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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
A INFLUÊNCIA DA CIÊNCIA DO POSITIVISMO COMTEANO NO PENSAMENTO
EDUCACIONAL BRASILEIRO
Alexandre José Krul (UNIJUÍ-RS - Doutorando do PPG em Educação nas Ciências)
Rúbia Emmel (Universidade Federal do Tocantins – UFT)
Resumo: Esta pesquisa destaca as ideias que fundamentaram a ciência positivista
comteana do século XIX. Trata-se de uma pesquisa em educação, de cunho bibliográfico, que
tem como objetivo refletir sobre o positivismo comteano e sua influência no pensamento
educacional brasileiro. Investigamos se a concepção de ciência proposta pelo positivismo
comteano favoreceu a supervalorização das “ciências exatas” (ciências da natureza e
matemática) no pensamento educacional brasileiro. Compreendemos que existem influências
do Positivismo Comteano quando pensamos a educação escolar pelo viés tecnicista e/ou
acreditamos que a objetividade metodológica das “ciências exatas” pode solucionar os
problemas econômico-sociais.
Palavras-chave: Ciências exatas. Comte. Positivismo.
Introdução
Uma das discussões que são pautas de diálogos entre professores da escola de ensino
básico é a supervalorização das ciências exatas em relação as ciências humanas. Problema que
colocamos em pauta a partir de algumas falas de professores(as) em ambiente escolar: “Mas o
aluno “x” passou em Matemática e Química, como é que ele vai ser reprovado em Educação
Física e História?”; “Ah, mas ele tem dificuldade em filosofia!? Pensei que ele não sabia
física!”; “Hoje não podemos liberar a turma para assistir o filme “x” pois a matéria de
„Ciências‟ é muito importante”; “Este conteúdo de Sociologia, ele (aluno) pode recuperar em
casa fazendo uma leitura, mas matemática, ele precisa aula de reforço aqui na Escola.”
Pensando sobre a diferenciação entre “exatas” e “humanas” salientamos, que, no
sistema educacional brasileiro, as terminologias usadas pelos PCN (Parâmetros Curriculares
Nacionais), OCNEM (Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio) e ENEM
(Exame Nacional do Ensino Médio) são: Ciências Humanas e suas Tecnologias, Ciências da
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Natureza e suas Tecnologias, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Matemática e suas
Tecnologias.
A partir destas considerações iniciais questionamos: A concepção de ciência proposta
pelo positivismo comteano favoreceu a supervalorização das “ciências exatas” (ciências da
natureza e matemática) no pensamento educacional brasileiro?
Reflexões sobre o contexto histórico do Positivismo
As ciências do século XIX ainda estavam muito ligadas à filosofia, e desde Schelling
até Hegel, tentaram introduzir o espírito e a consciência ao universo físico, mas o sonho é
solapado pelo desenvolvimento dos métodos científicos da física positivista.
Segundo Carvalho (1988, p.19), Piaget afirma que somente no século XIX é que
parecem os conflitos entre as ciências e certas filosofias, num momento em que estas sonham
com um poder especulativo que possa abranger a própria natureza, e os cientistas pretendiam
abolir estas metafísicas cientificistas (como o materialismo dogmático).
Naquele contexto, segundo Carvalho (1988, p.26), com a “res extensa” cartesiana, e “o
universo físico elaborado de maneira secundária pelos sentidos” de Hume, a filosofia passa a
ser a depositaria da verdade subjetiva, ou seja, o racionalismo idealista e a ideologia empirista
podem apartar a filosofia da evolução das ciências.
Os séculos XVIII e XIX podem ser caracterizados como os ápices das apostas em um
método que servisse como condutor do desenvolvimento científico. O método proposto por
Comte (Isidore Auguste Marie Xavier Comte, conhecido por Auguste Comte) foi aplicar a
metodologia aplicada na Matemática para compreender o desenvolvimento da sociedade, ou
seja, os fenômenos sociais deveriam ser reduzidos algumas determinadas leis naturais que são
invariáveis.
O Positivismo foi enfatizado na Europa na segunda metade do século XIX quando este
local vivia um grande desenvolvimento industrial (sobretudo pela ciência aplicada) sustentado
pelo imperialismo. Esta explosão desenvolvimentista causou uma forte crença na qual “os
entusiasmados se cristalizaram em torno da ideia de progresso humano e social irrefreável, já
que, de agora em diante, possuíam-se os instrumentos para a solução de todos os problemas”
(REALE, 1991, p.295).
Ao analisar esses acontecimentos históricos, é preciso compreender que o positivismo
não é uma corrente sociológica que se enreda no pensamento de Comte, mas que teve nele um
personagem destacado. Comte bebe nas fontes do empirismo e do utilitarismo, que combate
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ferozmente a religião e a metafísica, pois entendia que a ciência teria a capacidade de
compreender com mais exatidão e precisão os conhecimentos acerca do mundo natural e dos
fenômenos sociais.
Não podemos esquecer que Comte foi secretário de Saint-Simon, estudioso da
sociedade e um dos pensadores do socialismo. Esta experiência de vida com a sociologia nos
permite entender, que certamente tenha se preocupado com o seu tempo, e buscou
compreender a sociedade. O argumento de Quaglia (1960) é que as ideias de lei social,
determinismo social e progresso humano, foram elaboradas ao longo do século XVIII por
influência de Saint-Simon e Condorcet, além dos fisiocratas, de Adam Smith, de Turgot e de
Quesnay; e formaram a base para o desenvolvimento da síntese positivista proposta por
Comte ( a lei dos três estados). Esta síntese aposta na ciência com o caminho para o
progresso, e consequentemente gera a substituição do humanismo pelo cientificismo.
Comte (1973) afirma que o conhecimento elaborado pelos seres humanos se expressa
em três estados diferentes, entendidos também como “três métodos de filosofar” (Comte,
1973, p.192): o teológico, o metafísico e o positivo, sendo que o método positivo é o mais
completo, e expressa a culminância das capacidades racionais humanas.
Comte preocupou-se em pensar sobre o seu tempo, em seu ambiente social histórico,
especificamente como um esforço que visava superar a dissociação entre a filosofia e as
ciências positivas. Mas para isso, propôs um método que usa a observação e o raciocínio para
compreender as leis dos fenômenos sensíveis e as ligações entre os fenômenos. Descarta a
ideia da teologia ou da metafísica que procura entender o conhecimento de forma absoluta.
Acredita ser possível sistematizar o conhecimento científico sobre toda a realidade, e que
apartir disso os costumes e as instituições garantiriam uma sociedade harmônica, baseada no
amor e na ordem, sendo progresso uma meta. Desta forma, percebemos que há um
delineamento acerca da supervalorização das ciências especificamente naturais, que em suas
aplicações tecnológicas, geram necessidades técnicas, e estas por sua vez se encarregam de
resolver determinados problemas específicos, por exemplo, na área de saúde, transportes,
energia, etc.
Especificamente o método positivo, supervaloriza o progresso científico, método que
combina, segundo Comte (1973), o raciocínio e a observação. Comte (1973) compreender que
o positivismo é um estágio em que o homem é capaz de representar os casos particulares
como parte de um todo. É a possibilidade de romper com a corrente do humanismo, e
valorizar o progresso científico.
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Os olhos europeus estavam tão fascinados com o desenvolvimento científico, que
eram incapazes de ver o outro lado da situação, como por exemplo: aumento da concorrência,
exploração de territórios mundo a fora, as péssimas condições de trabalho e vida dos
operários e os limites da ciência. Como salienta Eric Hobsbawm (2009) em um de seus
títulos, esta pode ser denominada como a “Era do Capital”, cujo modelo liberal capitalista
somente possuía olhos para o mercado e pensava que o desenvolvimento técnico-científico
traria de lambuja uma melhor qualidade de vida para o mundo inteiro, onde a “substancial
estabilidade política, o progresso de industrialização e o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia constituem os pilares do meio sociocultural que o positivismo interpreta, exalta e
favorece” (REALE, 1991, p.296).
O objetivo das ciências que se separavam da filosofia era o de criar um modelo
metodológico próprio, que não se baseasse na metafísica, mas sim no método empírico.
Segundo Silva (1994, p.14-17), contrariamente a metafísica tem como ponto de partida uma
interrogação fundamental de toda a realidade; e traz os argumentos de Merleau-Ponty, o qual
não considera tudo que existe sem premissas, mas procura superar o sistema ordenado
retomando os questionamentos sobre o “mistério” que envolve o manifestar-se.
Silva esclarece que o método da metafísica não é experimental, pois o ser não é físico
nem psicológico, pois o “ser „simplesmente‟ é” (Ibid., p.24-25), escapa aos sentidos e a
experiência interna.
O empirismo positivista dezenovista caracteriza-se pelo monismo metodológico, ou
seja, o único método de validação dos saberes; a metafísica continuaria pensando “o fora do
âmbito físico”, portanto não servia como método válido.
Para Carvalho (1988) o positivismo levou ao extremo a valorização de um método
único para as ciências, sendo que no
legado comteano, qualquer que seja o aspecto valorizado: a desconfiança na
metafísica. Com efeito, quer quando a sociologia surge com funções de síntese
racional e universal (...), quer quando essa mesma sociologia, ao detectar nos
fenômenos sociais uma ordem racional e artificial, apela para um diálogo com uma
filosofia dos valores, a metafísica tradicional é rejeitada. Com esta rejeição, inicia-se
a penosa e contraditória marcha da filosofia contemporânea e das suas relações com
as ciências: crucial para a implantação e desenvolvimento destas, não deixará,
todavia, de se tornar a origem de irredutibilidades que anquilosaram muita da
filosofia posterior, que atiraram as ciências naturais para uma inebriante e ideológica
noção de progresso e que remeteram as ciências humanas para intermináveis
querelas epistemológicas, a reboque dos dois processos anteriores (CARVALHO,
1988, p.32).
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Destaca-se como representante desta corrente teórica no século XX o Círculo de
Viena, que conforme Bombassaro (1992) incorporava o princípio básico da filosofia empirista
e positivista, afirmava somente ser possível o conhecimento em se partindo da experiência
como o imediatamente dado.
O Círculo de Viena foi levado ao fracasso, conforme Bombassaro (1992) se
estabelecia uma exagerada confiança em sua proposta filosófica, que pretendia reduzir o
mundo aos enunciados científicos. A afirmação de que a filosofia consistia basicamente numa
atividade que deveria tornar clara as ideias, conceitos e métodos mediante a análise lógica da
linguagem, contribuíram de forma decisiva para estabelecer na epistemologia a exigência de
rigor metodológico para a investigação (BOMBASSARO, 1992).
“A filosofia empirista e positivista norteia a formação da tendência analítica”
(BOMBASSARO, 1992, p.30). O que Wright apud Bombassaro (1992, p.30) salienta que
“existe a busca incessante por um monismo metodológico, ou pelo método único na
investigação científica; um princípio de que a física matemática, em especial, entre as ciências
exatas, daria o suporte do ideal metodológico”.
Para Bombassaro (1992) as principais preocupações dos membros do Círculo de Viena
constituíam um amplo programa de investigação que incluía, entre outros, a aplicação de
conceitos lógicos para a reconstrução racional dos conceitos científicos; a exigência de
verificabilidade dos enunciados; a procura de critério de significado empírico e a consequente
recusa da metafísica; a superação da distinção entre as ciências da natureza e as ciências
humanas, através do recurso à tradução geral para a linguagem da ciência unificada.
Temos que salientar aqui que o positivismo abandonou a metafísica, e defendeu ao
extremo o método fisicalista, exigindo que qualquer ciência adotasse este único método,
conforme Carvalho (1988, p.29):
é bem claro que, no sistema de Comte, uma ciência só pode ser exata quando
intervém no nível que lhe é próprio e não no superior. Mas tal não autoriza que se
diga ou se insinue que cada nova ciência, em si mesma mais complexa que a
anterior, a exclua.
Consideramos também a diferenciação realizada por Zilles (1987) entre o positivismo
de Augusto Comte, do positivismo empírico ou lógico, enfatizando que o primeiro exerceu, e
continua influenciando no Brasil. Num contexto brasileiro totalmente diferente, embora em
um mesmo tempo, marcado pelo império de Dom Pedro II, no qual prevalece a sociedade
latifundiária e escravocrata, é que o positivismo ganha adeptos segundo Paixão (2000) entre
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os intelectuais republicanos que almejam a liberdade e a sintonia do país aos moldes do
moderno espírito científico, lutando contra os dogmas cristãos.
a “iluminação” positivista espalha seus raios no Brasil do século XIX, influenciando
na organização da sociedade republicana com base no culto ao cientificismo, que
desafia a dominação católica, instalando um novo apostolado, o da Igreja da
Humanidade, a religião positiva – o culto à ciência (PAIXÃO, 2000).
Segundo Silva (2007, p.4), há um vasto documentário publicado com maior ênfase
pelo Apostolado Positivista Brasileiro e seus representantes regionais entre os anos de 1870 e
1927, e no que tange a educação:
Nesse conjunto de temas, a educação teve um tratamento direto e indireto.
Diretamente, através da publicação de folhetos específicos a respeito dos destinos da
instrução pública, nos seus diferentes níveis de ensino. Indiretamente, no conjunto
dos documentos (SILVA, 2007, p.5).
Além disso, para os positivistas cabe “à educação a tarefa de auxiliar a formação de
novos hábitos, da mente e do caráter, disseminando novos padrões morais e intelectuais,
visando à construção de uma unidade nacional em torno do projeto republicano” (SILVA,
2007, p.7).
Zilles (1987, p. 131) chama atenção de que por positivismo costuma designar-se a
doutrina e a escola fundada por Augusto Comte, mas que existe outros expoentes que
caracterizam toda uma Filosofia Positivista diversificada tanto na França, como na Inglaterra
e na Alemanha.
Carvalho afirma que a degradação das ciências ao fisicalismo reducionista proposto
por Comte, “é, todavia, reconhecida como um dos fatos dominantes da epistemologia do
século XIX” (CARVALHO, 1988, p.29). Entendemos que o grande apelo do Positivismo é o
monismo metodológico baseado no método fisicalista; que é fundamental para o
desenvolvimento tecnológico/industrial que não possui interesse em querer resolver os
problemas fundamentais do “ser”, pois lida com o objeto, com o real dado.
Silva (2007) deixa claro que os positivistas, no mesmo instante em que mostravam um
profundo desencanto com o passado, afirmavam um novo encanto com a ciência, como passo
decisivo, na construção de um novo mundo.
Reformar denotava desembaraçar aquilo que atrapalhava o entendimento humano.
Tinha de fato o sentido de reconstruir, reparar, mudar, alterar, formar de novo,
enfim, refundar os princípios que norteavam a sociedade. Visava suprimir, extirpar
aquilo que já não servia à vida. Estava em curso a necessidade de fundar uma nova
ordem (SILVA, 2007, p.7).
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Isto quer dizer que eles lutavam contra a tradição estabelecida pelo Império, como por
exemplo, o sistema econômico escravista e o sistema político moderador; considerados como
dois entraves para o desenvolvimento brasileiro.
O Apostolado Positivista toma partido da luta republicana, que quer derrubar a ordem
imperial e passa a influenciar o campo educacional em
questões como obrigatoriedade e não-obrigatoriedade do ensino, formação de
professores, ensino superior, ensino primário foram aspectos centrais nos debates
educacionais do período, sendo que a Igreja Positivista põe a educação como o
fundamento para a mudança social rumo à modernização, com bases na educação
moral (SILVA, 2007).
Os positivistas se empenharam em combater a escola humanista, religiosa, para
favorecer a ascensão das ciências exatas (ISKANDAR, 2002, p.91); tanto que logo após a
proclamação da República, institui-se, por exemplo, o casamento e o registro de nascimento
civil, deixando o casamento religioso e o batismo à esfera religiosa, ou seja, houve uma
separação entre Estado e Igreja. Para Iskandar (2002), as ideias positivistas influenciaram a
prática pedagógica na área das ciências exatas, influenciaram a prática pedagógica na área de
ensino de ciências sustentadas pela aplicação do método científico: seleção, hierarquização,
observação, controle, eficácia e previsão.
Tendo por base as ideias defendidas por Augusto Comte e pelo Círculo de Viena,
consideramos que alguns traços comuns podem ser listados como: o primado da ciência, o
método das ciências naturais, o surgimento da sociologia baseada nos fatos naturais, o
pensamento de que o método científico resolveria todos os problemas de maneira concreta,
combatendo as concepções idealistas e espiritualistas e, entendendo o progresso científico
como uma questão de tempo.
Tendo em vista que as ciências naturais sistematizam entendimentos acerca do mundo
natural, e resolvem problemas humanos e sociais, a Escola parece ser um ambiente propício
para “exaltar” esses conhecimentos. No século XIX a educação escolar no Brasil foi
defendida como responsabilidade do Estado. Como dentre os objetivos do Estado estava o
desenvolvimento industrial e econômico, acreditou-se que quanto mais os cidadãos
possuíssem conhecimentos científicos que pudessem resolver seus problemas práticos, mais a
sociedade como um todo poderia progredir. Devido a impossibilidade de atingirmos
conhecimentos absolutos conforme prometia a Metafísica e a Teologia, os homens poderiam
resolver problemas pertinentes as suas necessidades imediatas no mundo, com os
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conhecimentos científicos humanamente produzidos. Acredita-se que desta forma a sociedade
pode ser mais coesa e serena.
Podemos compreender metaforicamente o positivismo como uma espécie de
background criado para fundamentar o conhecimento e as ações humanas, em um momento
em que a Teologia e a Metafísica não conseguem elaborar respostas plausíveis principalmente
para resolver os problemas práticos dos homens com eles mesmos e dos homens com o
mundo. O homem precisava de uma segurança para conseguir viver, e a ciência conseguia
fundamentar e trazer segurança. Essa segurança, podemos verificar em discursos que afirmam
que “isso é cientificamente comprovado”. Essa afirmação encerra a possibilidade de debate,
principalmente entre a maioria das pessoas, as que podem ser classificadas como “nãocientistas” (que se despreocupam-se com as pesquisas científicas). O positivismo acredita o
quão importante são os dados científicos, pois com eles o homem é capaz de organizar o
mundo de maneira coerente e racional, assegurando a coesão social.
Ao qualificar, compreender e classificar os fenômenos sociais seria possível prever
novos fatos sociais. O foco seria objetivar matematicamente as leis que promovem os
comportamentos humanos, e para assim entender o que faz com que a sociedade progrida
rumo a um desenvolvimento. As leis impessoais e naturalizadas cientificamente neutralizam
as imparcialidades e subjetividades que afligem as correntes humanísticas.
Aranha (1996), afirma que em todo contexto do século XX o ideário positivista esteve
influenciando a educação brasileira. Essa influência ente que o progresso depende
exclusivamente da sistematização dos conhecimentos pelo método matemático, com o
objetivo de explicar e projetar o progresso humano no mundo. Caracteriza-se sob a
estruturação a supervalorização do ensino de matemática geral e da matemática aplicada. A
aplicação do método positivista desencadeia a ideia de que a Escola deve focar mais as
técnicas. As técnicas são aplicações de conhecimentos científicos desenvolvidos. O
Positivismo
supervaloriza
os
conhecimentos
científicos.
Compreende-se
que
os
conhecimentos científicos são exatos, e quando aplicados por técnicos competentes e bem
treinados, podem favorecer o progresso industrial. O Brasil viveu um surto tecnicista apartir
dos anos de 1970, e consequentemente, ficou a cargo da Escola ter que treinar e capacitar
técnicos para o mundo do trabalho.
Segundo Gonzaga (2011), conceitos científicos no ensino de Física, de Química, de
Biologia e da Matemática, conquistaram um status quo ao longo da história, e seus discursos
por si mesmos por serem reconhecidos prioritariamente como Ciências, tornando-se muitas
vezes autossuficientes. São capazes de capturar para si uma espécie prepotência em resolver
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os problemas humanos por meio do conhecimento científico predominantemente empirista,
que opta por apostas no realista e construtivismo social.
O Positivismo comteano favoreceu o desenvolvimento do cientificismo, que se
caracteriza na supervalorização dos conhecimentos desenvolvidos em laboratórios e suas
aplicações no contexto social, sendo que preza pela quantificação, pela influência da
mecânica da matemática e da física, pela neutralidade científica e pela caracterização de
discursos e aplicações de seus conhecimentos para resolver os mais variados problemas que
unem a ciência e a tecnologia, repercutindo na criação de conhecimentos técnicos.
Gonzaga (2011) argumenta que o conhecimento científico torna-se a interface entre a
ciência e a tecnologia. Compreendemos que dessa forma há também implicações explícitas na
caraterização das ações próprias de determinadas e variadas técnicas. Essas peculiaridades
referentes aos métodos científicos caracteriza a formação de uma nova ideologia: a de que a
ciência possui a chave para a interpretação do que é o mundo, e a aplicação dos
conhecimentos para resolver os problemas humanos.
Existem compreensões de que a educação escolar precisa ensinar aos alunos os
conhecimentos que já estão sistematizados, e que esses conhecimentos precisam ser
apreendidos pelos alunos, pois serão fundamentais para seu futuro, como cidadão e como
trabalhador. Nesta afirmação percebemos o quanto a escola augura-se a missão de transmitir
conhecimentos e resolver a totalidade dos problemas humanos, quando em vez disso, apenas
foca-se em dois objetivos: político e econômico-social. Neste sentido pensar a educação
escolar no Brasil por um lado as discussões e críticas ampliam-se, mas por outro, a ação
pedagógica avança a passos lentos.
Saviani (1993) afirma que contemporaneamente existe uma crítica bastante acentuada
à escola tecnicista, pois nela os professores e os alunos ocupam papel secundário, enquanto o
papel primário é ocupado pela racionalidade dos meios. Mas o que percebemos é que existe
também uma necessidade em “destronar” o conhecimento científico que prepondera nas
escolas brasileiras como a forma mais completa e perfeita de conhecimento válido; uma
espécie de conhecimento fundamental.
O Positivismo repercute seus ideais em um modelo de educação tecnicista, que reduz a
preocupação à formação escolar técnica, na qual o incentivo ao pensamento crítico é
extremamente diminuído ou inexistente, pois cabe ao aluno aceitar os conhecimentos técnicos
que advém do conhecimento científico.
Considerações Finais
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Percebemos que existe uma ideia de que a educação é um espaço que pode fomentar o
desenvolvimento, este entendido como progresso econômico e social. Não há como ignorar
que haja resquícios do pensamento positivista que continuam a influenciar o pensamento
educacional brasileiro. A concepção de educação escolar tecnicista acredita que
fundamentalmente em soluções progressivas para os problemas econômico-sociais.
Percebemos que a Filosofia Positivista deixou também resquícios na organização
curricular da escola fundamentando uma ideia de que as “ciências exatas” possuem maior
importância para o desenvolvimento tecnológico/industrial. Observando o panorama do
mundo globalizado e suas influências econômicas no contexto brasileiro, compreendemos que
as ideias Positivistas estão fortemente arraigadas em concepções de ensino que acreditam que
exclusivamente a formação acadêmica científica e o ensino médio técnico podem fomentar o
desenvolvimento do país.
Com isto não queremos desmerecer e nem condenar o Positivismo Comteano, mas
salientar que seu método se encarregou de creditar bônus inquestionáveis às ciências
experimentais e matemática, num momento em que o método filosófico baseado na metafísica
estava em crise, e a objetividade das ciências naturais estava em pleno advento. O passo da
objetividade para o objetivismo foi uma questão de tempo, pois o positivismo fundamentou
todas as ciências no método fisicalista, menosprezando aquelas que não se enquadrassem
neste único método verdadeiro. Passou-se do nível transcendental para o dado puro.
“Entre a objetividade e a tendência para o objetivismo (imposição da verdade
universal e eterna do fato científico a partir do esquecimento do papel construtor que
nele tem o sujeito) e a subjetividade que se encaminha para o subjetivismo
(predominância radical do papel do sujeito), emergem as dificuldades e a
contradições das ciências sociais e os cenários em que se geram as acusações
recíprocas sob os anátemas das ideologias científicas e filosóficas (CARVALHO,
1988, p.26).”
Hoje o Positivismo Comteano exerce influência no pensamento educacional escolar
brasileiro por meio da concepção de ensino que aposta no tecnicismo. Para alguns professores
as “ciências exatas” se afirmam no método empírico e prático dando soluções reais para os
problemas reais, resultando em discursos de caráter “monometódico”. Por isto, afirmamos que
o positivismo ainda influencia os discursos de professores(as), embora os estudos
epistemológicos de Popper, Kuhn, Bachelard e Fleck, descartam o monismo metodológico.
Tais pressupostos levam a reflexão, estabelecendo outros questionamentos: As
“ciências exatas” conseguem solucionar todos os problemas? Existem outras fontes de
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conhecimentos além das “ciências exatas”? As “ciências exatas” realmente conseguem
responder inquestionavelmente quais problemas?
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