história da língua portuguesa

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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE
COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
HISTÓRIA DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Rio de Janeiro / 2008
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os direitos reservados à
Universidade Castelo Branco
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por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo
Branco - UCB.
Un3h Universidade Castelo Branco
História da Língua Portuguesa / Universidade Castelo Branco. – Rio de
Janeiro: UCB, 2008. - 36 p.: il.
ISBN 978-85-86912-95-5
1. Ensino a Distância. 2. Título.
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HISTÓRIA DA
LÍNGUA PORTUGUESA
Conteudista
Antônio Carlos Siqueira de Andrade
Apresentação
Prezado(a) Aluno(a):
É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,
na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade
para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a
sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e
criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.
Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento
teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.
Seja bem-vindo(a)!
Paulo Alcantara Gomes
Reitor
Orientações para o Auto-Estudo
O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e
conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam
atingidos com êxito.
Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares.
As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.
Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.
Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o
conteúdo de todas as Unidades Programáticas.
A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com
os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 30 horas-aula, que
você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros
presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.
Bons Estudos!
Dicas para o Auto-Estudo
1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.
2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções.
3 - Não deixe para estudar na última hora.
4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.
5 - Não pule etapas.
6 - Faça todas as tarefas propostas.
7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento
da disciplina.
8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.
9 - Não hesite em começar de novo.
SUMÁRIO
Quadro-síntese do conteúdo programático.................................................................................................. 11
Contextualização da disciplina.................................................................................................................... 12
Unidade I
ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA
1.1 – Introdução........................................................................................................................................... 13
1.2 – Fases da língua . ................................................................................................................................. 13
1.3 – Características do português arcaico . ................................................................................................ 17
Unidade II
FONÉTICA HISTÓRICA
2.1 – Vocalismo ........................................................................................................................................... 21
2.2 – Consonantismo.................................................................................................................................... 21
2.3 – Leis Fonéticas..................................................................................................................................... 21
2.4 – Metaplasmos....................................................................................................................................... 22
Unidade III
A LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DO SÉCULO XVI
3.1 – Considerações..................................................................................................................................... 25
Glossário...................................................................................................................................................... 32
Gabarito........................................................................................................................................................ 33
Referências bibliográficas............................................................................................................................ 34
Quadro-síntese do conteúdo
programático
UNIDADES DO PROGRAMA
I – ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA
1.1 – Introdução
1.2 – Fases da língua
1.3 – Características do português arcaico
OBJETIVOS
• Situar a formação da língua;
Apresentar os períodos que compõem a história da língua;
Definir os documentos escritos da língua.
II – FONÉTICA HISTÓRICA
2.1 – Vocalismo
2.2 – Consonantismo
2.3 – Leis Fonéticas
2.4 – Metaplasmos
• Detalhar a natureza das transformações; Apresentar os casos de mudanças fonéticas.
III – A LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DO
SÉCULO XVI
3.1 - Considerações
• Apresentar as principais mudanças na fase moderna da língua.
11
12
Contextualização da Disciplina
Para entender a língua portuguesa atual, é necessário voltar até as suas origens, que remontam ao latim vulgar,
e iniciar um longo trajeto de análise de suas transformações.
A língua atual é resultado de mudanças fonéticas, morfológicas e sintáticas, bem como reflexo de seu percurso
histórico.
UNIDADE I
13
ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA
1.1– Introdução
Apresentar o conteúdo gramatical de Língua Portuguesa V – história da língua – sem uma ancoragem,
na realidade, seria, até certo ponto, uma atitude irresponsável.
O nosso objetivo é ilustrar as transformações da língua através de um enfoque diacrônico, não apenas por
meio de exemplos isolados, mas apoiado por textos de
épocas em que se verificaram os fenômenos analisados.
Assim, apresentamos, sempre que possível, os casos
estudados em passagens escritas onde eles ocorrem.
A seguir, iremos examinar as duas perspectivas.
A nossa língua origina-se do galego-português, inicialmente falada no norte de Portugal e, com a guerra
da Reconquista, foi disseminada pelo resto do país.
Normalmente, a história da língua se divide em três
fases:
• Pré-histórica – das origens da língua até o século IX,
data dos primeiros documentos latino-portugueses;
Valorizamos também o entendimento do texto, a sua
compreensão como meio de se chegar à sua estrutura
(plano sincrônico), bem como à língua encarada como
processo em suas múltiplas possibilidades de transformação (plano diacrônico).
• Proto-histórica – do século IX ao século XII. Época
em que aparecem textos redigidos em latim bárbaro,
geralmente de natureza forense, com inserções de palavras da língua falada. No final desse período, floresce
em Portugal e Galícia a poesia trovadoresca.
É possível estudar a língua sob duas perspectivas
históricas – a interna e a externa.
• Histórica – subdivide-se em Arcaica e Moderna.
A externa é a história da cultura e da sociedade e sua
influência na língua. A interna trata das transformações
fonéticas, morfológicas, sintáticas e semânticas.
Arcaica – do século XII ao século XVI – fase caracterizada por transformações no léxico, na fonética, na
morfologia, na sintaxe.
Moderna – do século XVI até o século atual – a língua
adquire um padrão que chega até os nossos dias, com
poucas mudanças profundas.
1.2 – Fases da Língua
Línguas Românicas 1
São aquelas que derivam do latim. As principais são:
• Português
• Espanhol
• Italiano
• Francês
1
Outras denominações: Neolatinas, Novilatinas ou Latinas.
O latim era a língua oficial do Império Romano e,
com as conquistas realizadas, era imposta aos povos
subjugados.
Com o passar do tempo e em contato com culturas
e povos diversos, foi se transformando em línguas
diferentes, embora guardem uma certa similaridade
entre si:
14
A origem das línguas neolatinas está no latim vulgar,
a língua falada, e não na língua escrita ou literária
(latim clássico).
Antes do domínio romano, vários povos habitaram
a Península Ibérica: os próprios iberos, depois gregos
e fenícios.
Mais tarde, vieram os celtas, povo de origem germânica. Da fusão desses povos, surgem os celtiberos,
que foram finalmente dominados pelos romanos.
A língua do povo dominado constitui-se em substrato
da língua do dominador.
Outro domínio que se observou após os romanos foi
o de povos bárbaros (vândalos, suevos e visigodos)
a partir do século V. Mais tarde – século VIII – os
árabes invadem a península e a língua árabe passa a
ser utilizada junto com o romanço.
Palavras de Origem
Galego-Português
A nossa língua surge no norte de Portugal e na Galícia,
região politicamente ligada à Espanha.
Os primeiros textos escritos aparecem no século XIII.
Testamento (1193)
In Christi nomine. Amen. Eu Eluira Sanchiz offeyro
o meu corpo áás virtudes de Sam Saluador do moensteyro de Vayram, e offeyro co, no meu corpo todo o
herdamento que eu ey en Centegãus e as tres quartas
do padroadigo d’essa eygleyga e todo hu herdamento
de Crexemil, assi us das sestas como todo u outro
herdamento: que u aia u moensteyro de Vayram por
en saecula saeculorum. Amen.
Fecta karta mense Septembri era MCCXXXI.
Menendus Sanchiz testes. Stephanos Suariz testes.
Vermúú Ordoniz testes. Sancho Diaz testes. Gonsaluus
Dias testes.
• Árabe:
Muitas delas começam com al, que é o artigo árabe
aglutinado à palavra: álcool, alfazema, alface, alcachofra, alfândega, algema, azeite, arroz; xarope, tarefa,
tarifa, algarismo, enxaqueca.
Ego Gonsaluus Petri presbyter notauit.
• Ibérica:
Baía, balsa, barro, bezerro, cama, esquerdo, garra,
manto, sapo.
Grafia:
- confusão entre u e v: Eluira = Elvira;
- a semivogal i é grafada com y: offeyro = ofereço;
- crase: com a dobrado e acento grave: áás = às;
- representação fonética: Sanchis = Sanches.
• Céltica:
Bico, cabana, caminho, camisa, carpinteiro, carro,
cerveja, duna, gato, gordo, lança, peça.
• Grega:
Bolsa, cara, corda, calma, anjo, bispo, bíblia.
• Germânica:
Agasalho, barão, banco, banho, brasa, guerra, lata,
roupa, sopa.
A Reconquista
Até mais ou menos o ano 1000, os árabes dominam
a península.
Os árabes (muçulmanos) e os cristãos vão se enfrentar
em inúmeras batalhas, até que aqueles sejam vencidos e
expulsos por estes. É o período chamado Reconquista,
que só termina efetivamente com a tomada do reino de
Granada pelos reis católicos (1492). Mas é no século
XII que nasce o reino independente de Portugal.
(apud LEITE DE VASCONCELOS. Os Textos Arcaicos. 14-15)
Observe:
Tanto a invocação quanto o desfecho é ainda em latim.
Auto de Partilha (1192)
In Christi nomine amen. Hec est notitia de partiçon,
e de devison, que fazemos entre nos dos erdamentus,
e dus Coutos, e das Onrras, e dous Padruadigos das
Eygreygas, que forum de nosso padre, e de nossa madre, en esta maneira: que Rodrigo Sanches ficar por sa
partiçon na quinta do Couto de Viiturio, e na quinta do
Padroadigo dessa Eygreyga en todolos us herdamentus
do Couto, e de fora do Couto: Vasco Sanchiz ficar
por sa partiçon na Onrra Dulveira, e no Padroadigo
dessa Eygreyga, en todolos herdamentos Dolveira, e
en nu casal de Carapezus de Vluar, e en noutro casal
en Agiar, que chamam Quintaa: Meen Sanchiz ficar
por sa partiçon na Onrra da Carapezus, e nus outros
herdamentos , e nas duas partes do Padroadigo dessa
Eygreyga; e no Padroadigo da Eygreyga de Treysemil,
e na Onrra e no herdamento de Darguiffe, e no herdamento de Lavorados, e no Padroadigo dessa Eygreyga;
Elvira Sanchez ficar por sa partiçon nos herdamentos
de Centegaus, e nas três quartas do Padroadigo dessa
Eygreyga, e no herdamento de Treyxemil, assi us das
sestas, como noutro herdamento. Estas partições, e
divisões fazemos antre nos, que vallam por em secula
seculorum amen. Facta Karta mensse Marcii, Era
MCCXXX. Vaasco Suariz testis – Vermuu Ordoniz
testis – Meen Fanrripas testis – Gunsalvu Vermuiz
testis – Gil Dias testis – Dom Minon testis – Martim
Pariz testis – Dom Minon testis – Martim Periz testis
– Dom Stephani Suariz testis – Ego Johanes Menendi
Presbiter notavit.
(apud RIBEIRO, João Pedro. Dissertações Cronológicas e Críticas. vol. I, pp. 284-285).
Os textos acima são considerados os primeiros escritos em língua portuguesa. Na verdade, são traduções
feitas do latim para o galego-português quase cem
anos depois, já no final do século XIII (TEYSSIER,
2001: 126).
Os primeiros textos escritos em galego-português são
Notícia de Torto (1214-1216) e o Testamento de D.
Afonso II, datado com segurança (1214). O primeiro
é reproduzido a seguir:
Notícia de Torto
... E d’auer que ouerũ de seu pater nu [n] qua li ĩde
derũ parte. Deo Dũ Gõcauo a Laurẽco Fernãdiz e
Martĩ Gõcaluiz XII casaes por arras de sua auóó, e
filarũ-li illos inde VI casales cũ torto. E podedes saber
como mando Dũ Gõcauo a sua morte: e XVI casales
de Veracin que fructarũ e que li nunqua ide derũ quinnõs; e de VII e médio casaes antre Goina e Bastuzio
unde li nunqua derũ quinõ; e de tres ĩ Tefuosa unde li
nunqua ar derũ nada; e Ilos ĩ Figeerecdo unnde nũqua
li derũ quinõ; e Ilos ĩ Tamal ũde li ñ ar derũ quinõ; e
da senara de Coina ũde li ñ ar derũ quinõ; e de uno
casal de Coina que leuarũ ĩde III anos o fructo cũ
torto. E por istes tortos que li fecerũ tem qua seu plazo
quebrãtado, e qua li o deuẽ por sanar...
(apud LEITE DE VANCONCELOS. Os Textos Arcaicos. pp. 15-16.)
Na mesma época, a poesia lírica da península também se manifesta através do galego-português. É a
poesia trovadoresca, compilada nos Cancioneiros.
Eram cantigas de amor (em que o homem expressa
a sua “coita” de amor), cantigas de amigo (a voz é
feminina) e as cantigas de escárnio e maldizer (poesia
de cunho satírico).
Muitas palavras de origem provençal entram para
a língua nessa época: alegre, anel, jogral, rouxinol,
viagem.
A seguir, exemplos da poesia trovadoresca. Para
entendê-las melhor, faça a leitura consultando o vocabulário e as informações que vêm após.
No primeiro exemplo, a palavra amigo deve ser entendida como amado.
Observe, entre outras, as formas verbais vejades,
possades, vivede, dos verbos ver, poder e viver.
Cantiga D’Amigo (D. Dinis)
- Non poss’eu, meu amigo,
com vossa soidade1
viver, bem vo-lo digo,
e por esto morade2,
amigo, u mi possades3
falar e me vejades.
Non poss’, u vos non vejo,
viver, bem o creede4,
tan muito5 vos desejo,
e por esto6 vivede,
amigo, u mi possades
falar e me vejades.
Naci em forte ponto7:
e, amigo, partide
o meu gran mal sen conto,
e por esto guaride8,
amigo, u mi possades
falar e mi vejades.
- Guarrei9, ben o creades,
senhor, u me mandades10.
soidade: saudade. Leia-se soi-i-da-de.
morade: moral.
3
u mi possades: onde me possais.
4
creede: crede.
5
tan muito: tanto. Compare-se com o inglês so much.
6
esto: isto
7
em forte ponto: em má hora, em dia aziago.
8
guaride: guari (= “morai”).
9
Guarrei: Guarirei (= “morarei”).
10
mandades: mandais.
1
2
(apud LINS, Álvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Roteiro
Literário do Brasil e de Portugal. Rio, 1955, página 12)
Na cantiga de amor a seguir a palavra senhor (senhora)
ainda era uniforme, isto é, servia para o gênero masculino
e para o gênero feminino. Note também a forma como
o minha era representado: mha. Val significa vale; ledo
significa feliz, alegre.
Cantiga D’Amor (Paio Soares de Taveirós)
Como morreu quen nunca ben
ouve da ren que mais amou1
e quen viu quanto receou
d’ela e foi morto por en2,
Ay, mha senhor3, assi moyr’eu!4
Como morreu quen foy amar5
quen lhe nunca quis bem fazer6,
e de que[n] lhe fez Deos ueer7
de que foy morto com pesar8,
Ay, mha senhor, assi moyr’eu!
15
16
16
Com’ome que ensadeçeu,
senhor, co gran pesar que uiu,
e nõ foy ledo, nen dormiu
depois, mha senhor, assi moyr’eu!
Como morreu quen amou tal
dona que lhe nunca fez bem
e quen a uiu leuar a quen
a nõ ualia, nen a ual,
Ay, mha senhor, assi moyr’eu!
(apud LINS, Álvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Roteiro
Literário Do Brasil e de Portugal. Rio, 1955, página 16).
Como morreu quen nunca bem / ouve da ren que
mais amou: como morreu aquele que nunca obteve o
bem-querer da pessoa a quem mais amou. Ren (forma
alterada do acusativo rem, de res) = “coisa” e também
“pessoa”. Neste último sentido, que é o da palavra
no trecho acima, empregou-a, por exemplo, Camões:
“Transforma-se o amador na cousa amada”. É de uso
atual e corrente a palavra objeto na mesma acepção:
objeto amado (= “pessoa amada”).
1
2
por en: por isso.
mha senhor: minha senhora, minha amada. Os
substantivos em -or eram, em geral, invariáveis em
gênero na língua antiga. Entretanto, da forma senhora,
como observa Augusto Magne (A Demanda do Santo
Graal, III, 365), há exemplos, embora raros raros, nos
próprios cancioneiros.
3
moyr’eu: moiro eu, morro eu. Moiro ou mouro,
moira ou moura: formas que sobrevivem um pouco ao
período arcaico da língua: “Mas moura enfim nas mãos
das brutas gentes” (Camões, Os Lusíadas).
4
quen foy amar: quem se aventurou a amar. Observase ainda hoje esse emprego, talvez sobretudo na linguagem popular: Ele foi insultar o outro, e saiu-se mal.
5
6
ben fazer: fazer bem (= “querer bem, amar”).
ueer = veer: ver. Vedere > veer > ver. Quanto ao u pelo
v, note-se adiante, também, uiu, leuar, ualia, ual.
7
de que foy morto com pesar: Neste verso, subentenda-se antes do de a palavra cousa.
8
No exemplo abaixo, trobar significa cantar.
Cantiga de Escárnio e Maldizer
Ai dona fea! fostes-vos queixar
porque vos nunca louv’ en meu trobar
mais ora1 quero fazer un cantar
en que vos loarei tôda via2
e vêdes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia3!
Ai dona fea! se Deus me perdon!
e pois havedes tan gran coraçon
que vos eu loe en esta razon,
vos quero já loar tôda via;
e vêdes qual será a loaçon4:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei
en que vos loarei tôda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
1 – mas agora
2 – sempre, inteiramente
3 – louca
4 – louvor
(SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa: era
medieval. p.56)
Exercícios de Auto-avaliação (sobre a Cantiga de Escárnio)
Observação: Antes de fazer o exercício a seguir,
leia, com atenção, na Unidade II, a parte sobre Metaplasmos.
1. Na passagem de fea para feia que metaplasmo ocorre?
2. Ha mais dois casos na mesma estrofe. Indique-os.
3. Se (primeiro verso da segunda estrofe) equivale a
que conjunção?
4. Havedes > haveis (segundo verso, segunda estrofe)
é um metaplasmo chamado: __________________.
5. Na terceira estrofe, a posição do pronome não
é comum atualmente. Aponte os casos e indique a
ordem atual.
Os Novos Rumos da Língua
A escola literária galego-portuguesa, da qual os poemas
acima fazem parte, termina por volta de 1350.
Separados politicamente Portugal e Galícia, a língua
começa a traçar trajetórias diferenciadas. O deslocamento do centro de poder do Norte para o Sul, ora
Lisboa, ora Coimbra, também contribuiu para fixar a
norma da língua que conhecemos hoje.
1.3 - Características do Português Arcaico
• Vocabulário
Mudança na forma das palavras fremosa (formosa) e
também no sentido – fazenda (façanha).
• Fonética
Hiatos que se transformam em crase: maa > má; seer
> ser; e ditongo: meo > meio; feo > feio.
• Morfologia
Nomes terminados em -nte, -or, -ês eram uniformes:
a infante, mha senhor, lingoa português;
Flexionavam no plural: ourives: ouriveses; simples:
simpleses;
Gênero diferente: fim, planeta, mar, cometa (femininos); tribo, coragem, linguagem (masculinos);
Particípio passado em UDO: perdudo, conhoçudo,
escondudo (permanece em conteúdo).
• Sintaxe
Pronome reto em função de objeto: “E o senhor disse
que enforcariam ell”(Coutinho, 1971);
Verbos de movimento seguidos de EM: “Veerom da
Gallia Gótica em Espanha.”(idem, ibidem);
Pleonasmos: “oje em este dia”, boas bondades;
Períodos muito extensos;
Pontuação escassa;
Colocação mais livre de palavras na frase;
Predomínio da ordem inversa.
O texto a seguir é um perfil do rei D. Pedro, filho
de D. Afonso. É de natureza histórica, mas devido à
maestria como foi produzido, passou a ser considerado
um documento de valor literário.
Fernão Lopes, narra/descreve a vida do rei imprimindo vivacidade ao relato.
Retrato de D. Pedro
Êste Rei D. Pedro era muito gago, e foi sempre grande
caçador e monteiro1, em sendo infante e depois que
foi rei, trazendo grande casa2 de caçadores e moços
de monte, e de aves, e cães, de tôdas as maneiras que
para tais jogos eram pertencentes3.
Êle era muito viandeiro4, sem ser comedor mais
que outro homem; que suas salas5 eram de praça6 em
todos os lugares por onde andava, fartas de vianda,
em grande abastança.
Êle foi grande criador7 de fidalgos de linhagem,
porque naquele tempo não se costumava ser “vassalo”,
senão filho, e neto, ou bisneto de fidalgo de linhagem;
e por usança haviam então a quantia que ora chamam
maravedis8, dar-se no berço, logo que o filho do fidalgo
nascia, e a outro nenhum não.
Êste Rei acrescentou muito nas quantias dos fidalgos,
depois da morte de el-Rei seu padre; ca, não embargando9 que el-Rei D. Afonso fôsse comprido de ardimento10 e muitas bondades, tachavam-no, porém, de
ser escasso, e de apertamento de grandeza11. E el-Rei
D. Pedro era em dar mui ledo; e tanto, que muitas vêzes
dizia que lhe afrouxassem a cinta, que então usavam
não mui apertada, para que se lhe alargasse o corpo,
para mais espaçosamente poder dar, dizendo que o dia
que o rei não dava, não devia ser havido por rei.
Era ainda de bom desembargo12 aos que lhe requeriam bem e mercê; e tal ordenança tinha nisto,
que nenhum era detido e sua casa por cousa que lhe
requeresse.
Amava muito fazer justiça com direito. E, assim
como quem faz correição13, andava pelo Reino; e,
visitada uma parte, não lhe esquecia de ir ver a outra;
em guisa que poucas vêzes acabava um mês em cada
lugar da estada.
Foi muito mantenedor de suas leis, e grande executor das sentenças julgadas; e trabalhava-se14 quanto
podia das gentes não serem gastadas15 por azo16 de
demandas e prolongados pleitos.
E se a Escritura17 afirma que, por o Rei não fazer
justiça, vêm as tempestades e tribulações.
- monteiro: caçador de monte
- grande casa: grande quantidade
3
- pertencentes: próprios
4
- viandeiro: apreciador de carnes
5
- salas: banquetes
6
- de praça: franqueados a todos
7
- criador: protetor
8
- maravedis: soldo dado pelos reis aos fidalgos que
o serviam
9
- não embargando: não obstante
10
- comprido de ardimento: bem dotado de coragem,
de intrepidez
11
- apertamento de grandeza: mesquinhez
12
- de bom desembargo: rápido, expedito no despacho
13
- correição: visita do corregedor à comarca, para
emendar os danos e fazer justiça
1
2
17
- trabalhava-se: esforçava-se
- gastadas: prejudicadas
16
- por azo: por causa
14
18
15
- Escritura: Bíblia
17
(SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa I – era
medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.)
Exercícios de Auto-avaliação
1. A abordagem histórica da época girava em torno de um reinado: o rei era a figura central, a partir da qual os
fatos eram descritos, a chamada abordagem regiocêntrica. Indique, no texto, pistas dessa abordagem.
2. A maioria das palavras numeradas e depois definidas é de arcaísmos ou palavras que assumiram outros
significados. As definições são tiradas de um livro de mais ou menos 40 anos atrás e já não são tão precisas
para traduzir os seus significados atuais. Escreva, ao lado de cada definição, a palavra que você usaria para
defini-la.
Salas (5) banquetes -___________________.
De praça (6) – franqueada a todos - ________________.
Criador (7) – protetor - ___________________.
Maravedis (8) – soldo dado pelos reis aos fidalgos que o serviam - __ _________________.
Não embargando (9) – não obstante - ________________.
Comprido de ardimento - bem dotado de coragem - ___________.
Apertamento de grandeza (11) – mesquinhez - ______________.
Bom desembargo (12) – rápido, expedito no despacho - ____________.
3. Observe o uso do verbo haver no último parágrafo e dê a acepção com que foi utilizado:
Houve amigas -_________________.
Houve filhos - ________________.
Houve nome - ________________.
4. Para a interpretação de um texto, é preciso estar atento ao contexto histórico e cultural da época, pois isso
evita conclusões equivocadas. Observe, no quarto parágrafo, o emprego do verbo “dar”, que no sentido vulgar
atual, levaria a uma interpretação desastrosa. Que palavra ou expressão você usaria para evitá-la?
5. No sexto parágrafo, que palavra pode substituir direito?
6. Indique um equivalente atual para “gentes” (sétimo parágrafo).
7. No último parágrafo, dormiu e pariu, hoje, seriam substituídas porque a natureza formal do texto o exige.
Que termos você usaria?
Dormiu Pariu 8. Reescreva o trecho a seguir, tendo em vista a sintaxe e o padrão atual:
“E mandou-o el-Rei criar, enquanto foi pequeno, a Lourenço Martins da Praça, um dos honrados cidadãos
dessa cidade, que morava junto com a igreja catedral, onde chamam a Praça dos Canos; e depois o deu, que
o criasse, a D. Nuno Freire de Andrade, Mestre da Cavalaria e da Ordem de Cristo.”
O trecho a seguir faz parte da crônica acima, embora seja reprodução de uma edição crítica, em que se respeita
a grafia original, na época, vacilante, imprecisa, confusa. Observe:
Vijnda = vinda
Sahiu = saiu
Arreçeber = a receber (a recebê-los)
Maão = mão
Contreelle = contra ele
Quamdo = quando
Amdavom = andavam
Nenhuum = nenhum
Çebola = cebola
Himdo = indo
Algumas palavras sofreram as transformações conhecidas como metaplasmos:
Tragidos = trazidos: sonorização
Alvoro = Álvaro: assimilação (regressiva)
Feas = feias: epêntese
Rostro = rosto: dissimilação
De como foram mortos Álvaro Gonçalves e Pero
Coelho
A Purtugal22 forom23 tragidos24 Alvoro25 Gomçallvez
e Pero Coelho, e chegarom a Samtarem omde elRei
Dom Pedro era 26, e el Rei com prazer de sua vijinda,
porem mal magoado por que Diego Lopez fugira, os
sahiu fora arreçeber27, e sanha cruel sem piedade
lhos fez per sua maão meter a tormento28, queremdo
que lhe confessassem quaaes forom na morte de Dona
Enes culpados, e que era o que seu padre trautava
contreelle, quamdo amdavom29 desavijndos por aazo
da morte della; e nenhuum delles respomdeo a taaes
preguntas cousa que a elRei prouvesse; e elRei com
queixume dizem que deu huum açoute no rostro30 a
Pero Coelho, e elle se soltou emtom comtra elRei em
desonestas e feas pallavras, chamamdo-lhe treedor31,
fé periuro, algoz e carneçeiro32 dos homeens; e elRei
dizemdo que lhe trouxessem çebolla pêra o coelho, emfadousse delles e mandouhos matar. A maneira de sua
morte, seemdo dita pello meudo, seria muj estranha
e crua de comtar, ca mandou tirar o coraçom pellos
peitos a Pero Coelho, e a Álvoro Gomçallvez pellas
espadoas; e quaaes palavras ouve, e aquel que lho
tirava que tal officio avia pouco em costume, seeria
bem doorida cousa douvir, emfim mandouhos queimar;
e todo33 feito ante os paaços omde el pousava, de guisa
que comendo oolhava quamto mandava fazer. Muito
perdeo elRei de sua boa fama por tal escambo como
este, o qual foi avudo34 em Purtugal e em Castella por
muj grande mal, dizemdo todollos boons que o ouviam,
que os Reis erravom muj muito35 himdo comtra suas
verdades, pois que estes cavalleiros estavom sobre
segurança acoutados em seus reinos.
(LUIS, Alvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Antologia – Roteiro
Literário de Brasil e de Portugal. Rio, 1943, cap. XXI, pp. 84-85)
Purtugal: Portugal
forom: foram. A desinência verbal om (=”am”), do
português antigo, acusa-se ainda hoje na pronúncia
popular: eles fôro, dissero, fizero, etc., forma em que
apenas se verificou a desnasalização. V. nota 29.
24
tragidos: trazidos.
25
Alvoro: Álvaro. Caso de assimilação regressiva.
26
era: estava.
os sahiu fora arreçeber: saiu fora a recebê-los.
Observar, além da colocação do pronome, a energia
do pleonasmo saiu fora.
28
tromento: tormento. Matátese ainda hoje observada
na pronúncia popular.
29
amdavam: andavam. Na pronúncia do povo esta
última forma é a que persiste, desnasalada – andava
–, no plural como no singular.
30
rostro (do lat. rostru-): rosto. Esta última forma
constitui um caso de dissimilação eliminatória.
31
treedor: traidor
32
carneçeiro: carniceiro.
33
todo: tudo isso
34
avudo: havido, tido. Os verbos em –er tinham
outrora o part. Em –udo ou –eúdo: havudo, sabudo,
temudo, teúdo. Desse velho uso ficou a expressão teúda
e manteúda, e o adj. manteúdo, usado em regiões do
Brasil em relação ao cavalo forte, de boa aparência.
35
muj [mui] muito: muitíssimo
27
Exemplo de lirismo, o poema a seguir é de uma fase
posterior ao Trovadorismo. É a época em que a poesia
se dissocia da música, o trovador dá lugar ao poeta, e
a poesia adquire maior musicalidade e ritmo.
Cantiga Sua Partindo-se (João Ruiz de Castelo Branco)
Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes,
outros nenhuns por ninguém.
Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
em mil vezes que da vida.
22
23
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d’esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
(SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa I – era
medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971, p. 128)
19
20
Exercício de Auto-avaliação
1. A palavra olhos só ocorre uma vez. Já os termos que se referem ao estado do poeta se repetem, intensificando
o que ele sente. Indique o local das elipses (supressões) de olhos:
Conforme exposto acima, o português se separou do galego ainda na Idade Média.
Até o século XIX, o galego foi apenas uma língua falada. A partir daí, foi codificada em gramáticas e atualmente é não só a língua oficial da Galícia como também a língua oficial do ensino.
A língua galega, além de veículo da cultura, é também possuidora de uma rica literatura contemporânea e não
perdeu os vínculos com a nossa língua, pois há o Núcleo de Estudos Galegos, da UFF (Universidade Federal
Fluminense), responsável pelo intercâmbio entre as duas línguas.
A título de ilustração, segue uma passagem escrita em galego atual. Descontadas as diferenças de natureza
ortográfica: x pelo j: xa (primeira linha), resultado do ensurdecimento: /j/ (sonora) passa a /x/ (surda), a pontuação
e a acentuação, o galego e o português atualmente guardam entre si uma incrível semelhança:
O artifício da morte na versión erótica do amor cortés
A Función de Sublimación.
Xá nos referimos é función de sublimación do amor
Cortés, pero gustaríanos deternos nesta noción inaugurada por Freud e retomada por Lacan. Para Freud a
sublimación é unha forma de satisfacción das pulsións
parciais sem haber represión, porque se dá un desvío
no circuíto pulsional em canto ó seu ranço. ¿Como se
compreende isto? Para Lacan trátase de dúas cousas:
primeira, nom se debe confundi-la noción de branco
coa de sublimación. Se Freud nos ensinou que non
pode Haber represión sen retorno do reprimido, cabe
indagar aquí de que represión se trata. Para darse
conta da sublimación, o que entra en escena non
son as represións secundárias, ata porque estas xa
son efectos dunha Represión Orixinal. É a entrada
do significante na vida o que promova a acción da
primeira represión. Alá, nun anaco de carne viva,
onde se presupón unha substancia goante, algunha
cousa deste gozo é arrancada para que o significante
se instale. Alá, onde nada había, pasa a existir algunha
cousa. E a primeira represión incide xustamente sobre este nada. É este baleiro o que insiste no retorno
do reprimido e que de novo será reprimido para ser
esquecido. Cando un suxeito se identifica imaxinariamente cun obxecto, idealizándoo, o que é reprimido é
xustamente este baleiro que só pode comparecer baixo
a forma de falta simbólica. Desta idealización brota
unha paixón que eleva o obxecto á categoría de Ben.
Noi hai amor-paixón sen a ilusión fálica de encontro
coa Felicidade. Na sublimación non se dá a represión
deste nada que antecede – o aparecemento de toda
vida, xa que el reaparece baixo a forma dun baleiro
que ten que ser contornado. É nese sentido no que se
fala de sublimación do amor cortés. A Dama, en canto
obxecto imposible, é elevada á categoría de sublime
para ser nomeada polo significante co valor de Cousa
(Das Ding). Só pola via do significante é como se pode
nomear, non o que falta, senón a existencia da propia
falta. Se a través da palabra se apunta a unha falta sen
poder significala, logo, entre a nomeación e a aparición do ebxecto instaurase unha separación. A Cousa
como significante é efecto da existencia da linguaxe
e a Cousa como obxecto pertence ó rexistro do real
e, como tal, está máis alá da linguaxe. A sublimación
non ten outra función que permitir ó home referirse à
Cousa, isto é, colocalo entre o real e o significante. O
que permanece no centro deste intervalo é un vacio.
O obxecto amado no amor cortés, ó contrario do
romantismo, non é abordado para o casamento, senón
para situar un desexo ó nivel da mirada da Cousa.
Por isto Lacan di que a Cousa pola súa estructura só
pode ser representada por Outra Xousa. A Outra Coua
é a Cousa. A Cousa non se busca, atópase, pero está
claro, dinos Lacan, no Seminario VII, esta busca só
pode ser feita polas vías do significante, cando o home
se volve un verdadeiro artesán do significante. Neste
sentido, a Cousa é a Dama que os poetas atoparon
para trobar.
(Actas da II Xornadas. UFF de Cultura Galega)
UNIDADE II
21
FONÉTICA HISTÓRICA
A língua sofre mudanças contínuas, embora seja
difícil observá-las. É um paradoxo – nós modificamos
a língua, mas não percebemos as modificações.
Todavia, quando observamos um período da língua
bem distante no tempo, as mudanças ficam patentes.
Fonética Histórica
Tem por objetivo levantar, analisar e classificar todas
as mudanças observadas na pronúncia das palavras,
tomando por base duas ou mais épocas distanciadas
no tempo.
As transformações mais visíveis são de natureza
fonética, morfológica, sintática e semântica e, entre
essas, as mais estudadas são as fonéticas.
As mudanças se distribuem entre aquelas de natureza
vocálica (vocalismo) e as de natureza consonantal
(consonantismo).
2.1 - Vocalismo
O português herdou do latim as vogais a, é, ê, i, ó, ô, u.
Ditongos – do latim para o português:
ae pretônico > i: aequale > igual
ae tônico > e: caelu > céu
oe > ê: foedu > feo > feio
au > ou: auru > ouro
Ditongos românicos:
ai > ei (lacte) - laite > leite
au > ou (pauco) - pouco
ui > u (fructu) – fruito > fruto
Hiatos
A tendência à eliminação de hiatos é uma característica
que o português herdou do latim vulgar. Pode ser:
1. Transformação de vogal que forma hiato em semivogal, depois, em som palatal: vinea > vinia > vinha.
2. Ditongação (epêntese do i): cea > ceia.
3.Crase: dolore > dolor > door > dor.
2.2 - Consonantismo
As mudanças ou alterações que se observam nos
fonemas consonantais podem ser no início, no meio
ou no final das palavras. Tais mudanças podem ser de
trocas de fonemas, acréscimo, supressão ou mudança
de sílaba.
Ex.: citu > cedo
mediu > meio
mare > mar
Todos os casos de alterações vocálicas e consonantais
serão detalhados na seção sobre metaplasmos.
2.3 - Leis Fonéticas
Algumas transformações estão sujeitas a certos
princípios regulares em dada época e sob determinadas
situações. Entre eles, os mais comuns são as chamadas
Leis Fonéticas, que são:
1. Lei do Menor Esforço – tendência a simplificar,
reduzir e facilitar a pronúncia de certos fonemas: dolore
> door > dor;
2. Lei da Persistência da Consoante Inicial – talvez,
por ser melhor percebida por estar no início: persona
> pessoa > pessoa;
3. Lei da Persistência da Sílaba Tônica – a sílaba
tônica, por ser a de maior relevo, é poupada das transformações: legale > leal.
As leis acima não são aplicáveis a todos os casos,
não são absolutas, pois algumas palavras sofrem
transformações que contrariam, por exemplo, a Lei
da Persistência da Sílaba Tônica. O caso a seguir é de
deslocamento do acento tônico:
mulíere > muliére > mulher
Cáthedra > cathédra > cadeira
22
2.4 - Metaplasmos
Em sua evolução histórica, as palavras podem sofrer
transformações que recebem o nome genérico de metaplasmos. Dividem-se em:
1. Metaplasmos por Permuta
troca de um fonema por outro:
1.1. Sonorização – substituição de um fonema surdo
por um sonoro homorgânico:
1.3. Consonantização – fonema vocálico passa a
consonantal: i e u transformam-se, respectivamente,
em j e v:
ieiunu > jejum
uagare > vagar
1.4. Assimilação – substituição por um fonema igual
ou semelhante ao que o segue ou ao que o antecede:
inregular > irregular.
A assimilação é:
Vocálica – quando o fonema assimilado é uma vogal:
Novac(u)la > navalha
Consonantal: quando o fonema assimilado é uma
consoante:
Persona > pessoa > pessoa
Pode ser:
1.4.l. Total – quando o fonema assimilado é igual ao
assimilador:
Saeta > seeta > seta
p > b: lupu > lobo
t > d: citu > cedo
c > g: acutu > agudo
f > v: profectu > proveito
1.2.Vocalização – substituição de um fonema consonantal por um vocálico: as consoantes b, c, l, n,
p, do grupos bs, ct, lc, lp, gn, pt passam a i ou u em
português:
1.4.4. Regressiva – o fonema assimilador vem depois
do assimilado:
persicu > pêssego
1.5. Dissimilação – queda ou transformação de um
fonema quando já existe fonema igual ou semelhante
na palavra:
calamellu > caramelo (transformação); cribru > crivo
(queda)
A dissimilação ocorre com vogal: temoroso > temeroso
ou com consoante: raru > ralo. Ela é:
1.5.1. Progressiva – o fonema dissimilador vem antes
do dissimilado: prora > proa
1.5.2. Regressiva – o fonema dissimilador vem depois
do dissimilado:
horologiu > rologio > relógio
1.4.2. Parcial – quando há semelhança entre fonema
assimilado e assimilador: tauru > touro
1.6. Nasalização – transformação de um fonema
oral em nasal:
mihi > mim
sic > si > sim
1.4.3. Progressiva – o fonema assimilador vem antes
do assimilado: nostru > nosto > nosso
1.7. Desnasalização – transformação de um fonema
nasal em oral: luna > lua
1.8. Apofonia – troca de uma vogal por outra, na
sílaba inicial de uma palavra, quando um sufixo é
acrescentado: in + amigo = inimigo
per + factum = perfeito
3.3. Haplologia – supressão de uma sílaba por haver
outra igual ou uma semelhante:
semimínima > semínima
bondadoso > bondoso
1.9. Metafonia – modificação do som de uma vogal
por influência exercida por outra: tepidu > tíbio
debita > dívida
3.4. Apócope – queda de um fonema no fim da
palavra:
servum > servo
regale > real
2. Metaplasmos por Aumento
2.1. Prótese – acréscimo de fonema no início da
palavra:
stare > estar
nanu > anão
2.2. Epêntese – aumento de fonema no interior da
palavra:
area > areia
stella > estrela
2.3. Paragoge – aumento de fonema no final da
palavra:
ante > antes
2.4. Anaptixe (ou suarabácti) – desmonte de um
grupo consonantal pela interposição de uma vogal:
blatta > barata
3. Metaplasmos por Subtração
3.1. Aférese – perda de fonema no início da palavra:
Episcopu > bispo
3.2. Síncope – perda de fonema no interior da palavra
– médio > meio.
Exercícios de Auto-avaliação
1. Identifique os metaplasmos abaixo:
1.1- persona > pessoa > pessoa
1.2- spiritu > espírito
1.3- masto > mastro
1.4- aratru > arado
1.5- Hieronymu > Jerônimo
1.6- Silvana > Silivana
1.7- octo > oito
1.8- attonitu > tonto
1.9- in + barba > imberbe
3.5. Crase – fusão de dois fonemas vocálicos iguais
e contíguos:
videre > veer > ver
pede > pee > pé
3.6. Sinalefa – queda de um fonema no fim de uma
palavra quando ela se junta a outra:
de + este = deste
4. Metaplasmos por Transformação
Deslocamento de um fonema ou acento tônico de
uma sílaba para outra. Pode ser:
4.1. Metátese – deslocamento de fonema: pro > por;
inter > entre.
4.2. Hiperbibasmo – deslocamento de acento tônico
de uma sílaba para outra. Pode ser:
4.2.1. Sístole – deslocamento para a sílaba anterior:
pantánu > pântano
4.2.2. Diástole – deslocamento do acento tônico para
a sílaba posterior:
júdice > juiz
íntegru > intégru > inteiro
23
23
24
1.10- veritate > verdade
1.11- idodolatria > idolatria
1.12- feci > fiz
1.13- ipse > isse > esse
1.14- amare > amar
1.15- colore > coor > cor
1.16- mac(u)la > mancha
1.17- de + intro > dentro
1.18- semper > sempre
1.19- benção > bênção
1.20- mulíere > mulher
UNIDADE III
25
A LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DO SÉCULO XVI
3.1 - Considerações
A partir do século XVI, o português vai adquirindo
uma feição mais previsível, regular, menos sujeita a
flutuações.
Vários fatores contribuíram.
O Renascimento, que trouxe uma atitude mais lógica em
relação à língua: predomínio da subordinação, no lugar da
coordenação. Também o resgate etimológico de palavras
e a retomada da cultura clássica greco-romana vieram
influenciar a língua, particularmente a escrita:
aconselhou, na terceira pediu. Na primeira ofereceu:
Dic ut lapides isti panes fiant, que fisesse das pedras
pão. Na segunda aconselhou: Mitte te deorsum: que
se deitasse daquela torre abaixo. Na terceira pediu:
Sicadens adoraveris me, que caído o adorasse. Vede
que ofertas, vede que conselhos, vede que petições!
Oferece pedras, aconselha precipícios, pede caídas.
E com isso ser assim, estas são as ofertas que nós
aceitamos, estes os conselhos que seguimos, estas as
petições que concedemos.
A publicação de gramáticas veio referendar um desejo
de codificar a língua numa modalidade de prestígio.
Assim, a língua passa a ter um referencial a partir de regras fonético-fonológicas, sintáticas e morfológicas.
De todas estas tentações do demônio escolhi só uma
para tratar, porque para vencer e convencer três tentações é pouco tempo para hora. E quantas vezes para
ser vencido delas basta um instante! A que escolhidas
três, não foi a primeira, nem a segunda, senão a terceira e última; porque ela é a mais universal, ela é a
mais poderosa, e ela é a mais própria desta terra em
que estamos. Não debalde a reservou o demônio para
o último encontro, como a lança de que mais se fiava;
mas hoje lha havemos de quebrar nos olhos.
A preocupação com a forma de representação gráfica
que se observa nas ortografias que surgem na época
completa, ao lado das gramáticas, a dupla responsável
pela regulamentação da língua.
O resgate etimológico de que falamos anteriormente
é o que alguns autores denominam de latinização da
língua.
Como decorrência desse gosto da cultura clássica , nasce o desejo
de disciplinar e aprimorar a língua portuguesa, numa tentativa de
afeiçoá-la à mãe latina. Surgem assim as primeiras gramáticas e
os primeiros dicionários (SPINA: 1987: 14).
O sistema de impressão inventado por Gutemberg está na base dessas vitais iniciativas, isto é, as
gramáticas e as ortografias, pois a crescente publicação de livros veio revelar uma língua escrita cheia de
hesitações gramaticais na sintaxe, na concordância, na
morfologia, na grafia. O público leitor, logicamente,
cobrava uma escrita mais coerente e menos sujeita a
surpresas.
Todos os fatores citados acima contribuíram e fixaram
uma língua escrita que vai prevalecer até os nossos
dias, com poucas mudanças.
A sintaxe portuguesa atingiu um ponto de maior
rigor e precisão a partir do século XVI. Antes era
frouxa, repetitiva e imprecisa. O texto a seguir é do
Padre Antonio Vieira, século XVII. Note a cadência,
a subdivisão em partes iguais (estrutura trimembre), a
arquitetura da frase, o jogo de palavras.
Sermão da Primeira Dominga da Quaresma
Três foram as tentações, com que o demônio hoje
acometeu a Cristo: na primeira ofereceu, na segunda
(SPINA, S. – Padre A. Vieira)
Spina (1987: 10) observa que “...debruçados na leitura
dos modelos clássicos, sobretudo latinos, os escritores
portugueses foram naturalmente levados a introduzir na
língua inúmeros latinismos, aportuguesando as formas
importadas e refazendo as formas arcaicas.”
Sousa da Silveira (apud SPINA, 1987) cita exemplos
extraídos de Os Lusíadas:
- Gráficos: precepto (preceito)
nunqua (nunca)
- Fonéticos: defensa (defesa)
insula (ilha)
- Morfológicos: superlativos eruditos em –érrimo,
ílimo: aspérrimo, humílimo.
- Léxicos: flama (chama), procela, plaga, sumo,
canoro, etéreo, áureo, lácteo, pudico, diáfano.
A par de todas as mudanças operadas na língua, escritores do século XVI e XVII reproduziram em suas
26
obras a linguagem simples e viva da época. Foi o caso
de Gil Vicente e o próprio Camões, entre outros. É
uma linguagem que refletia a fala popular, conhecida
pelos seus arcaísmos, que são maioria nos exemplos
a seguir:
O texto a seguir é para você ler e fazer uma reflexão
a respeito da língua, tendo em vista que a língua está
em constante transformação e muitos dos casos que
as gramáticas históricas dão como fatos passados
continuam a acontecer nos dias de hoje.
- Fonéticos: crecer, nacer, fuito, geolho, giolho,
honrrado, marteiro.
Texto Complementar
- Fonético-morfológicos: sento (sinto), dezia, vevia,
vistida, poer.
- Morfológicos: praneta, guia, fim (femininos);
aqueste, aquesta, aquisto (este, esta, isto).
- Sintáticos: emprego do indefinido homem com o
valor de “uma pessoa”: “...ou por segredos que homem
não conhece”.
- Léxicos: asinha (depressa), ca (porque), samicas
(talvez).
A partir do Século XVI, o contato com outros povos,
devido às descobertas marítimas, vai acrescentar novas
contribuições ao léxico português.
Palavras de origem asiática:
• Chinês: chá, tufão.
• Japonês: biombo, quimono, samurai.
• Sânscrito: açúcar, gengibre.
Gramática Histórica: O Passado no Presente
Antonio Carlos Siqueira de Andrade
A lingüística sincrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema,
tais como são percebidos pela consciência coletiva.
A lingüística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem
termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência
coletiva e que substituem uns aos outros sem formar sistema entre
si (Saussure, 1995: 116).
Desde Saussure, esses estudos ganharam autonomia
e constituíram partes estanques do estudo da língua.
Não há, portanto, como confundi-los. E o estudioso
iniciante que consultar gramáticas históricas pode
chegar à conclusão de que todos os casos de alterações
fonéticas, entre outras, são fatos gramaticais confinados
a uma dada época passada, uma mudança acabada e
que não se repete na atualidade. Mais certeza terá se
consultar as gramáticas dedicadas à sincronia da língua:
nelas nada encontrará a respeito, o que só reforçará a
sua convicção de que são mudanças gramaticais historicamente conclusas.
• Francês: chapéu, maré, assembléia, bilhete, chefe,
dama, jóia.
Nos raríssimos casos em que se faz menção a um
uso atual, o próprio contexto acaba por confundir o
leitor/pesquisador. Seria essa a maneira de apresentação diacrônica um compromisso exclusivo com a
gramática histórica; uma desatenção ou um esquecimento deliberado?
• Inglês: bar, bife, futebol, clube, júri, lanche. A partir
da Segunda Guerra Mundial, a quantidade de palavras
acrescidas à língua é imensa, a maioria da área da
ciência e da informática.
Esse trabalho sugere que a gramática histórica e
gramática sincrônica devem ter um ponto de intersecção por conta dos casos que são co-ocorrentes,
sincrônica e diacronicamente.
• Italiano: aquarela, camarim, cenário, maestro,
serenata.
Se as gramáticas atuais expõem um conteúdo normativo e um conteúdo descritivo, não há por que ignorar
alguns fatos da língua presentes, atuais e legítimos e
que caberiam perfeitamente na parte destinada à descrição da língua, porquanto autores de formação mais
conservadora já estão admitindo a variação lingüística,
seja diatópica, diastrática ou diafásica.
O contato com os outros países europeus trouxe uma
quantidade apreciável de palavras:
• Espanhol: bolero, castanhola, quadrilha, cavalheiro,
rebelde, tiracolo.
Aqui no Brasil, as contribuições vieram das línguas
africanas trazidas pelos escravos: Bangu, Guandu,
muamba, batuque, moleque, macumba, marimbondo.
E das línguas indígenas: Guanabara, Iracema, Ubirajara, gambá, jibóia, maracanã, piranha, sabiá.
Os casos examinados são: metátese, ditongação/monotongação e assimilação.
I – Metátese
Silveira Bueno (1955) em seu livro A formação
histórica da língua portuguesa conceitua metátese
como a mudança de dois sons na mesma palavra,
definição que não esclarece nada, apesar de os exemplos serem muito claros:
fermoso > fremoso; satisfeito > sastifeito; prateleira
> parteleira (p. 106)
No livro Novo Manual de Língua Portuguesa, com os
subtítulos Curso complementar e grammatica histórica,
da Editora Alves, 1926, autoria não impressa, consta a
seguinte explicação:
Metathese – É a transposição de um phonema dentro da mesma
syllaba: pro > por, preguntar = perguntar, purcissão = procissão,
partelêra = prateleira. (p.43)
Serafim da Silva Neto em Introdução ao estudo
da língua portuguesa no Brasil dá os exemplos largato e dromir na fala vulgar do brasileiro (1986: 27),
embora seja um capítulo sobre as características da
fala brasileira e não de transformações históricas em
particular. Já à pág. 221 do seu História da Língua
Portuguesa, o autor exemplifica com palude > padule
e outros diacrônicos.
II – Ditongo OU
Said Ali observa que comparado aos ditongos ae,
oe do latim clássico, o ditongo au teve mais vitalidade, embora havendo sempre a tendência, em certas
regiões, de transformá-lo em ou e simplificá-lo em o,
constituindo um caso de monotongação. Os exemplos:
Latim auru-, Português ouro; latim pauco, português
pouco. (op.cit., p.24)
Machado (1967: 56) informa que o Latim Vulgar
espalhou pela România o ditongo au. Mais tarde,
na Hispânia e na Gália, passou para ou e depois o
(au>ou>o).
O português seguiu essa tendência e em seus dialetos
meridionais diz-se tôro, moro. Nos territórios galécios
não houve monotongação, mantendo-se o ou.
Lausberg (1974: 146) diz que o ditongo latino au
manteve-se em latim vulgar e em português passou a
o (monotongação).
Silveira Bueno (op.cit., p.80) ao falar do ditongo
ou indica a sua origem românica, com transformação
natural em taurum/touro; laurum/louro e já devia estar
monotongado em o, como em castelhano e português
popular do Brasil: tôro, lôro, ôro.
Said Ali (1965: 46) assinala que em português antigo
era freqüente a metátese de r, “procurando este som
a contigüidade de outra consoante...”. Os exemplos:
trocer (torcer), graganta (garganta) competra > compreta (completa). Na pág. 25, afirma que a metátese
é responsável pela formação de ditongo: contrairo
(contrariu) primeiro < primairo (primariu).
Para Serafim da Silva Neto, o latim, depois da fase
arcaica, ficou reduzido a três ditongos: au, ae e oe,
o primeiro era o mais freqüente e, em certas regiões
da Itália, com a sobreposição do latim aos falares
itálicos, au se reduziu a o. Com a expansão romana,
essa redução se espalhou pelo Império (Hist. Da L.
Port., p.97).
Coutinho (1971: 149), depois de afirmar que “Metátese é a transposição de fonema, que se pode verificar
na mesma sílaba ou entre sílabas”, dá exemplos como
semper > sempre, enter > entre, primariu > primairo
> primeiro e outros, todos de mudanças já completadas
em um ciclo histórico que começa no Latim.
Coutinho (op.cit., p.109) confirma a passagem do
Latim au para o Português ou: thesauru > tesouro,
tauru > touro, auro > ouro; também a redução a o já se
verificava na “língua da plebe”, na época do Império,
passando igualmente para o português: oric(u)la por
aurícula > orelha.
Do texto de Silveira Bueno, os exemplos sastifeito
e parteleira podem ser ouvidos hoje em variantes de
pouco prestígio social.
Portanto, todos os autores reconhecem a monotongação em época pretérita do português. Dos assuntos
aqui analisados, a referência a ditongos foi a única
encontrada nas gramáticas atuais (sincrônicas). As
gramáticas utilizadas foram as de Cunha & Cintra,
Bechara e Rocha Lima. Isso nos dá uma base de
comparação.
O mesmo ocorre com os exemplos do segundo livro
citado: preguntar, purcissão, partelêra, do livro de
Serafim da Silva Neto, largato e dromir; do livro de
Said Ali, trocer e graganta.
As gramáticas sincrônicas não deveriam ignorar essa
realidade, mesmo que fosse através de suas preconceituosas classificações ou prescrições.
Rocha Lima, ao discorrer sobre o assunto aqui
focalizado (ditongo ou), limita-se a exemplificação:
Ditongo ou: sou, estouro, besouro, ou seja, só admite
o que preconiza a norma. Bechara também apresenta
o ditongo /ow/ com exemplos: vou, roubo estouro (p.
68). A essa apresentação de cunho aparente descritivo,
27
28
acrescenta uma observação de caráter prescritivo mais
adiante: os ditongos ai, ei, ou devem manter a sua
integridade na pronúncia cultivada – sem exageros na
pronúncia do i e u e sem omissão: caixa, queijo, ouro.
É bom que se diga: essa observação consta da parte
destinada à ortoepia (p. 78).
Cunha e Cintra observam que na pronúncia normal de
Portugal e Brasil já não aparece o ditongo [ow], que se
mantém vivo em falares regionais do Norte de Portugal
e no galego. Contudo, no português do Rio de Janeiro
e de algumas regiões do Brasil o l final absoluto ou
em final de sílaba se vocaliza, constituindo os ditongos
[ow] gol, soltar e [ ⊃w] sol, molde.
Sintetizando:
Rocha Lima só admite o que a norma preconiza: a
pronúncia ou.
Bechara idem, embora admita a existência do monotongo na modalidade distensa.
Cunha & Cintra são descritivos e coerentes, completando o assunto com uma valiosa contribuição: o caso
do l que vai recuperar o ditongo ow / ⊃w.
Assim, o caso do ditongo - monotongo é o único que
gramáticas históricas e gramáticas sincrônicas apresentam, o que nos fornece uma conclusão: é um fato
comum na língua, diacrônica ou sincronicamente.
III – Assimilação
No capítulo que trata das causas da dialetação do
latim vulgar, Rodolfo Ilari (1992: 137) destina uma
parte às mudanças fonéticas devidas ao entorno. Foram
elas estudadas pelos neogramáticos sob o nome geral
de Fonética Histórica e se explicam pelo ambiente
em que figuram os sons no corpo da palavra e, por
resultarem principalmente de fatores articulatórios, são
mais ou menos espontâneas: em línguas e épocas muito
diferentes, podemos encontrar mudanças fonéticas
semelhantes. O caso mais freqüente é a assimilação
(assemelhação).
No Novo Manual de Língua Portuguesa (op. cit.,
p.37) a assimilação tem uma definição etimológica e
abrangente:
assimilação (de ad + similare); ou atração (de ad + thrahere); ou
alliteração (de ad + littera); - é a substituição intravocabular de
um som consonantal, mais raro vocal, por outro diferente e igual
do som vizinho que assimilou, attraiu, identificou o primeiro.
I - / -ps - / - um > i - / - ss- / - o
I - / - n + r - / - egularis > i - / - rr - / - egular
Lausberg é bem objetivo: assimilação é ajustamento
de sons contíguos (op. cit., p.98). Para Coutinho (op.
cit.; p. 143), “assimilação é aproximação ou perfeita
identidade de dois fonemas, resultante da influência que
um exerce sobre o outro”. Em todos os casos em que
são divididas as espécies de assimilação, os exemplos
são de formas latinas que sofreram o processo ao passar
para o português.
Nas definições acima, a preocupação parece ser a
de relatar um processo de transformação concluído e
característico da época remota, o que é comum nesse
tipo de livro: são obras de caráter eminentemente
diacrônico. De qualquer maneira, alguns dicionários
de lingüística e gramática nada acrescentariam, pois
o enfoque é o mesmo.
A assimilação a ser tratada aqui, sincronicamente,
tem suas origens documentadas por Menendez Pidal
na região da Antiga Osca, na Itália; passou para o
Espanhol e Português. Trata-se de mb > mm > m e nd
> n (Machado, op. cit., p.59).
A visão de Silveira Bueno (op. cit.) não coincide
totalmente porque exclui o caso de mb a m:
A assimilação de mb a mm e posterior simplificação das geminadas é fenômeno antes próprio do castelhano que do galego – português, pois, se podem citar exemplos: amos, ..., tamem, imora,
por ambos. ..., tambem, embora. No Brasil, na fala rústica, é mais
comum a assimilação do grupo nd a nn e posterior simplificação
das geminadas: comeno, andano, dizeno, viveno por comendo,
andando, dizendo, vivendo / quano por quando. Menendez Pidal
oferece uns exemplos do latim: “a fronte amobus careat oculis”,
em vez de ambobus (p. 87).
Certamente o ilustre estudioso Silveira Bueno ficaria
surpreso se casos de assimilação de mb a m e nd a n
fossem constatados na fala de pessoas que não são
“rústicas”, mas “letradas” para usar de um termo de
sua época.
Em 1990, o autor do presente trabalho (Andrade,
1991) analisou entrevistas orais com informantes de
grau universitário gravadas em fita, oriundas do Projeto
NURC (Norma Urbana Culta). Das seis entrevistas, a
metade pertencia à elocução formal e a outra, à informal. Segue o resultado:
29
Assim,
• A assimilação ocorre na linguagem utilizada pelos
falantes cultos da língua portuguesa.
• A assimilação ocorre com mais freqüência na elocução
informal.
• A velocidade de enunciação é fator determinante
para que a assimilação ocorra.
• A consoante oclusiva bilabial sonora /b/ é assimilada
pela consoante de transição /m/, de também, que passa
a ter realização plena como nasal bilabial sonora /m/.
• A oclusiva linguodental sonora /d/ é assimilada pela
consoante de transição /n/, que passa a ter realização
plena como nasal linguodental sonora /d/.
Preferimos acreditar que foi um descuido das
gramáticas sincrônicas não terem acatado os casos
de metátese e assimilação nas suas seções destinadas à descrição da língua, contemplando apenas
o caso do ditongo/monotongo, pois seus autores
atualmente têm uma visão mais nítida da diferença
entre descrição e norma.
Se os casos aqui estudados se repetem, é porque
seguem tendências lingüísticas exclusivas da língua,
ou seja, fatores estruturais que vão favorecer seu
aparecimento. Por isso, a norma gramatical não teve
força suficiente para mudar uma inclinação natural do
falante de língua portuguesa. E as gramáticas históricas
deveriam considerar os processos que se repetem na
última fase de sua evolução, pois a história de uma língua é a soma de todos os seus estágios. O modo como
as gramáticas sincrônicas e diacrônicas se apresentam
na atualidade requer um esforço de leitura, de saber
ler nas entrelinhas.
Enfim, é uma aventura interessante a polarização de duas
épocas, de duas concepções de estudo e da descoberta de
fatos tão comuns a ambos os extremos. Nessa época da
tecnologia, os estudos medievais despertam tanta paixão,
o que é sensato do ponto de vista intelectual. Seria interessante que aqueles que se ocupam da descrição da língua
começassem a construção de uma ponte entre o português
medieval e o português moderno.
30
Bibliografia (Leitura Complementar)
ANDRADE, Antonio Carlos S. Assimilação em falantes cultos. In: Revista de Letras, vol.1, nº 1. Rio de Janeiro:
Ficab, 1991.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
BUENO, Francisco da Silveira. A formação histórica da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1955.
CAMARA JR., J. Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1985.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Padrão, 1971.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
ILARI, Rodolfo. Lingüística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1974.
LAUSBERG, Heinrich. Lingüística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1974.
LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.
MACHADO, José Pedro. Origens do Português. Lisboa: Sociedade de língua portuguesa, 1967.
__________. Novo manual de língua portuguesa: gramática histórica. São Paulo: Alves, 1926.
SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1965.
SAUSSURE, Ferdinand de. Princípios de Lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Presença, 1979.
___________. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Presença, 1986.
31
Se você:
1)
2)
3)
4)
concluiu o estudo deste guia;
participou dos encontros;
fez contato com seu tutor;
realizou as atividades previstas;
Então, você está preparado para as avaliações.
Parabéns!
32
Glossário
Diacrônico – diz respeito à língua encarada como processo, sujeita a transformações imperativas ao longo
do tempo.
Latim vulgar – latim falado.
Romanço – dialeto originado do latim vulgar.
Sincrônico – é a perspectiva que entende a língua como um sistema.
Substrato – marcas de hábitos lingüísticos anteriores na língua que passam a utilizar.
Gabarito
Unidade I
• Página 16
1. Epêntese
2. Loarei e loar
3. Que
4. Vocalização
5. Nunca vos eu loei: nunca eu vos loei
Direi-vos: vos direi
• Página 18
1. Excetuando o antepenúltimo e o penúltimo parágrafos, todos os outros deixam claro quem é o tópico da
narração: Este rei, Ele, Este rei, (Ele) era, (Ele) amava, (Ele) foi.
2. Sem gabarito, pois as respostas podem variar.
3. Houve amigas = teve
Houve filhos = teve
Houve nome = chamou-se, se chamou.
4. Ajudar (de todas as formas possíveis).
5. Imparcialidade.
6. Pessoas.
7. Dormiu = teve um relacionamento amoroso
Pariu = teve um filho
8. Sem gabarito, pois a resposta pode variar.
• Página 20
Primeira estrofe: outros (olhos)
Terceira estrofe: tristes os (olhos) tristes...; outros (olhos) nenhum.
Unidade II
• Página 23 e 24
1.1. Desnasalização
1.2. Prótese
1.3. Epêntese
1.4. Dissimilação
1.5. Consonantização
1.6. Anaptixe
1.7. Vocalização
1.8. Aférese
1.9. Apofonia
1.10. Síncope
1.11. Haplologia
1.12. Metafonia
1.13. Assimilação
1.14. Apócope
1.15. Crase
1.16. Nasalização
1.17. Sinalefa
1.18. Metátese
1.19. Hiperbibasmo (sístole)
1.20. Hiperbibasmo (diástole)
33
34
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Antonio Carlos S. Língua portuguesa: percurso e percalços. In: Cadernos de Língua Portuguesa,
n. 3. Rio de Janeiro: UERJ, 1998.
______. Gramática histórica: o passado no presente. In: Cadernos de Língua Portuguesa, n. 6. Rio: UERJ, 2000.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.
FERREIRA, Nadiá Paulo. A función da sublimación. In: Actas da II Xornadas, UFF de Cultura Galega.
Niterói: UFF, 1994.
LINS, Álvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Roteiro literário do Brasil e de Portugal. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1955.
MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia e à lingüística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981.
PAIVA, Dulce de Faria. História da língua portuguesa II. São Paulo: Ática, 1988.
RESENDE, Garcia de. Cancioneiro geral. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1973.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Presença/MEC, 1979.
SPINA, Segismundo. História da língua portuguesa III. São Paulo: Ática, 1987.
______. Presença da literatura portuguesa – era medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
TARALLO, Fernando. Tempos lingüísticos: itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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