenção que teve de vencer os cerca de
18 metros até à laje de cobertura deste recinto desportivo.
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Nunes da Silva, João Maria Sobreira e Ana Silva
Figura 5. Planta de Ensoleiramento geral.
Durante a execução das microestacas ocorreram duas novas captações muito proximas e que seriam
encaminhadas para os poços de captação. Na Fig.6 apresenta-se a mais produtiva.
Figura 6. Microestaca 90 com temperatura de 52º a debitar 120m3/dia (fonte de Tiberio).
3. SUPERESTRUTURA
O piso em cave é dedicado às salas de tratamento, balneário, zonas húmidas e desportivas; o piso 0 a
espaços comuns e o piso 1 aos quartos. A diferença programática entre pisos juntamente com a
complexidade geometria dos percursos e espaços não permitiu uma estrutura, “dita”, convencional
com um sistema de pilares e vigas. Os elementos laminares têm uma grande capacidade de
transmissão de carga e consequentemente uma maior liberdade na disposição dos elementos
resistentes, as lajes maciças homogeneizam o comportamento e no limite funcionam em conjunto com
as paredes sendo elas próprias elementos de apoio. Ao nível dos alçados este edifício apresenta muitas
descontinuidades que resultam em muitos elementos em consola e/ou suspensos. Todas estas situações
foram solucionadas com elementos entre os 20 e os 30 cm de espessura.
O maior desafio foi a execução da face aparente em betão branco que envolve todo o edifício mas que
teria de ser desligada da restante estrutura, dadas as extremas condições climatéricas, permitindo
interpor o isolamento térmico. As paredes exteriores do edifício são constituídas do interior para o
exterior por, parede interior em betão armado, impermeabilização, isolamento térmico em poliestireno
extrudido, manta drenante, e parede exterior em betão branco. Na Fig. 7 apresenta-se
esquematicamente a composição do sistema, onde se pode perceber os cuidados com a
impermeabilização e a drenagem das águas pluviais.
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Projecto e Construção do Centro de Alto Rendimento Desportivo de Panticosa
Figura 7. Esquema construtivo da envolvente exterior com galeria perimetral.
4. REVESTIMENTO EM BETÃO BRANCO
Esta “casca” exterior, de grande qualidade e estereotomia estudada, foi betonada ”in situ” de forma
contínua. Reveste todo o edifício nas suas faces aparentes e contempla as lajes inferiores das zonas
balançadas, paredes, palas de ensombramento e lanternins.
A amplitude térmica desta zona (-20ºC a 40ºC) implicou grandes espessuras de isolamento e a
ausência de pontes térmicas. Assim, idealmente, estes elementos teriam de ser desligados da estrutura
interior. A construção e sustentação deste “revestimento” apresentou-se assim como um grande
desafio. Na imagem da Fig.8 pode apreciar-se o desenvolvimento do processo, parede betonada,
parede a betonar e parede montada e armada a aguardar betonagem.
A casca teria de ser em betão branco aparente in situ, cofrado em apenas uma face, teria de ser
sustentado na sua base ou suspensa dos elementos existentes mas sem comprometer a eficiência
térmica e o seu comportamento. O conjunto destas premissas implicou o recurso a técnicas e sistemas
inovadores como a inserção de apoios pontuais que permitem as imperativas dilatações térmicas do
betão.
Esta parede exterior praticamente não tem cargas, com excepção das devidas ao vento ou da carga da
neve nas palas de sombreamento e o seu dimensionamento foi condicionado quase inteiramente pelo
seu comportamento intrínseco. Optou-se por uma espessura genérica de 15 cm com uma única malha
de armadura o que permitiu trabalhar a qualidade da betonagem, a correta vibração, o atravessamento
das mangas de betonagem e garantir um recobrimento mínimo de 4 cm.
A armadura é galvanizada e dimensionada para uma percentagem crítica que origine a rotura da
armadura e do betão em simultâneo adoptando o fct aos 28 dias e limitando a fissuração aos 0,30 mm.
Houve ainda outros cuidados como o desfasamento das zonas de sobreposição das armaduras (ver
Fig.9) e a colocação de armaduras inclinadas nos cantos das aberturas.
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Nunes da Silva, João Maria Sobreira e Ana Silva
Figura 8. Vista da armadura montada e progressão da betonagem.
Figura 9. Empalmes da armadura desfasados.
A composição do betão foi cuidadosamente estudada optando-se por um betão auto-compactável com
cerca de 400kg de cimento, e inertes constituídos por areia muito fina com elevada percentagem de
filler e brita, ambos provenientes da trituração de rocha calcaria. Para fazer a cofragem destas paredes
foram utilizadas escoras e macacos hidráulicos (ver Fig.10), uma vez que não era possível ligar a
cofragem à parede interior e era aconselhável betonar toda a altura da parede de uma só vez, de modo
a reduzir juntas de betonagem (linhas potenciais de fugas da pasta). Após a betonagem, os elementos
foram alvo de cura continua durante 10 dias e posterior proteção da superfície.
Figura 10. Sistema de cofragem com macacos hidráulicos de aperto.
O cálculo da estrutura foi realizado com recurso a modelos de elementos finitos em vários casos, a Fig.
11 corresponde ao modelo utilizado para aferir os cálculos manuais e corresponde à quase totalidade
dos elementos.
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Projecto e Construção do Centro de Alto Rendimento Desportivo de Panticosa
Figura 11. Modelo de elementos finitos da “casca” de betão branco.
Para as paredes que são contínuas em altura o esquema de apoio foi o seu suporte na laje da base por
intermedio de um lintel em isolamento térmico de vidro celular (Foamglass Perinsul) com uma
resistência à compressão capaz de suportar as cargas derivadas do peso da parede. Para estas paredes
apenas foram acrescentados alguns apoios pontuais, no bordo superior, garantindo a segurança a
eventual derrubamento (ver Fig.12).
Figura 12. Apoios inferior e superior da solução corrente para parede contínua.
Para as paredes em zonas balançadas e os muros vigas sobre os rasgos das janelas a solução foi a
adopção de apoios de suspensão materializados por consolas em elementos metálicos com apoio em
neopreno e revestimento em Teflon permitindo maior amplitude de desfasamento. Na Fig.13 estão
representados em corte o tipo de apoios adoptados no bordo superior das paredes. O primeiro caso
com cabo extensível foi aplicado nas extremidades permitindo algum deslocamento acumulado das
extensões longitudinais.
Figura 13. Apoios superiores das paredes suspensas.
Houve ainda uma série de zonas particulares a resolver das quais destacamos as lajes, com a face
interior em betão aparente, das zonas balançadas e do passadiço. Nestes casos a betonagem das lajes
ficou pendente da execução das lajes em betão branco inferiores.
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Nunes da Silva, João Maria Sobreira e Ana Silva
As linhas de betão que são aparentes na Fig.14 correspondem à base de paredes interiores. As lajes de
revestimento funcionam suspensas da laje superior através de varões em aço inox. Quando estes
varões eram muito curtos foi garantido um comprimento livre de 18 cm de modo a permitir alguma
flexibilidade (ver Fig15).
Figura 14. Vista inferior das zonas balançadas- lajes armadas para betonagem posterior.
Figura 15. Pormenor suspensão da laje de revestimento.
Todo o sistema de execução do revestimento em betão armado foi sendo acrescentado ao longo da
execução da obra perante as dificuldades de concretização e numa perspectiva de simplificação.
CONCLUSÕES
Esta obra apresentou vários desafios aos projetistas e construtor. Entre eles, as condições do terreno
muito heterogéneo e com a presença de água errática e a proposta do Arquitecto Alvaro Siza de
construir um edifício em betão aparente em condições climatéricas adversas. Depois, a decisão de
construir dupla parede de betão, acarretou, num edifício complexo, uma série de outras
particularidades. O desafio resultou numa série de oportunidades, tanto no dimensionamento como na
execução resultando num edifício único que tirou partido da versatilidade, capacidades e beleza do
betão armado.
AGRADECIMENTOS
Os autores manifestam o seu reconhecimento ao Arq.º Alvaro Siza e seu colaborador Matthias
Heskamp, ao Arq.º Jesus Manzanares pela confiança depositada no nosso trabalho e à empresa
promotora/construtora UTE Panticosa Resort/ UTE Lena Construcciones/Hinaco pelo seu empenho
em completar a obra.
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