A esperança cristã e as questões atuais da escatologia - PUC-Rio

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A esperança cristã e as questões atuais da escatologia: novas leituras e novas
abordagens
Aluno: Lucíola Paiva Tisi
Orientador: Cesar Kuzma
Introdução
Há questões que são comuns a todo o ser humano, questões que direcionam e
conduzem a nossa existência. O porvir, a vida eterna, a perpetualização da vida. Para onde
iremos? Qual o sentido de nossa existência? Com o objetivo de procurar responder algumas
dessas perguntas, mesmo que de maneira parcial e sob a perspectiva da fé cristã, foi proposta
essa pesquisa, apresentando autores contemporâneos e suas ideias sobre o tema, procurando
dialogar com eles, analisando os pontos comuns de seus pensamentos visando fazer uma
leitura atual da esperança escatologica cristã.
Foi realizado um estudo a partir de leituras de textos dos seguintes autores: Leonardo
Boff, Joseph Ratzinger, Andrés Torres Queiruga e Jürgen Moltmann para analisar exemplos
de pensamento sobre a esperança escatológica cristã, baseada na para compreensão dos
autores citados. Estamos apresentando como temática a proposta da “esperança cristã e as
questões atuais da escatologia”. Procurou-se estabelecer pontos de contato entre os quatro
autores estudados, a partir de literaturas previamente selecionadas com o objetivo de trazer a
dimensão da esperança como chave de interpretação da escatologia contemporânea. De modo
específico, é um recorte epistemológico na intenção de buscar novas leituras e novas
abordagens. Organizou-se uma síntese textual desses autores, objetivando buscar na esperança
cristã uma chave de interpretação da escatologia e como essas novas abordagens teológicas
que surgem em nosso contexto podem oferecer à teologia uma nova dinâmica e movimento.
Metodologia
A escolha dos autores teve a intençãode verificar e demontrar as similaridades de
pensamento, mesmo em culturas e posiçionamentos diferentes, estabelecendo um diálogo
entre eles, ressaltando os pontos comuns. Leonardo Boff, é um teólogo brasileiro, escritor e
professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem
dos Frades Menores. Joseph Ratzinger, Bento XVI, é Papa Emérito da Igreja Católica. É
membro de várias academias científicas da Europa e recebeu oito doutorados honoríficos de
diferentes universidades, entre elas daUniversidade de Navarra. Andrés Torres Queiruga é um
teólogo e escritor galego, espanhol. Realizou estudos no seminário de Santiago de
Compostela e na Universidade de Comillas. Foi professor de Teologia no Instituto Teolóxico
Compostelá e de Filosofia da Religião na Universidade de Santiago de Compostela. É
membro da Real Academia Galega e do Consello da Cultura Galega; foi um dos fundadores e
diretor da revista Encrucillada. Jürgen moltmann é teólogo alemão, de tradição cristã,
reformado, um exponencial pensador europeu do século XX, estabeleceu com o Brasil um
contato diferenciado nos meios acadêmico e eclesiais.Tem desfrutado de amplo trânsito
dentro dos mais diversos segmentos da tradicão cristã, do catolicismo pós concílio do
Vaticano II ao Pentecostalismo. Procuraremos com essas leituras fazer uma aproximação
entre as concepções desses autores a uma diretriz convergente de suas opiniões, atingindo o
2
tema da esperança cristã e as questões atuais da escatologia, com novas leitura e novas
abordagens.
Resultados e discussões
Vivemos em uma sociedade individualista e cada vez mais egoista onde, o “para mim”
é a expressão mais valorizada. O relativismo impera em todos os ambiêntes de ações
humanas. As relações são dominadoras e a busca da felicidade é muitas vezes, individual. O
que no entanto desinstala e questiona o ser humano contemporâneo em todo esse processo é
a incerteza do porvir não apenas após a morte, mas também na vida presente, da forma de
viver, buscando sentido leva a decorrência de uma busca intensa que pode ser desorientada
pelo sagrado. Necessita-se de crer em algo ou alguem maior, mas não se sabe onde buscar,
pois precisa ser em certos casos um sagrado conveniente, que satisfaça e que não incomode.
A questão da morte aflige a todos e o sentido de nossa existência é diretamente
vinculado a esse momento. Momento esse, que chega para todos e que é a única certeza que
temos na vida, um dia morreremos. Temos consciência de que passaremos por essa
experiência, só não sabemos quando isso ocorrerá.
Uma das ideias básicas da mensagem da segunda parte do livro de Isaias é a transitoriedade
das coisas deste mundo: os homens por mais que se comportem como se fossem poderosos,
acabam se igualando às flores que desabrocham num dia e que são seivadas e murcham no dia
seguinte; mas em meio a esse espetáculo gigantesco de transitoriedade, o Deus de Israel “é”.
Só que esse “é” de Deus, que permanece como o constante, acima da inconstância do devir,
não é apresentado fora de qualquer tipo de relação, pois ele é, simultâneamente aquele que se
concede; ele está presente para nós e, pela firmeza de sua presença, ele nos confirma, apesar
de nossa inconstância. O Deus que “é” é ao mesmo tempo o Deus que está conosco; ele não é
apenas Deus em si, mas é o nosso Deus, o Deus dos pais.1 (Ratzinger)
A esperança do futuro de Deus para o mundo todo ameaçado de morte, é experimentada hoje
novamente como a força vital da existência e comunidade cristãs. Por essa razão, ela também é
a busca de conhecimento da teologia cristã. Vivemos da esperança e morremos devido as
frustrações. Por isso a fé cristã hoje é inapelavelmente desafiada a assumir a “responsabilidade
pela esperança”2. (Moltmann)
Essa incerteza nos move, assim como todas as outras incertezas que temos na vida. É o
que gera em nós movimento, vitalidade, vontade de construir, de gerar algo. Só temos o
domínio de nossas açoes em ato, pois só consiguimos viver e agir realmente no presente, no
instante em que agimos. O que passou virou memória, história e o que está por vir, seja ele
futuro próximo ou mais distante não é nada mais do que possibilidade de existência, planos,
sonhos possibilidades de realizações. Mas gera esperança. A possibilidade é o que nos
impulsiona, na esperança de realização e felicidade. Há sempre uma diversidade enorme de
possibilidades a nossa frente, a cada instante de nossas vidas, que pelo exercício de nossa
liberdade escolhemos entre tantas, apenas uma de cada vez para realizar.
1
RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo: Preleções Sobre o Símbolo Apostólico Com um novo ensaio
introdutório, p. 97.
2
MOLTMANN, Jürgen. Teologia da Esperança: Estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma escatologia
Cristã, p. 26.
3
Aquilo de que aqui se fala não é mais a felicidade do presente, mas muito mais; é o Deus do
Presente, o presente divinizado. Assim, não é só a existência presente do ser humano, mas
muito mais ainda, o presente eterno do ser, que a esperança cristã parece frustrar. Quando a
esperança não deixa o ser humano encontrar o presente eterno, não só o ser humano é
frustrado, mas o próprio Deus. Só desse modo a objeção do “presente” se levanta com toda
força e poder, contra a esperança do futuro.3 (Moltmann)
Mas como traçar esse caminho para a felicidade, onde colocar essa esperança de
realização?
Aqui apresentamos a intenção de Queiruga:
Paulo, impregnado de tradição bíblica e submerso no mundo grego, centra-se decididamente
no acontecimento da morte e ressurreição de Cristo. Nele, a experiência pessoal da conversão
e a força da vivência cristã – “é Cristo quem vive em mim” (Gl2,20) – mantém vivo o caráter
concreto e atuante da palavra. Porém, recorre também a um esquema sapiencial e apocaliptico:
evangelho e mistério se transformam em conceitos-chave. A revelação universalizada em seu
destino que agora inclui também os pagãos, faz-se palavra na Escritura e pregação no
Apóstolo: àquele que tem o poder de vos confirmar segundo o evangelho que anúncio e
amensagem de Jesus Cristo – revelação de um mistério envolvido em silêncio desde os séculos
eternos, agora, porém, manifestado e, pelos escritos proféticos e por disposição do Deus
eterno, dado a conhecer a todas as nações, para levá-las a obediência da fé (Rm16,25,26).”
4
(Queiruga)
De forma similar, Leonardo Boff expõe seus pensamentos:
Se disséssemos que o céu consiste na convergência de todos os dinamismos do homem que
clama por absoluta realização então devemos também afirmar que o céu é profundamente
humano. O céu realiza o homem em todas as suas dimensões: a dimensão voltada para o
mundo, como presença e intimidade fraterna com todas as coisas, a dimensão voltada para o
outro, como comunhão e perfeita irmanação e principalmente a dimensão voltada para Deus,
como união filial e entrada definitiva de um derradeiro encontro de amor. Tudo isso podemos
sonhar e suspirar na terra. Mas nunca o vemos realizado de forma permanente e duradoura. 5 (
Leonardo Boff)
Completando essa reflexão, com a concepção de Ratzinger:
A esperança na ressurreição dos mortos é, inicialmente a forma básica da esperança bíblica na
imortalidade; no Novo Testamento, ela não se manifesta propriamente como uma ideia
complementar a uma ideia de imortalidade que a precedesse e fosse independente dela. Antes,
trata-se de um enunciado fundamental sobre o destino do ser humano. É verdade também que
existem já a partir do judaismo tardio indícios de uma teoria da imortalidade de cunho grego;
este deve ter sido um dos motivos da falta de compreensão para com as pretensões abrangentes
da ideia da ressurreição num mundo greco-romano. A Partir desse ponto, a ideia grega da
imortalidade da alma e a mensagem bíblica da ressurreição dos mortos foram vistas como
meias respostas à pergunta pelo destino eterno do ser humano, e as duas acabaram juntando-se
de forma aditiva. Ao conhecimento grego anterior sobre a imortalidade da alma a Bíblia teria
juntado a revelação de que no fim dos tempos o próprio corpo seria ressuscitado, para
3
Ibid, p. 44
TORRES QUEIRUGA, Andres. Repensar a Revelação: A Revelação Divina Na Realização Humana, p. 36.
5
BOFF, Leonardo. Vida Para Além Da Morte: o presente; seu futuro, sua festa, sua contestação, p. 68.
4
4
compartilhar doravante e para sempre o destino da alma – na condenação ou na bem
aventurança.”6( Ratzinger)
Mas a pergunta permanece. O que será esse porvir?
Esse porvir só tem sentido quando pensamos em nossa vida em nossa história
individual, de cada ser humano, como uma pequena célula de um corpo, como uma pequena
pincelada no quadro, obra prima de Deus que é a história da humanidade convertida em
história de salvação. Mas é preciso pensar em salvação não simplesmente como remissão dos
pecados, falhas pessoais e individuais que cometemos no nosso cotidiano, mas sim na
perspectiva do Reino de Deus, onde esperamos estar e participar com Ele.
Não se refere a alma em separada do corpo, de forma dualista, a alma como diferente
e imortal aprisionada em um corpo físico e mortal. A nossa existência é singular e completa.
Somos pessoas inteiras com identidade própria e singular que se constitui na história
individual e coletiva conforme nossas ações, participação na vida e na história humana,
história de salvação e construção do Reino de Deus.
Então o lobo morará como cordeiro e o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o
leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará. A vaca e o urso
pastarão juntos, juntas se deitarão as suas crias. O leão se alimentará com a forragem como o
boi. A criança de peito poderá brincar junto a cova da áspide, a criança pequena porá a mão
na cova da víbora. Ninguem fará omal nem destruição alguma em todo o meu santo monte,
porque a terra ficará cheia do conhecimento de YHWH, como as águas recobrem o mar. (Is
11,6-9)
A esperança desse porvir nos foi anunciada e prometida por Jesus Cristo, que nos
aponta a direção, sendo ele próprio o caminho constante e permanente.“E eis que eu estou
convosco todos os dias até a consumação dos séculos!” (Mt 28, 20b)
Esse Deus é o Deus da promessa. Ele não é uma força da natureza em cuja epifania se revela o
poder eterno da natureza, o retorno sem fim: ele não é um Deus que remete o ser humano à
repetição imutável dos ciclos cósmicos, e sim aquele que aponta para o futuro que é o objetivo
de sua história, para o seu sentido e a sua meta definitivos; ele é visto como o Deus da
esperança num futuro cujo rumo é irreversível.7 (Ratzinger)
A espera torna a vida agradável, dinâmica e também nos dá forças para suportar as
diversidades, os momentos difíceis, dolorosos. Na espera podemos aceitar as coisas que
acontecem conosco, não apenas as boas são bem vindas mas também diante das dolorosas
encontramos forças para reagir. A esperança dinamiza a nossa existência perpassando toda a
nossa história pessoal, atravessa a felicidade e a dor conseguindo vislumbrar nas
possibilidades do futuro a felicidade. Na esperança percebemos que tudo passa, não apenas os
momentos alegres e vivazes mas também os negativos e sofridos.
Dessa forma, a esperança atravessa felicidade e dor, porque é capaz de ver um futuro também
para o que passa, o que morre e o que está morto, futuro que está nas promessas de Deus. Por
isso, se poderá dizer que viver sem esperança é como não viver mais. Inferno é desesperança e
6
RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo: Preleções Sobre o Símbolo Apostólico Com um novo ensaio
introdutório, p. 256.
7
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 93.
5
não é em vão que na entrada do inferno de Dante está escrito a sentença: “abandonem toda
esperança os que entram aqui”.
Um “sim” ao presente que não pode e não quer ver a mortalidade é ilusão e escapatória não
superada nem mesmo pela afirmação da eternidade doinstante que passa. Mas a esperança
colocada no creator ex nihilo se torna felicidade no presente quando pelo amor se mostra fiel a
tudo, nada deixando ao nada, mas mostrando a abertura em direção ao possível, onde poderá
viver e viverá. Essa felicidade é mutilada pela presunção e pelo desespero e totalmente
arruinada pelo sonho do presente eterno.8(Moltmann)
Pelo que já apresentamos, podemos perceber que, os autores escolhidos expressam e
manifestam seus pensamentos reconhecendo a contribuição e participação humana nesse
processo de construção do Reino. Jesus é o caminho, mas nós precisamos ter abertura e em
nossa liberdade, vontade de percorrê-lo. O caminho é o do encontro, da relação do diálogo e
partilha. A pessoa humana não é só, não vive só e não consegue viver só. O encontro é
evento de graça que se desdobra em processo contínuo e constante se desenvolvendo a
medida em que o conhecimento se aprofunda, se transformando então em amizade, amor,
gerando mais encontros e relacionamentos, se expandindo ao infinito, sempre aberto à
novidade e a adesão.
O encontro significa a capacidade de ser-nos-outros sem perder a própria identidade. O
encontro supõe o vigor de aceitar o diferente como diferente, acolhê-lo e deixar-se enriquecer
por ele. Com isso rompemos o mundo do nosso eu e permitimos a surpresa a aventura e
mesmo o risco. Todo encontro é um risco porque se dá uma abertura para o imprevisível e
para a liberdade. Onde há liberdade tudo é possivel: céu e inferno. O céu como encontro
significa que o homem quanto mais se abre para novos horizontes divinos e humanos, mais se
encontra consigo mesmo e forma com o encontrado uma comunhão vital.
Paradigmas do encontro são a amizade e o amor. Quanto mais alguém é diferente do outro,
tanto mais é enriquecido para ele. Encontrar-se é poder ver a unidade e a comunhão na
diferença. Não é tornar todos iguais e homogêneos. Isso faria o mundo infeliz e o céu uma
eterna monotonia. O amigo sabe do outro. Ambos compreendem-se e deixam que um participe
da vida e do destino do outro. Só quem entende de amizade pode compreender a profundidade
das palavras que João faz Jesus dizer: “eu vos chamei de amigos porque tudo o que ouvi de
meu Pai eu vo-lo comuniquei”(Jo 15,15). A amizade que cresce até o amor é a total lucidez de
um para com o outro, na comunhão íntima de vida em todos os níveis.
O encontro nunca é acabado, sempre está aberto a um mais e pode crescer indefinidamente.
Quando porem Deus é o encontro do homem então não conhecerá mais fim. Aí se instaura um
vigor que não se esgota nem se limita, mas vai abrindo dimensões sempre novas e diferentes
do multiforme mistério do amor.9 (Leonardo Boff)
Como Leonardo Boff, Ratzinger reafirma o aspesto relacional, ainda afirmando o
significado de filho em Jõao.
O Filho não pode fazer nada por si mesmo”(Jo 5,19.30). Parece ser o despojamento extremo
do Filho; ele nada tem de próprio, pois sendo Filho só pode atuar a partir daquele que o faz ser
o que é. Assim fica claro que o termo “Filho” é um termo relacional. Chamando Senhor de
“Filho”, João lhe dá o nome que remete para além, pois usa um termo que exprime em sua
essência relacionamento. Com isso coloca toda a sua cristologia no contexto da ideia de
relação.(...) quando Jesus é chamado “Filho”e tornado “relativo”em vista ao Pai, a cristologia
se realiza em forma de afirmação relacional em que Cristo aparece como aquele que é
8
9
MOLTMANN, Jürgen. Op. cit., p. 49.
BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 70.
6
totalmente religado ao Pai; justamente por não estar em si, está nele, sendo continuamente um
com ele. 10(Ratzinger)
Queiruga reitera, afirmando a entrega de Cristo por amor.
A partir de Cristo a atitude de Deus está para sempre patente: não existem reservas que
possam modificar seu curso, não cabe o temor da revogação, não nos esperam mais surpresas
além do amor entregue de uma vez para sempre. A igreja, enquanto continuadora da
revelação e da missão de Jesus, já não pode ser superada na história: ela constitui a economia
definitiva, o tempo do Espírito que “encaminha a verdade plena” (Jo 16,13) e permite repetir
a experiência de Jesus , porque também nós, “graças a ele podemos gritar : Abba, Pai” (Rm
8,15; cf. Gl 4,6).11”( Queiruga)
Desde o dia de nossa concepção caminhamos ao encontro de Deus, é a viagem de
nossa vida – descobri-lo no mais recôndito de nós mesmos e caminharmos em sua direção, é
para isso que nascemos, é para isso que fomos criados. Visto por essa perspectiva a morte se
torna momento de graça, momento de luz e de esperança, momento em que finalmente
veremos aquele com quem nos relacionamos de maneira indireta, agora, face a face. Momento
do abraço do acolhimento, onde os amigos há tanto tempo distantes se abraçarão finalmente.
Entrar em sintonia com Ele, em união de corações. Quando amamos, queremos conhecer o
outro, dispomos de tempo para isso, nos dedicamos e buscamos o outro, ao ponto de ao se
adquirir intimidade, sintonia, podemos compreender aquele que por nós é amado e conhecido
por pequenos sinais, pequenos movimentos e manifestações singelas e suaves. Qual a mãe que
não sabe que o filho está triste apenas pelo brilho de seu olhar? Deus nos conhece, no mais
profundo de nosso ser, e chama-nos a relação quer também por nós ser conhecido,
compreendido e amado.
A alegria da esperança já se manifesta na espera, na expectativa que temos, que nos
impulsiona e gera movimento em nossas vidas. O planejar a festa já é prelúdio da própria
festa, já há vibração latente, que anima e dá coragem e força para realizá-la.
Seguindo com a reflexão de Leonardo Boff,
O céu é a total realização das possibilidades de ver, não a superfície das coisas, mas seu
coração. Céu é a festa dos olhos, de tal forma, que a visão do olho terrestre pode ser
considerada como um ver por espelho e confusamente (cf. 1Co 13,12) quando comparada com
a visão na situação de céu. É isso o que significa quando dizemos: o céu é a convergência de
todas as possibilidades e dinamismos do mundo e do homem. É a pátria, é o lar da identidade
onde todas as coisas se encontram consigo mesmas, na sua última profundidade e realização. 12
(Leonardo Boff)
Ratzinger concorda com a relação dialogal, com o evento do encontro.
Trata-se de uma imortalidade “dialogal”( igual fazer reviver) ou seja a imortalidade não é
fruto da impossibilidade natural do ser indivisível de não poder morrer, e sim da ação
salvadora do amante que tem o poder de fazê-lo: o ser humano já não pode findar totalmente,
10
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 138.
TORRES QUEIRUGA,Andres. Op. cit., p. 261.
12
BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 71-72.
11
7
porque é conhecido e amado por Deus. Se todo amor aspira à eternidade, o amor de Deus não
apenas aspira a ela, mas cria e é a eternidade. Na realidade a ideia Bíblica da ressurreição
nasceu diretamente desse aspecto dialogal: o orante sabe, na fé, que Deus há de reestabelecer a
justiça (Jó 19,25ss; Sl73,23ss); a fé está convencida de que aqueles que sofreram pela causa de
Deus terão também parte na realização da promessa (2Mc7,9ss). Como na concepção bíblica a
imortalidade não é fruto do poder próprio de um ser indestrutível mas consequência da
inclusão no diálogo com o criador, ela precisa ser um “voltar a vida”. (...)
O fato de a ressurreição ser esperada para o fim da história para os “últimos tempos”, e em
comunhão com todos os seres humanos, indica o carater comunitário da imortalidade humana
que está relacionada com toda a humanidade, na qual, da qual e com a qual o indivíduo viveu
e será bem aventurado ou desventurado. No fundo, essa interdependência resulta como que
por si mesma do carater geral humano da ideia bíblica de imortalidade13 (Ratzinger)
É preciso conhecer o que cremos, nosso depósito de fé não pode ser passional, fruto de
sentimentalismo, precisa ter base fundamentada, caso contrário não passará de ilusão ou
delírio. Ninguém ama o que não conhece, mesmo que de maneira incompleta, sem a
possibilidade gerada de uma realização de plenitude vislumbrada não há relacionamento, só
possível de ser realizado em processo de conhecimento caminhando na direção de uma
intimidade. Onde o conhecimento mútuo traz conforto e segurança. A amizade profunda, o
amor, é refugio, conforto, porto seguro, é o lugar onde queremos estar nos momentos de
grande alegria, partilhando e celebrando, como nos momentos de dor profunda, buscando
força e consolo. É o que todos almejamos, amar e ser amados, nos relacionar na verdade e na
sinceridade do amor.
Se não posso vislumbrar o que há no fim da trilha, não há porque percorrê-la, o que
me move adiante, é o entusiasmo, a alegria, a possibilidade de encontrar e viver a realidade
esperada, que será sim, maior do que minhas expectativas, pois com minhas limitações
humanas nunca alcançarei a completude da realidade de Deus, inefável, de amor imenso e de
promessa inigualável. Movido na esperança dessa promessa é que procuramos viver,
construindo, trabalhando para que já em nosso momento histórico consigamos vislumbrar ao
menos a possibilidade do prelúdio dessa promessa, o Reino de Deus. Experimentar o seu
amor, experimentar sua convivência, aberta a todos que a procuram, com atenção, é encontrar
a felicidade, é encontrar a verdade e a certeza de que nunca estamos sós.
A reflexão de Queiruga baseia-se na revelação em Jesus Cristo, que nos revela o Pai.
Porém a possibilidade não é ainda realidade. Se em Cristo falamos de plenitude, significa que
a possibilidade religiosa humana é exercida nele até o extremo. Cristo como plenitude da
revelação significa então que nele acontece de modo insuperável e total o encontro revelador
entre Deus e o homem. Noutras palavras: a livre decisão divina de comunicar-se totalmente e
sem reservas à humanidade encontra em Cristo uma abertura total e sem reservas. Cristo é a
pessoa capaz de experimentar em toda a sua radicalidade humana a presença ativa de Deus que
quer dar-se a nós, e capaz também de acolhê-la com a entrega absoluta de sua liberdade.
Constitui pois, o caso culminante e insuperável desse processo pelo qual o ser humano como
ser emergente alcança sua realização última no encontro com o Deus que quis dar-se
livremente e desde sempre com um amor irrevogável e definitivamente salvador. 14(Queiruga)
13
14
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 257-258.
TORRES QUEIRUGA, Andres. Op. cit., p. 281.
8
Deus se esvazia, Ele se encarna e habita em nosso meio, fazendo-se conhecer na
pessoa de Jesus Cristo – “Se me conheceis, também conhecereis o Pai”(Jo 14,7) ;“quem me
vê, vê o Pai” (Jo 14,9b). Se faz humano igual a nós para nos mostrar o que é a vida em seu
sentido pleno. Vida eterna que é essa15 que já iniciada e que não se conclui ou se transforma
simplesmente em realidade extramundana ou em realidade estática ou congelada no tempo,
mas sim como vida que continua com suas implicações dialogais e relacionais, na dinâmica
eterna do encontro e do amor. É vida que interage e continuará a interagir com as de outras
pessoas formando uma sociedade fraterna onde não há diferenças; onde um irmão
compreende que só pode ser feliz ao ver seu irmão também feliz. Cristo vem nos mostrar
como amar, como nos relacionar com Deus. Mostra-nos o Pai (Jo14,9). Vem nos conduzir no
caminho do amor, do perdão da misericórdia. Sua justiça sua lógica não é igual a nossa, é a
justiça e a lógica do Reino, que vem anunciar, vem trazer a possibilidade de sua plenitude, já
semeado e implantado com seu testemunho, missão. Vida paixão morte e ressurreição.
Vencendo a morte, venceu o mundo(1Jo5,4) e nos mostra que a vida é algo muito diferente,
que vai muito além da proposta da realidade do mundo. Ele é para nós o caminho, a verdade,
a vida(Jo14,6).Caminho de salvação, caminho para também podermos participar da glória de
Deus.
Acreditei, por isso falei, cremos também nós, e por isso falamos.Pois sabemos que aquele que
ressuscitou o Senhor Jesus, ressuscitará também a nós com Jesus e nos porá ao lado dele,
juntamente convosco. E tudo isso se realiza em vosso favor, para que a graça, multiplicandose entre muitos, faça transbordar a ação de graçaspara a glória de Deus.( 2 Co 4,13b-15)
Podemos ver a concordância dos autores: Moltmann, Queiruga e Ratzinger, que
afirmam:
De fato, a fé cristã vive da ressurreição do Cristo cruxificado e se extende em direção as
promessas do retorno universal e glorioso de Cristo. Escatologia é “paixão” em dois sentidos,
o de sofrimento e o de tendência apaixonada, que tem sua fonte no massias. Por isso mesmo a
escatologia não pode ser simplesmente parte da doutrina cristã. Ao contrário toda a pregação e
mensagem cristãs tem uma orientação escatológica a qual é também essencial à existência
cristã e a totalidade da Igreja. Por isso, existe um único verdadeiro problema da teologia cristã,
proposto pelo seu próprio fim e, por meio dele, proposto à humanidade e à reflexão humana: o
problema do futuro. Com efeito aquilo que encontramos nos testamentos bíblicos como objeto
de esperança é “o Outro”, algo que não podemos pensar nem imaginar a partir das
experiências que já tivemos e da realidade dada. Algo que, no entanto, nos é apresentado como
promessa de algo novo, o objeto de esperança que está no futuro de Deus. O Deus de que aí se
fala, não é o Deus intramundano ou extramundano, mas o “Deus da esperança”(Rm15,13); O
Deus que tem o “futuro como propriedade do ser”(E. BLOCH), tal como se apresenta no
êxodo e nos profetas de Israel; o Deus que não podemos ter em nós, nem está acima acima de
nós, mas sempre diante de nós, que vem ao nosso encontro em suas promessas do futuro, a
quem, por isto mesmo não podemos “possuir”,mas só ativamente aguardar em esperança. Por
15
“Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro e aquele que enviaste , Jesus Cristo.”(Jo17,3)
retoma os termos de 1 Jo5,20: “nós sabemos que veio Filho de Deus, e nos deu a inteligência para conhecermos o
Verdadeiro. E nós estamos no verdadeiro, no seu Filho Jesus Cristo. Esteé o Deus verdadeiro e a vida eterna”.
9
conseguinte a teologia correta deve ser pensada a partir de sua meta futura. A escatologia não
deve ser seu fim, mas seu princípio.”16(Moltmann)
A plenitude é Cristo, esse poderia ser o resumo de todo desenvolvimento. Como realidade
pessoal – portanto capax infiniti – situa a revalação no único lugar capaz de ser
insuperavelmente pleno. Como existência concreta que abre ao máximo – na acolhida e na
entrega - essa capacidade de infinito, realiza na história o que parecia impossível: que Deus
possa abrir para o ser humano, sem provisionalidade revogável, o mistério absoluto de seu
amor e de sua definitiva decisão salvadora; e que a partir da humanidade esse amor e essa
decisão possam ser acolhidos numa opção total, sem reservas de egoismo nem deformações de
pecado. Tal é o mistério de Cristo, que faz simultaneamente presença pessoal de Deus para o
homem – vere Deus – e realização modelar de resposta a Deus por parte do homem – verus
homo.
Por isso se trata de uma plenitude totalmente entregue a história. Primeiro, enquanto Cristo a
“recapitula”, recolhendo em si e elevando a pleno cumprimento todo o processo revelador
anterior, a partir do qual ele cresce, como homem, e que ele cumpre, como Filho. Segundo e
sobretudo enquanto abre para todos os demais o acesso a essa plenitude: a partir dele a
humanidade é colocada em uma nova situação, tendo já para sempre a possibilidade de
participar dessa realização definitiva.17(Queiruga)
(...) Quem crê está em diálogo com Deus, e esse diálogo é vida que supera a morte, com isso,
fundem-se também a linha “dialogal” relacionada diretamente com Deus, e a linha interhumana da ideia de imortalidade da Bíblia. Pois no homem Cristo encontramos Deus, mas
encontramos igualmente a comunidade dos outros, cujo caminho para Deus passa por ele, por
meio dele para os outros. Em Cristo a orientação a Deus é também orientação à comunhão
com a humanidade; só pela aceitação dessa comunhão podemos dirigir-nos a Deus que não
existe fora de Cristo e, por isso, também não existe fora do nexo de toda história humana e de
sua missão inter-humana. 18 (Ratzinger)
Há uma meta história a nossa espera, a ser por nós também realizada, um mundo onde
o amor impera a todas as outras realidades, onde a fome, a sede, serão realidades absurdas,
onde a amizade chega ao seu ápice, a intimidade entre os homens será tamanha que não há o
que pedir, conhece-se o outro porque ama-se e amando se conhece cada vez mais. Não será
mais preciso explicações, há amor, compreensão e misericórdia. A união gerada pelo amor
gera a sintonia entre os corações, que pulsam unidos, há um só desejo, a felicidade do amado.
Nosso irmão visto com o olhar de Cristo, é filho, como eu também sou filho, somos iguais,
parte do mesmo corpo, do mesmo tecido, cada um com seus atributos e diferenças. Atentos a
vontade do Pai, realizamos o reino, mesmo que ainda de forma embrionária, mas semeando,
espalhando suas sementes podemos vê-lo frutificar.
Ratzinger explica:
A lógica é contundente: se não há nada em que ele seja apenas ele, nenhuma particularidade
delimitada sua, então ele coincide com aquele e é “um” com ele. A palavra “Filho” quer
exprimir precisamente essa totalidade da inter-relação. Para João, “Filho” quer dizer ser a
partir de outro; com esse termo ele define portanto, o ser desse homem como um ser que vem
de outro e é dirigido aos outros, um ser que está totalmente aberto para os dois lados e que não
conhece nenhum espaço restrito ao próprio eu. Se, por um lado, fica evidente que o ser de
16
MOLTMANN, Jürgen. Op. cit., p. 30-31.
TORRES QUEIRUGA, Andres. Op. cit., p. 257.
18
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 259.
17
10
Jesus enquanto ser do Cristo é um ser totalmente aberto, ou seja um ser “a partir de” e
“dirigido para”, que nunca se apega a si mesmo nem jamais se baseia em si próprio, então está
claro, por outro lado, que esse ser é pura relação (e não substancialidade) e, como pura relação
é pura unidade. O que se afirma nessas palavras sobre Cristo explica, conforme vimos
também a existência cristã. Ser cristão significa para João: ser como o Filho, tornar-se Filho,
e isso quer dizer: não persistir para si e em si e sim viver totalmente aberto na relação “a partir
de” e na “direção para” isso vale também para o cristão enquanto “cristão”. Mas essas
afirmações também o fazem dar-se conta de como está longe de ser realmente cristão. 19
(Ratzinger)
Queiruga expõe sua reflexão sobre a escatologia.
A escatologia proporciona-lhe assim a categoria – chave que lhe permite realizar a “quadratura
do círculo”, ou seja, obter “uma concepção de uma história universal que, em oposição à de
Hegel, preserva a finitude da experiência humana e com ela a abertura para o futuro, assim
como o direito do indivíduo”20. Essa categoria é a de prolepse ou antecipação: um fim da
história, não absoluto e fechado, senão provisório e antecipado. Tal é o que lhe oferece o
acontecimento escatológico da ressurreição de Jesus: a antecipação do fim (universal) da
história em sua ressurreição (individual) permite descobrir o sentido da história universal;
porém se trata já de um sentido que ( diferentemente de Hegel) “deve incluir o horizonte de
um futuro aberto e com ele as possibilidades de uma atuação no presente”.21 (Queiruga)
Boff explana sobre a esperança.
Dizer esperança é dizer presente, mas também futuro e gozar de um já presente na expectativa
de que se revele plenamente porque ainda-não se comunicou em totalidade. Deus mesmo é “o
Deus da esperança”(Rm 15,13): Ele está já aí, presente e se auto doando, mas também é
sempre aquele que vem, que está para chegar na surpresa de uma novidade. Por isso Ele é e
será para o homem o eterno futuro absoluto. Nunca deixará de chegar, mas jamais chega de
forma absoluta, a ponto de esgotar totalmente seu inefável futuro. Porque é o Deus do futuro e
da esperança do amanhã de nossa vida, Ele sempre se revela como Aquele que liberta o
homem de suas ligações com o passado, para que cada um esteja livre para o seu futuro. No
entretanto Ele não seria o nosso futuro se não estivesse manifestando esse futuro dentro do
presente. Daí é que o seu Reino não é um futuro-futuro. Ele está crescendo e germinando nas
luzes e sombras do tempo presente. O céu e a total divinização do mundo estao se moldando
lentamente, dentro do horizonte de nossa existência. Vão crescendo e madurando até acabarem
de nascer.22( Leonardo Boff)
Viver o presente, se colocar em ato para construir, para promover a vida. Trabalhar por
uma sociedade justa. Só assim o homem consegue realizar-se em sua humanidade. Quem
consegue ser feliz ao ver quem ama sofrer?
É preciso compreender realmente que somos todos irmãos, que somos todos parte
desse corpo único que treme e pulsa, que espera e caminha para o futuro onde participará da
glória de Deus. Participará de sua realidade, de seu Reino como ser também divino. Para isso
é preciso ver o mundo com os olhos de Deus, para seguir na esperança da promessa.
Compreender que a sua ação é constante e permanente, criação perene e dinâmica que anuncia
sempre algo novo a acontecer na continuidade da história. Acreditar que o Reino já vem se
19
ibid., p. 139.
Hermeneutik und universalgeschichte
21
TORRES QUEIRUGA, Andres. Op. cit., p. 252.
22
BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 137.
20
11
desenvolvendo com a história humana, mesmo que não em velocidade, que gostaria nossa
lógica, nossa maneira de pensar, mas em processo lento e paulatino, processo pedagógico, de
aprendizado. Ao olharmos a história da humanidade, é possível constatar uma amorização
crescente desenvolvendo-se em seu percurso. Hoje nos preocupamos com o planeta, com a
ecologia, coisas que no passado eram inimagináveis. Adquirimos consiência dos direitos
humanos de sua igualdade indiferente de cultura, não vemos mais a violência com os mesmos
olhos com que era vista a dois séculos atrás. O caminho é longo, cheio de altos e baixos, mas
nos orientando pela luz sabemos que direção seguir.
É necessário no entanto estar alerta, estar com os olhos abertos, para perceber as
manifestações de Deus assim como sua vontade. Ele quer se comunicar, e assim o faz, a
questão é, somos capazes de perceber?
A revelação é contínua e para todos os que se dispõem a conhecê-la, a observá-la.
Deus se comunica conosco em nosso dia a dia, em nosso cotidiano, cabe a nós estarmos alerta
e percebê-lo. Confirma Queiruga:
Deus se revela sempre, o quanto é “possível”em todas as partes e a todas as pessoas e culturas,
na generosidade livre e irrestrita de um amor sempre em ato, que quer dar-se plenamente. De
modo que os limites na revelação efetiva nascem apenas da incapacidade e do pecado
humanos, que freiam, deformam ou não reconhecem a manifestação divina. É a recepção
humana que torna tão obscura e dramática a história da revelação, tanto nas religiões da
humanidade como no caminho peculiar da Bíblia.23 (Queiruga)
Leonardo Boff confirma a afirmação:
Acostumar a ver o mundo com os olhos de Deus é iniciar-se na esperança da promessa e
começar a viver de uma grande promessa. É poder presencializar o ato criador de Deus que
não se esgotou no passado, mas que continua a ser feito ainda hoje. A nós é dado assistir o
milagre do ser, acompanhar como Deus cria, mantém e faz desenvolver todas as coisas.
Sentimo-nos no caminho , longe, quem sabe, ainda da meta final. Mas nos é dado vislumbrá-la
e torná-la presente pela esperança. Daí é que a fé cristã professa um invencível otimismo,
porque se habituou a ver o mundo não considerando apenas seu passado e descrevendo seu
presente – que podem ser pouco animadores - mas, considerando especialmente seu fim-meta
em Deus.24( Leonardo Boff)
A questão da esperança e da promessa, está vinculada a nossa fé ao nosso crer e a
nossa vontade de nos comprometermos. Aliança é pacto, envolve sempre duas pessoas ou
mais, nunca é solitária. É relacional, e principalmente dialogal. Não fazemos alianças com o
que não concordamos e com quem não acreditamos ser fiel, mas a questão volta-se para nós.
Deus é fiel e sempre será, mas e quanto a nós? Honramos nosso pacto, nosso compromisso
para com ele? Visamos a construção de seu reino? De sua justiça? A verdade é que muitas
vezes queremos ditar as regras com nossa lógica humana, nossa justiça deturpada que
acreditamos ser a correta, estamos ainda longe de sermos realmente humanos, de
caminharmos em direção da compreensão do outro, não nos esforçamos em fazer a leitura da
realidade em perspectiva que contraponha o nosso modo de pensar, porque achamos ser ele o
certo, o correto. Mas será que o correto – ao nosso julgamento – será necessariamente o bom?
23
24
TORRES QUEIRUGA,Andres. Op. cit., p. 19.
BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 107.
12
Em uma sociedade onde há fome, há falta de recursos básicos para o exercício de uma vida
digna onde o desequilíbrio econômico é de contraste absurdo pode se considerar correta?
Continuando a pensar como seres individuais que fazem prevalecer o sucesso e a
prosperidade pessoal em detrimento da insuficiência do outro não conseguiremos justiça, é
preciso promover a vida, acreditar de fato nas promessas do Reino e trabalhar para sua
concretização prática. Assim estaremos fazendo nossa parte, e trabalhando para que a
Promessa do Reino possa se realizar.
Afirma Ratzinger:
(...) a santidade da Igreja consiste naquele poder de santificação que Deus exerce nela apesar
da pecaminosidade humana. É esse o verdadeiro sinal “Nova Aliança”: em Cristo, o próprio
Deus prendeu-se aos homens, ele deixou-se prender por eles. A Nova Aliança já não se baseia
no cumprimento mútuo do acordo, porque é graça concedida por Deus, e esta não recua diante
da infidelidade do ser humano. Ela é expressão do amor de Deus que não se deixa vencer pela
incapacidade do ser humano, pelo contrário, ele lhe quer bem apesar de tudo e sem cessar; ele
o aceita justamente como ser pecaminoso dirigindo-se a ele para santificá-lo e amá-lo 25
(Ratzinger)
O Deus de Israel não é visto como um rei separado de seu povo por uma distância
aristocrática, ele não é associado ao despotismo sem limites que, naquela época era
característica dos reis; ele é o Deus proximo que pode tornar-se, em princípio, o Deus de todo
ser humano. Quantas reflexões e ponderações permite esse enfoque!26 (Ratzinger)
Complementa Queiruga:
Formada dentro da tradição cristã, a teologia tem tentido inconsientemente a fazer da Bíblia
um mundo a parte, sem nenhum contato com a realidade circundante, como nascida totalmente
de si mesma, isolada, sem influências ou derivações. Todavia, cada vez mais, faz-se necessário
situá-la em sua circunstância concreta, vê-la como um fenômeno histórico e real, comungando
de todos os lados com seu ambiênte. O que não significa – repitamo-lo – negar sua
peculiaridade, mas situá-la como diferênça no comum pano de fundo humano e religioso de
seu tempo.27 (Queiruga)
Ressurreição? como compreender senão como plena realização de nossa humanidade?
É preciso compreender a ressurreição em seu sentido mais amplo, mais aberto, dinâmico. Não
é estática nem apenas projeção para o além da vida. É processo iniciado aqui, agora no hoje,
no cotidiano da vida, em cada momento vivido. Cristo de encarnou, se fez um de nós
conviveu conosco para se revelar humano. Mas só seremos plenamente humanos, na relação
dialogal com os outros iguais. Quando percebermos no outro ser ele um comigo como quando
também eu me fizer um com ele. Preservando nossa identidade, nossa perseidade, mas
permitindo que o outro também se preserve. Respeitando as limitações e diferenças
individuais, sem comparações ou cobranças. Sem a relação de supremacia ou domínio, apenas
na complementaridade. Assim teremos a amizade sincera, pura, gratuita, baseada na
compreensão e no amor. Amizade que supera distâncias e barreiras e que em direção ao
25
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 251.
Ibid, p. 94.
27
TORRES QUEIRUGA, Andres. Op. cit., p. 27.
26
13
amigo só há um desejo; vê-lo feliz, vê-lo brilhar,vê-lo ser amado, não só por mim, mas por
todos aqueles que interagem com ele.
Comenta Leonardo Boff:
A verdade do homem não está no homem como se encontra hoje, mas no homem como será
amanhã e como já foi, antecipatoriamente, manifestado em Jesus Ressucitado. Como dizia
excelentementemente Santo Inácio de Antioquia: “Quando chegar lá (no céu) então é que serei
homem.28(Leonardo Boff)
Complementa Ratzinger:
(...) A ressurreição dos mortos (não dos corpos!) de que fala a Bíblia refere-se portanto à
salvação do ser humano uno e indiviso e não apenas de uma metade do homem
(eventualmente até secundária). Fica claro portanto que o ponto central da fé na ressurreição
não consiste na ideia da devolução do corpo, à que ela ficou reduzida praticamente, em nosso
pensamento; essa afirmação continua válida mesmo diante da objeção de que é essa a imagem
usada na própria Bíblia.(...) A meu ver o melhor caminho para chegar ao essencial é a
confrontação dessa visão com a concepção dualista da filosofia antiga.
A ideia de a imortalidade expressa na Bíblia pelo termo “ressurreição”, refere-se a uma
imortalidade da “pessoa”, desse ente uno que é o ser humano. Enquanto no grego o típico ser
humano é um produto efêmero que não sobrevive como tal, seguindo de acordo com a com a
sua constituição heterogênea de corpo e alma, dois caminhos diferentes, é segundo a fé bíblica
precisamente que esse ser humano continua existindo como tal, se bem que transformado.29
(Ratzinger)
Ainda sobre o Tema, afirma Queiruga:
Pensemos numa amizade ou num amor que depois de uma longa gestação atingem esse ponto
em que a confiança é total e a entrega, sem reservas. Interpretar que então “acabam” a
amizade ou o amor seria não entender nada. Porque é justamente nesse momento que
“começam” de verdade, ou seja quando se abre um âmbito onde podem desenvolver-se todas
as potencialidades e onde todas as possibilidades podem fazer-se atuais. Acontece totalmente
o contrário de uma “clausura”: produz-se uma autêntica intensificação do ser e uma real
abertura do futuro.
Com a revelação não sucede de modo diverso, senão, em todo caso mais rico e profundo. Que
a comunhão salvadora e amorosa com Deus alcance em Cristo sua plenitude não significa um
fim, senão o grande começo, “a nova criação”, o espaço onde a todo homem e mulher é aberta
a possibilidade de avançar para a “idade adulta, até a estatura que corresponde a plenitude de
Cristo”(Ef 4,13)
Pensemos, igualmente no milenar processo da evolução. Se dizemos, ao chegar ao ser
humano, a evolução biológica atinge um limiar insuperável, isso não significa que o homem
seja um ser fechado e estático. Pode ser produzida tal ilusão de perspectiva porque,
efetivamente, o homem já não é um trânsito (...). Porém, não ser trânsito significa neste caso
plenitude, capacidade de ação, exaltação das possibilidades contidas nos estádios anteriores e,
por isso mesmo, abertura de um futuro mais rico e mais pleno. A cultura não é outra coisa.
Isso é justamente o que significa falar da plenitude da revelação em Cristo com relação as
etapas anteriores.”30 (Queiruga)
28
BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 143.
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 257.
30
TORRES QUEIRUGA, Andres. Op. cit., p. 267.
29
14
Precisamos pensar no ser humano como completo, não como estrutura dualista, corpo
e alma separados. Somos pessoas completas, constituídas por nossas ações, exercício de nossa
vontade. Isso nos constitui, gera nossa identidade, nossa perseidade. Somos inteiros. A
ressurreição não pode, no entanto se limitar ressurreição de corpos e sim de essência. Quando
pensamos em alma é necessário então pensar em nossa capacidade de interagir, de dialogar,
de nos relacionar com Deus. Vamos nos constituindo em processo, não só individualmente
mas também em coletividade, interagimos todo o tempo com o outro, quer queiramos ou não.
Toda interação no entanto é transformadora, somos seres dinâmicos em eterno movimento,
em eterna transformação. Não terminamos uma manhã sequer igual ao momento que nos
levantamos. Fatos externos nos afetam, é necessário interpretá-los, interagir com a realidade
de nosso cotidiano. A vigilância e a vontade entram então com potencial transformador,
deixando-nos guiar pelo Espírito de Deus, atentos a sua vontade e seus desígnios, procurando
discernir o que é bom, seguindo o caminho e os ensinamentos de Cristo, transformamos a
realidade a nossa volta. Geramos amor, geramos alegria, geramos vida e dessa forma
promovemos o Reino, e antecipamos então a ressurreição, gerando a esperança em uma
realidade que podemos já participar.
Dando lugar ao Cristo, colocando-o no centro de nossas vidas seremos ricos, livres e
perceberemos que isto nos basta: seus cuidados para consco, sua fidelidade, seu amor.
Cuidará de nós com amor de Pai, com olhar de misericórdia, não precisaremos de nada,
proverá sempre aquilo que for necessário, conduzindo-nos sempre ao melhor.
Deus nos amou primeiro, Ele nos desejou plenos, felizes. Para isso é necessário voltar
a Ele, voltar a se relacionar com Ele buscando a mesma intensidade de amor. Isso é colocá-lo
no centro de nossas vidas, amando os que estão a minha volta, procurar sua justiça, fazer a sua
vontade, interagir com os outros sem barreiras, sem fronteiras, no diálogo , na partilha
fraterna, vendo-o como irmào, igual a mim, filho de Deus.
Esse deve ser também o enfoque que mostra o que João quer dizer quando apresenta o Senhor
Jesus Cristo como nome verdadeiro e vivo de Deus. Nele se cumpriu o que nenhuma palavra
tinha condições de cumprir. Nele o sentido do discurso sobre o nome de Deus alcançou a sua
meta; realizou-se o que a ideia do nome sempre quis dizer e exprimir. Com essa ideia, o
evangelista quer deixar claro que, em Cristo, Deus se tornou de fato aquele que pode ser
chamado. Nele Deus entrou para sempre na coexistência conosco: o nome deixou de ser uma
mera palavra à qual nos apegamos; ele passou a ser carne da nossa carne, osso do nosso osso.
Deus é um dos nossos. Dessa maneira se cumpre concretamente nele, que como Deus é
homem e como o homem é Deus, aquilo que desde o episódio da sarça estava querendo dizer a
ideia do nome. Deus agora é um de nós e, por isso pode ser chamado pelo nome, já que está
participando de nossa existência.”31(Ratzinger)
A constante presença de Deus em nossas vidas, em nossa história, é também afirmada por
Moltmann.
“Este Deus está presente quando se aguardam as suas promessas em esperança e se esperam
coisas novas. No Deus que chama o não-ser ao ser, também o ainda-não-ser, o futuro, se torna
“plausível”, porque pode ser esperado. O “agora” e o “hoje” do Novo Testamento são
diferentes do “agora” do presente eterno do ser de Parmênides, pois esse “agora” é um “de
31
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 100.
15
repente”, um “logo”, em que a novidade do futuro prometido relampeja e irrompe com sua luz.
Somente neste sentido pode ser chamado de um hoje “escatológico”. “Parusia” era para os
gregos a presença do deus, e na filosofia significava a presença do ser. A “Parusia” de Cristo,
porém é entendida no Novo Testamento em categorias da espera, e por isso não significa
presentia Christi, mas adventus Christi. Não é sua eterna presença que faz parar o tempo, mas
o seu “futuro”, como afirmam os cânticos do Advento, e que manifesta a vida no tempo; e a
vida no tempo é esperança. O crente não é colocado no meio dia da vida, mas na aurora de um
novo dia, na qual noite e dia, passado e futuro estão em conflito entre si. É por isso que o
crente tão pouco vive para o dia, mas para além do dia, na espera das coisas que conforme as
promessas do creator ex nihilo e do ressucitador dos mortos devem vir. Essa presença da
vindoura Parusia de Deus e de Cristo nas promessas do Evangelho do crucificado não nos
arranca do tempo, nem faz parar o tempo, antes fura o tempo e move a história; não é a
negação do sofrimento por causa do não-ser, mas a aceitação e inserção da não existência na
lembrança e na esperança.”32 (Moltmann)
Em nós, temos o melhor abrigo para guardarmos e proteger aqueles que amamos, em
nossa memória e no mais intimo de nosso ser, o coração. Nós mesmos podemos experimentar
a eternidade daqueles que amamos, que guardados na memória e no coração são para nós
eternalizados no amor. Podemos então analogamente imaginar o que é ser imortalizados no
amor de Deus. Guardados em seu coração, fazendo assim parte de seu ser, vivos em sua glória
e eternamente a ele unidos.
Aqui podemos perceber a intenção de Ratzinger.
(...) As reflexões precedentes deixaram mais ou menos claro qual é o ponto essencial do
anúncio bíblico da ressurreição: o seu conteúdo essencial não é a ideia de uma devolução dos
corpos às almas depois de um longo período intermediário; o seu sentido é dizer aos seres
humanos que eles mesmos continuarão vivendo, não por seu próprio poder mas porque eles
são conhecidos e amados por Deus de uma maneira que já não permite que eles pereçam. Ao
contrário da concepção dualista da imortalidade que encontra a sua expressão no esquema
grego de corpo e alma, a fórmula bíblica de imortalidade pretende transmitir uma ideia
dialogal que abrange o ser humano como um todo: a essência do ser humano, a pessoa,
continuará existindo; aquilo que amadureceu durante a existência terrena de espiritualidade
corporificada e de corporalidade espiritualizada continuará existindo de outra maneira. A sua
existência continua porque vive na memória de Deus. E como é o próprio ser humano que
viverá e não uma alma isolada, o elemento inter-humano fará parte desse futuro; por isso o
futuro do ser humano individual só estará completo quando estiver cumprido o futuro da
humanidade.33 (Ratzinger)
A realização plena de nossa humanidade, a amizade em sua plenitude, o amor
fraterno que transborda e movimenta, é eterna. É eterna a festa e partilha entre amigos. Isso é
ressurreição, é viver etrnamente no coração do outro, assim como no coração de Deus. O
Reino escatológico, nos foi plenamente revelado em Cristo Jesus. Para essa direção é que
devemos seguir, semeando esse reino ainda aqui, já, no nosso cotidiano, para que na
continuidade de nossa existência, na vida porvir, possamos desfrutar de sua plenitude quando
seremos então um com o Cristo, seremos um só povo, um só rebanho e teremos um só
Senhor, Deus, nosso Pai.
32
33
MOLTMANN, Jürgen. Op. cit., p. 47.
RATZINGER, Joseph. Op. cit., p. 259-260.
16
Explicando a união, Ratzinger expõe:
A partir desse ser com Cristo que se une completamente à abertura daquele que não quis
agarrar-se a nada como seu ( veja também Fl2,6s) segue-se a união total - “para que sejam um
como nós somos um”. Toda falta de união e toda separação se baseiam numa carência oculta
de espírito cristão autêntico e num apego no que nos é próprio, de modo que fica
comprometida a coincidência na unidade.34(Ratzinger)
União que também é um lugar, como complementa Leonardo Boff.
Ao refletirmos sobre o céu(...) dizíamos que o céu não é um lugar para o qual vamos, mas uma
situação na qual seremos transformados, se vivermos no amor e na graça de Deus. O céu de
nossas estrelas e de nossas viagens espacial dos astronautas e o céu de nossa fé não são
portanto idênticos. Por isso quando rezamos no Credo, domingo após domingo, que Cristo
subiu aos céus não queremos dizer que Ele, antecipando a tecnica moderna empreendeu uma
viagem sideral. Para o céu da fé não existe tempo, direção, distância, espaço. Isso vale para o
nosso céu temporal. O céu da fé é Deus mesmo de quem as escrituras dizem: “Ele mora numa
luz inacessecível ( 1Tm 6,16).”35(Leonardo Boff)
Conclusão
As mais diferentes culturas e religiões também acreditam em uma vida após a morte. No
entanto, no cristianismo, acreditamos na vida se desenvolvendo em processo de plenitude,
crescente, já iniciado em nossa existência terrena, que no porvir, alcançará sua plenitude, a
completude de nossas realizações como seres humanos que somos. A vida é essa. É uma só e
precisa ser vivida com excelência, é vida que será sim perpetuada estendida a uma realidade
que por ora não alcançamos. Vida que será perpetuada, não substituída. Nossa identidade,
nossa perseidade não se perde com a morte física, corporal, o que somos, acreditamos, e
fazemos não é deixado para trás, nem cai no esquecimento. É o que nos constitui, o que nos
torna quem somos, é o que nos identifica e nos faz ser conhecidos e reconhecidos pelos
outros, pelo Pai. Somos o que agimos, o que testemunhamos; essa é nossa herança eterna,
valores que nos são atribuídos em nossa peregrinação terrestre. Não passamos pela existência
corporal para esquecermos ou sermos esquecidos. O amor nos perpetua, nos abriga na
memória e no coração de nossos entes queridos, e deles também nós passamos a fazer parte.
Desta forma nos tornamos corpo, formamos o corpo, o rebanho, a nação santa da qual se
refere a Bíblia.
É necessário, portanto, agirmos com coêrencia, para a construção desse porvir, do Reino.
Trabalhar por um mundo melhor, procurar realizar mudanças que mesmo que no momento
nos pareçam pequenas, reverbera e infunde os corações como a maré que invade a areia,
irrigando-a e trazendo vida. A semente de mostarda, a menor de todas as sementes se
transforma em arbusto grande o suficiênte para abrigar os ninhos dos pássaros (Mt 13,31-33).
Com pequenas e cotidianas acões podemos sim provocar mudanças, promover a vida e trazer
a justiça. A esperança nos apresenta uma realidade de movimento, onde cada um faz o que é
possível, o que tem capacidade, colaborando um com o outro, sem a vaidade de se sentir
superior ou rejeitado. Somos todos membros de um corpo e como o corpo cada orgão possui
34
35
ibid (pag 139/140)
BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 171.
17
função diferente, mas unido, quando um sofre, o corpo todo sofre em unidade (1 Cor12, 1827).
Para João, “Filho” quer dizer ser a partir de outro; define com esse termo o ser desse homem
como um ser que vem de outro e é dirigido aos outros, ser que está totalmente aberto para os
dois lados e que não conhece nenhuma limitação de espaço, não restringindo-o ao próprio eu.
Ao fazer parte deste corpo, nós nos inserimos na realidade do Reino, anunciado e iniciado por
Jesus Cristo. Somos inseridos no Cristo e por ele divinizados, somos seu sacramento,
manifestação visível de sua glória. Somos peregrinos, errantes e nos conduzimos a um destino
de glória, para estar com Deus e para dele também fazer parte, como filhos diletos e amados,
conhecidos e esperados, onde aolhidos com seu abraço seremos plenos, para nos
confraternizar com Ele na grande festa, seremos então um com Ele.
Enfim, a ressurreição é proposta e promessa realizada em Jesus Cristo, que nos mostra o
caminho a ser seguido para obtê-la. É aliança, e como tal é compromisso, pacto. Deus quer a
nossa participação, nossa atitude, nosso testemunho e, acima de tudo, nosso amor. Mas como
é possível amar alguém quando não amamos os que são por ele amados? Enquanto não
compreendermoa que o Amor de Deus é para todos, que ama a cada um de nós da mesma
forma, “faz cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt5,43-48), nos invocando a uma justiça de
amor, a uma lógica diferente, a da compaixão e da misericórdia testemunhada e vivida Por
Jesus, que ainda nos invoca: “Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é
perfeito”(Mt5,48). A vida eterna já é iniciada, ainda não obtemos a plenitude da promessa,
mas cabe a nós percorrer a trilha na esperança de alcançá-la.
Estas novas leituras e abordagens nos proporcionaram uma nova compreensão da escatologia,
através da esperança.
Referências
BOFF, Leonardo - Vida Para Além Da Morte: o presente; seu futuro, sua festa, sua contestação –
25.ed. – Petrópolis, Rj; Vozes,2010
RATZINGER, Joseph – Introdução ao Cristianismo: Preleções Sobre o Símbolo Apostólico Com um
novo ensaio introdutório – Tradução Alfred Keller - 4ª ed. – São Paulo; SP; Loyola; 2005.
TORRES QUEIRUGA,Andres – Repensar a Revelação: A Revelação Divina Na Realização Humana;
Tradução: Afonso Maria Ligorio Soares – São Paulo ;SP: Paulinas 2010
MOLTMANN, Jürgen – Teologia da Esperança: Estudos sobre os fundamentos e as consequências de
uma escatologia Cristã; Tradução Helmut Alfredo Simon; 3ª ed; São Paulo; SP: Teológica /Loyola
BÍBLIA DE JERUSALÉM – 6ª impressão;2010. São Paulo; Paulus2002
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