M eta Objetivos - EAD

Propaganda
aula
10
Objetivos
Meta
A LINGUÍSTICA, A GRAMÁTICA E O ENSINO
DE LÍNGUA MATERNA
Apresentar definições de gramática e examinar as
premissas norteadoras da Linguística para o ensino
de língua materna.
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
zz identificar diferentes concepções de gramática;
zz comparar a gramática tradicional com a gramática
descritiva;
zz posicionar-se criticamente a respeito do tema.
AULA 10
A LINGUÍSTICA, A GRAMÁTICA E O ENSINO
DE LÍNGUA MATERNA
1 INTRODUÇÃO
Na aula anterior, iniciamos uma discussão acerca da visão
normativa e descritivo-produtiva da língua. Agora, afunilaremos
as nossas discussões focalizando as definições mais correntes do
termo “gramática”, refletiremos sobre a confusão entre língua e
gramática normativa e, por fim, faremos um contraponto entre
o ponto de vista normativo e linguístico em relação ao ensino
10
de língua materna. Continuaremos a discutir essas questões,
Aula
norteados por linguistas e gramáticos brasileiros, pelo mesmo
motivo apresentado na aula anterior: eles estão imersos em
nossa cultura, conhecem, portanto, com mais profundidade, as
nossas características.
UESC
Letras Vernáculas
157
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
2 O ENSINO
ACEPÇÕES
DE
LÍNGUA
MATERNA
E
SUAS
Muito se tem discutido a respeito do
uso da língua em sociedade, mais ainda
sobre o preconceito introduzido por este uso.
O preconceito advém do desconhecimento
acerca das noções fundamentais de língua
e
gramática
normativa.
Bagno
(1999)
chama a atenção para a importância do
esclarecimento dessas concepções.
Se se confunde língua (em uso) com
gramática normativa comete o terrível
engano de o ensino da língua portuguesa se
Figura 1 - Pequenos estudantes, descortinando os mistérios da língua.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1191196.
tornar um “ensino de língua estrangeira”.
Isto acontece porque por muito tempo
as escolas privilegiaram somente o ensino da língua padrão,
usando como única referência a gramática normativa, não
aceitando e rechaçando qualquer outro tipo de registro. A
negação dessa pluralidade de normas linguísticas pretendeu
neutralizar a diversidade e, com isto, reforçou o abismo entre
escola e sociedade.
O próprio termo gramática tem suscitado debates em
razão da sua multiplicidade de concepções. É preciso saber
de que língua trata cada gramática. Vamos conhecer algumas
dessas definições?
2.1 Tal gramática, qual língua?
Na crônica abaixo, você verá a distinção entre língua em
uso e língua prescrita pela gramática normativa:
Crônica: Não pise a grama
(Parrião Jr)
Com seus pisantes 38 tocou o solo palmense perseguindo,
em largos passos, uma quimera. Terra Nova, nova gente em
busca de sonhos e utopias, cada um caminhando a procura
de coisa qualquer.
158
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
Marchando rumo a um cursinho, desses preparatórios para
tudo (acho que até para casar eles preparam), foi se matricular
com a intenção de aprender a passar em concurso público.
Ser funcionário do governo era seu maior desejo.
Aquela velha mania de ler tudo que ver quase o deixou
espezinhado. Leu, certa vez, uma placa no jardim daquele
estabelecimento de ensino que dizia assim: “não pise na
grama”, seu cérebro, intrinsecamente, logo processou: se
foram eles que escreveram está certo.
Para seu espanto caiu na prova do concurso justamente sobre
o verbo pisar, estava lá na questão: observando a gramática
normativa qual é a resposta certa? a) Não pise na grama;
b) não pise à grama; c) não pise a grama. Essa é moleza!
Pensou logo. Lembrando da placa no jardim do cursinho a
escolha certa foi, então, não pise na grama.
Mas quando veio o resultado, imagine qual foi a surpresa,
perdeu a vaga por um ponto.
Revoltado pôs os pés em direção ao educandário para fazer
a correção da prova. Chegando lá, pasmo ficou, quando
percebeu que havia errado exatamente a questão em tela.
- Mas como! Tá na placa lá fora o certo é não pise na grama
ou será que pisei foi na “grama - tica”?
O sujeito respirou fundo, tomou um bom gole d’água e ouviu
a explicação do professor:
- O verbo pisar é transitivo direto, ou seja, exige complemento
sem preposição alguma: Não pise a grama é a maneira certa
de se usar essa frase.
- Professor, a placa lá fora ta errada?
- Não! Sim! É! Talvez!- Se olhar pelo ponto de vista da
gramática normativa está errado a forma que foi escrito na
placa.
- Normativa! E tem outra?
Aula
10
- Sim, a gramática se fosse colocada num prisma, como um
raio de luz sairia várias ramificações: gramática descritiva,
gramática gerativa, gramática gerativo-transformacional,
gramática histórica, gramática normativa, gramática
pedagógica, gramática prescritiva, gramática tradicional,
gramática transformacional e universal.
- Então como justificar a placa lá fora?
UESC
Letras Vernáculas
159
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
- Modernamente, porém, se aceita o uso de pisar com a
preposição em Não pise na grama, então, tem sido aceito por
alguns gramáticos e dicionários brasileiros.
- Mas para concurso, tá errado?
- Sim, no seu caso foi considerado.
Pelo que fiquei sabendo o sujeito bateu em retirada, nunca
mais pisou a grama daquele estabelecimento, soube-se dele
em outras terras dantes pisadas.
Fonte: http://www.gargantadaserpente.com/veneno/parriaojr/01.shtml.
Você percebeu a distinção entre língua em uso e gramática
normativa? A concepção que norteou o suposto concurso
ignorou o uso corrente do verbo em questão.
Normalmente, o termo “gramática” é usado em acepções
distintas, podendo se referir: a) ao manual onde as regras de
regulação e uso da língua estão explicitadas, ou b) a descrição
do saber internalizado que os falantes têm da sua língua
materna. Estas definições não são as únicas circulantes no
meio acadêmico, mas são as mais conhecidas.
No livro Por que (não) ensinar gramática na escola,
Possenti (1996) apresenta três definições de gramática. A
gramática vista como um conjunto de regras é dividida em:
gramática normativa, descritiva e internalizada.
Segundo o autor, gramática normativa é: “[...] conjunto
de regras que devem ser seguidas, com o objetivo de falar e
escrever corretamente. Um exemplo de regra desse tipo é o que
diz que o verbo deve concordar com o sujeito” (p. 34). Sobre
esse mesmo assunto, Travaglia (2002) afirma que: “gramática
normativa é aquela que estuda apenas os fatos da língua
padrão, da norma culta de uma língua. Essa gramática é uma
espécie de lei que regula o uso da língua em uma sociedade”.
A gramática normativa é observada e produzida por pessoas
cultas, de prestígio e essa variante da língua costuma chamarse de “norma culta”, “variante padrão” ou “dialeto padrão” (p.
53).
Conforme Possenti, gramática descritiva é definida como
“[...] um conjunto de regras que são seguidas, cuja preocupação
é descrever ou explicar as línguas como elas são faladas” (p. 35).
160
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
Nesse trabalho, a principal preocupação é tornar conhecidas as
regras utilizadas pelos falantes. Travaglia, por sua vez, afirma
que a gramática descritiva é a que descreve e registra, para
uma determinada variedade da língua, um dado momento de
sua existência (portanto, numa abordagem sincrônica).
A gramática implícita (ou internalizada), por sua vez,
é definida como o conjunto de regras que o falante domina.
É o conhecimento lexical e sintático-semântico que o falante
possui e que permite que ele entenda e produza frases em sua
língua. A existência de uma gramática internalizada pode ser
observada por dois fatos linguísticos: o primeiro é a criança
produzir formas não usadas por falantes adultos. Por exemplo,
é comum a criança utilizar a conjugação dos verbos regulares
(comi, escrevi) para os verbos irregulares (fazi, trazi). Este
fato demonstra que ela tem uma regra internalizada para
o uso de verbos, porém, por não conhecer as exceções (os
irregulares), aplica a regra a todos os verbos. O outro fato é
a hipercorreção, que é a aplicação de uma regra de maneira
generalizada, ainda que a regra não se aplique a determinado
contexto. Por exemplo, um falante que produz formas como
“meu fio” no lugar de “meu filho”, ao ter contato com as formas
reconhecidas como corretas, “filho”, “velho”, “baralho”, pode
ampliar o uso da regra em contextos onde não se aplica, como
“pilha da cozinha” e “telha de aranha”.
Segundo Luft (1994), a gramática internalizada pelos
falantes se inicia na mente do falante quando ele ainda tem em
torno de três anos e, por volta dos cinco ou seis anos, o falante
já tem esta gramática consolidada e pode falar sem embaraço.
A gramática internalizada ou natural é a verdadeira gramática
da língua e é dela que se originam as gramáticas dos livros. A
gramática internalizada pelos falantes é completa e é através
dela que os que nunca foram à escola e são analfabetos se
comunicam perfeitamente por meio da língua. Essa gramática
está relacionada diretamente com os conhecimentos internos
10
dos falantes. Travaglia acrescenta que: “na verdade é essa
Aula
gramática que é objeto de estudo dos outros dois tipos de
gramática, sobretudo da descritiva” (2002, p. 38).
Tendo esta definição de gramática podemos afirmar que
a língua é o modo como o falante se comunica em sociedade,
no seu dia a dia, não se preocupando com as diversas regras
UESC
Letras Vernáculas
161
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
da língua, utilizando apenas as informações que internalizou.
Entendeu? Deste modo, percebe-se que cada gramática
tem os seus objetivos e procedimentos de análise em relação
à língua. Veja, no quadro a seguir, os três tipos de gramática
conforme Possenti (1996), as suas regras, concepção de língua
e noção de erro:
Gramática
normativa
conjunto de regras que
devem ser seguidas
Gramática
descritiva
conjunto de regras
que são seguidas
Gramática
internalizada
conjunto de regras que o
falante domina
busca pelas
regularidades da
língua:
assemelha-se à lei
da natureza: “é o
que é”
é a língua em
situações de uso pelo
falante:
são conhecimentos/
usos linguísticos dos
falantes, com regras
implícitas (sem que se
tenha consciência delas,
muitas vezes).
Regra
obrigação:
assemelha-se à lei
jurídica: “é o que
deve ser”
Língua
-expressão das
pessoas cultas
-regras baseadas
apenas na modalidade escrita
-critério literário
-norma culta ou
variante padrão ou
dialeto padrão
regularidades
-não existem
línguas uniformes
-o critério não é
apenas literário
o que foge da boa
linguagem, segundo a
norma culta
-há variáveis entre
padrões de uso
-só é erro o que
não faz parte
sistemática de
nenhuma variante
da língua
Erro
O erro aqui consiste em
se afastar do conjunto
de regras dominado
pelo falante.
Fonte: educacao.uol.com.br/portugues/ult1693u5.jhtm.
Doravante, daremos destaque à gramática descritiva e
normativa por concentrarem em seu entorno as discussões mais
produtivas das últimas décadas. Para a gramática descritiva
(de acepção linguística), a língua é um sistema de signos,
fenômeno social, passível de descrição e sujeita às variações
162
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
históricas, sociais e culturais.
Quer um exemplo? Cabe à gramática descritiva explicar
a evolução semântica da palavra rapariga ou irado, bem como
a evolução fonética da expressão Vamos em boa hora? para
vamos embora?, no português do Brasil.
Para a gramática normativa, não existem variedades
linguísticas, ela determina, prescreve, normatiza e elege como
única e verdadeira a linguagem literária, elegendo-a como
padrão para a classe social dominante.
Vamos ver um exemplo? É muito comum, por analogia
aos verbos noivar e casar, dizermos que “namoramos COM
fulano”. Entretanto, pelas regras da gramática normativa, esse
verbo é transitivo direto, assim, namoramos alguém e não COM
alguém. Entendido?
Para você conhecer mais sobre os caminhos tomados ao
longo do século XX, por linguistas e gramáticos brasileiros –
e os seus debates acalorados, dignos de nota - faremos um
breve percurso da história da Gramática Normativa (daqui em
diante GN) no Brasil.
2.2 Gramáticos e concepção de língua
Figura 2 - Garotas estudando.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1178367.
Não se pode falar de gramática normativa no Brasil sem
aludir a Napoleão Mendes de Almeida. É por este motivo que
10
iniciamos este percurso a partir de 1952, com a publicação
da Gramática Metódica da Língua Portuguesa. Nesta época, a
Aula
gramática já estava em sua sexta edição e trinta e seis edições
depois, em 1999, a definição de língua permanecia a mesma!
Leia atentamente: “Conquanto constitua a linguagem dom
comum de todos os homens, nem todos eles se comunicam
UESC
Letras Vernáculas
163
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
pelas mesmas palavras. O conjunto de palavras, ou melhor,
a linguagem própria de um povo chama-se língua ou idioma”
(ALMEIDA, 1999, p. 17). Você pode perceber que o autor define
a língua quando se dedica a conceituar o que é a linguagem, e
assim diferencia os dois termos. A noção de língua parece então
emergir apenas nos aspectos que a diferem da linguagem.
De acordo com Nasi (2007), esse processo se repete
em inúmeras outras gramáticas. Esse é o caso de Cunha e
Cintra (1985) e Rocha Lima (2003). Já Bechara (2001)
conceitua língua, tratando de duas possibilidades: a língua
histórica e a língua funcional. Dessa forma, a língua é, ao
mesmo tempo, um produto histórico e uma unidade idealizada,
devido à impossibilidade de alcançar, na realidade, uma língua
homogênea, unitária; além disto, o gramático considera que a
língua apresenta diferenças internas: no espaço geográfico, no
nível sociocultural e no estilo ou aspecto expressivo.
Neste sentido, veja que os gramáticos consideram
a língua como um sistema (ou conjunto de sistemas) e a
preocupação em expor esta definição não é uma constante:
muitas gramáticas sequer mencionam um conceito de língua.
Agora você vai ler trechos da polêmica entrevista de
Napoleão Mendes de Almeida à Revista Veja em 1993. Leia
atentando para a concepção de gramática que sustenta o
discurso do mestre:
VEJA - Em que programas de TV estão os erros mais
lapidares?
ALMEIDA - Até nos títulos dos programas se cometem
invencionices. Há um humorístico chamado Os Trapalhões.
Essa palavra não existe em português. O verbo é atrapalhar.
Quem atrapalha, portanto, é atrapalhão. Por que tirar o a
da palavra? Também se cometem equívocos nos noticiários,
principalmente, e nas novelas. Há certos erros que me obrigam
a mudar de canal. Repugna-me, por exemplo, ver um locutor
de TV dizendo que se bateu um ‘récorde’, colocando a sílaba
tônica no primeiro e. Esse locutor não é amigo do povo. Nunca
tivemos essa palavra em português. É uma tontice. O certo é
se pronunciar ‘recórde’.
[...]
VEJA - Como falam os políticos brasileiros?
ALMEIDA - Os que falam bem são exceções, e há muito
164
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
poucas. Dizia-se que Collor falava bem, mas ele escorregava,
não sei se nesse meio tempo resolveu estudar gramática. Já o
Lula usou uma frase muito interessante quando era candidato
à Presidência. Ele dizia “Vote ni mim”.
VEJA - Lula deveria estudar gramática?
ALMEIDA - Ele tentou. Lula chegou a se matricular no meu
curso, mas não chegou a responder à primeira lição escrita nem
pagou a segunda mensalidade. Simplesmente desapareceu.
Depois de um certo tempo acabamos rasgando a ficha dele,
na limpeza do arquivo. Rasguei com prazer, depois de uma
greve dos metalúrgicos que deu o maior prejuízo ao país.
[...]
VEJA - Em que região do Brasil se fala o melhor português?
ALMEIDA - É difícil especificar, mas no Maranhão, certa vez,
conheci um professor que, embora muito modesto, divertia-se
conversando em latim com a filha. Isso é significativo. Oxalá
um dia possamos dizer que o Brasil todo fala uma língua
disciplinada, que revele educação, instrução, que revele um
país de pessoas formadas para a sociedade.
VEJA - Estamos muito longe disso?
ALMEIDA - A distância é de pelo menos três gerações.
Fonte: http://traducoesgratuitas.blogspot.com/2009/06/napoleao-mendesde-almeida-veja.html.
E aí, percebeu qual é a concepção? Então vamos às
atividades!
ATIVIDADE
1. O que achou da opinião do professor? O que mais lhe chamou a atenção
nela? Por quê? Você concorda com ele? Justifique a sua resposta.
UESC
Letras Vernáculas
Aula
10
2. A postura do entrevistado nos trechos apresentados espelha uma concepção
de gramática. Dentre as apresentadas acima, qual é a que se enquadraria
como modelo para o Prof. Napoleão? Justifique a sua resposta, exemplificando
com, pelo menos, dois fragmentos da entrevista.
165
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
2.3 Linguística e a concepção de língua: Saussure e
Chomsky
Na Linguística, a língua ocupa outra posição. Você viu
que, para Saussure (1970, p. 23), ela é um sistema de signos
linguísticos, no qual, “de essencial, só existe a união do sentido
e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são
igualmente psíquicas”. A língua é um fato social. “Ela é a parte
social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só,
não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão
em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os
membros da comunidade” (SAUSSURE, p. 22).
A
despeito
das
controvérsias
que
as
premissas
saussurianas originaram, é consenso que Saussure inaugurou
uma nova forma de pensar a língua e, com isso, concedeu
à Linguística o estatuto de cientificidade. De seus estudos
surgiram muitos outros, que, com diferentes abordagens e
recortes teóricos, foram desenvolvendo os estudos na área.
Perini (2001, p. 16), numa introdução ao estudo do
gerativismo - corrente chomskyana - afirma que, para os
gerativistas, a língua é tida como um conjunto de sentenças,
sendo cada uma delas formada por uma cadeia de elementos
(palavras e morfemas). Lembra-se das primeiras aulas nas
quais falamos sobre a distinção proposta por Chomsky entre
competência e desempenho? Pois bem, conquanto os conceitos
de desempenho e competência de Chomsky se assemelhem
aos conceitos de língua e fala de Saussure, para Lyons (1987,
p. 47), há uma distinção fundamental entre eles.
O que Lyons apresenta de comum entre os conceitos
propostos pelos dois autores é que ambos separam o que é
linguístico do que não é. Além disso, conforme Lyons, a questão
principal é que na definição dos dois conceitos de Saussure não
existe nada que trate sobre as regras para gerar sentenças, o
que é fundamental em Chomsky - e consta em sua dicotomia
competência e desempenho.
Assim, se comparássemos a langue de Saussure com
a competência de Chomsky, a diferença fundamental é que
a langue trata de um sistema interiorizado, e a competência,
embora trate também de um sistema interiorizado, trata
não dos signos internalizados, mas das regras para gerar os
166
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
enunciados da língua. Vamos visualizar essas concepções nas
figuras abaixo:
LÍNGUA PARA
SAUSSURE
Sistema de
Signos
Interiorizados
LÍNGUA PARA
CHOMSKY
Sistema
Interiorizado
Inventário de
Itens
(regras para gerar enunciados)
Competência
De acordo com Nasi, em seu texto eletrônico de 2009, o
próprio Chomsky reconhece que a distinção entre competência
e desempenho se relaciona com a dicotomia língua-fala de
Saussure. No entanto, seria “necessário rejeitar o seu conceito
de langue como sendo meramente um inventário sistemático
de itens e regressar antes à concepção humboldtiana de
competência subjacente como um sistema de processos
gerativos”. Por fim, enquanto para Saussure, de maneira
generalista, a língua é um sistema de signos, para Chomsky,
ela é um conjunto de sentenças.
Bem, agora que você revisitou rapidamente alguns
conceitos fundamentais, verá como estão se posicionando os
linguistas no que concerne ao ensino de Língua Materna.
2.4 Descrição X prescrição no ensino de Língua
Materna
Você
gramática
viu
até
agora
tradicional
é
que
a
normativa,
sua metodologia baseia-se em ensinar
como a língua deve ser utilizada; e o que
10
não estiver ali prescrito, é incorreto. A
“onipotência” da gramática normativa
como “deficientes linguísticos” e Bagno
(2000)
considera
isto
um
Aula
vem tratando, muitas vezes, os alunos
Figura 3 - Estudantes esperam que professores reconheçam
acinte,
suas variantes linguísticas.
Fonte: Ilustração/ UAB - UESC.
argumentando que falar errado tem
UESC
Letras Vernáculas
167
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
explicação lógica, científica e igualmente linguística, histórica,
sociológica e psicológica.
Outra questão a ser colocada - e talvez a mais grave é que embora reconheça a variação dos dialetos, renega-os;
além disto, ela não considera a dinamicidade da linguagem oral
e suas variantes, desconsidera seus processos de mudança e
evolução; prima pela forma e ignora seu aspecto funcional.
Segundo Possenti (1996), uma diferença fundamental
entre a gramática normativa e a descritiva é que esta explicita
as regras que são seguidas pelos falantes, e não as que devem
ser seguidas, conforme a tradição preconiza.
Numa outra perspectiva de análise proposta por Bagno, a
gramática normativa usada hoje é, na verdade, uma gramática
descritiva da língua, utilizada na época em que foi escrita; nesse
sentido, ele defende a necessidade de escrevermos a verdadeira
língua falada e escrita pelas classes cultas do Brasil.
De acordo com o linguista, a partir do estudo da norma
culta o material resultante terá função didático-pedagógica,
servirá para prática do ensino para todos os professores, alunos
e falantes em geral. Assim, a gramática normativa tradicional,
peça importante de todo esse círculo vicioso de “preconceito
linguístico”, seria substituída pela nova gramática, muito mais
“simples” de ser entendida. Enfim, essa nova gramática estaria
escrevendo a língua portuguesa em uso do Brasil, e não a
norma culta utilizada em Portugal.
Portanto, o papel do professor, então, deve ser o de
combate ao preconceito linguístico que existe. De início,
não podemos recusar e discriminar o modo como os alunos
e a sociedade, de modo geral, fala, mas sim aproveitar esse
uso para introduzirmos a norma considerada culta. Como
foi analisado por Bagno, o ensino da língua deve passar de
mera repetição para reflexão. Além disso, do ponto de vista
prático, essa nova postura deve ser utilizada e, ao invés de
reprodução, uma produção do próprio conhecimento gramatical
do aluno, transformando-o num pesquisador de sua língua.
Vale lembrar que a gramática precisa deixar de ser um pacote
fechado, um produto acabado. Afinal, a língua é viva, dinâmica
e está em constante movimento. Sendo assim, ela se coloca
em permanente transformação, o que torna incoerente a
permanência da gramática normativa tradicional, possuidora
168
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
de uma linguagem que sofreu modificações de acordo com o
tempo.
Finalmente, devemos ou não utilizar a gramática no
ensino da Língua Portuguesa? Não há dúvida que sim, embora
saibamos perfeitamente que ela em si não ensina ninguém
a falar; contudo, a gramática pode servir como importante
ferramenta para aquisição do conhecimento sobre os meandros
da língua, desde que saibamos separar o útil do inútil.
Bagno (2000, p. 87) é de opinião que a “gramática deve
conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que
possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento
linguístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida
e acrítica da doutrina gramatical normativa”.
Nesta direção, para Bagno, o professor de português
abdicaria do comodismo, sairia da “zona de conforto”, passaria
a ser dinâmico, deixando de ser apenas um repetidor da
doutrina gramatical/normativista que ele mesmo não domina
integralmente.
À vista das considerações feitas, você deve ter notado
que a gramática não justifica seu papel de única fonte para o
ensino da língua nas escolas, tanto do ponto de vista teórico
quanto prático, bem como o título de código normativo da
linguagem tomada no geral.
ATIVIDADES
1. A partir do exposto, cite pelo menos duas semelhanças (se julgar
que há) e diferenças entre gramática descritiva e gramática normativa.
Aula
10
2. Elabore uma carta, para um interlocutor de sua escolha, colocando as
suas impressões sobre o tema aqui discorrido. Manifeste a sua opinião,
concorde ou discorde, ofereça sugestões, compare, enfim, coloque-se!
UESC
Letras Vernáculas
169
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
RESUMINDO
Nesta aula, você viu que:
● Não se pode confundir língua (em uso) com gramática
normativa. Quem o faz comete o terrível engano de o
ensino da língua portuguesa se tornar um “ensino de
língua estrangeira”. Isto acontece porque por muito
tempo as escolas privilegiaram somente o ensino da
língua padrão.
● A negação da pluralidade de normas linguísticas
pretendeu neutralizar a diversidade e, com isto, reforçou
o abismo entre escola e sociedade.
● A norma padrão não pode ser a única referência para o
ensino de língua materna, mas esta deve ser o principal
objetivo do professor.
● Possenti, ao lado de outros autores, distingue as
gramática em, basicamente, três tipos: normativa,
descritiva e internalizada.
● Bagno defende que o ensino da língua deve passar de
mera repetição para reflexão.
● A língua é viva, dinâmica e está em constante
movimento. Sendo assim, ela se coloca em permanente
transformação, o que torna incoerente a permanência
da gramática normativa tradicional, possuidora de uma
linguagem que sofreu modificações de acordo com o
tempo.
LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros: BAGNO, Marcos. Dramática da língua
portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000; BRITO,
Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de língua x tradição gramatical. Campinas: Mercado
de Letras, 1997 e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
170
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da
língua portuguesa. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
ANDRÉ, H. A . Gramática Ilustrada. São Paulo: Moderna,
1997.
BAGNO, Marcos. Disponível em :http://www.fae.ufmg.
br/Ceale/menu_superior/publicacoes/textos/linguagem_
educacao//list_objects_template?local=menu_superior/
publicacoes/textos/linguagem_educacao/ Acesso em: 19 jul.
2009.
BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: tradição
gramatical, mídia e exclusão social. 2. ed. São Paulo: Loyola,
2000.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se
faz. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37.
ed. Rio de Janeiro: Lucena, 2001.
BRITO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de
língua x tradição gramatical. Campinas: Mercado de Letras,
1997.
CÂMARA JÚNIOR, J. Matoso. Dicionário de Linguística e
Gramática: referente à Língua Portuguesa. 11. ed. Petrópolis:
Vozes, 1984.
CUNHA, Celso; CINTRA, Luis Filipe Lindley. Nova gramática
de português contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
10
DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro
Blikstein. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.
UESC
Letras Vernáculas
Aula
GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste,
1987.
171
Introdução aos estudos linguísticos
A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna
MATTOS e SILVA, Rosa. Tradição gramatical e gramática
tradicional. São Paulo: Contexto, 2000.
REFERÊNCIAS
LYONS, John. Linguagem e Linguística. Trad. Marilda
Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.
LUFT, Celso Pedro.Língua e Liberdade. 8. ed. São Paulo:
Ática, 1994.
NASI, Lara. Disponível em: http://www.urutagua.uem.
br/013/13nasi.htm/ Acesso em: 20 maio 2009.
OLIVEIRA, Neiva. Disponível em: http://www.jomar.pro.br/
portal/modules/smartsection/item.php?itemid=139/
Acesso
em: 30 jun. 2009
PARRIÃO JR. Crônica: não pise a grama. Disponível em:
<http://www.gargantadaserpente.com/veneno/parriaojr/01.
shtml> Acesso em: 16 jun. 2008.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Trad. de Eni Pulcinelli
Orlandi et al. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988.
PERINI, A. Mário. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática,
1997.
PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 4. ed.
São Paulo: Ática, 2001.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na
escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. (Coleção Leituras
no Brasil).
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da
língua portuguesa. 43. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2003.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Trad. de
Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1970.
SEVERO, Simone. Disponível em: http://www.scribd.com/
doc/15775717/Conceito-de-Erro-Norma-e-AdequacaoLinguistica. Acesso em: 30 out. 2009.
172
Módulo 1
I
Volume 3
EAD
TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad.
Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta
para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo:
Cortez, 2002.
http://books.google.com.br/books=dicionario+de+linguistica:du
bois&source==result&resnum=1. Acesso em: 15 maio de 2009.
http://pt.wikipedia.org/wiki/GramAtica. Acesso em: 13 abr. de
2009.
Aula
10
http://www.overmundo.com.br/overblog/a-gramatica-ou-alingua. Acesso em: 13 mar. 2009
UESC
Letras Vernáculas
173
Suas anotações
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Download