O SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO FRENTE AO

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
O SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO FRENTE AO
PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA
Nova Lima
2010
2
ANA AMELIA MENNA BARRETO DE CASTRO FERREIRA
O SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO FRENTE AO
PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito
Milton Campos, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Direito Empresarial
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann
Nova Lima
2010
3
F383 s
FERREIRA, Ana Amélia Menna Barreto de Castro
O s is t em a de c er t if ic aç ão di g it a l br as i l e ir o f r e nt e a o pr i nc í p io da li v r e
c o nc o r r ê nc i a / Ana Amelia Menna Barreto de Castro Ferreira – Nova Lima: Faculdade
de Direito Milton Campos / FDMC, 2010.
101 f. enc.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de
Concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton
Campos.
Bibliografia: f. 93-101
1. Certificação Digital. 2. ICP-Brasil. 3. Medida Provisória 2200. 4. Documento
Jurídico. I. Rohrmann, Carlos Alberto. II. Faculdade de Direito Milton Campos III.
Título.
CDU 681.324(043)
347.733
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
4
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada “O sistema de Certificação
Digital Brasileiro frente ao Princípio da Livre
Concorrência”, de autoria da mestranda Ana Amélia
Menna Barreto de Castro Ferreira, para exame da
banca constituída pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann
Orientador
Prof. Dr.
Prof. Dr.
Nova Lima, 20 de maio de 2010
Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
4
Àqueles que são a razão da minha vida:
João Paulo, meu filho
José, meu marido, in memoriam.
5
AGRADECIMENTOS
Ao orientador Doutor Carlos Alberto Rohrmann, pela generosa transmissão do
conhecimento, incentivo e confiança.
Aos funcionários da Biblioteca do Instituto dos Advogados Brasileiros, cujo valioso
acervo proporcionou o trabalho de pesquisa bibliográfica – Angela Moreira Ribeiro e
Alexander Torres Gonçalves, pelo carinho, colaboração e comprometimento.
À Dra. Lilia Alexandrina da Silva Maryama, Subprocuradora-geral do Município de
Florianópolis,
pela
delicadeza
em
compartilhar
a
documentação
vital
à
investigação.
Aos autores e pesquisadores citados, pelo trabalho de construção doutrinária em
área inovadora do Direito, rendo homenagens na pessoa do Prof. Dr. Augusto
Tavares Rosa Marcacini.
Aos professores e funcionários da Milton Campos e aos colegas de Mestrado, com
saudades da convivência acadêmica.
Aos amigos de todas as horas.
6
RESUMO
O trabalho analisa o sistema nacional de certificação digital implantado pelo
Poder Executivo Federal. A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICPBrasil, criada com a Medida Provisória 2.200, visa garantir a autenticidade, a
integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica. A certificação
digital instituída pela ICP-Brasil atribui validade e eficácia jurídica diferenciada aos
certificados digitais emitidos por esta cadeia de certificação, sujeitando a prestação
do serviço a um sistema de credenciamento. O Estado impõe sua presença na
ordem econômica, assumindo a responsabilidade pela emissão de certificados
digitais no âmbito das relações públicas e privadas. O fio condutor da pesquisa
pretende desenvolver uma análise crítica do modelo de intervenção do Estado no
domínio econômico, consistindo em perquirir se o sistema viola o princípio da livre
concorrência.
Palavras-chave: Certificação Digital. Sistema de Certificação Digital Brasileiro.
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras.
7
ABSTRACT
The paper analyzes the national digital certification system implemented by
the Federal Administration. The Brazilian Public Key Infrastructure - ICP-Brasil - was
created by the Provisionary Measure Medida Provisória (an interim executive act
issued by the President in cases of urgency and relevance, which has the status of
law and should be submitted immediately to the appreciation of the National
Congress) number 2.200. The objective of the ICP-Brasil is to guarantee the
authenticity, the integrity, and the legal validity of the documents in electronic format.
The digital certification set up by ICP-Brasil attributes distinct legal validity and
efficacy to the digital certificates issued by this certification network, submitting the
digital certification chain to an accreditation system. The Government imposes its
presence upon the economy, assuming the responsibility for the accreditation of
digital certificates within the scope of public and private relations. The main objective
of our study is to analyze critically the governmental model of intervention in the
economy, investigating whether the system violates the principle of free competition.
Key words: Digital Certification. Brazilian Digital Certification System. Brazilian
Public Key Infrastructure.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC
ADI
AGP
AR
AC-OAB
AC-Raiz
CADE
CF
CG
CPC
DL
EC
ICP
ICP-Brasil
ITI
MCT
MP
PC
PL
PS
RI
Autoridade Certificadora
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autoridade Gestora de Políticas
Autoridade Registradora
Autoridade Certificadora da Ordem dos Advogados do Brasil
Autoridade Certificadora Raiz
Conselho Administrativo de Defesa Econômica
Constituição Federal
Comitê Gestor
Código de Processo Civil
Decreto-Lei
Emenda Constitucional
Infraestrutura de Chaves Públicas
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira
Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
Manual de Conduta Técnica
Medida Provisória
Política de Certificado
Projeto de Lei
Política de Segurança
Regimento Interno
9
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO...................................................................................... 11
2
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
2.6
DOCUMENTO DIGITAL.......................................................................
Conceito................................................................................................
Validade Jurídica e Eficácia Probante..................................................
Requisitos.............................................................................................
Assinatura Digital..................................................................................
Certificação Digital................................................................................
Análise Crítica.......................................................................................
3
CRIAÇÃO DO SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO
DIGITAL BRASILEIRO........................................................................ 23
Histórico Legislativo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira-ICPBrasil.................................................................................................... 23
Decreto 3.587/2000.............................................................................. 23
Medida Provisória nº 2.200/2001......................................................... 24
Medida Provisória nº 2.200-1/2001...................................................... 26
Medida Provisória nº 2.200-2/2001...................................................... 27
Regulamentação Paralela do Poder Executivo.................................... 28
Decreto nº 3.505/2000.......................................................................... 28
Decreto nº 3.996/2001.......................................................................... 30
Decreto nº 4.414/2001.......................................................................... 30
Decreto nº 4.689/2003.......................................................................... 30
Decreto nº 6.605/2008.......................................................................... 31
Proposição Legislativa do Poder Executivo. Projeto de Lei nº
7.316/2002.......................................……………………………………... 31
3.1
3.1.1
3.1.2
3.1.3
3.1.4
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.2.4
3.2.5
3.3
4
4.1
4.1.1
4.1.2
4.1.3
4.1.4
4.1.5
4.2
4.2.1
4.2.2
4.2.3
4.2.4
4.2.5
4.3
AMBIENTE CONCEITUAL DA ICP-BRASIL.......................................
Estrutura Hierárquica............................................................................
Autoridade Gestora de Políticas...........................................................
Autoridade Certificadora Raiz...............................................................
Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.................................
Autoridade Certificadora.......................................................................
Autoridade Registradora.......................................................................
Estrutura Normativa..............................................................................
Resoluções...........................................................................................
Resoluções em vigor............................................................................
Instruções Normativas..........................................................................
Manuais de Conduta Técnica...............................................................
Adendos................................................................................................
Credenciamento e Política Tarifária......................................................
14
14
16
17
18
20
21
34
34
35
37
37
38
39
39
40
40
41
41
41
41
10
5
5.1
5.2
5.3
EFICÁCIA JURÍDICA DOS CERTIFICADOS DIGITAIS...................... 44
Certificado Qualificado da ICP-Brasil e Certificado Puro...................... 44
Análise Crítica....................................................................................... 46
Modernização Legislativa. Nova ordem legal a partir da ICP-Brasil.........47
6
A INVIABILIDADE DA CRIAÇÃO DE OUTRAS
INFRAESTRUTURAS DE CHAVES PÚBLICAS....................................
6.1
Casos Concretos......................................................................................
6.1.1 Prefeitura Municipal de Florianópolis.......................................................
6.1.2 Ordem dos Advogados do Brasil.............................................................
6.2
Análise Crítica..........................................................................................
7
7.1
7.2
7.3
7.4
7.5
49
49
49
53
58
ANÁLISE CONSTITUCIONAL................................................................
A Medida Provisória na Constituição Federal de 1988............................
A Emenda Constitucional 32/2001...........................................................
A Incompatibilidade Constitucional da MP 2.200.....................................
O papel da autarquia na Administração Federal......................................
A Criação da Autarquia Instituto Nacional
de Tecnologia da Informação...................................................................
7.5.1 Poderes Regulatórios...............................................................................
7.5.2 Patrimônio e Fonte de Recursos..............................................................
59
59
61
62
64
65
68
69
8
8.1
8.1.1
8.1.2
8.2
8.3
8.4
8.5
SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA................................
Conceito e Classificação de Serviço Público..........................................
Prestação e Formas de Delegação.........................................................
Retribuição sob a Forma de Tarifa..........................................................
Atividade Econômica...............................................................................
Distinção entre Serviço Público e Atividade Econômica.........................
O Serviço de Certificação Digital.............................................................
Natureza Jurídica do Serviço de Certificação Digital..............................
71
71
72
75
76
77
77
78
9
9.1
9.2
9.2.1
9.2.2
9.2.3
A ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA.......................................................
Princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência.............
Intervenção do Estado na Atividade Econômica......................................
Exploração Direta pelo Estado na Atividade Econômica.........................
O Estado como Agente Normativo e Regulador......................................
A Participação Concorrencial do Estado na Economia............................
80
80
82
84
85
86
10
CONCLUSÕES.......................................................................................
88
REFERÊNCIAS.................................................................................................
93
11
1 INTRODUÇÃO
A era digital inaugurou a chamada sociedade da informação, proporcionando
novas modalidades de transações comerciais, que vieram aprimorar conceitos da
atividade econômica.
As operações realizadas no ambiente eletrônico se traduzem em evolução da
forma tradicional de conclusão de atos jurídicos.
Em decorrência das características específicas do instrumento tecnológico
como meio para realização de transações comerciais, operou-se uma transformação
na modalidade de aproximação dos partícipes da sociedade em rede.
Os negócios jurídicos realizados através da plataforma digital encontram
novas aplicações no molde de concretização, dispensando a presença física das
partes, a fixação em suporte físico, possibilitando firmarem-se documentos
assinados digitalmente.
Para o Direito na pós-modernidade, a insegurança jurídica dessa modalidade
de contratação decorre da imaterialidade, marcante característica do ambiente
eletrônico.
É
certo
que
o
Direito
não
pode
permanecer
estático
frente
ao
desenvolvimento tecnológico, e sua modernização é imprescindível para que se
alcance segurança jurídica nas relações mantidas na sociedade informatizada.
O presente estudo aborda o sistema de certificação digital implantado pelo
Poder Executivo Federal. A Medida Provisória 2.200/2001 criou a Infraestrutura de
Chaves Públicas Brasileira, a ICP-Brasil, com a finalidade de garantir a
autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma
eletrônica.
Baseado em formato centralista e hierárquico, o sistema adota um modelo de
raiz única vinculado ao Poder Executivo e composto por um grupo de autoridades
que se submetem às diretrizes normatizadoras estabelecidas pelo Comitê Gestor,
vinculado à Casa Civil da Presidência da República.
12
O eixo temático tem por objetivo pesquisar os reflexos no regime de livre
concorrência na prestação de serviços de certificação digital estabelecido pela MP
2.200/2001.
A questão será analisada sob a ótica do princípio constitucional da livre
concorrência e da intervenção do Estado no domínio econômico, tendo por eixo
temático a análise dos reflexos no regime de livre concorrência na prestação do
serviço de certificação digital estabelecido no país.
Será aplicada na pesquisa a metodologia exploratória, sob a forma de estudo
de caso, distribuídos os temas de forma a apresentar o histórico legislativo da
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, seu objetivo e implicações legais,
sempre acompanhados de análise crítica.
Em sua primeira parte, o trabalho abrange as características e conceituação
do documento digital e a necessidade de cumprimento de requisitos próprios ao
meio em que é gerado, para finalidade de aceitação jurídica. É analisada a
correlação entre a exigência da assinatura autógrafa no Direito brasileiro e a
assinatura digital, modalidade de identificação em meio eletrônico que visa
determinar a autoria do documento digital.
O terceiro capítulo percorre o marco legal do sistema de certificação digital
implantado pelo Poder Executivo Federal. Em seguida, o quarto capítulo aborda o
ambiente conceitual da ICP-Brasil, sua estrutura hierárquica, forma de remuneração
e histórico normativo.
O quinto capítulo comenta a eficácia dual estabelecida aos certificados
emitidos pela cadeia de confiança da ICP-Brasil e aos expedidos por prestadores de
serviço de certificação digital não credenciados.
No sexto capítulo são informados casos concretos de tentativas de instalação
de infraestruturas de chaves públicas não credenciadas na ICP-Brasil, não
instaladas em decorrência da irresignação da Autoridade Certificadora Raiz da ICPBrasil.
A análise constitucional do instituto da medida provisória, os efeitos da edição
da Emenda Constitucional 21/2001, a incompatibilidade constitucional da Medida
Provisória 2.200/2001 e as características da entidade autárquica do Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação são abordados no sétimo capítulo.
13
A conceituação de serviço público e atividade econômica, bem como sua
distinção, são explorados no capítulo oito, que aborda ainda o exame da natureza
jurídica do serviço de certificação digital.
A pesquisa averigua, em seu nono capítulo, a ordem jurídico-econômica e os
princípios constitucionais da livre iniciativa e concorrência, investigando as
modalidades de intervenção do Estado no domínio econômico
Finalmente, o décimo capítulo analisa o modelo de intervenção estatal na
atividade de certificação digital, respondendo à indagação sobre se o modelo de
sistema de certificação digital implantado pelo Poder Executivo Federal viola o
princípio da livre concorrência.
14
2 DOCUMENTO DIGITAL
2.1 Conceito
O conceito de documento invariavelmente se vincula à sua exteriorização
física, ou seja, sua corporificação no suporte físico do papel vegetal.
A definição do termo é descrito no Dicionário Jurídico da Academia Brasileira
de Letras Jurídicas como “qualquer registro gráfico capaz de fazer prova do que se
alega”, sendo o documento escrito “aquele que é apresentado literalmente, ou por
meio de palavras escritas” (SIDOU, 2009).
Discorrendo sobre a classificação das provas, Theodoro Júnior (2003) afirma
que na forma documental tem-se o registro permanente e material em que se gravou
a manifestação da vontade.
O entrelaçamento com a representação material também se localiza no Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1986), que o conceitua como
“declaração escrita, base de conhecimento, fixada materialmente e disposta de
modo que se possa utilizar para consulta, estudo, prova”, e no Minidicionário
Houaiss da Língua Portuguesa (2009), que o descreve como “declaração escrita”.
Apesar dos diversos registros sobre documento no ordenamento jurídico
brasileiro1, apenas o Código de Processo Penal apresenta sua conceituação no
artigo 232: “Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis,
públicos ou particulares”.
Cabendo à doutrina a tarefa de explicitar seu significado, entende Pontes de
Miranda (1996, p. 357) que “o documento, como meio de prova, é toda coisa em que
se expressa por meio de sinais, o pensamento”, enquanto Santos (1997, p. 385)
declara que documento “é a coisa representativa de um fato e destinada a fixá-lo de
modo permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo”.
Como visto também a doutrina vincula o documento à existência de um
suporte corpóreo. Porém, o fato de um documento ser desprovido de materialidade
1
Código Civil, arts. 212, II, 215, 219, 1.151 § 1º; Código Penal, artigos 297, 298, 304 e 305; Código
de Processo Civil, artigos 159, 202 §§1º e 2º, 283, 312, 355, 364 a 399, 861; Código de Processo
Penal, artigos 116; 135 § 1º, 145; 174 inciso II, 231 a 238 400, e 513.
15
não retira sua característica intrínseca, qual seja, a existência e o registro de
determinado ato ou fato.
O que se convencionou denominar documento eletrônico, ou digital, originase de uma descrição, sendo representado por arquivo formado por uma sequência
de bits, ou código binário dependente de um programa de computador para ser
interpretado.
A Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do Conselho Nacional de
Arquivos conceitua documento digital como a informação registrada, codificada em
dígitos binários, acessível e interpretável por meio de sistema computacional,2 e
como sequência de bits elaborada mediante processamento eletrônico de dados,
destinada a reproduzir a manifestação de um pensamento ou fato.3
Castro (2001) assim interpreta o documento eletrônico:
Por documento entende-se a "coisa representativa de um fato"
(Moacyr Amaral Santos). Nesta ideia, o termo "coisa" pode ser
reputado como fundamental ou essencial e indicativo, ou não, da
presença de algo material. O afastamento da materialidade por ser
obtido pela mitigação da forma, assumindo importância decisiva o
aspecto funcional do registro do fato. Por outro lado, a palavra em
questão pode ser tomada no sentido de "tudo o que existe" ou
"realidade absoluta" (por oposição à aparência, ou representação).
Assim, o documento eletrônico pode ser entendido como a
representação de um fato concretizada por meio de um computador
e armazenado em formato específico (organização singular de bits e
bytes), capaz de ser traduzido ou apreendido pelos sentidos
4
mediante o emprego de programa (software) apropriado.
Na percepção de Rover (2004), o documento digital é uma nova maneira de
registro de algum fato que difere substancialmente do tradicional papel.5
Marcacini (2002) entende o documento digital como “uma sequência de bits
que, captada pelos nossos sentidos com o uso de um computador e um software
específico, nos transmite uma informação”.6
Areno e Zuffo (2004, p. 423)) afirmam que “enquanto nos documentos
tradicionais que se utilizam do papel como registro fixo de um fato ou ato, é possível
compreender, pela simples leitura gráfica, representante da linguagem verbal, a
2
3
4
5
6
Criada pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq). Órgão vinculado ao Arquivo Nacional da
Casa Civil da Presidência da República. Glossário do Conselho Nacional de Arquivos.
ICP-Brasil Documento 15.
Artigo: O documento eletrônico e a assinatura digital. Uma visão geral.
Artigo: Validade jurídica de documentos eletrônicos assinados com Infraestruturas diferentes da
ICP-Brasil.
Artigo O Documento eletrônico como meio de prova.
16
natureza do documento, a intenção dos seres emitentes da vontade e o alcance do
ato consignado no papel, nos documentos eletrônicos ou em meios magnéticos é
necessária a conversão da linguagem binária para nossa linguagem corrente” .
A ampliação do conceito de documento, liberando-o do meio físico onde se
registra a manifestação da vontade, foi desenhada por Silva (1991, p. 312):
Sempre que se faz alusão a documento, ou, em direito processual, a prova
documental, em geral se imagina que estas categorias de direito probatório
equivalham ao conceito de prova literal (littera, a letra, aquilo que está
escrito). O conceito de documento, todavia, é bem mais amplo, abrangendo
outras formas de representação além das formas gráficas ou simplesmente
literais.
Analisando a dificuldade da equiparação do documento eletrônico ao
documento tradicional, o professor Greco (2000, p. 16) pondera: “estamos passando
dos átomos para os bits, onde a linguagem do documento é formada por um
conjunto de simples dígitos binários, com a reprodução da mesma sequência de bits,
verificando profundas diferenças entre as características do mundo dos átomos,
cotejado com o mundo dos bits”.
2.2 Validade Jurídica e Eficácia Probante
Enquanto elemento essencial à existência do ato, a forma de exteriorização
da vontade mostra-se relevante tão somente nos casos expressamente exigidos por
lei (CC, art. 107), condicionando-se a validade do negócio jurídico à presença de
agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita
ou não de defesa em lei (CC, art. 104).
Para que o ato se consubstancie – revelando o comportamento externo para
estabelecimento do negócio jurídico – a vontade se manifesta e se instrumentaliza
por meio da declaração (CC, arts. 265 e 347).
O reconhecimento legal do documento eletrônico se expressa no art. 225 do
Código Civil e no art. 383 do Código de Processo Civil, reconhecendo como meio
válido de prova qualquer reprodução eletrônica de fatos ou de coisas.
Em interpretação sistemática dos diplomas citados, o Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovou os seguintes enunciados:
17
Enunciado 297: Art. 212. O documento eletrônico tem valor probante,
desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a
apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada.
Enunciado 298: Arts. 212 e 225. Os arquivos eletrônicos incluem-se no
conceito de "reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas", do art. 225 do
Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova
7
documental.
A eficácia probante do documento – seja este físico ou digital – se insere no
campo processual, como sustenta Costa (2001).8 O chamado documento eletrônico
puro, como apontado por Castro (2001), encontra dificuldades no campo probatório,
posto ser desprovido de técnicas e requisitos de segurança capazes de atestar e
garantir sua autoria e integridade.9
2.3 Requisitos
Ausente a representação material, o documento produzido em meio eletrônico
se submete ao cumprimento de requisitos próprios ao meio no qual foi gerado para
que se revista de inquestionável valor jurídico e eficácia probante.
Tais atributos se relacionam à autenticidade, integridade, autenticação
confidencialidade e disponibilidade.
O elemento da autenticidade refere-se à incolumidade do documento,
devendo revelar a credibilidade de que é livre de adulterações ou qualquer outro tipo
de corrupção.10
A integridade deve assegurar a fidelidade do conteúdo do documento
eletrônico. Atestando que o mesmo não sofreu alteração durante sua transferência
entre sistemas ou computadores, garante que a informação recebida possui idêntico
conteúdo à enviada.11 Revela-se pela preservação do conteúdo informacional –
configuração da sequência de bits – visando garantir a impossibilidade de
corrompimento do arquivo e de adulteração das informações contidas no
documento.
O requisito da autenticação resulta do processo de confirmação da identidade
do autor, visando atribuir o elemento certeza quanto à autoria do documento
7
IV Jornada de Direito Civil.
Artigo Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos.
9
Artigo: O documento eletrônico e a assinatura digital. Uma visão geral.
10
ICP-Brasil. Glossário.
11
Id.
8
18
eletrônico. O processo é executado por agentes de registro, como parte do processo
de aprovação de uma solicitação de certificado digital, por meio das documentações
apresentadas pelo solicitante e da confirmação dos dados da solicitação.12
No que tange à capacidade do agente, deve-se ressaltar que sua
autenticação é pressuposto de validade do ato. Conforme acentuado por Greco
(2000), “se não é possível identificar com segurança o agente, não será possível
aferir sua capacidade jurídica. Em suma, a autenticidade é um elemento crítico no
mundo informatizado, pois, numa comunicação através de computador, temos
contato com a mensagem pura e com algo virtual, que é a ‘representação’ da
pessoa e não a própria pessoa” (GRECO, 2000, p. 31).
Pela confidencialidade preserva-se o sigilo das informações constantes do
arquivo, impedindo que terceiros estranhos à relação tenham acesso ao conteúdo
informacional; a disponibilidade assegura o acesso ao arquivo pelo usuário
autorizado a qualquer tempo.
O doutrinador Castro (2001) aponta que a fixação do quadro regulamentador
da assinatura digital no Brasil suscitou um problema novo em relação à validade
jurídica do documento eletrônico, pois a Medida Provisória 2.200/2001 não trata
apenas da validade probatória do documento eletrônico, e sim da validade jurídica
do próprio documento em forma eletrônica. Assim, trata, embora com redação
deficiente, da validade ou eficácia probatória dos documentos eletrônicos.13
Em razão da inexistência de assinatura autógrafa e do suporte físico,
observa-se a necessidade da presença de mecanismos de segurança a fim de que
se atribua ao documento gerado por meio eletrônico o devido valor probante.
2.4 Assinatura Digital
O Código Civil dispõe expressamente que apenas o instrumento particular
assinado prova as obrigações convencionais de qualquer valor (CC, art. 221), assim
como que somente as declarações constantes de documentos assinados
presumem-se verdadeiras em relação ao signatário (CC, art. 219).
Adjetivamente, o Código de Processo Civil refere-se textualmente ao
documento: escrito e assinado (art. 368); reconhecimento da firma do signatário pelo
12
13
ICP-Brasil. Glossário.
Artigo: O documento eletrônico e a assinatura digital. Uma visão geral.
19
tabelião (art. 369); documento assinado pelo autor (art. 371); documento original
assinado pelo remetente (art. 374, parágrafo único), mencionando expressamente
sobre a assinatura nos arts. 164, 169, 417, 449, 458, 715, 764, 765, 825 e 843.
A assinatura autógrafa revela para o Direito a função indicativa de apontar o
autor do documento, a função declarativa do autor em relação ao conteúdo, assim
como a função probatória de sua manifestação da vontade.
Em vista da impossibilidade técnica da existência de assinatura autógrafa no
documento gerado por meio eletrônico, sua validade jurídica se condiciona ao
atendimento da exigência dirigida ao documento físico, qual seja, a possibilidade de
verificação de sua autoria.
A autoria do documento digital comprova-se por meio de um processo
tecnológico seguro de autenticação, capaz de garantir e apontar com segurança a
identificação do signatário, denominado assinatura digital.
Segundo a Lei Modelo de Comércio Eletrônico da Uncitral (Comissão das
Nações Unidas para o Direito Comercial), quando a lei requer a assinatura de uma
pessoa, esse requisito considerar-se-á preenchido no meio eletrônico se:
a) for utilizado algum método para identificar a pessoa e indicar sua
aprovação para a informação contida na mensagem eletrônica e,
b) que tal método seja tão confiável quanto seja apropriado para os
propósitos para os quais a mensagem foi gerada ou comunicada.
(Art. 7º. Publicação da Associação das Nações Unidas. Brasil, 1996)
A ferramenta tecnológica da assinatura digital tem por finalidade jurídica
comprovar a autoria e validar a manifestação da vontade, associando um indivíduo a
uma declaração de vontade veiculada eletronicamente (MENKE, 2005, p. 42).
O professor Rorhmann (2005, p. 69 e 71) afirma que a assinatura digital é um
substituto eletrônico da assinatura manual, cuja implementação técnica se dá por
meio do par de chaves criptográficas, e sua segurança matemática, proporcionada
pela criptografia assimétrica, pode ser medida por sua adoção em diversos países,
inclusive o Brasil.
Marcacini (2002, p. 32) a define “como o resultado de uma operação
matemática, utilizando algoritmos da criptografia assimétrica. Além de viável
tecnicamente e de confiabilidade garantida, pode ser obtida através da utilização de
certificado digital de assinatura, que confirma identidade do titular e autentica sua
assinatura eletrônica” (MARCACINI, 2002, p. 32).
20
Reconhecida pela Medida Provisória 2.200/2001, que institui a Infraestrutura
de Chaves Públicas Brasileira, a assinatura digital disponibilizada pela ICP-Brasil se
utiliza de um processo de codificação e decodificação, consistente na aplicação de
modelo matemático de algoritmo criptográfico, baseado no conceito de chaves e
executado por um programa de computador. Com a inserção da chave criptográfica,
o arquivo enviado se torna ilegível, sendo necessário conhecer o algoritmo de
decifragem – a chave – para recuperação dos dados originais.
Esclarece Alexandre Veronese que a aplicação da técnica de criptografia
assimétrica visa garantir que a assinatura digital é realmente do remetente,
funcionando o certificado como a própria assinatura digital (VERONESE, 2007, p.
330).14
A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira adota o padrão criptográfico
assimétrico, cujos algoritmos trabalham com duas chaves – pública e privada –
geradas simultaneamente e utilizadas, respectivamente, para cifrar e decifrar a
informação.
O titular da chave privada disponibiliza sua chave pública para que a
informação se torne acessível ao destinatário da mensagem eletrônica. A chave
privada é de conhecimento exclusivo do titular da assinatura digital, cabendo-lhe a
responsabilidade por mantê-la em sigilo.15
O mecanismo concede segurança quanto à autoria e integridade do
documento eletrônico, vinculando indissociavelmente a assinatura ao documento.
Em caso de tentativa de modificação do documento eletrônico, o certificado digital
informará a violação e não lhe conferirá autenticidade.
A chamada equivalência funcional – equiparação da assinatura manuscrita à
eletrônica – atribui presunção de veracidade às declarações de vontade realizadas
em ambiente virtual, desde que utilizada a assinatura digital obtida perante uma das
certificadoras credenciadas pela Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil
(MENKE, 2005, p. 136).
2.5 Certificação Digital
14
15
Artigo: A política de certificação digital: Processos eletrônicos e a informatização judiciária.
ITI. Cartilha.
21
A certificação digital funciona como “um documento de identidade eletrônica
que armazena os dados pessoais de seu titular e associa essa identificação – nome
a atributos de uma pessoa – a uma chave pública” (MENKE, 2005, p. 49).
Tem por função básica possibilitar a comprovação da identidade do signatário
de um documento eletrônico, permitindo que o titular reconheça, indubitavelmente:
seu período de vigência; o fato de não ter sido revogado; a inclusão de informação
não verificada; a informação necessária para a verificação da assinatura; e
identificar claramente o emissor do certificado digital (LORENZETTI, 2004, p. 138).
O professor Rorhmann (2005, p. 76) salienta que “o certificado é a
confirmação, lançada por uma terceira parte, sobre chave pública de uma pessoa
que assinou digitalmente documentos eletrônicos” (RORHMANN, 2005, p. 76).
O certificado digital emitido pelo terceiro de confiança credenciado pela ICPBrasil – a Autoridade Certificadora – armazena a chave privada do usuário, podendo
se alocar no próprio computador ou em mídia portátil – smart card ou token. As
informações contidas nos certificados digitais são acessíveis por meio da senha
pessoal eleita pelo titular.
É necessário que o titular da chave privada disponibilize sua chave pública
para que a informação se torne acessível ao destinatário da mensagem eletrônica,
cabendo-lhe a responsabilidade por mantê-la em sigilo.16
Como salientado pelo professor Rezende (2009), a certificação serve apenas
para controlar o risco de identificação incorreta do titular de uma chave, que levaria à
identificação incorreta do autor de documentos que o certificado valida.17
2.6 Análise Crítica
O professor Costa (2003)18 apresentou um estudo perante o I Fórum sobre
Segurança, Privacidade e Certificação Digital, promovido pelo Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação (em outubro de 2003), objetivando contribuir para os
debates sobre a ICP-Brasil e estabelecer uma adequada disciplina dos documentos
eletrônicos, da assinatura digital e certificação eletrônica.
16
17
18
ITI. Cartilha.
Artigo sobre a criação da ICP-Brasil.
À época presidente da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB e da Comissão de
Informática Jurídica da Seccional OAB-SP
22
Nesse importante trabalho,19 o estudioso apontou imperfeições, conflitos,
contradições e omissões da Medida Provisória 2.200-2, sustentando que o
documento – eletrônico ou não – deve servir para comprovar um fato. Em se
tratando de documento eletrônico, sua eficácia probante não deve ficar adstrita à
existência, ou não, de certificação eletrônica, mas sim da assinatura digital.
Afirma o autor que quem assegura autenticidade e integridade ao documento
eletrônico é a assinatura digital, gerada por processo de criptografia de chaves
públicas. O certificado ingressa apenas no campo da distribuição das chaves
públicas, sendo uma das formas, não exclusiva, de identificação de seus titulares.
Argumenta, ainda, que o documento eletrônico foi aceito pelo mundo jurídico
porque
a
comunidade
científica
internacional
testou,
durante
décadas,
a
confiabilidade dos conceitos da criptografia assimétrica, e não pela existência de um
modelo de negócios baseado na venda de certificados eletrônicos.
19
Artigo: Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos.
23
3 CRIAÇÃO DO SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO
3.1 Histórico legislativo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras/ ICP-Brasil
3.1.1 Decreto nº 3.587/2000
Em setembro de 2000 foi editado o Decreto 3.587/2000, estabelecendo
normas para a instituição da Infraestrutura de Chaves Públicas do Poder Executivo
Federal, denominada ICP-Gov, visando promover a realização de transações
eletrônicas seguras e a troca de informações sensíveis e classificadas.
A iniciativa teve por objetivo viabilizar, no âmbito dos órgãos e entidades da
Administração Pública Federal, a oferta de serviços de sigilo, a validade, a
autenticidade e integridade de dados, a irrevogabilidade e irretratabilidade das
transações eletrônicas e das aplicações de suporte que utilizassem certificados
digitais.
Competia ao Comitê Gestor de Segurança da Informação, vinculado ao
Conselho de Defesa Nacional, coordenar a implementação da ICP-Gov, no prazo de
120 dias contados a partir da publicação do Decreto, para especificação, divulgação
e início de seu funcionamento.
A organização da ICP-Gov se constituía pela Autoridade de Gerência de
Políticas, Autoridade Certificadora Raiz e Autoridades Certificadoras e de Registro.
Competia à Autoridade de Gerência de Políticas (AGP) estabelecer o conjunto
de regras e políticas, visando estabelecer padrões técnicos, operacionais e de
segurança e credenciar as Autoridades Certificadoras e de Registro.
Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal poderiam implantar
sua própria ICP, ou ofertar serviços de ICP integrados à ICP-Gov, desde que
obedecidas as especificações da AGP.
Os certificados emitidos pela ICP-Gov seriam utilizados para assinatura digital
de documentos eletrônicos, assinatura de mensagem de correio eletrônico,
autenticação para acesso a sistemas eletrônicos e troca de chaves para
estabelecimento de sessão criptografada. Portanto, a implantação da ICP-Gov se
encontrava restrita ao âmbito da Administração Pública Federal.
24
No mês de dezembro de 2000, a Casa Civil da Presidência da República
tornou pública proposta de projeto de lei dispondo sobre a autenticidade e o valor
jurídico e probatório de documentos produzidos, emitidos ou recebidos por órgãos
públicos federais, estaduais e municipais, por meio eletrônico. As contribuições para
o aperfeiçoamento da proposta deveriam ser encaminhadas até a data de 15 de
janeiro de 2001, para o endereço eletrônico especificado.1
O referido texto atribuía a tais documentos eletrônicos o mesmo valor jurídico
e probatório daqueles produzidos em papel ou em outro meio físico reconhecido
legalmente, desde que asseguradas sua autenticidade e integridade. Tais requisitos
seriam garantidos pela execução de procedimentos lógicos, regras e práticas
operacionais estabelecidas pela ICP-Gov.
Autorizava o arquivamento por meio magnético, óptico, eletrônico ou similar,
de documentos públicos ou particulares para produzir idênticos efeitos legais dos
documentos originais.
Portanto, tinha por escopo tão somente os órgãos públicos federais, estaduais
e municipais, não fazendo qualquer menção a documentos eletrônicos de natureza
particular.
Posteriormente, o referido Decreto foi revogado (em 05/09/2000) pelo Decreto
3.996/2001, que dispunha sobre a prestação de serviços de certificação digital no
âmbito da Administração Pública Federal.
Ressaltando que a proposta apresentava o grave defeito de desconsiderar as
relações entre particulares, o Procurador da Fazenda Nacional, Castro (2001),
concluiu pela presença de três marcas negativas bem nítidas: a) comete um erro
inaceitável na definição da abrangência de seus efeitos; b) deixa de regular
inúmeros aspectos cruciais relacionados com os documentos eletrônicos; e c) afasta
a validade jurídica, hoje presente, dos documentos eletrônicos quando não
asseguradas, por meio hábil, a autenticidade e a integridade.2
3.1.2 Medida Provisória nº 2.200/2001
1
2
Casa Civil. Consulta Pública Projeto de Lei.
Artigo: Validade Jurídica de Documentos Eletrônicos. Considerações sobre o Projeto de Lei
apresentado pelo Governo Federal.
25
Enquanto ainda se aguardava a conclusão da consulta pública submetida à
sociedade – contendo proposta de projeto de lei dispondo sobre a autenticidade e o
valor jurídico e probatório de documentos produzidos, emitidos ou recebidos por
órgãos públicos por meio eletrônico – foi editada a MP 2.200. Rebatizando a ICPGov para ICP-Brasil veio alargar seu âmbito de aplicação, anteriormente adstrito aos
órgãos públicos.
Assim, desde seu nascedouro, a edição da MP 2.200 cercou-se de polêmica,
pois desconsiderou o debate fomentado na sociedade e no Congresso Nacional,
regulamentando de forma abrupta a certificação digital no Brasil.
É certo que o Governo Federal detém legitimidade para implantar uma
Infraestrutura interna para a Administração Pública, porém operou-se uma extensão
de suas competências para regular a relação jurídica entre particulares.
A Medida Provisória 2.200 criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira
- ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de
documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações
habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações
eletrônicas seguras.
Definida como um conjunto de técnicas, práticas e procedimentos a ser
implementado pelas organizações governamentais e privadas do Brasil, declarava
ter por objetivo estabelecer os fundamentos técnicos e metodológicos de um sistema
de certificação digital baseado em chave pública, considerando para todos os fins
legais, documentos públicos ou particulares, os documentos eletrônicos tratados
pela Medida Provisória.
O modelo centralista e hierárquico compunha-se por uma Autoridade Gestora
de Políticas e por uma cadeia de autoridades certificadoras: Autoridade Certificadora
Raiz (AC-Raiz), Autoridades Certificadoras (AC) e Autoridades de Registro (AR).
A Autoridade Gestora de Políticas – exercida pelo Comitê Gestor da ICPBrasil e vinculado à Casa Civil da Presidência da República – era composta por 11
membros, sendo quatro representantes da sociedade civil e setores interessados e
sete representantes governamentais.
O Comitê Gestor recebia assessoramento e apoio técnico do Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações (Cepesc), órgão
26
que integrava a estrutura do Departamento de Tecnologia da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin).3
O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, vinculado ao Ministério da
Ciência e Tecnologia, desempenhava as funções de Autoridade Certificadora Raiz
da ICP-Brasil.
Poderiam ser licenciados como AC e AR os órgãos e entidades públicas,
assim como as pessoas jurídicas de direito privado.
Portanto, ocorreu mudança significativa do propósito original de se criar uma
infraestrutura adstrita ao âmbito do Governo Federal, para se instalar outra de
âmbito nacional, com poderes de regular também as relações de caráter privado.
Nessa significativa mudança de escopo, a Administração Pública avocou a si
a responsabilidade de reger a prestação do serviço de certificação digital no território
brasileiro.
Costa e Marcacini (2002), assim se posicionaram a época em relação à MP
2.200:
Não se trata, como se pode perceber, de conferir ao dito Comitê tão somente
a atribuição de regulamentar aspectos técnicos. Os poderes atribuídos pela
medida provisória implicam em delegar ao Comitê função tipicamente
legislativa, estabelecendo os elementos formais de validação do ato jurídico.
É de se duvidar, por isso, da constitucionalidade da referida MP 2.200.
[...]
Destaque-se que as legislações europeias que criaram alguma entidade
credenciadora central diferem diametralmente do texto desta MP, vez que,
definindo na lei a forma de certificação, requisitos e responsabilidade da
certificadora, atribuem a esta entidade central tão somente funções
administrativas, fiscalizadoras, jamais funções normativas; ademais, o
credenciamento é opcional, podendo a entidade certificadora particular atuar
4
sem este “alvará”.
3.1.3 Medida Provisória nº 2.200-1/2001
Menos de um mês após a edição da MP 2.200, visando atender as críticas
recebidas, o Poder Executivo Federal a reeditou trazendo diversas modificações
3
4
CEPESC. Órgão criado em 1982 para sanar a deficiência do Brasil em salvaguardar o sigilo das
transmissões oficiais, há duas décadas trabalhava na elaboração de algoritmos e protocolos de
segurança criptográfica para emprego em diversas organizações do Governo Federal.
Respectivamente presidente da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB e vicepresidente da Comissão Especial de Informática Jurídica. Artigo O apagão do comércio eletrônico
no Brasil.
27
substantivas no texto original, apesar de manter o combatido apoio técnico do
Cepesc.
Foi acrescido mais um representante (art. 3º) da sociedade civil e dos setores
interessados no Comitê Gestor, e mantidos os sete relacionados ao Governo.
Passou a admitir a contratação de serviços de terceiros pelo Instituto Nacional
de Tecnologia da Informação – ITI (art. 7º, parágrafo único), estipulando a
possibilidade de requisição de servidores e autorizando o Ministério da Ciência e
Tecnologia a custear despesas relativas à remoção de servidores (art. 14).
Incluiu a previsão de que o par de chaves criptográficas passaria a ser gerado
sempre pelo próprio titular, sendo a chave privada de assinatura de seu exclusivo
controle, uso e conhecimento (art. 8º, parágrafo único), vedando a qualquer AC
certificar em nível diverso do imediatamente subsequente ao seu (Art. 11: a natureza
sigilosa não foi explicitada da mesma maneira para a chave privada de sigilo, usada
para comunicação reservada).
O destaque mais significativo adveio pela inclusão de dois novos parágrafos
ao art. 12, passando a atribuir presunção de veracidade à certificação
disponibilizada pela ICP-Brasil e a admitir a certificação baseada em certificados não
governamentais atribuindo-lhe validade jurídica condicionada à vontade das partes:
Art. 12. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos
os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida
Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica
produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado
pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, na
forma do art.131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil.
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro
meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma
eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICPBrasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa
a quem for aposto o documento.
3.1.4 Medida Provisória nº 2.200-2/2001
Pela terceira vez consecutiva, o Governo Federal volta a promover alterações
no texto original da MP 2.200, inserindo modificações cosméticas, apesar da forte
reação dos setores envolvidos e da sociedade civil.
28
Expurgou-se a previsão de assessoria e apoio técnico prestado pelo Cepesc
(art. 4º da MP 2.200-01) permitindo a possibilidade de delegação de atribuições pelo
Comitê Gestor à AC-Raiz (art. 4º, VIII, § único) para exercer outras atividades que
lhe forem atribuídas pela Autoridade Gestora de Políticas (art. 5º, in fine).
O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação transformou-se em
autarquia federal, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, transferindo o
Poder Executivo seus acervos técnico e patrimonial e remanejando ao órgão a
dotação orçamentária antes consignada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (arts.
12, 15 e 17).
Contudo, permaneceu inalterada a previsão de responsabilidade do ITI em
exercer a Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil, cabendo-lhe também
desempenhar atividades de fiscalização, aplicar sanções e penalidades na forma da
lei (art. 14).
Segundo Reinaldo Filho (2005),5 a MP 2.200-2 consagrou texto normativo de
escopo restrito, limitando-se, em linhas gerais, a estabelecer estrutura administrativa
adequada à prestação satisfatória desses serviços.
3.2 Regulamentação Paralela do Poder Executivo
3.2.1 Decreto nº 3.505/2000
Ainda no ano de 2000 foi instituída a Política de Segurança da Informação
nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, por meio do Decreto
3.505 (de 13/06/2000), elegendo como pressupostos básicos:
Assegurar a garantia ao direito individual e coletivo das pessoas, à
inviolabilidade da sua intimidade e ao sigilo da correspondência e das
comunicações, nos termos previstos na Constituição;
Proteger assuntos que mereçam tratamento especial;
Criar, desenvolver e manter mentalidade de segurança da informação;
Promover a capacitação científico-tecnológica do País para uso da
criptografia na segurança e defesa do Estado; e
Conscientizar os órgãos e das entidades da Administração Pública Federal
sobre a importância das informações processadas e sobre o risco da sua
vulnerabilidade. (Art. 1º)
5
Artigo: A ICP-Brasil e os poderes regulatórios do ITI e do CG.
29
A Política de Segurança da Informação estabeleceu as conceituações do
certificado de conformidade e da segurança da informação (art. 2º), destacando
como objetivo desta última dotar os órgãos e as entidades da Administração Pública
Federal de instrumentos jurídicos, normativos e organizacionais que os capacitem
científica, tecnológica e administrativamente a assegurar a confidencialidade, a
integridade, a autenticidade, o não-repúdio e a disponibilidade dos dados e das
informações tratadas, classificadas e sensíveis (art. 3º).
Competia à Abin, por intermédio do Cepesc (art. 5o):
Apoiar a Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional no tocante
a atividades de caráter científico e tecnológico relacionadas à segurança da
informação;
Integrar comitês, câmaras técnicas, permanentes ou não, assim como
equipes e grupos de estudo relacionados ao desenvolvimento das suas
atribuições de assessoramento.
O Comitê Gestor da Segurança da Informação foi incumbido de assessorar a
Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional na consecução das diretrizes
da Política de Segurança da Informação nos órgãos e nas entidades da
Administração Pública Federal (art. 6º). Compõe-se de um representante de cada
Ministério e outros órgãos, cabendo a coordenação ao Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República (art. 7º).
Entre as diretrizes que cabem à Secretaria Executiva do Conselho de Defesa
Nacional estabelecer, destacam-se:
Propor regulamentação sobre matérias afetas à segurança da informação
nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal;
Estabelecer normas, padrões, níveis, tipos e demais aspectos relacionados
ao emprego dos produtos que incorporem recursos critptográficos, de
modo a assegurar a confidencialidade, a autenticidade, a integridade e o
não-repúdio, assim como a interoperabilidade entre os Sistemas de
Segurança da Informação;
Estabelecer as normas gerais para o uso e a comercialização dos recursos
criptográficos pelos órgãos e pelas entidades da Administração Pública
Federal, dando-se preferência, em princípio, no emprego de tais recursos,
a produtos de origem nacional;
Estabelecer normas, padrões e demais aspectos necessários para
assegurar a confidencialidade dos dados e das informações, em vista da
possibilidade de detecção de emanações eletromagnéticas, inclusive as
provenientes de recursos computacionais;
Estabelecer as normas inerentes à implantação dos instrumentos e
mecanismos necessários à emissão de certificados de conformidade no
tocante aos produtos que incorporem recursos criptográficos;
Estabelecer as normas relativas à implementação dos Sistemas de
Segurança da Informação, com vistas a garantir a sua interoperabilidade e
30
a obtenção dos níveis de segurança desejados, assim como assegurar a
permanente disponibilização dos dados e das informações de interesse
para a defesa nacional; e
Conceber, especificar e coordenar a implementação da Infraestrutura de
chaves públicas a serem utilizadas pelos órgãos e pelas entidades da
Administração Pública Federal. (Art. 4º)
3.2.2 Decreto nº 3.996/2001
A roupagem legal da MP 2.200 no que se refere à prestação de serviços de
certificação digital no âmbito da Administração Pública Federal, direta e indireta, foi
regulada pelo Decreto 3.996 de 31/10/2001.
A contratação ou a prestação de serviços de certificação digital pelos órgãos
e entidades da Administração Pública Federal somente se dá mediante prévia
autorização do Comitê Executivo do Governo Eletrônico (art. 2º) e devem ser
providas no âmbito da ICP-Brasil (art. 2º § 1º).
A tramitação de documentos eletrônicos – para os quais seja necessária ou
exigida a utilização de certificados digitais – somente se fará mediante certificação
disponibilizada por AC integrante da ICP-Brasil (art. 3º).
3.2.3 Decreto nº 4.414/2001
O Decreto 4.414/2002 (editado em 07/10/2002) veio tão somente acrescer o
art. 3o-A ao Decreto 3.996/2001, passando a exigir que:
As aplicações e demais programas utilizados no âmbito da Administração
Pública Federal direta e indireta que admitirem o uso de certificado digital
de um determinado tipo contemplado pela ICP-Brasil devem aceitar
qualquer certificado de mesmo tipo, ou com requisitos de segurança mais
rigorosos, emitido por qualquer AC integrante da ICP-Brasil.
3.2.4 Decreto nº 4.689/2003
Após a transformação do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI)
em autarquia federal – promovida pela Medida Provisória 2.200-2/2001 – sobreveio
a edição do Decreto 4.689/2003 (de 07/05/2003), com a finalidade exclusiva de
31
aprovar sua Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em
Comissão.
Apesar do ITI se vincular ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MP 2.2002/2001), este novo Decreto trouxe a inovação de que seu regimento interno será
aprovado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República
(art. 4°).
Adjetivamente revogou o Decreto 4.500/2002, que à época apresentou
idêntico escopo.
3.2.5 Decreto nº 6.605/2008
O Comitê Gestor da ICP-Brasil, sua Secretaria Executiva e sua Comissão
Técnica Executiva foram regulamentados pelo Decreto 6.605/2008 (de 14/10/2008),
revogando-se as disposições contidas no Decreto 3.872/2001. O teor do referido
Decreto está informado no capítulo relativo ao ambiente conceitual da ICP-Brasil.
3.3 Proposição Legislativa do Poder Executivo. Projeto de Lei nº 7.316/2002
Desde o ano de 1999 tramitavam no Congresso Nacional iniciativas
regulatórias versando sobre comércio eletrônico e assinatura digital (PLC 1483/99 e
1589/99 e PLS 672/99). O Poder Legislativo promoveu audiências públicas, debates
e seminários que contaram com participação numerosa e qualificada da sociedade
como um todo.
Cabe destacar que a proposta legislativa contida no Substitutivo 4.906/2001
(apenso aos PLS 1.483/99, 1.589/99, 6.965/02 e 7.093/02) não submete a prestação
da atividade de certificação à autorização do Poder Executivo Federal. A instituição
da infraestrutura de chaves públicas se sujeita à posterior regulamentação pelo
Poder Público, cabendo-lhe acompanhar a evolução tecnológica e determinar a
aplicação de dispositivos que satisfaçam requisitos operacionais de segurança.
Ignorando todo esse anterior debate democrático, o Poder Executivo Federal,
após editar a MP 2.200, apresentou ao Poder Legislativo o Projeto de Lei nº
7.316/2002 com o próposito de disciplinar o uso de assinaturas eletrônicas e a
prestação de serviços de certificação digital e revogar a MP 2.200, convalidando os
atos praticados por esse diploma legal.
32
A exposição de motivos que acompanha o Projeto de Lei ressalta que a ICPBrasil é “uma realidade consolidada que se constitui em exitosa iniciativa de
estruturação e regulação dos serviços de certificação digital no país”.6
Considerando
que
encontram-se
pendentes
questões
que
reclamam
tratamento legislativo adequado, anunciou que o Projeto de Lei “tem por objetivo
colmatar tais lacunas para se compatibilizar com o regime jurídico instituído pela
Medida Provisória”.7
Ressaltou ainda a Administração Pública que o referido Projeto contempla a
concretização do princípio constitucional da livre iniciativa, pois, “uma vez que a
prestação de serviços de certificação digital não se sujeita à prévia autorização pelo
Poder Público – atribuindo caráter eminentemente voluntário ao credenciamento –
estabeleceu-se um regime de livre competência na área da certificação digital”.8
A proposta define a assinatura eletrônica como um conjunto de dados sob
forma eletrônica, ligados ou logicamente associados a outros dados eletrônicos,
utilizado como meio de comprovação de autoria (art. 2º).
Atribuindo caráter de adesão voluntária à ICP-Brasil, inscreve que a prestação
dos serviços de certificação não se sujeita à prévia autorização pelo Poder Público
(art. 3º), estabelecendo um regime de livre competência na área de certificação
digital (Exposição de Motivos 53/2002, item 5).
Não se nega efeito jurídico e nem se exclui como meio de prova a assinatura
apresentada em forma eletrônica não baseada em certificado qualificado, ou não
gerada por dispositivo seguro de criação (§ 3º do art. 4º), desde que seja admitida
pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem foi aposta.
Porém, a equiparação da assinatura manuscrita à assinatura eletrônica
avançada (art. 2º, II) decorre exclusivamente do uso do certificado qualificado (art.
2º, II, alíneas e incisos), constituindo-se este documento oficial de identificação em
meio eletrônico (§ 3º do art. 7º) que concede o mesmo valor jurídico e probante e
presumem-se como verdadeiras em relação ao seu titular as declarações constantes
em documentos em forma eletrônica (§ 1º do art. 4º).
Assim, mantida a estrutura da MP 2.200, reitera a determinação de que
apenas o certificado qualificado, emitido pelo prestador de serviço de certificação
6
7
8
EMI 53/2002.
Id.
Id.
33
credenciado na ICP-Brasil, detém o regime de exclusividade enquanto documento
oficial de identificação em meio eletrônico (art. 5º, § 3º).
No que concerne ao valor jurídico atribuído à certificação gerada a partir da
ICP-Brasil, assevera-se textualmente, na Exposição de Motivos, que:
a. Instaura-se assim um regime dual relativamente ao valor jurídico e
probante das assinaturas eletrônicas.
b. De um lado há a assinatura eletrônica avançada que produz, por força
de lei, os mesmos efeitos jurídicos de uma assinatura manuscrita.
c. De outro, tem-se a assinatura eletrônica a que não se pode recusar
valor jurídico e probante, desde que admitida pelas partes como válida ou
aceita pela pessoa a quem foi aposta. Nesse caso, seu valor jurídico
deriva da vontade das partes.
Segundo o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, “aprovado o
projeto, o Brasil terá uma legislação consolidada que trata da certificação digital.
Mais completa, a nova lei dará à ICP-Brasil a estabilidade necessária para o seu
crescimento, além de inserir o Poder Judiciário no Comitê Gestor da ICP-Brasil,
trazendo decisivamente os tribunais para a sua esfera de decisão”.9
A citada proposta legislativa foi aprovada pela Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania da Câmara Federal, que emitiu parecer pela aprovação do
mérito do PL e do substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça. A Comissão
de Ciência e Tecnologia acolheu novas emendas na forma de substitutivo, assim
como a Comissão de Direito do Consumidor aprovou parecer do relator na forma do
Substitutivo da Comissão de Ciência e Tecnologia, com subemendas.
9
Matéria
“Comitê
Gestor
da
ICP-Brasil
discute
nova
lei
para
certificação
digital”.
34
4 AMBIENTE CONCEITUAL DA ICP-BRASIL
4.1 Estrutura Hierárquica
A estrutura hierárquica de uma Infraestrutura de Chaves Públicas é
constituída por entidades, ou autoridades, que compõem seu elo hierárquico
vinculada a uma autoridade central, que a comanda.
Rohrmann (2005, p. 74) comenta o conceito de autoridade de certificação
trazido pelo professor norte-americano Michael Froomkin: “uma autoridade de
certificação (CA) é um órgão, público ou privado, que procura atender a necessidade
de uma terceira parte de confiança no comércio eletrônico, fornecendo certificados
digitais que atestam algum fato acerca do objeto do certificado” (ROHRMANN, 2005,
p. 74).
Demócrito Reinaldo Filho define uma Infraestrutura de Chaves Públicas como
“um conjunto de regimes normativos, procedimentos, padrões e formatos técnicos
que viabilizam o uso em escala da criptografia de chaves públicas; constitui um
modelo formado por autoridades certificadoras responsáveis pela geração e
gerenciamento de chaves e certificados públicos, utilizados para garantir a
autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos e transações
eletrônicas”.1
O professor Rezende (2009) considera que
uma infraestrutura de chaves públicas não é apenas uma Lei. É um
conjunto de regimes normativos, procedimentos, padrões de formatos,
algoritmos e protocolos digitais, e, finalmente, implementações de
softwares e serviços que disponibilizam e/ou viabilizam o uso interoperável
e escalável da criptografia assimétrica em rede digital aberta, compatíveis
com tais padrões. O desafio de quem planeja e implementa uma ICP é
manter interoperabilidade e eficácia normativa diante dos obstáculos
2
apresentados pelo requisito de escalabilidade.
Para o Diretor-Presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação,
Martini (2007), a ICP-Brasil é um sistema de confiança, que assume certos critérios
que se pretendem objetivos: tem como base modelos de auditoria e padrões
abertos, estabelecendo regras públicas mantidas por Comitês. Trata-se, portanto, de
um sistema de confiança com seus componentes sistêmicos essenciais, ladeado por
1
2
Artigo: A ICP-Brasil e os poderes regulatórios do ITI e do CG.
Artigo Privacidade e riscos num mundo de chaves públicas.
35
um subsistema de segurança física e lógica bastante exigente e rigoroso para
ambientes computacionais.3
A estrutura hierárquica da ICP-Brasil é determinada pela MP 2200-2/2001,
que instituiu e estabeleceu as competências de cada tipo de entidade na estrutura.
A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira se baseia no formato
hierárquico, centralizado no modelo de raiz única. A autoridade certificadora raiz
figura no topo da estrutura e autoriza a emissão de certificadores pelas entidades
que integram sua Infraestrutura.
Integra a estrutura hierárquica da ICP-Brasil o grupo constituído pelas
seguintes Autoridades: Gestora de Políticas, Certificadora Raiz, Certificadoras e
Registradoras.
Em todos os níveis da cadeia de certificação, as Autoridades se submetem às
diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor.
A AC-Raiz centraliza o processo de confiança que se estende às autoridades
certificadoras que compõem sua cadeia, em decorrência da confiança depositada
em seu processo de certificação.
De acordo com a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, foram previstos
três níveis nessa arquitetura: o nível de gestão, de credenciamento e de operação,
com entidades e funções específicas previstas para cada um deles.
O nível de gestão contempla a gestão geral e a normalização da ICPBrasil.
O nível de credenciamento contempla a conformidade dos métodos e
processos a serem utilizados pelas instituições operacionais do sistema,
com base nos regulamentos e normas preestabelecidos.
Finalmente, o nível de operação executa atividades de registro, certificação
e guarda de documentos do usuário final, para emissão do respectivo
4
certificado digital.
A atuação de cada uma dessas entidades é embasada por regulamentos,
normas e padrões específicos, necessários e suficientes para a integração das
instituições, apresentando condições adequadas de confiabilidade técnica de gestão
e operação.
4.1.1 Autoridade Gestora de Políticas
3
4
Notas para um estudo da ICP-Brasil.
Documento Ambiente Conceitual da ICP.
36
A Autoridade Gestora de Políticas e da cadeia de autoridades certificadoras é
exercida pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil (CG, instituído pela Medida Provisória
2.200-2/2001, regulamentado pelo Decreto 6.605/2008). Todas as deliberações do
CG devem ser aprovadas por meio de resoluções.
Vinculado à Casa Civil da Presidência da República, tem por atribuição
estabelecer a política e normas técnicas para credenciamento das autoridades
certificadoras e registradoras, em todos os níveis da cadeia de certificação (art. 4º e
incisos). Controla a execução das políticas públicas relacionadas à ICP-Brasil,
inclusive nos aspectos de normatização e nos procedimentos administrativos,
técnicos, jurídicos e de segurança, que formam a cadeia de confiança da ICP-Brasil.
Os membros do Comitê são designados pelo Presidente da República, sendo
sua participação não remunerada à vista do caráter de relevante interesse público.
A participação híbrida do CG contabiliza sete representantes de áreas
estratégicas do Governo e cinco representantes da sociedade civil e setores
interessados, a saber:
a)
Casa Civil da Presidência da República;
b)
Gabinete
de
Segurança
Institucional
da
Presidência
da
República;
c)
Ministério da Justiça;
d)
Ministério da Fazenda;
e)
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
f)
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
g)
Ministério da Ciência e Tecnologia;
h)
Federação Brasileira de Bancos – Febraban;
i)
Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico – camara-e.net;
j)
Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe;
l)
Sociedade Brasileira de Computação – SBC;
m)
Associação Brasileira de Empresas de Processamento de Dados
Estaduais (Abep).5
5
ITI. Composição do CG .
37
Em caráter permanente, podem ser convidados para participar das reuniões
dois representantes indicados pelo Conselho Nacional de Justiça, sem direito a voto.
A coordenação do Comitê Gestor é exercida por representante da Casa Civil
da Presidência da República, cabendo à Comissão Técnica Executiva, integrada por
um representante indicado por cada membro do CG, assistir e dar suporte técnico
ao Comitê Gestor.6
4.1.2 Autoridade Certificadora Raiz
A Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil é a primeira autoridade da
cadeia de certificação, sendo a executora das Políticas de Certificados e normas
técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil (MP 2.2002/2001, art. 5º).
De acordo com a MP 2.200-2 compete à AC-Raiz emitir, expedir, distribuir,
revogar e gerenciar os certificados de Autoridades do nível imediatamente
subsequente ao seu; gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos
e executar a fiscalização e auditoria das Autoridades Certificadoras, Autoridades
Registradoras e prestadores de serviço habilitados na ICP-Brasil. Com a finalidade
de verificar se as Autoridades Certificadoras atuam em conformidade com as
diretrizes e normas técnicas estabelecidas pelo Comitê Gestor, cabe-lhe ainda
fiscalizar, auditar, aplicar sanções e penalidades às Autoridades Certificadoras e
Registradoras.
4.1.3 Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) exerce a função de
Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz) da ICP-Brasil
Transformado em autarquia federal, vinculado à Casa Civil da Presidência da
República, o ITI é responsável pela execução das políticas de certificados e normas
técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor para o credenciamento das
Autoridades Certificadoras e Registradoras. Compete-lhe a atividade de fiscalização
6
Resolução 63/2009. Aprova o Regimento Interno do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira.
38
e poderes para aplicar sanções e penalidades às autoridades integrantes da cadeia
de confiança da ICP-Brasil (MP 2.200-2/2001, arts. 12 a 15).
Cabe-lhe, também, editar instruções normativas para suplementar as
Resoluções do Comitê Gestor, na medida que se fazem necessárias.
4.1.4 Autoridade Certificadora
Uma Autoridade Certificadora (AC) é uma entidade, pública ou privada,
subordinada à hierarquia da ICP-Brasil, subdividida em dois níveis (primeiro e
segundo).
Consideram-se Autoridades Certificadoras de primeiro nível as que se
vinculam diretamente à AC-Raiz; as de segundo nível são aquelas que emitem
certificados posteriores ao primeiro nível.
As Autoridades Certificadoras de primeiro nível têm como função primordial a
responsabilidade de emitir certificados digitais vinculando pares de chaves
criptográficas ao respectivo titular, após receber credenciamento pela AC-Raiz.
Detém competência para expedir, distribuir, revogar e gerenciar os
certificados digitais, cabendo-lhe a divulgação aos usuários das listas de certificados
revogados e a manutenção do registro de suas operações, sempre em observância
com as práticas definidas na Declaração de Práticas de Certificação (DPC).
Obriga-se a elaborar e divulgar a Política de Segurança, a Declaração de
Práticas de Certificação e a Política de Certificados, e se sujeita a auditoria anual
obrigatória (MP 2.200-2/2001, art. 6º).
Deve, ainda, estabelecer e fazer cumprir – pelas Autoridades Registradoras a
ela vinculadas – as políticas de segurança necessárias para garantir a autenticidade
da identificação feita.
Observa-se que, além de atender aos requisitos técnicos, a AC tem a
obrigação da transparência em suas atividades, seja para garantir segurança, a
medida que o usuário tem conhecimento dos certificados revogados, seja para
consulta a operações já realizadas.7
Atualmente encontram-se credenciadas na cadeia de certificação da ICPBrasil as seguintes Autoridades Certificadoras de primeiro nível:
7
Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Documento Ambiente Conceitual da ICP.
39
a)
Serviço Federal de Processamento de Dados – AC Serpro
b)
Caixa Econômica Federal – AC Caixa
c)
Secretaria da Receita Federal – AC RBF
d)
Centralizadora dos Serviços dos Bancos S/A – AC Serasa
Certisign
e)
Imprensa Oficial SP
f)
Autoridade Certificadora da Justiça – AC-JUS
g)
Autoridade Certificadora da Presidência da República – AC PR
h)
Casa da Moeda do Brasil.8
4.1.5 Autoridade Registradora
Podem se credenciar como Autoridade Registradora (AR) os órgãos e
entidades públicos e as pessoas jurídicas de direito privado, ficando responsáveis
pela interface do sistema ICP-Brasil, atuando como elo de ligação entre o usuário e
a Autoridade Certificadora.
Compete às Autoridades Registradoras – obrigatoriamente vinculadas a uma
determinada AC – identificar e cadastrar usuários presencialmente, submetendo a
solicitação de certificado do interessado à AC à qual se subordinam.
A Autoridade Registradora tem por atribuição o recebimento, validação,
encaminhamento de solicitações de emissão ou revogação de certificados digitais às
AC e identificação, de forma presencial, de seus solicitantes. É responsabilidade da
AR manter registros de suas operações (MP 2.200-2/2001, arts. 7º e 8º).
4.2 Estrutura Normativa
A estrutura normativa da ICP-Brasil se compõe de documentos principais,
acessórios, manuais de conduta técnica e adendos, expedidos pelas autoridades
que a integram.
8
ITI. Autoridades Certificadoras Credenciadas.
40
O Comitê Gestor aprovou um conjunto de oito documentos que formam o
corpo básico da estrutura normativa da ICP-Brasil, consubstanciada pelas
resoluções 15/2002, 36/2004, 39/2006 e 41 a 45/2006 (de 18 de abril de 2006).9
Os itens a seguir informados demonstram o extenso arcabouço normativo
criado e já consolidado para o funcionamento da ICP-Brasil e retratam a situação
desse conjunto de documentos.10
4.2.1 Resoluções
As resoluções trazem diretrizes gerais sobre os diversos assuntos
normatizados pela ICP-Brasil. A criação e alteração dependem de aprovação do
Comitê Gestor, por meio de resoluções.
O corpo básico da Estrutura Normativa da ICP-Brasil é formado por um
conjunto de oito documentos aprovados pelo Comitê Gestor (Resoluções 38 a
45/2006, 15/2002 e 23/2004).
Com relação às normas para a utilização de Carimbos de Tempo, o Comitê
Gestor aprovou as resoluções 46 a 57 de 2006.
4.2.2 Resoluções em Vigor
As
Resoluções
emanadas
pelo
Comitê
Gestor
sofrem
modificações, decorrentes de atualizações de ordem técnica.
Atualmente encontram-se em vigor as seguintes Resoluções:11
9
10
11
ANOS
NÚMEROS
2001
3, 5
2002
15, 16, 20
2004
29, 33, 36
2006
39, 41, 42, 43, 44, 45
2007
47, 48
2008
49 a 61
2009
61 a 78
ITI. Legislação Consolidada.
ITI. Estrutura Normativa.
ITI. Resoluções em vigor.
constantes
41
4.2.3 Instruções Normativas
As
Instruções
Normativas
são
consideradas
documentos
acessórios
destinados a suplementar, quando necessário, as Resoluções aprovadas pelo
Comitê Gestor.
São emanadas pelo ITI, que recebeu essa competência do Comitê Gestor da
ICP-Brasil (Resolução 33/2004). Encontram-se em vigor as seguintes Instruções
Normativas:12
ANOS
NÚMEROS
2005
01
2006
05, 06, 08, 10 e 11
2007
01, 02, 03, 04, 05 e 06
2008
01, 02 e 03
2009
01, 02, 03, 04 e 05
4.2.4 Manuais de Conduta Técnica
Os Manuais de Conduta Técnica (MCT) compõem a estrutura normativa com
a finalidade de regulamentar os requisitos, materiais e testes necessários para
homologação de sistemas e equipamentos criptográficos no âmbito da ICP-Brasil.
Fundam-se em regras nacionais e internacionais de padronização e de tecnologia da
informação.
A listagem atual dos MCT compõe-se das Instruções Normativas de números
03 a 09 do ano de 2006.13
4.2.5 Adendos
Complementam os documentos criados por Resolução ou Instrução
Normativa os adendos, formulários, modelos e outros elementos.14
4.3 Credenciamento e Política Tarifária
12
13
14
ITI. Instruções Normativas em vigor.
ITI. Manuais de Conduta Técnica.
ITI. Adendos.
42
Concede-se o licenciamento para operar como AC ou AR a órgãos e
entidades públicos, assim como a pessoas jurídicas de direito privado, que
mantenham instalações no território nacional.15
As entidades credenciadas como prestadoras de serviço de certificação se
obrigam ao cumprimento de um conjunto de diretrizes de segurança definidos pela
ICP-Brasil, como instrumentos garantidores de segurança e confiabilidade de todas
as operações praticadas pela cadeia de certificação.
Sujeitam-se a observância de regras e procedimentos de credenciamento
constantes das detalhadas exigências previstas na política de segurança da ICPBrasil, submetendo-se à auditoria e fiscalização com a finalidade de se apurar a
efetiva satisfação de todas as normas técnicas e diretrizes emanadas pelo Comitê
Gestor.
Subordinadas a um rigoroso processo de credenciamento, devem as
Autoridades cumprir as práticas de certificação previamente estipuladas, requisitos
técnicos para preservação de ambiente seguro – em nível físico, lógico, humano – e
de proteção de recursos criptográficos.
Como salientado pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, “para a ação
de credenciamento, deve ser atendido um conjunto de requisitos comuns às ACs e
ARs, no que tange à personalidade jurídica, de qualificação econômico-financeira e
de
atendimento
aos
requisitos
técnicos
determinados
pela
ICP-Brasil.
Adicionalmente, as ACs devem apresentar pelo menos uma candidata à AR, a
relação de candidatos a prestadores de serviço de suporte, contratar seguro de
responsabilidade civil para os serviços de certificação digital e de registro e,
principalmente ter todas as suas instalações em território nacional”.16
As diretrizes da política tarifária da AC-Raiz dispõem que a emissão de
certificados pela Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil para as Autoridades
Certificadoras que lhe são diretamente vinculadas, constitui serviço a ser prestado
mediante a cobrança de tarifa.17
15
16
17
ITI. Critérios e Procedimento de Credenciamento das Entidades Integrantes da ICP-Brasil.
Documento Ambiente Conceitual da ICP.
Resolução n° 55/2008. Aprova a versão 3.0 das diretrizes da política tarifária da Autoridade
Certificadora Raiz da ICP-Brasil.
43
Atualmente o valor da tarifa foi estabelecido em R$ 500.000,00 para emissão
do primeiro certificado de uma Autoridade Certificadora diretamente vinculada à ACRaiz – AC de primeiro nível.
Para a emissão de certificados posteriores ao primeiro – AC de segundo nível
– é necessário o desembolso de R$ 100.000,00.
Paralelamente, também incide a cobrança de tarifa de R$ 50.000,00 à
auditoria pré-operacional para credenciamento de uma Autoridade de Carimbo do
Tempo na ICP-Brasil.
As Autoridades Certificadoras devem ainda apresentar apólice de contrato de
seguro de cobertura de responsabilidade civil decorrente das atividades de
certificação digital e de registro, com cobertura suficiente e compatível com o risco
da atividade (Item 2.2.2.3.3., b, da Resolução CG 47/2007).
A Administração Direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios estão dispensados do pagamento dessas tarifas (Resolução n° 52/2008.
Altera os critérios e procedimentos para credenciamento das entidades integrantes
da ICP-Brasil).
44
5 EFICÁCIA JURÍDICA DOS CERTIFICADOS DIGITAIS
5.1 Certificado Qualificado e Certificado Puro
A MP 2.200 elegeu um regime dual relativo ao valor jurídico e probante das
assinaturas digitais.
O emprego da assinatura eletrônica avançada resulta na segurança de
associação inequívoca a seu titular, baseada em certificado qualificado válido à
época de sua aposição, vinculada ao documento eletrônico ao qual se refere. Dessa
forma, objetiva garantir que qualquer alteração subsequente no conteúdo do
documento seja plenamente detectável.
O credenciamento de um prestador de serviços de certificação na ICP-Brasil
importa na atribuição do selo de qualidade que o autoriza a fazer uso desta
designação (prestador de serviços de certificação credenciado). Tal atributo resulta
da confiança de que os serviços de certificação foram testados, auditados,
fiscalizados e aprovados técnica e operacionalmente, presumindo-se que sejam
seguros e confiáveis (Exposição de Motivos 53/2002, item 9 do Projeto de Lei
7.316/2002).
Buscando referência no direito comparado, o professor Rohrmann (2005, p.
68) assinala que, na Alemanha, a assinatura digital significa um selo afixado aos
dados digitais.
As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica, produzidas
com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil,
presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei
3.071/1916 (Art. 10, § 1º).
Logo, apenas a certificação disponibilizada pela ICP-Brasil concede a
chamada equivalência funcional à assinatura manuscrita, atribuindo uma presunção
de veracidade às declarações de vontade realizadas em ambiente virtual, diante da
utilização de assinatura digital obtida perante uma das certificadoras credenciadas
pela Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil (MENKE, 2005, p. 136).
Portanto, as declarações de vontade expressas em documentos eletrônicos
que se utilizam dos certificados qualificados disponibilizados pela ICP-Brasil
45
presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, gozam da presunção de
validade oponível erga omnes.
Aplicado o princípio da autonomia da vontade, concede-se a liberdade de
eleição de outros métodos de comprovação de autoria e integridade de documentos
em forma eletrônica. Os certificados digitais particulares, emitidos por empresas não
credenciadas junto à ICP-Brasil, têm sua eficácia condicionada à admissão pelas
partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for aposto o documento (art. 10, §
2º).
Admitida a possibilidade de utilização de outros métodos de comprovação de
autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, o professor Aires José
Rover registra que tal permissão se sustenta pelas normas do direito civil, que
determinam a liberdade de contratação e de forma dos atos e negócios jurídicos,
passando a ser reconhecidos pelo ordenamento jurídico.1
Assim, tem-se de um lado a assinatura avançada que produz, por força de lei,
os mesmos efeitos jurídicos da assinatura manuscrita e, de outro, a assinatura
certificada por particular. Apesar de não se recusar seu valor jurídico e probante,
esta última se condiciona à admissão pelas partes como válida ou aceita pela
pessoa a quem foi aposta.
No I Fórum sobre Segurança, Privacidade e Certificação Digital realizado pelo
Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, o advogado Marcos da Costa
abordou a questão da eficácia jurídica diferenciada dos documentos emitidos por
uma autoridade pública e uma empresa privada, concluindo que:
se a certificadora for privada o certificado por ela emitido será um
2
documento privado; se pública, público será o certificado.
O ônus da prova em caso de impugnação de um documento privado
pertence a quem produziu a prova documental, enquanto que sendo
documento público o ônus se reverte, cabendo a prova a quem o impugnar.
O professor Rezende (2009) entende como uma forma de asfixia a
decretação de validade jurídica apenas daquelas assinaturas cujas chaves
1
2
Artigo: Validade jurídica de documentos eletrônicos assinados com Infraestruturas diferentes da
ICP-Brasil.
Artigo Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos.
46
verificadoras exibam certificação credenciada.3 Ele comenta sobre a MP 2.200-2 e
os riscos da segurança jurídica da ICP-Brasil:
A discussão jurídica sobre a ICP-Brasil começa pelo direito natural de fazêlo. A MP 2200-2 está dizendo que só a Acarais tem o direito natural de
apresentar-se a si mesma, para os que transitam por um novo portão por
ela aberto, separando o mundo virtual do mundo jurídico. A saber, o portão
da presunção de veracidade de documentos eletrônicos.
Consequentemente, só ela tem o direito de apresentar aqueles que vão
poder apresentar, com presunção de veracidade, os que transitam por este
portão. Ela pode, desta forma, instituir, neste portão, o pedágio que quiser.
A MP 2200-2 vai além e cria, com sua estrutura de certificação em árvore
(estrutura erroneamente denominada "cadeia" no artigo 2º), um regime de
castas para esta nova "etiqueta social", com a Acarais no papel de
soberano supremo e o comitê gestor como guardião do regime: Quem se
apresentar por meio desta hierarquia é presumido verdadeiro, cabendo a
4
quem duvidar o ônus da prova, ao reverso para os párias.
5.2 Análise Crítica
A adoção de um modelo de certificação digital baseada em raiz única
vinculada ao Poder Executivo Federal implica na presença do Estado na ordem
econômica, avocando a si a responsabilidade pela emissão de certificados digitais
no âmbito das relações públicas e privadas, bem como o controle e supervisão da
prestação da atividade.5
Mas, para receber essa distinção privilegiada, deve o prestador do serviço
desembolsar o valor estipulado pelo Estado a título de tarifa.
Ocorre que a Constituição Federal assegura a ordem econômica fundada na
livre iniciativa, elencando entre os princípios gerais da atividade econômica (art. 170,
IV) a livre concorrência; assegura ainda o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo disposição
prevista em lei. (art. 170, parágrafo único).
Ressalvados os casos previstos de monopólio da União (art. 177) consagra a
Carta Maior que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173).
Como salientado por Isabela Gerbelli Garbin:
3
4
5
Artigo: Totalitarismo Digital.
Artigo: Desequilíbrios Jurídicos com a ICP-Brasil.
Chamado de “golpe branco” pelo professor Pedro Antonio Dourado de Rezende, no artigo
“Totalitarismo digital”.
47
a participação do Estado na esfera econômica, seja de forma abstensiva,
como preceitua o liberalismo, seja de forma ostensiva por intermédio de
dezenas de órgãos fiscalizadores e burocráticos gera mais inseguranças e
incertezas, devido as suas competências sancionadoras e repressivas. O
Estado deverá assumir funções mais moderadas se insurgindo como um
regulamentador ou coordenador da economia, deixando de lado, neste
6
aspecto, o seu caráter excessivamente protetor.
Concordamos com o professor Costa (2001) quando afirma que a ICP-Brasil
deveria voltar às suas origens de ICP-Gov, servindo de instrumento para os
documentos e comunicações eletrônicas do próprio Governo Federal.7
As disposições trazidas pelo Substitutivo 4906/01 se mostram mais
adequadas aos moldes do regime da livre iniciativa, não sujeitando a prestação da
atividade de serviços de certificação digital a um prévio credenciamento junto ao
Poder Executivo Federal e não concedendo eficácia diferenciada a qualquer
certificado.
5.3 Modernização Legislativa. Nova Ordem Legal a Partir da ICP-Brasil
A
partir
da
concretização
da
ICP-Brasil,
os
diplomas
legais
vêm
paulatinamente se renovando em relação às relações jurídicas vivenciadas na
chamada sociedade da informação, passando a incorporar comandos específicos no
que tange aos meios eletrônicos, conforme será exposto a seguir.
Nesse processo de atualização destaca-se o art. 225 do Código Civil
passando a admitir que “as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros
fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de
fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte contra quem forem exibidos,
não lhes impugnar a exatidão”.
A Lei 11.280/2006 inseriu um parágrafo único ao art. 154 do Código de
Processo Civil, passando a estabelecer que “os tribunais, no âmbito da respectiva
jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais
por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade
jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas – ICP-Brasil”.
6
7
Artigo Perspectivas da atuação do Estado na ordem econômica global.
Artigo Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos.
48
Completando o ciclo de sedimentação legal da ICP-Brasil, a Lei 11.419/2006
incorpora os meios eletrônicos no âmbito interno do Poder Judiciário para dispor
sobre a informatização do processo judicial, aplicada indistintamente aos processos
civil, penal, trabalhista e aos juizados especiais em qualquer grau de jurisdição (art.
1º, § 1º).
O texto legal prevê como indispensável à prática de todos os atos processuais
(art. 2º, art. 4º, § 1º, art. 8º, § único) a utilização de assinatura digital, condicionada à
aceitação exclusiva de certificados gerados pela Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira – ICP-Brasil (arts. 1º, § 2º, a; 4º, § 1º; CPC art. 38, § único, art. 154, §
único, art. 202, § 3º).
Para tanto, o documento produzido eletronicamente que se revista das
garantias de origem e identificação do signatário (art. 11) receberá a equivalência de
documento original para fins de prova judicial.
49
6 A INVIABILIDADE DA CRIAÇÃO DE OUTRAS INFRAESTRUTURAS DE
CHAVES PÚBLICAS
6.1 Casos Concretos
Os casos concretos que exporemos demonstram que apesar da MP 2.200
não vedar a utilização de certificados não emitidos pela ICP-Brasil, a criação de
infraestruturas paralelas não vem sendo aceita pelo ITI; além disso, a sedimentação
legal dos efeitos jurídicos dos certificados emitidos pela ICP-Brasil impede a livre
concorrência em matéria de certificação digital.
6.1.1 Prefeitura Municipal de Florianópolis
A Prefeitura Municipal de Florianópolis decidiu criar a nota fiscal eletrônica
para fins de recolhimento do Imposto Sobre Serviços e o Sistema de Autorização de
Documentos Fiscais Eletrônicos, editando, para tanto, o Decreto Municipal
4.446/2006.
Foi instituída uma Autoridade de Registro própria para a Secretaria Municipal
da Receita, dispondo expressamente que “a certificação digital será aquela
disponibilizada nos termos da Medida Provisória nº 2.200-2/2001, que instituiu a
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira/ICP-Brasil” (Art. 14).
Ocorre que o ITI, na qualidade de Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil,
entendendo que a criação desta ICP em nível municipal infringia dispositivo legal
expresso, impetrou mandado de segurança contra este ato do Prefeito “que usurpa
competências da impetrante e viola disposição legal sobre a validade jurídica do
documento eletrônico”, com base nos seguintes argumentos:
a) o município não está credenciado na ICP-Brasil, tratando-se de
ingerência nas atribuições exclusivas do ITI;
b) a criação da infraestrutura de chaves públicas contraria o modelo de
raiz única adotado no ordenamento jurídico pátrio e fere o regramento
jurídico-legal conferido à ICP-Brasil;
c) o certificado específico emitido pela Prefeitura somente se presta para o
contribuinte tratar com a Prefeitura;
d)atenta contra a segurança de todo Sistema Nacional de Certificação
Digital, pois “afinal cada um dos estados e municípios brasileiros poderá
50
ter uma ICP própria, o que afrontaria o modelo de ICP hierárquica adotado
pelo Brasil”; e, finalmente,
e) que os efeitos da certificação particular se restringem ao universo inter
1
partes.
Em sua defesa, o município de Florianópolis argumentou não ter ocorrido tal
usurpação de poderes, tendo em vista que:
a) a Medida Provisória autorizou o uso da certificação digital, gerenciada
pela ICP-Brasil – e, consequentemente, pelo Governo Federal – sem
colocar “obstáculo aos interessados que pretenderem utilizar outro meio
de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma
eletrônica”;
b) o credenciamento no âmbito da ICP-Brasil não é obrigatório, admitindose a certificação baseada em certificados não governamentais;
c) a normatização promovida encontra validade no art. 11 da Medida
Provisória 2.200-2; *A utilização de documento eletrônico para fins
tributários atenderá, ainda, ao disposto no art. 100 do Código Tributário
Nacional. **CTN, art. 100. São normas complementares das leis, dos
tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I – os atos
normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
d) as ARs e ACs no âmbito do Sistema AEDF (Autorização de Emissão de
Documentos Fiscais Eletrônicos) assemelham-se ao papel desempenhado
pelas gráficas autorizadas pelo Município a imprimir blocos de notas
fiscais de prestação de serviços a serem utilizadas pelo contribuinte do
ISS;
d) não está criando estrutura paralela de emissão de certificados digitais,
apenas controla o credenciamento.
O Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis acolheu integralmente a
pretensão do ITI, concedendo a segurança e declarando a ilegalidade do referido
Decreto Municipal, sob os seguintes fundamentos:
a) conforme o disposto no § 2º do art. 10 da MP 2200-2/01, não fica
proibida a utilização de outro meio de comprovação da autoria e
integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem
certificados não emitidos pela ICP-Brasil. O mesmo parágrafo, no entanto,
impõe uma condicionante: desde que admitido pelas partes como válido
ou aceito pela pessoa a quem for aposto o documento;
b) o cumprimento de obrigações tributárias, ainda que acessórias
(emissão de documentos fiscais), não pode ser executado na forma
eletrônica fora do Sistema hierárquico da Infraestrutura de Chaves
Públicas Brasileira/ICP-Brasil, pela limitação expressa no próprio
dispositivo do § 2º do art. 10;
c) O parágrafo primeiro do mesmo artigo dez assegura presunção de
veracidade das declarações constantes dos documentos em forma
eletrônica, desde que utilizado o processo de certificação disponibilizado
pela ICP-Brasil. Em outras palavras, por maior que seja a segurança
técnica oferecida pelo Sistema adotado pelo Fisco de Florianópolis, não
pode ostentar a presunção legal de veracidade das declarações em
1
Mandado de Segurança nº 2007.72.00.002903-9/SC.
51
relação aos signatários. Tal circunstância, de ordem legal, é incompatível
no âmbito das relações de natureza tributária;
d) Outra ponderação relevante destacada na inicial é a necessária
garantia da interoperabilidade entre os diversos Sistemas, todos
integrados, de forma hierárquica, ao Instituto Nacional de Tecnologia da
Informação, o qual figura como Autoridade Certificadora Raiz e constitui
uma raiz única. Tal garantia de interoperabilidade permitirá, no futuro,
intercâmbio e gerenciamento de informações entre as entidades públicas
que venham a operar com a tecnologia em questão, por exemplo: Receita
Federal (já integrante), secretarias de fazenda estaduais e municipais.
Nesse quadro, a existência de um sistema fechado, exclusivo de um
2
município e seus contribuintes, tornaria difícil essa interoperabilidade.
No agravo de instrumento promovido pelo ITI quanto ao indeferimento da
liminar pleiteada, assim se pronunciou o Desembargador Federal Edgard Lippman
Junior, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:3
Não se diga que a matéria tratada no Decreto Municipal objurgado (n.
4.446/06), seria de índole eminentemente tributária – instituiu o Sistema de
Autorização de Documentos Fiscais Eletrônicos (Aede), criando-se uma
Autoridade de Registro (AR) própria da Secretaria Municipal da Receita.
Com isso, praticamente, estabeleceu um sistema de Infraestrutura de
Chaves Públicas Municipal, paralelo ao sistema nacional antes referido, de
sorte que, acaso legitimada tal conduta, importaria em irrogar-se a todos
os municípios do Brasil tal possibilidade, cujas consequências seriam
desastrosas para o sistema.
Assim, tenho como consistente a alegação de que a ICP-Brasil, objetiva
constituir uma cadeia de confiança, cujo objetivo fundamental é o de
permitir, nacionalmente, a comprovação da autenticidade e da integridade
das manifestações de vontade das pessoas físicas e jurídicas. Note-se
que há uma forte tendência de se utilizar deste sistema dentro do Poder
Judiciário, tanto assim é verdade que com base nela, em dezembro de
2004, criou-se a Autoridade Certificadora da Justiça – AC-JUS.
Cumpre reiterar que a adesão à ICP-Brasil é de caráter voluntário e que a
Medida Provisória 2.200 não veda a criação de infraestrutura alheia a sua cadeia de
certificação.
Portanto, inexiste qualquer impedimento quanto à adoção de uma ICP própria
por qualquer estado ou município, desde que se restrinja a seu âmbito de atribuição.
Tal conclusão se sustenta ainda pela autoridade do doutrinador Aires José
Rover: “órgãos do governo federal, estaduais e municipais, pertencentes a quaisquer
dos três poderes, podem usar certificação diferente da ICP-Brasil para assinar
2
3
Mandado de Segurança. Sentença 4ª Vara Federal de Florianópolis.
Id. Despacho e Decisão Agravo de Instrumento.
52
documentos eletrônicos, assim como podem dispor sobre a adoção de documentos
eletrônicos para fins tributários”.4
O ITI fez uso de argumento falacioso alegando que a criação de uma
infraestrutura paralela afronta o modelo hierárquico adotado pelo Estado brasileiro.
Em verdade, foi criada uma infraestrutura própria, no âmbito da competência
do município de Florianópolis, adstrita à Secretaria Municipal da Receita, para
regular a relação tributária com seus contribuintes do ISS.
Sendo assim, jamais ocorreu a alegada ingerência nas atribuições exclusivas
do ITI, posto que o Decreto 4.446 se restringia ao universo particular municipal e não
teve a pretensão de interagir com a ICP-Brasil.
Introduziu-se, no regulamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza, disposições relativas aos documentos eletrônicos de ordem fiscal,
vinculando tão somente o município a seus contribuintes. Nessa seara, a validade
jurídica inter partes se encontrava plenamente reconhecida.
Depreende-se que a decisão judicial, concedendo o mandado de segurança,
ateve-se primordialmente ao fato de que os certificados emitidos pela ICP do
município de Florianópolis não atenderiam ao instituto da interoperabilidade
indispensável para interagir com a Secretaria da Receita Federal, que se encontra
filiada à cadeia de certificação da ICP-Brasil.
Ocorre que não foi esse o escopo da ICP do município de Florianópolis, que,
repita-se, editado por autoridade competente para conhecer assuntos de natureza
pública municipal, se ateve a regulamentar a relação por meio eletrônico com os
contribuintes do ISS.
Os advogados Costa e Marcacini (2002) assim comentam sobre a obrigação
imposta à esfera municipal de se filiar à ICP-Brasil:
Não bastasse amarrar a sociedade civil e a iniciativa privada em uma
camisa-de-força eletrônica, obrigando-a a utilizar somente os padrões e
sistemas autorizados pelo Super Comitê, a Medida Provisória, ato
tipicamente imperial, ignora que o país é uma República Federativa, que a
Administração Pública se desdobra em três níveis – federal, estadual e
municipal – e que, além do Executivo, existem outros dois Poderes que se
supunha serem autônomos e independentes. Nossa nova legislação digital
simplesmente obriga que o Legislativo e o Judiciário, caso queiram utilizar
certificados eletrônicos, submetam-se às regras federais do ilustrado
4
Artigo: Validade jurídica de documentos eletrônicos assinados com Infraestruturas diferentes da
ICP-Brasil.
53
Comitê, utilizando os sistemas e programas que forem determinados, o
mesmo acontecendo com as esferas estadual e municipal. E isto é
5
flagrantemente inconstitucional.
E, comentando especificamente sobre a iniciativa da Prefeitura Municipal de
Florianópolis de criar sua própria ICP, alerta Costa (2002):
Do ângulo de vista estritamente jurídico, inaceitável é querer o Governo
Federal desconsiderar a autonomia dos municípios para estabelecerem
suas Infraestruturas. Diga-se, aliás, que a própria ICP-Brasil não resiste a
um exame de sua constitucionalidade, seja porque o país tem estrutura
federativa, com outras unidades de poder autônomas que não podem ser
dirigidas a partir de um órgão anexo ao Palácio do Planalto, seja porque,
desde as ideias de Montesquieu, as democracias ocidentais adotam o
regime de tripartição de poderes, cada qual com independência para gerir
suas próprias estruturas administrativas e que, por óbvio, não recebem
ordens de autarquias nem de comitês presidenciais. Do ângulo de vista
técnico, basta as duas ICPs, do Governo Federal e de Florianópolis
instalarem reciprocamente os respectivos certificados, para que os
sistemas se comuniquem. Há um padrão internacional que rege estes
modelos de certificação. Do ponto de vista político, bastou que um único
município adotasse sua própria ICP para que fosse descortinada a
verdadeira intenção do Governo Federal, de controle total e absoluto de
6
todos os documentos eletrônicos do Brasil.
Contrariando o teor da MP 2.200, que instituiu o critério de adesão voluntária
aos sistemas de credenciamento na ICP-Brasil, são inadmissíveis as afirmativas da
entidade autárquica ITI, pois:
a) a criação de uma Infraestrutura alheia à ICP-Brasil “atenta contra a
segurança de todo Sistema Nacional de Certificação Digital”;
b) a criação de uma ICP própria por cada um dos estados e municípios
brasileiros afrontaria o modelo de ICP hierárquica adotado pelo Brasil
(Alegações constantes no Mandado de Segurança);
c) “poderia resultar em consequências desastrosas para o Sistema”.
(Despacho no Agravo de Instrumento pelo Des. Relator Edgard Lippman
Junior)
6.1.2 Ordem dos Advogados do Brasil
Desde a criação da ICP-Brasil, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) contesta os poderes a esta conferidos no que se refere à
identificação da categoria de advogado, para fins profissionais.
5
6
Artigo A urgência e relevância em violentar a internet brasileira.
Artigo ICP-Brasil: A fera, enfim, mostra sua real face.
54
Após a edição da MP 2.200, o Presidente da Comissão de Informática do
Conselho Federal da OAB, Costa (2002), assim se manifestou:
Até mesmo uma autarquia federal independente, como a OAB, tem sua
autonomia violada e ameaçada o livre exercício da advocacia por essa
norma totalitária. A MP afronta iniciativas como da OAB, comandadas pelos
estudos da Comissão de Informática Jurídica da Seccional Paulista, já
amplamente declarada, de atuar como certificadora digital dos advogados,
emitindo o seu próprio certificado raiz a partir do Conselho Federal, tendo
as Seccionais estaduais como Entidades Certificadoras, e utilizando com
padrões e sistemas que considera seguros ao exercício profissional da
Advocacia.
Afinal, o sistema de criptografia que utilizarmos deverá garantir a
segurança jurídica dos atos praticados pelo advogado e a preservação do
sigilo da comunicação eletrônica travada com seu cliente. A ninguém mais
compete identificar advogados, senão à OAB. Assim deve ser, também, no
7
meio eletrônico.
O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94)
dispõe que o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro, assim como
a denominação de advogado, são privativos dos inscritos na OAB (art. 3º), não
mantendo a Entidade qualquer vínculo funcional ou hierárquico com órgãos da
Administração Pública (art. 44, § 1º).
O Conselho Federal – na qualidade de órgão supremo da OAB (art. 45, § 1º)
– detém competência exclusiva para dispor sobre a identificação dos inscritos na
Ordem (art. 45, X) cabendo ao Conselho Seccional a responsabilidade pela
manutenção do cadastro de seus inscritos (art. 58, VIII). Por outro lado, o documento
de identidade profissional, de uso obrigatório no exercício da atividade de advogado
ou estagiário, constitui prova de identidade civil para todos os fins legais.
Assim, em se tratando de identificação de advogados, a única instituição
autorizada a conceder o documento de identidade que ateste esta condição para fins
profissionais é a Ordem dos Advogados do Brasil.
Sustenta a Ordem que a expedição de certificados digitais que atribuam a
alguém a condição de advogado não pode ser desempenhada por qualquer outro
ente, público ou privado, uma vez que somente a OAB detém a competência
privativa de identificar o profissional, bem como atestar a regular inscrição do titular
em seus quadros.
Nesse sentido, cabe novamente citar as observações de Marcacini (2002):
7
Mandado de Segurança nº 2007.72.00.002903-9/SC..
55
os certificados eletrônicos dos advogados são uma espécie de versão
eletrônica de nossa Carteira de Identidade de Advogado, hábeis a provar a
identidade do advogado, bem como sua qualidade de inscrito nos quadros
da OAB, para fins exclusivamente profissionais [...]
Os certificados emitidos pela OAB, além da declaração da identidade de
seu titular, indicam um atributo que somente esta entidade pode conferir: a
qualidade, deste titular, de inscrito como advogado em seus quadros.
Assim, todo aquele que receber uma mensagem assinada por certificados
emitidos pela ICP-OAB, poderá reconhecer que o remetente é advogado
regularmente inscrito, sem nunca tê-lo visto. Basta que seja instalado, no
computador do destinatário, o certificado do Conselho Federal da OAB, que
pode ser encontrado no site da entidade, para que todos os certificados
8
dos advogados brasileiros sejam automaticamente validados.
Araujo (2007) pondera que “a vantagem no uso de certificados atrelados à
Ordem dos Advogados é a possibilidade de que o advogado que esteja suspenso,
ou mesmo excluído de seus quadros possa sofrer a sanção logo após o trânsito em
julgado, já que seu certificado poderia ser revogado no banco de dados da entidade,
impedindo, consequentemente, o peticionamento eletrônico irregular”.9
Assim, para que a OAB pudesse exercitar sua prerrogativa de identificação de
seus inscritos (deferida por lei especial) no meio digital, teria que receber uma
“autorização” do Poder Público, e, ainda, pagar pelo credenciamento na ICP-Brasil.
O Órgão chegou a afirmar publicamente que “o advogado não deve comprar
certificado digital de empresas particulares, pois, além de prática ilegal, esse
instrumento não dará acesso a todos os serviços, que, em breve, estarão
disponíveis tanto pelos tribunais brasileiros quanto pela OAB”.10
Uma vez que a Ordem dispõe do cadastro dos inscritos em seus quadros,
bastaria criar sua infraestrutura própria, para que pudesse interagir com a ICP-Brasil,
sem qualquer custo para a entidade – desde que atendidos os requisitos de
autenticidade, integridade e interoperabilidade prescritos na MP 2.200.
Corrobora esse entendimento o Desembargador Fernando Neto Botelho
(Tribunal de Justiça de Minas Gerais), que afirmou, quando do lançamento do
convênio celebrado entre a OAB paulista e o Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo:
8
9
10
Artigo: Certificação Eletrônica. Sem Mitos ou Mistérios.
Artigo: Infraestrutura de Chaves Públicas e Informatização Judicial.
Conselho Federal da OAB. Advogado não deve comprar certificado digital de particulares.
56
A ICP-OAB pode ensejar a instalação, gratuita, no âmbito de qualquer
Tribunal brasileiro, de uma própria infraestrutura de chaves de encriptação,
que poderá "falar" e interagir com os certificados OAB, sem quaisquer
custos de aquisição de softwares proprietários, ou de pagamentos de
"royalties", flexibilidade que torna a questão da segurança no tráfego de
documentos absolutamente resolvida, para os níveis de segurança que se
11
exige para o trabalho técnico-jurisdicional.
Assim, decidida a não se subordinar à ICP-Brasil, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil criou sua própria infraestrutura de chaves públicas
– a ICP-OAB. Passando a emitir certificados exclusivos para a categoria de
advogados, promoveu a identificação de seus inscritos também em meio digital.12
A ICP-OAB assegurava a autenticidade e integridade de informações
transmitidas por advogados nela inscritos, relacionadas ao exercício profissional.
Cabia ao Conselho Federal exercer a função de Autoridade Certificadora de ChaveRaiz, os Conselhos Seccionais desempenhavam o papel de Autoridades
Certificadoras, operando as Subseções como Autoridades de Registro (Provimento
97/2002).
Ocorre que o surgimento de outros fatores colocou a ICP-OAB em situação
de difícil sustentação. Em primeiro lugar, a criação da Autoridade Certificadora do
Poder Judiciário, (AC-Jus), se submeteu ao credenciamento na ICP-Brasil.
Depois, a incorporação do parágrafo único ao art. 154 do Código de Processo
Civil, dispondo que os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão
disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios
eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e
interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil
(incluído pela Lei nº 11.280, de 2006).
E, finalmente, pela edição da Lei 11.419/2006, que instituiu o processo judicial
informatizado, a qual passou a prever a aceitação jurídica exclusiva dos certificados
qualificados gerados a partir da cadeia da ICP-Brasil, tendo em vista que a eficácia
erga omnes se dirigia unicamente à certificação digital por esta preconizada.
Como o certificado emitido pela ICP-OAB não ostentava a qualidade de ser
oponível contra terceiros, não poderia ser aplicado ao processo eletrônico, posto que
se restringia ao universo inter partes (MP 2.200/2/1001, art. 10, § 2º).
11
12
Informação ratificada pelo Magistrado em 05/10/2009.
Conselho Federal da OAB. Polêmica no cadastro de advogados.
57
A irresignação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com
a situação jurídica cristalizada pela ICP-Brasil materializou-se pela propositura de
diversas medidas administrativas e judiciais, destacando-se a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3869/2007, que impugnou os efeitos do art. 2º da Lei
Federal 11.280/2006, que deu nova redação ao parágrafo único do art. 154 do CPC.
Admitido como amicus curiae nesse procedimento judicial, o Instituto
Brasileiro de Direito Eletrônico, manifestou-se no sentido de que a utilização do
certificado da ICP-OAB na tramitação dos feitos na modalidade eletrônica violava a
MP 2.200:
Note-se, porém, que a Ordem dos Advogados do Brasil é uma entidade
certificadora não credenciada pela ICP-Brasil, resultando então em dúvidas
quanto à permissão legal para o uso dos certificados por ela concedida. [...]
Nos termos do art. 2º da MP 2.200, se verifica, com clareza, que a ICPBrasil é a única infraestrutura que goza de autenticidade oponível contra
terceiros. No caso específico da OAB, ao insistir em sua ICP-OAB,
dependerá de aceitação da parte contrária a fim de ser válida a emissão do
documento. E essa parte contrária pode ser a parte no processo, o
Ministério Público e o próprio Judiciário.
Posteriormente, a Procuradoria Geral da República opinou pelo não
conhecimento da ADI.13
Diante dessa situação insustentável decidiu a OAB filiar-se à ICP-Brasil,
editando o Provimento 120/2007:
Art. 12. Passa a integrar o presente Provimento, em razão da criação da
AC-OAB, subordinada à hierarquia da ICP-Brasil, a Declaração de Práticas
de Certificação (DPC), a Política de Certificado de Assinatura Digital (PC) e
a Política de Segurança (PS), objeto dos Anexos I, II e III, respectivamente.
(09/10/2007)
Seu credenciamento como Autoridade Certificadora de segundo nível
viabilizou-se a partir da prestação de serviço de suporte pela AC de primeiro nível
Certisign, operação que tornou desnecessário o investimento da OAB em sala-cofre
e em outras questões técnicas.14
Note-se que pelos moldes em que foi criada, a ICP-OAB encontrava-se em
singular situação fática: não era ilegal, mas tampouco era oficial. Ou seja, os
13
14
Conselho Federal da OAB. ADI nº 3869/2007.
Conselho Federal da OAB . OAB se credencia à ICP-Brasil.
58
certificados emitidos no âmbito de sua estrutura não gozavam de validade jurídica
oponível contra terceiros.
Constata-se, portanto, que em razão da validade jurídica dual estabelecida
pela ICP-Brasil, na prática, o critério de adesão voluntária transmuta-se em
compulsório. Não restou à OAB outra alternativa que não o credenciamento na
Infraestrutura instituída pelo Poder Executivo Federal.
6.2 Análise Crítica
Pelos casos concretos apresentados, verifica-se que o sistema nacional de
certificação implantado pelo Governo Federal na prática tem inviabilizado a criação
de qualquer outra infraestrutura de certificação digital particular, sob pretextos
díspares.
As alegações defendidas sobre a validade jurídica diferenciada atribuída à
ICP-Brasil, sobre a necessidade de atendimento do requisito da interoperabilidade
de certificados, corporificam sua ingerência em áreas que definitivamente não lhes
são afeitas.
Repita-se que a Medida Provisória 2.200 não veda a utilização de certificados
não emitidos pela ICP-Brasil.
Apesar da instituição do critério voluntário de adesão, afere-se que a
certificação oficial brasileira – fazendo uso do privilégio da força probatória conferida
a sua certificação qualificada – mantém o animus de não permitir a constituição de
qualquer infraestrutura paralela, fato que definitivamente agride o princípio da livre
concorrência.
59
7 ANÁLISE CONSTITUCIONAL
7.1 A Medida Provisória na Constituição Federal de 1988
Adotada pela Constituição Federal de 1988 em substituição ao decreto-lei
(previsto na Constituição de 1937), resulta a medida provisória de ato extraordinário
de iniciativa exclusiva do Presidente da República (CF, art.62) que se submete à
vedação de regulamentar as matérias previstas no § 1º do art. 62 da CF, relativas à
nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; direito
penal, processual penal e processual civil, além do disposto nas alíneas c, d e
incisos II a IV, conforme redação dada pela EC 32.
Pessoa (2000, p. 63-64)) afirma que “as medidas provisórias se atrelam ao
princípio da legalidade e da lei, constituindo fonte principal do direito administrativo
se submetem ao rigor impostos pelos pressupostos constitucionais” .
Tratando-se dos pressupostos de edição, a Constituição Federal delega a
função de legislar ao Chefe do Poder Executivo somente em casos de relevância e
urgência, habilitando-o a editar normas provisórias com força de lei, com eficácia
imediata.
Essa medida excepcional não se liberta da deliberação do Congresso
Nacional, devendo imediatamente ser submetida a este por se sujeitar a sua
atribuição de dispor sobre todas as matérias de competência da União (CF, art. 48).
A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das
medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus
pressupostos constitucionais (CF, art. 62, § 5º).
Para Ferreira Filho (2009, p. 331), o perfil da medida provisória seria de um
projeto de lei de eficácia antecipada .
O constitucionalista Mendes (2009, p. 926) conceitua o instituto como “ato
normativo primário, sob condição resolutiva, de caráter excepcional no quadro da
separação de Poderes” .
A
existência
e
validade
desse
ato
regulamentar
submete-se,
obrigatoriamente, ao cumprimento concomitante dos pressupostos formais de
urgência e relevância que configurem situação em que a demora na produção da
norma possa acarretar dano de difícil ou impossível reparação para o interesse
60
público, como acentuado por Gilmar Mendes (2009, p. 926). A relevância e urgência
devem ser justificadas e motivadas, obrigatoriamente (SZKLAROWSKY, 2003, p.
119).
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre seu dever de exercer a
fiscalização de constitucionalidade das leis e atos normativos, ressaltando a
necessidade da presença concomitante dos requisitos constitucionais de urgência e
relevância (ADI 4048 e 4049 do Distrito Federal).
De acordo com o Ministro Celso de Mello “o que justifica a edição de medidas
provisórias, com força de lei, em nosso direito constitucional, é a existência de um
estado de necessidade que impõe ao Poder Público a adoção imediata de
providências, de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias de
legiferação, em face do próprio periculum in mora que fatalmente decorreria do
atraso na concretização da prestação legislativa” (ADI-MC 293. DJ de 16/04/1993).
A força de lei atribuída à medida provisória não deve, porém, ser confundida
com o valor de lei, posto não possuir a mesma natureza de uma lei. Afirma Leon
Frejda Szklarowsky que a “medida provisória é lei sob condição resolutiva,
presumindo-se constitucional enquanto não declarada incompatível com o Texto
Supremo” (SZKLAROWSKY, 2003, p, 72).
O princípio da legalidade, essencial ao Estado Democrático de Direito, tem
como núcleo a subordinação à Constituição, fundada na legalidade democrática, que
se sujeita ao império da lei.
O doutrinador José Afonso da Silva consigna que a palavra lei – para
realização plena do princípio da legalidade – se aplica em rigor técnico à lei formal,
compreendida como ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e
elaborado de acordo com o processo legislativo previsto constitucionalmente.
Porém, para satisfação do princípio da legalidade, a Constituição Federal não exclui
a possibilidade de que determinada matéria possa vir a ser regulada por um ato
equiparado à lei formal, como é o caso da medida provisória (SILVA, 2007, p. 421).
Analisando a força jurídica atribuída à medida provisória, assinala Celso
Antonio Bandeira de Mello as profundas diferenças existentes em relação à lei:
a) enquanto a lei é o meio normal de disciplina, a medida provisória
é forma excepcional de regulação;
61
b) enquanto a lei perdura por tempo indeterminado, a medida
provisória vige temporariamente;
c) enquanto a revogação de determinada lei resulta na cessação
de efeitos ex nunc, a medida provisória, quando não confirmada,
perde eficácia desde seu início;
d) enquanto inexistem, na lei, os requisitos de urgência e
relevância, estes são pressupostos condicionantes para a
existência da medida provisória.
Menciona ainda o doutrinador “o erro gravíssimo de se analisar as medidas
provisórias como se fossem leis ‘expedidas pelo Executivo’, atribuindo-lhes, em
consequência, regime jurídico ou possibilidades normatizadoras equivalentes às da
lei” (MELLO, 2007, p. 125).
7.2 A Emenda Constitucional 32/2001
O extenso número de medidas provisórias editadas após a Constituição
Federal de 1988 desvirtuou a natureza desse instituto. Em total inobservância aos
preceitos constitucionais, servia em verdade como instrumento de governabilidade.
Diversos apontamentos doutrinários registram que a reiterada prática de
edição de medidas provisórias causava instabilidade à segurança jurídica, retirava a
normalidade da função legislativa primária do Congresso Nacional, tratando,
recorrentemente, de situações pouco urgentes e nada relevantes (MENDES, 2009,
p. 925; LENZA, 2009, p. 423; FERREIRA FILHO, 2009, p. 283).
Manoel Gonçalves Ferreira Filho sustenta que a Emenda Constitucional 32
veio corrigir vários malefícios decorrentes das medidas provisórias, tal qual ocorreu
nos 13 anos de vigência da Carta (FERREIRA FILHO, 2009, p. 290).
A EC 32 (editada em 11 de setembro de 2001) concedeu um novo tratamento
para a MP, alterando o procedimento legislativo daquelas que ainda se encontravam
em tramitação no Congresso Nacional, passando a prever que:
as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta
emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue
explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. (Art.
2º)
62
A referida Emenda Constitucional não se manifestou quanto à validade das
medidas provisórias a ela anteriores, pronunciando-se tão somente quanto à
permanência desta validade.
As medidas provisórias atingidas pela EC 32 não necessitam ser reeditas,
permanecendo em vigor até manifestação do Congresso Nacional.
O autor Lenza (2009, p. 430) registra que a EC 32 trouxe novidades em
relação aos limites materiais de edição das medidas provisórias, passando a vedar
sua utilização em matéria relativa a direito penal, processual civil, processual penal e
outras matérias.
Comentando sobre a extensão da vigência das medidas provisórias anteriores
à EC 32, Szklarowsky (2003, p. 142) assinala que “pode-se até dizer,
metaforicamente, que viverão para sempre, não importa sobre quais matérias
disponham, proibida ou não, ex vi do art. 2º da EC nº 32/01. Foi-lhes confiada vida
eterna” .
Uma vez que a MP 2.200 foi alcançada pela EC 32 (art. 2º), permanece em
vigor até o presente momento, como se lei fosse, tendo sua eficácia diferida no
tempo até ser revogada por Lei.
Assim, o que nasceu para ser provisório e precário tornou-se definitivo. Cabe
registrar a afirmação do Procurador Federal Rogério Nascimento a respeito de tal
prática: “algumas medidas provisórias existem há seis anos, logo, provisório de seis
anos não é provisório, é precário, gera insegurança”.1
7.3 A incompatibilidade constitucional da MP 2.200
A Medida Provisória 2.200 objeto da presente investigação inovou o
ordenamento jurídico, passando a garantir a autenticidade, a integridade e a
validade jurídica de documentos produzidos em forma eletrônica.
Instituindo a modalidade de fé pública em meio digital, pretendeu a MP 2.200
produzir uma roupagem legal para legitimar a ICP-Brasil e conceder validade jurídica
aos documentos públicos e particulares nela referidos, em texto de escopo jurídico
1
Matéria A banalização das MPs arranha a separação e a autonomia dos poderes. Jornal O Globo,
15/04/2008, p. 4.
63
restrito. Cabe à ICP-Brasil a responsabilidade pela emissão de certificados digitais,
no âmbito das relações públicas e privadas, atribuindo presunção de veracidade
quanto à identificação dos signatários de documentos eletrônicos.
Sob tal norte, a MP 2.200 afronta o art. 236 da Constituição Federal, retirando
a exclusividade da atividade notarial para garantir a publicidade, autenticidade,
segurança e eficácia dos atos jurídicos (Lei 8.935/1994, art. 1º).
Como antes comentado, a matéria contida na MP 2.200 já havia sido
colocada em consulta pública pelo próprio Executivo, quando se relacionava à
implantação de uma infraestrutura de chave pública interna para a Administração
Pública, denominada ICP-Gov.
Por outro lado também se encontravam sob análise do Congresso Nacional
projetos de lei de iniciativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal –
versando exatamente sobre o tema da certificação digital –, que foram alvo de
intensa participação da sociedade civil.
A MP 2.200 ampliou sobremaneira os poderes do Poder Executivo Federal,
passando este a regular, também, a relação jurídica entre particulares em meio
eletrônico com a ICP-Brasil.
Não se encontra a ocorrência de qualquer causa material e tampouco se
vislumbra situação de relevância excepcional que autorizasse o Poder Público a
editar MP conferindo validade jurídica a documentos públicos e particulares
produzidos sob a cadeia de certificação de responsabilidade do Governo Federal.
De igual forma, o requisito de urgência jamais esteve presente, pois a
normatização via processo legislativo ordinário não resultaria em prejuízos de
qualquer ordem. Poder-se-ia perfeitamente aguardar o rito legislativo ordinário, sem
fazer uso de medida extraordinária.
Portanto, a MP 2.200 baseou-se em necessidades artificialmente construídas,
que passaram ao largo dos fundamentos que norteiam o instituto da medida
provisória, decorrentes de comandos constitucionais expressos e determinantes.
Complementarmente, em decorrência da EC 32, o requisito de provisoriedade
da MP 2.200 foi fatalmente alvejado. Perenizando-se as relações jurídicas dela
decorrentes, convalidou-se a situação legal de irreversibilidade e situação prática de
fato consumado.
Cumpre registrar conclusão de Silvestre (2003) em sua dissertação de
mestrado:
64
De tudo quanto possa ter sido dito, a materialização/concreção legislativa
pelo Executivo, estabeleceu vínculos de realidade entre um imaginário
sistema de certificação digital, uma imaginária demanda social e uma
imaginária superproteção legal, tudo sustentado numa singela e última
Medida Provisória de três intentadas para o mesmo fim geral, agora
acomodadamente descansada no leito da Emenda Constitucional nº 32.
Uma estratégia propagandista histórica, bem sucedida, antecipa-se ao fato
dando-lhe o contorno inicial conflitivo e gerando um parâmetro
contraditório, mas dominável pela detenção da iniciativa legalizante. [...]
Inconstitucional a Medida Provisória, pois que altera o conteúdo jurídico de
signo legal por presunção efêmera. Ausente a competência constitucional
2
para tal.
Finalmente, em que pese a competência privativa da União para legislar
sobre direito civil, coexiste disposição constitucional expressa proibindo a edição de
medida provisória que verse sobre direito processual civil (CF, art. 62, b).
Pelos argumentos expostos, decorrentes de comandos constitucionais
determinantes, constata-se que a medida provisória que disciplina o uso de
assinaturas eletrônicas e a prestação de serviços de certificação padece de vício de
constitucionalidade material por cuidar de matéria expressamente vedada por
comando constitucional.
7.4 O papel da autarquia na Administração Federal
Como integrante da Administração Pública indireta, a autarquia é dotada de
personalidade jurídica de Direito Público. Assim, criada para realizar um serviço da
administração direta, sujeita-se às normas de Direito Público.
Estabelece o Decreto-Lei 200/1967, que dispõe sobre a organização da
Administração Federal, que a autarquia abrange a Administração Federal (art. 4º),
considerando-a como “serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica,
patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração
Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
financeira descentralizada” (art. 5º), e que se sujeita à supervisão do Ministro de
Estado competente (art. 19).
Meirelles (2008, p. 67) afirma “tratar-se de pessoas jurídicas de direito
público, de natureza meramente administrativa, criadas por lei específica para a
realização de atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal que
2
A ilegitimidade constitucional crítica da infraestrutura de chaves públicas brasileira. Uma Semiótica
do Poder.
65
as criou, devendo funcionar e operar na forma estabelecida na lei instituidora e nos
termos de seu regulamento”. Observa, ainda, que representa um desmembramento
administrativo do Poder Público (MEIRELLES, 2008, p. 350), tratando-se de uma
forma de descentralização administrativa, por meio da personificação de um serviço
retirado da Administração centralizada.
Segundo Di Pietro, (2007, p. 400) “autarquia é a pessoa jurídica de direito
público, criada por lei, com capacidade de autoadministração, para o desempenho
de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos
limites da lei”.
O Estado pode instituir pessoa jurídica sob a forma de autarquia para
consecução de uma finalidade de interesse público. Quando a Administração cria
uma autarquia, se opera um desmembramento administrativo do Poder Público
mediante descentralização, concedendo-lhe capacidade específica para a prestação
de serviço determinado. Diante do princípio da especialização, a autarquia fica
impedida de exercer atividades diversas daquelas para as quais foi instituída.
Em que pese sua autonomia administrativa, a autarquia não se sujeita ao
controle hierárquico do Executivo, mas sim a um controle de orientação finalístico,
sob a forma de vinculação à Administração direta.
Tal controle se designa por supervisão ministerial, exercido pelo Ministro a
cuja pasta esteja a autarquia vinculada, visando assegurar o cumprimento dos
objetivos dispostos no ato de sua criação e a harmonização de sua atuação com a
política de Governo no setor de atividade a que se destina.
Como pessoa jurídica de direito público responde a autarquia pelos próprios
atos, cabendo-lhe a responsabilidade pelos danos a terceiros a que der causa,
subsistindo, porém, a responsabilidade subsidiária do Estado.
As autarquias são classificadas de acordo com o tipo de atividade prestada.
As autarquias de serviço possuem capacidade limitada, específica ao tipo de serviço
que lhes foram atribuídos por lei.
7.5 A criação da Autarquia Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
Conforme apontamentos de Alexandre Veronese (2007), o Instituto Nacional
de Tecnologia da Informação (ITI) foi criado no ano de 2000, por meio de um
desdobramento do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), antigo Centro de
66
Tecnologia para Informática, sediado na cidade de Campinas. À época, tanto o ITI
como o CenPRA se vinculavam ao Ministério da Ciência e Tecnologia.3
O então órgão de pesquisa ITI foi transformado em autarquia federal
vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (com sede e foro no Distrito Federal)
pela Medida Provisória 2.200/2001: “Fica transformado em autarquia federal,
vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, o Instituto Nacional de Tecnologia
da Informação – ITI, com sede e foro no Distrito Federal.”
Apesar de a Medida Provisória se referir à “transformação” do ITI em
autarquia, o Decreto que aprovou sua estrutura regimental (Decreto 4.689/2003) se
reporta à “criação” de entidade autárquica: “Art. 1º. O Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação – ITI, autarquia federal criada pelo art. 12 da Medida
Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001...” (grifo da autora).
Logo, a criação da autarquia ITI foi embutida na Medida Provisória 2.200, que
cuidava da instalação da ICP-Brasil.
Conforme expresso ditame constitucional (CF, art. 37, XIX), a autarquia
somente pode ser criada por lei especifica, sendo inadmissível que esta trate de
assuntos diversos.
Segundo Meirelles (2008, p. 67), sua organização se opera por decreto, que
aprova o regulamento ou estatuto da entidade, e daí por diante sua implantação se
completa por atos da diretoria, na forma regulamentar ou estatutária, independente
de quaisquer registros públicos.
O ITI se classifica como uma autarquia de serviço, limitada à prestação do
serviço que lhe foi atribuído pela MP 2.200.
O controle administrativo sobre as entidades da administração indireta ocorre
sob a forma de supervisão ministerial (DL 200/1967 e Lei 9.649/1998) e tem por
finalidade assegurar a realização de seus objetivos e promover a harmonia com a
política e a programação do Governo no setor de atuação da entidade.
O serviço descentralizado assumido pela autarquia, apesar de não se
subordinar ao Estado, mantém uma relação de vinculação com determinado órgão
da Administração direta, conforme a natureza da matéria a que esteja afeito.4
3
4
Artigo: A política de certificação digital: Processos eletrônicos e a informatização judiciária.
Artigo 19 do Decreto-lei 200/1967: Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou
indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os
órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da
República.
67
As entidades compreendidas na Administração indireta vinculam-se ao
Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade
(DL 200/1967, art. 4º, § único, renumerado pela Lei 7.596/1987). Assim, a
supervisão ministerial é atribuição do Ministério de Estado competente ao qual se
vincula a atividade prestada.
Dois anos após ter sido criada pela MP 2.200, a vinculação originária da
autarquia ITI ao Ministério da Ciência e Tecnologia foi transferida, por Decreto, à
Casa Civil da Presidência da República (Decreto 4.566/2003. Anexo, item XXIV.
Dispõe sobre a vinculação de entidades integrantes da Administração Pública
Federal indireta. Vinculação mantida no Decreto 6.129/2007).
Em que pese à competência privativa do Presidente da República em dispor,
mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal
(CF, art. 84), padece de fundamento lógico formal ter sido retirada a vinculação do
ITI ao Ministério da Ciência e Tecnologia, justamente por ser esta a natureza e a
área de competência em que se enquadra a sua principal atividade.
Ocorreu um grave desvirtuamento do Ministério ao qual, necessariamente,
deveria estar vinculado o ITI, posto que a Casa Civil da Presidência da República
não mantém qualquer afinidade com a atividade tecnológica prestada pela autarquia.
A estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão do
ITI foram estabelecidos no Decreto 4.689/2003.5
O Decreto 4.689/2003 que aprovou a estrutura regimental e o quadro
demonstrativo dos cargos em comissão do ITI, dispôs que: “O regimento interno do
ITI será aprovado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da
República e publicado no Diário Oficial da União, no prazo de 90 dias, contados da
data de publicação deste Decreto” (art. 4º).
Conforme a referida previsão expressa no Decreto 4.689, o regimento interno
do ITI deveria ter sido aprovado até o mês de março de 2003. Ocorre que o órgão
ainda não dispõe de regimento interno, de acordo com informação prestada em 15
de março do corrente ano.6
5
6
ITI. Estrutura Regimental. Criados inicialmente pelo Decreto 4.500/2002. O quadro demonstrativo
dos cargos em comissão foi reformulado no Decreto 4.903/2003 e novamente no Decreto
5.420/2005.
Correspondência eletrônica recebida: “Prezada Sra. Informamos que o Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação – ITI não possui regimento interno. Colocamo-nos à disposição para
sanar eventuais dúvidas. Att., Equipe de Comunicação do ITI.”
68
Assim, completados sete anos de funcionamento, o ITI deixou de editar ato
normativo que dispõe, justamente, sobre seu funcionamento. Até a presente data,
opera à revelia de disposição expressa do Decreto instituidor da entidade
autárquica.
Com relação à necessidade de enquadramento ao Decreto 6.523/2008,
quanto à fixação de normas gerais sobre o serviço de atendimento ao consumidor,
registre-se que o Comitê Gestor da ICP-Brasil deliberou que o Sistema Nacional de
Certificação Digital não se enquadra nas disposições lá contidas, posto que como “o
certificado digital é tratado como produto e não como serviço não há obrigatoriedade
de submissão aos termos do decreto”.7
7.5.1 Poderes Regulatórios
A ICP-Brasil estabeleceu que o ITI é a primeira autoridade da cadeia de
certificação da ICP-Brasil e o órgão executor das Políticas de Certificados e normas
técnicas e operacionais. Desempenha atividade fiscalizadora e de auditoria dos
prestadores do serviço de certificação digital, cabendo-lhe aplicar sanções e
penalidades, de acordo com as normas estabelecidas pelo Comitê Gestor.
Embora a estrutura jurídica do ITI tenha sido concebida sob o desenho
autárquico, na prática o órgão possui características próprias das agências
reguladoras tradicionais.
O processo de descentralização administrativa concebeu o surgimento das
agências reguladoras, instituídas como autarquias sob regime especial para atender
à necessidade de regulamentação de matérias essencialmente técnicas de sua
competência (MEIRELLES, 2008, p. 357 e 359).
Representam um modelo de gestão indireta de serviço público que transfere
ao setor privado apenas sua execução, cabendo ao órgão da administração direta a
direção, normatização, controle e fiscalização.
É de se notar que as regras aplicáveis às agências reguladoras, no que tange
à independência administrativa, autonomia financeira e poder normativo, também se
encontram presentes no formato adotado para o ITI, além de receber delegação do
poder normativo primário do CG (MP 2.200/2001, art. 4º, § único).
7
Comitê Gestor da ICP-Brasil. Ata da reunião realizada em 10/02/2010.
69
Demócrito Reinaldo Filho firma entendimento no sentido de que “o conjunto
de atribuições conferido pela MP 2.200 ao Comitê Gestor e ao ITI, demonstra que
esses dois órgãos, em conjunto, desempenham tarefas que, a despeito das
peculiaridades, se incluem como atividades típicas de uma agência reguladora, pois
possuem poder gerencial (técnico) e de controle sobre os prestadores de serviços
de certificação credenciados”.8
Considera-se como regime especial o conjunto de privilégios específicos que
a lei outorga à agência reguladora para consecução de seus fins, (MEIRELLES,
2008, p. 358) que gozam de maior grau de autonomia do que as autarquias comuns
em relação ao Poder Público.
7.5.2. Patrimônio e Fonte de Recursos
A doutrina moderna é concorde ao assinalar as características das entidades
autárquicas, ou seja, a sua criação por lei especifica com personalidade de direito
público, patrimônio próprio, capacidade de autoadministração sob controle estatal e
desempenho de atribuições públicas típicas. Sem a conjunção desses elementos
não há autarquia (MEIRELLES, 2008, p. 347 e 348).
A fragilidade jurídica dos atos constitutivos do ITI como entidade autárquica
revela que as únicas referências quanto a seu patrimônio e fonte de recursos foram
dispostas na MP 2.200:
Art. 17. Fica o Poder Executivo autorizado a transferir para o ITI:
I– os acervos técnico e patrimonial, as obrigações e os direitos do Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação do Ministério da Ciência e
Tecnologia;
II– remanejar, transpor, transferir, ou utilizar, as dotações orçamentárias
aprovadas na Lei Orçamentária de 2001, consignadas ao Ministério da
Ciência e Tecnologia, referentes às atribuições do órgão ora transformado,
mantida a mesma classificação orçamentária, expressa por categoria de
programação em seu menor nível, observado o disposto no § 2º do art. 3º
da Lei nº 9.995, de 25 de julho de 2000, assim como o respectivo
detalhamento por esfera orçamentária, grupos de despesa, fontes de
recursos, modalidades de aplicação e identificadores de uso.
8
Artigo: A ICP-Brasil e os poderes regulatórios do ITI e do CG.
70
No Portal da Transparência do Governo Federal encontra-se disponibilizada
informação de que no ano de 2009 o ITI percebeu como receita corrente o valor de
R$ 104.578,12,9 registrando como despesas R$ 12.513.222,76.10
Sob o rigor de dispositivo constitucional expresso (CF, art. 37, XIX),
questiona-se a validade jurídica da criação da autarquia ITI, posto comprovar-se não
ter decorrido de lei específica.
Com relação à ausência de regimento interno do órgão, tal omissão quanto à
adoção de providência de índole administrativa se sujeita à propositura de ação
direta de inconstitucionalidade por omissão da Administração Pública (CF, art. 103).
9
10
ITI. Receita Corrente.
ITI. Despesa.
71
8 SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA
8.1 Conceito e classificação de serviço público
O conceito de serviço público tem se transformado ao longo do tempo,
variando em função de contingências políticas, sociais e econômicas. A dificuldade
da precisa conceituação decorre da variedade de elementos e critérios sob os quais
podem ser analisados. Trata-se, na verdade, de um conceito aberto, que se submete
à análise da realidade.
O doutrinador Meirelles (2008, p. 333) entende serviço público como “todo
aquele prestado pela Administração ou por seus delegados sob normas e controles
estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou
simples conveniências do Estado”.
O publicista Mello (apud MEIRELLES, 2007, p. 650) define essa espécie de
atividade estatal como sendo a de oferecimento de utilidade ou comodidade material
destinada à satisfação da coletividade em geral, instituída em favor dos interesses
definidos como públicos no sistema normativo.
Em sentido amplo, entende-se o serviço público como toda e qualquer
atividade prestada pelo Estado. Em sentido estrito, seriam apenas as atividades
prestadas pela Administração a fim de satisfazer as necessidades da coletividade
(KNOPLOCK, 2007, p. 404).
Consente a doutrina entendimento que a definição clássica de serviço público
emana de três elementos, independentes entre si:
a) Elemento subjetivo: serviço público é prestado pelo Estado;
b) Elemento formal: serviço público é aquele prestado sob o regime
jurídico de direito público a que se submete o serviço público;
c) Elemento material: o serviço público corresponde a uma
atividade que visa atender às necessidades públicas.
Ressalta Di Pietro (2007, p. 90-92) que nem toda atividade de interesse
público é serviço público .
72
Constantino (2001) assinala que a diferenciação conceitual entre serviço
público e serviço de utilidade pública decorre da constatação de que nem tudo que é
considerado de interesse público necessita estar ancorado em um serviço público.1
Entende a doutrina que a classificação pode recepcionar a aplicação de variados
critérios, relativos à titularidade, à prestação do serviço, à obrigatoriedade de
utilização, à forma de execução e ao objeto e destinação do serviço (SANTO;
CANÇADO, 2004, p. 150).
Para Justen Filho2 (2006, p. 39) “a instituição de um serviço público depende
do reconhecimento jurídico da pertinência daquela atividade para satisfação de
direitos fundamentais”. Assim, uma atividade é qualificada como sendo serviço
público por estar relacionada direta e indiretamente com os direitos fundamentais e
envolverem a prestação de utilidades destinadas a satisfazer direta e indiretamente
tais categorias de direitos.3 Relativamente às imposições constitucionais quanto aos
serviços públicos no Brasil, Mello (2007, p. 667), distingue as seguintes hipóteses:
a) serviços de prestação obrigatória e exclusiva do Estado;
b) serviços de prestação obrigatória do Estado e em que é também
obrigatório outorgar em concessão a terceiros;
c) serviços de prestação obrigatória pelo Estado, mas sem
exclusividade;
d) serviços de prestação não obrigatória pelo Estado, mas que, não
os prestando, é obrigado a promover-lhes a prestação, tendo,
pois, que outorgá-los em concessão ou permissão a terceiros.
8.1.1 Prestação e Formas de Delegação
O constante processo de modernização da sociedade e a complexificação da
convivência social resultam no alargamento das necessidades de proteção e
garantia de seus direitos. Esse movimento traz inevitáveis consequências à atuação
1
2
3
Artigo: O serviço público e o interesse público.
Artigo: Ordem Econômica e Financeira.
A doutrina subdivide os serviços públicos privativos do Estado por determinação constitucional (CF
arts. 21, XI e XII, 194, 196, 203, 205, 208), daqueles em que o Estado não detém titularidade
exclusiva (saúde, educação, previdência e assistência social: CF, arts. 196, 199, 201, 202, 203,
204, 205, 208, 209, 211. 213).
73
do Poder Público, como guardião dos interesses da coletividade e responsável pela
garantia de eficiência e qualidade dos serviços de massa.
Enquanto poder legitimamente constituído, cabe ao Executivo – sob o regime
de discricionariedade organizativa – estruturar as entidades estatais por este
instituídas para a execução desconcentrada e descentralizada de serviços públicos
que lhes são próprios e outras atividades de interesse coletivo (MEIRELLES, 2007,
p. 63).
A gestão e a administração do serviço público podem ocorrer de maneira
centralizada ou descentralizada. Na primeira hipótese, a prestação dos serviços é
feita pelos órgãos centralizados, integrantes da Administração direta, que exercem
poder de autorização, controle e fiscalização, podendo, igualmente, ser abertos à
iniciativa privada (CF, arts. 199 e 209).
A descentralização por serviços se verifica quando o Poder Público cria uma
pessoa jurídica de direito público ou privado, atribuindo-lhe, por lei, a titularidade e
execução de um serviço público.
A Administração Pública passou a reduzir sua atuação e participação como
executor e fornecedor de serviços, delegando à iniciativa privada funções até então
consideradas típicas de Estado. Com isto, a iniciativa privada exerce a titularidade
de tais serviços, responsabilizando-se pela devida continuidade frente aos usuários.
Tal descentralização para a atividade particular resulta de uma opção
discricionária da Administração Pública, que desloca seu desempenho para
privilegiar e fortalecer seu papel normatizador, controlador e fiscalizador, mantendo,
assim, um controle vinculativo sobre o serviço descentralizado.4
Em tais delegações de serviço público, mantém o Estado a titularidade, mas
descentraliza o serviço e transfere sua gestão a terceiros.
Segundo as lições de Moor (2002, p. 21), “as atividades exercidas sob tal
regime mantêm a natureza pública do serviço, com suas características e requisitos
próprios, de modo que apenas é transferida ao particular a prestação e não a
titularidade do serviço. A titularidade do serviço justamente é mantida porque o
Estado não pode desvincular-se dos fins públicos impostos constitucionalmente,
com o surgimento da ideia de serviço público como atividade essencialmente
estatal”.
4
Juarez de Freitas consigna o desafio vivenciado pelo Direito Administrativo na atualidade em face
das variáveis formas de delegação da execução indireta dos serviços públicos.
74
Recorrendo-se aos ensinamentos de Justen Filho (2006, p. 48), a
característica marcante do novo serviço público reside na dissociação entre as
atividades de regulação e de prestação de serviço público:
A competência regulatória do serviço público é retirada dos órgãos
encarregados de sua prestação. São criadas entidades administrativas
dotadas de autonomia mínima, a quem incumbe disciplinar o desempenho
dos serviços, visando assegurar a imparcialidade, a democratização e a
5
transparência na gestão dos serviços.
Dispõe a Constituição Federal que incumbe ao Poder Público a prestação do
serviço público, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, e sempre
por meio de licitação (art. 175), cabendo à lei dispor sobre o regime de delegação,
os direitos dos usuários, a política tarifária (parágrafo único do art. 175) e a
obrigação de manter serviço adequado (§ 3º do art. 37). Os regimes de concessão e
permissão da prestação de serviços públicos (previstos no art. 175 da Constituição
Federal) encontram-se disciplinados na Lei 8.987/95.
A modalidade de autorização de serviços públicos surge no ordenamento
jurídico a partir da Lei 9.074/95 (referência expressa à implantação de usinas
termelétricas), que não se sujeita à regulamentação específica.
Nessa forma de delegação a Administração Pública delega ao particular a
execução da atividade, visando atender interesse coletivo de cunho provisório.
Permitindo o desempenho de determinada atividade, cabe ao Poder Público a
responsabilidade pelo controle e qualidade da prestação, assim como exercer o
poder de polícia.
Em sentido amplo, Di Pietro (2007, p.212) define a autorização administrativa
como “o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a
Administração faculta ao particular o uso de bem público (autorização de uso), ou a
prestação de serviço público (autorização de serviço público), ou o desempenho de
atividade material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam
legalmente proibidos (autorização como ato de polícia)”.
Consignando a inexistência de caráter público de tais serviços, sustenta o
professor Meirelles (2007, p. 650) que “os serviços autorizados não se beneficiam
das prerrogativas das atividades públicas, só auferindo vantagens que lhes forem
5
Artigo O serviço público e o interesse público.
75
expressamente deferidas no ato da autorização, e sempre sujeitas à modificação ou
supressão sumária, dada a precariedade ínsita desse ato. Seus executores não são
agentes públicos, nem praticam atos administrativos; prestam, apenas, um serviço
de interesse da comunidade, por isso mesmo controlado pela Administração e
sujeito à sua autorização”.
Afirma o jurista Justen Filho (2006, p. 40) que a expressão “autorização” é
incompatível com a existência de um serviço público: “Não se outorga autorização
de serviço público – fórmula verbal destituída de sentido lógico-jurídico”. Sustenta
que “somente se cogita de autorização para certas atividades econômicas em
sentido restrito, cuja relevância subordina seu desempenho à fiscalização mais
ampla e rigorosa do Estado”. E conclui que sendo outorgada a autorização, não
existirá serviço público.6
Manifestando sua concordância com os argumentos acima consignados,
Moor (2002, p.116) afirma que “em regra a autorização não se constitui em serviço
público, mas pressupõe atividade econômica, o que não afasta a fiscalização estatal,
como ato de polícia administrativa ou licença”.
Deve ser ressaltado o caráter de precariedade da autorização, que pode ser
revogada a qualquer momento pela Administração, caso o autorizado deixe de
cumprir as exigências às quais se submete.
8.1.2 Retribuição sob a Forma de Tarifa
Podem os serviços públicos ser prestados de forma gratuita ou onerosa,
arcando o usuário, no último caso, com os custos da prestação dos mesmos. Na
modalidade lucrativa, aquele que explora o serviço se remunera além dos custos
deste serviço.
A remuneração por tarifa, ou preço público, se aplica aos casos de ocorrência
de delegação do serviço público a terceiros.
Cabe ao ente público que autoriza a prestação do serviço estipular o valor da
tarifa a ser pago pelo autorizado, inexistindo, porém, qualquer garantia do particular
de auferir lucro com a atividade. Este arca por sua própria conta e risco com a saúde
do negócio.
6
Artigo: O serviço público e o interesse público.
76
8.2 Atividade Econômica
A atividade econômica corresponde ao domínio das empresas privadas na
economia, a quem compete prioritariamente o exercício da atividade na ordem
econômica.
Inexiste definição jurídica de atividade econômica, assim como não trouxe o
texto constitucional qualquer regra definidora de tal conceito. Nessa linha, pondera
Mello (2007, p. 672) que sua definição não se inclui entre os chamados conceitos
determinados, devendo seu reconhecimento ser feito ao lume dos critérios vigentes
em dada época da sociedade.
Admitindo que o conceito de atividade econômica é abstrato e pragmático,
motivo pelo qual se torna inútil a busca de sua definição Eros Grau (GRAU, 1981, p.
96) sugere a substituição dos conceitos de atividade econômica em sentido amplo e
em sentido estrito, passando a adotar as expressões atividade econômica e
iniciativa econômica (GRAU, 1981, p. 90).
Sob tais premissas, entende que o serviço público desenvolvido por empresas
privadas, em regime de concessão ou permissão, consubstancia iniciativa
econômica, ao passo que a iniciativa econômica desenvolvida por empresa estatal,
consubstancia serviço público (GRAU, 1981, p. 91)
A Constituição Federal determina os sentidos da expressão atividade
econômica nos artigos 170, 173 e § 1º e 174.
O art. 170 se relaciona ao gênero – e não à espécie – de atividade
econômica, a qual deve se fundar na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa.
Em relação ao art.173, o doutrinador Eros Roberto Grau entende que a
expressão deve ser analisada em sentido amplo e estrito (GRAU, 2003, p. 91). Em
sentido amplo, a atividade econômica se subdivide em dois campos: o do serviço
público e o da atividade econômica em sentido estrito. O doutrinador entende que
serviço público é um tipo de atividade econômica (GRAU, 2003, p. 92).
Assim, o art. 173 e seu § 1º cuidam de situações em que se permite ao
Estado explorar diretamente a atividade econômica, como agente econômico em
área de titularidade do setor privado (GRAU, 2003, p. 93). Nessa hipótese localizase a ocorrência de atividade econômica em sentido estrito.
77
No que tange ao disposto no art.174, a expressão assume conotação de
atividade econômica em sentido amplo, como modalidade de serviço público, na
qual o Estado atua como agente normativo e regulador.
8.3 Distinção entre Serviço Público e Atividade Econômica
A necessidade de distinção entre serviço público e atividade econômica
decorre do tratamento distinto que a Constituição concede a ambos, mesmo que à
primeira vista inexista oposição entre os dois conceitos.
Ressalta Grau (1981, p. 97) que há casos em que resulta suficientemente
nítida a caracterização de uma atividade como de iniciativa econômica, ou como de
serviço público. Mas coexistem outras situações em que tal demarcação se mostra
“tormentosa e frágil”. Por tais motivos considera necessária a explicitação por lei
ordinária, para que se operacionalize, de forma fluente, o preceito constitucional.
Verifica o publicista que “o gênero – atividade econômica – compreende duas
espécies: o serviço público e a atividade econômica”. O serviço público é o tipo de
atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor
público, podendo o setor privado prestar o serviço público em regime de concessão
ou permissão (GRAU, 2003, p. 92).
Em relação ao regime jurídico, serviço público e atividade econômica, em
regra, possuem distintos regimes.
O regime jurídico de Direito Público se submete ao cumprimento dos
princípios da obrigatoriedade, continuidade, regularidade, universalidade, controle,
eficiência e modicidade.
A atividade econômica deve obediência aos princípios constitucionais que
norteiam a ordem econômica: livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada
e defesa do consumidor.
8.4 O Serviço de Certificação Digital
O processo de evolução tecnológica trouxe grandes inovações no campo
jurídico, fazendo surgir, como o caso da presente investigação, atividades que não
se adequam à ordem constitucional posta.
78
A atividade de certificação digital se relaciona à implementação de conceitos
técnicos e aplicações de suporte habilitadas que utilizam certificados digitais.
A escolha política do Poder Executivo foi a de não prestar o serviço, elegendo
sua atuação no campo normativo, controlador e fiscalizador da atividade, por meio
da entidade autárquica criada para essa finalidade específica, que delega a terceiros
a execução da atividade.
Apesar de não desempenhar o serviço, a Administração Pública conserva sua
titularidade, transferindo a execução do mesmo a órgãos, entidades públicas e
pessoas jurídicas de direito privado, inexistindo exclusividade na sua prestação.
Quanto à forma de delegação, o serviço de certificação (por órgãos, entidades
públicas e pessoas jurídicas de direito privado que desejarem se credenciar como
AC e AR) se opera pelo credenciamento, cabendo ao interessado encaminhar à ACRaiz a solicitação para tal, por meio de formulário próprio.7
Após o prestador demonstrar o cumprimento do conjunto de diretrizes
definidos pela ICP-Brasil formaliza-se o ato de credenciamento, que resulta em
autorização para operar como Autoridade Certificadora ou Registradora credenciada
na cadeia de certificação da ICP-Brasil.
Verifica-se, portanto, a presença do instituto da autorização, uma vez que a
prestação da atividade se sujeita ao expresso consentimento e à fiscalização do
Poder Público, por meio da qual o particular se habilita ao exercício da atividade,
sujeitando-se às regras impostas pela Administração.
De acordo com a política tarifária da autarquia ITI, a emissão de certificados
pela ICP-Brasil se sujeita ao pagamento de tarifa de credenciamento pelo prestador
do serviço.8
Aplica-se, portanto, um regime híbrido de direito público e privado,
prevalecendo o primeiro em relação ao autorizado e o segundo em relação a este e
seus clientes.
8.5 Natureza Jurídica do Serviço de Certificação Digital
7
8
ITI. Critérios e Procedimento de Credenciamento das Entidades Integrantes da ICP-Brasil.
Resolução n° 55/2008. Aprova a versão 3.0 das diretrizes da política tarifária da Autoridade
Certificadora Raiz da ICP-Brasil.
79
A
atividade
de
certificação digital –
da forma
implementada pela
Administração Pública – somente poderia ser considerada serviço público caso
houvesse disposição constitucional para tanto.
A atividade não se relaciona à satisfação de direitos fundamentais e nem
apresenta caráter de essencialidade. Deve-se considerar que inexiste disciplina
jurídica que caracterize quais serviços podem ser considerados como de interesse
público para que se enseje a intervenção direta do Estado na ordem econômica.
À luz da disposição constitucional contida no art. 175, constata-se que o
Poder Público não presta diretamente o serviço, nem outorga sua execução sob o
regime de concessão ou permissão, e tampouco os prestadores participam de
qualquer licitação para outorga do serviço de certificação digital.
Se a execução da atividade é delegada sob a forma de autorização, inexiste
caráter público, e a modalidade é incompatível com a existência de um serviço
público, pressupondo o exercício de atividade econômica.
Por outro lado, o Estado não exerce apenas os poderes normativo,
regulamentador e fiscalizador, e tampouco assume funções de incentivo e
planejamento da ordem econômica, como pressupõe o enunciado do art. 174 da
Carta Constitucional.
Ao contrário, o Estado participa diretamente da ordem econômica,
implantando uma cadeia de certificação com selo de qualidade que a distingue da
certificação produzida pelo particular.
A submissão à sua cadeia de certificação diferenciada concede ao
credenciado privilégio de ordem jurídica, atribuindo validade e eficácia legal oponível
contra terceiros.
Aqueles que desejam emitir certificados digitais de assinatura avançada
concedidos pela ICP-Brasil devem retribuir o Estado pagando um valor determinado
a título de tarifa.
Sob tais condicionamentos, conclui-se que a natureza jurídica do serviço de
certificação digital é de atividade econômica.
80
9 A ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA
Os princípios constitucionais econômicos presentes no Estado Social de
Direito refletem o desenvolvimento do aspecto jurídico da relação Estado-Economia.
Admitindo-se a existência de uma Constituição Econômica, a expressão
comporta a adoção de um sentido formal e outro material. O sentido formal é
definido por Moreira (1973, p. 130) como “o conjunto de normas fundamentais, os
princípios constituintes da ordem econômica, isto é, que a estruturam num todo, num
sistema”. O sentido material reúne as normas constitucionais que traçam o perfil da
ordem econômica e as normas regulamentadas pela legislação ordinária.
Grau (1981, p. 31)define o Direito Econômico como “o sistema normativo
voltado à ordenação do processo econômico, mediante a regulação, sob o ponto de
vista macrojurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina
destinada à efetivação da política econômica estatal”.
Observa ainda o citado jurista que a ordem econômica – como parcela da
ordem jurídica do Estado Social – se traduz em um conjunto de princípios de
organização da vida econômica, consagrado no Direito Positivo, em que se
consubstancia a ordem jurídico-econômica (GRAU,1981, p. 43).
Sustenta Araújo (2007, p. 23) que o objeto do Direito Econômico é “a
regulação do processo econômico, através da atuação do Estado, como agente e
como regulador, desde uma visão macroeconômica, tendo em vista a realização dos
objetivos de sua política, sob a inspiração dos ideais de justiça social e
desenvolvimento do mercado administrado”.
9.1 Princípios Constitucionais da Livre Iniciativa e Livre Concorrência
A República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de
Direito, destaca entre seus fundamentos a livre iniciativa (CF, art. 1º), consagrando-a
como princípio geral da atividade econômica (CF, art. 170). Tal princípio se resume
na garantia da liberdade de empreender, assegurando o livre exercício de qualquer
atividade econômica e limitando a atuação do Estado na ordem econômica.
O núcleo da ideia de livre iniciativa também se materializa nos dispositivos
constitucionais relativos à propriedade privada (art. 5º, XXII) e a liberdade do
81
exercício de qualquer atividade econômica (parágrafo único do art. 170). Sua
essência se revela na liberdade de contratar, cujo fundamento decorre do comando
constitucional segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo
senão em virtude de lei (art. 5º, II).
Em decorrência de tal princípio, reserva-se um campo de atividade
preferencial para a atuação das empresas privadas, deduzindo-se do texto
constitucional a possibilidade do exercício de qualquer atividade econômica
permitida legalmente ou autorizada pela autoridade competente.
Silva (1998, p. 760) percebe a livre iniciativa “num contexto de uma
Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os
meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento da empresa
no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das
facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É
legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando
exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário”.
O doutrinador Bastos e Martins (1990, p. 16) a destaca como “uma
manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De
fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito
de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da
organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo”.
Analisando o papel da iniciativa privada na ordem econômica, constata-se
que o particular ocupa nela posição relevante. Esse traço de relevância foi apontado
por Ferraz Junior (1989, p. 77):
Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos
fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do
homem na confrontação da atividade econômica, aceitando sua intrínseca
contingência e fragilidade [...] Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem
está centrada na atividade das pessoas e dos grupos e não na atividade
do Estado.
A livre concorrência complementa o princípio da livre iniciativa, sendo o
fundamento responsável pelo surgimento de diversos agentes econômicos.
Igualmente se encontra consagrada como princípio constitucional impositivo da
ordem econômica (CF, art. 170, inciso IV) que visa assegurar a eficácia da livre
iniciativa.
82
A ordem econômica constitucional pressupõe um mercado competitivo, no
qual a concorrência se revela como um bem jurídico que requer proteção adequada.
Para Bastos (Martins, 1990, p. 25-26) a livre concorrência consiste na
existência de diversos produtores ou prestadores de serviços, traduzindo-se numa
das vigas mestras do êxito da economia de mercado.
A concorrência estimula a eficiência do mercado, incentiva a competitividade,
garante a distribuição de bens de consumo a preços menores e gera igualdade de
oportunidades aos agentes da cadeia produtiva.
Apesar de o modelo constitucional preconizar a liberdade de atuação e o
liberalismo econômico, foram estabelecidas disposições restritivas à ampla
liberdade, cabendo ao Estado reprimir o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos
lucros.
Nesse sentido, observa Abreu (2008, p. 75) que o Estado resguarda a si
próprio os instrumentos necessários à atuação no domínio econômico, para evitar
que os agentes privados, abusando de suas prerrogativas, possam violar os
fundamentos e princípios constitucionais.
As exceções ao princípio da livre concorrência haverão de estar autorizadas
pelo próprio texto da Constituição que o consagra, não se admitindo que o legislador
ordinário possa livremente excluí-la, salvo se agir fundamentado em outra norma
constitucional específica, como registra Barroso (2000, p. 190).
A proteção aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência se encontra
regulamentada na Lei 8.884/1994, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às
infrações contra a ordem econômica, enumerando as condutas abusivas.
Esta Lei, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa,
livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e
repressão ao abuso do poder econômico, estabelece que constituem infração da
ordem econômica, independentemente de culpa, os atos, sob qualquer forma
manifestados, que tenham por objetivo ou possam, de alguma forma, prejudicar a
livre concorrência ou a livre iniciativa, elegendo a coletividade como titular dos bens
jurídicos protegidos por ela.
9.2 Intervenção do Estado na Atividade Econômica
83
A intervenção pelo Estado na atividade econômica remonta aos tempos do
feudalismo, vindo a assumir distintas configurações até a instalação do Estado
Liberal, quando a Constituição Social promoveu alterações nas estruturas jurídicas
vigentes, passando a ostentar contornos sensíveis à justiça social e ao bem-estar da
coletividade.
Essa transformação das instituições políticas e a consequente redefinição do
Estado brasileiro não constituem uma opção ideológica segundo Barroso (apud
MOREIRA NETO, 2003, p.7), mas, sim, uma inevitabilidade histórica: “a prestação
pública ou privada de serviços públicos não pode ser uma escolha feita em abstrato,
definitiva e atemporal. Depende de um conjunto de circunstâncias que poderão
recomendar uma fórmula ou outra”.
A intervenção do Estado no domínio econômico foi fundamentalmente
transformada a partir da década de 90, passando a priorizar sua atuação no campo
da regulação e fiscalização dos serviços delegados à iniciativa privada e das
atividades econômicas que exigem regime especial, conforme apontado por Barroso
(2000, p. 64).
Sob esse redirecionamento para a consecução de objetivos públicos no
Estado contemporâneo, Comparato (1997, p. 350) expressa seu posicionamento: “a
legitimidade do Estado passa a fundar-se não na expressão legislativa da soberania
popular, mas na realização de finalidades coletivas, a serem realizadas
programadamente”.
Pesquisando as consequências do novo formato da presença do Estado no
domínio econômico, conclui Dallari (1998, p. 281) que “já se pode considerar
definido como um novo intervencionismo do Estado na vida social”, no qual
desaparecem os antigos limites entre público e privado e passa o Estado à condição
de financiador, sócio e consumidor altamente apreciado.
O poder intervencionista do Estado deve estrita obediência aos comandos
constitucionais que o autorizam, sob pena de este incorrer em conduta
flagrantemente ilegítima (ALEXANDRINO; PAULO, 2003, p. 524)
Tendo em vista que a ordem econômica se funda preferencialmente na livre
iniciativa, o fundamento e o limite da intervenção legítima se consubstanciam na
implementação de políticas públicas para correção de distorções, não cabendo ao
Estado substituir a atuação livre do mercado.
84
9.2.1 Exploração Direta pelo Estado na Atividade Econômica
O Estado explora diretamente a atividade econômica sob duas modalidades:
monopolista ou quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou
interesse público relevante, previamente definidos em lei (art. 173).
Em ambos os casos tem-se como legítima a participação estatal na atividade
econômica, não se cogitando da participação suplementar ou subsidiária da
iniciativa privada, como apontada por Silva (2007, p. 804).
Trata-se, portanto, de medida excepcional, somente admissível quando
autorizada por norma constitucional, posto que representa exclusão do princípio da
livre iniciativa.
O fundamento constitucional de outorga à União sob o regime de monopólio
de determinadas atividades restringe-se às hipóteses indicadas no art. 177,
dispositivo que estabelece constituir monopólio da União as atividades elencadas
nos incisos I a V.
Tendo em vista que a Carta Constitucional adotou o critério de enumeração
taxativa das atividades sujeitas ao monopólio estatal da União, tem-se por
inadmissível a criação por lei ordinária de novos monopólios públicos, além daqueles
expressamente previstos no texto constitucional.
Tais atividades econômicas subtraídas do âmbito da iniciativa privada não
correspondem a serviço público, sendo entendidas como serviços governamentais.
Para Moreira Neto (2003, p. 130), “caracteriza a intervenção monopolista pela
imposição, por norma legal da presença do Estado como empresário, afastando a
competição dos agentes privados, no desempenho de atividades econômicas ou
sociais, visando a prevalência de interesses públicos legalmente definidos”.
Quando presente a necessidade de proteção da segurança nacional ou
interesse público relevante, previamente definido em lei (art. 173), o Estado interfere
na ordem econômica mediante prestação de serviço público ou exploração de
atividade econômica.
Ressalta o jurista Comparato (1990, p. 263) que a lei a que se refere tal
dispositivo constitucional – à qual compete definir os imperativos de segurança
nacional ou as hipóteses de relevante interesse coletivo autorizadores de uma
exploração empresarial pelo Estado – ainda não foi promulgada. Salienta, ainda, que
85
competirá sempre ao Poder Legislativo, e não ao Executivo, interpretar a ocorrência
de tais situações.
A atuação do Estado como empresário ocorre de forma direta quando o
serviço é prestado pela própria Administração Pública.
A prestação indireta se concretiza sob duas modalidades: pela prestação de
serviço por meio de pessoas jurídicas públicas, constituídas sob a forma de entidade
autárquica ou fundação, ou mediante delegação à iniciativa privada, sob as figuras
jurídicas de concessão ou permissão.
Conforme salientado por Couto (2005, p. 187), “a ausência de disciplina
caracterizadora do que seja interesse público tem legitimado a intervenção
concorrencial do Estado na atividade econômica”.
9.2.2 O Estado como Agente Normativo e Regulador
A ingerência disciplinadora do Estado por via de regulamentação legal
decorre da disposição constitucional prevista no art. 174. Assumindo a qualidade de
agente normativo e regulador da atividade econômica, passa a exercer funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, com a finalidade de estabelecer o equilíbrio
da livre concorrência.
A importância da regulação das atividades econômicas decorre da
necessidade de proteção do bem comum em detrimento de determinado agente
econômico, passando o Estado a promover sua organização a partir da regulação.
As normas reguladoras atingem setores críticos aos quais se vincula
determinado interesse público, buscando a realização do equilíbrio de interesses e
valores concorrenciais.
Entende Aragão (2002, p. 37) que a regulação estatal da economia “é o
conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas e
concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva à liberdade privada ou
meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos
agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco
da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis”.
No modelo de regulação brasileiro, o Estado regula a atividade econômica por
meio de normas específicas, diretivas de condutas coercitivas e de observância
obrigatória.
86
Assevera Moreira Neto (2003, p. 129) que a intervenção regulatória “se
caracteriza pela imposição, por norma legal, de prescrições positivas e negativas
sobre o desempenho de atividades econômicas ou sociais privadas, visando à
prevalência de interesses públicos específicos, legalmente definidos”.
O mesmo estudioso defende que a intervenção estatal é necessariamente
resultante de norma legal, sendo certo que a função reguladora não se realiza
apenas pela imposição de normas de conduta: “as normas reguladoras têm natureza
diversa das normas legais strictu senso e com elas não se confundem” (id. ib., p.
130).
9.2.3 A Participação Concorrencial do Estado na Economia
A intervenção concorrencial caracteriza-se, para Moreira Neto (2003, p. 130),
pela imposição, por norma legal, da presença do Estado como empresário, em
regime de competição em condições igualitárias ou privilegiais com os agentes
privados, no desempenho de atividades econômicas ou sociais, visando à
prevalência de interesses públicos específicos, legalmente definidos.
A participação do Estado na economia se vincula ao princípio da igualdade
jurídica, postulado de ordem geral destinado a assegurar e proteger o regime da
livre concorrência.
Francisco Campos (apud Scaff, 1990, p. 84) observa que “a concorrência
pressupõe, como condição essencial, necessária ou imprescindível, que o Estado
não favoreça a qualquer dos concorrentes, devendo, ao contrário, assegurar a todos
um tratamento absolutamente igual, a nenhum deles podendo atribuir prioridade ou
privilégio, que possa colocá-los em situação particularmente vantajosa em relação
aos demais”.
Tal raciocínio condicionou o autor Fernando Scaff (1990, p. 84) a concluir que
“qualquer
ação
do
Estado
sobre
o
domínio
econômico,
incentivando,
desincentivando ou vetando comportamentos, se consubstancia em uma quebra de
igualdade”.
Sustenta o referido autor que “quando infringido o poder da igualdade por
injustificada escolha da opção econômica a ser incentivada, desincentivada ou
vetada, a sanção aplicável será a imediata anulação da norma e o desfazimento de
87
todos os atos que tenham sido efetuados sob seu embasamento” (SCAFF, 1990, p.
109).1
Ainda de acordo com Scaff (1990, p. 48), quando o Estado atua sobre o
domínio econômico, limita-se a implementar uma política de disciplinamento da
prestação do serviço, atuando como emanador de normas, com a função de ordenar
o processo produtivo, porém sem dele participar. Enquanto a norma interventora
diretiva sobre o domínio econômico veda determinados comportamentos e acarreta
em sanções jurídicas, a norma interventora indutiva não determina procedimentos
incisivos e coativos a serem adotados pelos agentes econômicos.
1
No prefácio dessa obra Eros Roberto Grau, ressalta este doutrinador a importância do manejo dos
princípios que sustentam a análise do Estado intervencionista.
88
10 CONCLUSÕES
A
presente
investigação
procurou
desenvolver
uma
análise
crítica
fundamentada do modelo nacional de certificação digital implantado pelo Governo
Federal, buscando enfrentar a questão nuclear do trabalho, que consiste em
responder se o sistema nacional de certificação digital brasileiro viola o princípio
constitucional da livre concorrência.
Sob as diversas óticas pesquisadas demonstrou-se a atipicidade crônica que
embasou a ICP-Brasil, permeada de questionável legalidade, pois instituída a partir
de atos inadequados, imperfeitos e incompletos.
A eficácia probante do documento gerado por meio eletrônico se condiciona à
existência da assinatura digital, assegurada pela confiabilidade dos fundamentos de
criptografia assimétrica.
A criação da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ignorou o amplo
debate democrático que vinha sendo percorrido pelo Poder Legislativo sobre o tema
da certificação digital. Por outro lado, interrompeu abruptamente o diálogo com a
sociedade civil, que havia sido provocado pelo próprio Poder Executivo.
Inexplicavelmente, a ICP-Gov se transformou em ICP-Brasil, para, inovando o
ordenamento jurídico, atribuir validade jurídica e força probante a documentos
públicos e particulares gerados sobre o processo de certificação sustentado pelo
Governo Federal.
Como demonstrado, a edição da Medida Provisória 2.200 baseou-se em
premissas artificialmente construídas, não condizentes com os fundamentos da
autorização constitucional de cunho provisório e extraordinário – somente admissível
para suprir estado de necessidade que demande a adoção de providências
imediatas –, ou seja, a indispensabilidade da presença concomitante dos
pressupostos de relevância e urgência.
Por outro lado, violou comando constitucional expresso que veda a utilização
desse instrumento para regular matéria relativa a direito processual civil.
As graves distorções legais da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira
apontam para sua inquestionável ilegitimidade constitucional, em que pese sua
perenização convalidada pela Emenda Constitucional 32.
89
A própria exposição de motivos que acompanha o Projeto de Lei apresentado
pelo Poder Executivo Federal para legitimar a ICP-Brasil admite que a Medida
Provisória 2.200 consagrou texto normativo de escopo restrito e que se encontram
pendentes questões que reclamam tratamento legislativo adequado.
Centralizado em modelo de raiz única vinculada à Casa Civil da Presidência
da República, a estrutura hierárquica da ICP-Brasil compõe-se por um grupo de
autoridades, vinculadas à Casa Civil da Presidência da República, exercendo o
Instituto Nacional de Tecnologia da Informação o papel de Autoridade CertificadoraRaiz.
Melhor sorte não teve a criação da autarquia ITI, posto ter violado ditame
constitucional expresso que determina sua instituição exclusivamente por lei
específica, tendo-se por inaceitável que a lei fundadora trate de assunto diverso.
Restou demonstrado que a referida entidade autárquica foi criada por medida
provisória, remédio legal tão somente equiparado à lei formal. E, ainda, seu
surgimento não adveio de ato específico, tendo sido incluído no bojo de medida
provisória que tratava de tema distinto.
Posteriormente à sua criação, ainda foi expurgada sua vinculação originária
ao Ministério da Ciência e Tecnologia – o único que lhe poderia ser afeito, em
virtude de sua natureza e área de competência – passando a se ligar à Casa Civil da
Presidência da República, órgão que não mantém qualquer afinidade com a
atividade prestada pela autarquia.
E, ainda, contrariou disposição expressa contida no Decreto que aprovou sua
estrutura regimental, que estipulava o prazo de 90 dias para aprovação de seu
regimento interno pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da
República e publicação no Diário Oficial da União. Passados sete anos de sua
criação, a autarquia ITI funciona à revelia do ato instituidor, não dispondo, até a
presente data, de regimento interno. Esta relevante omissão coloca o órgão em frágil
situação jurídica de legalidade, sujeitando-se à propositura de ação direta de
inconstitucionalidade por omissão da Administração Pública.
Enfrentando a classificação da atividade de certificação digital, nos moldes
em que foi preconizada, entende-se não se tratar de serviço público, posto que a
previsão constitucional é inexistente e por não se relacionar à satisfação de direitos
fundamentais ou se lhe atribuir caráter de essencialidade.
90
A delegação do serviço de certificação digital não se dá por concessão ou
permissão e tampouco é prestado mediante processo licitatório. Em sendo a
delegação da prestação da atividade concedida por via de autorização, foram
informados os fundamentos pelos quais se infere que tal instituto é incompatível com
a existência de um serviço público. Sob tais condicionamentos, conclui-se que a
natureza jurídica do serviço de certificação digital é de atividade econômica.
O poder intervencionista do Estado deve estrita obediência aos comandos
constitucionais expressos que o autorizam. A Constituição Federal assegura a
ordem econômica fundada na livre iniciativa, elencando entre os princípios gerais da
atividade econômica a livre concorrência, que assegura o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
disposição prevista em lei.
Ao adotar um modelo de certificação digital centralista e hierárquico, baseado
em raiz única vinculada ao Poder Executivo Federal, o Estado impõe sua presença
na ordem econômica, elegendo sua responsabilidade pela emissão de certificados
digitais no âmbito das relações públicas e privadas.
À primeira vista, poder-se-ia considerar a modalidade regulatória de
intervenção estatal sobre o domínio econômico, uma vez que o poder normatizador,
controlador e fiscalizador da Administração Pública se faz presente.
Ocorre que o Estado não se limitou a atuar como emanador de normas e a
implementar uma política de ordenação e disciplinamento da prestação do serviço,
sem participar do processo produtivo.
Esse é o deslinde da questão: o Estado não restringiu sua atuação a uma
atividade meramente legislativa, mas efetivamente participa do processo econômico
da certificação digital, se remunera com uma taxa de credenciamento, fornecendo
um selo de qualidade da certificação que o privilegia e distingue da certificação
privada prestada por particulares.
Como a ação estatal sobre o domínio econômico desincentiva o
comportamento de agentes a atuar no mercado, se consubstancia uma quebra de
igualdade. Em situações normais, a norma desincentivadora seria anulada,
desfazendo-se todos os atos praticados sob sua inspiração.
A anunciada antinomia entre o regime de livre competência na prestação dos
serviços de certificação e a previsão de um sistema de credenciamento de caráter
voluntário se revela como um sofisma, posto que na prática se transmuta em adesão
91
compulsória daqueles que desejam prestar a atividade de certificação e emitir
certificados digitais oponíveis contra terceiros.
Isto porque a imposição de validade jurídica diferenciada resultou na
obrigatoriedade do uso da certificação qualificada da ICP-Brasil, como restou
provada pela coercitividade da adesão pela OAB e pela negação do órgão regulador
em negar vigência à Infraestrutura de Chaves Públicas do município de
Florianópolis.
Registra-se, ainda, a exigência da Receita Federal Brasileira em trabalhar
exclusivamente com certificados gerados pela ICP-Brasil.
Os efeitos jurídicos da certificação digital oficial também foram responsáveis
pela sua exclusiva aceitação pelo Poder Judiciário, como se comprova pelo teor do
parágrafo único do art. 154 do CPC, que dispõe sobre a obrigatoriedade de
atendimento dos requisitos dispostos na ICP-Brasil para o disciplinamento da prática
de atos processuais por meios eletrônicos.
E o consequente aprofundamento dos efeitos da certificação oferecida pela
ICP-Brasil resultou em sua exclusiva adoção no processo judicial informatizado,
trazido pela Lei 11.419/2006.
Caberia ao Poder Público Federal promover a implantação de um sistema de
certificação digital sem adentrar na validade e eficácia jurídica do documento
eletrônico e sem vincular o efeito legal das assinaturas digitais ao atendimento de
critérios técnicos e à aplicação de tecnologia escolhida pelo Poder Público.
Mas, principalmente, não deveria ter sido atribuída presunção de veracidade e
efeitos jurídicos oponíveis contra terceiros exclusivamente aos certificados
qualificados emitidos sobre sua cadeia de certificação, que passam a deter o regime
de exclusividade enquanto documento oficial de identificação em meio eletrônico.
Ao instituir critérios de eficácia jurídica diferenciada à certificação digital
produzida pela ICP-Brasil, o Poder Público inapropriadamente interfere na atividade
econômica, restringe a ampla liberdade, aniquila o exercício da atividade
concorrente, impede a competitividade e denota indesejável concentração de poder
estatal. Deveria o Estado manter-se equidistante do mercado, implementando
políticas públicas de incentivo da atividade e correção de distorções.
A partir da instituição de normas técnicas, instalou uma espécie de cartório
que concentrou poder absoluto de conferir fé pública em ambiente digital, obrigando,
92
por via transversa, sua adoção pelo prestador que deseje ostentar o selo privilegial
concedido pelo Poder Público.
Há que se ressaltar, ainda, que o modelo escolhido pelo próprio Estado se
encontra imune às sanções previstas na Lei da Concorrência, pois o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – Cade – a quem cabe decidir sobre a
existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei,
se constitui em autarquia federal, vinculado ao Ministério da Justiça.
Após nove anos da instalação da ICP-Brasil, constata-se que a intervenção
do Estado no mercado da certificação digital não democratizou e tampouco
assegurou a imparcialidade na prestação da atividade.
A livre concorrência consiste na existência de diversos prestadores de
serviço, competindo em igualdade de condições.
Mas a realidade cristalizada pela ICP-Brasil trafega em sentido oposto, como
se comprova pela seguinte constatação fática: a inexistência, no mercado, de
prestadores de serviço de certificação digital privada, pois todos foram compelidos a
se filiar à ICP-Brasil.
A presença do Estado na economia somente é permitida quando necessária
aos imperativos da segurança nacional ou à preservação de relevante interesse
público, sempre definidos em lei.
As exceções ao princípio da livre concorrência devem estar autorizadas no
texto constitucional, não se admitindo a livre exclusão pelo legislador.
Pela integralidade das razões constantes da presente investigação, conclui-se
que o sistema de certificação digital implantado pelo Governo Federal resulta em
interferência indevida na atividade econômica, viola o princípio da livre concorrência
e retira a autonomia da iniciativa privada.
Mostrar-se-ia mais adequado aos moldes constitucionais de liberdade de
iniciativa e livre concorrência se o Estado assumisse seu papel de agente normativo
e regulador, indicando os requisitos relativos à segurança operacional, promovendo
o incentivo da atividade econômica e atuando sobre a prevenção e a repressão às
infrações contra a ordem econômica.
Finaliza-se o presente estudo observando que a concorrência desleal
implantada pelo Estado pode vir a sedimentar um monopólio estatal.
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