A Artigo de Revisão Machado BR et al. A relação entre desnutrição, complicações neurológicas e transtornos mentais em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica The relationship between malnutrition, neurological complications and mental disorders in patients undergoing bariatric surgery Bruna dos Reis Machado1 Gabriel Horn Iwaya2 Mariele de Carvalho dos Santos1 Rosângela Silveira Coelho Cremonini1 Luiz Arthur Rangel Cyrino3 Unitermos: Desnutrição. Doenças do Sistema Nervoso. Cirurgia Bariátrica. Transtornos Mentais. Keywords: Malnutrition. Nervous System Diseases. Bariatric Surgery. Mental Disorders. Endereço para correspondência: Luiz Arthur Rangel Cyrino. Rua Princesa Isabel 238 - sala 414 - Centro - Joinville, SC, Brasil - CEP: 89201-270 E-mail:[email protected] Submissão: 26/6/2015 Aceito para publicação: 14/8/2015 1. 2. 3. RESUMO Introdução: A obesidade mórbida apresenta-se como uma importante epidemia atual, resultado de estilos de vida cada vez mais sedentários e de alimentação rica em calorias, e causa problemas físicos e emocionais. Alguns pacientes encontram na cirurgia bariátrica uma alternativa viável de controle da doença. Além dos riscos que todo procedimento desse porte carrega, o pós-cirúrgico traz como ­desvantagens a alimentação restrita e a baixa absorção de nutrientes, que precisam ser repostos artificialmente. Objetivo: Verificar se há relação entre os nutrientes que geralmente deixam de ser absorvidos após a cirurgia, as complicações neurológicas e as psicopatologias ­provenientes dessa insuficiência nutricional. Método: Revisão de literatura mediante acesso à base de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), LILACS, SciELO, ScienceDirect e PubMed. Resultados: Os nutrientes que, em geral, os indivíduos no pós-operatório da cirurgia ­bariátrica apresentarão deficiência são ferro, cálcio, vitamina B12, vitamina D, ácido fólico, fosfato, magnésio, vitamina B1 e vitamina E. Complicações neurológicas associadas a essas deficiências nutricionais de forma geral são encefalopatia, neuropatia óptica, polirradiculoneuropatia, polineuropatia, ­mielopatia e neuropatias periféricas. Quanto aos transtornos mentais, o paciente pode ­desenvolver depressão em virtude da deficiência de vitamina B12, B1 e ácido fólico. Conclusão: Por meio desta análise, ressalta-se a importância do controle nutricional no pós-operatório para que, considerando que a obesidade é uma doença muitas vezes desencadeada por fatores ­psicológicos (ansiedade, sistemas de recompensa, relação afetiva com o alimento), o paciente não tenha reganho de peso e para que mantenha sua estabilidade emocional, cognitiva e comportamental. ABSTRACT Introduction: Morbid obesity presents itself as an important current epidemic, resulting of ­increasingly sedentary lifestyles and with too many calories, causing physical and emotional problems that patients encounter in bariatric surgery a viable alternative for disease control. Besides the risks that the whole procedure of this magnitude carries the postsurgical brings disadvantages as constrained supply and low absorption of nutrients, which need to be replenished artificially. Objective: The aim of this paper is to verify whether a relation among the nutrients those usually fail to be absorbed after surgery, the neurological complications and psychopathologies from this nutritional insufficiency. The nutrient deficiencies individuals in postoperative bariatric surgery present are iron, calcium, vitamin B12, vitamin D, folic acid, phosphate, magnesium, vitamin B1, vitamin E. Neurological implications associated with these nutritional deficiencies are, in general, encephalopathy, optic neuropathy, polyradiculoneuropathy, polyneuropathy, myelopathy and peripheral neuropathies. Methods: The methodology was state of the art study accessing database of Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), LILACS, SciELO, ScienceDirect and PubMed. Results: Regarding mental disorders the patient may develop depression from the Vitamin B12 deficiency, folic acid and B1. Conclusion: Through this analysis, it is possible to emphasize the importance of nutritional management after surgery for that, considering that obesity is a disease often triggered by psychological factors (anxiety, reward systems, emotional relationship with food), the patient will not incur the regained weight and keep his emotional stability, cognitive and behavioral. Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), Joinville, SC, Brasil. Acadêmico do curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), Joinville, SC, Brasil. Docente do curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), Joinville, SC. Mestre em Neurociência pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Médico especialista em Terapia Nutricional Total, especialista em Medicina do Trabalho, professor de ­Neurofisiologia e Psicofarmacologia do curso de Psicologia e do curso de Farmácia da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), Joinville, SC, Brasil. Rev Bras Nutr Clin 2015; 30 (3): 256-60 256 ???? INTRODUÇÃO RESULTADOS Configura-se neste começo do século XXI uma espécie de epidemia da obesidade. Esta tem atraído a atenção de profissionais da área de saúde e ciências humanas, sendo tema recorrente na literatura científica1,2. Tal preocupação deve-se, especialmente, ao aumento acentuado dessa doença crônica, que vem ocupando um espaço significativo no perfil de morbimortalidade3,4. Quando o tratamento da obesidade feito por métodos conservadores (dietas, psicoterapia, atividades físicas etc.) não alcança resultado, pode ser indicado aos pacientes em condição mórbida o tratamento com técnicas invasivas (restritivas, disabsortivas, mistas) de cirurgia bariátrica5. Nesse processo devem-se considerar os riscos e ­benefícios à vida do paciente, tendo em vista que a qualidade de vida de indivíduos com obesidade mórbida tende a ser pobre, além de serem atingidos por uma série de problemas psicossociais e riscos de saúde que reduzem sua ­expectativa de vida6. Após o processo da cirurgia bariátrica, os pacientes operados podem apresentar possíveis consequências ­fisiológicas, psicológicas e metabólicas. A mortalidade pós-operatória pode variar de 0,1% até 2%, dependendo da técnica cirúrgica utilizada7. Além dos riscos inerentes ao processo cirúrgico, o quadro pós-operatório traz consigo a desvantagem de uma alimentação restrita e com baixa absorção de nutrientes, que têm de ser repostos artificialmente. Nesse sentido, o objetivo deste artigo foi verificar a relação entre os nutrientes que, geralmente, deixam de ser absorvidos no pós-operatório e as possíveis ­complicações ­n eurológicas/psicopatológicas provenientes dessas ­insuficiências nutricionais. MÉTODO Realizou-se uma revisão de literatura por meio das seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), LILACS, SciELO, ScienceDirect e PubMed. Como estratégia de consulta, utilizaram-se os descritores (DeCS): Desnutrição/Malnutrition, Cirurgia Bariátrica/Bariatric Surgery, Transtornos Mentais/Mental Disorders. As buscas foram realizadas entre os meses de março e novembro de 2014. Com base nas consultas, selecionaram-se artigos nacionais e internacionais que apontassem informações relevantes sobre insuficiências nutricionais em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e possíveis complicações neurológicas e transtornos mentais que podem ser desencadeados em decorrência da falta de tais nutrientes. A propósito das consequências negativas, em geral estão associadas à desnutrição e a complicações gastrointestinais, que podem causar deficiência na absorção de ferro, cálcio, vitamina B12, vitamina D e ácido fólico8,9. Em um estudo, Berger10 aponta ainda mais algumas ­d eficiências minerais, como fosfato e magnésio, e ­vitamínicas, como B1 e E. Destaca, ainda, que tais complicações têm sido relatadas em 5% a 10% dos casos e que quaisquer partes do neuroeixo (cérebro, cerebelo, espinha medular, nervos e músculos) podem ser afetadas por essas possíveis complicações neurológicas. As complicações neurológicas são uma das mais temíveis complicações da cirurgia bariátrica, e nenhum outro fator é mais importante na sua patogenia do que as deficiências nutricionais decorrentes da cirurgia. A vigilância nutricional e a reposição de suplementos são fundamentais para evitar possíveis complicações11, entre elas: encefalopatia, neuropatia óptica, mielopatia, polirradiculoneuropatia e polineuropatia12. Segundo um estudo realizado com 96 pacientes após cirurgia bariátrica, 62% apresentaram neuropatias periféricas e 31% encefalopatia13. Já de acordo com a pesquisa de Juhasz-Pocsine et al. , a mielopatia mostrou-se como o problema mais frequente e incapacitante nos pacientes, apresentando seus sintomas cerca de uma década após a cirurgia, enquanto ­encefalopatias e polirradiculoneuropatias foram ­complicações consideradas mais agudas e precoces. 14 Outros estudos relatam o desenvolvimento da ­ olineuropatia de Wernicke associada especificamente à p insuficiência de vitaminas do complexo B. Essas deficiências também dependem do tipo de técnica cirúrgica e do tempo decorrido após a submissão à cirurgia15-17. Conforme ressaltou Berger 10 , é essencial que os médicos que acompanham o processo de recuperação de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica estejam familiarizados com a constelação de doenças neurológicas que podem decorrer após a cirurgia. O presente artigo propõe-se a procurar compreender melhor essas relações de interdependência. A medicina reconhece que, muitas vezes, mudanças nutricionais estão associadas às doenças mentais. Desde que se consagraram os estudos com vitaminas, esse fato foi comprovado por intermédio de diversas pesquisas. Existe tanto a possibilidade do desenvolvimento apenas de sintomas quanto o desenvolvimento dos transtornos mentais propriamente ditos18. Rev Bras Nutr Clin 2015; 30 (3): 256-60 257 Machado BR et al. Leite 18 cita, em seu livro “Nutrição e doença: um estudo da conexão entre alimentos e moléstias”, que a ­deficiência de vitamina B12 causa anemia perniciosa, o que, além dos sintomas anêmicos, pode levar a diversos sintomas psicóticos. Além disso, a falta de vitamina B12 também pode provocar déficit de memória e depressão. Já a insuficiência de ácido fólico (vitamina B9) pode causar fadiga, confusão, demência e irritabilidade19. De forma geral, a falta das vitaminas do complexo B, principalmente B3, causa pelagra e pode gerar quadros psicóticos, incluindo quadros maníaco-depressivos, esquizofrenia e/ ou confusões18. Outro estudo20 destaca a depressão, a esquizofrenia e o Alzheimer como possíveis psicopatologias e aponta ­especificamente o caso da depressão. Trata-se de uma afecção extremamente associada à dieta, sendo a ­insuficiência de vitaminas B1, B2 e C as mais comuns. Ainda segundo o mesmo estudo 20, muitos pacientes depressivos que estavam hospitalizados tinham baixos números de ácidos fólicos, enquanto poucos pacientes que não apresentavam depressão eram deficientes. Para Coppen & Bailey21, o ácido fólico é um importante complemento ao tratamento com antidepressivos. Um teste realizado com mulheres diagnosticadas com depressão comparou o tratamento associando fluoxetina com ácido fólico e a fluoxetina com um placebo. Obteve-se uma boa resposta em 93,9% das mulheres da primeira associação contra 61,1% das que receberam apenas a associação entre o medicamento e o placebo. Outros estudos encontraram baixos níveis de vitamina B12 no sangue desses pacientes. Em um estudo 22 elaborado durante três meses com pacientes depressivos, separou-se um grupo controle, que ingeriu apenas antidepressivos, e outro grupo, que ingeriu além dos antidepressivos uma ­s uplementação de vitamina B12. No primeiro grupo, a melhora ocorreu em 69% dos pacientes, enquanto no segundo grupo, esta foi de 100%. O zinco também parece demonstrar relevante i­mportância no desenvolvimento da depressão. Um trabalho ­australiano realizado por Vashum et al. 23, utilizando os dados dos estudos longitudinais do Australian Longitudinal Study on Women’s Health (com mulheres entre 50-61 anos) e do Hunter Community Study (com homens e mulheres entre 55-85 anos), comparou a relação entre ingestão de zinco e desenvolvimento de depressão entre homens e mulheres. Foram analisadas as dietas dos pesquisados (em relação à quantidade de zinco ingerida) e compararam-se os dados ao desenvolvimento posterior de depressão. Concluiu-se que os indivíduos que mais ingeriam zinco tinham de 30 a 50% menos chance de desenvolver depressão do que os que ingeriam menos. No tocante à esquizofrenia, ela não é causada por déficits nutricionais, mas existem evidências que ligam o curso e o resultado da doença à dieta do indivíduo. Segundo Brown & Roffman24, a suplementação vitamínica, em especial com ácido fólico, vitamina B12 e vitamina D, mostra-se importante no tratamento de certos grupos de pacientes esquizofrênicos. Outro estudo25 concluiu que a associação entre o ácido fólico e a vitamina B12 consegue melhorar os sintomas negativos de certos grupos de esquizofrênicos em comparação a indivíduos tomando placebo. Assim sendo, a dieta correta pode proporcionar uma grande diferença no controle da esquizofrenia20. No que diz respeito ao Alzheimer, Corrada et al.26 discorrem sobre um estudo longitudinal que concluiu que o aumento da ingestão de ácido fólico, vitamina E ou ­vitamina B6 está individualmente relacionado à diminuição das chances de desenvolvimento de Alzheimer. Van de Weyer20 ainda aponta que o consumo elevado de vitaminas C e E está associado ao baixo risco de desenvolvimento de Alzheimer e que pacientes que possuem a doença ­apresentam baixos índices de ácido fólico e de vitamina B12. Um dado importante é que a American Psychiatric ­Association reconhece essas novas pesquisas como ­promissoras, apontando a importância da vitamina E em ratos com Alzheimer e recomendando sua suplementação em pacientes com demência20,26. DISCUSSÃO Levando-se em consideração todos os aspectos ­ emonstrados ao longo do artigo, algumas inferências d podem ser feitas. Os nutrientes que em geral os indivíduos no pós-operatório da cirurgia bariátrica apresentarão ­deficiência são ferro, cálcio, vitamina B12, vitamina D, ácido fólico 8,9, fosfato, magnésio, vitamina B1 e vitamina E10. Já as ­complicações neurológicas associadas à ­deficiência ­nutricional apresentada por alguns desses pacientes, de forma geral, são encefalopatia12,13, neuropatia óptica, ­polirradiculoneuropatia e polineuropatia12, mielopatia12,14 e neuropatias periféricas13. Tratando-se de relacionar a deficiência de nutrientes que pacientes tendem a apresentar com as patologias relacionadas à falta deles, seguem algumas inferências. Como dito, alguns pacientes apresentam deficiência das vitaminas do complexo B, o que pode gerar polineuropatia Rev Bras Nutr Clin 2015; 30 (3): 256-60 258 ???? de Wernicke15-17, além de quadros psicóticos, incluindo quadros maníaco-depressivos, esquizofrenia e/ou confusões 18. A falta de vitamina B12 pode causar anemia perniciosa com sintomas psicóticos18. A deficiência de ácido fólico pode acarretar fadiga, confusão, demência e irritabilidade19. A respeito dos transtornos mentais, o paciente pode desenvolver depressão em virtude da deficiência de ­vitamina B12 19,22, B1 e ácido fólico20. A esquizofrenia não é causada por déficits nutricionais, mas pode ter seu curso e resultado influenciados pela alimentação do indivíduo. Os estudos indicam melhoras com a suplementação de ácido fólico (vitamina B9), vitaminas B12 e D 24. A associação entre ácido fólico e vitamina B12 tem gerado melhoras nos sintomas negativos de alguns pacientes 25. Com base em tal dado, depreende-se que não necessariamente a falta desses nutrientes vai gerar a piora do quadro esquizofrênico, mas que se trata de uma possibilidade. Por fim, em relação à doença de Alzheimer, o ácido fólico e a vitamina E estão associados a menores chances de desenvolvimento da patologia 20,26. Assim, em comparação aos indivíduos que têm boa ingestão desses nutrientes, pacientes com má ingestão apresentam mais chance de desenvolver a doença. Ainda, dados apontam que pacientes que já possuem Alzheimer evidenciam baixos índices de ácido fólico e de vitamina B12 20. Portanto, pacientes pós-cirurgia bariátrica terão mais chances de desenvolver tal afecção. CONCLUSÃO Com base na análise feita, percebe-se a importância do controle nutricional no pós-operatório, para que, ­c onsiderando que a obesidade é uma doença muitas vezes desencadeada por fatores psicológicos (ansiedade, sistemas de recompensa, relação afetiva com o alimento), o paciente não tenha reganho de peso e para que mantenha sua ­estabilidade emocional, cognitiva e comportamental. Além disso, faz-se necessário que a equipe que fará o acompanhamento pós-cirúrgico tenha conhecimento dos dados explanados e analisados neste artigo, pois as ­deficiências nutricionais podem causar danos tanto ­fisiológicos quanto psicológicos graves. É imprescindível realizar uma análise biopsicossocial que considere o paciente de forma holística, em que os múltiplos profissionais ­envolvidos estejam abertos ao diálogo em prol do paciente, de modo a garantir-lhe que não desenvolva nenhuma ­patologia e conquiste uma melhor qualidade de vida. REFERÊNCIAS 1.Oliveira CL, Mello MT, Cintra IP, Fisberg M. 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