VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA Rio de Janeiro / 2008 Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. Un3h Universidade Castelo Branco História da Língua Portuguesa / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro: UCB, 2008. - 36 p.: il. ISBN 978-85-86912-95-5 1. Ensino a Distância. 2. Título. CDD – 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA Conteudista Antônio Carlos Siqueira de Andrade Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 30 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos! Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo. SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático.................................................................................................. 11 Contextualização da disciplina.................................................................................................................... 12 Unidade I ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA 1.1 – Introdução........................................................................................................................................... 13 1.2 – Fases da língua . ................................................................................................................................. 13 1.3 – Características do português arcaico . ................................................................................................ 17 Unidade II FONÉTICA HISTÓRICA 2.1 – Vocalismo ........................................................................................................................................... 21 2.2 – Consonantismo.................................................................................................................................... 21 2.3 – Leis Fonéticas..................................................................................................................................... 21 2.4 – Metaplasmos....................................................................................................................................... 22 Unidade III A LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DO SÉCULO XVI 3.1 – Considerações..................................................................................................................................... 25 Glossário...................................................................................................................................................... 32 Gabarito........................................................................................................................................................ 33 Referências bibliográficas............................................................................................................................ 34 Quadro-síntese do conteúdo programático UNIDADES DO PROGRAMA I – ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA 1.1 – Introdução 1.2 – Fases da língua 1.3 – Características do português arcaico OBJETIVOS • Situar a formação da língua; Apresentar os períodos que compõem a história da língua; Definir os documentos escritos da língua. II – FONÉTICA HISTÓRICA 2.1 – Vocalismo 2.2 – Consonantismo 2.3 – Leis Fonéticas 2.4 – Metaplasmos • Detalhar a natureza das transformações; Apresentar os casos de mudanças fonéticas. III – A LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DO SÉCULO XVI 3.1 - Considerações • Apresentar as principais mudanças na fase moderna da língua. 11 12 Contextualização da Disciplina Para entender a língua portuguesa atual, é necessário voltar até as suas origens, que remontam ao latim vulgar, e iniciar um longo trajeto de análise de suas transformações. A língua atual é resultado de mudanças fonéticas, morfológicas e sintáticas, bem como reflexo de seu percurso histórico. UNIDADE I 13 ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA 1.1– Introdução Apresentar o conteúdo gramatical de Língua Portuguesa V – história da língua – sem uma ancoragem, na realidade, seria, até certo ponto, uma atitude irresponsável. O nosso objetivo é ilustrar as transformações da língua através de um enfoque diacrônico, não apenas por meio de exemplos isolados, mas apoiado por textos de épocas em que se verificaram os fenômenos analisados. Assim, apresentamos, sempre que possível, os casos estudados em passagens escritas onde eles ocorrem. A seguir, iremos examinar as duas perspectivas. A nossa língua origina-se do galego-português, inicialmente falada no norte de Portugal e, com a guerra da Reconquista, foi disseminada pelo resto do país. Normalmente, a história da língua se divide em três fases: • Pré-histórica – das origens da língua até o século IX, data dos primeiros documentos latino-portugueses; Valorizamos também o entendimento do texto, a sua compreensão como meio de se chegar à sua estrutura (plano sincrônico), bem como à língua encarada como processo em suas múltiplas possibilidades de transformação (plano diacrônico). • Proto-histórica – do século IX ao século XII. Época em que aparecem textos redigidos em latim bárbaro, geralmente de natureza forense, com inserções de palavras da língua falada. No final desse período, floresce em Portugal e Galícia a poesia trovadoresca. É possível estudar a língua sob duas perspectivas históricas – a interna e a externa. • Histórica – subdivide-se em Arcaica e Moderna. A externa é a história da cultura e da sociedade e sua influência na língua. A interna trata das transformações fonéticas, morfológicas, sintáticas e semânticas. Arcaica – do século XII ao século XVI – fase caracterizada por transformações no léxico, na fonética, na morfologia, na sintaxe. Moderna – do século XVI até o século atual – a língua adquire um padrão que chega até os nossos dias, com poucas mudanças profundas. 1.2 – Fases da Língua Línguas Românicas 1 São aquelas que derivam do latim. As principais são: • Português • Espanhol • Italiano • Francês 1 Outras denominações: Neolatinas, Novilatinas ou Latinas. O latim era a língua oficial do Império Romano e, com as conquistas realizadas, era imposta aos povos subjugados. Com o passar do tempo e em contato com culturas e povos diversos, foi se transformando em línguas diferentes, embora guardem uma certa similaridade entre si: 14 A origem das línguas neolatinas está no latim vulgar, a língua falada, e não na língua escrita ou literária (latim clássico). Antes do domínio romano, vários povos habitaram a Península Ibérica: os próprios iberos, depois gregos e fenícios. Mais tarde, vieram os celtas, povo de origem germânica. Da fusão desses povos, surgem os celtiberos, que foram finalmente dominados pelos romanos. A língua do povo dominado constitui-se em substrato da língua do dominador. Outro domínio que se observou após os romanos foi o de povos bárbaros (vândalos, suevos e visigodos) a partir do século V. Mais tarde – século VIII – os árabes invadem a península e a língua árabe passa a ser utilizada junto com o romanço. Palavras de Origem Galego-Português A nossa língua surge no norte de Portugal e na Galícia, região politicamente ligada à Espanha. Os primeiros textos escritos aparecem no século XIII. Testamento (1193) In Christi nomine. Amen. Eu Eluira Sanchiz offeyro o meu corpo áás virtudes de Sam Saluador do moensteyro de Vayram, e offeyro co, no meu corpo todo o herdamento que eu ey en Centegãus e as tres quartas do padroadigo d’essa eygleyga e todo hu herdamento de Crexemil, assi us das sestas como todo u outro herdamento: que u aia u moensteyro de Vayram por en saecula saeculorum. Amen. Fecta karta mense Septembri era MCCXXXI. Menendus Sanchiz testes. Stephanos Suariz testes. Vermúú Ordoniz testes. Sancho Diaz testes. Gonsaluus Dias testes. • Árabe: Muitas delas começam com al, que é o artigo árabe aglutinado à palavra: álcool, alfazema, alface, alcachofra, alfândega, algema, azeite, arroz; xarope, tarefa, tarifa, algarismo, enxaqueca. Ego Gonsaluus Petri presbyter notauit. • Ibérica: Baía, balsa, barro, bezerro, cama, esquerdo, garra, manto, sapo. Grafia: - confusão entre u e v: Eluira = Elvira; - a semivogal i é grafada com y: offeyro = ofereço; - crase: com a dobrado e acento grave: áás = às; - representação fonética: Sanchis = Sanches. • Céltica: Bico, cabana, caminho, camisa, carpinteiro, carro, cerveja, duna, gato, gordo, lança, peça. • Grega: Bolsa, cara, corda, calma, anjo, bispo, bíblia. • Germânica: Agasalho, barão, banco, banho, brasa, guerra, lata, roupa, sopa. A Reconquista Até mais ou menos o ano 1000, os árabes dominam a península. Os árabes (muçulmanos) e os cristãos vão se enfrentar em inúmeras batalhas, até que aqueles sejam vencidos e expulsos por estes. É o período chamado Reconquista, que só termina efetivamente com a tomada do reino de Granada pelos reis católicos (1492). Mas é no século XII que nasce o reino independente de Portugal. (apud LEITE DE VASCONCELOS. Os Textos Arcaicos. 14-15) Observe: Tanto a invocação quanto o desfecho é ainda em latim. Auto de Partilha (1192) In Christi nomine amen. Hec est notitia de partiçon, e de devison, que fazemos entre nos dos erdamentus, e dus Coutos, e das Onrras, e dous Padruadigos das Eygreygas, que forum de nosso padre, e de nossa madre, en esta maneira: que Rodrigo Sanches ficar por sa partiçon na quinta do Couto de Viiturio, e na quinta do Padroadigo dessa Eygreyga en todolos us herdamentus do Couto, e de fora do Couto: Vasco Sanchiz ficar por sa partiçon na Onrra Dulveira, e no Padroadigo dessa Eygreyga, en todolos herdamentos Dolveira, e en nu casal de Carapezus de Vluar, e en noutro casal en Agiar, que chamam Quintaa: Meen Sanchiz ficar por sa partiçon na Onrra da Carapezus, e nus outros herdamentos , e nas duas partes do Padroadigo dessa Eygreyga; e no Padroadigo da Eygreyga de Treysemil, e na Onrra e no herdamento de Darguiffe, e no herdamento de Lavorados, e no Padroadigo dessa Eygreyga; Elvira Sanchez ficar por sa partiçon nos herdamentos de Centegaus, e nas três quartas do Padroadigo dessa Eygreyga, e no herdamento de Treyxemil, assi us das sestas, como noutro herdamento. Estas partições, e divisões fazemos antre nos, que vallam por em secula seculorum amen. Facta Karta mensse Marcii, Era MCCXXX. Vaasco Suariz testis – Vermuu Ordoniz testis – Meen Fanrripas testis – Gunsalvu Vermuiz testis – Gil Dias testis – Dom Minon testis – Martim Pariz testis – Dom Minon testis – Martim Periz testis – Dom Stephani Suariz testis – Ego Johanes Menendi Presbiter notavit. (apud RIBEIRO, João Pedro. Dissertações Cronológicas e Críticas. vol. I, pp. 284-285). Os textos acima são considerados os primeiros escritos em língua portuguesa. Na verdade, são traduções feitas do latim para o galego-português quase cem anos depois, já no final do século XIII (TEYSSIER, 2001: 126). Os primeiros textos escritos em galego-português são Notícia de Torto (1214-1216) e o Testamento de D. Afonso II, datado com segurança (1214). O primeiro é reproduzido a seguir: Notícia de Torto ... E d’auer que ouerũ de seu pater nu [n] qua li ĩde derũ parte. Deo Dũ Gõcauo a Laurẽco Fernãdiz e Martĩ Gõcaluiz XII casaes por arras de sua auóó, e filarũ-li illos inde VI casales cũ torto. E podedes saber como mando Dũ Gõcauo a sua morte: e XVI casales de Veracin que fructarũ e que li nunqua ide derũ quinnõs; e de VII e médio casaes antre Goina e Bastuzio unde li nunqua derũ quinõ; e de tres ĩ Tefuosa unde li nunqua ar derũ nada; e Ilos ĩ Figeerecdo unnde nũqua li derũ quinõ; e Ilos ĩ Tamal ũde li ñ ar derũ quinõ; e da senara de Coina ũde li ñ ar derũ quinõ; e de uno casal de Coina que leuarũ ĩde III anos o fructo cũ torto. E por istes tortos que li fecerũ tem qua seu plazo quebrãtado, e qua li o deuẽ por sanar... (apud LEITE DE VANCONCELOS. Os Textos Arcaicos. pp. 15-16.) Na mesma época, a poesia lírica da península também se manifesta através do galego-português. É a poesia trovadoresca, compilada nos Cancioneiros. Eram cantigas de amor (em que o homem expressa a sua “coita” de amor), cantigas de amigo (a voz é feminina) e as cantigas de escárnio e maldizer (poesia de cunho satírico). Muitas palavras de origem provençal entram para a língua nessa época: alegre, anel, jogral, rouxinol, viagem. A seguir, exemplos da poesia trovadoresca. Para entendê-las melhor, faça a leitura consultando o vocabulário e as informações que vêm após. No primeiro exemplo, a palavra amigo deve ser entendida como amado. Observe, entre outras, as formas verbais vejades, possades, vivede, dos verbos ver, poder e viver. Cantiga D’Amigo (D. Dinis) - Non poss’eu, meu amigo, com vossa soidade1 viver, bem vo-lo digo, e por esto morade2, amigo, u mi possades3 falar e me vejades. Non poss’, u vos non vejo, viver, bem o creede4, tan muito5 vos desejo, e por esto6 vivede, amigo, u mi possades falar e me vejades. Naci em forte ponto7: e, amigo, partide o meu gran mal sen conto, e por esto guaride8, amigo, u mi possades falar e mi vejades. - Guarrei9, ben o creades, senhor, u me mandades10. soidade: saudade. Leia-se soi-i-da-de. morade: moral. 3 u mi possades: onde me possais. 4 creede: crede. 5 tan muito: tanto. Compare-se com o inglês so much. 6 esto: isto 7 em forte ponto: em má hora, em dia aziago. 8 guaride: guari (= “morai”). 9 Guarrei: Guarirei (= “morarei”). 10 mandades: mandais. 1 2 (apud LINS, Álvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Roteiro Literário do Brasil e de Portugal. Rio, 1955, página 12) Na cantiga de amor a seguir a palavra senhor (senhora) ainda era uniforme, isto é, servia para o gênero masculino e para o gênero feminino. Note também a forma como o minha era representado: mha. Val significa vale; ledo significa feliz, alegre. Cantiga D’Amor (Paio Soares de Taveirós) Como morreu quen nunca ben ouve da ren que mais amou1 e quen viu quanto receou d’ela e foi morto por en2, Ay, mha senhor3, assi moyr’eu!4 Como morreu quen foy amar5 quen lhe nunca quis bem fazer6, e de que[n] lhe fez Deos ueer7 de que foy morto com pesar8, Ay, mha senhor, assi moyr’eu! 15 16 16 Com’ome que ensadeçeu, senhor, co gran pesar que uiu, e nõ foy ledo, nen dormiu depois, mha senhor, assi moyr’eu! Como morreu quen amou tal dona que lhe nunca fez bem e quen a uiu leuar a quen a nõ ualia, nen a ual, Ay, mha senhor, assi moyr’eu! (apud LINS, Álvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Roteiro Literário Do Brasil e de Portugal. Rio, 1955, página 16). Como morreu quen nunca bem / ouve da ren que mais amou: como morreu aquele que nunca obteve o bem-querer da pessoa a quem mais amou. Ren (forma alterada do acusativo rem, de res) = “coisa” e também “pessoa”. Neste último sentido, que é o da palavra no trecho acima, empregou-a, por exemplo, Camões: “Transforma-se o amador na cousa amada”. É de uso atual e corrente a palavra objeto na mesma acepção: objeto amado (= “pessoa amada”). 1 2 por en: por isso. mha senhor: minha senhora, minha amada. Os substantivos em -or eram, em geral, invariáveis em gênero na língua antiga. Entretanto, da forma senhora, como observa Augusto Magne (A Demanda do Santo Graal, III, 365), há exemplos, embora raros raros, nos próprios cancioneiros. 3 moyr’eu: moiro eu, morro eu. Moiro ou mouro, moira ou moura: formas que sobrevivem um pouco ao período arcaico da língua: “Mas moura enfim nas mãos das brutas gentes” (Camões, Os Lusíadas). 4 quen foy amar: quem se aventurou a amar. Observase ainda hoje esse emprego, talvez sobretudo na linguagem popular: Ele foi insultar o outro, e saiu-se mal. 5 6 ben fazer: fazer bem (= “querer bem, amar”). ueer = veer: ver. Vedere > veer > ver. Quanto ao u pelo v, note-se adiante, também, uiu, leuar, ualia, ual. 7 de que foy morto com pesar: Neste verso, subentenda-se antes do de a palavra cousa. 8 No exemplo abaixo, trobar significa cantar. Cantiga de Escárnio e Maldizer Ai dona fea! fostes-vos queixar porque vos nunca louv’ en meu trobar mais ora1 quero fazer un cantar en que vos loarei tôda via2 e vêdes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia3! Ai dona fea! se Deus me perdon! e pois havedes tan gran coraçon que vos eu loe en esta razon, vos quero já loar tôda via; e vêdes qual será a loaçon4: dona fea, velha e sandia! Dona fea, nunca vos eu loei en meu trobar, pero muito trobei; mais ora já un bon cantar farei en que vos loarei tôda via; e direi-vos como vos loarei: dona fea, velha e sandia! 1 – mas agora 2 – sempre, inteiramente 3 – louca 4 – louvor (SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa: era medieval. p.56) Exercícios de Auto-avaliação (sobre a Cantiga de Escárnio) Observação: Antes de fazer o exercício a seguir, leia, com atenção, na Unidade II, a parte sobre Metaplasmos. 1. Na passagem de fea para feia que metaplasmo ocorre? 2. Ha mais dois casos na mesma estrofe. Indique-os. 3. Se (primeiro verso da segunda estrofe) equivale a que conjunção? 4. Havedes > haveis (segundo verso, segunda estrofe) é um metaplasmo chamado: __________________. 5. Na terceira estrofe, a posição do pronome não é comum atualmente. Aponte os casos e indique a ordem atual. Os Novos Rumos da Língua A escola literária galego-portuguesa, da qual os poemas acima fazem parte, termina por volta de 1350. Separados politicamente Portugal e Galícia, a língua começa a traçar trajetórias diferenciadas. O deslocamento do centro de poder do Norte para o Sul, ora Lisboa, ora Coimbra, também contribuiu para fixar a norma da língua que conhecemos hoje. 1.3 - Características do Português Arcaico • Vocabulário Mudança na forma das palavras fremosa (formosa) e também no sentido – fazenda (façanha). • Fonética Hiatos que se transformam em crase: maa > má; seer > ser; e ditongo: meo > meio; feo > feio. • Morfologia Nomes terminados em -nte, -or, -ês eram uniformes: a infante, mha senhor, lingoa português; Flexionavam no plural: ourives: ouriveses; simples: simpleses; Gênero diferente: fim, planeta, mar, cometa (femininos); tribo, coragem, linguagem (masculinos); Particípio passado em UDO: perdudo, conhoçudo, escondudo (permanece em conteúdo). • Sintaxe Pronome reto em função de objeto: “E o senhor disse que enforcariam ell”(Coutinho, 1971); Verbos de movimento seguidos de EM: “Veerom da Gallia Gótica em Espanha.”(idem, ibidem); Pleonasmos: “oje em este dia”, boas bondades; Períodos muito extensos; Pontuação escassa; Colocação mais livre de palavras na frase; Predomínio da ordem inversa. O texto a seguir é um perfil do rei D. Pedro, filho de D. Afonso. É de natureza histórica, mas devido à maestria como foi produzido, passou a ser considerado um documento de valor literário. Fernão Lopes, narra/descreve a vida do rei imprimindo vivacidade ao relato. Retrato de D. Pedro Êste Rei D. Pedro era muito gago, e foi sempre grande caçador e monteiro1, em sendo infante e depois que foi rei, trazendo grande casa2 de caçadores e moços de monte, e de aves, e cães, de tôdas as maneiras que para tais jogos eram pertencentes3. Êle era muito viandeiro4, sem ser comedor mais que outro homem; que suas salas5 eram de praça6 em todos os lugares por onde andava, fartas de vianda, em grande abastança. Êle foi grande criador7 de fidalgos de linhagem, porque naquele tempo não se costumava ser “vassalo”, senão filho, e neto, ou bisneto de fidalgo de linhagem; e por usança haviam então a quantia que ora chamam maravedis8, dar-se no berço, logo que o filho do fidalgo nascia, e a outro nenhum não. Êste Rei acrescentou muito nas quantias dos fidalgos, depois da morte de el-Rei seu padre; ca, não embargando9 que el-Rei D. Afonso fôsse comprido de ardimento10 e muitas bondades, tachavam-no, porém, de ser escasso, e de apertamento de grandeza11. E el-Rei D. Pedro era em dar mui ledo; e tanto, que muitas vêzes dizia que lhe afrouxassem a cinta, que então usavam não mui apertada, para que se lhe alargasse o corpo, para mais espaçosamente poder dar, dizendo que o dia que o rei não dava, não devia ser havido por rei. Era ainda de bom desembargo12 aos que lhe requeriam bem e mercê; e tal ordenança tinha nisto, que nenhum era detido e sua casa por cousa que lhe requeresse. Amava muito fazer justiça com direito. E, assim como quem faz correição13, andava pelo Reino; e, visitada uma parte, não lhe esquecia de ir ver a outra; em guisa que poucas vêzes acabava um mês em cada lugar da estada. Foi muito mantenedor de suas leis, e grande executor das sentenças julgadas; e trabalhava-se14 quanto podia das gentes não serem gastadas15 por azo16 de demandas e prolongados pleitos. E se a Escritura17 afirma que, por o Rei não fazer justiça, vêm as tempestades e tribulações. - monteiro: caçador de monte - grande casa: grande quantidade 3 - pertencentes: próprios 4 - viandeiro: apreciador de carnes 5 - salas: banquetes 6 - de praça: franqueados a todos 7 - criador: protetor 8 - maravedis: soldo dado pelos reis aos fidalgos que o serviam 9 - não embargando: não obstante 10 - comprido de ardimento: bem dotado de coragem, de intrepidez 11 - apertamento de grandeza: mesquinhez 12 - de bom desembargo: rápido, expedito no despacho 13 - correição: visita do corregedor à comarca, para emendar os danos e fazer justiça 1 2 17 - trabalhava-se: esforçava-se - gastadas: prejudicadas 16 - por azo: por causa 14 18 15 - Escritura: Bíblia 17 (SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa I – era medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.) Exercícios de Auto-avaliação 1. A abordagem histórica da época girava em torno de um reinado: o rei era a figura central, a partir da qual os fatos eram descritos, a chamada abordagem regiocêntrica. Indique, no texto, pistas dessa abordagem. 2. A maioria das palavras numeradas e depois definidas é de arcaísmos ou palavras que assumiram outros significados. As definições são tiradas de um livro de mais ou menos 40 anos atrás e já não são tão precisas para traduzir os seus significados atuais. Escreva, ao lado de cada definição, a palavra que você usaria para defini-la. Salas (5) banquetes -___________________. De praça (6) – franqueada a todos - ________________. Criador (7) – protetor - ___________________. Maravedis (8) – soldo dado pelos reis aos fidalgos que o serviam - __ _________________. Não embargando (9) – não obstante - ________________. Comprido de ardimento - bem dotado de coragem - ___________. Apertamento de grandeza (11) – mesquinhez - ______________. Bom desembargo (12) – rápido, expedito no despacho - ____________. 3. Observe o uso do verbo haver no último parágrafo e dê a acepção com que foi utilizado: Houve amigas -_________________. Houve filhos - ________________. Houve nome - ________________. 4. Para a interpretação de um texto, é preciso estar atento ao contexto histórico e cultural da época, pois isso evita conclusões equivocadas. Observe, no quarto parágrafo, o emprego do verbo “dar”, que no sentido vulgar atual, levaria a uma interpretação desastrosa. Que palavra ou expressão você usaria para evitá-la? 5. No sexto parágrafo, que palavra pode substituir direito? 6. Indique um equivalente atual para “gentes” (sétimo parágrafo). 7. No último parágrafo, dormiu e pariu, hoje, seriam substituídas porque a natureza formal do texto o exige. Que termos você usaria? Dormiu Pariu 8. Reescreva o trecho a seguir, tendo em vista a sintaxe e o padrão atual: “E mandou-o el-Rei criar, enquanto foi pequeno, a Lourenço Martins da Praça, um dos honrados cidadãos dessa cidade, que morava junto com a igreja catedral, onde chamam a Praça dos Canos; e depois o deu, que o criasse, a D. Nuno Freire de Andrade, Mestre da Cavalaria e da Ordem de Cristo.” O trecho a seguir faz parte da crônica acima, embora seja reprodução de uma edição crítica, em que se respeita a grafia original, na época, vacilante, imprecisa, confusa. Observe: Vijnda = vinda Sahiu = saiu Arreçeber = a receber (a recebê-los) Maão = mão Contreelle = contra ele Quamdo = quando Amdavom = andavam Nenhuum = nenhum Çebola = cebola Himdo = indo Algumas palavras sofreram as transformações conhecidas como metaplasmos: Tragidos = trazidos: sonorização Alvoro = Álvaro: assimilação (regressiva) Feas = feias: epêntese Rostro = rosto: dissimilação De como foram mortos Álvaro Gonçalves e Pero Coelho A Purtugal22 forom23 tragidos24 Alvoro25 Gomçallvez e Pero Coelho, e chegarom a Samtarem omde elRei Dom Pedro era 26, e el Rei com prazer de sua vijinda, porem mal magoado por que Diego Lopez fugira, os sahiu fora arreçeber27, e sanha cruel sem piedade lhos fez per sua maão meter a tormento28, queremdo que lhe confessassem quaaes forom na morte de Dona Enes culpados, e que era o que seu padre trautava contreelle, quamdo amdavom29 desavijndos por aazo da morte della; e nenhuum delles respomdeo a taaes preguntas cousa que a elRei prouvesse; e elRei com queixume dizem que deu huum açoute no rostro30 a Pero Coelho, e elle se soltou emtom comtra elRei em desonestas e feas pallavras, chamamdo-lhe treedor31, fé periuro, algoz e carneçeiro32 dos homeens; e elRei dizemdo que lhe trouxessem çebolla pêra o coelho, emfadousse delles e mandouhos matar. A maneira de sua morte, seemdo dita pello meudo, seria muj estranha e crua de comtar, ca mandou tirar o coraçom pellos peitos a Pero Coelho, e a Álvoro Gomçallvez pellas espadoas; e quaaes palavras ouve, e aquel que lho tirava que tal officio avia pouco em costume, seeria bem doorida cousa douvir, emfim mandouhos queimar; e todo33 feito ante os paaços omde el pousava, de guisa que comendo oolhava quamto mandava fazer. Muito perdeo elRei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi avudo34 em Purtugal e em Castella por muj grande mal, dizemdo todollos boons que o ouviam, que os Reis erravom muj muito35 himdo comtra suas verdades, pois que estes cavalleiros estavom sobre segurança acoutados em seus reinos. (LUIS, Alvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Antologia – Roteiro Literário de Brasil e de Portugal. Rio, 1943, cap. XXI, pp. 84-85) Purtugal: Portugal forom: foram. A desinência verbal om (=”am”), do português antigo, acusa-se ainda hoje na pronúncia popular: eles fôro, dissero, fizero, etc., forma em que apenas se verificou a desnasalização. V. nota 29. 24 tragidos: trazidos. 25 Alvoro: Álvaro. Caso de assimilação regressiva. 26 era: estava. os sahiu fora arreçeber: saiu fora a recebê-los. Observar, além da colocação do pronome, a energia do pleonasmo saiu fora. 28 tromento: tormento. Matátese ainda hoje observada na pronúncia popular. 29 amdavam: andavam. Na pronúncia do povo esta última forma é a que persiste, desnasalada – andava –, no plural como no singular. 30 rostro (do lat. rostru-): rosto. Esta última forma constitui um caso de dissimilação eliminatória. 31 treedor: traidor 32 carneçeiro: carniceiro. 33 todo: tudo isso 34 avudo: havido, tido. Os verbos em –er tinham outrora o part. Em –udo ou –eúdo: havudo, sabudo, temudo, teúdo. Desse velho uso ficou a expressão teúda e manteúda, e o adj. manteúdo, usado em regiões do Brasil em relação ao cavalo forte, de boa aparência. 35 muj [mui] muito: muitíssimo 27 Exemplo de lirismo, o poema a seguir é de uma fase posterior ao Trovadorismo. É a época em que a poesia se dissocia da música, o trovador dá lugar ao poeta, e a poesia adquire maior musicalidade e ritmo. Cantiga Sua Partindo-se (João Ruiz de Castelo Branco) Senhora, partem tão tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tão tristes vistes, outros nenhuns por ninguém. Tão tristes, tão saudosos, tão doentes da partida, tão cansados, tão chorosos, da morte mais desejosos em mil vezes que da vida. 22 23 Partem tão tristes os tristes, tão fora d’esperar bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém. (SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa I – era medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971, p. 128) 19 20 Exercício de Auto-avaliação 1. A palavra olhos só ocorre uma vez. Já os termos que se referem ao estado do poeta se repetem, intensificando o que ele sente. Indique o local das elipses (supressões) de olhos: Conforme exposto acima, o português se separou do galego ainda na Idade Média. Até o século XIX, o galego foi apenas uma língua falada. A partir daí, foi codificada em gramáticas e atualmente é não só a língua oficial da Galícia como também a língua oficial do ensino. A língua galega, além de veículo da cultura, é também possuidora de uma rica literatura contemporânea e não perdeu os vínculos com a nossa língua, pois há o Núcleo de Estudos Galegos, da UFF (Universidade Federal Fluminense), responsável pelo intercâmbio entre as duas línguas. A título de ilustração, segue uma passagem escrita em galego atual. Descontadas as diferenças de natureza ortográfica: x pelo j: xa (primeira linha), resultado do ensurdecimento: /j/ (sonora) passa a /x/ (surda), a pontuação e a acentuação, o galego e o português atualmente guardam entre si uma incrível semelhança: O artifício da morte na versión erótica do amor cortés A Función de Sublimación. Xá nos referimos é función de sublimación do amor Cortés, pero gustaríanos deternos nesta noción inaugurada por Freud e retomada por Lacan. Para Freud a sublimación é unha forma de satisfacción das pulsións parciais sem haber represión, porque se dá un desvío no circuíto pulsional em canto ó seu ranço. ¿Como se compreende isto? Para Lacan trátase de dúas cousas: primeira, nom se debe confundi-la noción de branco coa de sublimación. Se Freud nos ensinou que non pode Haber represión sen retorno do reprimido, cabe indagar aquí de que represión se trata. Para darse conta da sublimación, o que entra en escena non son as represións secundárias, ata porque estas xa son efectos dunha Represión Orixinal. É a entrada do significante na vida o que promova a acción da primeira represión. Alá, nun anaco de carne viva, onde se presupón unha substancia goante, algunha cousa deste gozo é arrancada para que o significante se instale. Alá, onde nada había, pasa a existir algunha cousa. E a primeira represión incide xustamente sobre este nada. É este baleiro o que insiste no retorno do reprimido e que de novo será reprimido para ser esquecido. Cando un suxeito se identifica imaxinariamente cun obxecto, idealizándoo, o que é reprimido é xustamente este baleiro que só pode comparecer baixo a forma de falta simbólica. Desta idealización brota unha paixón que eleva o obxecto á categoría de Ben. Noi hai amor-paixón sen a ilusión fálica de encontro coa Felicidade. Na sublimación non se dá a represión deste nada que antecede – o aparecemento de toda vida, xa que el reaparece baixo a forma dun baleiro que ten que ser contornado. É nese sentido no que se fala de sublimación do amor cortés. A Dama, en canto obxecto imposible, é elevada á categoría de sublime para ser nomeada polo significante co valor de Cousa (Das Ding). Só pola via do significante é como se pode nomear, non o que falta, senón a existencia da propia falta. Se a través da palabra se apunta a unha falta sen poder significala, logo, entre a nomeación e a aparición do ebxecto instaurase unha separación. A Cousa como significante é efecto da existencia da linguaxe e a Cousa como obxecto pertence ó rexistro do real e, como tal, está máis alá da linguaxe. A sublimación non ten outra función que permitir ó home referirse à Cousa, isto é, colocalo entre o real e o significante. O que permanece no centro deste intervalo é un vacio. O obxecto amado no amor cortés, ó contrario do romantismo, non é abordado para o casamento, senón para situar un desexo ó nivel da mirada da Cousa. Por isto Lacan di que a Cousa pola súa estructura só pode ser representada por Outra Xousa. A Outra Coua é a Cousa. A Cousa non se busca, atópase, pero está claro, dinos Lacan, no Seminario VII, esta busca só pode ser feita polas vías do significante, cando o home se volve un verdadeiro artesán do significante. Neste sentido, a Cousa é a Dama que os poetas atoparon para trobar. (Actas da II Xornadas. UFF de Cultura Galega) UNIDADE II 21 FONÉTICA HISTÓRICA A língua sofre mudanças contínuas, embora seja difícil observá-las. É um paradoxo – nós modificamos a língua, mas não percebemos as modificações. Todavia, quando observamos um período da língua bem distante no tempo, as mudanças ficam patentes. Fonética Histórica Tem por objetivo levantar, analisar e classificar todas as mudanças observadas na pronúncia das palavras, tomando por base duas ou mais épocas distanciadas no tempo. As transformações mais visíveis são de natureza fonética, morfológica, sintática e semântica e, entre essas, as mais estudadas são as fonéticas. As mudanças se distribuem entre aquelas de natureza vocálica (vocalismo) e as de natureza consonantal (consonantismo). 2.1 - Vocalismo O português herdou do latim as vogais a, é, ê, i, ó, ô, u. Ditongos – do latim para o português: ae pretônico > i: aequale > igual ae tônico > e: caelu > céu oe > ê: foedu > feo > feio au > ou: auru > ouro Ditongos românicos: ai > ei (lacte) - laite > leite au > ou (pauco) - pouco ui > u (fructu) – fruito > fruto Hiatos A tendência à eliminação de hiatos é uma característica que o português herdou do latim vulgar. Pode ser: 1. Transformação de vogal que forma hiato em semivogal, depois, em som palatal: vinea > vinia > vinha. 2. Ditongação (epêntese do i): cea > ceia. 3.Crase: dolore > dolor > door > dor. 2.2 - Consonantismo As mudanças ou alterações que se observam nos fonemas consonantais podem ser no início, no meio ou no final das palavras. Tais mudanças podem ser de trocas de fonemas, acréscimo, supressão ou mudança de sílaba. Ex.: citu > cedo mediu > meio mare > mar Todos os casos de alterações vocálicas e consonantais serão detalhados na seção sobre metaplasmos. 2.3 - Leis Fonéticas Algumas transformações estão sujeitas a certos princípios regulares em dada época e sob determinadas situações. Entre eles, os mais comuns são as chamadas Leis Fonéticas, que são: 1. Lei do Menor Esforço – tendência a simplificar, reduzir e facilitar a pronúncia de certos fonemas: dolore > door > dor; 2. Lei da Persistência da Consoante Inicial – talvez, por ser melhor percebida por estar no início: persona > pessoa > pessoa; 3. Lei da Persistência da Sílaba Tônica – a sílaba tônica, por ser a de maior relevo, é poupada das transformações: legale > leal. As leis acima não são aplicáveis a todos os casos, não são absolutas, pois algumas palavras sofrem transformações que contrariam, por exemplo, a Lei da Persistência da Sílaba Tônica. O caso a seguir é de deslocamento do acento tônico: mulíere > muliére > mulher Cáthedra > cathédra > cadeira 22 2.4 - Metaplasmos Em sua evolução histórica, as palavras podem sofrer transformações que recebem o nome genérico de metaplasmos. Dividem-se em: 1. Metaplasmos por Permuta troca de um fonema por outro: 1.1. Sonorização – substituição de um fonema surdo por um sonoro homorgânico: 1.3. Consonantização – fonema vocálico passa a consonantal: i e u transformam-se, respectivamente, em j e v: ieiunu > jejum uagare > vagar 1.4. Assimilação – substituição por um fonema igual ou semelhante ao que o segue ou ao que o antecede: inregular > irregular. A assimilação é: Vocálica – quando o fonema assimilado é uma vogal: Novac(u)la > navalha Consonantal: quando o fonema assimilado é uma consoante: Persona > pessoa > pessoa Pode ser: 1.4.l. Total – quando o fonema assimilado é igual ao assimilador: Saeta > seeta > seta p > b: lupu > lobo t > d: citu > cedo c > g: acutu > agudo f > v: profectu > proveito 1.2.Vocalização – substituição de um fonema consonantal por um vocálico: as consoantes b, c, l, n, p, do grupos bs, ct, lc, lp, gn, pt passam a i ou u em português: 1.4.4. Regressiva – o fonema assimilador vem depois do assimilado: persicu > pêssego 1.5. Dissimilação – queda ou transformação de um fonema quando já existe fonema igual ou semelhante na palavra: calamellu > caramelo (transformação); cribru > crivo (queda) A dissimilação ocorre com vogal: temoroso > temeroso ou com consoante: raru > ralo. Ela é: 1.5.1. Progressiva – o fonema dissimilador vem antes do dissimilado: prora > proa 1.5.2. Regressiva – o fonema dissimilador vem depois do dissimilado: horologiu > rologio > relógio 1.4.2. Parcial – quando há semelhança entre fonema assimilado e assimilador: tauru > touro 1.6. Nasalização – transformação de um fonema oral em nasal: mihi > mim sic > si > sim 1.4.3. Progressiva – o fonema assimilador vem antes do assimilado: nostru > nosto > nosso 1.7. Desnasalização – transformação de um fonema nasal em oral: luna > lua 1.8. Apofonia – troca de uma vogal por outra, na sílaba inicial de uma palavra, quando um sufixo é acrescentado: in + amigo = inimigo per + factum = perfeito 3.3. Haplologia – supressão de uma sílaba por haver outra igual ou uma semelhante: semimínima > semínima bondadoso > bondoso 1.9. Metafonia – modificação do som de uma vogal por influência exercida por outra: tepidu > tíbio debita > dívida 3.4. Apócope – queda de um fonema no fim da palavra: servum > servo regale > real 2. Metaplasmos por Aumento 2.1. Prótese – acréscimo de fonema no início da palavra: stare > estar nanu > anão 2.2. Epêntese – aumento de fonema no interior da palavra: area > areia stella > estrela 2.3. Paragoge – aumento de fonema no final da palavra: ante > antes 2.4. Anaptixe (ou suarabácti) – desmonte de um grupo consonantal pela interposição de uma vogal: blatta > barata 3. Metaplasmos por Subtração 3.1. Aférese – perda de fonema no início da palavra: Episcopu > bispo 3.2. Síncope – perda de fonema no interior da palavra – médio > meio. Exercícios de Auto-avaliação 1. Identifique os metaplasmos abaixo: 1.1- persona > pessoa > pessoa 1.2- spiritu > espírito 1.3- masto > mastro 1.4- aratru > arado 1.5- Hieronymu > Jerônimo 1.6- Silvana > Silivana 1.7- octo > oito 1.8- attonitu > tonto 1.9- in + barba > imberbe 3.5. Crase – fusão de dois fonemas vocálicos iguais e contíguos: videre > veer > ver pede > pee > pé 3.6. Sinalefa – queda de um fonema no fim de uma palavra quando ela se junta a outra: de + este = deste 4. Metaplasmos por Transformação Deslocamento de um fonema ou acento tônico de uma sílaba para outra. Pode ser: 4.1. Metátese – deslocamento de fonema: pro > por; inter > entre. 4.2. Hiperbibasmo – deslocamento de acento tônico de uma sílaba para outra. Pode ser: 4.2.1. Sístole – deslocamento para a sílaba anterior: pantánu > pântano 4.2.2. Diástole – deslocamento do acento tônico para a sílaba posterior: júdice > juiz íntegru > intégru > inteiro 23 23 24 1.10- veritate > verdade 1.11- idodolatria > idolatria 1.12- feci > fiz 1.13- ipse > isse > esse 1.14- amare > amar 1.15- colore > coor > cor 1.16- mac(u)la > mancha 1.17- de + intro > dentro 1.18- semper > sempre 1.19- benção > bênção 1.20- mulíere > mulher UNIDADE III 25 A LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DO SÉCULO XVI 3.1 - Considerações A partir do século XVI, o português vai adquirindo uma feição mais previsível, regular, menos sujeita a flutuações. Vários fatores contribuíram. O Renascimento, que trouxe uma atitude mais lógica em relação à língua: predomínio da subordinação, no lugar da coordenação. Também o resgate etimológico de palavras e a retomada da cultura clássica greco-romana vieram influenciar a língua, particularmente a escrita: aconselhou, na terceira pediu. Na primeira ofereceu: Dic ut lapides isti panes fiant, que fisesse das pedras pão. Na segunda aconselhou: Mitte te deorsum: que se deitasse daquela torre abaixo. Na terceira pediu: Sicadens adoraveris me, que caído o adorasse. Vede que ofertas, vede que conselhos, vede que petições! Oferece pedras, aconselha precipícios, pede caídas. E com isso ser assim, estas são as ofertas que nós aceitamos, estes os conselhos que seguimos, estas as petições que concedemos. A publicação de gramáticas veio referendar um desejo de codificar a língua numa modalidade de prestígio. Assim, a língua passa a ter um referencial a partir de regras fonético-fonológicas, sintáticas e morfológicas. De todas estas tentações do demônio escolhi só uma para tratar, porque para vencer e convencer três tentações é pouco tempo para hora. E quantas vezes para ser vencido delas basta um instante! A que escolhidas três, não foi a primeira, nem a segunda, senão a terceira e última; porque ela é a mais universal, ela é a mais poderosa, e ela é a mais própria desta terra em que estamos. Não debalde a reservou o demônio para o último encontro, como a lança de que mais se fiava; mas hoje lha havemos de quebrar nos olhos. A preocupação com a forma de representação gráfica que se observa nas ortografias que surgem na época completa, ao lado das gramáticas, a dupla responsável pela regulamentação da língua. O resgate etimológico de que falamos anteriormente é o que alguns autores denominam de latinização da língua. Como decorrência desse gosto da cultura clássica , nasce o desejo de disciplinar e aprimorar a língua portuguesa, numa tentativa de afeiçoá-la à mãe latina. Surgem assim as primeiras gramáticas e os primeiros dicionários (SPINA: 1987: 14). O sistema de impressão inventado por Gutemberg está na base dessas vitais iniciativas, isto é, as gramáticas e as ortografias, pois a crescente publicação de livros veio revelar uma língua escrita cheia de hesitações gramaticais na sintaxe, na concordância, na morfologia, na grafia. O público leitor, logicamente, cobrava uma escrita mais coerente e menos sujeita a surpresas. Todos os fatores citados acima contribuíram e fixaram uma língua escrita que vai prevalecer até os nossos dias, com poucas mudanças. A sintaxe portuguesa atingiu um ponto de maior rigor e precisão a partir do século XVI. Antes era frouxa, repetitiva e imprecisa. O texto a seguir é do Padre Antonio Vieira, século XVII. Note a cadência, a subdivisão em partes iguais (estrutura trimembre), a arquitetura da frase, o jogo de palavras. Sermão da Primeira Dominga da Quaresma Três foram as tentações, com que o demônio hoje acometeu a Cristo: na primeira ofereceu, na segunda (SPINA, S. – Padre A. Vieira) Spina (1987: 10) observa que “...debruçados na leitura dos modelos clássicos, sobretudo latinos, os escritores portugueses foram naturalmente levados a introduzir na língua inúmeros latinismos, aportuguesando as formas importadas e refazendo as formas arcaicas.” Sousa da Silveira (apud SPINA, 1987) cita exemplos extraídos de Os Lusíadas: - Gráficos: precepto (preceito) nunqua (nunca) - Fonéticos: defensa (defesa) insula (ilha) - Morfológicos: superlativos eruditos em –érrimo, ílimo: aspérrimo, humílimo. - Léxicos: flama (chama), procela, plaga, sumo, canoro, etéreo, áureo, lácteo, pudico, diáfano. A par de todas as mudanças operadas na língua, escritores do século XVI e XVII reproduziram em suas 26 obras a linguagem simples e viva da época. Foi o caso de Gil Vicente e o próprio Camões, entre outros. É uma linguagem que refletia a fala popular, conhecida pelos seus arcaísmos, que são maioria nos exemplos a seguir: O texto a seguir é para você ler e fazer uma reflexão a respeito da língua, tendo em vista que a língua está em constante transformação e muitos dos casos que as gramáticas históricas dão como fatos passados continuam a acontecer nos dias de hoje. - Fonéticos: crecer, nacer, fuito, geolho, giolho, honrrado, marteiro. Texto Complementar - Fonético-morfológicos: sento (sinto), dezia, vevia, vistida, poer. - Morfológicos: praneta, guia, fim (femininos); aqueste, aquesta, aquisto (este, esta, isto). - Sintáticos: emprego do indefinido homem com o valor de “uma pessoa”: “...ou por segredos que homem não conhece”. - Léxicos: asinha (depressa), ca (porque), samicas (talvez). A partir do Século XVI, o contato com outros povos, devido às descobertas marítimas, vai acrescentar novas contribuições ao léxico português. Palavras de origem asiática: • Chinês: chá, tufão. • Japonês: biombo, quimono, samurai. • Sânscrito: açúcar, gengibre. Gramática Histórica: O Passado no Presente Antonio Carlos Siqueira de Andrade A lingüística sincrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são percebidos pela consciência coletiva. A lingüística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que substituem uns aos outros sem formar sistema entre si (Saussure, 1995: 116). Desde Saussure, esses estudos ganharam autonomia e constituíram partes estanques do estudo da língua. Não há, portanto, como confundi-los. E o estudioso iniciante que consultar gramáticas históricas pode chegar à conclusão de que todos os casos de alterações fonéticas, entre outras, são fatos gramaticais confinados a uma dada época passada, uma mudança acabada e que não se repete na atualidade. Mais certeza terá se consultar as gramáticas dedicadas à sincronia da língua: nelas nada encontrará a respeito, o que só reforçará a sua convicção de que são mudanças gramaticais historicamente conclusas. • Francês: chapéu, maré, assembléia, bilhete, chefe, dama, jóia. Nos raríssimos casos em que se faz menção a um uso atual, o próprio contexto acaba por confundir o leitor/pesquisador. Seria essa a maneira de apresentação diacrônica um compromisso exclusivo com a gramática histórica; uma desatenção ou um esquecimento deliberado? • Inglês: bar, bife, futebol, clube, júri, lanche. A partir da Segunda Guerra Mundial, a quantidade de palavras acrescidas à língua é imensa, a maioria da área da ciência e da informática. Esse trabalho sugere que a gramática histórica e gramática sincrônica devem ter um ponto de intersecção por conta dos casos que são co-ocorrentes, sincrônica e diacronicamente. • Italiano: aquarela, camarim, cenário, maestro, serenata. Se as gramáticas atuais expõem um conteúdo normativo e um conteúdo descritivo, não há por que ignorar alguns fatos da língua presentes, atuais e legítimos e que caberiam perfeitamente na parte destinada à descrição da língua, porquanto autores de formação mais conservadora já estão admitindo a variação lingüística, seja diatópica, diastrática ou diafásica. O contato com os outros países europeus trouxe uma quantidade apreciável de palavras: • Espanhol: bolero, castanhola, quadrilha, cavalheiro, rebelde, tiracolo. Aqui no Brasil, as contribuições vieram das línguas africanas trazidas pelos escravos: Bangu, Guandu, muamba, batuque, moleque, macumba, marimbondo. E das línguas indígenas: Guanabara, Iracema, Ubirajara, gambá, jibóia, maracanã, piranha, sabiá. Os casos examinados são: metátese, ditongação/monotongação e assimilação. I – Metátese Silveira Bueno (1955) em seu livro A formação histórica da língua portuguesa conceitua metátese como a mudança de dois sons na mesma palavra, definição que não esclarece nada, apesar de os exemplos serem muito claros: fermoso > fremoso; satisfeito > sastifeito; prateleira > parteleira (p. 106) No livro Novo Manual de Língua Portuguesa, com os subtítulos Curso complementar e grammatica histórica, da Editora Alves, 1926, autoria não impressa, consta a seguinte explicação: Metathese – É a transposição de um phonema dentro da mesma syllaba: pro > por, preguntar = perguntar, purcissão = procissão, partelêra = prateleira. (p.43) Serafim da Silva Neto em Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil dá os exemplos largato e dromir na fala vulgar do brasileiro (1986: 27), embora seja um capítulo sobre as características da fala brasileira e não de transformações históricas em particular. Já à pág. 221 do seu História da Língua Portuguesa, o autor exemplifica com palude > padule e outros diacrônicos. II – Ditongo OU Said Ali observa que comparado aos ditongos ae, oe do latim clássico, o ditongo au teve mais vitalidade, embora havendo sempre a tendência, em certas regiões, de transformá-lo em ou e simplificá-lo em o, constituindo um caso de monotongação. Os exemplos: Latim auru-, Português ouro; latim pauco, português pouco. (op.cit., p.24) Machado (1967: 56) informa que o Latim Vulgar espalhou pela România o ditongo au. Mais tarde, na Hispânia e na Gália, passou para ou e depois o (au>ou>o). O português seguiu essa tendência e em seus dialetos meridionais diz-se tôro, moro. Nos territórios galécios não houve monotongação, mantendo-se o ou. Lausberg (1974: 146) diz que o ditongo latino au manteve-se em latim vulgar e em português passou a o (monotongação). Silveira Bueno (op.cit., p.80) ao falar do ditongo ou indica a sua origem românica, com transformação natural em taurum/touro; laurum/louro e já devia estar monotongado em o, como em castelhano e português popular do Brasil: tôro, lôro, ôro. Said Ali (1965: 46) assinala que em português antigo era freqüente a metátese de r, “procurando este som a contigüidade de outra consoante...”. Os exemplos: trocer (torcer), graganta (garganta) competra > compreta (completa). Na pág. 25, afirma que a metátese é responsável pela formação de ditongo: contrairo (contrariu) primeiro < primairo (primariu). Para Serafim da Silva Neto, o latim, depois da fase arcaica, ficou reduzido a três ditongos: au, ae e oe, o primeiro era o mais freqüente e, em certas regiões da Itália, com a sobreposição do latim aos falares itálicos, au se reduziu a o. Com a expansão romana, essa redução se espalhou pelo Império (Hist. Da L. Port., p.97). Coutinho (1971: 149), depois de afirmar que “Metátese é a transposição de fonema, que se pode verificar na mesma sílaba ou entre sílabas”, dá exemplos como semper > sempre, enter > entre, primariu > primairo > primeiro e outros, todos de mudanças já completadas em um ciclo histórico que começa no Latim. Coutinho (op.cit., p.109) confirma a passagem do Latim au para o Português ou: thesauru > tesouro, tauru > touro, auro > ouro; também a redução a o já se verificava na “língua da plebe”, na época do Império, passando igualmente para o português: oric(u)la por aurícula > orelha. Do texto de Silveira Bueno, os exemplos sastifeito e parteleira podem ser ouvidos hoje em variantes de pouco prestígio social. Portanto, todos os autores reconhecem a monotongação em época pretérita do português. Dos assuntos aqui analisados, a referência a ditongos foi a única encontrada nas gramáticas atuais (sincrônicas). As gramáticas utilizadas foram as de Cunha & Cintra, Bechara e Rocha Lima. Isso nos dá uma base de comparação. O mesmo ocorre com os exemplos do segundo livro citado: preguntar, purcissão, partelêra, do livro de Serafim da Silva Neto, largato e dromir; do livro de Said Ali, trocer e graganta. As gramáticas sincrônicas não deveriam ignorar essa realidade, mesmo que fosse através de suas preconceituosas classificações ou prescrições. Rocha Lima, ao discorrer sobre o assunto aqui focalizado (ditongo ou), limita-se a exemplificação: Ditongo ou: sou, estouro, besouro, ou seja, só admite o que preconiza a norma. Bechara também apresenta o ditongo /ow/ com exemplos: vou, roubo estouro (p. 68). A essa apresentação de cunho aparente descritivo, 27 28 acrescenta uma observação de caráter prescritivo mais adiante: os ditongos ai, ei, ou devem manter a sua integridade na pronúncia cultivada – sem exageros na pronúncia do i e u e sem omissão: caixa, queijo, ouro. É bom que se diga: essa observação consta da parte destinada à ortoepia (p. 78). Cunha e Cintra observam que na pronúncia normal de Portugal e Brasil já não aparece o ditongo [ow], que se mantém vivo em falares regionais do Norte de Portugal e no galego. Contudo, no português do Rio de Janeiro e de algumas regiões do Brasil o l final absoluto ou em final de sílaba se vocaliza, constituindo os ditongos [ow] gol, soltar e [ ⊃w] sol, molde. Sintetizando: Rocha Lima só admite o que a norma preconiza: a pronúncia ou. Bechara idem, embora admita a existência do monotongo na modalidade distensa. Cunha & Cintra são descritivos e coerentes, completando o assunto com uma valiosa contribuição: o caso do l que vai recuperar o ditongo ow / ⊃w. Assim, o caso do ditongo - monotongo é o único que gramáticas históricas e gramáticas sincrônicas apresentam, o que nos fornece uma conclusão: é um fato comum na língua, diacrônica ou sincronicamente. III – Assimilação No capítulo que trata das causas da dialetação do latim vulgar, Rodolfo Ilari (1992: 137) destina uma parte às mudanças fonéticas devidas ao entorno. Foram elas estudadas pelos neogramáticos sob o nome geral de Fonética Histórica e se explicam pelo ambiente em que figuram os sons no corpo da palavra e, por resultarem principalmente de fatores articulatórios, são mais ou menos espontâneas: em línguas e épocas muito diferentes, podemos encontrar mudanças fonéticas semelhantes. O caso mais freqüente é a assimilação (assemelhação). No Novo Manual de Língua Portuguesa (op. cit., p.37) a assimilação tem uma definição etimológica e abrangente: assimilação (de ad + similare); ou atração (de ad + thrahere); ou alliteração (de ad + littera); - é a substituição intravocabular de um som consonantal, mais raro vocal, por outro diferente e igual do som vizinho que assimilou, attraiu, identificou o primeiro. I - / -ps - / - um > i - / - ss- / - o I - / - n + r - / - egularis > i - / - rr - / - egular Lausberg é bem objetivo: assimilação é ajustamento de sons contíguos (op. cit., p.98). Para Coutinho (op. cit.; p. 143), “assimilação é aproximação ou perfeita identidade de dois fonemas, resultante da influência que um exerce sobre o outro”. Em todos os casos em que são divididas as espécies de assimilação, os exemplos são de formas latinas que sofreram o processo ao passar para o português. Nas definições acima, a preocupação parece ser a de relatar um processo de transformação concluído e característico da época remota, o que é comum nesse tipo de livro: são obras de caráter eminentemente diacrônico. De qualquer maneira, alguns dicionários de lingüística e gramática nada acrescentariam, pois o enfoque é o mesmo. A assimilação a ser tratada aqui, sincronicamente, tem suas origens documentadas por Menendez Pidal na região da Antiga Osca, na Itália; passou para o Espanhol e Português. Trata-se de mb > mm > m e nd > n (Machado, op. cit., p.59). A visão de Silveira Bueno (op. cit.) não coincide totalmente porque exclui o caso de mb a m: A assimilação de mb a mm e posterior simplificação das geminadas é fenômeno antes próprio do castelhano que do galego – português, pois, se podem citar exemplos: amos, ..., tamem, imora, por ambos. ..., tambem, embora. No Brasil, na fala rústica, é mais comum a assimilação do grupo nd a nn e posterior simplificação das geminadas: comeno, andano, dizeno, viveno por comendo, andando, dizendo, vivendo / quano por quando. Menendez Pidal oferece uns exemplos do latim: “a fronte amobus careat oculis”, em vez de ambobus (p. 87). Certamente o ilustre estudioso Silveira Bueno ficaria surpreso se casos de assimilação de mb a m e nd a n fossem constatados na fala de pessoas que não são “rústicas”, mas “letradas” para usar de um termo de sua época. Em 1990, o autor do presente trabalho (Andrade, 1991) analisou entrevistas orais com informantes de grau universitário gravadas em fita, oriundas do Projeto NURC (Norma Urbana Culta). Das seis entrevistas, a metade pertencia à elocução formal e a outra, à informal. Segue o resultado: 29 Assim, • A assimilação ocorre na linguagem utilizada pelos falantes cultos da língua portuguesa. • A assimilação ocorre com mais freqüência na elocução informal. • A velocidade de enunciação é fator determinante para que a assimilação ocorra. • A consoante oclusiva bilabial sonora /b/ é assimilada pela consoante de transição /m/, de também, que passa a ter realização plena como nasal bilabial sonora /m/. • A oclusiva linguodental sonora /d/ é assimilada pela consoante de transição /n/, que passa a ter realização plena como nasal linguodental sonora /d/. Preferimos acreditar que foi um descuido das gramáticas sincrônicas não terem acatado os casos de metátese e assimilação nas suas seções destinadas à descrição da língua, contemplando apenas o caso do ditongo/monotongo, pois seus autores atualmente têm uma visão mais nítida da diferença entre descrição e norma. Se os casos aqui estudados se repetem, é porque seguem tendências lingüísticas exclusivas da língua, ou seja, fatores estruturais que vão favorecer seu aparecimento. Por isso, a norma gramatical não teve força suficiente para mudar uma inclinação natural do falante de língua portuguesa. E as gramáticas históricas deveriam considerar os processos que se repetem na última fase de sua evolução, pois a história de uma língua é a soma de todos os seus estágios. O modo como as gramáticas sincrônicas e diacrônicas se apresentam na atualidade requer um esforço de leitura, de saber ler nas entrelinhas. Enfim, é uma aventura interessante a polarização de duas épocas, de duas concepções de estudo e da descoberta de fatos tão comuns a ambos os extremos. Nessa época da tecnologia, os estudos medievais despertam tanta paixão, o que é sensato do ponto de vista intelectual. Seria interessante que aqueles que se ocupam da descrição da língua começassem a construção de uma ponte entre o português medieval e o português moderno. 30 Bibliografia (Leitura Complementar) ANDRADE, Antonio Carlos S. Assimilação em falantes cultos. In: Revista de Letras, vol.1, nº 1. Rio de Janeiro: Ficab, 1991. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. BUENO, Francisco da Silveira. A formação histórica da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1955. CAMARA JR., J. Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1985. COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Padrão, 1971. CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. ILARI, Rodolfo. Lingüística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1974. LAUSBERG, Heinrich. Lingüística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1974. LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. MACHADO, José Pedro. Origens do Português. Lisboa: Sociedade de língua portuguesa, 1967. __________. Novo manual de língua portuguesa: gramática histórica. São Paulo: Alves, 1926. SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1965. SAUSSURE, Ferdinand de. Princípios de Lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1995. SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Presença, 1979. ___________. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Presença, 1986. 31 Se você: 1) 2) 3) 4) concluiu o estudo deste guia; participou dos encontros; fez contato com seu tutor; realizou as atividades previstas; Então, você está preparado para as avaliações. Parabéns! 32 Glossário Diacrônico – diz respeito à língua encarada como processo, sujeita a transformações imperativas ao longo do tempo. Latim vulgar – latim falado. Romanço – dialeto originado do latim vulgar. Sincrônico – é a perspectiva que entende a língua como um sistema. Substrato – marcas de hábitos lingüísticos anteriores na língua que passam a utilizar. Gabarito Unidade I • Página 16 1. Epêntese 2. Loarei e loar 3. Que 4. Vocalização 5. Nunca vos eu loei: nunca eu vos loei Direi-vos: vos direi • Página 18 1. Excetuando o antepenúltimo e o penúltimo parágrafos, todos os outros deixam claro quem é o tópico da narração: Este rei, Ele, Este rei, (Ele) era, (Ele) amava, (Ele) foi. 2. Sem gabarito, pois as respostas podem variar. 3. Houve amigas = teve Houve filhos = teve Houve nome = chamou-se, se chamou. 4. Ajudar (de todas as formas possíveis). 5. Imparcialidade. 6. Pessoas. 7. Dormiu = teve um relacionamento amoroso Pariu = teve um filho 8. Sem gabarito, pois a resposta pode variar. • Página 20 Primeira estrofe: outros (olhos) Terceira estrofe: tristes os (olhos) tristes...; outros (olhos) nenhum. Unidade II • Página 23 e 24 1.1. Desnasalização 1.2. Prótese 1.3. Epêntese 1.4. Dissimilação 1.5. Consonantização 1.6. Anaptixe 1.7. Vocalização 1.8. Aférese 1.9. Apofonia 1.10. Síncope 1.11. Haplologia 1.12. Metafonia 1.13. Assimilação 1.14. Apócope 1.15. Crase 1.16. Nasalização 1.17. Sinalefa 1.18. Metátese 1.19. Hiperbibasmo (sístole) 1.20. Hiperbibasmo (diástole) 33 34 Referências Bibliográficas ANDRADE, Antonio Carlos S. Língua portuguesa: percurso e percalços. In: Cadernos de Língua Portuguesa, n. 3. Rio de Janeiro: UERJ, 1998. ______. Gramática histórica: o passado no presente. In: Cadernos de Língua Portuguesa, n. 6. Rio: UERJ, 2000. COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976. FERREIRA, Nadiá Paulo. A función da sublimación. In: Actas da II Xornadas, UFF de Cultura Galega. Niterói: UFF, 1994. LINS, Álvaro & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Roteiro literário do Brasil e de Portugal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955. MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia e à lingüística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981. PAIVA, Dulce de Faria. História da língua portuguesa II. São Paulo: Ática, 1988. RESENDE, Garcia de. Cancioneiro geral. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1973. SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Presença/MEC, 1979. SPINA, Segismundo. História da língua portuguesa III. São Paulo: Ática, 1987. ______. Presença da literatura portuguesa – era medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971. TARALLO, Fernando. Tempos lingüísticos: itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1990. TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.