ATITUDES E PERCEPÇÕES NA CONSTRUÇÃO DE TERRITÓRIOS

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ATITUDES E PERCEPÇÕES NA CONSTRUÇÃO DE TERRITÓRIOS
IDENTITÁRIOS: O BAIRRO BUGIOEM ARACAJU/SE
Rodrigo Santos de Lima – Grupo Sociedade e Cultura/ NPGEO/UFS – SEED/SE –
[email protected]
Resumo
A identidade territorial é uma temática geográfica caracterizada pela existência de símbolos que
lhe dão ancoragem. O objetivo deste trabalho foi analisar a existência de territórios identitários
no Bairro Bugio, implantado na periferia de Aracaju e circundado por manguezais. Esse
aparente “isolamento” fez-nos questionar o manguezal como símbolo identitário e, adentramos
no cotidiano e na percepção de seus moradores.A percepção do bosque de mangue como
símbolo não foi detectada e os moradores são indiferentes à sua presença. Apenas entre os
pescadores há um significado da paisagem em questão. A análise revelou a existência da
identidade territorial tendo como um símbolo de maior expressão a igreja católica, mascomo
existe presença de outros com suas territorialidades, infere-se a existência de vários territórios
identitários denotando as múltiplas identidades.
Contextualização
O mundo pós-moderno possui características derivadas do processo de avanço
no sistema político-econômico capitalista que ao criar e recriar, encontra maneiras de
adaptar-se para a manutenção da sua reprodutibilidade.
A globalização associa-se hoje, a um amplo conjunto de transformações, que
configuram a passagem para um novo paradigma tecno-econômico. Esse novo padrão
tecnológico e produtivo é centrado nas modernas tecnologias de informação e
comunicação que anulam o espaço através do tempo (MASSEY, 2000), revolucionando
as relações espaço-temporais e fazendo com que a informação passe a ser “o verdadeiro
instrumento de união entre as diversas partes de um território” (SANTOS et al,
1994:17).
As características mais marcantes desse período são a tendência à
homogeneização, expansão das corporações transnacionais e de seu poder de influência,
revolução comunicacional e científica, surgimento de blocos econômicos comerciais,
hibridização entre culturas locais e de massa universal.
São novas configurações, formas e lógicas espaciais que conduzem à
superposição dos lugares pelos fluxos e acarretam alterações nos locais que ao mesmo
tempo, redefinem-se pela densidade comunicativa,
técnica e informacional. O
fenômeno se apresenta dissimétrico no espaço, afeta com intensidades diferentes os
lugares e provoca formas distintas de produção espacial.
A globalização atinge a vida de todas as pessoas, países sob escala planetária e
implica à transformação, não só dos sistemas mundiais, mas também da vida cotidiana
social, prejudicando a forma de ver e relacionar-se uns aos outros e com o meio
ambiente.
Tal interferência é refletida nos modos de vida e comportamentos humanos
influenciados por uma ideologia baseada no consumo e apreendida com base nos meios
de comunicação, como disseminador das novas necessidades criadas pelas grandes
corporações internacionais.
Por essa lógica, parece certa a perda da identidade com consequente
desenraizamento dos modos de vida pelas perdas de referências. Por vezes, para a
existência de uma identidade é necessário ter uma referência no espaço concreto ou
simbólico na paisagem, que é percebido e repassado através das práticas sociais
exercidas no cotidiano, tendo a linguagem do senso comum como a principal forma de
transmissão dos códigos que estarão associados às condutas e atitudes frente ao meio
ambiente.
Mesmo com o surgimento das novas funcionalidades apregoadas no local de
vivência, este não perdeu totalmente seu invólucro tradicional de existência, pois estas
não implicam no abandono total da referência identitária (ROLNIK, 1997, p. 1), e a
partir dessa constatação, as identidades individuais e sociais se destacam delineando a
força de permanência, mesmo com novas formas de subjetividade recebidas pelo meio
técnico e das relações coletivas dos indivíduos.
Apesar de toda a interferência da globalização no cotidiano dos locais
alterando as identidades, é notável o surgimento da diferença como modeladora da
produção do espaço geográfico. Ela é respaldada por movimentos de nacionalismos,
separatismos em localidades do mundo, mas, pode ser notada na produção local dos
espaços, configurando territórios identitários corroborados a partir de uma referência.
A análise das representações sociais possibilita responder mais acuradamente o
cotidiano das relações socioespaciais nas localidades e dão base para a confirmação da
existência de uma referência do meio ambiente, e consequentemente da identidade
presente.
Nesse contexto, esta pesquisa nasceu da necessidade de se analisar as práticas
sociais realizadas por representações sociais no cotidiano e seus rebatimentos na
configuração de territórios identitários, apresentando como base empírica o Bairro
Bugio na cidade de Aracaju-SE.
Ao abordar essa temática surgiram indagações que nortearam a pesquisa:
A existência de mangues ao redor e próximo do local em que os
moradores fixaram residência contribuiu para a construção de identidade para
com o bairro Bugio?
O manguezal se constitui num símbolo identitário?
Existem outros símbolos identitários?
As representações conduzem para a existência de territórios identitários?
Quais as relações estabelecidas com o manguezal?
O bairro Bugio se presta para minimizar a aceleração da entropia tendo
sido implantado numa área privilegiada, margeado por canais e manguezal?
Será que a população do bairro percebe essa situação privilegiada do
bairro por ser margeado por bosques de mangues?
Quais as atitudes da população para com a área amortecedora da entropia
do sistema urbano?
Ao atuar como morador do Bugio há vinte e oito anos, a partir destas questões
emanadas da observação cotidiana, houve o intuito em aprofundar reflexões acerca da
construção do(s) território(s), adquirindo como abordagem delimitadora a existência ou
não, de identidade com o meio físico do bairro citado como instrumento da presente
pesquisa.
Para tanto, fez-se uso do arcabouço fenomenológico, posto que possibilita a
leitura das experiências vividas, realizadas, recriadas no cotidiano, no dia-a-dia dos
grupos sociais. Foi utilizada também a percepção como ancora na busca das respostas
dos questionamentos possíveis.
Representações e geografia
Moscovici (2003) define as representações sociais como “um conjunto
deconceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de
comunicaçõesinterpessoais”. Apesar de essa definição ser bastante clara, o processo
parachegar a tal foi difícil, até mesmo devido à resistência do propositor a realizar
umadefinição fechada para não incorrer a um reducionismo conceitual.
Para Almeida, (2003, p.72) “o estudo e a análise das representações, caso
estasestejam coladas ao real, são, pois, um dado sobre ele (o real), isto é, também
informamsobre a base material na qual se move determinado grupo social”.
Nesse sentido, as representações abarcam temas que também podem ser
associadosàs relações sociedade e natureza, objeto de estudo da geografia. As
característicaspresentes nas representações, em certo momento, corroboram para
análisesgeográficas e ampliam as possibilidades de análise. Assim, o tema conteria uma
espacialidadeque estaria associada à forma como se deu a ocupação do espaço com
asubstituição
dos símbolos da
natureza (rios,
vales,
etc.)
pelos símbolos
arquitetônicosconstruídos (ruas, igrejas, etc.) que segundo Lefebvre seria o “domínio
das forças políticassobre a natureza a partir da mediação simbólica”.
A decodificação do cotidiano para a geografia seria então baseada nas
ideiasdas representações sociais, ou seja, o “senso comum” moderno. Como aponta Gil
Filho (2005, p.57): “a análise das representações sociais nos coloca diante da
necessidadede decodificar esse mundo próprio do universo banal, o do ser no espaço
para o serenquanto espaço”. Seria o espaço então, o palco das representações sociais.
O simbolismo dos objetos no espaço está no foco central da cotidianidadeaqui
proposta e compreendida através do espaço concebido, percebido e vivido, ouseja, das
representações, e como tal corrobora para a existência de uma identidadeterritorial no
espaço analisado.
Serpa (2005, p. 222) contribui dizendo que:
A triplicidade ou tríade lefebvriana é uma característica subjacente a
qualquer estrutura sócio-espacial constituindo-se a partir: a) das
práticas espaciais, englobando produção e reprodução, lugares
específicos e conjuntos espaciais característicos para cada formação
social, assegurando continuidade em um quadro de relativa coesão;b)
das representações do espaço, ligadas às relações de produção, à
ordem imposta,ao conhecimento, aos signos e códigos, às relações
“frontais”; c) dos espaços de representação,apresentando simbolismos
complexos, expressão do lado clandestino e
subterrâneo da vida social, mas também da arte.
Sá (1993) explica que a representação social se constrói e é construída napráxis
cotidiana. Três elementos básicos entram na sua formação: o contexto (cenárioonde as
relações humanas se desenrolam), a linguagem (considerada a cena propriamentedita) e
o código social do grupo. As representações sociais são repassadas nassociedades, de
geração em geração e construídas no dia a dia das relações pessoais,nas diversas fases
da vida e incluem na sua formação, vários fatores ideológicos, históricose culturais.
As representações agem como um sistema de interpretação da realidade
regendoas relações dos seres humanos com o seu meio físico e social e
determinandoseus comportamentos e práticas.
O cotidiano é produzido através da experiência do senso comum fundida
adiscurso da ciência dominante em determinado lugar e tempo. As representações
sãocomo um prisma que regem o comportamento e as atitudes dos indivíduos para
como seu meio físico e social.
Na geografia, as representações são determinantes quando se analisam
questõesrelacionadas ao comportamento humano cotidiano e a forma como o
mesmoreflete na ação sobre o meio. As experiências vividas espacialmente,
temporalmentee socialmente conduzem a uma explicação da realidade geográfica dando
base parauma compreensão mais complexa das relações que envolvem o imbricamento
entre os seres humanos e ambiente.
Para Kozel, 2002, p. 216:
As representações em geografia constituem-se em criações individuais
ou sociais deesquemas mentais estabelecidos a partir da realidade
espacial inerente a uma situaçãoideológica, abrangendo um campo
que vai além da leitura aparente do espaço realizadapela observação,
descrição e localização das paisagens e fluxos.
Os
aspectos
da
realidade
espacial
serão
os
conformadores
das
representações,por isso a geografia se enquadra nessa perspectiva analítica e pode
contribuircom uma visão diferenciada e mais acurada do espaço geográfico real.
As representações na geografia também receberam contribuição de Gil
Filho,2005, p. 57.
Uma Geografia das Representações é uma Geografia do conhecimento
simbólico. Assumeas representações sociais como ponto de partida
para uma Geografia Culturaldo mundo banal, da cultura cotidiana, do
universo consensual impactado pelo universoreificado da ciência e da
política.
Nesse contexto, Gil Filho, 2005, elaborou quatro instâncias analíticas parauma
geografia das representações e conclui explicitando duas linhas de argumentaçãode uma
geografia das representações. A primeira é relacionada às identidades sociaiscomo
resultado da imposição dos universos reificados sobre os consensuais das
representações.
A segunda é uma Geografia do conhecimento banal que cada comunidade
produz a partir da representação que cada grupo faz de si mesmo. Uma
GeografiaCultural do mundo banal, da cultura cotidiana, do universo consensual
impactadapelo universo reificado da ciência e da política.
O nosso entendimento é de que a geografia das representações se
constituinuma forma de abordagem que trás análises ricas sobre o espaço, facilitando
compreendera lógica dos atores, desde as necessidades individuais aos complexos
atributosvalorativos dos grupos sociais, emergindo a teia da vida posta e vislumbrada
nos territórios.
É na subjetividade do banal que encontramos as representações identitárias
através da forma como agem os homens no seu espaço. É na complexidade da
vidacotidiana que se estabelecem as marcas identitárias no território apropriado
pelaspessoas.
Identidade e território
No contexto apresentado, a identidade é apreendida na dimensão simbólica
conotando uma importância revelada a partir da mudança de análise do território, que
antes
era
abordado
pela
delimitação
do
estado-nação
permitindo
análises
comreferências nacionais negligenciando as peculiaridades dos espaços.
Nesse sentido o território reúne características passíveis de ser analisadas
noque diz respeito à conexão de grupos sociais e sua atuação no espaço carregando
conteúdo identitário em pequenas escalas analíticas.
A construção da identidade pode basear-se em objetos materiais, que servemde
referência para a formação dos territórios. Assim a construção dos locais comobairros
ou cidades e o enraizamento físico conduz a uma apreensão da relação entre ahistória e
o espaço notados a partir e no cotidiano.
Vê-se, então, porque os problemas do território e a questão da identidade estão
indissociavelmenteligados: a construção das representações que fazem certas porçõesdo
espaço
humanizado
dos
territórios
identidades(CLAVAL 1999, p. 16).
é
inseparável
da
construção
das
Tal ideia nos leva a inferir o imbricamento de identidade e território na
análisegeográfica. Nesse sentido, devemos atentar para questões de alteridade, pois
apercepção do Outro se torna substantivamente essencial na construção da
identidadesocial, então, as localidades onde as pessoas estão mais próximas tendem a
exercermaior influência sobre os demais que o cercam e assim conformando marcas
delineadorasde identidade adquiridas através da cultura.
Outro aspecto a ser evidenciando diz respeito ao simbolismo da paisagem
naformação da identidade, pois para a existência da identidade territorial a presença
deum símbolo pode ser necessária.
Este símbolo pode estar contido nas paisagens e todas possuem símbolos como
afirma Cosgrove (1999, p.106): “todas as paisagens são simbólicas, apesar daligação
entre o símbolo e o que ele representa pode parecer muito tênue”. As paisagenssão mais
que aspectos funcionais e concretos, há elementos que vão além da meravisão
estruturada
pelos
níveis
espectrais
alcançados
pelos
olhos,
vão
além
da
morfologiaobjetiva, há de fato, múltiplos patamares de significados.
São os significados da paisagem que procuramos, a priori, desvendar na
construção dos territórios identitários no Bugio. Nesse sentido, a paisagem podeservir
para desvendar a identidade territorial no nosso recorte espacial. Os questionamentossão
baseados nessa assertiva. A identificação do símbolo pôde ajudar noentendimento da
forma de construção da identidade territorial através da afetividade,dos sentimentos e
das imagens e representações.
Quando há a apropriação simbólica de um território, a identidade podeemergir,
respaldando assim a análise proposta. Cosgrove (1999, p.108) afirma que “todas as
paisagens possuem significados simbólicos porque são o produto da apropriaçãoe
transformação do meio ambiente pelo homem”.
Nossa análise diz respeito à existência da identidade territorial no bairro
Bugioa partir da presença de símbolos na paisagem que deem ancoragem à
mesma,concreta ou simbolicamente. Nesse contexto indagamos até que ponto o
ecossistemamanguezal contribui para tal. Assim, teorizar a identidade torna-se
imprescindívelpara o entendimento do questionamento proposto.
Nós buscamos empreender uma análise voltada para a relação da identidadee
geografia
e
nesse
sentido,
podemos
inferir
que
a
identidade
é
uma
representaçãosocialmente constituída, ou seja, uma representação que os grupos têm
sobre si próprios.Uma definição simples é encontrada no dicionário Aurélio (2010)
como sendo“O que faz que uma coisa seja da mesma natureza que outra”. Entretanto, o
conceitovai além dessa simplificação de dicionário.
Para (HALL, 2006, p. 38):
A identidade é (...) algo formado, ao logo do tempo, através de
processos inconscientes,e não algo tão inato, existente na consciência
no momento do nascimento. Existesempre algo “imaginário” ou
fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempreincompleta, está
sempre “em processo”, sempre “sendo formada”.
É notório que a identidade não é algo estático e está em constante
modificação/mutação levando aos grupos, diferentes características delineadoras de sua
identidade.
Seguindo esta ideia de dinâmica, (BAUMAN, 2005, p. 17) comunga
dizendoqueo “pertencimento” e a “identidade” não tem a solidez de uma rocha, não são
garantidospara toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as
decisõesque o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age –
e adeterminação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o
“pertencimento” quanto para a “identidade”.
A dinâmica da identidade está presente em qualquer que seja a
localidade,mesmo em comunidades tradicionais. Para Haesbaert 1999, p.174, “... a
identidadesocial é uma identidade carregada (...) de subjetividade e de objetividade”.
Tal ideiaconfirma o peso da base territorial na formação da identidade. O autor
prossegue,“identificar (...) é sempre identificar-se (...), e identificar-se é sempre um
processo de identificar-se com, (...), é sempre um processo relacional”. Para ele a
identidade nuncaé una, é múltipla, está em curso, em processo de formação.
Não há um bloco contínuo de identidade em um determinado espaço, comsuas
próprias regras e submissões, há sim de fato uma associação que por vezes éamistosa
sem prejuízos aos grupos contidos no território.
A própria junção de populações, com diferentes territorialidades em ummesmo
estado-nação nos permite concluir na coexistência pacífica de identidadesterritoriais
sem mais complicações severas de convivência.
Partindo desse princípio, torna-se difícil conceber, e é a nossa indagação,
queexistam identidades sem referenciais espaciais, mas é possível. Sempre existirão
formase objetos que darão ou facilitarão a formação de um imaginário que permitirá
aosindivíduos a se compreenderem como agentes de produção espacial, mesmo que
taisforma e objetos não estejam materialmente concretos no espaço.
A identidade territorial no bairro bugio
A cidade de Aracaju foi edificada em uma área entre rios entremeados por
manguezais de elevada extensão territorial. O contexto à época indicava que a técnica
deveria vencer e, nesse intento, a capital foi construída sobre aterros com a paisagem
estuarina sendo progressivamente substituída, sobretudo os manguezais, pela paisagem
humanizada da cidade.
Embora planejada, a expansão para além dos limites do centro projetado e
construído em tabuleiro de xadrez, é caracterizada por um processo de “conquista
desordenado e disperso”, que vem exigindo vultosos investimentos desde aterros e
barreiras de contenção a obras de saneamento e infraestrutura. O que se observa no
desenvolvimento da cidade é que tais investimentos não são contínuos no tempo nem no
espaço (VARGAS, 2001).
Tal situação, guardadas as proporções, é semelhante ao que ocorreu no espaço
em que foi edificado o bairro Bugio (figura 01). Em 1979, a paisagem rural destacava-se
no sítio ocupado por coqueirais e salinas, cercado pelos riachos Palame e do Cabral,
desapropriado para a construção do conjunto habitacional e, portanto, constituindo-se
em área de expansão. Nessa época, a política do governo federal direcionava para a
construção de conjuntos habitacionais para suprir a carência de moradias em todo o país
e, assim, o conjunto Assis Chateaubriand foi erguido.
Figura 01: Localização e imagem de satélite do Bairro Bugio em Aracaju. Organização: Rodrigo Lima
Fonte: SEPLAN, PMA, 2008, ATLAS DIGITAL DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DE SERGIPE, 2004. Google
Earth.
Com o passar dos anos o conjunto foi crescendo e se consolidou como bairro
após a oficialização dos loteamentos em suas bordas que originalmente eram
emaranhados de palafitas sobre os mangues. O processo de “oficialização” dos
loteamentos pelo governo municipal constou da oferta de serviços básicos de energia e
água assim como de aterros, calçamentos e construção de sistema de drenagem. É
interessante observar que a despeito da progressiva descaracterização do ambiente
natural, o nome do conjunto habitacional jamais foi apropriado pelos moradores e, o
macaco bugio, abundante no sítio original, foi legitimado como bairro Bugio.
Por outro lado, os bosques de mangues não foram totalmente destruídos e
resistem à ocupação sendo que em algumas áreas aparentam porte elevado, copas
frondosas que ainda “envelopam” o bairro. Entretanto, foi assim, a partir da observação
da evolução da paisagemque indagamos sobre a identidade territorial de seus moradores
e a representatividade dos bosques de mangue na sua construção.
A apreensão das atitudes e percepções dos moradores do Bugio mostraram
positivamente a existência consolidada de uma identidade territorial mas, para nossa
surpresa, muito pouco ou quase nada construída pela presença dos mangues e pela
situação singular de ser uma área circundada por canais.
Os questionamentos sobre a existência da identidade territorial tendo como
símbolo de ancoragem os canais margeados por bosques de mangues e delimitadores do
bairro foram sendo demonstrados negativamente, um após o outro, salvo em duas
circunstâncias.
A primeira delas foi apreendida pelo depoimento do único pescador da amostra
pesquisada, representante de um pequeno grupo que ainda persiste nesta prática em
águas e mangues dos riachos Palame e Cabral. É importante observar que os mangues
são fundamentais para a sobrevivência humana, é conteúdo e constitutivo intrínseco à
existência mas, a despeito desse significado, não constrói a identidade com o bairro, o
Bugio, objeto dessa análise, mas sim, a partir do cotidiano social.
A outra, mais complexa, diz respeito à percepção dos moradores individual e
coletivamente sobre os mangues. Individualmente os depoimentos trouxeram desapego,
indiferença e ignorância sobre os mangues, seja em seus aspectos ecológicos seja
enquanto um símbolo, um geossímbolo tal como referência (BONNEMAISON, 2002).
Essa constatação refutou a questão motivadora da presente pesquisa.
No âmbito coletivo, foi observada preocupação e até um certo hábito disposto
com base à preservação dos mangues. Todavia, pode-se afirmar que tal “engajamento” é
para com o mangue enquanto referência de natureza, em oposição ao ambiente
construído da cidade. Essa é a realidade dos bosques de mangue para toda a cidade de
Aracaju: natureza que circunda, importante e preservada legalmente, mas destruída com
rapidez quando os citadinos carecem de habitações. Assim foi no Bugio há 30 anos, e
dessa maneira o é atualmente no Coqueiral às margens do rio do Sal e no Bairro 17 de
Março, às margens do canal Santa Maria.
O embate entre a ocupação humana, preservação e a conservação não
estiveram e não estão no foco central da relação do mangue como símbolo de identidade
no Bugio. A coletividade, no geral, não tem este como símbolo, mas, sim, como
oposição à área construída.
A identidade territorial aqui proposta está relacionada com as ideias logradas
por Haesbaert (1999, p. 178) pelas quais a “[...] identidade social também é uma
identidade territorial quando o referente simbólico central para a construção desta
identidade parte do ou transpassa o território”.
Com efeito, no espaço estudado, o mangue como um símbolo ou geossímbolo
não foi efetivamente confirmado. O sentido do ser não é perpassado pela paisagem do
mangue nos moradores, salvo para o pescador ao qual o mangue dá significado à sua
existência no Bugio.
Nesse contexto de percepção individual e coletiva existe evidente a ideia de
que a percepção é diferente entre “um e todos” como demonstram Ramos et al, (2007)
e, que cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente em relação ao ambiente
em que está inserido. O comportamento que se segue é, portanto, o resultado das
percepções (individuais e coletivas) dos processos cognitivos, julgamentos, expectativas
e vivência de cada um. Então, no plano coletivo, a percepção dos moradores revela
indiferença para com os mangues o que confirma a pouca influência exercida pelo
mesmo na formação do território identitário.
Ao adentrar na construção da identidade territorial, busca-se apreender quais
aspectos responderiam às indagações por aqui realizados, quanto ao cotidiano,
percepções, representações e atitudes poderiam revelar a essência das características da
identidade no Bugio.
Assim, o cotidiano do Bugio mostrou-se impregnado de uma carga simbólica
expressa pelas atitudes diárias vitais, nas relações sociais, alicerçando uma união através
da alteridade. A relação cotidiana “Eu x Outro” é notada no bairro Bugio, característica
essa que indica a existência da identidade social entre os membros da comunidade do
bairro, mesmo levando em consideração a diversidade elencada nas entrevistas.
No bairro os usos e a frequência nos espaços atadas ao cotidiano dizem
respeito ao território concreto, funcional. É preciso ter clara a ideia de que a análise do
território não pode fugir desses aspectos. O território é simbólico, mas também tem base
material. E, partindo desse pressuposto, é apreensível a presença dos dois tipos no
Bugio. Nesse sentido, é encoberta e presente a existência do território.
As relações cotidianas são reveladas no território como base para a
(re)produção espacial dos seres humanos que o tornam seu lar, moradia, aconchego,
dando características ao cotidiano e indicando a manutenção de laços de enraizamento e
solidariedade. Denota-se por vezes, uma unidade. As pessoas se conhecem e têm uns
aos outros como referência: sou do Bugio, somos do Bugio! O carro de som com
anúncio fúnebre é uma das especificidades mais visíveis dessa unidade, independente do
local de residência no bairro, religião, profissão e ocupação.
O cotidiano se revelou múltiplo e diverso, com características de apego e
sensibilidade de pertencimento, e indicando profundas relações sociais entre os
moradores nos seus afazeres diários, encontros, despedidas e reencontros, nas ruas,
associações, igrejas, em estabelecimentos comerciais e praças. As atitudes dos grupos
de moradores atribuem sentido às suas existências e tornam humanas as vidas.
Com relação às atitudes, estas dizem respeito ao comportamento individual e,
como diz Schiff, (1973, p. 50) “é um conjunto organizado de sentimentos e crenças que
influenciarão um comportamento individual”, mas este é respaldado por regras
disseminadas através das representações coletivas da comunidade.
Assim, o comportamento dos moradores indica sentimento de pertence para
com o bairro. Já as atitudes frente aos mangues revelam defesa por parte de uns,
comprometimento por outros, e até mesmo, indiferença como constatado para com os
mangues.
As práticas ambiente-sócio-culturais em suas relações desvelaram o território
identitário no sentido concreto e simbólico. Para Haesbaert (2005) o território é
relacional imbuído das dimensões funcional e simbólica sempre num continuum. Saquet
(2009) diz que o território envolve relações de poder materiais e imateriais
historicamente construídas. Claval (1999) aponta que a preferência pelo território
denota que os lugares foram construídos pelos homens e suas técnicas. Todos os
atributos do território descritos associam-se com o sentido de existência territorial
através das identidades.
As percepções são diversas. Desde um bairro bom para morar, que nunca
sairão, a um local com problemas de violência e infraestrutura. De maneira geral, os
moradores concebem o Bugio como um bairro tranquilo, seguro, bom para morar, que
possui um bom transporte, amigos e vizinhos cordiais, comércio e serviços satisfatórios
e boas áreas de lazer, principalmente alocadas nas praças.
A imagem do bairro está associada à religião, tendo como marco a festa de
Nossa Senhora Aparecida para os moradores, diferentemente da mostrada pela mídia
que sempre associa à violência. O contraponto para a imagem externa e generalizada da
violência urbana é o hábito dos moradores de aumentar o espaço das suas casas com
cadeiras nas calçadas cotidianamente para um bate papo com vizinhos, sob intuito de
observar e comentar “o movimento”, mas, também, nos finais de semana, extensão da
mesa para o almoço, som da sala, regado a bebidas e convivência.
Essa pesquisa revelou a existência do território identitário, mas não somente
um “uno” e sim múltiplos, cada um com sua própria territorialidade.
Um dos aspectos dessas territorialidades refere-se à religião, com destaque para
a igreja católica (figura 02). Parte dos moradores revelou que o templo seria o símbolo
do bairro. O cotidiano destes é permeado por ações da igreja, com ações durante toda a
semana, bem como nas festividades. A territorialidade da igreja católica é presente no
campo simbólico dos moradores e também nas suas ações rotineiras. Todavia, ao
mesmo tempo em que o catolicismo domina o campo das ideias, a paisagem é marcada
por vinte e um templos evangélicos e a sua territorialidade não pode ser negligenciada
na formação territorial do bairro.
Figura 02: Igreja Católica Nossa Senhora Aparecida
Foto: Rodrigo Lima
Fonte: trabalho de campo, 2010.
Um outro aspecto diz respeito às praças. Nelas é de perceber toda a gama das
profundas relações de sociabilidade entre os moradores, nos usos e apropriações. Parte
dos moradores também elencou ser o símbolo do bairro.
Tranversal ao significado e importância das praças foi possível identificar o
papel/função agregadora das representações sociais tanto daquela institucionalizada,
como a ECCO’s até as agremiações mais ou menos organizadas de futebol e voleibol
que ao aproximar os moradores, dão sentido simbólico de apropriação do território.
Compreende-se que o território é funcional e simbólico, e não é apenas um, são
múltiplos territórios, como o próprio Haesbaert (2005) preconiza que a análise territorial
não deve negligenciar todas as dimensões existentes. É preciso que conste no Bugio,
portanto, múltiplos territórios identitários.
A pesquisa aqui revelou ainda a força da identidade, mesmo em tempos de
globalização. O Bugio é um local em que é notável a presença do global, e as práticas
sócio-culturais e do ambiente são próprias e simbolizam peculiaridades na produção
social do espaço. E ainda existem muitos Bugios por aqui e por todos os lugares.
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