A Artigo Original Avaliação nutricional de pacientes vivendo com HIV/AIDS Avaliação nutricional de pacientes vivendo com HIV/AIDS Nutritional evaluation of patients living with HIV/AIDS Caio Gustavo Simonelli1 Renato Castro da Silva2 Unitermos: HIV.Terapia Antirretroviral. Consumo Alimentar. Avaliação Nutricional. Keywords: HIV.Antiretroviral Therapy, Highly Active. Food Consumption. Nutritional Assessment. Endereço para correspondência: Caio Gustavo Simonelli Rua Edimão Simão, 9, conjunto 66 – Peabiru, PR, Brasil – CEP: 87250-000. E-mail: [email protected] Submissão: 28 de janeiro de 2014 Aceito para publicação: 3 de abril de 2014 1. 2. RESUMO Introdução: No Brasil, havia 656.701 casos de AIDS notificados até junho de 2012. A partir de 1995, aumentou a sobrevida de pessoas com HIV/AIDS, devido à distribuição de medicamentos antirretrovirais de alta atividade pelo Ministério da Saúde. Os fármacos antirretrovirais causam diferentes efeitos colaterais à saúde de relevância nutricional. Objetivo: O objetivo do estudo foi traçar um paralelo entre o consumo alimentar de macro, micronutrientes e energia e a composição corpórea de pacientes vivendo com HIV/AIDS sob TARV. Método: Foi aplicada uma anamnese nutricional estruturada, avaliação antropométrica e recordatório 24 horas. O consumo alimentar apurado foi comparado com as necessidades nutritivas dos pacientes. Para a classificação das variáveis antropométricas, foram utilizados Índice Massa Corporal, Adequação da Circunferência do Braço, Prega Cutânea Tricipital e Razão Cintura Quadril. As variáveis contínuas foram apresentadas em n e % e as categóricas em numero absoluto e comparada com os padrões de referência. Foram avaliados 19 pacientes, 42,10% homens e 57,90% mulheres. Resultados: Houve maior prevalência de eutrofia para os homens e sobrepeso/obesidade em mulheres, maior ocorrência de depleção de tecido adiposo e de aumento da gordura abdominal, evidenciando, assim, a possibilidade da síndrome da lipodistrofia. O balanço energético foi negativo para ambos os sexos, os macronutrientes consumidos ficaram abaixo da média recomendada, exceto a proteína para os homens, e os micronutrientes consumidos estavam desbalanceados de acordo com a recomendação. Conclusões: O consumo de lipídeos não estava associado à lipodistrofia, que pode estar relacionada à terapia antirretroviral. ABSTRACT Introduction: In Brazil there were 656,701 cases of AIDS notify until June 2012. Starting from 1995 there were an important increase of the people living with HIV/AIDS survival, due to highly active antiretroviral medicine distribution for Ministério da Saúde. The antiretrovirais drugs to cause different sides effects of nutritional relevance. Objective: The aim of this study was to make a parallel between food consumption and the body composition of people living with HIV/AIDS undergoes HAART. Method: A structured nutritional anamnesis, anthropometric evaluation and application of 24-hour dietary recallwas applied. The food intake calculated was compared with the patients necessity nutritional. For the classification of the anthropometrics variables were used Body Mass Index, Arm Circumference Adequacy, Skin Fold Triceps, Muscular Arm Circumference and Waist – Hip Ratio. The continuous variables were showed in n and % and the categorical variables were in absolute number and compared with reference standard. It has evaluated 19 patients, 42.10% men and 57.0% women. Results: There was a great prevalence of the eutrophic for the men e overweight/obesity in women, a great occurrence of depletion in adipose skin and increase abdominal fat, showing the possibility of lipodystrophy syndrome. The energy balance was negative for both sex, the macronutrients consumed were below average recommended, only protein for the men and the micronutrients consumed were unbalanced according to recommendation. Conclusions: The fat intake was not associated with lipodystrophy may it be related tohighly active antiretroviral therapy. Graduado em Nutrição.Faculdade Integrado de Campo Mourão, Campo Mourão, PR, Brasil. Mestre em Biociências e Fisiopatologia. Faculdade Integrado de Campo Mourão, Campo Mourão, PR, Brasil. Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): 159-65 159 Simonelli CG & Silva RC INTRODUÇÃO Estima-se que há 34 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS em todo mundo, sendo que em 2011, houve 2,5 milhões de novas infecções1. Segundo o Ministério da Saúde2, no Brasil existiam 656.701 casos de AIDS notificados até o mês junho de 2012. Em 2010, foram notificados 34.218 novos casos e, no mesmo ano, ocorreram 11.965 óbitos. Nota-se que, a partir de 1995, houve um importante aumento na sobrevida de pessoas com HIV/AIDS. Do mesmo modo, ocorreu a diminuição das taxas de morbidade e mortalidade. Esses acontecimentos foram possíveis, porque na mesma data o Ministério da Saúde iniciou a distribuição universal e gratuita dos medicamentos antirretrovirais de alta atividade,que associa os inibidores da protease (IP) e os inibidores da transcriptase reversa3-5. Segundo estimativas do Ministério da Saúde6, foram feitas 36.070 internações no ano de 2010 com diagnóstico principal de AIDS, em decorrência de eventos clínicos graves relacionados à doença. No ano de 2010, foram gastos R$1.328.796.601,00 com a AIDS no geral6. Os fármacos antirretrovirais, como mencionado acima, aumentaram o tempo de sobrevivência de pessoas vivendo com HIV/AIDS, diminuindo a incidência de infecções respiratórias, controle da replicação viral e da síndrome consumptiva (wasting syndrome), porém, o seu uso a longo prazo trouxe efeitos colaterais, como anemia, vômitos, diarreia, náuseas, diabetes mellitus, resistência à insulina, dislipidemias, diminuição do colesterol HDL,lipodistrofia, síndrome metabólica, obesidade e risco aumentado para doenças cardiovasculares3-5,7. A manutenção de um consumo alimentar e nutricional adequado às necessidades energéticas, de macronutrientes (carboidrato, proteínas e lipídeos) e de micronutrientes (vitaminas e minerais), contribui para melhora dos níveis de T CD4, a absorção intestinal e ameniza todas as outras intercorrências causadas pelo tratamento. Em função disso, pode contribuir para a diminuição da progressão da doença5,8. A realização de pesquisas envolvendo a avaliação nutricional de pacientes com HIV/AIDS sob terapia antirretroviral são de extrema importância. Esses estudos possibilitam a obtenção de dados epidemiológicos que facilitam e permitem tomada de decisão em saúde, propiciando a correção das distorções e implementação de melhorias nos programas de atendimento destinados a esses pacientes, além de aumentar o conhecimento sobre o perfil nutricional, alimentar e antropométrico, já que esses dados são escassos na literatura,o que contribui para melhoria da qualidade de vida, aumento da sobrevida e determina um prognóstico mais positivo da doença para as pessoas com HIV/AIDS. Considerando os impactos causados pela terapia antirretroviral (TARV), é de suma importância que os pacientes com HIV/AIDS sejam submetidos a avaliações nutricionais periodicamente, para que haja identificação precoce, tratamento e prevenção dos distúrbios decorrentes da terapia5. Baseado nessa problemática, o trabalho teve como objetivo traçar um paralelo entre o consumo alimentar de macro, micronutrientes e energia e a composição corpórea de pacientes com HIV/AIDS sob TARV. MÉTODO Caracterização e Delineamento Estudo de natureza quantitativa, exploratória e descritiva com pacientes com HIV/AIDS, atendidos no Ambulatório de Infectologia da Secretária Municipal de Saúde, de Campo Mourão, região noroeste do estado do Paraná. A população do estudo atendida no ambulatório foi de 19 pacientes vivendo com HIV/AIDS. A realização in loco do estudo ocorreu de julho a setembro de 2013. Coleta de Dados Foi aplicado pelo próprio pesquisador uma anamnese alimentar estruturada adaptada9 nas dependências do Ambulatório de Infectologia em Campo Mourão. A anamnese versou sobre questionamentos a respeito dos dados pessoais; socioeconômicos;história clínica e dietética; dados gerais sobre alimentação;recordatório 24 horas; exame físico; exames bioquímicos e avaliação antropométrica. Para o estudo da composição corpórea foram coletadas as seguintes variáveis: peso e altura, aferidos de acordo com a metodologia de Rossi et al.10. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado considerando a fórmula P/ H² e classificado de acordo com as definições da World HealthOrganization. As seguintes circunferências corporais: circunferência da cintura (CC), circunferência do quadril (CQ), circunferência do braço (CB) e circunferência do pulso (CP) foram aferidas de acordo com Heyward & Stolarczyk. O risco de doença cardiovascular foi classificado conforme a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e do Third Report of the NationalCholesterol Education Program (NCEP), utilizando o resultado da relação cintura quadril (RCQ) CC/CQ. As aferições das dobras cutâneas foram feitas seguindo a metodologia de Heyward et al. Nesse estudo, foram avaliadas a dobra cutânea biciptal (DCB) e a dobra cutânea triciptal (PCT), foi utilizado o adipômetro científico da marca Sanny®, modelo AD1010 com precisão de 0,1 mm. Por essas duas pregas foi calculada a circunferência muscular do braço (CMB), valendo-se da fórmula de Gurney & Jellife; posteriormente, foi calculada a adequação da CMB com os percentis de Frisancho e o estado nutricional, classificado conforme Blackburn & Thornton, a adequação da CB e da PCT foi calculada Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): 159-65 160 Avaliação nutricional de pacientes vivendo com HIV/AIDS pelas fórmulas de Jellife,com os percentis de Frisancho e foram classificados conforme Blackburn & Thornton. Tabela 1 – Distribuição dos pacientes estudados, segundo faixa etária e sexo. O gasto energético basal foi avaliado valendo-se da fórmula de Harris-Benedict e para estimar o gasto energético total esse valor foi multiplicado pelos fatores injúria, atividade e térmico proposto por Jesus11. As variáveis dietéticas foram processadas no software DietPro 5i. Análise de Dados Os dados obtidos no que se refere às variáveis contínuas foram apresentados em n e percentual (%). As variáveis categóricas foram apresentadas em número absoluto e comparadas a padrões dietéticos de referência. Delineamento Ético Esta pesquisa foi conduzida após avaliação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Humanos da Faculdade Integrado de Campo Mourão, sob o parecer número 327.396/2013, segundo o que rege a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. RESULTADOS Foram avaliados 19 pacientes, sendo oito (42,10%) do gênero masculino e 11 (57,90%) do gênero feminino, sendo que a idade média foi de 40,42 anos, com tempo médio sob TARV de 6,13 anos. Sexo IMC (kg/m²) Desnutrição (<18,50) Eutrofia (18,50 – 24,99) Sobrepeso (25 – 29,99) Obesidade (≥30) TOTAL Feminino (n) (%) 2 25,0 4 50,0 2 25,0 8 100% Masculino (n) (%) 3 28,0 4 36,0 4 36,0 11 100% Adequação da CB (%) (n) (%) (n) (%) Desnutrição (<90) 4 50,0 2 19,0 Eutrofia (90 – 110) 3 37,5 5 45,0 Sobrepeso (110 – 120) 1 12,5 4 36,0 Obesidade (>120) - - - - TOTAL 8 100% 11 100% Adequação da CMB (%) (n) (%) (n) (%) Desnutrição (<90) 4 50,0 2 18,0 Eutrofia (90 – 110) 4 50,0 5 46,0 Sobrepeso (110 – 120) - - 2 18,0 Obesidade (>120) - - 2 18,0 TOTAL 8 100% 11 100% Fonte: Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013. A maior parte dos pacientes 36,85% (7) era solteira, sendo que 31,58% (6) eram casados, 26,31% (5) e 5,26% (1) divorciados e viúvos, respectivamente. Em relação ao grau de escolaridade, houve pequena diferença entre o ensino fundamental incompleto e o ensino médio completo, 36,83% (7) e 31,58% (6), respectivamente. As variáveis antropométricas de diagnóstico geral e classificação do tecido muscular estão dispostas na Tabela 1. De acordo com o IMC, 50% (4) dos pacientes do sexo masculino estavam eutróficos, já as mulheres 36% (4) estavam em sobrepeso e 36% obesidade. Com a relação à adequação da CB e CMB, 50% (4) dos homens apresentaram depleção de tecido muscular de grau moderado. As mulheres tiverem predominância de eutrofia, em 45% (5) da CB e 46% (5) da CMB. Relacionado à PCT, 75% (6) dos pacientes do gênero masculino tiveram depleção moderada a grave de tecido adiposo. As mulheres apresentaram prevalência do mesmo diagnóstico, 45% (5). Por outro lado, 50% (4) dos pacientes do sexo masculino e 28% (3) do sexo feminino apresentaram risco muito aumentado para o desenvolvimento de doença cardiovascular. O consumo de energia média calculada por meio do recordatório 24 horas e a recomendação média estão dispostos na Figura 1. Pode-se observar que o balanço energético foi negativo para ambos os sexos. Figura 1 – Comparação entre o VET (valor energético total médio calculado) e a ingestão calórica média do recordatório 24 horas de pessoas vivendo com HIV/AIDS sob TARV atendidos pelo Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013. O consumo de macronutrientes no sexo feminino estava abaixo da média recomendada para carboidratos (241g/d), proteínas (59g/d) e lipídeos (64g/d). Para o sexo masculino, houve discreto aumento na ingestão média de proteínas (58g/d). No entanto, os carboidratos (240g/d) e lipídeos (64g/d) encontrados pelo R24 horas estavam abaixo da média recomendada (Figura 2). Percebe-se que o consumo médio e a média recomendada de vitaminas para o gênero feminino estavam acima para a vitamina E (19mg/d), mas não ultrapassando a Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): 159-65 161 Simonelli CG & Silva RC ingestão máxima diária. Os homens apresentaram um consumo um pouco elevado de vitamina E (15mg/d), mas o mais alarmante foi o baixo consumo da vitamina C (39mg/d) (Figura 3). Notou-se que a vitamina A foi consumida 10% acima do recomendado para as mulheres e 142% para os homens. Os valores encontrados de acido fólico foram de 99mcg/d (sexo feminino) e 172mcg/d (sexo masculino), ambos abaixo da média recomendada,que é 320mcg/d para ambos os sexos (Figura 3). Dentre os minerais avaliados, cálcio e magnésio estavam abaixo do recomendado, 456mg/d e 154mg/d para o gênero feminino e 620mg/d e 161mg/d para o masculino, respectivamente (Figura 4). Figura 4 – Comparação entre o consumo médio encontrado e o consumo médio recomendado de minerais dos pacientes vivendo com HIV/AIDS atendidos pelo Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013. *Valores médios recomendados: EAR (DRI)19 **Com base no R24 horas de um dia. DISCUSSÃO Figura 2 – Paralelo entre o consumo médio encontrado do R24h e a média recomendada de macronutrientes de pacientes vivendo com HIV/AIDS sob TARV atendidos pelo Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013. *Com base no R24 horas de um dia. **Recomendações: NCEP18, 2011; AHA28, 2006. No presente estudo, a maioria dos pacientes era do sexo feminino, contrário aos estudos de Jaime et al.12, Ribeiro et al.13 e Duran et al.14, que tiveram prevalência maior do sexo masculino. Acredita-se que isso tenha ocorrido nesse estudo por haver maior preocupação das mulheres com alimentação e a estética corporal, visto que as mesmas eram convidadas a realizar a consulta com nutricionista. A idade média e o tempo de TARV médio encontrados nessa pesquisa são próximos do encontrado por Duran15, no qual os valores obtidos foram de 41,7 e 5,1 anos, para idade e tempo de TARV médios, respectivamente. Predominou o estado civil solteiro, idêntico ao estudo de Dutra et al.16. A prevalência de escolaridade foi o ensino fundamental incompleto, menos de 8 anos, semelhante ao trabalho de Jaime et al.12, no qual 37% dos pacientes estudaram até 8 anos. Semelhante ao estudo de Jericó et al.7, no qual a média do IMC dos pacientes foi de 23,4kg/m² representando normalidade, metade dos pacientes avaliados no presente estudo estava em eutrofia segundo o IMC. Foi encontrada maior prevalência de sobrepeso e obesidade no sexo feminino. Esse fato corrobora com as pesquisas feitas por Ribeiro et al.13, no qual 42,3% das mulheres apresentaram sobrepeso/ obesidade, e Kroll et al.17 que, ao avaliar 345 pacientes no Ambulatório de Dermatologia Sanitária no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, encontraram 33,8% e 14,1% das mulheres com sobrepeso e obesidade, respectivamente. Figura 3 – Comparação entre o consumo médio encontrado e o consumo médio recomendado de vitaminas dos pacientes vivendo com HIV/AIDS atendidos pelo Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013. *Valores médios recomendados: EAR (DRI,2002)19 **Com base no R24 horas de um dia. Nesse trabalho, houve maior prevalência de homens com déficit de massa muscular em grau moderado a grave segundo a CB e a CMB. Já as mulheres apresentaram excesso de massa muscular pela CB e eutrofia, pela CMB. Com relação à PCT, houve ocorrência de depleção de tecido adiposo tanto em homens quanto em mulheres, mas a maior Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): 159-65 162 Avaliação nutricional de pacientes vivendo com HIV/AIDS ocorrência observada foi no sexo masculino. Esses achados mostram um dos possíveis efeitos da lipodistrofia, no qual se manifestam com combinação de lipoatrofia, lipo-hipertrofia ou ambas em áreas localizadas, que ainda estão associadas a distúrbios no metabolismo de carboidratos e dislipidemias4. Hadigan et al.18, em seu estudo, que avaliou 85 pacientes vivendo com HIV/AIDS no Hospital Geral de Massachusetts em Boston, verificaram que os 62 homens avaliados apresentaram 15,1% de gordura nas extremidades e 22,9% de gordura na região do tronco. No entanto, as mulheres avaliadas (23) apresentaram um maior percentual de gordura nas extremidades (28,9%) e na região do tronco (33,3%), esses achados corroboram com o encontrado nessa pesquisa. Foi encontrado ainda no estudo referido acima uma média de 0,97 cm e 0,96 cm de RCQ para homens e mulheres, respectivamente. Isso evidencia a redistribuição de gordura corporal, em que as extremidades perdem o tecido subcutâneo e há aumento significativo da gordura abdominal central. Outro estudo também evidenciou o mesmo achado, onde 42,1% dos pacientes do gênero masculino e 57,7% do gênero feminino apresentaram alta prevalência para a obesidade central12. O presente estudo sugere que não houve possível associação com a TARV e o consumo alimentar, uma vez que o balanço energético foi negativo e a ingestão média de lipídeos foi insuficiente às recomendações médias, sugerindo que a TARV foi um possível desfecho para a lipodistrofia. Como observado na Figura 1, a média do consumo de energia para ambos os sexos estão abaixo da média preconizada. A energia média consumida dividida pelo peso corporal médio fica da seguinte maneira: 22,60kcal/kg para mulheres e 26,77kcal/kg para os homens. Segundo Coppini & Ferrini4, as kcal/kg para pacientes assintomáticos devem ficar no intervalo de 25 a 30kcal/kg de peso atual, observase que as mulheres estão abaixo desse intervalo. No estudo de Jaime et al.12, a média foi de 31,4kcal/kg, contrário ao encontrado nessa pesquisa. Acredita-se que isso ocorreu pela maior quantidade de homens em sua amostra (76,8%) e sabe-se que o gênero masculino tem maior consumo energético pelo fato do metabolismo funcionar de forma diferenciada do sexo feminino. No tocante ao consumo de macronutrientes, percebe-se que os percentuais de adequação ficaram aquém do ideal tanto para carboidratos (59,90%), lipídeos (67%) e proteínas (81,16%) para o sexo feminino, a problemática se repetiu no sexo masculino, carboidratos (71,43%), lipídeos (65%), exceto pela proteína que ficou 14% acima da média recomendada. Semelhante ao estudo de Dutra et al.16, no qual 52,17% e 43,75%, dos homens e mulheres, respectivamente, apresentaram consumo de carboidratos abaixo do recomendado. A média de gramas de carboidratos por dia encontrada por eles foi de 266,38g/d, valor próximo ao deste estudo. Neste estudo, os homens apresentaram um consumo médio maior que o recomendado para proteínas, achado que corrobora com Dutra et al.16, 100% dos homens tiveram consumo excessivo de proteínas. Porém, o mesmo não foi encontrado por Hadigan et al.18, no qual o percentual médio de consumo proteico foi de 17,3%, segundo a DRI19 adequado, pois considera adequado de 15% a 20% a ingestão de proteína. No caso das mulheres deste estudo, o consumo proteico médio estava abaixo do recomendado, fato também contrário ao Hadigan et al.18, que na amostra feminina encontraram 16,9% de consumo proteico, mesmo estando adequado está bem próximo do limiar de inferioridade proposto pelas DRI19. Ambos os sexos apresentaram valores abaixo de lipídeos de acordo com a AHA. Em relação à vitamina C, os homens apresentaram valores muito abaixo do recomendado pela DRI19, semelhante a Leite& Sampaio20, em que a média foi de 58,40mg/dia. Duas das vitaminas lipossolúveis, A e E, apresentaramse acima da média recomendada em ambos os gêneros, contudo não ultrapassaram o limite superior tolerável de ingestão (UL) da DRI19, que é de 3000mcg/d para a vitamina A e de 50mg/ para o tocoferol. O mesmo foi encontrado por Leite & Sampaio20: 984,79mcg/d de retinol Em contraste, obteve-se consumo médio baixo de ácido fólico para homens e mulheres. O folato é importante para replicação do DNA celular, principalmente das células hematológicas e imunológicas. Seu desequilíbrio pode vir a gerar anemia megaloblástica e funcionamento comprometido dos leucócitos. Com relação ao cálcio,Dutra et al.16 também verificaram um consumo abaixo do recomendado desse mineral: 95,65% dos homens e 81,25% das mulheres tiveram ingestão inferior. Esses minerais consumidos adequadamente concomitantemente à vitamina D são responsáveis pela saúde óssea do organismo, o magnésio auxilia na fixação de cálcio pelos ossos e no bom funcionamento neuromuscular. Alterações no processo de remodelação óssea têm sido descritas em pacientes vivendo com HIV/AIDS, podendo contribuir com a perda da massa óssea, levando à osteopenia, osteoporose e osteonecrose5. No estudo feito por Duran15, foram avaliados 508 pacientes acompanhados pela Rede Municipal Especializada em DST/AIDS de São Paulo. Nessa pesquisa, foi mensurada qualitativamente a dieta pela Índice de Qualidade da Dieta (IQD); para realizar essa classificação, os alimentos consumidos foram agrupados de acordo com os grupos da pirâmide alimentar proposta para população brasileira. Com isso,foi visto que apenas 5,3% dos pacientes tiveram dieta adequada e 72,1% tinham necessidade de melhora. Outro fato interessante é que a média consumida de frutas não excedeu 1,7 porções ao dia e o grupo dos lácteos e Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): 159-65 163 Simonelli CG & Silva RC derivados foi de 1,2 porções ao dia. As porções consumidas são poucas para atender às recomendações diárias das vitaminas e minerais. Isto pode servir como explicação para os valores baixos dos micronutrientes encontrados neste estudo. CONCLUSÕES Os resultados da pesquisa sugerem que o consumo de lipídeos não está associado à lipodistrofia, podendo este estar relacionado à TARV. Por outro lado, é possível que a depleção muscular esteja ligada ao balanço energético e proteico negativo. Por meio dos índices antropométricos gerais e de avaliação da massa muscular, podemos inferir que os homens apresentaram maior incidência de eutrofia e as mulheres de sobrepeso/obesidade. Depreendeu-se que grande parte dos pacientes apresentou modificações morfológicas em relação à distribuição da gordura corporal. Com relação ao perfil alimentar, percebeu-se que a ingestão de macro e micronutrientes está desbalanceada. Existe a necessidade maiores investigações acerca do consumo alimentar nessa população tão peculiar, visto que é pouco frequente e de fundamental importância conhecermos o perfil nutricional e alimentar de pessoas com HIV/AIDS para que sejam elaborados programas e intervenções específicas para corrigir e prevenir hábitos alimentares negativos. Para esse fim, é de extrema importância que o profissional da nutrição esteja inserido nos centros de atendimento direcionados a esses pacientes, para investigar e orientar a adoção de hábitos alimentares positivos. REFERÊNCIAS 1.UNAIDS – Joint United Nations Programme On HIV/AIDS – World And Health Organization – WHO. UNAIDS Report on the global AIDS epidemic. Geneva: WHO; 2012. 2.Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Monitoraids[Acesso 20 mar. 2013].Disponível em: http://sistemas.aids.gov.br/monitoraids 3.Polacow VO, Scagliusi FB, Furtado LSM, Carré ML, Pereira GM, Avileis CG, et al. 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