ANÁLISE DO PRONOME TRATAMENTO VOS DO ESPANHOL E SEU USO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DA MAFALDA Taciana Maria Bahls (UNICENTRO), Cibele Krause-Lemke (UNICENTRO, Orientadora), e-mail [email protected]. Setor de Ciências Sociais Aplicadas (Guarapuava); Universidade Estadual do Centro-Oeste/Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes (Irati). Palavras-chave: Língua espanhola, história em quadrinhos, voseo, variação lingüística. Resumo: Este trabalho investiga a evolução histórica do pronome de tratamento VOS, usado principalmente na Argentina, em falas informais. Assim, tendo como corpus as histórias em quadrinho da Mafalda, o objetivo deste estudo é o de analisar a evolução do voseo reverencial até o uso do sistema estandarizado vos argentino, problematizando por que e em quais situações ele é usado nas HQ´s. Introdução O objetivo deste estudo é analisar a evolução do voseo, a partir do voseo reverencial tanto para segunda pessoa do singular como do plural do latim vos, até a utilização do sistema estandardizado vos argentino. Pretende-se investigar em quais situações os argentinos vosean. O corpus é composto pelas historias em quadrinho de Mafalda, personagem criada por Quino. Esta escolha justifica-se em virtude que de o uso do voseo é um recurso lingüístico predominante em suas tiras. A língua latina sofreu inúmeras mudanças, a partir do período que compreende o império romano até sua caída. No período medieval (Século VI ao XIV), este idioma perdeu seu prestigio comunicativo, surgindo, lentamente, novas formas de falá-lo. Com isso, passam a existir as línguas romances, sendo uma delas o castelhano. Com o fim da reconquista e o inicio da colonização espanhola, até a atualidade, foram várias as mudanças ocorridas entre a variante do espanhol peninsular e a variante americana, transformação que também ocorreu nas formas de tratamento, tal como aconteceu com o voseo reverencial. Havia, portanto, a preocupação por parte dos gramáticos de que as modificações que o latim sofreu na época da colonização do Império Romano – o que gerou as línguas neolatinas – pudessem acontecer com o castelhano americano. O uso do voseo dialetal americano, por exemplo, sofre preconceito por parte destes gramáticos, os quais censuram o seu uso por considerá-lo Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 um espanhol mal falado e por adotar formas verbais incorretas. Porém, a língua é homogênea? A língua muda com o tempo? Qual é a origem do voseo? Pode-se afirmar que determinadas palavras são consideradas adequadas num certo período, podem cair em desuso em outro e, até mudar o seu significado, como é o caso do voseo que, com o fim da reconquista, perdeu seu prestigio na Espanha para o pronome de cortesia tú. Tais mudanças ocorreram no século XV, data que inicia a conquista do Novo Mundo. Neste período, o pronome vos sofreu desgaste e o pronome tuteante ocupa o lugar de pronome de confiança (Carricaburro, 1997). As zonas de sua predominância permaneceram aquelas que tiveram maior contato com a Espanha no período da colonização, quais sejam: México e Peru, ao contrario de grande parte de hispano-américa, que estava geográfica e culturalmente mais afastada da metrópole. Atualmente, quase toda hispano-américa continua utilizando o voseo dialetal americano em situações informais, porém, diferente de como era usado o voseo reverencial. No século XV, quando começou a ser utilizado, foi adaptado e, como conseqüência, sofreu transformações no paradigma verbal e pronominal. Hoje em dia, na Argentina, o uso do voseo verbal e pronominal é aceito e usado por todas as classes sociais e, é neste país, ao contrario dos outros países voseantes, que o voseo faz parte da norma culta desde 1982, de acordo com a Academia Argentina de Letras, que o aceitou como legítimo. Seu uso se dá na literatura, nos meios de comunicação, músicas e filmes, caracterizando-se como uma prática que está incorporada à variedade rio-platense. Materiais e Métodos Esta pesquisa é de caráter bibliográfico, pois se utilizou de livros, artigos e fontes secundárias para a construção do campo analítico. O objetivo foi o de explicar a evolução do voseo reverencial até a utilização do voseo dialetal argentino utilizando como corpus as tiras de Mafalda. Para o desenvolvimento da análise confrontaram-se os textos teóricos, tais como os produzidos por Becker (2004); Capdevila (1940); Bello (1985) e Irala (2004) com o uso do voseo no corpus selecionado, baseada numa metodologia dedutivo-explicativa dos fenômenos encontrados. Resultados e Discussão Nenhuma língua é homogênea, ela sempre se transforma e de modo imperceptível para seus usuários, como foi o caso da língua latina, pois com a caída do Império Romano o latim foi se transformando – até que surgiram outros idiomas derivados deste. Com o fim da Reconquista, a Espanha conquistou um vasto território conhecido como hispano-américa e, passado um pouco mais de cinco Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 séculos, os países colonizados por esse Império apresentam diferenças no modo de falar a língua castelhana. Segundo Bagno (2003, p.33) quando a língua emigra “os costumes são outros, a natureza é outra – as necessidades de expressão tornam-se outras. Tudo junto força a língua que emigra a adaptar-se à sua nova pátria”, como é o caso do voseo argentino. Neste estudo foi analisada a evolução do voseo, a partir do voseo reverencial usado tanto para segunda pessoa do singular como a do plural do latim vos. Esse pronome se manteve no castelhano peninsular antigo e, devido ao seu desgaste, foi substituído pela forma tú para o trato familiar, desaparecendo, desse modo, a forma vos no século XIX na Espanha. Porém, o voseo foi incorporado às práticas lingüísticas da hispanoamérica através dos aristocratas que não dominavam a chamada “norma culta” e, também, por causa da distancia entre a metrópole e a região colonizada. As mudanças lingüísticas somente chegaram a poucas regiões e, quanto mais longínquas eram das colônias, mais conservaram o trato vos, dando origem ao voseo dialetal americano, sendo ele subdividido segundo Carricaburro (1997) em voseo ditongante; o voseo à chilena e o voseo monotongado. O voseo monotongado é o usado em território Argentino e tem como característica o apagamento da semivogal nos ditongos e/ou leva acento na última sílaba. Conclusões O voseo na Argentina é utilizado em todas as classes sociais, possui prestigio e, inclusive, é marca de identidade nacional deste povo. Através da análise do corpus foi possível constatar que há a preferência pelo voseo recíproco (vos-vos) entre membros da mesma família e entre amigos. Também, há esse tratamento por parte de pessoas mais velhas com as crianças, mas não vice-versa, já que a preferência de trato entre crianças com pessoas mais velhas é formal (vos-usted), o que acontece também, entre desconhecidos e pessoas que desempenham funções hierárquicas, as quais recebem tratamento formal de seus interlocutores. Contudo, atualmente, há mudanças na utilização do voseo em relação às tiras de Mafalda, pois, de acordo com Carricaburro (1997), os jovens argentinos vosean com pessoas desconhecidas e as tratam com o pronome de respeito. Assim, tal prática pode gerar problemas comunicativos, já que o receptor entenderá que lhes estão chamando de respeitável ou de velho. Por meio deste estudo foi possível compreender que a língua evolui gradativamente quando emigra de região, transformando-se, como no caso do uso do voseo no paradigma verbal e pronominal argentino. Neste caso, o voseo ganhou status sobre o pronome de cortesia estándar tú e de respeito usted na Argentina. Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 Referências BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 12 ed. São Paulo: Contexto, 2003. ______. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999. CARRICABURO, Norma Beatriz. Las fórmulas de tratamiento en el español actual. Ed.: Arco. Madrid: 1997. ______. El voseo en la historia y en la lengua de hoy, 1997. Disponível em: http://www.elcastellano.org/artic/voseo.htm. Acesso em: 26 de jul. 2009. IRALA, Valesca Brasil. A opção da variedade de Espanhol por professores em serviço e pré-serviço. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 7, nº 2, p. 99-120, dez. 2004. PAUFLER, Hans-Dieter. Algunas observaciones acerca del nivel de las investigaciones relativas al desarrollo de la lengua española en América. Revista de Filología Románica, [S.I.] v. III, 1985. 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