Reflexões sobre o conceito de inovação social e suas implicações para as políticas de inovação no Brasil Este artigo tem como objetivo revisitar o conceito de inovação social e discutir suas possíveis implicações para as políticas de inovação no Brasil. Ao longo da última década, em especial no período do governo Lula (2003-2010), a política de Ciência, Tecnologia e Inovação (C&T&I) sofreu importante mudança de rumo, com a fixação de um tripé de ações baseado na lei da inovação, lei do bem e na consolidação dos fundos setoriais (SALERNO; KUBOTA, 2008; ARBIX, 2010). Neste contexto, pode-se afirmar que esta política orientou-se por diretrizes inclusivas, sobretudo no que diz respeito ao acesso das pequenas e médias empresas ao financiamento da atividade inovativa. Observa-se, no entanto, que esta política tem sucesso parcial, visto que dados da Pesquisa Nacional de Inovação Tecnológica (PINTEC) apontam que o acesso ao financiamento para inovação segue concentrado nas grandes empresas (IBGE, 2010). Esse movimento da política e seus efeitos permite questionar quais alternativas podem ser mais eficazes no direcionamento da inovação para a solução de problemas econômicos e sociais que, muitas vezes, fogem da perspectiva da lógica empresarial em termos de inovação. É neste ponto que o conceito de inovação social pode constituir a base da crítica da política nacional de inovação e, ao mesmo tempo, apontar elementos para seu avanço (BAUMGARTEN, 2007). O objetivo deste trabalho é, portanto, analisar os avanços da política de C&T&I no Brasil com a lente da inovação social e tendo como referência as políticas públicas propostas e/ou desenvolvidas internacionalmente, sobretudo no âmbito da União Européia. Este esforço de pesquisa está integrado ao projeto SOCIN (Social Innovation: the changing roles of citizens and organizations in innovation) desenvolvido em parceria pela Universidade de Brasília e treze universidades e institutos de pesquisa europeus. Para alcançar este objetivo, o trabalho foi estruturado em torno da revisão da literatura sobre inovação social, do exame das políticas públicas de C&T&I no Brasil e de experiências envolvendo inovação social no exterior. De forma geral, analistas apontam a inexistência de um consenso em torno do conceito de inovação social em face das suas manifestações efetivas na sociedade (CLOUTIER, 2003; POL; VILLE, 2009). Se o conceito de inovação já se apresenta como polissêmico, menos consensual é sua definição à medida que é transposta para análises não-convencionais, para além da manufatura, como nos estudos sobre inovação em serviços e inovação no setor público (GALLOUJ, 2002). Segundo Harrison, Klein e Browne (2010), pode-se afirmar que a inovação social ocorre quando da adoção de soluções inovadoras para problemas econômicos e sociais complexos que se apresentam para uma sociedade. Segundo estes autores, a inovação social é desenvolvida por atores da sociedade civil, autonomamente ou em parceria com o poder público. Estes atores podem ser grupos comunitários, movimentos sociais ou empreendedores sociais que, por seu vínculo local, conseguem superar barreiras, geralmente, intransponíveis nos arranjos institucionais estabelecidos. O caráter eminentemente social da inovação se vincula a formas associativas de ação social as quais se encontram ancoradas nas formas livres e republicanas de associações, nos termos do que Tocqueville (1998; 2004) denominava de associativismo ou mais, contemporaneamente Laville e Sainsaulieu (1997) chamam de ação associativa. Na perspectiva tanto clássica como contemporânea os homens e suas maneiras de funcionar em conjunto constituem bem seu principal recurso. A experiência do associativismo remete a uma atividade sociopolítica fundamental para o arejamento do quadro de centralização política e administrativa exercida pelo núcleo do poder público, como também dos monopólios de empreendimentos protagonizados pelos players de mercado. Nesse sentido, observa-se o fato associativo como ato fundador e constitutivo dos empreendimentos que dão origem a uma inovação social. A inovação social pode ser analisada, segundo Harrison, Klein e Browne (2010), em três dimensões: a resposta a uma demanda específica, a governança das inovações sociais e a transformação da democracia representativa e a governança democrática das instituições. A primeira dimensão diz respeito ao processo de inovação em si. Neste ponto, pode-se avaliar as condições de geração da idéia inovadora, a capacidade de implementação da inovação e seus efeitos imediatos. Trata-se, em outros termos, da eficiência e eficácia da inovação. A segunda dimensão procura identificar as condições de governança das inovações sociais, examinando os diferentes atores envolvidos, a capacidade de sustentação e disseminação da inovação – sobretudo quando há participação do setor público – e os mecanismos de gestão dos novos serviços ou produtos desenvolvidos. A terceira dimensão envolve o caráter normativo da inovação social, tendo como preocupação identificar se as inovações estão consolidando novos espaços democráticos, criando uma intervenção alternativa àquela realizada pelo setor privado e pelo setor público ou corroborando para o fortalecimento do status quo. Essas dimensões permitem identificar, no contexto da inovação social, dois papéis centrais da pesquisa. Primeiro, o de descrever as práticas de inovação social existentes, colaborando para sua codificação e, assim, para sua disseminação. Segundo, a pesquisa pode ser compreendida no papel de desenvolver conhecimento para a inovação social, permitindo que a interação universidade-sociedade, no que tange à inovação, não se restrinja ao segmento empresarial. Estes aspectos permitem identificar a pertinência de políticas públicas de C&T&I voltadas para a inovação social. Esta, quase sempre identificada ao pragmatismo dos atores sociais, pode ser potencializada pelo desenvolvimento de mecanismos que estimulem esta interação. Vários estudos e proposições têm apontado a necessidade de políticas públicas voltadas para a inovação social destacando, sobretudo, a necessidade de articulação diferenciada entre educação, pesquisa e desenvolvimento (OECD, 2010). Esta articulação passa, necessariamente, pelo reexame dos mecanismos de fomento à educação e à inovação e pelos incentivos destinados à pesquisa. Com base na análise das políticas de C&T&I ao longo do governo Lula, apontamos avanços e desafios para esta articulação no Brasil, em um debate que não pode prescindir da discussão dos aspectos normativos que justifiquem, nos termos de Boltanski e Thévenot (1991) e Boltanski e Chiapello (2009), o impulso às inovações sociais, assim como os regimes de engajamento (THÉVENOT, 2006) dos atores nos três níveis (Estado, mercado e sociedade civil) na configuração de experiências socialmente inovativas. Referências ARBIX, Glauco. Caminhos cruzados: rumo a uma estratégia de desenvolvimento baseada na inovação. Novos Estudos CEBRAP, n.87, p. 13-33, julho, 2010. BAUMGARTEN, Maíra. C&T na semiperiferia e inovaçaõ social: desigualdades, excelência e competitividade. In: MACIEL, Maria Lucia; ALBAGLI, Sarita (Orgs.). Informação e desenvolvimento: conhecimento, inovação e apropriação social. Brasília: IBICT, Unesco, 2007 BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. De la justification: les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991. BOLTANSKI, Luc ; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo : Martins Fontes, 2009. CLOUTIER, Julie. Qu´est-ce que l´innovation sociale? Cahier de recherche du CRISES, n. ET0314, Montreal: UQAM, 2003. GALLOUJ, Faïz. Innovation in the service economy: the new wealth of nations. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2002. HARRISON, Denis; KLEIN, Juan-Luis; BROWNE, Paul Leduc. Social innovation, social entreprise and services. In: GALLOUJ, Faïz; DJELLAL, Faridah (Eds). The Handbook of Innovation and Services. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2010. p.197218. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Inovação Tecnológica 2008. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. LAVILLE, Jean-Louis ; SAINSAULIEU, Renaud. Sociologie de l’association. 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