7ª aula. História da Medicina. FMUP. A Medicina Portuguesa a partir do séc.XVI A Medicina Portuguesa a partir do séc. XVI Baseado na aula leccionada pela Prof.ª Amélia Ferraz 20/05/2005 Estávamos em Portugal no séc. XVI. Também aqui se dá o desenvolvimento do espírito crítico e se sente a necessidade de voltar às fontes greco-romanas. Por outro lado, fomos pioneiros na descoberta do Mundo Novo, e na sua apresentação aos outros povos ocidentais. O problema é que a maioria das obras publicadas eram em português, língua desconhecida para muitos. Só com o interesse de outros investigadores estes textos foram traduzidos para latim, possibilitando a divulgação das grandes descobertas portuguesas no mundo científico da época. Um exemplo concreto é Garcia de Orta, de que falaremos mais à frente. Resultantes das Descobertas surgem novas patologias, descritas de forma ímpar pelos portugueses: Luís Vaz de Camões, nos Lusíadas, retrata o Mal de Luanda, o Escorbuto, que pensava que vinha de Angola; também descreve as queimaduras solares; No séc. XVI aparece o primeiro tratado sobre a Febre Amarela, proveniente das Índias Ocidentais; Nos séc. XVI, XVII e XVIII aparecem vários tratados sobre a Sífilis, fruto do surto que se constatou. Na grande maioria acreditavam que era proveniente das “Américas”, tinha sido trazida pelos espanhóis e depois difundida na Europa – na verdade sabemos que já existia na Europa, mas em muito menor grau. No séc. XVI temos um espanhol no Hospital Real de Todos os Santos, Ruy Diaz D’Ysla, que escreve sobre esta doença o “Tratado contra o Mal Serpentino” (o nome vem quer das marcas típicas deixadas no crânio, quer pelo carácter “enganador” e “grave”da doença). Fernão Mendes Pinto descreve as feridas por arma de fogo, e o seu tratamento por emolientes, no Oriente; Nos navios passam-se grandes provações: a gangrena de um membro era frequente, dolorosa e atraía os ratos – encontram-se em guias de bordo descrições de “como amputar”, pois era a única solução existente. Na última aula começámos a falar de Amato Lusitano (séc. XVI): Gostava de referir sempre a sua origem portuguesa, lusitana, e daí o nome que adoptou, como já foi dito. Era de ascendência hebraica, tal como outros grandes médicos portugueses do período dos séc. XVI, XVII e XVIII e, como eles, foi obrigado a procurar outros locais de maior tolerância religiosa onde Página 1 de 4 7ª aula. História da Medicina. FMUP. A Medicina Portuguesa a partir do séc.XVI pudesse exercer livremente Medicina e publicar sem censura as suas notas clínicas. Foi o responsável pela descoberta das válvulas venosas, aquando professor de Anatomia em Ferrara, antes mesmo de Fabrício de Acquapendente, a quem é geralmente atribuída esta descoberta. Escreveu sobre drogas orientais a partir da observação de plantas que vinham da Índia, na Casa da Índia. Muito viajado, escreveu 7 “Centúrias”, cada com cem casos clínicos dos inúmeros sítios onde exerceu Medicina. Interessante é o facto de que descreve a integração do indivíduo doente no seu contexto social, uma vez que só na década de 40 do séc. XX se considerou oficialmente o conceito de saúde como um bem-estar físico, psíquico e social. Interessou-se muito por botânica, deixando o livro “Index Dioscórides” comentando Dioscórides. Outra figura de destaque da Medicina portuguesa do séc. XVI foi Garcia de Orta: Nasceu em Castelo de Vide e ainda ensinou Filosofia em Lisboa, mas foi muito cedo para a Índia (como Amato Lusitano, provavelmente pela intolerância religiosa). Interessado por botânica, escreveu o primeiro livro de Medicina Exótica ou Tropical, escrito e impresso em língua portuguesa, em oficina instalada em terra portuguesa: a obra “Colóquios dos Simples e Cousas Medicinais da Índia” era essencialmente um diálogo entre Ruano (o médico jovem, inexperiente e curioso que ele próprio era quando chegou à Índia) e o Dr. Orta (também Garcia de Orta, mas ao fim de 30 anos de experiência na Índia, cheio de conhecimentos de botânica e costumes). É da sua responsabilidade a primeira descrição da Cólera Asiática. Contudo, o facto do livro ter sido escrito em português limitaria a sua divulgação. Quando morreu, os seus ossos foram queimados, assim como várias das suas obras, das quais sobraram 19. Um francês, Charles de l’Ecluse, ainda no séc. XVI, retirou uma parte relativamente à botânica e escreveu um livro em latim, que vai ser conhecido em todo o Ocidente, (excepto em Portugal). Teve sempre o cuidado de referir que a informação era de Garcia de Orta, mas durante o período do séc. XVI ao séc. XIX o texto original ficou esquecido. Só no séc. XIX aparece primeiro uma edição muito má e mais tarde outra excelente, da obra de Garcia de Orta, e Portugal toma, finalmente, de novo conhecimento dela. O livro de Garcia da Orta nunca teve imagens: só numa das cópias posteriores é que são introduzidas por Cristóvão da Costa. Página 2 de 4 7ª aula. História da Medicina. FMUP. A Medicina Portuguesa a partir do séc.XVI Ao longo das colónias por onde os portugueses passaram, deixaram obras de arquitectura de defesa territorial, mas também de assistência médica, onde se desenvolveu um ensino médico e cirúrgico muito pioneiro. Nos primeiros livros impressos (Incunabos) mantém-se a primeira letra como letra capital, característica dos manuscritos: aqui vemos nela representado um homem a ser degolado, o que é uma alusão simbólica. De facto, os padroeiros do Hospital Real de Todos os Santos em Lisboa eram o S. Cosme e o S. Damião, médicos extremosos que foram degolados. O primeiro livro sobre cirurgia publicado em Portugal, data do séc. XVII, tem por autor António de Avintes e apresenta apenas quatro imagens muito estilizadas. ... Já falámos que no séc. XVI se deu a centralização das Albergarias com a criação das Misericórdias. O Hospital Real de Todos os Santos foi uma das principais escolas anatómicas e cirúrgicas ao longo da sua existência, por vezes com a contratação de professores estrangeiros. Aparece no séc. XVI, mas o seu grande desenvolvimento como escola anatómica é no séc. XVII e XVIII, culminando com o aparecimento do grande cirurgião Manuel Constâncio. No Porto, é criado o Hospital de D. Lopo, no séc. XVII, em 1605 (D. Lopo, um grande pecador, doou como purificação o dinheiro que tinha para a construção de um grande hospital). O Hospital que o sucedeu foi o Hospital de Santo António, em 1770. ... Em suma, os exponentes máximos da Medicina portuguesa do séc. XVI foram Garcia da Orta, Amato Lusitano e também Rodrigo de Castro: a esposa de Rodrigo de Castro faleceu no momento do parto, o que o levou a dedicar-se às mulheres. Escreveu um Tratado sobre a Grávida e o Parto. Era Conselheiro de Estado. De um espírito crítico e inteligente, detectava situações de fraude relativas a factos clínicos. Também tinha ascendência hebraica. Do séc. XVII não nos podemos esquecer de Zacuto Lusitano, judeu, que se isolou em Amesterdão e deixou uma obra notável sobre medicina, deontologia, farmacologia, anatomia; de Duarte Madeira Arrais, com os seus escritos sobre a sífilis; de António da Cruz e António Ferreira, médicos do Hospital Real de Todos os Santos importantes no desenvolvimento da cirurgia. Aleixo de Abreu descreve pela primeira vez o “mal de Luanda” ou Escorbuto. Em Portugal ainda são as doutrinas galénicas que norteiam a patologia; nada se conhece ainda sobre a circulação do sangue e observação microscópica. No séc. XVIII o Homem começa a preocupar-se com ele próprio, tendo a consciência de que a doença não é o resultado incontrolável do desígnio da divindade, mas que depende em muito da sua acção e comportamento. Página 3 de 4 7ª aula. História da Medicina. FMUP. A Medicina Portuguesa a partir do séc.XVI Na medicina portuguesa, é de lembrar Jacob de Castro Sarmento, que embora estivesse em Inglaterra teceu considerações sobre o ensino em Portugal; comercializa a “Água de Inglaterra”, e foi um adepto da vacinação anti-variólica. Luís António Verney também lutou pela mudança do ensino em Portugal. Contudo, o vulto de maior relevância deste século é Ribeiro Sanches, discípulo de Boheraave. Depois de tirar o curso de Medicina em Espanha, quis fazê-lo novamente com o Mestre Boheraave. Foi depois médico da Imperatriz Catarina da Rússia, onde organizou o Sistema de Saúde do Exército. Foi Conselheiro de Estado e o introdutor da higiene Político-Social em Portugal (com o “Tratado da conservação da saúde dos povos”). O ensino em Portugal sofreu neste século uma importante Reforma, apoiada pelo Marquês de Pombal, com a contribuição de Jacob de Castro Sarmento e Luís António Verney (“Verdadeiro método de estudar”), mas sobretudo com a adopção das ideias de Boheraave, graças às obras de Ribeiro Sanches “Cartas sobre a educação da mocidade” e o “Método para aprender a estudar medicina” que foi quase integralmente transcrito para os estatutos da Universidade de Coimbra. No século XVI não era permitida a representação do corpo humano em imagens e a dissecção só se fazia em animais: de facto, só no séc. XVII aparece em Coimbra o primeiro teatro anatómico. Mas é fundamentalmente no séc. XVIII, com esta Reforma Pombalina, que também se criam infraestruturas apropriadas, como o jardim botânico, o laboratório químico e farmacêutico, o teatros anatómicos: o ensino deixa de ser tão livresco para adquirir um carácter mais prático. ... Vejamos algumas imagens de Coimbra: lá não há um castelo porque as suas pedras foram aproveitadas para construir a Universidade. A estrutura mais antiga da Universidade é a Porta Férrea, que data do séc. XVII. Em frente ao museu Machado de Castro, onde é agora a Sé Nova, é que estavam os Laboratórios, o Teatro Anatómico, etc. Relembrem depois o séc. XIX, que demos nas primeiras aulas. Fim Página 4 de 4