Os BRICs – acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China

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A dinâmica econômica e demográfica dos BRICs
José Eustáquio Diniz Alves1
O acrônimo BRIC (tijolo em inglês), formado pelas letras iniciais dos nomes de quatro países de
dimensões continentais – Brasil, Rússia, Índia e China - foi criado por Jim O’Neill e divulgado
em estudo da Goldman Sachs, em 2003. A idéia é que estes quatro países estarão no topo da
economia mundial ao longo do século XXI e, se atuando em conjunto, os países/tijolos (brics)
participarão da construção de um novo quadro econômico internacional que poderiam superar a
hegemonia dos Estados Unidos (EUA). Segundo Castro (2008) “Poucos questionam hoje, a idéia
de que o centro de gravidade do crescimento econômico no mundo vem se deslocando para a
Ásia, e mais concretamente para a China (...) Não é a primeira vez que o centro de gravidade do
crescimento da economia mundial se desloca”2.
No dia 08/06/2008 o chanceler brasileiro Celso Amorim publicou um artigo no jornal Folha de
São Paulo dizendo que, diante da desaceleração da economia norte-americana a partir de 2007 e
das incertezas que se afiguram à evolução do comércio e das finanças internacionais, os BRICs
têm contribuído para manter nos trilhos a economia mundial. Ele ressalta aspectos da reunião
ministerial dos BRICs ocorrida em maio de 2008: “Os Brics são um exemplo de como países com
culturas diversas podem se unir em torno de projetos comuns em favor da paz, do
multilateralismo e do respeito ao direito internacional. A convergência que soubermos cultivar,
sem prejuízo da pluralidade de pontos de vista, deverá reforçar a ação dos quatro em diversas
instâncias e foros multilaterais”.
De fato, a China e os BRICs têm mantido o ritmo de crescimento econômico, em 2008, a
despeito da desaceleração da economia americana e do baixo desempenho das economias dos
países desenvolvidos. Em artigo também na Folha de São Paulo, de 12/06/2008, o economista
Paulo Nogueira Batista Jr chama a atenção para esta particularidade do momento atual: “Não sei
se o leitor se dá conta da singularidade da situação que estamos vivendo desde que estourou a
crise do ‘subprime’. Um aspecto que salta aos olhos é a extraordinária resistência dos países em
desenvolvimento, entre eles o Brasil, à crise nos sistemas financeiros dos EUA e da Europa (...)
Essa resistência da periferia e dos emergentes ainda está por ser explicada adequadamente. Mas
parece claro que o fortalecimento da política econômica e, em especial, do setor externo das
economias periféricas é um elemento importante dessa explicação. Balanços de pagamento
superavitários e reservas elevadas deram a muitos países condições de fazer face às turbulências
no centro do sistema internacional” .
A tabela 1 apresenta alguns dados sobre as dimensões econômicas, geográficas e demográficas
dos BRICs, comparando com os dados dos EUA e do mundo. Nota-se que os BRICs possuem 8%
da área terrestre do mundo, somando quase 4 vezes a extensão dos EUA. Em termos
populacionais os BRICs são 9,3 vezes maiores que os EUA e representam 42% da população do
Planeta.
1
Professor titular da ENCE e coordenador da Pós-graduação do IBGE. E-mail: [email protected]
CASTRO, Antonio B. No espelho da China. Rio de Janeiro, Aparte, IE-UFRJ. Disponível em:
http://www.ie.ufrj.br/aparte/notas/nota.php?codigo=APARTE_0075
2
1
Tabela 1: Dados econômicos e demográficos dos BRICs, Estados Unidos (EUA) e do Mundo
Países
Área em Km2
População (julho
2008)
Densidade
demografica
hab/km2
Brasil
Rússia
Índia
China
BRICs
EUA
Mundo
Brics/EUA
Brics/mundo
8.511.965
17.075.200
3.287.590
9.596.960
38.471.715
9.826.630
510.072.000
3,9
8%
191.908.598
140.702.094
1.147.995.898
1.330.044.605
2.810.651.195
303.824.646
6.677.563.921
9,3
42%
23
8
349
139
73
31
13
2,4
558%
Exportações PIB (milhões
PIB (milhões
PIB per
(milhões
dólares
dólares - ppp) capita - ppp
dólares) 2007 correntes) 2007
2007
2007
160.600
365.000
150.800
1.217.000
1.893.400
1.149.000
14.000.000
1,65
13,50%
1.314.000
1.286.000
1.099.000
3.251.000
6.950.000
13.840.000
54.620.000
0,50
12,70%
1.836.000
2.088.000
2.989.000
6.991.000
13.904.000
13.840.000
65.610.000
1,0
21,20%
9.700
14.700
2.700
5.300
4.947
45.800
10.000
0,11
50%
Fonte: The World Factbook – CIA – Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
Fonte: The World Factbook – CIA – Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
2
Com uma população tão significativa, a densidade demográfica dos BRICs é 2,4 vezes maior do
que a dos EUA e 5,6 vezes maior que a densidade média do mundo, embora exista uma grande
diferença entre a densidade demográfica da Índia e da Rússia. As exportações, em 2007, dos
quatro grandes países representaram 13,5% do total mundial e foram 65% maiores do que as dos
EUA. Este indicador já reflete a importância dos BRICs no comércio internacional.
Embora o PIB dos BRICs, em termos de dólares correntes, seja baixo (representando apenas 50%
do PIB americano), o PIB em termos de paridade de poder de compra (ppp) é equivalente ao PIB
americano. Contudo, devido à população muito maior, o PIB per capita (em ppp) equivale á
metade do valor mundial e a cerca de 11% do PIB per capita americano. Portanto, mesmo tendo
uma população mais pobre, estes quatro países juntos já apresentam uma dimensão econômica
equivalente à tamanho da economia americana. A grande novidade é que exatamente os países
mais populosos – China e Índia – são aqueles que estão apresentando maior dinamismo
econômico e diminuindo a distância dos seus parceiros de maior renda.
Em termos de recursos naturais e humanos os BRICs superam em muito os EUA e taxas mais
elevadas de crescimento econômico podem colocar os quatro países em uma posição privilegiada
no século XXI, contribuindo, inclusive, para a redução da pobreza. A emergência destes quatro
países pode significar um novo quadro no panorama internacional, pois se trata de países que
englobam mais de 40% da população mundial. Desta forma, o maior crescimento das economias
periféricas em relação às economias centrais estaria trazendo uma perspectiva positiva de
desconcentração da renda internacional, o que poderia ter efeitos positivos internamente se
houver uma situação de maior bem-estar para amplas parcelas destas populações em âmbito
nacional.
A tabela 2 mostra que o crescimento econômico anual de Rússia, Índia e China (RICs),
especialmente depois de 2003, tem sido cerca de 3 vezes maior do que o crescimento médio
mundial e consistentemente maior do que o crescimento do PIB americano. O Brasil vinha
apresentando crescimento econômico abaixo do crescimento do PIB mundial e crescimento do
PIB per capita abaixo do desempenho dos EUA. Em 2007 e 2008 o Brasil passou a apresentar
crescimento maior do que a média mundial, embora bem menor do que o crescimento dos RICs.
O ano de 2008 mostrou que os BRICs, de certa forma, descolaram dos imperativos da
desaceleração americana. Resta saber se vão mater o ritmo de crescimento.
Tabela 2: Crescimento anual do PIB para países e regiões selecionadas: 2001-2008
Mundo, regiões e países
PIB mundial
Economias avançadas
EUA
China
Índia
Rússia
Brasil
2001
2,4
1
0,3
7,5
4,2
5
1,4
2002
3
1,7
2,2
8
4,7
4,7
1,9
2003
4
2
3
9,3
7,5
7,3
0,5
2004
5,3
3,2
3,9
10,1
8
7,2
4,9
2005
4,9
2,6
3,2
10,2
8,5
6,4
2,3
2006
5
3
2,9
11,1
9,7
7,4
3,8
2007
4,9
2,7
2,2
11,4
9,2
8,1
5,4
2008*
3,7
1,3
0,5
9,3
7,9
6,8
4,8
Fonte: World Economic Outlook (WEO), setembro de 2003, abril 2006 e de 2008 www.imf.org * projeções
Para as mudanças atuais, muito pode contribuir as favoráveis condições demográficas. Ao
contrário dos países desenvolvidos que já contam com uma estrutura etária envelhecida e com
3
menor disponibilidade de mão de obra, os BRICs contam, em condições variadas, com uma
dinâmica demográfica que pode ser um fator para alavancar o crescimento econômico nas
décadas vindouras. Para a análise do quadro populacional vamos iniciar analisando a transição
demográfica dos BRICs e suas vantagens comparativas e competitivas.
O gráfico 1 mostra como se deu a transição demográfica nos quatro países. Brasil, Índia e China
tinham Taxas Brutas de Natalidade (TBN) acima de 40 por mil em 1950, mas como as Taxas
Brutas de Mortalidade (TBM) eram menores no Brasil, este apresentava as maiores taxas de
crescimento populacional em meados do século XX.
Gráfico 1: Taxas Brutas de Natalidade (TBN), Taxas Brutas de Mortalidade (TBM) e Taxa de
crescimento anual da população de Brasil, Rússia, Índia e China: 1950 –2050
50
40
40
Taxas por mil
30
20
10
30
20
10
TBM
TBN
Crescimento populacional
TBM
Índia
2040-2045
2030-2035
2020-2025
2010-2015
2000-2005
Crescimento populacional
Rússia
50
30
40
TBN
TBM
Crescimento populacional
TBN
TBM
Crescimento populacional
Fonte: Population Division of United Nations. World Population Prospects: The 2006 Revision, Disponível em
http://esa,un,org/unpp, Visitado em: June 14, 2008.
O Brasil vem apresentando uma redução do ritmo de crescimento demográfico desde 1970 e deve
atingir uma estabilidade populacional por volta de meados do atual século. A Rússia, por seu
turno, já apresentava taxas de natalidade e mortalidade bem abaixo dos outros três países,
conseqüentemente, apresentava baixas taxas de crescimento nas décadas de 1950 e 1960. Com o
fim da União Soviética em 1991 houve uma crise econômica e social muito grande que provocou
uma forte redução da natalidade e um aumento da mortalidade, de tal forma que a população
4
2040-2045
2030-2035
2020-2025
2010-2015
2000-2005
-10
1990-1995
0
1980-1985
2040-2045
2030-2035
2020-2025
2010-2015
2000-2005
1990-1995
1980-1985
1970-1975
1960-1965
0
1970-1975
10
10
1960-1965
20
20
1950-1955
Taxas por mil
30
1950-1955
Taxas por mil
1990-1995
1980-1985
1970-1975
2040-2045
2030-2035
2020-2025
2010-2015
2000-2005
1990-1995
1980-1985
1970-1975
1960-1965
1950-1955
TBN
-10
1960-1965
0
0
1950-1955
Taxas por mil
China
Brasil
50
russa começou a diminuir a partir do ano de 1995 e deve continuar apresentando quedas ao longo
da primeira metade do século XXI, segundo as projeções médias da ONU.
As taxas de natalidade subiram na China durante a Revolução Cultural dos anos 60, o que fez
acelerar o crescimento populacional chinês. Mas a partir da década de 1970 a TBN na China caiu
com bastante rapidez, o que deverá provocar o declínio populacional chinês a partir do ano de
2030. Na Índia as taxas de mortalidade caíram desde a independência do país, em 1948, em um
ritmo superior à queda das taxas de natalidade até a década de 1980, o que provocou aumento do
ritmo de crescimento demográfico. Mas a partir dos anos 90 o ritmo de queda da TBN superou a
queda na TBM e começou um processo de desaceleração do crescimento populacional. Mesmo
assim, a Índia é o país dos BRICs que apresenta o maior ritmo de crescimento populacional e, em
termos absolutos, deve ultrapassar a população da China por volta de 2025.
Dos quatro países a Rússia é que está mais adiantada na transição demográfica, mas além de
apresentar uma população em declínio, possui uma baixa esperança de vida, em especial para o
caso masculino, como veremos em outro artigo. A Índia é o país mais atrasado na transição
demográfica e que apresenta as maiores taxas de mortalidade infantil e menor esperança de vida.
A China e o Brasil apresentam várias semelhanças no processo de transição demográfica, embora
o declínio da fecundidade na China tenha se dado de maneira mais rápida e o país possui taxas de
fecundidade abaixo da reposição desde a década de 1990.
O gráfico 2 mostra a evolução da população total dos quatro países. Nota-se que a população da
Rússia era quase duas vezes superior à população brasileira em 1950, contudo esta última
ultrapassou a primeira no início dos anos de 1990 e deverá ser quase 2,5 vezes superior no ano de
2050, ou seja, a população da Rússia deverá apresentar uma queda absoluta durante toda a
primeira metade do século XXI, enquanto a população brasileira deverá se estabilizar em meados
do século. A Rússia que é o país com a maior extensão territorial do mundo também é aquele que
está apresentando a maior queda absoluta de população.
Gráfico 2: Crescimento da população de Brasil, Rússia, Índia e China: 1950 - 2050
População (em milhões)
1.800
1.600
1.400
1.200
1.000
800
600
400
200
China
Índia
Rússia
2050
2040
2030
2020
2010
2000
1990
1980
1970
1960
1950
0
Brasil
Fonte: Population Division of United Nations. World Population Prospects: The 2006 Revision, Disponível em
http://esa,un,org/unpp, Visitado em: June 14, 2008. Projeções medias.
5
A população da China continua crescendo pelo efeito da inércia demográfica, mas deverá
apresentar declínio a partir do ano de 2030. O único país que deverá manter um crescimento
contínuo, embora com tendência à desaceleração, é a Índia, que deverá ultrapassar o volume
populacional da China a partir de 2025, se tornando o país mais populoso do mundo e o BRIC
com a maior densidade demográfica.
O gráfico 3 mostra o percentual da população urbana dos BRICs. A despeito de diferenças de
definição sobre o rural e urbano, parece não existir dúvidas que o Brasil apresenta as maiores
taxas de urbanização e mesmo tendo taxas menores do que as da Rússia em 1950, as ultrapassou
no final do século passado e deve apresentar taxas superiores a noventa por cento nas próximas
décadas. A China que tinha as menores taxas de urbanização em meados do século passado,
ultrapassou as taxas da Índia e deve chegar perto do grau de urbanização da Rússia por volta de
2050.
Gráfico 3: Percentagem da população urbana de Brasil, Rússia, Índia e China: 1950 - 2050
100
90
80
70
%
60
50
40
30
20
10
Brasil
Russia
India
2050
2045
2040
2035
2030
2025
2020
2015
2010
2005
2000
1995
1990
1985
1980
1975
1970
1965
1960
1955
1950
0
China
Fonte: World Population Prospects: The 2006 Revision and World Urbanization Prospects: The 2007 Revision,
http://esa,un,org/unup, June 19, 2008. Projeções medias.
Embora apresentem ritmos diferentes de crescimento populacional e, consequentemente,
diferentes estruturas etárias, os BRICs continuarão representando cerca de 40% da população
mundial na primeira metade do século XXI e contarão com desafios e vantagens demográficas
que podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida, como veremos nos seguintes artigos:
•
•
•
Saúde e mortalidade nos BRICs
Direitos reprodutivos e fecundidade nos BRICs
Estrutura etária e bônus demográfico nos BRICs
6
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