Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 A INFLUÊNCIA DA CIÊNCIA DO POSITIVISMO COMTEANO NO PENSAMENTO EDUCACIONAL BRASILEIRO Alexandre José Krul (UNIJUÍ-RS - Doutorando do PPG em Educação nas Ciências) Rúbia Emmel (Universidade Federal do Tocantins – UFT) Resumo: Esta pesquisa destaca as ideias que fundamentaram a ciência positivista comteana do século XIX. Trata-se de uma pesquisa em educação, de cunho bibliográfico, que tem como objetivo refletir sobre o positivismo comteano e sua influência no pensamento educacional brasileiro. Investigamos se a concepção de ciência proposta pelo positivismo comteano favoreceu a supervalorização das “ciências exatas” (ciências da natureza e matemática) no pensamento educacional brasileiro. Compreendemos que existem influências do Positivismo Comteano quando pensamos a educação escolar pelo viés tecnicista e/ou acreditamos que a objetividade metodológica das “ciências exatas” pode solucionar os problemas econômico-sociais. Palavras-chave: Ciências exatas. Comte. Positivismo. Introdução Uma das discussões que são pautas de diálogos entre professores da escola de ensino básico é a supervalorização das ciências exatas em relação as ciências humanas. Problema que colocamos em pauta a partir de algumas falas de professores(as) em ambiente escolar: “Mas o aluno “x” passou em Matemática e Química, como é que ele vai ser reprovado em Educação Física e História?”; “Ah, mas ele tem dificuldade em filosofia!? Pensei que ele não sabia física!”; “Hoje não podemos liberar a turma para assistir o filme “x” pois a matéria de „Ciências‟ é muito importante”; “Este conteúdo de Sociologia, ele (aluno) pode recuperar em casa fazendo uma leitura, mas matemática, ele precisa aula de reforço aqui na Escola.” Pensando sobre a diferenciação entre “exatas” e “humanas” salientamos, que, no sistema educacional brasileiro, as terminologias usadas pelos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), OCNEM (Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio) e ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) são: Ciências Humanas e suas Tecnologias, Ciências da 274 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Natureza e suas Tecnologias, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. A partir destas considerações iniciais questionamos: A concepção de ciência proposta pelo positivismo comteano favoreceu a supervalorização das “ciências exatas” (ciências da natureza e matemática) no pensamento educacional brasileiro? Reflexões sobre o contexto histórico do Positivismo As ciências do século XIX ainda estavam muito ligadas à filosofia, e desde Schelling até Hegel, tentaram introduzir o espírito e a consciência ao universo físico, mas o sonho é solapado pelo desenvolvimento dos métodos científicos da física positivista. Segundo Carvalho (1988, p.19), Piaget afirma que somente no século XIX é que parecem os conflitos entre as ciências e certas filosofias, num momento em que estas sonham com um poder especulativo que possa abranger a própria natureza, e os cientistas pretendiam abolir estas metafísicas cientificistas (como o materialismo dogmático). Naquele contexto, segundo Carvalho (1988, p.26), com a “res extensa” cartesiana, e “o universo físico elaborado de maneira secundária pelos sentidos” de Hume, a filosofia passa a ser a depositaria da verdade subjetiva, ou seja, o racionalismo idealista e a ideologia empirista podem apartar a filosofia da evolução das ciências. Os séculos XVIII e XIX podem ser caracterizados como os ápices das apostas em um método que servisse como condutor do desenvolvimento científico. O método proposto por Comte (Isidore Auguste Marie Xavier Comte, conhecido por Auguste Comte) foi aplicar a metodologia aplicada na Matemática para compreender o desenvolvimento da sociedade, ou seja, os fenômenos sociais deveriam ser reduzidos algumas determinadas leis naturais que são invariáveis. O Positivismo foi enfatizado na Europa na segunda metade do século XIX quando este local vivia um grande desenvolvimento industrial (sobretudo pela ciência aplicada) sustentado pelo imperialismo. Esta explosão desenvolvimentista causou uma forte crença na qual “os entusiasmados se cristalizaram em torno da ideia de progresso humano e social irrefreável, já que, de agora em diante, possuíam-se os instrumentos para a solução de todos os problemas” (REALE, 1991, p.295). Ao analisar esses acontecimentos históricos, é preciso compreender que o positivismo não é uma corrente sociológica que se enreda no pensamento de Comte, mas que teve nele um personagem destacado. Comte bebe nas fontes do empirismo e do utilitarismo, que combate 275 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 ferozmente a religião e a metafísica, pois entendia que a ciência teria a capacidade de compreender com mais exatidão e precisão os conhecimentos acerca do mundo natural e dos fenômenos sociais. Não podemos esquecer que Comte foi secretário de Saint-Simon, estudioso da sociedade e um dos pensadores do socialismo. Esta experiência de vida com a sociologia nos permite entender, que certamente tenha se preocupado com o seu tempo, e buscou compreender a sociedade. O argumento de Quaglia (1960) é que as ideias de lei social, determinismo social e progresso humano, foram elaboradas ao longo do século XVIII por influência de Saint-Simon e Condorcet, além dos fisiocratas, de Adam Smith, de Turgot e de Quesnay; e formaram a base para o desenvolvimento da síntese positivista proposta por Comte ( a lei dos três estados). Esta síntese aposta na ciência com o caminho para o progresso, e consequentemente gera a substituição do humanismo pelo cientificismo. Comte (1973) afirma que o conhecimento elaborado pelos seres humanos se expressa em três estados diferentes, entendidos também como “três métodos de filosofar” (Comte, 1973, p.192): o teológico, o metafísico e o positivo, sendo que o método positivo é o mais completo, e expressa a culminância das capacidades racionais humanas. Comte preocupou-se em pensar sobre o seu tempo, em seu ambiente social histórico, especificamente como um esforço que visava superar a dissociação entre a filosofia e as ciências positivas. Mas para isso, propôs um método que usa a observação e o raciocínio para compreender as leis dos fenômenos sensíveis e as ligações entre os fenômenos. Descarta a ideia da teologia ou da metafísica que procura entender o conhecimento de forma absoluta. Acredita ser possível sistematizar o conhecimento científico sobre toda a realidade, e que apartir disso os costumes e as instituições garantiriam uma sociedade harmônica, baseada no amor e na ordem, sendo progresso uma meta. Desta forma, percebemos que há um delineamento acerca da supervalorização das ciências especificamente naturais, que em suas aplicações tecnológicas, geram necessidades técnicas, e estas por sua vez se encarregam de resolver determinados problemas específicos, por exemplo, na área de saúde, transportes, energia, etc. Especificamente o método positivo, supervaloriza o progresso científico, método que combina, segundo Comte (1973), o raciocínio e a observação. Comte (1973) compreender que o positivismo é um estágio em que o homem é capaz de representar os casos particulares como parte de um todo. É a possibilidade de romper com a corrente do humanismo, e valorizar o progresso científico. 276 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Os olhos europeus estavam tão fascinados com o desenvolvimento científico, que eram incapazes de ver o outro lado da situação, como por exemplo: aumento da concorrência, exploração de territórios mundo a fora, as péssimas condições de trabalho e vida dos operários e os limites da ciência. Como salienta Eric Hobsbawm (2009) em um de seus títulos, esta pode ser denominada como a “Era do Capital”, cujo modelo liberal capitalista somente possuía olhos para o mercado e pensava que o desenvolvimento técnico-científico traria de lambuja uma melhor qualidade de vida para o mundo inteiro, onde a “substancial estabilidade política, o progresso de industrialização e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia constituem os pilares do meio sociocultural que o positivismo interpreta, exalta e favorece” (REALE, 1991, p.296). O objetivo das ciências que se separavam da filosofia era o de criar um modelo metodológico próprio, que não se baseasse na metafísica, mas sim no método empírico. Segundo Silva (1994, p.14-17), contrariamente a metafísica tem como ponto de partida uma interrogação fundamental de toda a realidade; e traz os argumentos de Merleau-Ponty, o qual não considera tudo que existe sem premissas, mas procura superar o sistema ordenado retomando os questionamentos sobre o “mistério” que envolve o manifestar-se. Silva esclarece que o método da metafísica não é experimental, pois o ser não é físico nem psicológico, pois o “ser „simplesmente‟ é” (Ibid., p.24-25), escapa aos sentidos e a experiência interna. O empirismo positivista dezenovista caracteriza-se pelo monismo metodológico, ou seja, o único método de validação dos saberes; a metafísica continuaria pensando “o fora do âmbito físico”, portanto não servia como método válido. Para Carvalho (1988) o positivismo levou ao extremo a valorização de um método único para as ciências, sendo que no legado comteano, qualquer que seja o aspecto valorizado: a desconfiança na metafísica. Com efeito, quer quando a sociologia surge com funções de síntese racional e universal (...), quer quando essa mesma sociologia, ao detectar nos fenômenos sociais uma ordem racional e artificial, apela para um diálogo com uma filosofia dos valores, a metafísica tradicional é rejeitada. Com esta rejeição, inicia-se a penosa e contraditória marcha da filosofia contemporânea e das suas relações com as ciências: crucial para a implantação e desenvolvimento destas, não deixará, todavia, de se tornar a origem de irredutibilidades que anquilosaram muita da filosofia posterior, que atiraram as ciências naturais para uma inebriante e ideológica noção de progresso e que remeteram as ciências humanas para intermináveis querelas epistemológicas, a reboque dos dois processos anteriores (CARVALHO, 1988, p.32). 277 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Destaca-se como representante desta corrente teórica no século XX o Círculo de Viena, que conforme Bombassaro (1992) incorporava o princípio básico da filosofia empirista e positivista, afirmava somente ser possível o conhecimento em se partindo da experiência como o imediatamente dado. O Círculo de Viena foi levado ao fracasso, conforme Bombassaro (1992) se estabelecia uma exagerada confiança em sua proposta filosófica, que pretendia reduzir o mundo aos enunciados científicos. A afirmação de que a filosofia consistia basicamente numa atividade que deveria tornar clara as ideias, conceitos e métodos mediante a análise lógica da linguagem, contribuíram de forma decisiva para estabelecer na epistemologia a exigência de rigor metodológico para a investigação (BOMBASSARO, 1992). “A filosofia empirista e positivista norteia a formação da tendência analítica” (BOMBASSARO, 1992, p.30). O que Wright apud Bombassaro (1992, p.30) salienta que “existe a busca incessante por um monismo metodológico, ou pelo método único na investigação científica; um princípio de que a física matemática, em especial, entre as ciências exatas, daria o suporte do ideal metodológico”. Para Bombassaro (1992) as principais preocupações dos membros do Círculo de Viena constituíam um amplo programa de investigação que incluía, entre outros, a aplicação de conceitos lógicos para a reconstrução racional dos conceitos científicos; a exigência de verificabilidade dos enunciados; a procura de critério de significado empírico e a consequente recusa da metafísica; a superação da distinção entre as ciências da natureza e as ciências humanas, através do recurso à tradução geral para a linguagem da ciência unificada. Temos que salientar aqui que o positivismo abandonou a metafísica, e defendeu ao extremo o método fisicalista, exigindo que qualquer ciência adotasse este único método, conforme Carvalho (1988, p.29): é bem claro que, no sistema de Comte, uma ciência só pode ser exata quando intervém no nível que lhe é próprio e não no superior. Mas tal não autoriza que se diga ou se insinue que cada nova ciência, em si mesma mais complexa que a anterior, a exclua. Consideramos também a diferenciação realizada por Zilles (1987) entre o positivismo de Augusto Comte, do positivismo empírico ou lógico, enfatizando que o primeiro exerceu, e continua influenciando no Brasil. Num contexto brasileiro totalmente diferente, embora em um mesmo tempo, marcado pelo império de Dom Pedro II, no qual prevalece a sociedade latifundiária e escravocrata, é que o positivismo ganha adeptos segundo Paixão (2000) entre 278 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 os intelectuais republicanos que almejam a liberdade e a sintonia do país aos moldes do moderno espírito científico, lutando contra os dogmas cristãos. a “iluminação” positivista espalha seus raios no Brasil do século XIX, influenciando na organização da sociedade republicana com base no culto ao cientificismo, que desafia a dominação católica, instalando um novo apostolado, o da Igreja da Humanidade, a religião positiva – o culto à ciência (PAIXÃO, 2000). Segundo Silva (2007, p.4), há um vasto documentário publicado com maior ênfase pelo Apostolado Positivista Brasileiro e seus representantes regionais entre os anos de 1870 e 1927, e no que tange a educação: Nesse conjunto de temas, a educação teve um tratamento direto e indireto. Diretamente, através da publicação de folhetos específicos a respeito dos destinos da instrução pública, nos seus diferentes níveis de ensino. Indiretamente, no conjunto dos documentos (SILVA, 2007, p.5). Além disso, para os positivistas cabe “à educação a tarefa de auxiliar a formação de novos hábitos, da mente e do caráter, disseminando novos padrões morais e intelectuais, visando à construção de uma unidade nacional em torno do projeto republicano” (SILVA, 2007, p.7). Zilles (1987, p. 131) chama atenção de que por positivismo costuma designar-se a doutrina e a escola fundada por Augusto Comte, mas que existe outros expoentes que caracterizam toda uma Filosofia Positivista diversificada tanto na França, como na Inglaterra e na Alemanha. Carvalho afirma que a degradação das ciências ao fisicalismo reducionista proposto por Comte, “é, todavia, reconhecida como um dos fatos dominantes da epistemologia do século XIX” (CARVALHO, 1988, p.29). Entendemos que o grande apelo do Positivismo é o monismo metodológico baseado no método fisicalista; que é fundamental para o desenvolvimento tecnológico/industrial que não possui interesse em querer resolver os problemas fundamentais do “ser”, pois lida com o objeto, com o real dado. Silva (2007) deixa claro que os positivistas, no mesmo instante em que mostravam um profundo desencanto com o passado, afirmavam um novo encanto com a ciência, como passo decisivo, na construção de um novo mundo. Reformar denotava desembaraçar aquilo que atrapalhava o entendimento humano. Tinha de fato o sentido de reconstruir, reparar, mudar, alterar, formar de novo, enfim, refundar os princípios que norteavam a sociedade. Visava suprimir, extirpar aquilo que já não servia à vida. Estava em curso a necessidade de fundar uma nova ordem (SILVA, 2007, p.7). 279 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Isto quer dizer que eles lutavam contra a tradição estabelecida pelo Império, como por exemplo, o sistema econômico escravista e o sistema político moderador; considerados como dois entraves para o desenvolvimento brasileiro. O Apostolado Positivista toma partido da luta republicana, que quer derrubar a ordem imperial e passa a influenciar o campo educacional em questões como obrigatoriedade e não-obrigatoriedade do ensino, formação de professores, ensino superior, ensino primário foram aspectos centrais nos debates educacionais do período, sendo que a Igreja Positivista põe a educação como o fundamento para a mudança social rumo à modernização, com bases na educação moral (SILVA, 2007). Os positivistas se empenharam em combater a escola humanista, religiosa, para favorecer a ascensão das ciências exatas (ISKANDAR, 2002, p.91); tanto que logo após a proclamação da República, institui-se, por exemplo, o casamento e o registro de nascimento civil, deixando o casamento religioso e o batismo à esfera religiosa, ou seja, houve uma separação entre Estado e Igreja. Para Iskandar (2002), as ideias positivistas influenciaram a prática pedagógica na área das ciências exatas, influenciaram a prática pedagógica na área de ensino de ciências sustentadas pela aplicação do método científico: seleção, hierarquização, observação, controle, eficácia e previsão. Tendo por base as ideias defendidas por Augusto Comte e pelo Círculo de Viena, consideramos que alguns traços comuns podem ser listados como: o primado da ciência, o método das ciências naturais, o surgimento da sociologia baseada nos fatos naturais, o pensamento de que o método científico resolveria todos os problemas de maneira concreta, combatendo as concepções idealistas e espiritualistas e, entendendo o progresso científico como uma questão de tempo. Tendo em vista que as ciências naturais sistematizam entendimentos acerca do mundo natural, e resolvem problemas humanos e sociais, a Escola parece ser um ambiente propício para “exaltar” esses conhecimentos. No século XIX a educação escolar no Brasil foi defendida como responsabilidade do Estado. Como dentre os objetivos do Estado estava o desenvolvimento industrial e econômico, acreditou-se que quanto mais os cidadãos possuíssem conhecimentos científicos que pudessem resolver seus problemas práticos, mais a sociedade como um todo poderia progredir. Devido a impossibilidade de atingirmos conhecimentos absolutos conforme prometia a Metafísica e a Teologia, os homens poderiam resolver problemas pertinentes as suas necessidades imediatas no mundo, com os 280 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 conhecimentos científicos humanamente produzidos. Acredita-se que desta forma a sociedade pode ser mais coesa e serena. Podemos compreender metaforicamente o positivismo como uma espécie de background criado para fundamentar o conhecimento e as ações humanas, em um momento em que a Teologia e a Metafísica não conseguem elaborar respostas plausíveis principalmente para resolver os problemas práticos dos homens com eles mesmos e dos homens com o mundo. O homem precisava de uma segurança para conseguir viver, e a ciência conseguia fundamentar e trazer segurança. Essa segurança, podemos verificar em discursos que afirmam que “isso é cientificamente comprovado”. Essa afirmação encerra a possibilidade de debate, principalmente entre a maioria das pessoas, as que podem ser classificadas como “nãocientistas” (que se despreocupam-se com as pesquisas científicas). O positivismo acredita o quão importante são os dados científicos, pois com eles o homem é capaz de organizar o mundo de maneira coerente e racional, assegurando a coesão social. Ao qualificar, compreender e classificar os fenômenos sociais seria possível prever novos fatos sociais. O foco seria objetivar matematicamente as leis que promovem os comportamentos humanos, e para assim entender o que faz com que a sociedade progrida rumo a um desenvolvimento. As leis impessoais e naturalizadas cientificamente neutralizam as imparcialidades e subjetividades que afligem as correntes humanísticas. Aranha (1996), afirma que em todo contexto do século XX o ideário positivista esteve influenciando a educação brasileira. Essa influência ente que o progresso depende exclusivamente da sistematização dos conhecimentos pelo método matemático, com o objetivo de explicar e projetar o progresso humano no mundo. Caracteriza-se sob a estruturação a supervalorização do ensino de matemática geral e da matemática aplicada. A aplicação do método positivista desencadeia a ideia de que a Escola deve focar mais as técnicas. As técnicas são aplicações de conhecimentos científicos desenvolvidos. O Positivismo supervaloriza os conhecimentos científicos. Compreende-se que os conhecimentos científicos são exatos, e quando aplicados por técnicos competentes e bem treinados, podem favorecer o progresso industrial. O Brasil viveu um surto tecnicista apartir dos anos de 1970, e consequentemente, ficou a cargo da Escola ter que treinar e capacitar técnicos para o mundo do trabalho. Segundo Gonzaga (2011), conceitos científicos no ensino de Física, de Química, de Biologia e da Matemática, conquistaram um status quo ao longo da história, e seus discursos por si mesmos por serem reconhecidos prioritariamente como Ciências, tornando-se muitas vezes autossuficientes. São capazes de capturar para si uma espécie prepotência em resolver 281 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 os problemas humanos por meio do conhecimento científico predominantemente empirista, que opta por apostas no realista e construtivismo social. O Positivismo comteano favoreceu o desenvolvimento do cientificismo, que se caracteriza na supervalorização dos conhecimentos desenvolvidos em laboratórios e suas aplicações no contexto social, sendo que preza pela quantificação, pela influência da mecânica da matemática e da física, pela neutralidade científica e pela caracterização de discursos e aplicações de seus conhecimentos para resolver os mais variados problemas que unem a ciência e a tecnologia, repercutindo na criação de conhecimentos técnicos. Gonzaga (2011) argumenta que o conhecimento científico torna-se a interface entre a ciência e a tecnologia. Compreendemos que dessa forma há também implicações explícitas na caraterização das ações próprias de determinadas e variadas técnicas. Essas peculiaridades referentes aos métodos científicos caracteriza a formação de uma nova ideologia: a de que a ciência possui a chave para a interpretação do que é o mundo, e a aplicação dos conhecimentos para resolver os problemas humanos. Existem compreensões de que a educação escolar precisa ensinar aos alunos os conhecimentos que já estão sistematizados, e que esses conhecimentos precisam ser apreendidos pelos alunos, pois serão fundamentais para seu futuro, como cidadão e como trabalhador. Nesta afirmação percebemos o quanto a escola augura-se a missão de transmitir conhecimentos e resolver a totalidade dos problemas humanos, quando em vez disso, apenas foca-se em dois objetivos: político e econômico-social. Neste sentido pensar a educação escolar no Brasil por um lado as discussões e críticas ampliam-se, mas por outro, a ação pedagógica avança a passos lentos. Saviani (1993) afirma que contemporaneamente existe uma crítica bastante acentuada à escola tecnicista, pois nela os professores e os alunos ocupam papel secundário, enquanto o papel primário é ocupado pela racionalidade dos meios. Mas o que percebemos é que existe também uma necessidade em “destronar” o conhecimento científico que prepondera nas escolas brasileiras como a forma mais completa e perfeita de conhecimento válido; uma espécie de conhecimento fundamental. O Positivismo repercute seus ideais em um modelo de educação tecnicista, que reduz a preocupação à formação escolar técnica, na qual o incentivo ao pensamento crítico é extremamente diminuído ou inexistente, pois cabe ao aluno aceitar os conhecimentos técnicos que advém do conhecimento científico. Considerações Finais 282 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Percebemos que existe uma ideia de que a educação é um espaço que pode fomentar o desenvolvimento, este entendido como progresso econômico e social. Não há como ignorar que haja resquícios do pensamento positivista que continuam a influenciar o pensamento educacional brasileiro. A concepção de educação escolar tecnicista acredita que fundamentalmente em soluções progressivas para os problemas econômico-sociais. Percebemos que a Filosofia Positivista deixou também resquícios na organização curricular da escola fundamentando uma ideia de que as “ciências exatas” possuem maior importância para o desenvolvimento tecnológico/industrial. Observando o panorama do mundo globalizado e suas influências econômicas no contexto brasileiro, compreendemos que as ideias Positivistas estão fortemente arraigadas em concepções de ensino que acreditam que exclusivamente a formação acadêmica científica e o ensino médio técnico podem fomentar o desenvolvimento do país. Com isto não queremos desmerecer e nem condenar o Positivismo Comteano, mas salientar que seu método se encarregou de creditar bônus inquestionáveis às ciências experimentais e matemática, num momento em que o método filosófico baseado na metafísica estava em crise, e a objetividade das ciências naturais estava em pleno advento. O passo da objetividade para o objetivismo foi uma questão de tempo, pois o positivismo fundamentou todas as ciências no método fisicalista, menosprezando aquelas que não se enquadrassem neste único método verdadeiro. Passou-se do nível transcendental para o dado puro. “Entre a objetividade e a tendência para o objetivismo (imposição da verdade universal e eterna do fato científico a partir do esquecimento do papel construtor que nele tem o sujeito) e a subjetividade que se encaminha para o subjetivismo (predominância radical do papel do sujeito), emergem as dificuldades e a contradições das ciências sociais e os cenários em que se geram as acusações recíprocas sob os anátemas das ideologias científicas e filosóficas (CARVALHO, 1988, p.26).” Hoje o Positivismo Comteano exerce influência no pensamento educacional escolar brasileiro por meio da concepção de ensino que aposta no tecnicismo. Para alguns professores as “ciências exatas” se afirmam no método empírico e prático dando soluções reais para os problemas reais, resultando em discursos de caráter “monometódico”. Por isto, afirmamos que o positivismo ainda influencia os discursos de professores(as), embora os estudos epistemológicos de Popper, Kuhn, Bachelard e Fleck, descartam o monismo metodológico. Tais pressupostos levam a reflexão, estabelecendo outros questionamentos: As “ciências exatas” conseguem solucionar todos os problemas? Existem outras fontes de 283 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 conhecimentos além das “ciências exatas”? As “ciências exatas” realmente conseguem responder inquestionavelmente quais problemas? Referências ARANHA, M.L.A.; História da Educação. 2ª. Ed. São Paulo: Moderna, 1996. BOMBASSARO, Luiz Carlos. As fronteiras da epistemologia: Como se produz o conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1992. CARVALHO, Adalberto Dias de. Epistemologia das ciências da educação. Porto: Edições Afrontamento, 1988. COMTE, Auguste. 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