O trabalho dignifica o homem

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Trabalho Inscrito na Categoria PÔSTER
TRABALHO DOCENTE E CAPITALISMO: Alguns Apontamentos
Eliane da Costa Lima (UEM - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Pr)
Apoio Financeiro: Fundação Araucária, bolsa de pós-graduação (mestrado)
Neste trabalho apresentamos algumas articulações iniciais dos dados de uma pesquisa
bibliográfica, a qual realizamos visando a consecução de nossa dissertação de mestrado. O
objetivo primordial desse estudo é analisar o trabalho e suas implicações no processo de
constituição da subjetividade, a partir dos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural,
tendo como eixo de análise a atividade docente. Neste sentido, tecemos aqui uma breve
abordagem, enfatizando alguns aspectos da categoria trabalho e da atividade do professor,
enquanto processos inseridos no modo de produção capitalista.
O trabalho dignifica o homem. Esta é uma premissa aceita de forma recorrente, porém,
na maioria das vezes, esta aceitação está pautada em uma compreensão dos atributos humanos
como essência dada ‘a priori’, abstrata e universal, conforme se encontra cristalizado nos
pensamentos filosóficos de caráter metafísico que desconsidera a existência histórica dos
homens. Contrapondo-se a tais pressupostos, a psicologia Histórico-Cultural propõe outro
encaminhamento epistemológico e respaldada nos pressupostos preconizados por Marx,
defende a primazia dos determinantes históricos e sociais para a humanização do homem.
Adota a historicidade dialética como princípio fundamental, e reafirma a tese marxiana de que
o homem possui um psiquismo que se forma a partir do mundo natural, mas que se torna
fundamentalmente distinto dos outros animais em virtude do trabalho, atividade que se
caracteriza pelo desenvolvimento da consciência.
Na acepção marxiana, o trabalho é colocado no centro das formulações filosóficas a
partir de uma compreensão de seu sentido ontológico. Representa a atividade vital do homem,
pela qual ele se relaciona com a natureza e com os outros homens, criando as condições para
produção e reprodução da humanidade. “[...] Esta é a função social do trabalho: possibilitar
a reprodução material da sociedade por meio da transformação da natureza” (SILVA, 2007,
p. 94).
O trabalho, portanto, permite ao homem superar um sistema de vida dado por uma
natureza determinada no plano biológico que o limita a uma organização hominizada, e o
conduz a um sistema de vida criador, produzindo uma natureza social e histórica, ou seja, uma
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natureza humanizada. Isso significa que as mudanças biológicas no homem convertem-se a
um valor dependente do desenvolvimento histórico da sociedade humana e estão subordinadas
ao mesmo (LEONTIEV, 1978; VYGOTSKY E LURIA, 1996).
Ao romper com as barreiras biológicas, o homem “[...] rompe também a fusão
(animal) necessidade–objeto; o mundo e ele mesmo se lhe surgem como objetos”
(MARTINS, 2007, p. 45). Dessa forma, com a superação dos limites biológicos, ou seja, da
representação imediata da realidade, desenvolvem-se no homem novas funções cognitivas
como o pensamento e o raciocínio, que criam condições para o surgimento da pré-ideação, da
intencionalidade, isto é, as condições para o homem tornar-se um ‘ser consciente’. O homem
passa a representar cognitivamente os fenômenos da realidade, denominando-os por meio das
palavras, o que resulta na formação dos conceitos e dos significados abstratos, estruturando
assim sua consciência. É pela comunicação, principalmente pela linguagem, na consolidação
do processo apropriação-objetivação que tais abstrações e conceitos passarão a representar a
atividade interna, a qual elaborada socialmente pelo trabalho irá compor a consciência
(DUARTE, 1993).
Neste processo se dá a formação do homem como indivíduo e também a sua
constituição como ser genérico. Sob esta perspectiva, a sociabilidade do homem não se refere
simplesmente a viver em conjunto ou agir coletivamente, e sim, implica o reconhecimento de
que a atividade humana e o próprio indivíduo somente se tornam pertencentes ao gênero
humano pela sua inserção na história, o que decorre da apropriação das objetivações já
existentes. Esta é a única via pela qual o homem se torna capaz de objetivar-se como ser
genérico, um ser social, um ser humanizado.
Como podemos evidenciar, nesta perspectiva o trabalho é considerado como mediação
necessária entre homem e natureza, como objetivação e auto-desenvolvimento do gênero
humano. Entretanto, o trabalho também assume um sentido negativo, na forma de trabalho
alienado.
Marx (2004) considera que a alienação não é algo que decorre de uma essência
universal e abstrata, outrossim, é vista como decorrente de razões históricas e sociais,
manifestando-se nas relações de produção, isto é, no trabalho, o qual determina as relações
entre os homens. Assim, o trabalho alienado não coincide com o trabalho enquanto atividade
vital humana. A efetivação da atividade vital, social e consciente, objetivada de forma
universal e livre, desconfigura-se mediante as relações alienadas de trabalho, afastando o
homem da condição de sujeito da própria história. O trabalho, portanto, é reduzido a um meio
para a produção dos bens materiais necessários à reprodução social da relação capital-
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trabalho. Como bem enfatiza Marx, no capitalismo o que interessa no trabalho não está em
sua dimensão concreta, mas em sua dimensão abstrata.
Grosso modo, para Marx (2004) o trabalho é o processo no qual a atividade está
voltada para a utilidade de seu produto, visando suprir as necessidades humanas (valor de
uso). Esse resultado (o produto) inclui o processo de produção, que se relaciona ao dispêndio
de energia humana (força de trabalho), agregando-lhe um significado quantitativo. O modo
como se estabelecem essas relações de produção é que determina as condições sociais nas
quais se realiza o trabalho em dado momento histórico. Na sociedade capitalista o trabalho
contido na mercadoria engendra esse duplo sentido: trabalho concreto que corresponde à
utilidade da mercadoria (valor de uso), e trabalho abstrato que corresponde ao valor da
mercadoria a partir da quantidade de força de trabalho nela aplicada (valor de troca). O
indivíduo que trabalha sob controle do capital vende não o produto de seu trabalho, mas sim,
a sua força de trabalho, o que possibilita a exploração da mais-valia.
Diante desses aspectos, consideramos pertinente compreender como o trabalho do
professor se insere neste contexto. No âmbito da educação na sociedade capitalista, o
professor é o profissional que exerce a atividade-fim da escola, isto é, o ensino. Silva (2007),
ao analisar a que formas de exploração o trabalhador professor encontra-se submetido,
esclarece que a atividade do professor é considerada como trabalho abstrato, pois tem como
equivalente um salário (valor de troca que reflete a venda da força de trabalho). Se o professor
é contratado por uma instituição particular o seu trabalho é considerado como abstrato
produtivo (valoriza a mais-valia existente), e abstrato improdutivo caso seja contratado por
uma instituição pública (não produz mais-valia e gasta o capital acumulado por outros
setores). Assim, o professor vive da exploração indireta do operariado, já que seu salário vem
do capitalista ou do Estado. Ou seja, pertence a classe de transição entre a burguesia (que
detém os meios de produção) e o proletariado (que produz os bens materiais), classe esta que
tem como função social auxiliar a organização da produção, e, neste sentido, manter a
exploração vigente.
O trabalho docente se caracteriza como trabalho imaterial, pois trata-se da produção e
reprodução de ideias, conceitos e valores, em outras palavras, da produção de saber sobre a
natureza e a cultura. Nesta perspectiva, o produto do trabalho do professor, que é o ensino, se
concretiza por meio das atividades de apropriação, elaboração, sistematização e socialização
de conhecimentos, possibilitando-lhe a realização de sua objetivação e permitindo novas
apropriações, o que configura uma atividade humanizante e humanizadora. Entretanto, a
lógica de mercado do capitalismo, que é inerente ao sistema escolar moderno, cada vez mais
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invade e consolida-se como forma de organização da ação pedagógica. Assim, tanto o
trabalho quanto o produto do trabalho do professor, bem como, a educação escolar em sua
totalidade, encontram-se submetidos e engendrados pelos processos alienantes e alienados do
modo de produção capitalista (COSTA, 2009).
Sob este ponto de vista, cabe destacar o esvaziamento dos conhecimentos científicos
na formação escolar que se caracteriza como um elemento estrutural da alienação do trabalho,
e como tal, incide sobre toda e qualquer classe de trabalhadores, inclusive sobre a classe
docente, que neste contexto configura-se como uma categoria estratégica para manutenção do
‘status quo’.
Neste sentido, Martins (2007) faz um alerta contundente no que se refere às
especificidades da atividade docente e à manutenção da alienação, ao mencionar que o
produto do trabalho do professor, diferentemente do que em outras formas de trabalho, não se
concretiza em um objeto material, mas está contido no próprio resultado da ação educativa, a
qual pode, ou não, garantir a apropriação do conhecimento pelo aluno e a formação de sua
postura crítica. Assim,
[...] a alienação do trabalhador professor interfere decisivamente na qualidade do
produto de seu trabalho. O trabalho educativo pressupõe o homem diante de outro
homem de quem não pode estar estranho (alienado), fundando-se numa relação que é
por natureza interpessoal e mediada pelas apropriações e objetivações desses homens
( p. 05).
Pelo que foi possível pontuar no âmbito desta discussão, impõe-se enfatizar que na
sociedade atual pautada sob a égide do modo de produção capitalista e permeada pela
ideologia hegemônica do neoliberalismo, onde as relações sociais são de dominação, a
alienação, mais ou menos intensamente, está sempre presente. Todavia, não podemos perder
de vista que os processos alienantes são inerentes às relações de produção e não aos sujeitos
individualmente, pois no trabalho humano está, ou deveria estar, algo que define a ação do
homem sobre o mundo como atividade mediadora de sua humanização: a consciência e a
intencionalidade. Assim, o educador que estabelece uma relação consciente com o
conhecimento e com sua prática pedagógica, pode superar a tensão entre valor de uso e valor
de troca, na medida que prevalece em sua ação o caráter ontológico do trabalho e da
educação, tendo no seu trabalho a condição de educabilidade, e, portanto, de humanização do
homem.
Há que se reconhecer que a educação escolar e consequentemente, o trabalho docente
tem um papel fundamental no processo de construção e transformação social. Isso não
significa negar os condicionantes que incidem sobre a instituição escolar. Menos ainda
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implica condenar seus limites, mas, demanda com certa urgência, reconhecer seus
determinantes históricos, e assumir uma posição política que vise firmar o papel insubstituível
da educação em sua finalidade última de promover condições para a apropriação das
objetivações genéricas, buscando o desenvolvimento dos atributos essencialmente humanos.
REFERÊNCIAS
COSTA, A.; FERNANDES NETO, E.; SOUZA, G. A proletarização do professor:
neoliberalismo na educação. São Paulo: Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2009.
DUARTE, N. A individualidade para-si: contribuições a uma teoria histórico-social da
formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados, 1993.
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
MARTINS, L. M. A formação social da personalidade do professor: um enfoque
vigotskiano. Campinas: Autores Associados, 2007.
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos.
Boitempo, 2004.
(Trad.: Jesus Ranieri) – São Paulo:
SILVA, F. G. O Professor e a Educação: entre o prazer, o sofrimento e o adoecimento. 425
p. (Tese de Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Educação (Psicologia da Educação)
– PUC – São Paulo, 2007.
VYGOTSKY, S. & LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: símios,
homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
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