Linguagem, educação e pesquisa: práticas mediadas pelas novas tecnologias Sílvia Becher Kátia Tavares Em nossa sociedade atual, a mediação das novas tecnologias é constante e crescente nas mais diversas práticas e vem despertando o interesse de pesquisadores das mais diversas áreas. Não há dúvida de que no campo da educação – nas diferentes subáreas e níveis – a tecnologia tem causado impacto no próprio uso das ferramentas e recursos diversos para maior eficácia dos processos pedagógicos quanto nos efeitos em termos da (des)motivação dos alunos com os processos tradicionais de aprendizagem. No campo de estudos da linguagem, multiplica-se o número de pesquisas que buscam investigar práticas discursivas e sociais mediadas pelas novas tecnologias, incluindo questões como o letramento digital, a integração da tecnologia no currículo, estratégias pedagógicas específicas para o universo digital, as diferenças em termos da interação dos alunos no meio físico e no virtual, avaliação das implementações de espaços não-pedagógicos na sua concepção que foram inseridos em contextos de ensino-aprendizagem, como as redes sociais e os games, dentre inúmeras outras. Nesta edição especial dos Cadernos de Letras em que tratamos de questões sobre o uso da tecnologia em sua interface com a educação e/ou a linguagem, apresentamos uma pequena amostra da diversidade de estudos, pesquisas e experiências nesse campo sob diferentes perspectivas. Com os artigos aqui reunidos, podemos perceber a importância de implementar a tecnologia de forma justificada, seja em função dos fundamentos didáticos que embasam sua aplicação no ensino, seja em termos do respaldo linguístico para compreensão de processos de uso da linguagem. Partimos de um texto que discute o acesso à tecnologia digital e às práticas sociais mediadas pelas novas tecnologias para, então, abordar formas de potencializar a aprendizagem com o uso dessas tecnologias, seja através de games e das comunidades que se criam em torno desses games ou através da promoção da sensação de pertencimento em projetos educativos em ambiente on-line a partir da expressão da identidade dos participantes. Ainda discutindo o uso das novas tecnologias na educação, apresentamos três textos que focalizam o contexto do ensino superior, questionando os novos papeis de alunos e professores com a inserção de ambientes virtuais de aprendizagem. Finalizando, temos dois textos que abordam o uso da tecnologia em pesquisas na área de linguagem (língua e literatura) através da análise de corpora. 2 Em seu artigo, A literacy approach to the digital divide, Mark Warschauer discute o conceito de exclusão digital a partir de pesquisas anteriores sobre acesso à informação. Ao levar em consideração três formas de acesso – a um equipamento, à conexão contínua e a novas práticas sociais –, o autor destaca a importância desta última forma de acesso. Warschauer compara a definição de exclusão digital com conceitos sobre a exclusão dos não letrados e argumenta que pesquisas sobre letramento oferecem um arcabouço útil para a compreensão da exclusão digital com base nas práticas sociais e não apenas à disponibilidade de acesso a dispositivos e conexões. Para o autor, tanto o letramento quanto o acesso à tecnologia são múltiplos, dependentes do contexto, estratificados em um continuum, fortemente ligados aos benefícios que trazem para determinadas funções e dependentes da educação e da cultura, assim como do poder. Ao discutir pesquisas em escolas para ilustrar a importância de uma melhor compreensão do conceito de exclusão digital, Warschauer defende que reformas educacionais que privilegiam novas formas de construção de sentidos e engajamento social trazem benefícios mais significativos do que aquelas que enfatizam um equipamento, como o programa “One Laptop per Child”. Em seguida, tratando de novas práticas de aprendizagem com uso da tecnologia, James Paul Gee e Elisabeth Hayes focalizam o uso de jogos digitais no artigo Nurturing Affinity Spaces and Game-Based Learning. Os autores argumentam que, para compreender como os jogos dão suporte à aprendizagem e para desenhar jogos com objetivos educacionais, educadores e pesquisadores devem pensar além dos elementos do software do jogo e refletir sobre as práticas sociais, ou o „meta-jogo‟, que ocorrem no jogo em si e no seu entorno. A partir de estudos sobre sites de fãs do jogo The Sims (um jogo eletrônico muito popular), os autores identificam características do que denominam de “nurturing affinity spaces” ou, em português, espaços de afinidade estimulantes. Segundo os autores, esses espaços de afinidade são sites de aprendizagem compartilhada que reúnem pessoas que se dispõem a espalhar paixão e conhecimento, sem restringir isso a especialistas no assunto em foco. Gee e Hayes comparam as características desses espaços de afinidade com as formas típicas de organização das escolas e acreditam que compreender como tais espaços são criados e mantidos parece ser fundamental para futuras pesquisas sobre jogos e aprendizagem. Para os autores, espaços de afinidade podem nos ensinar muito sobre a promoção da paixão e do engajamento das pessoas em relação à aprendizagem. Também abordando questões de envolvimento do aprendiz em ambientes online, no artigo A expressão da identidade como fator gerador de pertencimento em projetos educativos em ambiente on-line, Eugênio Paccelli Aguiar Freire discute a importância da consideração das identidades dos sujeitos nas práticas pedagógicas em projetos educativos em ambiente on-line. Para o autor, a percepção da expressão da identidade se apresenta como um fator ampliador das possibilidades de desenvolvimento do pertencimento dos alunos, tanto em relação ao grupo quanto em relação ao projeto do qual participam. A partir dos resultados de um estudo de caso, o autor recomenda que projetos educacionais em ambiente on-line incluam atividades de confecção e permuta de produções relacionadas ao universo próprio dos alunos, de modo que tal prática possa se configurar como etapa geradora de condições propícias ao desenvolvimento do pertencimento e, assim, estimular uma postura mais ativa dos alunos. Ainda tratando da educação mediada pelas novas tecnologias, nos três artigos seguintes, os autores focalizam o contexto do ensino superior. No artigo, Da sala de aula ao ciberespaço: trabalhando por uma nova prática pedagógica, Andrea de Cadernos de Letras (UFRJ) n.28 – jul. 2011 http://www.letras.ufrj.br/anglo_germanicas/cadernos/numeros/072011/textos/cl31072011apr.pdf 3 Farias Castro relata o desenvolvimento de uma disciplina optativa sobre tecnologia educacional oferecida para alunos de diferentes cursos de graduação, em que foram utilizados diferentes recursos de tecnologia e, sobretudo, foi buscada a expansão da sala de aula ao ciberespaço. A dinâmica propunha que os alunos se associassem a um grupo de discussão, no qual, para que ampliassem suas interações, foram empregados recursos que iam além da troca de mensagens, como imagens, linguagens que impregnam o contexto social que habitamos e que serviram de fator motivacional para elevar as reflexões sobre o conteúdo estudado. De acordo com Castro, a experiência, cujo objetivo era proporcionar uma vivência coerente com a teoria, apresentou resultados satisfatórios ao final do processo, considerando-se a análise de registros feitos pelos alunos na sua participação no grupo e nos relatórios finais de conclusão de curso. Na experiência relatada pela autora, a utilização das tecnologias de informação e comunicação (TICs) mostrou ter ampliado, para os alunos em formação, a oportunidade de uso de recursos diversificados – condição por vezes dificultada pelas instalações da sala de aula. Como aponta Castro, a vivência também ofereceu aos alunos uma formação prática, relevante para seu futuro campo de atuação, através de ações inovadoras com uso de TICs. Em seguida, em O perfil do aluno do primeiro ano do curso de Letras da PUC-SP frente à modalidade semipresencial, Adolfo Tanzi Neto e Angelita Quevedo analisam o perfil do aluno ingressante no curso de Letras da PUC-SP no que diz respeito às competências e habilidades necessárias para uma aprendizagem no ambiente digital e observam o desempenho dos diferentes perfis observados ao longo da primeira disciplina do curso oferecida na modalidade semipresencial. Analisando as expressões escritas de 96 alunos registradas nos fóruns de discussão da disciplina, os autores identificaram três tipos de perfil – aberto, semiaberto e fechado – que parecem influir no processo de aprendizagem. Segundo os autores, os resultados apontam a interação como elemento principal para o bom desempenho dos alunos. Além disso, o artigo pode contribuir para uma reflexão sobre aspectos relevantes do desenho e da oferta de disciplinas semipresenciais no contexto do ensino superior e, em particular, em cursos de Graduação em Letras. Focalizando exatamente a interação, aspecto também destacado nos resultados do trabalho de Adolfo Tanzi Neto e Angelita Quevedo, Ana Lygia Cunha, em seu artigo Reflexões sobre o papel de mediador em discussões do fórum de um curso on line, investiga a participação de alunos no fórum de discussão de um curso de especialização em ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Segundo a autora, a constatação da existência de alunos mediadores na interação que se dá no fórum de discussão do curso por ela investigado evidencia que a mediação não se restringe ao professor, que pode contar com a mediação promovida por alunos. Ao apontar que a participação dos alunos mediadores é legítima, viável e pode ser de qualidade, a autora espera que seu trabalho possa auxiliar na busca pela solução de alguns problemas enfrentados por professores na modalidade a distância on-line, como a sobrecarga de trabalho para tentar oferecer aos alunos muitas oportunidades de interação e uma mediação personalizada e individualizada. Nos dois artigos finais desta edição, a tecnologia se faz presente na pesquisa na área de linguagem, cujos resultados podem servir de suporte a possíveis futuras intervenções pedagógicas. Interessada em estudar as interferências que ocorrem entre português e espanhol e que efeitos causam na lexicografia de aprendizagem, Carolina Fernandes Alves discute a utilidade da Análise Contrastiva (AC) e de um corpus de erros na construção de um dicionário monolíngue de espanhol para aprendizes brasileiros. Para a compilação de um pequeno corpus de erros a partir de produções Cadernos de Letras (UFRJ) n.28 – jul. 2011 http://www.letras.ufrj.br/anglo_germanicas/cadernos/numeros/072011/textos/cl31072011apr.pdf 4 textuais escritas de universitários brasileiros estudantes de espanhol como língua estrangeira em nível intermediário, a autora utilizou o software WordSmith tools. Destacando que a compilação de corpora de erros através de ferramentas eletrônicas é uma opção metodológica oferecida pela Linguística de Corpus utilizada na elaboração de materiais didáticos, a autora sugere o estabelecimento de uma complementaridade entre a AC e a Linguística de Corpus. Segundo a autora, os resultados iniciais de seu estudo indicam que a análise de um corpus de erros auxilia no planejamento de soluções lexicográficas para as interferências linguísticas. O último artigo desta edição, Discurso literário e Linguística de Corpus: uma visão empírica, escrito por Sonia Zyngier, Vander Viana e Natália Giordani Silveira, também discute a utilização da Linguística de Corpus. Os autores apontam que, com os avanços tecnológicos, o uso de ferramenta computacional para análise de textos literários começa a ser percebido no Brasil, em pesquisas que buscam questionar concepções tradicionais e oferecer novas alternativas para os estudos na interface entre língua e literatura. A partir das noções de estranhamento e foregrounding, e da descrição da linguagem proposta pela Linguística de Corpus, os estudos descritos no artigo, ao buscar desenvolver um índice de literariedade por meio da análise da linguagem usada nas obras, indicam alguns caminhos possíveis para pesquisadores que desejam trabalhar na confluência entre Literatura e Linguística de Corpus. Diante do crescente interesse por questões relativas à integração entre tecnologia, ensino e uso da linguagem e da multiplicidade de pesquisas sobre as variadas interseções desses temas, esperamos que esta edição possa contribuir para ampliar o conhecimento na área, estimulando novos pesquisadores a embarcar nesse campo de estudo e propor formas aprimoradas de uso da tecnologia em situações de ensino e de compreensão de processos linguísticos. Os desafios ainda são e serão muitos, mas acreditamos que as contribuições aqui apresentadas são um passo a frente para novas conquistas nas práticas de linguagem e ensino mediadas pelas novas tecnologias. Sílvia Becher UFRJ/PUC-Rio & Kátia Tavares UFRJ Cadernos de Letras (UFRJ) n.28 – jul. 2011 http://www.letras.ufrj.br/anglo_germanicas/cadernos/numeros/072011/textos/cl31072011apr.pdf