De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra

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Silvana Maria Carbonera
Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFPR, com concentração em Direito de Família. Professora de Direito de Família,
Direito das Sucessões, Teoria Geral do Direito Civil e Introdução ao Estudo do Direito na
Universidade Positivo. Professora de Direito das Sucessões na Escola da Magistratura do
Paraná, EMAP. Autora de artigos e livros. Advogada.
De vez em quando Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo. 1
É necessário despir-se do encanto que estudar e refletir o Direito de
Família provocam, invocando Adélia Prado, em sua “Paixão”, para iniciar esta
reflexão sobre o ensino do Direito de Família no Brasil.
Não que o tema permita uma ausência de paixão daqueles que o elegeram como estudo de uma vida toda. O motivo é outro: propõe-se, neste
momento, um olhar crítico de como se pode ensinar Direito de Família e o
que se pode ensinar como Direito de Família no Brasil contemporâneo.2
Uma premissa cuja análise se faz necessária é o que se quer dizer com
o vocábulo crítica. Sobre o tema bem observa Michel Miaille, ao destacar a
1
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo : Siciliano, 1991. p. 199.
Sobre o tema, consultar LÔBO, Paulo Luiz Netto. Educação: O ensino do Direito de Família no Brasil. In.:
Repensando o Direito de Família: Anais do I Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte :
Del Rey, 1999. p. 325-341.
2
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3
necessidade de “fazer aparecer o ‘invisível’.” A rigor, trata-se de adotar uma
postura dialética, tanto de reflexão quanto de ação quotidiana no Direito de
Família, que se funda na consciência da existência de algo mais do que somente o que está escrito nos códigos, nos livros e nas decisões judiciais.
Uma leitura crítica do tema em pauta:
permite não só descobrir os diferentes aspectos escondidos dentro de
uma realidade em movimento, mas sobretudo, abre, então, as portas de
uma nova dimensão: a da ‘emancipação’ (...). Reflectindo sobre as condições e os efeitos da sua existência na vida social, a teoria reencontra a
4
sua ligação com a prática, quer se dizer, com o mundo social existente.
E, a partir dessa premissa, outra se impõe: os fatores tempo e espaço,5
compreendidos como condicionantes de toda e qualquer reflexão a ser feita.
Situar uma análise historicamente significa promover condições de compreensão dos fatores que lhe deram causa e da continuidade, ou não, de sua
existência. E localizar espacialmente sobre o que se fala implica assumir um
compromisso com a realidade social da qual se trata.
Uma vez apresentadas as premissas, torna-se possível pensar sobre as
duas grandes temáticas que comporão esta reflexão. Em princípio, tratam-se
das duas grandes temáticas gerais que fazem parte do quotidiano dos professores de Direito de Família, e de Direito Civil de forma geral. Duas faces
de uma mesma moeda que podem conduzir ao que se deseja como resultado
final de uma atividade docente: a concretização do processo ensinoaprendizado com a compreensão crítica dos contornos gerais dos temas tratados, no caso o Direito de Família. A primeira questão que se coloca, então,
é: Afinal de contas, como se pode ensinar Direito de Família?
A escolha de como metodologicamente apresentar o Direito de Família
aos alunos, quais conteúdos tratar e em qual seqüência tratá-los certamente
angustia aqueles que fizeram da docência uma profissão de fé. Um professor
de Direito de Família que viva no Brasil, neste momento histórico, pode e,
acredita-se, deve ter em mente dois aspectos: a) seu agir como um dos
promotores do processo ensino-aprendizagem e b) os objetivos que pretende alcançar.
Todavia, é necessário ter como pressuposto do referido processo a necessidade de efetivação do respeito a todos os que estão nele envolvidos.
3
MIAILLE, Michel. Introdução crítica ao direito. 2 ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. p. 21
MIAILLE, op. cit., p. 23.
5
Acerca das duas variáveis, consultar SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo : Globalização e meio
técnico-científico informacional. 3. ed. São Paulo : Hucitec, 1997.
4
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Não é suficiente, neste ponto, afirmar a garantia de dignidade daqueles que
sentirão os efeitos do Direito de Família se ela não é tornada efetiva no processo de ensino-aprendizado. E isso se faz, minimamente, respeitando os
alunos como sujeitos ativos de tal processo e reconhecendo-os como pessoas dotadas de potencial poder de transformação da realidade em que vivem.
Inicialmente, é relevante destacar que o processo ensino-aprendizado
funda-se em um processo de mediação do conhecimento, no qual se tem a
existência de um conteúdo a ser tratado, uma pessoa que detém um grau de
conhecimento já elaborado sobre o tema e outra pessoa que irá tomar conhecimento do referido assunto, juntando-o com saberes que já fazem parte
de seu acervo pessoal.
E não se pode ignorar que, quando um tema de Direito de Família é
tratado, o aluno já tem uma posição sobre ele, seja técnica ou não. Torna-se,
então, imprescindível lidar com a necessidade de considerar que, por vezes,
o aluno entende o que se ensina de forma diferente do que efetivamente se
queria ensinar...
Quando uma pessoa já tem um acervo de conhecimentos que, no caso
de Família, não raro vem carregado de valorações pessoais, o processo ensino-aprendizado torna-se ainda mais rico! Tem-se, então, o resultado final
que é um conhecimento elaborado, diferente tanto para quem ensinou quanto para quem aprendeu.
Tal processo conduz a uma educação libertadora, defendida por Paulo
Freire que a define, fundamentalmente, como
uma situação na qual tanto os professores como os alunos devem ser os
que aprendem; devem ser os sujeitos cognitivos, apesar de serem diferentes. Este é, para mim, o primeiro teste da educação libertadora: que
tanto os professores como os alunos sejam agentes críticos do ato de
6
conhecer.
Assim sendo, o processo de ensino-aprendizado de Direito de Família
deve ser amplo e transcender a idéia de aprendizado unilateral. Afinal, professor é aquele que, enquanto ensina, também aprende.
A dimensão crítica na análise do quotidiano também está presente nas
Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Direito7 que, ao determinar o perfil de um profissional da área do Direito, qualquer que seja a área
de atuação, exige, dentre outras características, uma sólida formação geral,
humanística e axiológica, com capacidade para analisar e compreender os
6
SHOR, Ira; FREIRE, Paulo. Medo e ousadia: O cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p.
46. Grifo no original.
7
Resolução nº 9, de 29 de setembro de 2004 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de
Educação.
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fenômenos jurídicos e sociais, além de uma postura reflexiva e uma visão
8
crítica que promova a capacidade de aprendizagem autônoma.
Trata-se, a rigor, de uma necessidade e um direito daqueles que querem aprender: conjugar o aprendizado do conteúdo com procedimentos que,
muito além da memorização, permitam desenvolver a capacidade de análise
crítica autônoma, indispensável para efetivar o conteúdo do Direito de Família adequado ao momento histórico presente, rumo à liberdade.
Alia-se a esse processo a articulação entre teoria e prática,9 dimensão
indispensável para a construção de uma postura crítica e autônoma frente às
situações da realidade. Assim sendo, não há que se falar em um aprendizado
suficiente que se restrinja ao campo teórico, que se funde exclusivamente no
que trazem os livros em suas páginas: doutrinas e leis, representantes de um
determinado segmento de interesses, e excludentes de uma parcela social
que não habita os manuais,10 de verdadeiros “não sujeitos de direito”...
É necessário ter em conta que os dados da realidade, sejam eles provenientes, a título de ilustração, de decisões judiciais paradigmáticas, de
pesquisas censitárias realizadas pelo IBGE, sejam elas coletadas do Censo
Demográfico propriamente dito, sejam dados do PNAD – Pesquisa Nacional
de Amostras Domiciliares –, de análises realizadas pelo IPEA – Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada –, devem fazer parte do quotidiano das reflexões de sala de aula.
É impossível fechar os olhos, por exemplo, para as influências que as
transformações econômicas provocaram, e provocam na dinâmica das relações de família, contribuindo para a modificação da dinâmica dos papéis
conjugais, ou na emergência de novos personagens de família, tais como
crianças, adolescentes e idosos, fruto da realidade contemporânea. Como
bem pondera Paulo Freire, “O objetivo principal (...) é que a teoria consiga
abranger o cotidiano.”11
As transformações pelas quais as relações de família passaram, e continuam passando, revelam-se fruto de um agir contínuo que exige dos inte8
Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação gera l,
humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada
argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e
de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania. Resolução
nº 9, de 29 de setembro de 2004 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação.
9
Conforme o “Art. 2º omissis. § 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de
Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de
outros, os seguintes elementos estruturais:
Omissis
V - modos de integração entre teoria e prática;” (Resolução nº 9, de 29 de setembro de 2004 da Câmara de
Educação Superior do Conselho Nacional de Educação)
10
Tratam-se, como pondera Andréa Alves de Sá, das pessoas confortáveis que moram nos manuais.( SÁ,
Andréa Alves de. Limites e possibilidades do sujeito de direito : Comparação entre a teoria e a prática. Revista
de Estudos Jurídicos, v. IV, n. 1, ago. 97. p. 233-246. p. 240).
11
SHOR; FREIRE, p. 13.
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grantes do processo ensino-aprendizagem o reconhecimento e a consciência
de que a elaboração do conhecimento não pode ser feita, unicamente, no
espaço temporal de uma aula. Transcender o conceito de “aula”, segundo o
qual o professor ensina o que sabe e o aluno aprende o que não sabe, é uma
ação indispensável, que pode e deve ser concretizada com o implemento de
atividades de pesquisa sistematizada, vinculada aos conteúdos programáticos.
O espaço da pesquisa no processo ensino-aprendizado é indispensável
na consolidação do conteúdo trabalhado e no processo de formação de um
aluno crítico pois, como bem observa Paulo Freire, a dicotomia entre ensino
e pesquisa também explica outra dicotomia, representativa de “dois momentos do ciclo do conhecimento: o da produção do conhecimento novo e o do
12
conhecer o conhecimento existente.” Não é suficiente repetir o conhecimento existente. Indispensável se faz reelaborá-lo quotidianamente e, a
partir de determinados parâmetros, construir novas reflexões jurídicas que
atendam a situações da vida real contemporânea.
Esse processo da produção do conhecimento novo e do novo conhecer
o conhecimento existente identificado por Paulo Freire não pode ser atribuído exclusivamente ao âmbito da pós-graduação, como se pesquisa somente
coubesse a tal âmbito. Não se pode esquecer que a graduação é um espaço
13
adequado tanto para ensino, quanto para pesquisa e extensão, tríade esta
que conduz ao mais completo processo de ensino-aprendizado.
Todavia, o processo de ensino-aprendizado se concretiza, também,
fora do espaço acadêmico, representado pelo agir de cada uma das pessoas
que trabalha com as relações de família e seus efeitos jurídicos, as quais é
possível denominar “Construtores do Direito”. Tratam-se de pessoas que,
atuando na área de família, não se conformam com determinados tratamentos jurídicos dados a certas relações pessoais e, conscientes ou não de seu
potencial transformador, lutam para que uma tese jurídica ganhe corpo, voz
e espaço na seara jurídica. Tais pessoas fazem acreditar que o ensino do
Direito de Família ocupa um espaço muito mais amplo do que o do ensino
convencional. Também se constrói conhecimento no espaço de luta! E é esta
luta que deve mover a todos os construtores do Direito na busca de um tratamento jurídico mais justo!
Resta examinar, a partir de agora, a qual conhecimento é possível se
referir.
12
SHOR; FREIRE, p. 19.
Embora a dimensão da extensão seja fundamental para o completo aprendizado do Direito de Família, bem
como de qualquer outro tema, ela não será objeto de reflexão neste texto.
13
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Uma vez tecidas considerações sobre como se pode pensar o ensino do
Direito de Família, torna-se necessário recolocar e enfrentar a segunda
questão anteriormente exposta: afinal, quais são os conteúdos e o que se
pode ensinar como Direito de Família?
De imediato, é relevante deixar claro que se trata de uma escolha, feita
pelo professor, dos focos de interpretação que serão dados aos temas, como
bem alerta Paulo Freire: “A seleção do material, a organização do estudo, e
as relações do discurso, tudo isso se molda em torno das convicções do professor.”14
Sendo assim, a escolha dos conteúdos foi feita com a eleição de cinco
aspectos que se mostram relevantes para calibrar os conteúdos de Direito de
Família. São eles: a) as duas possibilidades de leitura – codificada e constitucionalizada; b) a análise do Direito de Família a partir de um tratamento específico que respeite as peculiaridades de cada relação familial; c) as modalidades de Estado que interferem no tratamento jurídico da família; d) o surgimento de novos sujeitos e a necessidade de constantes reflexões que os
atendam e, por fim, e) a análise de aspectos sociais, econômicos e políticos
como relevantes para um adequado tratamento jurídico do tema.
Sob tal perspectiva, dois são os caminhos possíveis: ou se faz uma leitura codificada dos temas, ou a escolha incide sobre uma leitura constitucionalizada, principiológica, dos conteúdos. Tanto um quanto outro viés de
análise consistem em juízo de valor prévio, que permitirão verificar como o
professor compreende e aplica o Direito de Família.
Escolher trabalhar uma leitura codificada dos conteúdos significa alavancar as discussões com um diploma legal que, embora de vigência recente,
peca por não representar um tratamento legal que tenha sido fruto de uma
reflexão cuidadosa da relação entre as transformações sociais e a transformação do sistema jurídico.
É inegável que a elaboração do Código Civil de 2002, cujo projeto de
lei data do terceiro quartel do século XX, além de estar inadequado historicamente como bem observa Paolo Grossi,15 não conseguiu dar conta do tratamento legal dos contornos contemporâneos das relações de família. Em
larga medida, houve a repetição do tratamento legal codificado em 1916,
14
SHOR; FREIRE, p. 46.
Mais sobre o tema consultar GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis : Fundação Boiteux, 2004.
15
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temperado por conteúdos de princípios constitucionais em pontos muito
específicos, sem que seja possível visualizar um tratamento sistematizado.
Dessa forma, a título de ilustração, pessoas com mais de 60 anos de
idade não podem escolher regime de bens para seus casamentos; cônjuge e
companheiro são tratados de forma diferenciada no que tange à sucessão;
filhos nascidos de inseminação artificial homóloga após o falecimento do pai
são filhos sem, contudo, terem legitimidade para herdar; famílias recompostas e uniões entre pessoas do mesmo sexo padecem de impiedoso silêncio,
como se não fossem realidade vivida de milhares de pessoas...
Todavia, existe outro caminho que pode e, acredita-se, deve ser o seguido. Trata-se de dar eficácia ao processo de constitucionalização do Direito Civil, segundo o qual toda aplicação de norma jurídica está condicionada a
16
uma leitura constitucional. O conteúdo dos princípios constitucionais, portanto, determina e vincula o sentido que deve ser dado à interpretação das
normas infra-constitucionais e permitem, inclusive, aplicação automática dos
referidos conteúdos aos casos concretos, independente da existência de
norma expressa. Vale dizer, além de vincular a interpretação, os princípios
podem e devem ser aplicados para resolver situação às quais estejam vincu17
lados.
E é exatamente este o caminho que conduz a um tratamento jurídico
adequado às pessoas, garantindo-lhes a tutela da dignidade, da igualdade,
18
da solidariedade, do direito/dever ao cuidado nas relações familiais, da
compreensão de cada indivíduo como único e destinatário de proteção jurídica pelo simples fato de existir que deve ser o escolhido como pano de fundo das discussões no âmbito do ensino de Direito de Família.
Quando se pensa nos conteúdos do Direito de Família, várias são possibilidades de análise que se apresentam: ou a reflexão pode partir da existência de um casamento, tal qual foi feito no Código Civil brasileiro de 1916,
ou pode examinar as relações pessoais e patrimoniais, conforme a sistemáti-
16
Sobre o tema, consultar TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização
do direito civil. In.: Temas de direito civil. Rio de Janeiro : Renovar, 1999; e BODIN DE MORAES,
Maria Celina. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de direito civil, n. 65, ano 17, p.
21-32, jul.-set. 93.
17
Mais sobre o tema, consultar CORDEIRO, Noemia Paula Fontanela de Moura. O papel dos princípios na
abertura do sistema jurídico. Raízes Jurídicas, Curitiba, Vol. 3, n. 2/2007 p.121-60.
http://raizesjuridicas.up.edu.br/arquivos/raizesjuridicas/Revista%205/O%20papel%20dos%20princípios.pdf
18
CARBONERA, Silvana Maria; FACHIN, Luiz Edson; MATOS, Ana Carla H.; MEIRELLES, Jussara
Maria Leal; SILVA, Marcos Alves da ; HAPNER, Adriana ; RUZIK, Carlos Eduardo Pianowski. O princípio
da prevalência da família: a permanência do cuidar. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de.
(Org.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 123-140.
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ca do Código Civil brasileiro de 2002, tratamentos encontrados, em geral, na
legislação e na doutrina.
O que se propõe como alternativa para o ensino do Direito de Família é
uma terceira alternativa, que encontra seu fundamento teórico nas reflexões
do sociólogo catalão Lluis Flaquer, para quem:
A família é uma encruzilhada na qual confluem gênero e geração. (...) O
que chamamos de família não constitui senão a imbricação de duas di19
mensões intimamente ligadas entre si: seus eixos horizontal e vertical.
Neste caso, o eixo horizontal é representado pelas relações conjugais,
enquanto que o eixo vertical é composto pelas relações paterno-filiais.
Tendo em vista que as duas primeiras proposições foram, em seus
momentos históricos específicos, as formas de tratamento doutrinário predominantes, neste momento propõe-se pensar o ensino do Direito de Família a partir desta última, centrada nos dois eixos relacionais referenciados.
Tendo em vista que cada modalidade de relação familiar representa um conjunto de aspectos específicos, pensados tanto a partir do que representam
como relação pessoal e jurídica quanto a partir das pessoas que nela estão
envolvidas, a proposição se justifica em razão do principal objetivo do Direito de Família: é preciso tratar de proteger as pessoas, qualquer que seja a
relação nas quais elas estejam inseridas.
Sob tal perspectiva, o tratamento jurídico parte da existência de uma
pessoa e de sua participação em uma determinada relação, conjugal ou paterno-filial, e não de um instituto jurídico previamente formatado. O efeito
prático é a possibilidade de alargar a dimensão protetiva, o que se consolida
com a criação de condições de proteção à pessoa e à sua situação existencial, respeitando as peculiaridades de tal situação.
Permitir que a proteção jurídica continue partindo da verificação concreta de um determinado instituto jurídico implica manter à margem do sistema jurídico um conjunto de pessoas que, embora faticamente existentes,
não receberão proteção para suas situações existenciais pois não se enquadram nos modelos legalmente previstos. E se um pressuposto do processo
ensino-aprendizado é a produção de um processo libertador e crítico, é necessário, no mínimo, promover a possibilidade de novas formas de analisar o
Direito de Família.
Tendo como pressuposto que a análise partirá da reflexão acerca dos
dois eixos indicados, é relevante ter em conta que cada uma delas representa um conjunto de relações peculiares, cujos conteúdos são condicionados
pelas características das pessoas que delas participam. Em uma relação conjugal, os cônjuges são, no mínimo, pessoas capazes de tomar decisões acer-
19
FLAQUER, Lluís. El destino de la familia. Barcelona : Editorial Ariel, 1998. p. 37.
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ca de suas vidas, tanto no aspecto pessoal quanto no patrimonial. Já, quando
a relação é a paterno-filial, o desequilíbrio entre os sujeitos que dela participam é evidente, e para equilibrá-la é necessário tornar efetiva a proteção do
melhor interesse dos filhos, personalidades em formação.20
Parte-se, desta forma, de duas modalidades de relações familiais, caracterizadas por um diferencial fundamental: as relações internas de poder
são diferentes e, enquanto na relação conjugal a afirmação da existência de
igualdade formal dá condições de proteção aos cônjuges, na relação paterno-filial torna-se imprescindível efetivar o princípio da igualdade material,
reconhecendo a existência do desequilíbrio entre as pessoas envolvidas e, a
partir dele, regulamentar a relação de modo a diminuí-lo. E tais características exigem o desenvolvimento de reflexões próprias para cada uma das modalidades.
Neste ponto da reflexão sobre o ensino do Direito de Família, é importante trazer outro elemento relevante. Trata-se de ter em conta qual tipo de
Estado regulamentou e informou a lógica de tratamento das relações de família em análise. Tal informação é relevante visto que, dependendo das características vigentes de um Estado, é possível identificar como a legislação
regulamenta certo tema e, por conseqüência, se tal tratamento legal é pertinente ou não.
A questão relacionada à política legislativa dirigida à família é examinada pela socióloga italiana Chiara Saraceno,21 que aponta para uma questão
relevante: a competição pela detenção do poder e do controle legítimo, não
prioritariamente sobre os indivíduos, mas sim no que tange às relações internas de poder e de seus comportamentos.
Em larga medida, o modo como é feita a regulamentação legal das relações de família, seja tratando expressamente de um tema, seja omitindo
um tratamento legal, indica como o Estado se coloca em relação ao grupo
familiar. E isso pode acontecer de duas formas básicas: ou tratando de todas
as relações de forma indiscriminada ou respeitando características específicas de cada relação, de modo a atender as peculiaridades que as caracterizam.
Segundo Chiara Saraceno,22 existem dois modos, opostos entre si, que
podem servir de parâmetro ao legislador, e cujas conseqüências apontam ou
para a intervenção ou para a tutela. Quando a legislação produzida por um
20
Sobre o tema, consultar CARBONERA, Silvana Maria. A família e sua tutela: aspectos relevantes para uma
análise da eficácia do ordenamento jurídico no plano das relações familiais. In: PEREIRA, Alexsandro Eugênio et, alli. Pensando o Direito: reflexões em busca da efetividade. Curitiba: UnicenP. 2005. p. 123-170
21
SARACENO, Chiara. Sociologia della famiglia. Bologna : Mulino, 1988.
22
SARACENO, op. cit., p. 206 e seguintes.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 5, n. 1 jan/jun 2009
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Estado é elaborada com o objetivo de tutelar as relações patrimoniais de
uma determinada sociedade, e é este o viés mais significativo da tutela das
relações familiais, é possível afirmar que se tem um Estado que intervém
somente no plano da legislação, resguardando para si a posição de expectador da vida privada. Trata-se de um Estado de contornos liberais, não interventivo, que demonstra ter por principal preocupação dar condições de implementação das relações patrimoniais.
É o que se pode observar, a título de ilustração, com a norma jurídica
vigente que trata do estabelecimento de direitos e deveres pessoais no âmbito conjugal, que consiste no estabelecimento de certas condutas que, segundo a redação original de 1916, e cujas linhas gerais podem ser encontradas repetidas no Código Civil de 2002, uma vez violadas poderiam dar causa
à separação por culpa. Quando o legislador predetermina os comportamentos dos cônjuges, de certa forma ele os trata como se não tivessem capacidade de gerenciar a própria vida. E isso consiste em uma intervenção, indevida, na esfera privada dos cônjuges.23
É relevante ressaltar que, no contexto jurídico e social do início do século XX, talvez, e somente talvez, fosse justificável que tal tratamento legal
tivesse espaço e legitimidade dentro do sistema jurídico então vigente. Porém, tendo como base de reflexão a sociedade contemporânea, juridicamente informada por princípios diversos daqueles que informaram a elaboração
do Código Civil de 1916, não há mais que se afirmar a possibilidade de vigência de uma norma jurídica que não tutele nem a dignidade e tampouco a
intimidade dos cônjuges. E, por conseqüência, torna-se possível contestar a
constitucionalidade da separação fundada na comprovação de culpa de um
dos cônjuges por conta da violação dos dois princípios referidos.
Por outro lado, quando o Estado passa a tutelar prioritariamente as
pessoas, é possível afirmar que houve uma mudança do foco das preocupações do legislador. Uma legislação voltada para a tutela da pessoa, associada
a um conjunto de políticas públicas preocupadas com a modificação da realidade social da parcela da sociedade que menos tem uma proteção legal em
virtude do tradicional caráter patrimonialista, representa os contornos de um
Estado de Bem-Estar Social, nos moldes desenhados na Constituição Federal
– ao menos na parte que trata dos direitos e garantias fundamentais. E é sob
tal égide que contemporaneamente se deve estudar Direito de Família.
Na realidade, o ensino e o estudo do Direito de Família exigem um
processo contínuo de reflexão sobre a pertinência do tratamento legal vigente para seus institutos sobre os contornos dos conteúdos dados pelas
decisões judiciais e sobre os tratamentos teóricos a ele dirigidos. E, para
23
Mais sobre o tema, consultar CARBONERA, Silvana Maria. Reserva da Intimidade: Uma possível tutela
da dignidade no espaço relacional da conjugalidade. Rio de Janeiro : Renovar, 2008.
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além disso, é necessário transcender a esfera jurídica e deitar os olhos sobre
a realidade social existente naquele dado momento histórico.
E é precisamente o aspecto histórico que permite, no processo de reflexão contínua, identificar até que ponto o conjunto dos saberes relacionados a um determinado tema ainda podem ser amplamente aplicados ou necessitam ser repensados. O passar do tempo provoca a necessidade de
constantemente olhar a realidade com olhos de estrangeiro, ou com os olhos
infantis repletos de curiosidade.
Afinal, como bem observa Paulo Freire, somos seres condicionados
historicamente, mas não determinados de forma absoluta pelo que aconteceu. É necessário “Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não
de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e
não inexorável.”24
Outro desafio constante no processo de ensino-aprendizado é construir os pressupostos de análise e os conteúdos de tratamento cujos destinatários são os novos sujeitos que passaram a habitar o Direito de Família,
como é o caso das crianças, dos adolescentes, dos idosos25 e dos singles,
somente para exemplificar.
Quando se pensa no tratamento jurídico da infância e da adolescência,
é possível constatar que se trata, em especial a infância, de uma categoria
historicamente recente, como aponta Philiphe Ariès, 26 para quem, quando
muito, data da metade do século XIX. O tratamento jurídico dirigido ao atendimento do melhor interesse das pessoas que têm sua personalidade em
formação ingressa, efetivamente, no sistema jurídico nacional na segunda
metade do século XX e, somente a partir de então, criança e adolescente
passam a representar sujeitos de direito específicos, detentores de direitos
subjetivos específicos.
Em se tratando de idoso, o ingresso no ordenamento jurídico como sujeito de direitos específico é ainda mais recente. A partir da vigência do Estatuto do Idoso,27 as pessoas com 60 anos de idade ou mais passam a ser titulares de direitos subjetivos específicos que, tendo como fundamento a efetivação da igualdade material, exige a construção de um tratamento jurídico
24
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo : Paz e
Terra, 1996. P. 21.
25
Sobre o tema consultar: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; FREIRE de Sá, Maria de Fátima. Fundamentos principiológicos do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso. Revista Brasileira de
Direito de Família. n.º 26. out. nov/2004.
26
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
27
Lei 10.741/03, Estatuto do Idoso.
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257
que respeite as peculiaridades de cada faixa etária e de cada região. Não se
pode pensar, por exemplo, que uma política pública de proteção que se
queira efetiva, possa ter abrangência nacional. Em se tratando de idoso, a
regionalização do pleno atendimento significa possibilidade de efetivação da
proteção jurídica desejada.
Já quando o sujeito em questão é uma pessoa que vive só, a dificuldade de tratamento surge, de imediato, por conta da forma de estruturação do
sistema jurídico dos países da denominada “Família Romano-Germânica”28,
que construiu as tutelas a partir da existência de uma relação jurídica. Essa
característica é tão marcante no sistema jurídico nacional que é difícil imaginar situações de proteção que tenham exclusivamente como destinatários
pessoas que vivam sós. E como um single caracteriza-se exatamente por
viver só, foi com a Constituição Federal de 1988 que sua proteção passou a
ser possível, visto que a tutela da dignidade não pressupõe a existência de
uma relação jurídica prévia. A título de exemplo, pode se constatar tal proteção com a garantia de impenhorabilidade do bem de família a pessoas sós.
De qualquer sorte, nada obstante que se verifique uma categorização
dos sujeitos a partir das relações nas quais ele está inserido, uma pessoa,
em razão de sua simples existência, encontra expressa proteção no ordenamento jurídico nacional, tanto no plano constitucional, com a tutela de sua
dignidade, quanto no plano infra-constitucional quando, por exemplo, efetiva a impenhorabilidade de seu bem de família de forma irrestrita.
Já encaminhando a finalização das reflexões, por fim é possível constatar que, após anos de isolamento dentro dos altos muros da esfera jurídica, bem a gosto da recomendação feita por Kelsen em sua Teoria Pura do
Direito,29 que afirmou, no início do Século XX, que o Direito era uma ciência
isenta de valoração e que a aplicabilidade da norma jurídica decorria exclusivamente de sua validade, é imprescindível que o construtor do Direito de
Família lance seu olhar para a paisagem que o cerca e comece a dialogar com
outros saberes de uma forma mais intensa, tal como acontece com a psicanálise, por exemplo.30
28
Sobre o tema, consultar: DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3 ed. 2a tiragem.
São Paulo: Martins Fontes, 1998 e CARBONERA, Silvana Maria. O sistema jurídico da família Romano Germânica: Elementos gerais para a compreensão de sua estruturação In: OPUSZKA, Paulo Ricardo; CARBONERA, Silvana Maria. (Org.) Direito Moderno e Contemporâneo: Perspectivas críticas. Pelotas: Editora
Delfos, 2008. p. 65-82.
29
KELSEN, H. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo : Martins Fontes, 1998.
30
Sobre o tema, consultar PEREIRA, Rodrigo da Cunha; Groeninga, Giselle Câmara. Direito de Família e
Psicanálise - Rumo a uma Nova Epistemologia. Imago, 2003.
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Da mesma forma, questionar até que ponto aspectos políticos e econômicos interferiram, e ainda interferem, 31 na estruturação e na aplicação
dos institutos de Direito de Família é uma prática quotidiana e necessária
para responder à seguinte questão: Afinal de contas, por que a interpretação
a ser dada a esse instituto privilegia a questão patrimonial e não a pessoal?
A título de exemplo, é relevante perguntar o motivo que levou o legislador a estabelecer, em 1916, que a única forma de constituir família legítima era o casamento civil, e, mesmo no Século XXI, ainda o toma como referência e apresenta sérias resistências para reconhecer equiparação de alguns
efeitos jurídicos de relação de família a uniões estáveis, além de excluir,
quase que sumariamente, a atribuição de eficácia a todas as outras uniões
não matrimonializadas que não se enquadrem nos modelos legislados.
A resposta a tal questão pode passar, por exemplo, pela análise dos
fundamentos das escolhas feitas tanto pelo legislativo em 1916 e em 2002,
quanto pelos juízes que, contemporaneamente, excluem relações conjugalizadas de proteção. É possível observar que o Código Civil brasileiro de 1916,
como bem observou Pietro Perlingieri, foi um código do ter e não do ser. 32 E,
consoante essa orientação, estruturou os institutos jurídicos em torno da
proteção da titularidade. Dessa forma, a segurança jurídica nas relações de
família tinha cunho patrimonial33 e era concretizada por meio do casamento
devidamente formalizado, gerando um documento que permitia ao seu titular efetivar negócios com terceiros e ter, ao menos em tese, condições de
prever os possíveis resultados.
Por tal motivo é possível afirmar a necessidade da existência de uma
chefia de sociedade conjugal – que gerou, como conseqüência, a incapacidade relativa da mulher casada –, de a legitimidade dos filhos estar condicionada ao casamento dos pais, do pré-requisito legitimidade para ser herdeiro
“legítimo”, da necessidade de outorga para alienação de bens imóveis, independente do regime de bens adotado...
Contemporaneamente, se o que se quer para o Direito de Família é o
papel de instrumentalizador da proteção às pessoas, é necessário que todos
aqueles que o tenham como foco de atuação atuem, de forma efetiva, para
promover o que se pode denominar de revolução pacífica em prol das pessoas, compreendida aqui como a construção de uma transformação do conteúdo, das formas de análise e de aplicação das tutelas jurídicas das relações
de família.
31
Neste sentido, manifesta-se Lluíz Flaquer: “A meu juízo, dois são os fatores gerais de mudança que se
haveria de ter em conta na hora de explicar a gênesis da família contemporânea: os efeitos combinados do
mercado e do Estado como fenômenos próprios da modernidade.” (FLAQUER, op.cit., p. 30)
32
Sobre o tema, consultar PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil : Introdução ao Direito Civil Constitucional. 3 ed. Rio de Janeiro : Renovar, 1997.
33
Sobre o tema, consultar SILVA, Marcos Alves da; CARBONERA, Silvana Maria; PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Conjugalidade: Possíveis intersecções entre economia, política e o amor. In.: Apontamentos
Críticos para o Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Curitiba : Juruá, 2007.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 5, n. 1 jan/jun 2009
259
Assim sendo, o reconhecimento das influências estatal e econômica na
regulamentação das relações de família é um passo importante para poder
tornar efetiva a proteção às pessoas, tornando real a modificação de foco da
segurança jurídica: de uma segurança jurídica formar para uma segurança
jurídica material. Em outras palavras, se o sentido de segurança jurídica
promovido no momento da estruturação do sistema jurídico nacional foi a
previsibilidade de resultados, especialmente na seara patrimonial, é necessário, neste momento histórico, transformá-lo em segurança jurídica de cunho
pessoal.
Trata-se de um sentido contemporâneo dado à segurança jurídica, que
privilegia a proteção às situações existenciais em lugar da aplicação, pura e
simples, da lei. Segurança jurídica deixa de consistir em previsibilidade de
resultado pela aplicação da lei para se converter em mecanismo de efetivação da tutela da dignidade mediante a possibilidade de proteção a todos os
aspectos das situações existenciais, incluídas dentre elas as pessoais e as
patrimoniais, vez que o sentido de dignidade compreende, também, aspectos patrimoniais.34
Para finalizar, é preciso afirmar o que, talvez, seja o mais elementar e
básico: o espaço da sala de aula é, sim, um lugar privilegiado para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizado do Direito de Família, mas não
pode e não deve ser o único. Todas as pessoas que atuam no quotidiano da
família têm um compromisso, assumido a partir do momento em que passaram a atuar nessa área: promover, direta ou indiretamente, uma transformação no olhar das relações de família a partir do seu agir, de modo a respeitar
a dignidade de todos aqueles que, de uma forma ou outra, estejam envolvidos em um tema de Direito de Família.
Quem atua na área de família não pode esquecer, nunca, que está tratando com e de pessoas e, neste momento, deve agir como bombeiro e não
como incendiário...
Destaca-se, neste ponto, um compromisso: o de lutar para que os discursos de proteção à família e às pessoas se tornem cada vez mais uma ampla realidade.
E, por fim, é necessário ter certeza de que a provocação feita por Adélia Prado, mais do que uma chamada à realidade, aponta para um longo caminho que se tem à frente, caminho este que, embora tenha pedras como já
observou Drumonnd, também está repleto de flores e, como já constatou
Helena Kolodi,
34
Sobre o tema, consultar FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro :
Renovar, 2001.
260 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 5, n. 1 jan/jun 2009
“Para quem vai ao encontro do sol, é sempre madrugada.”
Ainda há muito o que fazer...
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