ATITUDES E PERCEPÇÕES NA CONSTRUÇÃO DE TERRITÓRIOS IDENTITÁRIOS: O BAIRRO BUGIOEM ARACAJU/SE Rodrigo Santos de Lima – Grupo Sociedade e Cultura/ NPGEO/UFS – SEED/SE – [email protected] Resumo A identidade territorial é uma temática geográfica caracterizada pela existência de símbolos que lhe dão ancoragem. O objetivo deste trabalho foi analisar a existência de territórios identitários no Bairro Bugio, implantado na periferia de Aracaju e circundado por manguezais. Esse aparente “isolamento” fez-nos questionar o manguezal como símbolo identitário e, adentramos no cotidiano e na percepção de seus moradores.A percepção do bosque de mangue como símbolo não foi detectada e os moradores são indiferentes à sua presença. Apenas entre os pescadores há um significado da paisagem em questão. A análise revelou a existência da identidade territorial tendo como um símbolo de maior expressão a igreja católica, mascomo existe presença de outros com suas territorialidades, infere-se a existência de vários territórios identitários denotando as múltiplas identidades. Contextualização O mundo pós-moderno possui características derivadas do processo de avanço no sistema político-econômico capitalista que ao criar e recriar, encontra maneiras de adaptar-se para a manutenção da sua reprodutibilidade. A globalização associa-se hoje, a um amplo conjunto de transformações, que configuram a passagem para um novo paradigma tecno-econômico. Esse novo padrão tecnológico e produtivo é centrado nas modernas tecnologias de informação e comunicação que anulam o espaço através do tempo (MASSEY, 2000), revolucionando as relações espaço-temporais e fazendo com que a informação passe a ser “o verdadeiro instrumento de união entre as diversas partes de um território” (SANTOS et al, 1994:17). As características mais marcantes desse período são a tendência à homogeneização, expansão das corporações transnacionais e de seu poder de influência, revolução comunicacional e científica, surgimento de blocos econômicos comerciais, hibridização entre culturas locais e de massa universal. São novas configurações, formas e lógicas espaciais que conduzem à superposição dos lugares pelos fluxos e acarretam alterações nos locais que ao mesmo tempo, redefinem-se pela densidade comunicativa, técnica e informacional. O fenômeno se apresenta dissimétrico no espaço, afeta com intensidades diferentes os lugares e provoca formas distintas de produção espacial. A globalização atinge a vida de todas as pessoas, países sob escala planetária e implica à transformação, não só dos sistemas mundiais, mas também da vida cotidiana social, prejudicando a forma de ver e relacionar-se uns aos outros e com o meio ambiente. Tal interferência é refletida nos modos de vida e comportamentos humanos influenciados por uma ideologia baseada no consumo e apreendida com base nos meios de comunicação, como disseminador das novas necessidades criadas pelas grandes corporações internacionais. Por essa lógica, parece certa a perda da identidade com consequente desenraizamento dos modos de vida pelas perdas de referências. Por vezes, para a existência de uma identidade é necessário ter uma referência no espaço concreto ou simbólico na paisagem, que é percebido e repassado através das práticas sociais exercidas no cotidiano, tendo a linguagem do senso comum como a principal forma de transmissão dos códigos que estarão associados às condutas e atitudes frente ao meio ambiente. Mesmo com o surgimento das novas funcionalidades apregoadas no local de vivência, este não perdeu totalmente seu invólucro tradicional de existência, pois estas não implicam no abandono total da referência identitária (ROLNIK, 1997, p. 1), e a partir dessa constatação, as identidades individuais e sociais se destacam delineando a força de permanência, mesmo com novas formas de subjetividade recebidas pelo meio técnico e das relações coletivas dos indivíduos. Apesar de toda a interferência da globalização no cotidiano dos locais alterando as identidades, é notável o surgimento da diferença como modeladora da produção do espaço geográfico. Ela é respaldada por movimentos de nacionalismos, separatismos em localidades do mundo, mas, pode ser notada na produção local dos espaços, configurando territórios identitários corroborados a partir de uma referência. A análise das representações sociais possibilita responder mais acuradamente o cotidiano das relações socioespaciais nas localidades e dão base para a confirmação da existência de uma referência do meio ambiente, e consequentemente da identidade presente. Nesse contexto, esta pesquisa nasceu da necessidade de se analisar as práticas sociais realizadas por representações sociais no cotidiano e seus rebatimentos na configuração de territórios identitários, apresentando como base empírica o Bairro Bugio na cidade de Aracaju-SE. Ao abordar essa temática surgiram indagações que nortearam a pesquisa: A existência de mangues ao redor e próximo do local em que os moradores fixaram residência contribuiu para a construção de identidade para com o bairro Bugio? O manguezal se constitui num símbolo identitário? Existem outros símbolos identitários? As representações conduzem para a existência de territórios identitários? Quais as relações estabelecidas com o manguezal? O bairro Bugio se presta para minimizar a aceleração da entropia tendo sido implantado numa área privilegiada, margeado por canais e manguezal? Será que a população do bairro percebe essa situação privilegiada do bairro por ser margeado por bosques de mangues? Quais as atitudes da população para com a área amortecedora da entropia do sistema urbano? Ao atuar como morador do Bugio há vinte e oito anos, a partir destas questões emanadas da observação cotidiana, houve o intuito em aprofundar reflexões acerca da construção do(s) território(s), adquirindo como abordagem delimitadora a existência ou não, de identidade com o meio físico do bairro citado como instrumento da presente pesquisa. Para tanto, fez-se uso do arcabouço fenomenológico, posto que possibilita a leitura das experiências vividas, realizadas, recriadas no cotidiano, no dia-a-dia dos grupos sociais. Foi utilizada também a percepção como ancora na busca das respostas dos questionamentos possíveis. Representações e geografia Moscovici (2003) define as representações sociais como “um conjunto deconceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicaçõesinterpessoais”. Apesar de essa definição ser bastante clara, o processo parachegar a tal foi difícil, até mesmo devido à resistência do propositor a realizar umadefinição fechada para não incorrer a um reducionismo conceitual. Para Almeida, (2003, p.72) “o estudo e a análise das representações, caso estasestejam coladas ao real, são, pois, um dado sobre ele (o real), isto é, também informamsobre a base material na qual se move determinado grupo social”. Nesse sentido, as representações abarcam temas que também podem ser associadosàs relações sociedade e natureza, objeto de estudo da geografia. As característicaspresentes nas representações, em certo momento, corroboram para análisesgeográficas e ampliam as possibilidades de análise. Assim, o tema conteria uma espacialidadeque estaria associada à forma como se deu a ocupação do espaço com asubstituição dos símbolos da natureza (rios, vales, etc.) pelos símbolos arquitetônicosconstruídos (ruas, igrejas, etc.) que segundo Lefebvre seria o “domínio das forças políticassobre a natureza a partir da mediação simbólica”. A decodificação do cotidiano para a geografia seria então baseada nas ideiasdas representações sociais, ou seja, o “senso comum” moderno. Como aponta Gil Filho (2005, p.57): “a análise das representações sociais nos coloca diante da necessidadede decodificar esse mundo próprio do universo banal, o do ser no espaço para o serenquanto espaço”. Seria o espaço então, o palco das representações sociais. O simbolismo dos objetos no espaço está no foco central da cotidianidadeaqui proposta e compreendida através do espaço concebido, percebido e vivido, ouseja, das representações, e como tal corrobora para a existência de uma identidadeterritorial no espaço analisado. Serpa (2005, p. 222) contribui dizendo que: A triplicidade ou tríade lefebvriana é uma característica subjacente a qualquer estrutura sócio-espacial constituindo-se a partir: a) das práticas espaciais, englobando produção e reprodução, lugares específicos e conjuntos espaciais característicos para cada formação social, assegurando continuidade em um quadro de relativa coesão;b) das representações do espaço, ligadas às relações de produção, à ordem imposta,ao conhecimento, aos signos e códigos, às relações “frontais”; c) dos espaços de representação,apresentando simbolismos complexos, expressão do lado clandestino e subterrâneo da vida social, mas também da arte. Sá (1993) explica que a representação social se constrói e é construída napráxis cotidiana. Três elementos básicos entram na sua formação: o contexto (cenárioonde as relações humanas se desenrolam), a linguagem (considerada a cena propriamentedita) e o código social do grupo. As representações sociais são repassadas nassociedades, de geração em geração e construídas no dia a dia das relações pessoais,nas diversas fases da vida e incluem na sua formação, vários fatores ideológicos, históricose culturais. As representações agem como um sistema de interpretação da realidade regendoas relações dos seres humanos com o seu meio físico e social e determinandoseus comportamentos e práticas. O cotidiano é produzido através da experiência do senso comum fundida adiscurso da ciência dominante em determinado lugar e tempo. As representações sãocomo um prisma que regem o comportamento e as atitudes dos indivíduos para como seu meio físico e social. Na geografia, as representações são determinantes quando se analisam questõesrelacionadas ao comportamento humano cotidiano e a forma como o mesmoreflete na ação sobre o meio. As experiências vividas espacialmente, temporalmentee socialmente conduzem a uma explicação da realidade geográfica dando base parauma compreensão mais complexa das relações que envolvem o imbricamento entre os seres humanos e ambiente. Para Kozel, 2002, p. 216: As representações em geografia constituem-se em criações individuais ou sociais deesquemas mentais estabelecidos a partir da realidade espacial inerente a uma situaçãoideológica, abrangendo um campo que vai além da leitura aparente do espaço realizadapela observação, descrição e localização das paisagens e fluxos. Os aspectos da realidade espacial serão os conformadores das representações,por isso a geografia se enquadra nessa perspectiva analítica e pode contribuircom uma visão diferenciada e mais acurada do espaço geográfico real. As representações na geografia também receberam contribuição de Gil Filho,2005, p. 57. Uma Geografia das Representações é uma Geografia do conhecimento simbólico. Assumeas representações sociais como ponto de partida para uma Geografia Culturaldo mundo banal, da cultura cotidiana, do universo consensual impactado pelo universoreificado da ciência e da política. Nesse contexto, Gil Filho, 2005, elaborou quatro instâncias analíticas parauma geografia das representações e conclui explicitando duas linhas de argumentaçãode uma geografia das representações. A primeira é relacionada às identidades sociaiscomo resultado da imposição dos universos reificados sobre os consensuais das representações. A segunda é uma Geografia do conhecimento banal que cada comunidade produz a partir da representação que cada grupo faz de si mesmo. Uma GeografiaCultural do mundo banal, da cultura cotidiana, do universo consensual impactadapelo universo reificado da ciência e da política. O nosso entendimento é de que a geografia das representações se constituinuma forma de abordagem que trás análises ricas sobre o espaço, facilitando compreendera lógica dos atores, desde as necessidades individuais aos complexos atributosvalorativos dos grupos sociais, emergindo a teia da vida posta e vislumbrada nos territórios. É na subjetividade do banal que encontramos as representações identitárias através da forma como agem os homens no seu espaço. É na complexidade da vidacotidiana que se estabelecem as marcas identitárias no território apropriado pelaspessoas. Identidade e território No contexto apresentado, a identidade é apreendida na dimensão simbólica conotando uma importância revelada a partir da mudança de análise do território, que antes era abordado pela delimitação do estado-nação permitindo análises comreferências nacionais negligenciando as peculiaridades dos espaços. Nesse sentido o território reúne características passíveis de ser analisadas noque diz respeito à conexão de grupos sociais e sua atuação no espaço carregando conteúdo identitário em pequenas escalas analíticas. A construção da identidade pode basear-se em objetos materiais, que servemde referência para a formação dos territórios. Assim a construção dos locais comobairros ou cidades e o enraizamento físico conduz a uma apreensão da relação entre ahistória e o espaço notados a partir e no cotidiano. Vê-se, então, porque os problemas do território e a questão da identidade estão indissociavelmenteligados: a construção das representações que fazem certas porçõesdo espaço humanizado dos territórios identidades(CLAVAL 1999, p. 16). é inseparável da construção das Tal ideia nos leva a inferir o imbricamento de identidade e território na análisegeográfica. Nesse sentido, devemos atentar para questões de alteridade, pois apercepção do Outro se torna substantivamente essencial na construção da identidadesocial, então, as localidades onde as pessoas estão mais próximas tendem a exercermaior influência sobre os demais que o cercam e assim conformando marcas delineadorasde identidade adquiridas através da cultura. Outro aspecto a ser evidenciando diz respeito ao simbolismo da paisagem naformação da identidade, pois para a existência da identidade territorial a presença deum símbolo pode ser necessária. Este símbolo pode estar contido nas paisagens e todas possuem símbolos como afirma Cosgrove (1999, p.106): “todas as paisagens são simbólicas, apesar daligação entre o símbolo e o que ele representa pode parecer muito tênue”. As paisagenssão mais que aspectos funcionais e concretos, há elementos que vão além da meravisão estruturada pelos níveis espectrais alcançados pelos olhos, vão além da morfologiaobjetiva, há de fato, múltiplos patamares de significados. São os significados da paisagem que procuramos, a priori, desvendar na construção dos territórios identitários no Bugio. Nesse sentido, a paisagem podeservir para desvendar a identidade territorial no nosso recorte espacial. Os questionamentossão baseados nessa assertiva. A identificação do símbolo pôde ajudar noentendimento da forma de construção da identidade territorial através da afetividade,dos sentimentos e das imagens e representações. Quando há a apropriação simbólica de um território, a identidade podeemergir, respaldando assim a análise proposta. Cosgrove (1999, p.108) afirma que “todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são o produto da apropriaçãoe transformação do meio ambiente pelo homem”. Nossa análise diz respeito à existência da identidade territorial no bairro Bugioa partir da presença de símbolos na paisagem que deem ancoragem à mesma,concreta ou simbolicamente. Nesse contexto indagamos até que ponto o ecossistemamanguezal contribui para tal. Assim, teorizar a identidade torna-se imprescindívelpara o entendimento do questionamento proposto. Nós buscamos empreender uma análise voltada para a relação da identidadee geografia e nesse sentido, podemos inferir que a identidade é uma representaçãosocialmente constituída, ou seja, uma representação que os grupos têm sobre si próprios.Uma definição simples é encontrada no dicionário Aurélio (2010) como sendo“O que faz que uma coisa seja da mesma natureza que outra”. Entretanto, o conceitovai além dessa simplificação de dicionário. Para (HALL, 2006, p. 38): A identidade é (...) algo formado, ao logo do tempo, através de processos inconscientes,e não algo tão inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existesempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempreincompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. É notório que a identidade não é algo estático e está em constante modificação/mutação levando aos grupos, diferentes características delineadoras de sua identidade. Seguindo esta ideia de dinâmica, (BAUMAN, 2005, p. 17) comunga dizendoqueo “pertencimento” e a “identidade” não tem a solidez de uma rocha, não são garantidospara toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisõesque o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e adeterminação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. A dinâmica da identidade está presente em qualquer que seja a localidade,mesmo em comunidades tradicionais. Para Haesbaert 1999, p.174, “... a identidadesocial é uma identidade carregada (...) de subjetividade e de objetividade”. Tal ideiaconfirma o peso da base territorial na formação da identidade. O autor prossegue,“identificar (...) é sempre identificar-se (...), e identificar-se é sempre um processo de identificar-se com, (...), é sempre um processo relacional”. Para ele a identidade nuncaé una, é múltipla, está em curso, em processo de formação. Não há um bloco contínuo de identidade em um determinado espaço, comsuas próprias regras e submissões, há sim de fato uma associação que por vezes éamistosa sem prejuízos aos grupos contidos no território. A própria junção de populações, com diferentes territorialidades em ummesmo estado-nação nos permite concluir na coexistência pacífica de identidadesterritoriais sem mais complicações severas de convivência. Partindo desse princípio, torna-se difícil conceber, e é a nossa indagação, queexistam identidades sem referenciais espaciais, mas é possível. Sempre existirão formase objetos que darão ou facilitarão a formação de um imaginário que permitirá aosindivíduos a se compreenderem como agentes de produção espacial, mesmo que taisforma e objetos não estejam materialmente concretos no espaço. A identidade territorial no bairro bugio A cidade de Aracaju foi edificada em uma área entre rios entremeados por manguezais de elevada extensão territorial. O contexto à época indicava que a técnica deveria vencer e, nesse intento, a capital foi construída sobre aterros com a paisagem estuarina sendo progressivamente substituída, sobretudo os manguezais, pela paisagem humanizada da cidade. Embora planejada, a expansão para além dos limites do centro projetado e construído em tabuleiro de xadrez, é caracterizada por um processo de “conquista desordenado e disperso”, que vem exigindo vultosos investimentos desde aterros e barreiras de contenção a obras de saneamento e infraestrutura. O que se observa no desenvolvimento da cidade é que tais investimentos não são contínuos no tempo nem no espaço (VARGAS, 2001). Tal situação, guardadas as proporções, é semelhante ao que ocorreu no espaço em que foi edificado o bairro Bugio (figura 01). Em 1979, a paisagem rural destacava-se no sítio ocupado por coqueirais e salinas, cercado pelos riachos Palame e do Cabral, desapropriado para a construção do conjunto habitacional e, portanto, constituindo-se em área de expansão. Nessa época, a política do governo federal direcionava para a construção de conjuntos habitacionais para suprir a carência de moradias em todo o país e, assim, o conjunto Assis Chateaubriand foi erguido. Figura 01: Localização e imagem de satélite do Bairro Bugio em Aracaju. Organização: Rodrigo Lima Fonte: SEPLAN, PMA, 2008, ATLAS DIGITAL DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DE SERGIPE, 2004. Google Earth. Com o passar dos anos o conjunto foi crescendo e se consolidou como bairro após a oficialização dos loteamentos em suas bordas que originalmente eram emaranhados de palafitas sobre os mangues. O processo de “oficialização” dos loteamentos pelo governo municipal constou da oferta de serviços básicos de energia e água assim como de aterros, calçamentos e construção de sistema de drenagem. É interessante observar que a despeito da progressiva descaracterização do ambiente natural, o nome do conjunto habitacional jamais foi apropriado pelos moradores e, o macaco bugio, abundante no sítio original, foi legitimado como bairro Bugio. Por outro lado, os bosques de mangues não foram totalmente destruídos e resistem à ocupação sendo que em algumas áreas aparentam porte elevado, copas frondosas que ainda “envelopam” o bairro. Entretanto, foi assim, a partir da observação da evolução da paisagemque indagamos sobre a identidade territorial de seus moradores e a representatividade dos bosques de mangue na sua construção. A apreensão das atitudes e percepções dos moradores do Bugio mostraram positivamente a existência consolidada de uma identidade territorial mas, para nossa surpresa, muito pouco ou quase nada construída pela presença dos mangues e pela situação singular de ser uma área circundada por canais. Os questionamentos sobre a existência da identidade territorial tendo como símbolo de ancoragem os canais margeados por bosques de mangues e delimitadores do bairro foram sendo demonstrados negativamente, um após o outro, salvo em duas circunstâncias. A primeira delas foi apreendida pelo depoimento do único pescador da amostra pesquisada, representante de um pequeno grupo que ainda persiste nesta prática em águas e mangues dos riachos Palame e Cabral. É importante observar que os mangues são fundamentais para a sobrevivência humana, é conteúdo e constitutivo intrínseco à existência mas, a despeito desse significado, não constrói a identidade com o bairro, o Bugio, objeto dessa análise, mas sim, a partir do cotidiano social. A outra, mais complexa, diz respeito à percepção dos moradores individual e coletivamente sobre os mangues. Individualmente os depoimentos trouxeram desapego, indiferença e ignorância sobre os mangues, seja em seus aspectos ecológicos seja enquanto um símbolo, um geossímbolo tal como referência (BONNEMAISON, 2002). Essa constatação refutou a questão motivadora da presente pesquisa. No âmbito coletivo, foi observada preocupação e até um certo hábito disposto com base à preservação dos mangues. Todavia, pode-se afirmar que tal “engajamento” é para com o mangue enquanto referência de natureza, em oposição ao ambiente construído da cidade. Essa é a realidade dos bosques de mangue para toda a cidade de Aracaju: natureza que circunda, importante e preservada legalmente, mas destruída com rapidez quando os citadinos carecem de habitações. Assim foi no Bugio há 30 anos, e dessa maneira o é atualmente no Coqueiral às margens do rio do Sal e no Bairro 17 de Março, às margens do canal Santa Maria. O embate entre a ocupação humana, preservação e a conservação não estiveram e não estão no foco central da relação do mangue como símbolo de identidade no Bugio. A coletividade, no geral, não tem este como símbolo, mas, sim, como oposição à área construída. A identidade territorial aqui proposta está relacionada com as ideias logradas por Haesbaert (1999, p. 178) pelas quais a “[...] identidade social também é uma identidade territorial quando o referente simbólico central para a construção desta identidade parte do ou transpassa o território”. Com efeito, no espaço estudado, o mangue como um símbolo ou geossímbolo não foi efetivamente confirmado. O sentido do ser não é perpassado pela paisagem do mangue nos moradores, salvo para o pescador ao qual o mangue dá significado à sua existência no Bugio. Nesse contexto de percepção individual e coletiva existe evidente a ideia de que a percepção é diferente entre “um e todos” como demonstram Ramos et al, (2007) e, que cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente em relação ao ambiente em que está inserido. O comportamento que se segue é, portanto, o resultado das percepções (individuais e coletivas) dos processos cognitivos, julgamentos, expectativas e vivência de cada um. Então, no plano coletivo, a percepção dos moradores revela indiferença para com os mangues o que confirma a pouca influência exercida pelo mesmo na formação do território identitário. Ao adentrar na construção da identidade territorial, busca-se apreender quais aspectos responderiam às indagações por aqui realizados, quanto ao cotidiano, percepções, representações e atitudes poderiam revelar a essência das características da identidade no Bugio. Assim, o cotidiano do Bugio mostrou-se impregnado de uma carga simbólica expressa pelas atitudes diárias vitais, nas relações sociais, alicerçando uma união através da alteridade. A relação cotidiana “Eu x Outro” é notada no bairro Bugio, característica essa que indica a existência da identidade social entre os membros da comunidade do bairro, mesmo levando em consideração a diversidade elencada nas entrevistas. No bairro os usos e a frequência nos espaços atadas ao cotidiano dizem respeito ao território concreto, funcional. É preciso ter clara a ideia de que a análise do território não pode fugir desses aspectos. O território é simbólico, mas também tem base material. E, partindo desse pressuposto, é apreensível a presença dos dois tipos no Bugio. Nesse sentido, é encoberta e presente a existência do território. As relações cotidianas são reveladas no território como base para a (re)produção espacial dos seres humanos que o tornam seu lar, moradia, aconchego, dando características ao cotidiano e indicando a manutenção de laços de enraizamento e solidariedade. Denota-se por vezes, uma unidade. As pessoas se conhecem e têm uns aos outros como referência: sou do Bugio, somos do Bugio! O carro de som com anúncio fúnebre é uma das especificidades mais visíveis dessa unidade, independente do local de residência no bairro, religião, profissão e ocupação. O cotidiano se revelou múltiplo e diverso, com características de apego e sensibilidade de pertencimento, e indicando profundas relações sociais entre os moradores nos seus afazeres diários, encontros, despedidas e reencontros, nas ruas, associações, igrejas, em estabelecimentos comerciais e praças. As atitudes dos grupos de moradores atribuem sentido às suas existências e tornam humanas as vidas. Com relação às atitudes, estas dizem respeito ao comportamento individual e, como diz Schiff, (1973, p. 50) “é um conjunto organizado de sentimentos e crenças que influenciarão um comportamento individual”, mas este é respaldado por regras disseminadas através das representações coletivas da comunidade. Assim, o comportamento dos moradores indica sentimento de pertence para com o bairro. Já as atitudes frente aos mangues revelam defesa por parte de uns, comprometimento por outros, e até mesmo, indiferença como constatado para com os mangues. As práticas ambiente-sócio-culturais em suas relações desvelaram o território identitário no sentido concreto e simbólico. Para Haesbaert (2005) o território é relacional imbuído das dimensões funcional e simbólica sempre num continuum. Saquet (2009) diz que o território envolve relações de poder materiais e imateriais historicamente construídas. Claval (1999) aponta que a preferência pelo território denota que os lugares foram construídos pelos homens e suas técnicas. Todos os atributos do território descritos associam-se com o sentido de existência territorial através das identidades. As percepções são diversas. Desde um bairro bom para morar, que nunca sairão, a um local com problemas de violência e infraestrutura. De maneira geral, os moradores concebem o Bugio como um bairro tranquilo, seguro, bom para morar, que possui um bom transporte, amigos e vizinhos cordiais, comércio e serviços satisfatórios e boas áreas de lazer, principalmente alocadas nas praças. A imagem do bairro está associada à religião, tendo como marco a festa de Nossa Senhora Aparecida para os moradores, diferentemente da mostrada pela mídia que sempre associa à violência. O contraponto para a imagem externa e generalizada da violência urbana é o hábito dos moradores de aumentar o espaço das suas casas com cadeiras nas calçadas cotidianamente para um bate papo com vizinhos, sob intuito de observar e comentar “o movimento”, mas, também, nos finais de semana, extensão da mesa para o almoço, som da sala, regado a bebidas e convivência. Essa pesquisa revelou a existência do território identitário, mas não somente um “uno” e sim múltiplos, cada um com sua própria territorialidade. Um dos aspectos dessas territorialidades refere-se à religião, com destaque para a igreja católica (figura 02). Parte dos moradores revelou que o templo seria o símbolo do bairro. O cotidiano destes é permeado por ações da igreja, com ações durante toda a semana, bem como nas festividades. A territorialidade da igreja católica é presente no campo simbólico dos moradores e também nas suas ações rotineiras. Todavia, ao mesmo tempo em que o catolicismo domina o campo das ideias, a paisagem é marcada por vinte e um templos evangélicos e a sua territorialidade não pode ser negligenciada na formação territorial do bairro. Figura 02: Igreja Católica Nossa Senhora Aparecida Foto: Rodrigo Lima Fonte: trabalho de campo, 2010. Um outro aspecto diz respeito às praças. Nelas é de perceber toda a gama das profundas relações de sociabilidade entre os moradores, nos usos e apropriações. Parte dos moradores também elencou ser o símbolo do bairro. Tranversal ao significado e importância das praças foi possível identificar o papel/função agregadora das representações sociais tanto daquela institucionalizada, como a ECCO’s até as agremiações mais ou menos organizadas de futebol e voleibol que ao aproximar os moradores, dão sentido simbólico de apropriação do território. Compreende-se que o território é funcional e simbólico, e não é apenas um, são múltiplos territórios, como o próprio Haesbaert (2005) preconiza que a análise territorial não deve negligenciar todas as dimensões existentes. É preciso que conste no Bugio, portanto, múltiplos territórios identitários. A pesquisa aqui revelou ainda a força da identidade, mesmo em tempos de globalização. O Bugio é um local em que é notável a presença do global, e as práticas sócio-culturais e do ambiente são próprias e simbolizam peculiaridades na produção social do espaço. E ainda existem muitos Bugios por aqui e por todos os lugares. Referências ALMEIDA, Maria Geralda de. Em busca do poético do Sertão: um estudo de representações. IN: ALMEIDA, M. G. de. RATTS, A. JP. (orgs) – Geografia: leituras culturais. – Goiânia: Alternativa, 2003. P. 71-88. BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. BONNEMAISON, J. Viagem em torno do território. 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