Criatividade é a nova moeda Por Cinthia Rodrigues, para o Valor 01/06/2007 Divulgação Guru da nova ordem mundial, Florida estará em São Paulo neste mês para o 1º Fórum Internacional de Criatividade e Inovação: "É o capital cultural que define a classe" Adam Smith (1723-1790), o pai da economia moderna, costumava dizer que não era da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que esperava que saísse o seu jantar, "mas do empenho deles em promover seu autointeresse". Em sua obra mais famosa, "A Riqueza das Nações", o pensador escocês pregava que as indústrias estimulavam a negligência e o esbanjamento e não faziam bem a ninguém. Ao longo das décadas, no entanto, foram as indústrias que motivaram a construção de mais fábricas, estradas, moinhos, refinarias e milhares de negócios que se tornaram a base da economia do século XX. Com o acelerado processo de desindustrialização da economia contemporânea, outra instância emerge como força motriz: a criatividade. "O conhecimento é a nova moeda", diz Jean Paul Jacob, professor da Universidade da Califórnia e pesquisador emérito de pesquisas do centro IBM no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Com superávit de prestígio e influência, a classe criativa já responde por 30% da força de trabalho nos EUA - cerca de 40 milhões de administradores, advogados, escritores, engenheiros, consultores, professores, entre outros profissionais comprometidos com a inovação, o design, a imaginação e as idéias, em tempo real. O contingente é 100% superior ao verificado em 1980 e 1.000% maior do que o do início do século passado. No Brasil, a parcela de criativos é de 10,9%, proporção próxima de economias como a de Portugal (13,1%) e da Itália (13,2%). Rogério Cassimiro / Folha Imagem Balada: regiões com qualidade de vida cultural mais desenvolvida apresentam uma tendência a atrair pessoas qualificadas e criativas "Os criativos têm o mesmo poder dos operários na primeira metade do século XX", escreve Richard Florida. Professor da Mellon Carnegie University, ele se transformou em guru da nova ordem mundial ao escrever o livro "The Rise of Creative Class" (A Ascensão da Classe Criativa), um alentado estudo sobre essa classe social, que domina o desenvolvimento econômico, em outros tempos concentrado no trabalho físico ou nos recursos naturais. Para Florida, a classe criativa ocupa um lugar no mundo com grande poder de reorientar a organização das cidades e do trabalho e a criatividade é o ativo-chave para a nova era. "Na aristocracia feudal, o poder e a identidade eram derivados do controle hereditário das terras e das pessoas. Na burguesia, seus integrantes eram compostos por pessoas que possuíam estabelecimentos comerciais e fábricas. Já na classe criativa seus membros são determinados pelos que têm criatividade. É o capital cultural que define a classe", explica Florida, grande estrela do 1º Fórum Internacional de Criatividade e Inovação, que ocorrerá em São Paulo nos dias 19 e 20. Ele vem ao Brasil falar sobre como funciona a economia criativa no mundo e a metodologia dos três "Ts" (tecnologia, talento e tolerância), que formulou enquanto fazia uma pesquisa na cidade de Pensilvânia, nos Estados Unidos. Esses três "Ts" devem ter ainda três focos: 1) o tecnológico, que reúne a inovação, com produtos originais, idéias e tecnologias; 2) o econômico, que inclui empreendedorismo e a transformação desse talento em novos negócios e indústrias, e 3) o cultural e o artístico, que congregam a habilidade de inventar novas possibilidades de pensar sobre o mundo, novas artes, novas formas e novos conceitos. "Se o empresário brasileiro fabrica parafusos, ele não pode ficar parado e acreditar que o negócio dele vai sobreviver apenas desse jeito. Ele tem que prestar consultoria, agregar serviços", diz Jean Paul Jacob, que também participará do fórum. Brasileiro, Jacob previu há mais de 30 anos o aparecimento do notebook e é categórico ao explicar que o diferencial competitivo da economia de hoje é a criatividade. "Não há mais volta." Ao concluir a pesquisa sobre a classe criativa, Florida descobriu que a tecnologia é um fator para uma economia crescer, mas não é o único. Em sua análise, há um claro enfraquecimento na lealdade que havia se configurado entre patrão e empregados na sociedade industrial, o que comprometeu também a fixação das pessoas nas cidades simplesmente por causa do emprego. Durante décadas, uma cidade crescia economicamente por causa das indústrias que eram construídas na região: quanto maior elas fossem, mais empregados elas teriam e mais a economia seria movimentada. "Com a expansão do mundo virtual, as pessoas não fazem mais suas escolhas apenas pelas companhias que as cidades têm, mas, sim, pelo que elas oferecem em termos pessoais e de estilo de vida", escreve Florida. "Uma cidade precisa atrair pessoas talentosas de todos os sexos, raças, gays, casados, homens e mulheres solteiras. Isso faz uma economia crescer." Florida explica que nenhuma cidade é mais criativa do que a outra, mas o índice de trabalhadores criativos que ela vai atrair é que fará a diferença e a transformará num centro de excelência e de capacitação criativa. "Nem sempre as pessoas criativas nascem onde trabalham. O crescimento da economia dos Estados Unidos se deu parte por causa disso - uma sociedade aberta, formada por imigrantes." De acordo com Andre Golgher, da Universidade Federal de Minas Gerais, a distribuição de capital humano para o desenvolvimento regional é importante. "Atrair pessoas criativas e mais qualificadas seria a política mais eficaz de desenvolvimento regional. Regiões com qualidade de vida, com uma vida cultural mais desenvolvida, com uma sociedade mais diversificada e com uma vida social mais vibrante apresentariam uma tendência a atrair pessoas qualificadas e criativas." Florida, que nasceu em New Jersey, filho de imigrantes italianos e hoje mora em Washington D.C. com a mulher, Rana, está ansioso para chegar ao Brasil. "O país tem uma diversidade étnica e sexual e criatividade incrível na música, assim como a África. Se eu pudesse dar um conselho aos brasileiros, diria para apostar na economia criativa, porque o Brasil tem muito potencial. É curioso, porque podemos analisar os movimentos em regiões como o Vale do Silício, Londres, Nova York, mas ainda não temos condições de analisar o Brasil", diz. Golgher aplicou a metodologia de Richard Florida em cidades brasileiras e mostra a importância de uma sociedade vibrante e com grande diversidade populacional na atração de talentos. Também relaciona essa atração, e conseqüente concentração de pessoas qualificadas e criativas, com o desenvolvimento de cidades e regiões. Verificou no Brasil uma grande heterogeneidade espacial nos dados. Estados com uma economia mais moderna estão mais próximos dos 30% que formam a classe criativa americana. Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo apresentam valores acima da média nacional, com 21,7% (DF), 15,2% (RJ) e 14,7% (SP), respectivamente. Por outro lado, em Estados como Alagoas, Maranhão e Piauí, os valores são muito inferiores, entre 5,1% e 5,5%. Para Rolf Jensen, diretor do The Copenhagen Institute for the Future Studies, um dos maiores institutos "future-oriented" do mundo, o Brasil tem muitas possibilidades de aumentar sua participação na economia criativa porque tem muitas histórias para contar. E precisa tocar o coração das pessoas com elas. Ele é defensor do conceito "Dream Society" - uma sociedade dos sonhos comandada por uma classe média endinheirada e cansada de produtos massificados que busca realização pessoal e quer consumir não apenas função e design, mas emoção. Jensen dá uma idéia para quem quiser aproveitar. "O Brasil é o maior produtor de ametistas. Por que não convidar turistas para pegar as pedras e contar a eles por que elas tem essa cor e transformá-las em amuletos? Pronto, você tem um produto e uma história. Algo a mais do que simplesmente uma loja vendendo suvenires", afirma. Jensen também acredita que os empresários brasileiros deveriam investir em spas para cuidar do corpo e da alma na floresta amazônica. "Bons hotéis e boas camas a gente encontra no mundo inteiro, precisamos de novos apelos", observa. As oportunidades e o mercado não esperam. É para isso que Ozires Silva, fundador e ex-presidente da Embraer e conselheiro do Instituto da Economia Criativa, acredita que o futuro está na formação de bons profissionais e na construção do conhecimento. "Não precisamos esperar pelo governo para sermos bons cidadãos. Vamos abandonar essa mentalidade paternalista e ir à luta", diz o engenheiro. Outro exemplo de produto que é considerado por vários especialistas um símbolo da nova onda é o i-Pod, criado quando o termo economia criativa ainda não existia. Há sete anos, em 2000, o presidente da Apple, Steve Jobs, quebrava a cabeça para descobrir como vender mais computadores. Nessa época, nos dormitórios das faculdades americanas, os estudantes - grandes consumidores dos i-Macs - trocavam músicas como loucos pelo Napster. A primeira tentativa de Jobs de vender um software que baixasse música falhou. Os aparelhos que tocavam música à venda no mercado também eram péssimos - enormes ou com pouca capacidade de armazenamento. Surgia, então, uma excelente oportunidade de negócio. Inventar um aparelho portátil que tocasse música e pudesse ser comprado a um preço baixo, pela internet. Surgia o i-Pod, produto com sucesso de vendas imediato até os dias de hoje. Faz três anos que a Apple é considerada a empresa mais inovadora do mundo por um ranking elaborado pela "Business Week" e pelo Boston Consulting Group. Seguida pela Google, em segundo lugar, por dois anos. Lá, nessas duas empresas, as idéias valem ouro. E elas faturam muito dinheiro por ser identificadas como empresas que vendem criatividade. A Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) prepara uma pesquisa que vai detalhar a indústria criativa no Estado de São Paulo, encomendada pela Secretaria Estadual do Desenvolvimento. O analista sênior Aurílio Sérgio Costa Caiado conta que ainda não há consenso nos órgãos da ONU quanto ao que realmente significa a economia criativa. Para a Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), trata-se da indústria da cultura; para a Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), além de artes, também estão incluídas atividades econômicas baseadas no conhecimento e que utilizam a criatividade como insumo primário para produzir produtos ou serviços comercializáveis com valor agregado. "Tudo o que cerca esse assunto é muito novo, apenas temos certeza de que precisamos analisar o que se refere às habilidades individuais", afirma Aurílio, que terá a pesquisa pronta em dez meses.