Avaliação nutricional de pacientes vivendo com HIV/AIDS

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A
Artigo Original
Avaliação nutricional de pacientes vivendo com HIV/AIDS
Avaliação nutricional de pacientes vivendo com
HIV/AIDS
Nutritional evaluation of patients living with HIV/AIDS
Caio Gustavo Simonelli1
Renato Castro da Silva2
Unitermos:
HIV.Terapia Antirretroviral. Consumo Alimentar.
Avaliação Nutricional.
Keywords:
HIV.Antiretroviral Therapy, Highly Active. Food
Consumption. Nutritional Assessment.
Endereço para correspondência:
Caio Gustavo Simonelli
Rua Edimão Simão, 9, conjunto 66 – Peabiru, PR, Brasil –
CEP: 87250-000.
E-mail: [email protected]
Submissão:
28 de janeiro de 2014
Aceito para publicação:
3 de abril de 2014
1.
2.
RESUMO
Introdução: No Brasil, havia 656.701 casos de AIDS notificados até junho de 2012. A partir
de 1995, aumentou a sobrevida de pessoas com HIV/AIDS, devido à distribuição de medicamentos antirretrovirais de alta atividade pelo Ministério da Saúde. Os fármacos antirretrovirais
causam diferentes efeitos colaterais à saúde de relevância nutricional. Objetivo: O objetivo
do estudo foi traçar um paralelo entre o consumo alimentar de macro, micronutrientes e
energia e a composição corpórea de pacientes vivendo com HIV/AIDS sob TARV. Método:
Foi aplicada uma anamnese nutricional estruturada, avaliação antropométrica e recordatório
24 horas. O consumo alimentar apurado foi comparado com as necessidades nutritivas dos
pacientes. Para a classificação das variáveis antropométricas, foram utilizados Índice Massa
Corporal, Adequação da Circunferência do Braço, Prega Cutânea Tricipital e Razão Cintura
Quadril. As variáveis contínuas foram apresentadas em n e % e as categóricas em numero
absoluto e comparada com os padrões de referência. Foram avaliados 19 pacientes, 42,10%
homens e 57,90% mulheres. Resultados: Houve maior prevalência de eutrofia para os
homens e sobrepeso/obesidade em mulheres, maior ocorrência de depleção de tecido adiposo
e de aumento da gordura abdominal, evidenciando, assim, a possibilidade da síndrome da
lipodistrofia. O balanço energético foi negativo para ambos os sexos, os macronutrientes
consumidos ficaram abaixo da média recomendada, exceto a proteína para os homens, e
os micronutrientes consumidos estavam desbalanceados de acordo com a recomendação.
Conclusões: O consumo de lipídeos não estava associado à lipodistrofia, que pode estar
relacionada à terapia antirretroviral.
ABSTRACT
Introduction: In Brazil there were 656,701 cases of AIDS notify until June 2012. Starting from
1995 there were an important increase of the people living with HIV/AIDS survival, due to highly
active antiretroviral medicine distribution for Ministério da Saúde. The antiretrovirais drugs to
cause different sides effects of nutritional relevance. Objective: The aim of this study was to make
a parallel between food consumption and the body composition of people living with HIV/AIDS
undergoes HAART. Method: A structured nutritional anamnesis, anthropometric evaluation and
application of 24-hour dietary recallwas applied. The food intake calculated was compared with
the patients necessity nutritional. For the classification of the anthropometrics variables were used
Body Mass Index, Arm Circumference Adequacy, Skin Fold Triceps, Muscular Arm Circumference
and Waist – Hip Ratio. The continuous variables were showed in n and % and the categorical
variables were in absolute number and compared with reference standard. It has evaluated 19
patients, 42.10% men and 57.0% women. Results: There was a great prevalence of the eutrophic
for the men e overweight/obesity in women, a great occurrence of depletion in adipose skin and
increase abdominal fat, showing the possibility of lipodystrophy syndrome. The energy balance
was negative for both sex, the macronutrients consumed were below average recommended,
only protein for the men and the micronutrients consumed were unbalanced according to recommendation. Conclusions: The fat intake was not associated with lipodystrophy may it be related
tohighly active antiretroviral therapy.
Graduado em Nutrição.Faculdade Integrado de Campo Mourão, Campo Mourão, PR, Brasil.
Mestre em Biociências e Fisiopatologia. Faculdade Integrado de Campo Mourão, Campo Mourão, PR, Brasil.
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Simonelli CG & Silva RC
INTRODUÇÃO
Estima-se que há 34 milhões de pessoas vivendo com
HIV/AIDS em todo mundo, sendo que em 2011, houve 2,5
milhões de novas infecções1. Segundo o Ministério da Saúde2,
no Brasil existiam 656.701 casos de AIDS notificados até o
mês junho de 2012. Em 2010, foram notificados 34.218
novos casos e, no mesmo ano, ocorreram 11.965 óbitos.
Nota-se que, a partir de 1995, houve um importante
aumento na sobrevida de pessoas com HIV/AIDS. Do mesmo
modo, ocorreu a diminuição das taxas de morbidade e
mortalidade. Esses acontecimentos foram possíveis, porque
na mesma data o Ministério da Saúde iniciou a distribuição
universal e gratuita dos medicamentos antirretrovirais de
alta atividade,que associa os inibidores da protease (IP) e
os inibidores da transcriptase reversa3-5.
Segundo estimativas do Ministério da Saúde6, foram
feitas 36.070 internações no ano de 2010 com diagnóstico
principal de AIDS, em decorrência de eventos clínicos graves
relacionados à doença. No ano de 2010, foram gastos
R$1.328.796.601,00 com a AIDS no geral6.
Os fármacos antirretrovirais, como mencionado acima,
aumentaram o tempo de sobrevivência de pessoas vivendo
com HIV/AIDS, diminuindo a incidência de infecções respiratórias, controle da replicação viral e da síndrome consumptiva (wasting syndrome), porém, o seu uso a longo prazo
trouxe efeitos colaterais, como anemia, vômitos, diarreia,
náuseas, diabetes mellitus, resistência à insulina, dislipidemias, diminuição do colesterol HDL,lipodistrofia, síndrome
metabólica, obesidade e risco aumentado para doenças
cardiovasculares3-5,7.
A manutenção de um consumo alimentar e nutricional
adequado às necessidades energéticas, de macronutrientes
(carboidrato, proteínas e lipídeos) e de micronutrientes
(vitaminas e minerais), contribui para melhora dos níveis de
T CD4, a absorção intestinal e ameniza todas as outras intercorrências causadas pelo tratamento. Em função disso, pode
contribuir para a diminuição da progressão da doença5,8.
A realização de pesquisas envolvendo a avaliação nutricional de pacientes com HIV/AIDS sob terapia antirretroviral
são de extrema importância. Esses estudos possibilitam a
obtenção de dados epidemiológicos que facilitam e permitem
tomada de decisão em saúde, propiciando a correção das
distorções e implementação de melhorias nos programas de
atendimento destinados a esses pacientes, além de aumentar
o conhecimento sobre o perfil nutricional, alimentar e antropométrico, já que esses dados são escassos na literatura,o
que contribui para melhoria da qualidade de vida, aumento
da sobrevida e determina um prognóstico mais positivo da
doença para as pessoas com HIV/AIDS.
Considerando os impactos causados pela terapia antirretroviral (TARV), é de suma importância que os pacientes
com HIV/AIDS sejam submetidos a avaliações nutricionais
periodicamente, para que haja identificação precoce, tratamento e prevenção dos distúrbios decorrentes da terapia5.
Baseado nessa problemática, o trabalho teve como objetivo
traçar um paralelo entre o consumo alimentar de macro,
micronutrientes e energia e a composição corpórea de
pacientes com HIV/AIDS sob TARV.
MÉTODO
Caracterização e Delineamento
Estudo de natureza quantitativa, exploratória e descritiva
com pacientes com HIV/AIDS, atendidos no Ambulatório de
Infectologia da Secretária Municipal de Saúde, de Campo
Mourão, região noroeste do estado do Paraná.
A população do estudo atendida no ambulatório foi de
19 pacientes vivendo com HIV/AIDS. A realização in loco do
estudo ocorreu de julho a setembro de 2013.
Coleta de Dados
Foi aplicado pelo próprio pesquisador uma anamnese
alimentar estruturada adaptada9 nas dependências do
Ambulatório de Infectologia em Campo Mourão. A anamnese
versou sobre questionamentos a respeito dos dados pessoais;
socioeconômicos;história clínica e dietética; dados gerais
sobre alimentação;recordatório 24 horas; exame físico;
exames bioquímicos e avaliação antropométrica.
Para o estudo da composição corpórea foram coletadas
as seguintes variáveis: peso e altura, aferidos de acordo
com a metodologia de Rossi et al.10. O índice de massa
corporal (IMC) foi calculado considerando a fórmula P/
H² e classificado de acordo com as definições da World
HealthOrganization.
As seguintes circunferências corporais: circunferência da
cintura (CC), circunferência do quadril (CQ), circunferência
do braço (CB) e circunferência do pulso (CP) foram aferidas
de acordo com Heyward & Stolarczyk. O risco de doença
cardiovascular foi classificado conforme a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e do Third Report of the NationalCholesterol Education Program (NCEP), utilizando o resultado
da relação cintura quadril (RCQ) CC/CQ.
As aferições das dobras cutâneas foram feitas seguindo a
metodologia de Heyward et al. Nesse estudo, foram avaliadas
a dobra cutânea biciptal (DCB) e a dobra cutânea triciptal
(PCT), foi utilizado o adipômetro científico da marca Sanny®,
modelo AD1010 com precisão de 0,1 mm. Por essas duas
pregas foi calculada a circunferência muscular do braço
(CMB), valendo-se da fórmula de Gurney & Jellife; posteriormente, foi calculada a adequação da CMB com os percentis de
Frisancho e o estado nutricional, classificado conforme Blackburn & Thornton, a adequação da CB e da PCT foi calculada
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pelas fórmulas de Jellife,com os percentis de Frisancho e foram
classificados conforme Blackburn & Thornton.
Tabela 1 – Distribuição dos pacientes estudados, segundo faixa etária e
sexo.
O gasto energético basal foi avaliado valendo-se da
fórmula de Harris-Benedict e para estimar o gasto energético
total esse valor foi multiplicado pelos fatores injúria, atividade
e térmico proposto por Jesus11. As variáveis dietéticas foram
processadas no software DietPro 5i.
Análise de Dados
Os dados obtidos no que se refere às variáveis contínuas
foram apresentados em n e percentual (%). As variáveis
categóricas foram apresentadas em número absoluto e
comparadas a padrões dietéticos de referência.
Delineamento Ético
Esta pesquisa foi conduzida após avaliação e aprovação
pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Humanos
da Faculdade Integrado de Campo Mourão, sob o parecer
número 327.396/2013, segundo o que rege a resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Foram avaliados 19 pacientes, sendo oito (42,10%) do
gênero masculino e 11 (57,90%) do gênero feminino, sendo
que a idade média foi de 40,42 anos, com tempo médio
sob TARV de 6,13 anos.
Sexo
IMC (kg/m²)
Desnutrição (<18,50)
Eutrofia (18,50 – 24,99)
Sobrepeso (25 – 29,99)
Obesidade (≥30)
TOTAL
Feminino
(n)
(%)
2
25,0
4
50,0
2
25,0
8
100%
Masculino
(n)
(%)
3
28,0
4
36,0
4
36,0
11
100%
Adequação da CB (%)
(n)
(%)
(n)
(%)
Desnutrição (<90)
4
50,0
2
19,0
Eutrofia (90 – 110)
3
37,5
5
45,0
Sobrepeso (110 – 120)
1
12,5
4
36,0
Obesidade (>120)
-
-
-
-
TOTAL
8
100%
11
100%
Adequação da CMB (%)
(n)
(%)
(n)
(%)
Desnutrição (<90)
4
50,0
2
18,0
Eutrofia (90 – 110)
4
50,0
5
46,0
Sobrepeso (110 – 120)
-
-
2
18,0
Obesidade (>120)
-
-
2
18,0
TOTAL
8
100%
11
100%
Fonte: Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013.
A maior parte dos pacientes 36,85% (7) era solteira,
sendo que 31,58% (6) eram casados, 26,31% (5) e 5,26%
(1) divorciados e viúvos, respectivamente. Em relação ao grau
de escolaridade, houve pequena diferença entre o ensino
fundamental incompleto e o ensino médio completo, 36,83%
(7) e 31,58% (6), respectivamente.
As variáveis antropométricas de diagnóstico geral e classificação do tecido muscular estão dispostas na Tabela 1.
De acordo com o IMC, 50% (4) dos pacientes do sexo
masculino estavam eutróficos, já as mulheres 36% (4)
estavam em sobrepeso e 36% obesidade. Com a relação à
adequação da CB e CMB, 50% (4) dos homens apresentaram depleção de tecido muscular de grau moderado. As
mulheres tiverem predominância de eutrofia, em 45% (5) da
CB e 46% (5) da CMB.
Relacionado à PCT, 75% (6) dos pacientes do gênero masculino tiveram depleção moderada a grave de tecido adiposo. As
mulheres apresentaram prevalência do mesmo diagnóstico, 45%
(5). Por outro lado, 50% (4) dos pacientes do sexo masculino e
28% (3) do sexo feminino apresentaram risco muito aumentado
para o desenvolvimento de doença cardiovascular.
O consumo de energia média calculada por meio do
recordatório 24 horas e a recomendação média estão
dispostos na Figura 1. Pode-se observar que o balanço
energético foi negativo para ambos os sexos.
Figura 1 – Comparação entre o VET (valor energético total médio calculado)
e a ingestão calórica média do recordatório 24 horas de pessoas vivendo com
HIV/AIDS sob TARV atendidos pelo Ambulatório de Infectologia de Campo
Mourão – PR, 2013.
O consumo de macronutrientes no sexo feminino estava
abaixo da média recomendada para carboidratos (241g/d),
proteínas (59g/d) e lipídeos (64g/d). Para o sexo masculino,
houve discreto aumento na ingestão média de proteínas
(58g/d). No entanto, os carboidratos (240g/d) e lipídeos
(64g/d) encontrados pelo R24 horas estavam abaixo da
média recomendada (Figura 2).
Percebe-se que o consumo médio e a média recomendada de vitaminas para o gênero feminino estavam acima
para a vitamina E (19mg/d), mas não ultrapassando a
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ingestão máxima diária. Os homens apresentaram um
consumo um pouco elevado de vitamina E (15mg/d), mas o
mais alarmante foi o baixo consumo da vitamina C (39mg/d)
(Figura 3).
Notou-se que a vitamina A foi consumida 10% acima do
recomendado para as mulheres e 142% para os homens.
Os valores encontrados de acido fólico foram de 99mcg/d
(sexo feminino) e 172mcg/d (sexo masculino), ambos abaixo
da média recomendada,que é 320mcg/d para ambos os
sexos (Figura 3).
Dentre os minerais avaliados, cálcio e magnésio estavam
abaixo do recomendado, 456mg/d e 154mg/d para o
gênero feminino e 620mg/d e 161mg/d para o masculino,
respectivamente (Figura 4).
Figura 4 – Comparação entre o consumo médio encontrado e o consumo médio
recomendado de minerais dos pacientes vivendo com HIV/AIDS atendidos pelo
Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013.
*Valores médios recomendados: EAR (DRI)19
**Com base no R24 horas de um dia.
DISCUSSÃO
Figura 2 – Paralelo entre o consumo médio encontrado do R24h e a média
recomendada de macronutrientes de pacientes vivendo com HIV/AIDS sob TARV
atendidos pelo Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013.
*Com base no R24 horas de um dia.
**Recomendações: NCEP18, 2011; AHA28, 2006.
No presente estudo, a maioria dos pacientes era do sexo
feminino, contrário aos estudos de Jaime et al.12, Ribeiro et
al.13 e Duran et al.14, que tiveram prevalência maior do sexo
masculino. Acredita-se que isso tenha ocorrido nesse estudo
por haver maior preocupação das mulheres com alimentação
e a estética corporal, visto que as mesmas eram convidadas
a realizar a consulta com nutricionista. A idade média e
o tempo de TARV médio encontrados nessa pesquisa são
próximos do encontrado por Duran15, no qual os valores
obtidos foram de 41,7 e 5,1 anos, para idade e tempo de
TARV médios, respectivamente.
Predominou o estado civil solteiro, idêntico ao estudo
de Dutra et al.16. A prevalência de escolaridade foi o ensino
fundamental incompleto, menos de 8 anos, semelhante ao
trabalho de Jaime et al.12, no qual 37% dos pacientes estudaram até 8 anos.
Semelhante ao estudo de Jericó et al.7, no qual a média do
IMC dos pacientes foi de 23,4kg/m² representando normalidade, metade dos pacientes avaliados no presente estudo
estava em eutrofia segundo o IMC. Foi encontrada maior
prevalência de sobrepeso e obesidade no sexo feminino.
Esse fato corrobora com as pesquisas feitas por Ribeiro et
al.13, no qual 42,3% das mulheres apresentaram sobrepeso/
obesidade, e Kroll et al.17 que, ao avaliar 345 pacientes
no Ambulatório de Dermatologia Sanitária no Hospital de
Clínicas de Porto Alegre, encontraram 33,8% e 14,1% das
mulheres com sobrepeso e obesidade, respectivamente.
Figura 3 – Comparação entre o consumo médio encontrado e o consumo médio
recomendado de vitaminas dos pacientes vivendo com HIV/AIDS atendidos pelo
Ambulatório de Infectologia de Campo Mourão – PR, 2013.
*Valores médios recomendados: EAR (DRI,2002)19
**Com base no R24 horas de um dia.
Nesse trabalho, houve maior prevalência de homens
com déficit de massa muscular em grau moderado a grave
segundo a CB e a CMB. Já as mulheres apresentaram
excesso de massa muscular pela CB e eutrofia, pela CMB.
Com relação à PCT, houve ocorrência de depleção de tecido
adiposo tanto em homens quanto em mulheres, mas a maior
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ocorrência observada foi no sexo masculino. Esses achados
mostram um dos possíveis efeitos da lipodistrofia, no qual se
manifestam com combinação de lipoatrofia, lipo-hipertrofia
ou ambas em áreas localizadas, que ainda estão associadas
a distúrbios no metabolismo de carboidratos e dislipidemias4.
Hadigan et al.18, em seu estudo, que avaliou 85 pacientes
vivendo com HIV/AIDS no Hospital Geral de Massachusetts em Boston, verificaram que os 62 homens avaliados
apresentaram 15,1% de gordura nas extremidades e 22,9%
de gordura na região do tronco. No entanto, as mulheres
avaliadas (23) apresentaram um maior percentual de gordura
nas extremidades (28,9%) e na região do tronco (33,3%),
esses achados corroboram com o encontrado nessa pesquisa.
Foi encontrado ainda no estudo referido acima uma
média de 0,97 cm e 0,96 cm de RCQ para homens e
mulheres, respectivamente. Isso evidencia a redistribuição de
gordura corporal, em que as extremidades perdem o tecido
subcutâneo e há aumento significativo da gordura abdominal central. Outro estudo também evidenciou o mesmo
achado, onde 42,1% dos pacientes do gênero masculino e
57,7% do gênero feminino apresentaram alta prevalência
para a obesidade central12. O presente estudo sugere que
não houve possível associação com a TARV e o consumo
alimentar, uma vez que o balanço energético foi negativo e a
ingestão média de lipídeos foi insuficiente às recomendações
médias, sugerindo que a TARV foi um possível desfecho para
a lipodistrofia.
Como observado na Figura 1, a média do consumo
de energia para ambos os sexos estão abaixo da média
preconizada. A energia média consumida dividida pelo peso
corporal médio fica da seguinte maneira: 22,60kcal/kg para
mulheres e 26,77kcal/kg para os homens. Segundo Coppini
& Ferrini4, as kcal/kg para pacientes assintomáticos devem
ficar no intervalo de 25 a 30kcal/kg de peso atual, observase que as mulheres estão abaixo desse intervalo. No estudo
de Jaime et al.12, a média foi de 31,4kcal/kg, contrário ao
encontrado nessa pesquisa. Acredita-se que isso ocorreu
pela maior quantidade de homens em sua amostra (76,8%)
e sabe-se que o gênero masculino tem maior consumo
energético pelo fato do metabolismo funcionar de forma
diferenciada do sexo feminino.
No tocante ao consumo de macronutrientes, percebe-se
que os percentuais de adequação ficaram aquém do ideal
tanto para carboidratos (59,90%), lipídeos (67%) e proteínas
(81,16%) para o sexo feminino, a problemática se repetiu
no sexo masculino, carboidratos (71,43%), lipídeos (65%),
exceto pela proteína que ficou 14% acima da média recomendada. Semelhante ao estudo de Dutra et al.16, no qual
52,17% e 43,75%, dos homens e mulheres, respectivamente,
apresentaram consumo de carboidratos abaixo do recomendado. A média de gramas de carboidratos por dia encontrada
por eles foi de 266,38g/d, valor próximo ao deste estudo.
Neste estudo, os homens apresentaram um consumo
médio maior que o recomendado para proteínas, achado
que corrobora com Dutra et al.16, 100% dos homens tiveram
consumo excessivo de proteínas. Porém, o mesmo não
foi encontrado por Hadigan et al.18, no qual o percentual
médio de consumo proteico foi de 17,3%, segundo a DRI19
adequado, pois considera adequado de 15% a 20% a
ingestão de proteína. No caso das mulheres deste estudo,
o consumo proteico médio estava abaixo do recomendado,
fato também contrário ao Hadigan et al.18, que na amostra
feminina encontraram 16,9% de consumo proteico, mesmo
estando adequado está bem próximo do limiar de inferioridade proposto pelas DRI19. Ambos os sexos apresentaram
valores abaixo de lipídeos de acordo com a AHA.
Em relação à vitamina C, os homens apresentaram
valores muito abaixo do recomendado pela DRI19, semelhante
a Leite& Sampaio20, em que a média foi de 58,40mg/dia.
Duas das vitaminas lipossolúveis, A e E, apresentaramse acima da média recomendada em ambos os gêneros,
contudo não ultrapassaram o limite superior tolerável de
ingestão (UL) da DRI19, que é de 3000mcg/d para a vitamina
A e de 50mg/ para o tocoferol. O mesmo foi encontrado
por Leite & Sampaio20: 984,79mcg/d de retinol
Em contraste, obteve-se consumo médio baixo de ácido
fólico para homens e mulheres. O folato é importante para
replicação do DNA celular, principalmente das células hematológicas e imunológicas. Seu desequilíbrio pode vir a gerar
anemia megaloblástica e funcionamento comprometido dos
leucócitos.
Com relação ao cálcio,Dutra et al.16 também verificaram
um consumo abaixo do recomendado desse mineral: 95,65%
dos homens e 81,25% das mulheres tiveram ingestão inferior.
Esses minerais consumidos adequadamente concomitantemente à vitamina D são responsáveis pela saúde óssea do
organismo, o magnésio auxilia na fixação de cálcio pelos
ossos e no bom funcionamento neuromuscular. Alterações
no processo de remodelação óssea têm sido descritas em
pacientes vivendo com HIV/AIDS, podendo contribuir com a
perda da massa óssea, levando à osteopenia, osteoporose
e osteonecrose5.
No estudo feito por Duran15, foram avaliados 508
pacientes acompanhados pela Rede Municipal Especializada
em DST/AIDS de São Paulo. Nessa pesquisa, foi mensurada qualitativamente a dieta pela Índice de Qualidade da
Dieta (IQD); para realizar essa classificação, os alimentos
consumidos foram agrupados de acordo com os grupos
da pirâmide alimentar proposta para população brasileira.
Com isso,foi visto que apenas 5,3% dos pacientes tiveram
dieta adequada e 72,1% tinham necessidade de melhora.
Outro fato interessante é que a média consumida de frutas
não excedeu 1,7 porções ao dia e o grupo dos lácteos e
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derivados foi de 1,2 porções ao dia. As porções consumidas são poucas para atender às recomendações diárias
das vitaminas e minerais. Isto pode servir como explicação
para os valores baixos dos micronutrientes encontrados
neste estudo.
CONCLUSÕES
Os resultados da pesquisa sugerem que o consumo de
lipídeos não está associado à lipodistrofia, podendo este
estar relacionado à TARV. Por outro lado, é possível que
a depleção muscular esteja ligada ao balanço energético
e proteico negativo.
Por meio dos índices antropométricos gerais e de
avaliação da massa muscular, podemos inferir que os
homens apresentaram maior incidência de eutrofia e
as mulheres de sobrepeso/obesidade. Depreendeu-se
que grande parte dos pacientes apresentou modificações morfológicas em relação à distribuição da gordura
corporal. Com relação ao perfil alimentar, percebeu-se que
a ingestão de macro e micronutrientes está desbalanceada.
Existe a necessidade maiores investigações acerca do
consumo alimentar nessa população tão peculiar, visto
que é pouco frequente e de fundamental importância
conhecermos o perfil nutricional e alimentar de pessoas
com HIV/AIDS para que sejam elaborados programas e
intervenções específicas para corrigir e prevenir hábitos
alimentares negativos. Para esse fim, é de extrema importância que o profissional da nutrição esteja inserido nos
centros de atendimento direcionados a esses pacientes,
para investigar e orientar a adoção de hábitos alimentares
positivos.
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