Cibersocialidade e a emergência de relacionamentos cibernéticos nos jogos massivos: o significado de Socialidade na mídia pós-moderna Igor Ramady Lira de Sousa* Resumo Os jogos em rede, especialmente a categoria MMORPG, ostentam sua natureza social ao criarem ambientes virtuais interativos para múltiplos jogadores em escala massiva. Os mundos virtuais favorecem o surgimento de uma nova forma de socialização cibernética dentro dos jogos eletrônicos em rede desta categoria. Apontamos a concepção de Socialidade de Maffesoli como essencial para a compreensão desses relacionamentos originados nos ambientes virtuais interativos e criados por estes jogos. Neste trabalho iremos abranger questões como comunicação, interação e socialização na análise das comunidades virtuais dentro e fora do jogo Ragnarök Online, há quatro anos no mercado brasileiro de jogos online. Palavras-Chave: Pós-modernidade. Socialidade. Interatividade. Jogos em rede. MMORPG. Introdução Huizinga, em Homo Ludens (1996), e McLuhan, em Os meios de comunicação como extensões do homem (1969), escreveram que os jogos são importantes práticas sociais, trazendo um significando da sua sociedade de origem. Seria coerente dizer que os jogos eletrônicos também são jogos que representam aspectos da sociedade contemporânea. Uma sociedade que convive intimamente com a tecnologia e com a comunicação cibernética, em que relacionamentos de diversos tipos podem surgir em ambientes virtuais. Nossa proposição neste artigo é demonstrar que os jogos da atualidade ultrapassam sua qualidade de transmissores de significados e tornam-se mediadores da interação e socialização entre os seus praticantes, os jogadores, somando-se o modo como um meio de comunicação tradicional realiza o processo de mediação de significados com a possibilidade de os próprios jogadores serem agentes do processo de comunicação. Assim, os jogos contemporâneos também colaboram para a quebra do monopólio dos emissores dos meios de comunicação tradicionais, como predizia * Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC) da UFPB. Manuel Castells, em Sociedade em Rede (2000), falando sobre o novo processo de comunicação mediada por computadores. Na verdade a comunicação entre os jogadores ocorre em vários níveis através de sua interação mediada pelos jogos que chamamos neste artigo de massivos. Uma nova abordagem sobre este processo de comunicação encontra-se em Comunicação Mediada Por Computadores (2007), de Alex Primo. Evoluindo a cada novo encontro, relacionamentos virtuais são originados por esta interação, o que acaba por produzir novos agrupamentos sociais dentro do espaço virtual do jogo massivo. As pessoas realmente se encontram dentro destes jogos para conversarem, namorarem, passarem um tempo juntas e se solidarizarem nos seus objetivos dentro do jogo. Por sua natureza social, ironicamente falamos que, nestes jogos, os jogadores se encontram até mesmo para a prática do jogo. Neste aspecto, destaca-se em relação às demais, a categoria de jogo chamada MMORPG (Multi Mass Online Role Playing Game), jogos híbridos entre jogos massivos e o gênero RPG, e apontamos como sendo a socialização virtual seu real desígnio. A socialização virtual é um fenômeno contemporâneo que Andre Lemos (2004) chamou de Cibersocialidade Contemporânea. Conseqüentemente, se faz necessário compreender o significado de Socialidade para Michel Maffesoli, para destacarmos os novos agrupamentos sociais que surgem na mídia do jogo eletrônico em rede da categoria MMORPG. Jogos massivos para múltiplos jogadores em rede Nos mundos virtuais originados por estes jogos em rede, jogadores conectados à internet compartilham da mesma experiência de existirem em uma nova realidade criada pelo programa do jogo, separados geograficamente, mas unidos no mesmo espaço virtual. No MMORPG, em dado momento, milhares de múltiplos jogadores simultaneamente se conectam no mesmo mundo compartilhado. Por esta característica ser tão marcante, chamamos estes jogos de “massivos”. Termo implícito na sigla em inglês da categoria MMO (Multi Mass Online), tendo para nos o mesmo sentido encontrado para “comunicação em massa”. Esta categoria leva os jogadores a criarem comunidades virtuais definidas, dentro e fora do jogo nos fóruns, blogs, youtube, wikis, entre outros. Desta forma, o MMORPG colabora para a expansão da rede social de seus jogadores. Inclusive seus contatos do jogo podem levar a relacionamentos reais. Nos jogos massivos jogadores se encontram pela primeira vez e aprofundam seus relacionamentos. “Em alguns casos, esta amizade pode evoluir para um relacionamento mais sério”, afirma a empresa LevelUp! Games, mantenedora de vários jogos da categoria MMORPG, “Já existe centenas de casais dentro do jogo que dividem seu tempo entre aventuras em Ragnarök e dedicação a seu namorado ou sua namorada” (nota retirada do site oficial do jogo Ragnarök Online). É neste sentido que afirmamos que nestes mundos sintéticos existem laços afetivos sendo feitos e desfeitos a cada momento, que em si conformariam relacionamentos sintéticos. Apresentamos essa discussão mais adiante. Ao observarmos a manifestação destes relacionamentos que se criam e se desenvolvem nos mundos virtuais dos jogos online para computadores (até então a maioria dos MMORPGs são executados em computadores conectados a rede) percebemos que se tratava de um processo de mediação por meio dos jogos online sendo assim fenômeno pertinente ao estudo da comunicação. Entendemos que a partir dos jogos massivos, os meios de comunicação ganham uma nova dimensão para tecer a realidade das pessoas. Primeiro, eles também participam do processo de comunicação, não só proporcionando o ambiente virtual interativo para transmissão de sígnos entre jogadores, como fornecendo ele próprio seu conteúdo sígnico aos múltiplos jogadores (modelo Um-Todos). Como exemplo apontamos a existência da prática do advergame dentro do jogo Ragnarök Online, em que marcas como Axe Dark Temptation e Cereal Crunch patrocinam eventos dentro e fora do jogo. O interesse destas marcas só reforça o caráter de transmissor de significados destes jogos, uma qualidade dos meios de comunicação em massa. Além do jogo online ser uma mídia de consumo individual (eu mais um computador) que permite a conexão com outros jogadores em escala global, estes jogos tornam-se similares a programas de conversação virtual em tempo real (como o MSN), ao utilizarem-se de chatboxes (caixas de texto para conversação) na interface da tela do jogo para a comunicação entre seus jogadores, conformando uma semelhança com a comunicação interpessoal e em rede (modelo Um-Um e Todos-Todos). Não só textual, a mediação no MMORPG é feita por meio de uma linguagem hibrida, múltisígnica, não linear, interativa e imersiva.† Isto significa que valores, sígnos e representações diversas são convertidas pela hipermídia, e transmitidas e † Ver Santaella (2006) sobre Hipermídia. resignificadas pelos usuários e programas por meio de plataformas multimídias (computadores em rede), em que sons, imagens e hipertextos constroem mensagens interativas. Por se tratar de uma linguagem múltisígnica e interativa, os jogos massivos conseguiriam construir uma noção de realidade mais palpável que os meios tradicionais. Isto indica como a comunicação em jogos massivos consegue originar relacionamentos sintéticos? Tudo indica que a própria mídia do jogo online sugere a resposta. Obviamente trata-se de um fenômeno que exige uma nova forma de abordar o próprio processo de comunicação. O círculo hermenêutico de análise dos jogos eletrônicos: a pseudo-netnografia Hoje, existem muitos trabalhos, artigos, dissertações a teses sobre jogos eletrônicos que estão disponíveis na internet, para a leitura de pesquisadores e curiosos, muitos dos quais em língua estrangeira (espanhol ou inglês). No Brasil, aparecem os primeiros livros de autores nacionais nas prateleiras como Game Over: jogos eletrônicos e violência (2005), de Lynn Alves e Artes do Vídeo Game: conceitos e técnicas (2006), de Jesus Assis. São muitas as abordagens encontradas nas mais variadas disciplinas que procuram analisar os jogos eletrônicos em amplos aspectos. Já o fenômeno aqui estudado, em que buscamos uma abordagem comunicacional, exige um olhar diferenciado, não se detendo a aspectos técnicos. Como comunicadores buscamos observar o que é construído entre estes jogadores na comunicação mediada pelos jogos massivos. Sobre isso, o pioneiro nos estudos dos jogos eletrônicos, Espen Aarseth (2004), nos diz que: “Since a game is a process rather than a object, there can be no game without players playing”,‡ ou seja, os jogos são processos porque prescindem de jogadores para praticá-los. Vamos tentar seguir o método de análise sugerido por Espen Aarseth, atualmente pesquisador e professor associado ao Center for Computer Games Research, IT, Universidad de Copenhague (ITU), e co-fundador e redator chefe da GAMESTUDIES.ORG, primeira revista acadêmica sobre jogos para computador. O autor escreveu em Playing Research: methodological approaches to game analysis (2004) que diferente da interpretação de trabalhos literários ou fílmicos que exigem habilidades analíticas, na análise dos jogos eletrônicos é preciso mais que a observação ‡ Disponível em <http://www.spilforskning.dk/gameapproaches/GameApproaches2.pdf> analítica, exige-se a prática. “This is a dynamic real-time hermeneutics that lacks a corresponding structure in filme or literature” (ibid). Aarseth descreve o caso de um estudo realizado em que o autor não teve contato prático com seu objeto de análise, valendo-se apenas de descrições de outros jogadores. Ocorreram contradições no resultado final do trabalho demonstrando a falta de observação empírica do pesquisador. No entanto, Aarseth alerta que é diferente consumir um jogo por entretenimento de fazê-lo com o olhar de um pesquisador. O próprio Aarseth consagra o uso de diários que descrevem a experiência do pesquisador no consumo da mídia do jogo, tornando a análise de um jogo eletrônico uma observação empírica. Tratando-se dos MMORPGs vemos que isso leva o pesquisador para dentro da comunidade virtual que ele busca estudar, uma experiência etnográfica virtual, ou seja, corroborando para o exercício de uma pseudo-netnografia. Além dos diários de “campo” o pesquisador, segundo Aarseth, deve se valer de todos os meios que os próprios jogadores utilizam para se encontrarem virtualmente. Como ele diz a seguir: The hermeneutic circle of game analysis should include the game’s player collective (the official company web site discussion board, fan web rings, and other user groups), and, if possible, direct observation of others playing, not merely reading of their reports and discussions. (ibdi). Ou seja, o que Aarseth chama de circulo hermenêutico de análise de jogos eletrônicos é formado pela própria prática do pesquisador em conjunto com todos os recortes que este puder fazer nas comunidades virtuais dos jogadores, dentro e fora do jogo. Enfim, o pesquisador valendo-se de todas as fontes possíveis, o círculo hermenêutico de análise dos jogos eletrônicos, compreende que a melhor fonte (e seguramente a mais confiável) é ser o seu próprio observador. Ragnarök Online O MMORPG corresponde a 94,2% da fatia de mercado dos jogos em rede massivos (MMO) no mundo, segundo pesquisa feita pelo site especializado MMOGCHAT.COM.§ Já quando comparado a totalidade da indústria dos jogos § Disponível em <http://www.mmogchart.com/Chart8.html> eletrônicos, a previsão é que a categoria corresponde a quase um terço do faturamento do mercado mundial. “Trinta bilhões de dólares. Essa é a cifra da indústria de games no mundo. A previsão é que, até 2009, os MMOGs (Massive Multiplayer Online Games) representem US$ 9,8 bilhões”, diz a empresa LevelUp! Games.** Certamente é uma grande fatia da indústria que mais cresce anualmente, a indústria dos games (jogos eletrônicos). O Ragnarök Online é um jogo em rede da categoria MMORPG criado em 2002 pela Gravity Corp. baseado no HQ homônimo do coreano Lee Myoungjin. No Brasil este jogo completa seu 4º aniversário traduzido e representado pela LevelUp! Games. A empresa também alberga outros jogos online famosos como Lineage II e SilkRoad, entre outros MMORPGs, além de jogos de ação, luta, casuais e de tiro em primeira pessoa (FPS), todos com a peculiaridade de serem online. Considerando um jogo de estratégia que contém “violência moderada leve”, na classificação etária sugerida pelo Ministério da Justiça, o Ragnarök Online é um jogo não recomendado para menores de 12 anos. Sua mantenedora brasileira, a LevelUp! Games, reconhece o principal aspecto do Ragnarök Online como sendo a criação de comunidades virtuais.†† Podemos observar as “formas” que este fenômeno ganha nas redes sociais dentro do jogo, na interação entre os jogadores por meio dos clãs e seus contatos, e fora do jogo, no fórum oficial, Orkut, Wiki, MSN, troca de e-mails e sites dos clãs. A empresa sabe que seus clientes não se “encontram” apenas dentro do jogo. "Sabemos que 95% dos jogadores de Ragnarök usam o Messenger”, disse Andrea Bedricovetchi, diretora geral da LUG, em um release divulgado pelo site FINALBOSS,‡‡ em 19 de outubro de 2005. Confirmando o que Huizinga escreveu: “As comunidades dos jogadores geralmente tendem a tornarem-se permanentes, mesmo depois de acabado o jogo” (1996, p.15). A diretora geral da LevelUp! Games diz que em momentos de pico nos servidores do Ragnarök Online 20 mil jogadores brasileiros simultâneos podem estar interagindo e trocando mensagens online. Isto demonstra a escala massiva de jogadores desta categoria de jogo a qual nos referimos no início do artigo. ** Disponível em <http://levelupgames.uol.com.br/website/revendedores.aspx>. Disponível em <http://games. levelupgames.uol.com.br/ragnarok/guia_jogo/primeirospassos.php> ‡‡ Disponível em <http://finalboss.uol.com.br/ fb3/ctu.asp?cid=27396&jid=3670> †† Interações e relacionamentos Procuramos entender como um jogo torna-se um ambiente comunicacional favorável a criação de relacionamentos virtuais (reais), que, conseqüentemente, levam a cibersocialização de seus jogadores. A cibersocialização dentro do Ragnarök Online é possível pela comunicação entre seus jogadores por meio de dispositivos informacionais. Aqui a comunicação é entendida como um intercâmbio entre os jogadores por meio da mídia do jogo, como vemos em Alex Primo (2007). Desta comunicação decorrem relacionamentos emergentes, inclusive se reconhece casos de namoros virtuais dentro desta categoria de jogo. Alex Primo diferencia a interação entre os jogadores daquela existente entre eles e o sistema informacional do jogo. Estes são conceitos precedentes pertinentes a compreensão da própria cibersocialidade existente nos MMORPGs. Sua abordagem sistêmica-relacional auxilia a compreensão dos relacionamentos emergentes em mundos virtuais e do papel da máquina no processo de comunicação. Para ele a máquina possui uma interação a nível reativo, possibilitando uma predição de sua reação pelos jogadores ou resposta a sua interação. Isto realmente se concretiza na criação de estratégias pelos jogadores, por vezes complexas, para vencerem a lógica da máquina, que segue previsivelmente com respostas reativas. Por exemplo, no Ragnarök Online, para subjugarem adversários fortes, como os monstros do tipo MVP (Most Valuable Player), os jogadores se solidarizam e organizam sua estratégia baseada nas classes e funções que seus avatares possuem. No fórum oficial do jogo observamos várias formas predefinidas de funções de personagens, chamadas builds (construções). Estas builds atribuem funcionalidades aos avatares e foram construídas pelos próprios jogadores, em discussões sobre suas experiências de jogo dentro do fórum. Esta comunicação entre jogadores, que ocorre dentro e fora do jogo, é uma forma de interação mútua, construída a cada encontro, na “ação entre eles” (inter-ação). Relacionamentos que se desenvolvem mutuamente entre seus interlocutores. Alex Primo nos mostra que são relacionamentos que devem ser construídos e reforçados a cada novo encontro. Conceito que explica como se formam os clãs e grupos de contatos de amigos que elevam o nível de seus relacionamentos a cada novo contato. O que explica também a forma imprevisível das reações que os organismos complexos envolvidos na relação podem produzir. No evento chamado Guerra do Emperium é possível os jogadores disputarem entre clãs pelos feudos do jogo (castelos e masmorras especiais). A Guerra é um exemplo do modo de jogo chamado PvP (Player versus Player), em que jogadores lutam entre si, não contra adversários controlados pelo sistema do jogo. Podemos compreender melhor esse conceito de interação (reativa e mutua) por meio de duas metáforas em As Conexões Ocultas (2002) de Fritjof Capra: a da molécula do açúcar e a da pedra e do cachorro. O autor nos explica que o sabor doce do açúcar não se encontra na molécula de açúcar, nem na língua isoladamente, é na interação entre elas, na reação química que ocorre a sensação do doce. Da mesma forma a comunicação entre jogadores e os relacionamentos emergentes ocorrem na interação entre seus atores, de outra forma o jogo passaria por um antiquado jogo eletrônico para um jogador (modo Single Player). E como falamos anteriormente a peculiaridade destes jogos massivos se encontram na presença dos outros. Capra fala também sobre o conceito de acoplagem estrutural. Para o autor, “Essa acoplagem estrutural, tal como a definem Maturama e Varela, estabelece uma nítida diferença entre os modos pelos quais os sistemas vivos e s não-vivos interagem com o ambiente” (ibdi, p. 51). O autor diz que quando damos um ponta pé em uma pedra é possível prever a reação linear dos eventos. Inclusive calculando sua trajetória. Já quando desferimos o mesmo golpe em um cachorro, existe uma reação dos eventos imprevisíveis, reação não linear. Compreendemos pelo conceito de acoplagem estrutural que os jogadores em um mundo virtual são sistemas complexos que respondem “às influências ambientais com mudanças estruturais”, enquanto a máquina como integrante dos seres não-vivos, são reativas e previsíveis. Exemplificando a experiência da interação mediada pelo Ragnarök Online, apresentamos a seguir um trecho descrevendo a minha primeira experiência dentro de um MMORPG, minhas primeiras impressões sobre a navegação dentro de um espaço virtual, da complexidade de interagir com seres humanos por meio da máquina, enfim, o papel determinante dos outros nessa experiência. A iniciação Fevereiro de 2006, instalei Ragnarök Online no meu computador, atraído pelo gráfico do jogo baseado nos animes e mangas japoneses pelos quais também tenho apreço. De inicio era preciso criar uma conta na empresa e uma no jogo no site oficial. A representante brasileira do jogo, a Level Up Games, só tinha servidores pagos na época, mas possibilitava uma semana de uso gratuito para jogadores iniciantes. Depois, já dentro do jogo, fui criar meu primeiro personagem (avatar) do jogo. Naquele momento algumas incoerências foram deixadas de lado, ou não foram observadas na época por falta de parâmetro, pois ao contrário de outros jogos da mesma categoria, Ragnarök Online é bem limitado neste estágio inicial. Por exemplo, os gêneros dos personagens do jogador são definidos pelo gênero preenchido na conta de jogo, não podendo ser alterado na criação do avatar, permitindo pouca liberdade de escolha para o que o jogador quer ser. Também não existe a possibilidade de representação de outras etnias. Logo naquela hora restava apenas definir a cor e o corte de cabelo, além de preencher os pontos de alguns atributos iniciais do meu primeiro personagem. Queria um guerreiro (classe chamada de Espadachim no jogo) coloquei o que achava coerente nos atributos do meu pré-guerreiro. De inicio meu avatar era um Aprendiz e nada estava definido ao certo até então. Fui teleportado (quando mudamos de uma área a outra no jogo) para o Campo de Treinamento, local para os Aprendizes treinarem os comandos e a interface do jogo, de certa forma onde se exercita a jogabilidade de Ragnarök Online. Existiam vários NPCs (avatares que não estão no controle dos jogadores mas do sistema do jogo) que a medida que eram acionados por um clique falavam e falavam. Recebi as instruções iniciais do jogo dentro do próprio jogo. Estava caçando alguns monstros,§§ quando uma janela abriu-se (igual ao PopUp nos sites), alguém estava me convidando para me juntar a um grupo. O que era aquilo? Recusei o convite, talvez por timidez ou medo recusava todos os convites que apareciam. Havia caçado bastantes monstros sozinho, ganhei experiência pelas “mortes” e já tinha nível suficiente para sair do Campo de Treinamento. Um NPC me teleporta para uma cidade determinada pela minha escolha de classe. Meu pré-guerreiro foi para Izlude, a cidade dos Espadachins. §§ Na linguagem do jogo quando se mata determinado tipo de criatura diz que se está caçando-a. Não sabia exatamente o que fazer naquele momento. Minha ignorância naquele jogo criara um reflexo de timidez. Perambulei um tempinho na cidade. Ignorei e fui ignorado pelas pessoas que passavam. Não sabia ainda se eram todas avatares de jogadores ou se eram NPCs. Ainda não havia me tornado Espadachim e acabei achando uma saída da cidade para um campo onde tinha alguns monstros parecidos com os do Treinamento. Lá, vários avatares diferentes corriam para todos os lados passando por mim. Vi um avatar de capa e elmo montado em uma ave robusta e laranja que lembrava um avestruz (um Peco Peco) correndo de um Drops (criaturas gelatinosas e meigas que cacei muitos no campo de Treinamento). Naquela hora entendi que ele estaria precisando de ajuda e corri para matar seu perseguidor. Quando terminei meu “ato heróico” aquele jogador começou a conversar comigo. Perguntou se eu era nob (novato no jogo)***, como não entendi o termo ele me explicou. Outros jogadores apareceram, alguns não eram aprendizes e aquele cavaleiro montado em um Peco Peco começou a ensinar muitas coisas a mim e outros jogadores iniciantes. Percebi que meu “ato heróico” de matar aquele Drops não era muito necessário, ele conseguia juntar vários ao seu redor o que facilitava os novatos darem cabo deles. Ganhei muita experiência (de jogo e matando monstros mais fortes que eu) naqueles minutos em que era instruído por outro jogador. Ele nos falou que alguns amigos o chamavam e foi embora. Pouco depois já não lembrava o nome de seu avatar, nem fui adicionado a sua lista de amigos. Houve apenas um ato solidário de um jogador experiente que iniciou a mim e outros jogadores no mundo épico medieval de Ragnarök Online. Virei espadachim porque ele me ensinou os primeiros passos. Ingresso a cibersocialização nos jogos massivos André Lemos (2004) aponta a importância da fenomenologia social de Michell Maffesoli para entendermos a própria sociedade contemporânea, que se apóia na descrição do social. Entendemos que Maffesoli (2006) possui uma filosofia “pé-nochão”, sua abordagem sociológica compreende não um devir social, mas a observação das “formas” sociais vigentes. Assim, para compreendermos o que André Lemos *** Nob ou nub, como escrevemos no jogo, é uma sigla em inglês que significa novato (newbie). Nos jogos online quem faz besteira é chamado de nob pelos jogadores mais experientes. Logo, tornou-se um xingamento, chamando-se até um jogador antigo de nob. entende por Cibersocialidade Contemporânea precisamos vagar pela mente de Michel Maffesoli, buscando perceber como a “aura” da Sociabilidade moderna sede lugar a Socialidade pós-moderna. Na contemporaneidade reconhecemos uma mudança de paradigma social e como nos mostra Maffesoli (2006) os vínculos formais não são os únicos que tecem laços na grande estrutura social. Existem na vida cotidiana laços criados entre as pessoas, conexões que aparecem espontaneamente, tecendo grupos mais ou menos definidos. O autor observa que a massa na verdade é constituída de pequenos grupos (segmentação) amparados pelo espírito comunitário, com a tendência a se protegerem e se agruparem em segredo. Encontramos os mais variados exemplos: desde a conversa casual que ocorre na fila do banco ou no ponto do ônibus em um dia qualquer; no resquício de interioridade de algumas pessoas no hábito de colocar cadeiras de frente de suas casas para conversarem com os vizinhos; nas reuniões por algum interesse em comum (um gosto, uma afinidade talvez), que formam grupos mais ou menos definidos, ofertando aos indivíduos certa qualidade, uma sensação de pertencimento, de comunidade. Fenômenos cotidianos, portanto, que exemplificam a Socialidade, demonstrando como ela é importante para a vida social. Esse sentimento de “estar junto”, instinto de ligação afetiva que constrói os grupos, as comunidades, inerente ao inconsciente coletivo da sociedade como um todo. Favorecendo o tribalismo contemporâneo, novos agrupamentos sociais, que lembram os clãs primitivos. Enquanto isso, nos mundos virtuais, criados pelos jogos em rede da categoria MMORPG, existem laços afetivos sendo feitos e desfeitos a todo instante. Muitas vezes sem a preocupação de reconhecimento de alguma das partes, estes laços originam “amizades improvisadas” por algum tipo de afinidade sem explicação, talvez apenas para matarem o tempo juntos, ou com os mais variados propósitos. Nos MMORPGs os jogadores se solidarizam para contemplarem seus objetivos comuns, em uma categoria de jogo cuja finalidade (e singularidade) se encontra nas conexões estabelecidas entre seus participantes. “Posso te add?” – no jargão dos jogadores –, e tem início mais um relacionamento germinado em solo cibernético. Mesmo que efêmeros estes relacionamentos podem criar uma rede de contatos, ter a “forma” de clãs de grupos de amigos, demonstrando inclusive algum nível de formalidade entre estes jogadores. Mesmo assim, apontamos a existência de conexões invisíveis implícitas nesta categoria de jogo. Uma força de atração entre os jogadores, que levam a formação de grupos solidários com fortes laços afetivos. Existe, assim, no exemplo do Ragnarök Online, uma interdependência entre os jogadores de um MMORPG, uma necessidade de estar junto, só explicada pela concepção de Michel Maffesoli de Socialidade e Neotribalismo. Demonstrando também que os dois paradigmas, Socialidade e Sociabilidade, não são excludentes nos jogos massivos. Os jogos eletrônicos, que já foram vistos como artefatos anti-sociais (de exclusão de seus praticantes da vida comunitária), na atualidade são mais que nunca instrumentos de socialização, pois a partir da sinergia entre os jogadores favorecem a criação de laços afetivos e a adesão a comunidades virtuais, dentro e fora do jogo. Neste artigo pretendemos realizar um estudo das formas emergentes de agrupamento sociais que se originam dentro desta categoria de jogo eletrônico. Neotribalismo e os clãs de jogadores A cibercultura, aponta André Lemos (2004), não se manifesta apenas na comunicação por dispositivos informacionais, ela se expressa na música tecno, nas festas haves, nos otakus japoneses, na “contracultura” hacker, no espírito de compartilhamento da internet. Ela também origina uma nova forma de socialização virtual, que, no dia-a-dia das pessoas, faz o cotidiano ser cada vez mais informatizado. Michel Maffesoli observou que na sociedade pós-moderna existe um sentimento de “estar junto” que origina grupos mais ou menos definidos, que se caracterizam pela solidariedade, por possuírem uma identidade simbólica, por se rodearem em segredo, pelo espírito comunitário e pela proximidade, originando uma nova forma de tribalismo contemporâneo. As comunidades virtuais apresentam estas mesmas características menos a proximidade física, conformando o que Maffesoli chamou de Neotribalismo, ou seja, laços afetivos não proximais. São neotribos as comunidades de jogadores na forma dos clãs observados dentro do jogo, e também as comunidades formadas nos fórum do jogo, que com o apóio de colaboradores voluntários, sem bônus algum, contribuem para a edificação de um banco de dados virtual. Nota-se também que estas contribuições voluntarias ocorrem nos sites e fóruns não oficiais do jogo, o que confirma o que Maffesoli falava sobre o espírito solidário dos novos agrupamentos sociais. Huizinga diz que, uma das características dos jogos “é sua separação espacial em relação a vida cotidiana” (1996, p.23), visto que ele pode a qualquer instante chamálo de volta a realidade por um descuido dos seus praticantes. Vemos que as comunidades virtuais de jogadores se estendem a vida real de seus participantes. Os jogos eletrônicos são mídias que expressam a cultura de seus praticantes, uma cultura própria, já chamada por alguns de gamecultura. Desta forma, confirma-se também o que Cláudia Sepé propôs em um artigo apresentado na Sessão de Temas Livres, Intercom 2005, em que, os jogos da categoria MMORPG, não são atividades antagônicas à vida cotidiana, nem tampouco são atividades improdutivas, ao contrário do que Huizinga e Coillois defendem. Isso posto, o que me parece, considerando a natureza dos MMORPGs que venho analisando, é que esse antagonismo defendido tanto por Caillois, quanto por Huizinga, não se processa dessa forma, especialmente se levarmos em conta que o primeiro sustenta ser o jogo realizado dentro de limites precisos de tempo e de lugar (reservado, fechado e protegido), e o segundo, que o jogo é evasão da vida real. Pelo contrário, minha suposição é que o sucesso de jogos como os MMORPGs repousa justamente no fato de que a vida cotidiana e o que é experimentado no ambiente do jogo não se separam de forma tão decisiva como os autores parecem propor [...]. (SEPÉ, 2005, pp.6-7). A autora ainda observa que os jogadores procuram vivenciar o jogo de acordo com o que eles são na vida real. O que foge um pouco da proposta do gênero RPG implícito na sigla MMORPG, em que os jogadores deveriam praticar papeis no jogo. Mesmo assim, alguns jogadores burlam o sistema de gêneros do jogo, que definiria o papel masculino ou feminino do jogador. É o caso de muitos jogadores homens, que criam contas femininas para incorporem avatares femininos no jogo. Isto nem sempre expressa a sexualidade dos jogadores, visto que, muitos casam para obteres habilidades especiais que só o casal ou a família podem constituir. O casamento e a adoção entre avatares é comum e permitido no Ragnarök Online, mas só entre avatares de gêneros opostos. Provocando uma enquete dentro do fórum do jogo sobre ser a favor ou não do casamento gay no Ragnarök. Houve muito bate-boca entre os colaboradores do tópico, o que favorece o debate sobre a diversidade e a tolerância sexual. Entre os 350 participantes da enquete, 61,3% foram a favor do casamento gay no jogo.††† Lembramos ainda que, os avatares (neste jogo) não podem representar outra etnia que não seja a branca, nem outro tipo físico. Exceto quando são adotados por um casal, quando se tornam menores que outros avatares (crianças). O que demonstra uma qualidade inseparável dos meios de comunicação tradicionais, a propagação de valores e práticas sociais de uma classe dominante. Contraditoriamente, são puníveis severamente, pelas regras do jogo e do fórum, quaisquer manifestações racistas e que revelem conotações preconceituosas, mesmo que o próprio conteúdo simbólico do jogo seja incoerente com as regras. Ainda assim, dentro e fora do jogo (no fórum), nota-se o que seria uma mídia pós-moderna, a criação de espaços para a discussão pública (online) dos valores da sociedade. Contudo, mesmo que anteriormente outras modificações propostas no jogo tenham sido atendidas, a comunidade dos jogadores deve esperar pacientemente que um dia esta seja atendida, já que a empresa não deve nem pensar em perder neste momento os 38,9% de clientes (preconceituosos) potenciais. Queremos mostrar com isso que é por meio dos avatares dos jogadores que estes se socializam e se identificam, mesmo que o jogador não queira revelar sua real identidade, o que geralmente não acontece no jogo. No trecho a seguir descrevo o meu ingresso no clã Gods Of War II, e apresento como estas questões pairam no ar, ao nos depararmos com um avatar feminino. Diferente da descrição anterior, já que na época nem mesmo pensava fazer uma pesquisa sobre o jogo. Nesta houve registro textual dos diálogos, devido à metodologia de Aarseth e graças à experiência. Desde então guardo o registro dos diálogos entre os jogadores, salvando o chatbox quando este parece pertinente a pesquisa. Segue os trechos. Gods Of War II 03 de novembro de 2008. Estava no mapa conhecido por Vila dos Orcs, voltando de uma empreitada solitária contra o MVP chamado Senhor dos Orcs, quando, ao entrar em uma casinha na Vila, onde geralmente os jogadores se ††† Disponível em: <http://sites.levelupgames.com.br/FORUM/RAGNAROK/forums/t/206999.aspx?PageIndex=1> acumulam, fui abordado por uma avatar de nome Linda Algoz-FTM. Ela foi educada e pediu um minuto de minha atenção. Quando digo “ela” me refiro ao avatar feminino, pois naquele momento não sabia o gênero do jogador. Confesso que fui com um pé atrás já que muitos jogadores experientes (e mais velhos) tentam enganar os nobs (novatos) ou os jogadores mais jovens para roubar-lhes os itens raros. Calmamente ela me explicava que o intuito do seu clã, o Gods Of War II, era dar suporte aos aliados do clã Gods Of War, clã principal. Logo se tratava de um grupo de jogadores voltados para a Guerra do Emperium. Eu evitava aceitar convites de clãs, mas achei muito maduro a forma como aquela pessoa estava conduzindo seus recrutamentos para o clã, já que outros só soltam o convite sem conversarem com você antes. Muito relutante (até mesmo eu estava me achando pedante demais) aceitei a proposta. Quando Linda Algoz-FTM me convida para o seu clã é aberta uma opção acessível pelo comando Alt+G, naquela hora tenho acesso as informações do clã: numero de jogadores, seus níveis, suas classes, quanto doaram de experiência para o clã. Até mesmo as habilidades do clã e seu nível. Descubro naquele momento que ela era a líder do clã e imediatamente me apresenta aos outros integrantes que me saudarem alegremente. Ao entrar em um clã sou apresentado a uma rede de jogadores que expande a minha rede de contatos pessoal do jogo. Podemos ficar conversando pelo chatbox do clã mesmo que cassemos separados em grupos diferentes. Posso estar no outro lado do mundo virtual de Ragnarök Online, se tiver uma dificuldade, e alguém do clã estiver online, posso requisitar seu auxílio, mesmo que seja só uma dica de jogo. Em 11 de novembro de 2008 registrei uma conversa ocasional com a líder do clã, Linda Algoz-FTM, que dá indícios pela sua linguagem que se trata de um rapaz com avatar feminino. Na verdade já suspeitava que se tratasse de um jogador desde o primeiro dia que me recrutou. Sua forma de falar, sua gíria, apontavam seu gênero. Segue a baixo um trecho do savechat (comando que salva o chatbox do jogo), sem edição: Lista de comandos: /h Proteção Arcana iniciada. Configurar Grupo - Como dividir EXP : Dividido individualmente [ °Up Clã° ] [ Familia °Ghost Of War°² Recrutem kina e hunter!!!! ] Proteção Arcana cancelada. Otávio/Clérigo saiu. Otávio/Clérigo conectou-se. Otávio/Clérigo saiu. Otávio/Clérigo conectou-se. [ To Linda Algoz-FTM ] : oi cara blz? [ To Linda Algoz-FTM ] : upando ai? Configurar Grupo - Como dividir EXP : Dividido individualmente [ °Up Clã° ] [ Familia °Ghost Of War°² Recrutem kina e hunter!!!! ] [ Member Linda Algoz-FTM ] : é mano [ Member Linda Algoz-FTM ] : acabei de entra Proteção Arcana iniciada. [ Member Linda Algoz-FTM ] : mais to aqui em payo [ Member Linda Algoz-FTM ] : mais to indo pra vila dos HO [ Member Linda Algoz-FTM ] : mais mano acho q eu nao vo pra WOE [ To Linda Algoz-FTM ] : pq? [ Member Linda Algoz-FTM ] : pq meu pai vai meche aqui no pc [ Member Linda Algoz-FTM ] : quero logo compra o meu pc mano [ To Linda Algoz-FTM ] : ah, inevitavel, acontece [ Member Linda Algoz-FTM ] : pow [ Member Linda Algoz-FTM ] : aqui nois divide o pc ta ligado [ Member Linda Algoz-FTM ] : mais meu pai mexe com DVD [ Member Linda Algoz-FTM ] : ta ligado [ Member Linda Algoz-FTM ] : ta osso [ Member Linda Algoz-FTM ] : mais vao vcs Proteção Arcana iniciada. Configurar Grupo - Como dividir EXP : Dividido individualmente [ °Up Clã° ] [ Familia °Ghost Of War°² Recrutem kina e hunter!!!! ] [ Member Linda Algoz-FTM ] : o dinho ta ai depois [ Member Linda Algoz-FTM ] : fmz [ Member Linda Algoz-FTM ] : vo nessa [ Member Linda Algoz-FTM ] : flw mano [ To Linda Algoz-FTM ] : pois é veio [ To Linda Algoz-FTM ] : flw bro Observamos neste trecho do savechat aquilo que Sepé falou. Realmente a vida real dos jogadores entra no jogo, na conversa ocasional nos chats dentro dos jogos da categoria MMORPG. Traços do nosso cotidiano familiar, escolar ou profissional aparecerem. No dia 27 de novembro de 2008, encontrei no mapa próximo da Vila dos Orcs, um membro do clã Gods Of War, nossos aliados, ele tinha o sufixo FTM no nome do seu avatar, perguntei se ele conhecia Linda Algoz-FTM. Ele disse que era seu primo, que FTM (sigla para FanTasMa) tornou-se um tipo de nome de família. Ainda penso que se trata do mesmo jogador em outra conta (prática comum, ter mais de uma conta de jogo). Outro dia, para acabar terminantemente com essa dúvida, perguntei a um membro antigo do clã quem era Linda Algoz-FTM. Ele riu, disse que se chamava Leandro, que era um “shemale na veia”, ou seja, gostava de jogar com avatares femininos. Notoriamente existem outros benefícios para se jogar com avatares femininos. Outros jogadores demonstram serem mais tolerantes as falhas e gafes do jogador e também se torna mais fácil achar membros para caçar em grupo. Conclusões Ao participar efetivamente de uma comunidade virtual dentro de um jogo, ingressando em um clã, o jogador/pesquisador pode por a prova todos os conceitos de interação, comunicação e socialização virtual, bem como a pertinência do estudo de Maffesoli sobre a Socialidade para compreensão da emergência dos novos agrupamentos não proximais dentro do espaço dos jogos massivos. Podemos ver, por exemplo, que uma das características do espírito comunitário que fala Maffesoli, o segredo, encontra-se no jogo Ragnarök Online. Ao aderir a um clã tomamos conhecimento de uma variedade de informações restrita àquele grupo de jogadores. Os clãs de jogo possuem seus objetivos e estratégias para alcançá-los. Um clã que alcançou sua capacidade máxima de recrutamento de jogadores, como o Gods Of War, procura aliados para expandirem seu poder de combate contra outros clãs. Mesmo que vença, o clã aliado não possui os privilégios que o clã principal, podendo haver trocas dos jogadores entre estes clãs para que todos passem a usufruir, em seu tempo, das masmorras e castelos dos feudos conquistados. Sendo assim, a confiança e a solidariedade entre seus membros são essencial para alcançarem os objetivos em comum. Mesmo que não haja proximidade física entre os participantes destas comunidades, existe uma troca de experiências de jogo e de vida entre eles. Um verdadeiro intercâmbio de conhecimentos, culturas, valores e opiniões auxiliando o desenvolvimento dos relacionamentos na mediada que os próprios agentes se desenvolvem enquanto pessoas, praticando seu discurso e exercendo seu direito de liberdade de expressão, mesmo nos casos em que o próprio jogo ainda não permita total liberdade de representação individual, ao contrario, praticando a difusão de uma ideologia dominante. Indicamos neste trabalho as mudanças no paradigma contemporâneo comunicacional, para abrangerem jogos eletrônicos chamados aqui de massivos (MMORPGs), da mesma forma que o processo de comunicação também mudou, como nos mostra Alex Primo. O fenômeno da mediação de significados (signos e valores) deixa de ser exclusividade das grandes corporações, fazendo parte do dia-a-dia dos usuários da rede – muitos seus “residentes”, como são chamados os jogadores de Second Life. Mesmo que não dominemos todos os aspectos técnicos da comunicação digital online, ainda sim, como nos relacionamos com as máquinas influenciará a forma de nos relacionarmos com nós próprios. Isto se consagra no jeito que nos divertimos e nos “encontramos” virtualmente. A tecnologia transformou profundamente o cotidiano das pessoas nas últimas décadas, principalmente no final do segundo milênio. O jeito de ser (porque não dizer o próprio ser) foi invadido pelas máquinas, engenhocas que cumprem tarefas das mais banais as mais relevantes. Estas transformações também dão impulso a uma nova forma de comunicação. Em pleno início do século XXI a conversa casual, a comunicação interpessoal e a interação entre indivíduos se cumprem mediadas pelas chamadas novas mídias. Além disso, os computadores pessoais perderam a exclusividade sobre a internet para outros dispositivos tecnológicos como celulares e Ipods. Mesmo carros e aparelhos domésticos estão se conectando a “grande rede” – vamos lembrar que estarmos na iminência da televisão digital (verdadeiramente interativa?) brasileira com todas suas possibilidades infinitas. Se toda informação é digital, e logo tudo e todos estarão conectados, é legitimo perguntar se nós mesmos não seremos reduzidos a informação. Tecnofóbicos diriam que passamos a viver pelas máquinas. Certamente estamos em meio a uma transição ideológica, ainda em conflito com valores modernistas. Contudo, gradualmente deixamos de temê-las e odiá-las por historicamente roubarem papéis humanos e afetarem nosso modo de ser e trabalhar. Como, por exemplo, cada inovação tecnológica nas fábricas desempregava vários trabalhadores, criando no imaginário coletivo um tecno-fantasma que iria subjugar seus criadores, igual ao monstro de Frankenstein. Na verdade, por muito tempo fomos – ainda somos – escravizados pelos patrões, não pelas máquinas. Hoje passamos a viver junto a elas, como pseudo-ciborgs. Tudo indica uma mudança de espírito de época. Lévy (1999) e Lemos (2004) nos mostram que já somos uma sociedade cibernética e as transformações persistem a cada nova invenção ou atualização, não superada pelas máquinas, mas adaptando nossos costumes a elas. O temor da superação do ser humano pelas máquinas é um fantasma antigo, que retorna com o aparecimento de relacionamentos cibernéticos. Por meio deste estudo procuramos demonstrar que os jogos massivos criam relacionamentos cibernéticos, além de transmitirem valores e significados próprios da cultura dos jogadores. Assim, a mídia pós-moderna pode ser um campo aberto a novas possibilidades comunicacionais. Resta saber explorá-la – adequadamente. Referências ALVES, L. Game Over: Jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Ed. Futura, 2005. ASSIS, J. Artes do Videogame: conceitos e técnicas. São Paulo: Ed. Alameda, 2006. AARSETH, Espen. Playing Research: Methodological approaches to game analysis. University of Bergen. Game Approaches/Spil-veje. Artigos do spilforskning.dk. Conference, august 28.-29, 2003. Spilforskning.dk, 2004. ISBN 87-990066-1 Disponível em: <http://www.spilforskning.dk/gameapproaches/GameApproaches2.pdf> CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo. Editora Paz e Terra, 2000. FRITJOF, Capra. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo. Editora Pensamento – Cultrix, 2002. HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 4ª Ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A. 1996. LEMOS, A. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 2ªEd. Porto Alegre: Sulina. 2004. LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34. 1999. MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, 1969. SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da linguagem e pensamento: Sonora visual verbal. São Paulo: Iluminuras LTDA, 2005. SEPÉ, Cláudia. Usuários articulados em torno de MMORPGs: o chat como elemento marcador da posição socializante e identitária do sujeito jogador. Trabalho apresentado à Sessão de Temas Livres – Intercom, 2005. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R0749-1.pdf> PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Editora Sulina, 2007. JOGOS CITADOS: RAGNARÖK ONLINE. Download no site oficial brasileiro da LevelUp! Games. Dispnível em <http://games.levelupgames.uol.com.br/ragnarok/home/index.php> SECOND LIFE. Download no site oficial brasileiro da MainLand Brasil. Dispnível em http://www.mainlandbrasil.com.br/