FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS O SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO FRENTE AO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA Nova Lima 2010 2 ANA AMELIA MENNA BARRETO DE CASTRO FERREIRA O SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO FRENTE AO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann Nova Lima 2010 3 F383 s FERREIRA, Ana Amélia Menna Barreto de Castro O s is t em a de c er t if ic aç ão di g it a l br as i l e ir o f r e nt e a o pr i nc í p io da li v r e c o nc o r r ê nc i a / Ana Amelia Menna Barreto de Castro Ferreira – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2010. 101 f. enc. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de Concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos. Bibliografia: f. 93-101 1. Certificação Digital. 2. ICP-Brasil. 3. Medida Provisória 2200. 4. Documento Jurídico. I. Rohrmann, Carlos Alberto. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título. CDU 681.324(043) 347.733 Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206 4 Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial Dissertação intitulada “O sistema de Certificação Digital Brasileiro frente ao Princípio da Livre Concorrência”, de autoria da mestranda Ana Amélia Menna Barreto de Castro Ferreira, para exame da banca constituída pelos seguintes professores: Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann Orientador Prof. Dr. Prof. Dr. Nova Lima, 20 de maio de 2010 Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900 4 Àqueles que são a razão da minha vida: João Paulo, meu filho José, meu marido, in memoriam. 5 AGRADECIMENTOS Ao orientador Doutor Carlos Alberto Rohrmann, pela generosa transmissão do conhecimento, incentivo e confiança. Aos funcionários da Biblioteca do Instituto dos Advogados Brasileiros, cujo valioso acervo proporcionou o trabalho de pesquisa bibliográfica – Angela Moreira Ribeiro e Alexander Torres Gonçalves, pelo carinho, colaboração e comprometimento. À Dra. Lilia Alexandrina da Silva Maryama, Subprocuradora-geral do Município de Florianópolis, pela delicadeza em compartilhar a documentação vital à investigação. Aos autores e pesquisadores citados, pelo trabalho de construção doutrinária em área inovadora do Direito, rendo homenagens na pessoa do Prof. Dr. Augusto Tavares Rosa Marcacini. Aos professores e funcionários da Milton Campos e aos colegas de Mestrado, com saudades da convivência acadêmica. Aos amigos de todas as horas. 6 RESUMO O trabalho analisa o sistema nacional de certificação digital implantado pelo Poder Executivo Federal. A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICPBrasil, criada com a Medida Provisória 2.200, visa garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica. A certificação digital instituída pela ICP-Brasil atribui validade e eficácia jurídica diferenciada aos certificados digitais emitidos por esta cadeia de certificação, sujeitando a prestação do serviço a um sistema de credenciamento. O Estado impõe sua presença na ordem econômica, assumindo a responsabilidade pela emissão de certificados digitais no âmbito das relações públicas e privadas. O fio condutor da pesquisa pretende desenvolver uma análise crítica do modelo de intervenção do Estado no domínio econômico, consistindo em perquirir se o sistema viola o princípio da livre concorrência. Palavras-chave: Certificação Digital. Sistema de Certificação Digital Brasileiro. Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras. 7 ABSTRACT The paper analyzes the national digital certification system implemented by the Federal Administration. The Brazilian Public Key Infrastructure - ICP-Brasil - was created by the Provisionary Measure Medida Provisória (an interim executive act issued by the President in cases of urgency and relevance, which has the status of law and should be submitted immediately to the appreciation of the National Congress) number 2.200. The objective of the ICP-Brasil is to guarantee the authenticity, the integrity, and the legal validity of the documents in electronic format. The digital certification set up by ICP-Brasil attributes distinct legal validity and efficacy to the digital certificates issued by this certification network, submitting the digital certification chain to an accreditation system. The Government imposes its presence upon the economy, assuming the responsibility for the accreditation of digital certificates within the scope of public and private relations. The main objective of our study is to analyze critically the governmental model of intervention in the economy, investigating whether the system violates the principle of free competition. Key words: Digital Certification. Brazilian Digital Certification System. Brazilian Public Key Infrastructure. 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC ADI AGP AR AC-OAB AC-Raiz CADE CF CG CPC DL EC ICP ICP-Brasil ITI MCT MP PC PL PS RI Autoridade Certificadora Ação Direta de Inconstitucionalidade Autoridade Gestora de Políticas Autoridade Registradora Autoridade Certificadora da Ordem dos Advogados do Brasil Autoridade Certificadora Raiz Conselho Administrativo de Defesa Econômica Constituição Federal Comitê Gestor Código de Processo Civil Decreto-Lei Emenda Constitucional Infraestrutura de Chaves Públicas Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira Instituto Nacional de Tecnologia da Informação Manual de Conduta Técnica Medida Provisória Política de Certificado Projeto de Lei Política de Segurança Regimento Interno 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................... 11 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 DOCUMENTO DIGITAL....................................................................... Conceito................................................................................................ Validade Jurídica e Eficácia Probante.................................................. Requisitos............................................................................................. Assinatura Digital.................................................................................. Certificação Digital................................................................................ Análise Crítica....................................................................................... 3 CRIAÇÃO DO SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO........................................................................ 23 Histórico Legislativo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira-ICPBrasil.................................................................................................... 23 Decreto 3.587/2000.............................................................................. 23 Medida Provisória nº 2.200/2001......................................................... 24 Medida Provisória nº 2.200-1/2001...................................................... 26 Medida Provisória nº 2.200-2/2001...................................................... 27 Regulamentação Paralela do Poder Executivo.................................... 28 Decreto nº 3.505/2000.......................................................................... 28 Decreto nº 3.996/2001.......................................................................... 30 Decreto nº 4.414/2001.......................................................................... 30 Decreto nº 4.689/2003.......................................................................... 30 Decreto nº 6.605/2008.......................................................................... 31 Proposição Legislativa do Poder Executivo. Projeto de Lei nº 7.316/2002.......................................……………………………………... 31 3.1 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.1.4 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3 3.2.4 3.2.5 3.3 4 4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.1.5 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 4.2.4 4.2.5 4.3 AMBIENTE CONCEITUAL DA ICP-BRASIL....................................... Estrutura Hierárquica............................................................................ Autoridade Gestora de Políticas........................................................... Autoridade Certificadora Raiz............................................................... Instituto Nacional de Tecnologia da Informação................................. Autoridade Certificadora....................................................................... Autoridade Registradora....................................................................... Estrutura Normativa.............................................................................. Resoluções........................................................................................... Resoluções em vigor............................................................................ Instruções Normativas.......................................................................... Manuais de Conduta Técnica............................................................... Adendos................................................................................................ Credenciamento e Política Tarifária...................................................... 14 14 16 17 18 20 21 34 34 35 37 37 38 39 39 40 40 41 41 41 41 10 5 5.1 5.2 5.3 EFICÁCIA JURÍDICA DOS CERTIFICADOS DIGITAIS...................... 44 Certificado Qualificado da ICP-Brasil e Certificado Puro...................... 44 Análise Crítica....................................................................................... 46 Modernização Legislativa. Nova ordem legal a partir da ICP-Brasil.........47 6 A INVIABILIDADE DA CRIAÇÃO DE OUTRAS INFRAESTRUTURAS DE CHAVES PÚBLICAS.................................... 6.1 Casos Concretos...................................................................................... 6.1.1 Prefeitura Municipal de Florianópolis....................................................... 6.1.2 Ordem dos Advogados do Brasil............................................................. 6.2 Análise Crítica.......................................................................................... 7 7.1 7.2 7.3 7.4 7.5 49 49 49 53 58 ANÁLISE CONSTITUCIONAL................................................................ A Medida Provisória na Constituição Federal de 1988............................ A Emenda Constitucional 32/2001........................................................... A Incompatibilidade Constitucional da MP 2.200..................................... O papel da autarquia na Administração Federal...................................... A Criação da Autarquia Instituto Nacional de Tecnologia da Informação................................................................... 7.5.1 Poderes Regulatórios............................................................................... 7.5.2 Patrimônio e Fonte de Recursos.............................................................. 59 59 61 62 64 65 68 69 8 8.1 8.1.1 8.1.2 8.2 8.3 8.4 8.5 SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA................................ Conceito e Classificação de Serviço Público.......................................... Prestação e Formas de Delegação......................................................... Retribuição sob a Forma de Tarifa.......................................................... Atividade Econômica............................................................................... Distinção entre Serviço Público e Atividade Econômica......................... O Serviço de Certificação Digital............................................................. Natureza Jurídica do Serviço de Certificação Digital.............................. 71 71 72 75 76 77 77 78 9 9.1 9.2 9.2.1 9.2.2 9.2.3 A ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA....................................................... Princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência............. Intervenção do Estado na Atividade Econômica...................................... Exploração Direta pelo Estado na Atividade Econômica......................... O Estado como Agente Normativo e Regulador...................................... A Participação Concorrencial do Estado na Economia............................ 80 80 82 84 85 86 10 CONCLUSÕES....................................................................................... 88 REFERÊNCIAS................................................................................................. 93 11 1 INTRODUÇÃO A era digital inaugurou a chamada sociedade da informação, proporcionando novas modalidades de transações comerciais, que vieram aprimorar conceitos da atividade econômica. As operações realizadas no ambiente eletrônico se traduzem em evolução da forma tradicional de conclusão de atos jurídicos. Em decorrência das características específicas do instrumento tecnológico como meio para realização de transações comerciais, operou-se uma transformação na modalidade de aproximação dos partícipes da sociedade em rede. Os negócios jurídicos realizados através da plataforma digital encontram novas aplicações no molde de concretização, dispensando a presença física das partes, a fixação em suporte físico, possibilitando firmarem-se documentos assinados digitalmente. Para o Direito na pós-modernidade, a insegurança jurídica dessa modalidade de contratação decorre da imaterialidade, marcante característica do ambiente eletrônico. É certo que o Direito não pode permanecer estático frente ao desenvolvimento tecnológico, e sua modernização é imprescindível para que se alcance segurança jurídica nas relações mantidas na sociedade informatizada. O presente estudo aborda o sistema de certificação digital implantado pelo Poder Executivo Federal. A Medida Provisória 2.200/2001 criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, a ICP-Brasil, com a finalidade de garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica. Baseado em formato centralista e hierárquico, o sistema adota um modelo de raiz única vinculado ao Poder Executivo e composto por um grupo de autoridades que se submetem às diretrizes normatizadoras estabelecidas pelo Comitê Gestor, vinculado à Casa Civil da Presidência da República. 12 O eixo temático tem por objetivo pesquisar os reflexos no regime de livre concorrência na prestação de serviços de certificação digital estabelecido pela MP 2.200/2001. A questão será analisada sob a ótica do princípio constitucional da livre concorrência e da intervenção do Estado no domínio econômico, tendo por eixo temático a análise dos reflexos no regime de livre concorrência na prestação do serviço de certificação digital estabelecido no país. Será aplicada na pesquisa a metodologia exploratória, sob a forma de estudo de caso, distribuídos os temas de forma a apresentar o histórico legislativo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, seu objetivo e implicações legais, sempre acompanhados de análise crítica. Em sua primeira parte, o trabalho abrange as características e conceituação do documento digital e a necessidade de cumprimento de requisitos próprios ao meio em que é gerado, para finalidade de aceitação jurídica. É analisada a correlação entre a exigência da assinatura autógrafa no Direito brasileiro e a assinatura digital, modalidade de identificação em meio eletrônico que visa determinar a autoria do documento digital. O terceiro capítulo percorre o marco legal do sistema de certificação digital implantado pelo Poder Executivo Federal. Em seguida, o quarto capítulo aborda o ambiente conceitual da ICP-Brasil, sua estrutura hierárquica, forma de remuneração e histórico normativo. O quinto capítulo comenta a eficácia dual estabelecida aos certificados emitidos pela cadeia de confiança da ICP-Brasil e aos expedidos por prestadores de serviço de certificação digital não credenciados. No sexto capítulo são informados casos concretos de tentativas de instalação de infraestruturas de chaves públicas não credenciadas na ICP-Brasil, não instaladas em decorrência da irresignação da Autoridade Certificadora Raiz da ICPBrasil. A análise constitucional do instituto da medida provisória, os efeitos da edição da Emenda Constitucional 21/2001, a incompatibilidade constitucional da Medida Provisória 2.200/2001 e as características da entidade autárquica do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação são abordados no sétimo capítulo. 13 A conceituação de serviço público e atividade econômica, bem como sua distinção, são explorados no capítulo oito, que aborda ainda o exame da natureza jurídica do serviço de certificação digital. A pesquisa averigua, em seu nono capítulo, a ordem jurídico-econômica e os princípios constitucionais da livre iniciativa e concorrência, investigando as modalidades de intervenção do Estado no domínio econômico Finalmente, o décimo capítulo analisa o modelo de intervenção estatal na atividade de certificação digital, respondendo à indagação sobre se o modelo de sistema de certificação digital implantado pelo Poder Executivo Federal viola o princípio da livre concorrência. 14 2 DOCUMENTO DIGITAL 2.1 Conceito O conceito de documento invariavelmente se vincula à sua exteriorização física, ou seja, sua corporificação no suporte físico do papel vegetal. A definição do termo é descrito no Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas como “qualquer registro gráfico capaz de fazer prova do que se alega”, sendo o documento escrito “aquele que é apresentado literalmente, ou por meio de palavras escritas” (SIDOU, 2009). Discorrendo sobre a classificação das provas, Theodoro Júnior (2003) afirma que na forma documental tem-se o registro permanente e material em que se gravou a manifestação da vontade. O entrelaçamento com a representação material também se localiza no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1986), que o conceitua como “declaração escrita, base de conhecimento, fixada materialmente e disposta de modo que se possa utilizar para consulta, estudo, prova”, e no Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), que o descreve como “declaração escrita”. Apesar dos diversos registros sobre documento no ordenamento jurídico brasileiro1, apenas o Código de Processo Penal apresenta sua conceituação no artigo 232: “Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”. Cabendo à doutrina a tarefa de explicitar seu significado, entende Pontes de Miranda (1996, p. 357) que “o documento, como meio de prova, é toda coisa em que se expressa por meio de sinais, o pensamento”, enquanto Santos (1997, p. 385) declara que documento “é a coisa representativa de um fato e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo”. Como visto também a doutrina vincula o documento à existência de um suporte corpóreo. Porém, o fato de um documento ser desprovido de materialidade 1 Código Civil, arts. 212, II, 215, 219, 1.151 § 1º; Código Penal, artigos 297, 298, 304 e 305; Código de Processo Civil, artigos 159, 202 §§1º e 2º, 283, 312, 355, 364 a 399, 861; Código de Processo Penal, artigos 116; 135 § 1º, 145; 174 inciso II, 231 a 238 400, e 513. 15 não retira sua característica intrínseca, qual seja, a existência e o registro de determinado ato ou fato. O que se convencionou denominar documento eletrônico, ou digital, originase de uma descrição, sendo representado por arquivo formado por uma sequência de bits, ou código binário dependente de um programa de computador para ser interpretado. A Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do Conselho Nacional de Arquivos conceitua documento digital como a informação registrada, codificada em dígitos binários, acessível e interpretável por meio de sistema computacional,2 e como sequência de bits elaborada mediante processamento eletrônico de dados, destinada a reproduzir a manifestação de um pensamento ou fato.3 Castro (2001) assim interpreta o documento eletrônico: Por documento entende-se a "coisa representativa de um fato" (Moacyr Amaral Santos). Nesta ideia, o termo "coisa" pode ser reputado como fundamental ou essencial e indicativo, ou não, da presença de algo material. O afastamento da materialidade por ser obtido pela mitigação da forma, assumindo importância decisiva o aspecto funcional do registro do fato. Por outro lado, a palavra em questão pode ser tomada no sentido de "tudo o que existe" ou "realidade absoluta" (por oposição à aparência, ou representação). Assim, o documento eletrônico pode ser entendido como a representação de um fato concretizada por meio de um computador e armazenado em formato específico (organização singular de bits e bytes), capaz de ser traduzido ou apreendido pelos sentidos 4 mediante o emprego de programa (software) apropriado. Na percepção de Rover (2004), o documento digital é uma nova maneira de registro de algum fato que difere substancialmente do tradicional papel.5 Marcacini (2002) entende o documento digital como “uma sequência de bits que, captada pelos nossos sentidos com o uso de um computador e um software específico, nos transmite uma informação”.6 Areno e Zuffo (2004, p. 423)) afirmam que “enquanto nos documentos tradicionais que se utilizam do papel como registro fixo de um fato ou ato, é possível compreender, pela simples leitura gráfica, representante da linguagem verbal, a 2 3 4 5 6 Criada pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq). Órgão vinculado ao Arquivo Nacional da Casa Civil da Presidência da República. Glossário do Conselho Nacional de Arquivos. ICP-Brasil Documento 15. Artigo: O documento eletrônico e a assinatura digital. Uma visão geral. Artigo: Validade jurídica de documentos eletrônicos assinados com Infraestruturas diferentes da ICP-Brasil. Artigo O Documento eletrônico como meio de prova. 16 natureza do documento, a intenção dos seres emitentes da vontade e o alcance do ato consignado no papel, nos documentos eletrônicos ou em meios magnéticos é necessária a conversão da linguagem binária para nossa linguagem corrente” . A ampliação do conceito de documento, liberando-o do meio físico onde se registra a manifestação da vontade, foi desenhada por Silva (1991, p. 312): Sempre que se faz alusão a documento, ou, em direito processual, a prova documental, em geral se imagina que estas categorias de direito probatório equivalham ao conceito de prova literal (littera, a letra, aquilo que está escrito). O conceito de documento, todavia, é bem mais amplo, abrangendo outras formas de representação além das formas gráficas ou simplesmente literais. Analisando a dificuldade da equiparação do documento eletrônico ao documento tradicional, o professor Greco (2000, p. 16) pondera: “estamos passando dos átomos para os bits, onde a linguagem do documento é formada por um conjunto de simples dígitos binários, com a reprodução da mesma sequência de bits, verificando profundas diferenças entre as características do mundo dos átomos, cotejado com o mundo dos bits”. 2.2 Validade Jurídica e Eficácia Probante Enquanto elemento essencial à existência do ato, a forma de exteriorização da vontade mostra-se relevante tão somente nos casos expressamente exigidos por lei (CC, art. 107), condicionando-se a validade do negócio jurídico à presença de agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não de defesa em lei (CC, art. 104). Para que o ato se consubstancie – revelando o comportamento externo para estabelecimento do negócio jurídico – a vontade se manifesta e se instrumentaliza por meio da declaração (CC, arts. 265 e 347). O reconhecimento legal do documento eletrônico se expressa no art. 225 do Código Civil e no art. 383 do Código de Processo Civil, reconhecendo como meio válido de prova qualquer reprodução eletrônica de fatos ou de coisas. Em interpretação sistemática dos diplomas citados, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovou os seguintes enunciados: 17 Enunciado 297: Art. 212. O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada. Enunciado 298: Arts. 212 e 225. Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de "reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas", do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova 7 documental. A eficácia probante do documento – seja este físico ou digital – se insere no campo processual, como sustenta Costa (2001).8 O chamado documento eletrônico puro, como apontado por Castro (2001), encontra dificuldades no campo probatório, posto ser desprovido de técnicas e requisitos de segurança capazes de atestar e garantir sua autoria e integridade.9 2.3 Requisitos Ausente a representação material, o documento produzido em meio eletrônico se submete ao cumprimento de requisitos próprios ao meio no qual foi gerado para que se revista de inquestionável valor jurídico e eficácia probante. Tais atributos se relacionam à autenticidade, integridade, autenticação confidencialidade e disponibilidade. O elemento da autenticidade refere-se à incolumidade do documento, devendo revelar a credibilidade de que é livre de adulterações ou qualquer outro tipo de corrupção.10 A integridade deve assegurar a fidelidade do conteúdo do documento eletrônico. Atestando que o mesmo não sofreu alteração durante sua transferência entre sistemas ou computadores, garante que a informação recebida possui idêntico conteúdo à enviada.11 Revela-se pela preservação do conteúdo informacional – configuração da sequência de bits – visando garantir a impossibilidade de corrompimento do arquivo e de adulteração das informações contidas no documento. O requisito da autenticação resulta do processo de confirmação da identidade do autor, visando atribuir o elemento certeza quanto à autoria do documento 7 IV Jornada de Direito Civil. Artigo Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos. 9 Artigo: O documento eletrônico e a assinatura digital. Uma visão geral. 10 ICP-Brasil. Glossário. 11 Id. 8 18 eletrônico. O processo é executado por agentes de registro, como parte do processo de aprovação de uma solicitação de certificado digital, por meio das documentações apresentadas pelo solicitante e da confirmação dos dados da solicitação.12 No que tange à capacidade do agente, deve-se ressaltar que sua autenticação é pressuposto de validade do ato. Conforme acentuado por Greco (2000), “se não é possível identificar com segurança o agente, não será possível aferir sua capacidade jurídica. Em suma, a autenticidade é um elemento crítico no mundo informatizado, pois, numa comunicação através de computador, temos contato com a mensagem pura e com algo virtual, que é a ‘representação’ da pessoa e não a própria pessoa” (GRECO, 2000, p. 31). Pela confidencialidade preserva-se o sigilo das informações constantes do arquivo, impedindo que terceiros estranhos à relação tenham acesso ao conteúdo informacional; a disponibilidade assegura o acesso ao arquivo pelo usuário autorizado a qualquer tempo. O doutrinador Castro (2001) aponta que a fixação do quadro regulamentador da assinatura digital no Brasil suscitou um problema novo em relação à validade jurídica do documento eletrônico, pois a Medida Provisória 2.200/2001 não trata apenas da validade probatória do documento eletrônico, e sim da validade jurídica do próprio documento em forma eletrônica. Assim, trata, embora com redação deficiente, da validade ou eficácia probatória dos documentos eletrônicos.13 Em razão da inexistência de assinatura autógrafa e do suporte físico, observa-se a necessidade da presença de mecanismos de segurança a fim de que se atribua ao documento gerado por meio eletrônico o devido valor probante. 2.4 Assinatura Digital O Código Civil dispõe expressamente que apenas o instrumento particular assinado prova as obrigações convencionais de qualquer valor (CC, art. 221), assim como que somente as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação ao signatário (CC, art. 219). Adjetivamente, o Código de Processo Civil refere-se textualmente ao documento: escrito e assinado (art. 368); reconhecimento da firma do signatário pelo 12 13 ICP-Brasil. Glossário. Artigo: O documento eletrônico e a assinatura digital. Uma visão geral. 19 tabelião (art. 369); documento assinado pelo autor (art. 371); documento original assinado pelo remetente (art. 374, parágrafo único), mencionando expressamente sobre a assinatura nos arts. 164, 169, 417, 449, 458, 715, 764, 765, 825 e 843. A assinatura autógrafa revela para o Direito a função indicativa de apontar o autor do documento, a função declarativa do autor em relação ao conteúdo, assim como a função probatória de sua manifestação da vontade. Em vista da impossibilidade técnica da existência de assinatura autógrafa no documento gerado por meio eletrônico, sua validade jurídica se condiciona ao atendimento da exigência dirigida ao documento físico, qual seja, a possibilidade de verificação de sua autoria. A autoria do documento digital comprova-se por meio de um processo tecnológico seguro de autenticação, capaz de garantir e apontar com segurança a identificação do signatário, denominado assinatura digital. Segundo a Lei Modelo de Comércio Eletrônico da Uncitral (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial), quando a lei requer a assinatura de uma pessoa, esse requisito considerar-se-á preenchido no meio eletrônico se: a) for utilizado algum método para identificar a pessoa e indicar sua aprovação para a informação contida na mensagem eletrônica e, b) que tal método seja tão confiável quanto seja apropriado para os propósitos para os quais a mensagem foi gerada ou comunicada. (Art. 7º. Publicação da Associação das Nações Unidas. Brasil, 1996) A ferramenta tecnológica da assinatura digital tem por finalidade jurídica comprovar a autoria e validar a manifestação da vontade, associando um indivíduo a uma declaração de vontade veiculada eletronicamente (MENKE, 2005, p. 42). O professor Rorhmann (2005, p. 69 e 71) afirma que a assinatura digital é um substituto eletrônico da assinatura manual, cuja implementação técnica se dá por meio do par de chaves criptográficas, e sua segurança matemática, proporcionada pela criptografia assimétrica, pode ser medida por sua adoção em diversos países, inclusive o Brasil. Marcacini (2002, p. 32) a define “como o resultado de uma operação matemática, utilizando algoritmos da criptografia assimétrica. Além de viável tecnicamente e de confiabilidade garantida, pode ser obtida através da utilização de certificado digital de assinatura, que confirma identidade do titular e autentica sua assinatura eletrônica” (MARCACINI, 2002, p. 32). 20 Reconhecida pela Medida Provisória 2.200/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, a assinatura digital disponibilizada pela ICP-Brasil se utiliza de um processo de codificação e decodificação, consistente na aplicação de modelo matemático de algoritmo criptográfico, baseado no conceito de chaves e executado por um programa de computador. Com a inserção da chave criptográfica, o arquivo enviado se torna ilegível, sendo necessário conhecer o algoritmo de decifragem – a chave – para recuperação dos dados originais. Esclarece Alexandre Veronese que a aplicação da técnica de criptografia assimétrica visa garantir que a assinatura digital é realmente do remetente, funcionando o certificado como a própria assinatura digital (VERONESE, 2007, p. 330).14 A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira adota o padrão criptográfico assimétrico, cujos algoritmos trabalham com duas chaves – pública e privada – geradas simultaneamente e utilizadas, respectivamente, para cifrar e decifrar a informação. O titular da chave privada disponibiliza sua chave pública para que a informação se torne acessível ao destinatário da mensagem eletrônica. A chave privada é de conhecimento exclusivo do titular da assinatura digital, cabendo-lhe a responsabilidade por mantê-la em sigilo.15 O mecanismo concede segurança quanto à autoria e integridade do documento eletrônico, vinculando indissociavelmente a assinatura ao documento. Em caso de tentativa de modificação do documento eletrônico, o certificado digital informará a violação e não lhe conferirá autenticidade. A chamada equivalência funcional – equiparação da assinatura manuscrita à eletrônica – atribui presunção de veracidade às declarações de vontade realizadas em ambiente virtual, desde que utilizada a assinatura digital obtida perante uma das certificadoras credenciadas pela Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil (MENKE, 2005, p. 136). 2.5 Certificação Digital 14 15 Artigo: A política de certificação digital: Processos eletrônicos e a informatização judiciária. ITI. Cartilha. 21 A certificação digital funciona como “um documento de identidade eletrônica que armazena os dados pessoais de seu titular e associa essa identificação – nome a atributos de uma pessoa – a uma chave pública” (MENKE, 2005, p. 49). Tem por função básica possibilitar a comprovação da identidade do signatário de um documento eletrônico, permitindo que o titular reconheça, indubitavelmente: seu período de vigência; o fato de não ter sido revogado; a inclusão de informação não verificada; a informação necessária para a verificação da assinatura; e identificar claramente o emissor do certificado digital (LORENZETTI, 2004, p. 138). O professor Rorhmann (2005, p. 76) salienta que “o certificado é a confirmação, lançada por uma terceira parte, sobre chave pública de uma pessoa que assinou digitalmente documentos eletrônicos” (RORHMANN, 2005, p. 76). O certificado digital emitido pelo terceiro de confiança credenciado pela ICPBrasil – a Autoridade Certificadora – armazena a chave privada do usuário, podendo se alocar no próprio computador ou em mídia portátil – smart card ou token. As informações contidas nos certificados digitais são acessíveis por meio da senha pessoal eleita pelo titular. É necessário que o titular da chave privada disponibilize sua chave pública para que a informação se torne acessível ao destinatário da mensagem eletrônica, cabendo-lhe a responsabilidade por mantê-la em sigilo.16 Como salientado pelo professor Rezende (2009), a certificação serve apenas para controlar o risco de identificação incorreta do titular de uma chave, que levaria à identificação incorreta do autor de documentos que o certificado valida.17 2.6 Análise Crítica O professor Costa (2003)18 apresentou um estudo perante o I Fórum sobre Segurança, Privacidade e Certificação Digital, promovido pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (em outubro de 2003), objetivando contribuir para os debates sobre a ICP-Brasil e estabelecer uma adequada disciplina dos documentos eletrônicos, da assinatura digital e certificação eletrônica. 16 17 18 ITI. Cartilha. Artigo sobre a criação da ICP-Brasil. À época presidente da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB e da Comissão de Informática Jurídica da Seccional OAB-SP 22 Nesse importante trabalho,19 o estudioso apontou imperfeições, conflitos, contradições e omissões da Medida Provisória 2.200-2, sustentando que o documento – eletrônico ou não – deve servir para comprovar um fato. Em se tratando de documento eletrônico, sua eficácia probante não deve ficar adstrita à existência, ou não, de certificação eletrônica, mas sim da assinatura digital. Afirma o autor que quem assegura autenticidade e integridade ao documento eletrônico é a assinatura digital, gerada por processo de criptografia de chaves públicas. O certificado ingressa apenas no campo da distribuição das chaves públicas, sendo uma das formas, não exclusiva, de identificação de seus titulares. Argumenta, ainda, que o documento eletrônico foi aceito pelo mundo jurídico porque a comunidade científica internacional testou, durante décadas, a confiabilidade dos conceitos da criptografia assimétrica, e não pela existência de um modelo de negócios baseado na venda de certificados eletrônicos. 19 Artigo: Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos. 23 3 CRIAÇÃO DO SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL BRASILEIRO 3.1 Histórico legislativo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras/ ICP-Brasil 3.1.1 Decreto nº 3.587/2000 Em setembro de 2000 foi editado o Decreto 3.587/2000, estabelecendo normas para a instituição da Infraestrutura de Chaves Públicas do Poder Executivo Federal, denominada ICP-Gov, visando promover a realização de transações eletrônicas seguras e a troca de informações sensíveis e classificadas. A iniciativa teve por objetivo viabilizar, no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, a oferta de serviços de sigilo, a validade, a autenticidade e integridade de dados, a irrevogabilidade e irretratabilidade das transações eletrônicas e das aplicações de suporte que utilizassem certificados digitais. Competia ao Comitê Gestor de Segurança da Informação, vinculado ao Conselho de Defesa Nacional, coordenar a implementação da ICP-Gov, no prazo de 120 dias contados a partir da publicação do Decreto, para especificação, divulgação e início de seu funcionamento. A organização da ICP-Gov se constituía pela Autoridade de Gerência de Políticas, Autoridade Certificadora Raiz e Autoridades Certificadoras e de Registro. Competia à Autoridade de Gerência de Políticas (AGP) estabelecer o conjunto de regras e políticas, visando estabelecer padrões técnicos, operacionais e de segurança e credenciar as Autoridades Certificadoras e de Registro. Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal poderiam implantar sua própria ICP, ou ofertar serviços de ICP integrados à ICP-Gov, desde que obedecidas as especificações da AGP. Os certificados emitidos pela ICP-Gov seriam utilizados para assinatura digital de documentos eletrônicos, assinatura de mensagem de correio eletrônico, autenticação para acesso a sistemas eletrônicos e troca de chaves para estabelecimento de sessão criptografada. Portanto, a implantação da ICP-Gov se encontrava restrita ao âmbito da Administração Pública Federal. 24 No mês de dezembro de 2000, a Casa Civil da Presidência da República tornou pública proposta de projeto de lei dispondo sobre a autenticidade e o valor jurídico e probatório de documentos produzidos, emitidos ou recebidos por órgãos públicos federais, estaduais e municipais, por meio eletrônico. As contribuições para o aperfeiçoamento da proposta deveriam ser encaminhadas até a data de 15 de janeiro de 2001, para o endereço eletrônico especificado.1 O referido texto atribuía a tais documentos eletrônicos o mesmo valor jurídico e probatório daqueles produzidos em papel ou em outro meio físico reconhecido legalmente, desde que asseguradas sua autenticidade e integridade. Tais requisitos seriam garantidos pela execução de procedimentos lógicos, regras e práticas operacionais estabelecidas pela ICP-Gov. Autorizava o arquivamento por meio magnético, óptico, eletrônico ou similar, de documentos públicos ou particulares para produzir idênticos efeitos legais dos documentos originais. Portanto, tinha por escopo tão somente os órgãos públicos federais, estaduais e municipais, não fazendo qualquer menção a documentos eletrônicos de natureza particular. Posteriormente, o referido Decreto foi revogado (em 05/09/2000) pelo Decreto 3.996/2001, que dispunha sobre a prestação de serviços de certificação digital no âmbito da Administração Pública Federal. Ressaltando que a proposta apresentava o grave defeito de desconsiderar as relações entre particulares, o Procurador da Fazenda Nacional, Castro (2001), concluiu pela presença de três marcas negativas bem nítidas: a) comete um erro inaceitável na definição da abrangência de seus efeitos; b) deixa de regular inúmeros aspectos cruciais relacionados com os documentos eletrônicos; e c) afasta a validade jurídica, hoje presente, dos documentos eletrônicos quando não asseguradas, por meio hábil, a autenticidade e a integridade.2 3.1.2 Medida Provisória nº 2.200/2001 1 2 Casa Civil. Consulta Pública Projeto de Lei. Artigo: Validade Jurídica de Documentos Eletrônicos. Considerações sobre o Projeto de Lei apresentado pelo Governo Federal. 25 Enquanto ainda se aguardava a conclusão da consulta pública submetida à sociedade – contendo proposta de projeto de lei dispondo sobre a autenticidade e o valor jurídico e probatório de documentos produzidos, emitidos ou recebidos por órgãos públicos por meio eletrônico – foi editada a MP 2.200. Rebatizando a ICPGov para ICP-Brasil veio alargar seu âmbito de aplicação, anteriormente adstrito aos órgãos públicos. Assim, desde seu nascedouro, a edição da MP 2.200 cercou-se de polêmica, pois desconsiderou o debate fomentado na sociedade e no Congresso Nacional, regulamentando de forma abrupta a certificação digital no Brasil. É certo que o Governo Federal detém legitimidade para implantar uma Infraestrutura interna para a Administração Pública, porém operou-se uma extensão de suas competências para regular a relação jurídica entre particulares. A Medida Provisória 2.200 criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras. Definida como um conjunto de técnicas, práticas e procedimentos a ser implementado pelas organizações governamentais e privadas do Brasil, declarava ter por objetivo estabelecer os fundamentos técnicos e metodológicos de um sistema de certificação digital baseado em chave pública, considerando para todos os fins legais, documentos públicos ou particulares, os documentos eletrônicos tratados pela Medida Provisória. O modelo centralista e hierárquico compunha-se por uma Autoridade Gestora de Políticas e por uma cadeia de autoridades certificadoras: Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz), Autoridades Certificadoras (AC) e Autoridades de Registro (AR). A Autoridade Gestora de Políticas – exercida pelo Comitê Gestor da ICPBrasil e vinculado à Casa Civil da Presidência da República – era composta por 11 membros, sendo quatro representantes da sociedade civil e setores interessados e sete representantes governamentais. O Comitê Gestor recebia assessoramento e apoio técnico do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações (Cepesc), órgão 26 que integrava a estrutura do Departamento de Tecnologia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).3 O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, desempenhava as funções de Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil. Poderiam ser licenciados como AC e AR os órgãos e entidades públicas, assim como as pessoas jurídicas de direito privado. Portanto, ocorreu mudança significativa do propósito original de se criar uma infraestrutura adstrita ao âmbito do Governo Federal, para se instalar outra de âmbito nacional, com poderes de regular também as relações de caráter privado. Nessa significativa mudança de escopo, a Administração Pública avocou a si a responsabilidade de reger a prestação do serviço de certificação digital no território brasileiro. Costa e Marcacini (2002), assim se posicionaram a época em relação à MP 2.200: Não se trata, como se pode perceber, de conferir ao dito Comitê tão somente a atribuição de regulamentar aspectos técnicos. Os poderes atribuídos pela medida provisória implicam em delegar ao Comitê função tipicamente legislativa, estabelecendo os elementos formais de validação do ato jurídico. É de se duvidar, por isso, da constitucionalidade da referida MP 2.200. [...] Destaque-se que as legislações europeias que criaram alguma entidade credenciadora central diferem diametralmente do texto desta MP, vez que, definindo na lei a forma de certificação, requisitos e responsabilidade da certificadora, atribuem a esta entidade central tão somente funções administrativas, fiscalizadoras, jamais funções normativas; ademais, o credenciamento é opcional, podendo a entidade certificadora particular atuar 4 sem este “alvará”. 3.1.3 Medida Provisória nº 2.200-1/2001 Menos de um mês após a edição da MP 2.200, visando atender as críticas recebidas, o Poder Executivo Federal a reeditou trazendo diversas modificações 3 4 CEPESC. Órgão criado em 1982 para sanar a deficiência do Brasil em salvaguardar o sigilo das transmissões oficiais, há duas décadas trabalhava na elaboração de algoritmos e protocolos de segurança criptográfica para emprego em diversas organizações do Governo Federal. Respectivamente presidente da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB e vicepresidente da Comissão Especial de Informática Jurídica. Artigo O apagão do comércio eletrônico no Brasil. 27 substantivas no texto original, apesar de manter o combatido apoio técnico do Cepesc. Foi acrescido mais um representante (art. 3º) da sociedade civil e dos setores interessados no Comitê Gestor, e mantidos os sete relacionados ao Governo. Passou a admitir a contratação de serviços de terceiros pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI (art. 7º, parágrafo único), estipulando a possibilidade de requisição de servidores e autorizando o Ministério da Ciência e Tecnologia a custear despesas relativas à remoção de servidores (art. 14). Incluiu a previsão de que o par de chaves criptográficas passaria a ser gerado sempre pelo próprio titular, sendo a chave privada de assinatura de seu exclusivo controle, uso e conhecimento (art. 8º, parágrafo único), vedando a qualquer AC certificar em nível diverso do imediatamente subsequente ao seu (Art. 11: a natureza sigilosa não foi explicitada da mesma maneira para a chave privada de sigilo, usada para comunicação reservada). O destaque mais significativo adveio pela inclusão de dois novos parágrafos ao art. 12, passando a atribuir presunção de veracidade à certificação disponibilizada pela ICP-Brasil e a admitir a certificação baseada em certificados não governamentais atribuindo-lhe validade jurídica condicionada à vontade das partes: Art. 12. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, na forma do art.131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil. § 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICPBrasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for aposto o documento. 3.1.4 Medida Provisória nº 2.200-2/2001 Pela terceira vez consecutiva, o Governo Federal volta a promover alterações no texto original da MP 2.200, inserindo modificações cosméticas, apesar da forte reação dos setores envolvidos e da sociedade civil. 28 Expurgou-se a previsão de assessoria e apoio técnico prestado pelo Cepesc (art. 4º da MP 2.200-01) permitindo a possibilidade de delegação de atribuições pelo Comitê Gestor à AC-Raiz (art. 4º, VIII, § único) para exercer outras atividades que lhe forem atribuídas pela Autoridade Gestora de Políticas (art. 5º, in fine). O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação transformou-se em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, transferindo o Poder Executivo seus acervos técnico e patrimonial e remanejando ao órgão a dotação orçamentária antes consignada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (arts. 12, 15 e 17). Contudo, permaneceu inalterada a previsão de responsabilidade do ITI em exercer a Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil, cabendo-lhe também desempenhar atividades de fiscalização, aplicar sanções e penalidades na forma da lei (art. 14). Segundo Reinaldo Filho (2005),5 a MP 2.200-2 consagrou texto normativo de escopo restrito, limitando-se, em linhas gerais, a estabelecer estrutura administrativa adequada à prestação satisfatória desses serviços. 3.2 Regulamentação Paralela do Poder Executivo 3.2.1 Decreto nº 3.505/2000 Ainda no ano de 2000 foi instituída a Política de Segurança da Informação nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, por meio do Decreto 3.505 (de 13/06/2000), elegendo como pressupostos básicos: Assegurar a garantia ao direito individual e coletivo das pessoas, à inviolabilidade da sua intimidade e ao sigilo da correspondência e das comunicações, nos termos previstos na Constituição; Proteger assuntos que mereçam tratamento especial; Criar, desenvolver e manter mentalidade de segurança da informação; Promover a capacitação científico-tecnológica do País para uso da criptografia na segurança e defesa do Estado; e Conscientizar os órgãos e das entidades da Administração Pública Federal sobre a importância das informações processadas e sobre o risco da sua vulnerabilidade. (Art. 1º) 5 Artigo: A ICP-Brasil e os poderes regulatórios do ITI e do CG. 29 A Política de Segurança da Informação estabeleceu as conceituações do certificado de conformidade e da segurança da informação (art. 2º), destacando como objetivo desta última dotar os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal de instrumentos jurídicos, normativos e organizacionais que os capacitem científica, tecnológica e administrativamente a assegurar a confidencialidade, a integridade, a autenticidade, o não-repúdio e a disponibilidade dos dados e das informações tratadas, classificadas e sensíveis (art. 3º). Competia à Abin, por intermédio do Cepesc (art. 5o): Apoiar a Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional no tocante a atividades de caráter científico e tecnológico relacionadas à segurança da informação; Integrar comitês, câmaras técnicas, permanentes ou não, assim como equipes e grupos de estudo relacionados ao desenvolvimento das suas atribuições de assessoramento. O Comitê Gestor da Segurança da Informação foi incumbido de assessorar a Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional na consecução das diretrizes da Política de Segurança da Informação nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal (art. 6º). Compõe-se de um representante de cada Ministério e outros órgãos, cabendo a coordenação ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (art. 7º). Entre as diretrizes que cabem à Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional estabelecer, destacam-se: Propor regulamentação sobre matérias afetas à segurança da informação nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal; Estabelecer normas, padrões, níveis, tipos e demais aspectos relacionados ao emprego dos produtos que incorporem recursos critptográficos, de modo a assegurar a confidencialidade, a autenticidade, a integridade e o não-repúdio, assim como a interoperabilidade entre os Sistemas de Segurança da Informação; Estabelecer as normas gerais para o uso e a comercialização dos recursos criptográficos pelos órgãos e pelas entidades da Administração Pública Federal, dando-se preferência, em princípio, no emprego de tais recursos, a produtos de origem nacional; Estabelecer normas, padrões e demais aspectos necessários para assegurar a confidencialidade dos dados e das informações, em vista da possibilidade de detecção de emanações eletromagnéticas, inclusive as provenientes de recursos computacionais; Estabelecer as normas inerentes à implantação dos instrumentos e mecanismos necessários à emissão de certificados de conformidade no tocante aos produtos que incorporem recursos criptográficos; Estabelecer as normas relativas à implementação dos Sistemas de Segurança da Informação, com vistas a garantir a sua interoperabilidade e 30 a obtenção dos níveis de segurança desejados, assim como assegurar a permanente disponibilização dos dados e das informações de interesse para a defesa nacional; e Conceber, especificar e coordenar a implementação da Infraestrutura de chaves públicas a serem utilizadas pelos órgãos e pelas entidades da Administração Pública Federal. (Art. 4º) 3.2.2 Decreto nº 3.996/2001 A roupagem legal da MP 2.200 no que se refere à prestação de serviços de certificação digital no âmbito da Administração Pública Federal, direta e indireta, foi regulada pelo Decreto 3.996 de 31/10/2001. A contratação ou a prestação de serviços de certificação digital pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal somente se dá mediante prévia autorização do Comitê Executivo do Governo Eletrônico (art. 2º) e devem ser providas no âmbito da ICP-Brasil (art. 2º § 1º). A tramitação de documentos eletrônicos – para os quais seja necessária ou exigida a utilização de certificados digitais – somente se fará mediante certificação disponibilizada por AC integrante da ICP-Brasil (art. 3º). 3.2.3 Decreto nº 4.414/2001 O Decreto 4.414/2002 (editado em 07/10/2002) veio tão somente acrescer o art. 3o-A ao Decreto 3.996/2001, passando a exigir que: As aplicações e demais programas utilizados no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta que admitirem o uso de certificado digital de um determinado tipo contemplado pela ICP-Brasil devem aceitar qualquer certificado de mesmo tipo, ou com requisitos de segurança mais rigorosos, emitido por qualquer AC integrante da ICP-Brasil. 3.2.4 Decreto nº 4.689/2003 Após a transformação do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) em autarquia federal – promovida pela Medida Provisória 2.200-2/2001 – sobreveio a edição do Decreto 4.689/2003 (de 07/05/2003), com a finalidade exclusiva de 31 aprovar sua Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão. Apesar do ITI se vincular ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MP 2.2002/2001), este novo Decreto trouxe a inovação de que seu regimento interno será aprovado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República (art. 4°). Adjetivamente revogou o Decreto 4.500/2002, que à época apresentou idêntico escopo. 3.2.5 Decreto nº 6.605/2008 O Comitê Gestor da ICP-Brasil, sua Secretaria Executiva e sua Comissão Técnica Executiva foram regulamentados pelo Decreto 6.605/2008 (de 14/10/2008), revogando-se as disposições contidas no Decreto 3.872/2001. O teor do referido Decreto está informado no capítulo relativo ao ambiente conceitual da ICP-Brasil. 3.3 Proposição Legislativa do Poder Executivo. Projeto de Lei nº 7.316/2002 Desde o ano de 1999 tramitavam no Congresso Nacional iniciativas regulatórias versando sobre comércio eletrônico e assinatura digital (PLC 1483/99 e 1589/99 e PLS 672/99). O Poder Legislativo promoveu audiências públicas, debates e seminários que contaram com participação numerosa e qualificada da sociedade como um todo. Cabe destacar que a proposta legislativa contida no Substitutivo 4.906/2001 (apenso aos PLS 1.483/99, 1.589/99, 6.965/02 e 7.093/02) não submete a prestação da atividade de certificação à autorização do Poder Executivo Federal. A instituição da infraestrutura de chaves públicas se sujeita à posterior regulamentação pelo Poder Público, cabendo-lhe acompanhar a evolução tecnológica e determinar a aplicação de dispositivos que satisfaçam requisitos operacionais de segurança. Ignorando todo esse anterior debate democrático, o Poder Executivo Federal, após editar a MP 2.200, apresentou ao Poder Legislativo o Projeto de Lei nº 7.316/2002 com o próposito de disciplinar o uso de assinaturas eletrônicas e a prestação de serviços de certificação digital e revogar a MP 2.200, convalidando os atos praticados por esse diploma legal. 32 A exposição de motivos que acompanha o Projeto de Lei ressalta que a ICPBrasil é “uma realidade consolidada que se constitui em exitosa iniciativa de estruturação e regulação dos serviços de certificação digital no país”.6 Considerando que encontram-se pendentes questões que reclamam tratamento legislativo adequado, anunciou que o Projeto de Lei “tem por objetivo colmatar tais lacunas para se compatibilizar com o regime jurídico instituído pela Medida Provisória”.7 Ressaltou ainda a Administração Pública que o referido Projeto contempla a concretização do princípio constitucional da livre iniciativa, pois, “uma vez que a prestação de serviços de certificação digital não se sujeita à prévia autorização pelo Poder Público – atribuindo caráter eminentemente voluntário ao credenciamento – estabeleceu-se um regime de livre competência na área da certificação digital”.8 A proposta define a assinatura eletrônica como um conjunto de dados sob forma eletrônica, ligados ou logicamente associados a outros dados eletrônicos, utilizado como meio de comprovação de autoria (art. 2º). Atribuindo caráter de adesão voluntária à ICP-Brasil, inscreve que a prestação dos serviços de certificação não se sujeita à prévia autorização pelo Poder Público (art. 3º), estabelecendo um regime de livre competência na área de certificação digital (Exposição de Motivos 53/2002, item 5). Não se nega efeito jurídico e nem se exclui como meio de prova a assinatura apresentada em forma eletrônica não baseada em certificado qualificado, ou não gerada por dispositivo seguro de criação (§ 3º do art. 4º), desde que seja admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem foi aposta. Porém, a equiparação da assinatura manuscrita à assinatura eletrônica avançada (art. 2º, II) decorre exclusivamente do uso do certificado qualificado (art. 2º, II, alíneas e incisos), constituindo-se este documento oficial de identificação em meio eletrônico (§ 3º do art. 7º) que concede o mesmo valor jurídico e probante e presumem-se como verdadeiras em relação ao seu titular as declarações constantes em documentos em forma eletrônica (§ 1º do art. 4º). Assim, mantida a estrutura da MP 2.200, reitera a determinação de que apenas o certificado qualificado, emitido pelo prestador de serviço de certificação 6 7 8 EMI 53/2002. Id. Id. 33 credenciado na ICP-Brasil, detém o regime de exclusividade enquanto documento oficial de identificação em meio eletrônico (art. 5º, § 3º). No que concerne ao valor jurídico atribuído à certificação gerada a partir da ICP-Brasil, assevera-se textualmente, na Exposição de Motivos, que: a. Instaura-se assim um regime dual relativamente ao valor jurídico e probante das assinaturas eletrônicas. b. De um lado há a assinatura eletrônica avançada que produz, por força de lei, os mesmos efeitos jurídicos de uma assinatura manuscrita. c. De outro, tem-se a assinatura eletrônica a que não se pode recusar valor jurídico e probante, desde que admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem foi aposta. Nesse caso, seu valor jurídico deriva da vontade das partes. Segundo o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, “aprovado o projeto, o Brasil terá uma legislação consolidada que trata da certificação digital. Mais completa, a nova lei dará à ICP-Brasil a estabilidade necessária para o seu crescimento, além de inserir o Poder Judiciário no Comitê Gestor da ICP-Brasil, trazendo decisivamente os tribunais para a sua esfera de decisão”.9 A citada proposta legislativa foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal, que emitiu parecer pela aprovação do mérito do PL e do substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça. A Comissão de Ciência e Tecnologia acolheu novas emendas na forma de substitutivo, assim como a Comissão de Direito do Consumidor aprovou parecer do relator na forma do Substitutivo da Comissão de Ciência e Tecnologia, com subemendas. 9 Matéria “Comitê Gestor da ICP-Brasil discute nova lei para certificação digital”. 34 4 AMBIENTE CONCEITUAL DA ICP-BRASIL 4.1 Estrutura Hierárquica A estrutura hierárquica de uma Infraestrutura de Chaves Públicas é constituída por entidades, ou autoridades, que compõem seu elo hierárquico vinculada a uma autoridade central, que a comanda. Rohrmann (2005, p. 74) comenta o conceito de autoridade de certificação trazido pelo professor norte-americano Michael Froomkin: “uma autoridade de certificação (CA) é um órgão, público ou privado, que procura atender a necessidade de uma terceira parte de confiança no comércio eletrônico, fornecendo certificados digitais que atestam algum fato acerca do objeto do certificado” (ROHRMANN, 2005, p. 74). Demócrito Reinaldo Filho define uma Infraestrutura de Chaves Públicas como “um conjunto de regimes normativos, procedimentos, padrões e formatos técnicos que viabilizam o uso em escala da criptografia de chaves públicas; constitui um modelo formado por autoridades certificadoras responsáveis pela geração e gerenciamento de chaves e certificados públicos, utilizados para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos e transações eletrônicas”.1 O professor Rezende (2009) considera que uma infraestrutura de chaves públicas não é apenas uma Lei. É um conjunto de regimes normativos, procedimentos, padrões de formatos, algoritmos e protocolos digitais, e, finalmente, implementações de softwares e serviços que disponibilizam e/ou viabilizam o uso interoperável e escalável da criptografia assimétrica em rede digital aberta, compatíveis com tais padrões. O desafio de quem planeja e implementa uma ICP é manter interoperabilidade e eficácia normativa diante dos obstáculos 2 apresentados pelo requisito de escalabilidade. Para o Diretor-Presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, Martini (2007), a ICP-Brasil é um sistema de confiança, que assume certos critérios que se pretendem objetivos: tem como base modelos de auditoria e padrões abertos, estabelecendo regras públicas mantidas por Comitês. Trata-se, portanto, de um sistema de confiança com seus componentes sistêmicos essenciais, ladeado por 1 2 Artigo: A ICP-Brasil e os poderes regulatórios do ITI e do CG. Artigo Privacidade e riscos num mundo de chaves públicas. 35 um subsistema de segurança física e lógica bastante exigente e rigoroso para ambientes computacionais.3 A estrutura hierárquica da ICP-Brasil é determinada pela MP 2200-2/2001, que instituiu e estabeleceu as competências de cada tipo de entidade na estrutura. A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira se baseia no formato hierárquico, centralizado no modelo de raiz única. A autoridade certificadora raiz figura no topo da estrutura e autoriza a emissão de certificadores pelas entidades que integram sua Infraestrutura. Integra a estrutura hierárquica da ICP-Brasil o grupo constituído pelas seguintes Autoridades: Gestora de Políticas, Certificadora Raiz, Certificadoras e Registradoras. Em todos os níveis da cadeia de certificação, as Autoridades se submetem às diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor. A AC-Raiz centraliza o processo de confiança que se estende às autoridades certificadoras que compõem sua cadeia, em decorrência da confiança depositada em seu processo de certificação. De acordo com a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, foram previstos três níveis nessa arquitetura: o nível de gestão, de credenciamento e de operação, com entidades e funções específicas previstas para cada um deles. O nível de gestão contempla a gestão geral e a normalização da ICPBrasil. O nível de credenciamento contempla a conformidade dos métodos e processos a serem utilizados pelas instituições operacionais do sistema, com base nos regulamentos e normas preestabelecidos. Finalmente, o nível de operação executa atividades de registro, certificação e guarda de documentos do usuário final, para emissão do respectivo 4 certificado digital. A atuação de cada uma dessas entidades é embasada por regulamentos, normas e padrões específicos, necessários e suficientes para a integração das instituições, apresentando condições adequadas de confiabilidade técnica de gestão e operação. 4.1.1 Autoridade Gestora de Políticas 3 4 Notas para um estudo da ICP-Brasil. Documento Ambiente Conceitual da ICP. 36 A Autoridade Gestora de Políticas e da cadeia de autoridades certificadoras é exercida pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil (CG, instituído pela Medida Provisória 2.200-2/2001, regulamentado pelo Decreto 6.605/2008). Todas as deliberações do CG devem ser aprovadas por meio de resoluções. Vinculado à Casa Civil da Presidência da República, tem por atribuição estabelecer a política e normas técnicas para credenciamento das autoridades certificadoras e registradoras, em todos os níveis da cadeia de certificação (art. 4º e incisos). Controla a execução das políticas públicas relacionadas à ICP-Brasil, inclusive nos aspectos de normatização e nos procedimentos administrativos, técnicos, jurídicos e de segurança, que formam a cadeia de confiança da ICP-Brasil. Os membros do Comitê são designados pelo Presidente da República, sendo sua participação não remunerada à vista do caráter de relevante interesse público. A participação híbrida do CG contabiliza sete representantes de áreas estratégicas do Governo e cinco representantes da sociedade civil e setores interessados, a saber: a) Casa Civil da Presidência da República; b) Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; c) Ministério da Justiça; d) Ministério da Fazenda; e) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; f) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; g) Ministério da Ciência e Tecnologia; h) Federação Brasileira de Bancos – Febraban; i) Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico – camara-e.net; j) Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe; l) Sociedade Brasileira de Computação – SBC; m) Associação Brasileira de Empresas de Processamento de Dados Estaduais (Abep).5 5 ITI. Composição do CG . 37 Em caráter permanente, podem ser convidados para participar das reuniões dois representantes indicados pelo Conselho Nacional de Justiça, sem direito a voto. A coordenação do Comitê Gestor é exercida por representante da Casa Civil da Presidência da República, cabendo à Comissão Técnica Executiva, integrada por um representante indicado por cada membro do CG, assistir e dar suporte técnico ao Comitê Gestor.6 4.1.2 Autoridade Certificadora Raiz A Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil é a primeira autoridade da cadeia de certificação, sendo a executora das Políticas de Certificados e normas técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil (MP 2.2002/2001, art. 5º). De acordo com a MP 2.200-2 compete à AC-Raiz emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados de Autoridades do nível imediatamente subsequente ao seu; gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos e executar a fiscalização e auditoria das Autoridades Certificadoras, Autoridades Registradoras e prestadores de serviço habilitados na ICP-Brasil. Com a finalidade de verificar se as Autoridades Certificadoras atuam em conformidade com as diretrizes e normas técnicas estabelecidas pelo Comitê Gestor, cabe-lhe ainda fiscalizar, auditar, aplicar sanções e penalidades às Autoridades Certificadoras e Registradoras. 4.1.3 Instituto Nacional de Tecnologia da Informação O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) exerce a função de Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz) da ICP-Brasil Transformado em autarquia federal, vinculado à Casa Civil da Presidência da República, o ITI é responsável pela execução das políticas de certificados e normas técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor para o credenciamento das Autoridades Certificadoras e Registradoras. Compete-lhe a atividade de fiscalização 6 Resolução 63/2009. Aprova o Regimento Interno do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira. 38 e poderes para aplicar sanções e penalidades às autoridades integrantes da cadeia de confiança da ICP-Brasil (MP 2.200-2/2001, arts. 12 a 15). Cabe-lhe, também, editar instruções normativas para suplementar as Resoluções do Comitê Gestor, na medida que se fazem necessárias. 4.1.4 Autoridade Certificadora Uma Autoridade Certificadora (AC) é uma entidade, pública ou privada, subordinada à hierarquia da ICP-Brasil, subdividida em dois níveis (primeiro e segundo). Consideram-se Autoridades Certificadoras de primeiro nível as que se vinculam diretamente à AC-Raiz; as de segundo nível são aquelas que emitem certificados posteriores ao primeiro nível. As Autoridades Certificadoras de primeiro nível têm como função primordial a responsabilidade de emitir certificados digitais vinculando pares de chaves criptográficas ao respectivo titular, após receber credenciamento pela AC-Raiz. Detém competência para expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados digitais, cabendo-lhe a divulgação aos usuários das listas de certificados revogados e a manutenção do registro de suas operações, sempre em observância com as práticas definidas na Declaração de Práticas de Certificação (DPC). Obriga-se a elaborar e divulgar a Política de Segurança, a Declaração de Práticas de Certificação e a Política de Certificados, e se sujeita a auditoria anual obrigatória (MP 2.200-2/2001, art. 6º). Deve, ainda, estabelecer e fazer cumprir – pelas Autoridades Registradoras a ela vinculadas – as políticas de segurança necessárias para garantir a autenticidade da identificação feita. Observa-se que, além de atender aos requisitos técnicos, a AC tem a obrigação da transparência em suas atividades, seja para garantir segurança, a medida que o usuário tem conhecimento dos certificados revogados, seja para consulta a operações já realizadas.7 Atualmente encontram-se credenciadas na cadeia de certificação da ICPBrasil as seguintes Autoridades Certificadoras de primeiro nível: 7 Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Documento Ambiente Conceitual da ICP. 39 a) Serviço Federal de Processamento de Dados – AC Serpro b) Caixa Econômica Federal – AC Caixa c) Secretaria da Receita Federal – AC RBF d) Centralizadora dos Serviços dos Bancos S/A – AC Serasa Certisign e) Imprensa Oficial SP f) Autoridade Certificadora da Justiça – AC-JUS g) Autoridade Certificadora da Presidência da República – AC PR h) Casa da Moeda do Brasil.8 4.1.5 Autoridade Registradora Podem se credenciar como Autoridade Registradora (AR) os órgãos e entidades públicos e as pessoas jurídicas de direito privado, ficando responsáveis pela interface do sistema ICP-Brasil, atuando como elo de ligação entre o usuário e a Autoridade Certificadora. Compete às Autoridades Registradoras – obrigatoriamente vinculadas a uma determinada AC – identificar e cadastrar usuários presencialmente, submetendo a solicitação de certificado do interessado à AC à qual se subordinam. A Autoridade Registradora tem por atribuição o recebimento, validação, encaminhamento de solicitações de emissão ou revogação de certificados digitais às AC e identificação, de forma presencial, de seus solicitantes. É responsabilidade da AR manter registros de suas operações (MP 2.200-2/2001, arts. 7º e 8º). 4.2 Estrutura Normativa A estrutura normativa da ICP-Brasil se compõe de documentos principais, acessórios, manuais de conduta técnica e adendos, expedidos pelas autoridades que a integram. 8 ITI. Autoridades Certificadoras Credenciadas. 40 O Comitê Gestor aprovou um conjunto de oito documentos que formam o corpo básico da estrutura normativa da ICP-Brasil, consubstanciada pelas resoluções 15/2002, 36/2004, 39/2006 e 41 a 45/2006 (de 18 de abril de 2006).9 Os itens a seguir informados demonstram o extenso arcabouço normativo criado e já consolidado para o funcionamento da ICP-Brasil e retratam a situação desse conjunto de documentos.10 4.2.1 Resoluções As resoluções trazem diretrizes gerais sobre os diversos assuntos normatizados pela ICP-Brasil. A criação e alteração dependem de aprovação do Comitê Gestor, por meio de resoluções. O corpo básico da Estrutura Normativa da ICP-Brasil é formado por um conjunto de oito documentos aprovados pelo Comitê Gestor (Resoluções 38 a 45/2006, 15/2002 e 23/2004). Com relação às normas para a utilização de Carimbos de Tempo, o Comitê Gestor aprovou as resoluções 46 a 57 de 2006. 4.2.2 Resoluções em Vigor As Resoluções emanadas pelo Comitê Gestor sofrem modificações, decorrentes de atualizações de ordem técnica. Atualmente encontram-se em vigor as seguintes Resoluções:11 9 10 11 ANOS NÚMEROS 2001 3, 5 2002 15, 16, 20 2004 29, 33, 36 2006 39, 41, 42, 43, 44, 45 2007 47, 48 2008 49 a 61 2009 61 a 78 ITI. Legislação Consolidada. ITI. Estrutura Normativa. ITI. Resoluções em vigor. constantes 41 4.2.3 Instruções Normativas As Instruções Normativas são consideradas documentos acessórios destinados a suplementar, quando necessário, as Resoluções aprovadas pelo Comitê Gestor. São emanadas pelo ITI, que recebeu essa competência do Comitê Gestor da ICP-Brasil (Resolução 33/2004). Encontram-se em vigor as seguintes Instruções Normativas:12 ANOS NÚMEROS 2005 01 2006 05, 06, 08, 10 e 11 2007 01, 02, 03, 04, 05 e 06 2008 01, 02 e 03 2009 01, 02, 03, 04 e 05 4.2.4 Manuais de Conduta Técnica Os Manuais de Conduta Técnica (MCT) compõem a estrutura normativa com a finalidade de regulamentar os requisitos, materiais e testes necessários para homologação de sistemas e equipamentos criptográficos no âmbito da ICP-Brasil. Fundam-se em regras nacionais e internacionais de padronização e de tecnologia da informação. A listagem atual dos MCT compõe-se das Instruções Normativas de números 03 a 09 do ano de 2006.13 4.2.5 Adendos Complementam os documentos criados por Resolução ou Instrução Normativa os adendos, formulários, modelos e outros elementos.14 4.3 Credenciamento e Política Tarifária 12 13 14 ITI. Instruções Normativas em vigor. ITI. Manuais de Conduta Técnica. ITI. Adendos. 42 Concede-se o licenciamento para operar como AC ou AR a órgãos e entidades públicos, assim como a pessoas jurídicas de direito privado, que mantenham instalações no território nacional.15 As entidades credenciadas como prestadoras de serviço de certificação se obrigam ao cumprimento de um conjunto de diretrizes de segurança definidos pela ICP-Brasil, como instrumentos garantidores de segurança e confiabilidade de todas as operações praticadas pela cadeia de certificação. Sujeitam-se a observância de regras e procedimentos de credenciamento constantes das detalhadas exigências previstas na política de segurança da ICPBrasil, submetendo-se à auditoria e fiscalização com a finalidade de se apurar a efetiva satisfação de todas as normas técnicas e diretrizes emanadas pelo Comitê Gestor. Subordinadas a um rigoroso processo de credenciamento, devem as Autoridades cumprir as práticas de certificação previamente estipuladas, requisitos técnicos para preservação de ambiente seguro – em nível físico, lógico, humano – e de proteção de recursos criptográficos. Como salientado pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, “para a ação de credenciamento, deve ser atendido um conjunto de requisitos comuns às ACs e ARs, no que tange à personalidade jurídica, de qualificação econômico-financeira e de atendimento aos requisitos técnicos determinados pela ICP-Brasil. Adicionalmente, as ACs devem apresentar pelo menos uma candidata à AR, a relação de candidatos a prestadores de serviço de suporte, contratar seguro de responsabilidade civil para os serviços de certificação digital e de registro e, principalmente ter todas as suas instalações em território nacional”.16 As diretrizes da política tarifária da AC-Raiz dispõem que a emissão de certificados pela Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil para as Autoridades Certificadoras que lhe são diretamente vinculadas, constitui serviço a ser prestado mediante a cobrança de tarifa.17 15 16 17 ITI. Critérios e Procedimento de Credenciamento das Entidades Integrantes da ICP-Brasil. Documento Ambiente Conceitual da ICP. Resolução n° 55/2008. Aprova a versão 3.0 das diretrizes da política tarifária da Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil. 43 Atualmente o valor da tarifa foi estabelecido em R$ 500.000,00 para emissão do primeiro certificado de uma Autoridade Certificadora diretamente vinculada à ACRaiz – AC de primeiro nível. Para a emissão de certificados posteriores ao primeiro – AC de segundo nível – é necessário o desembolso de R$ 100.000,00. Paralelamente, também incide a cobrança de tarifa de R$ 50.000,00 à auditoria pré-operacional para credenciamento de uma Autoridade de Carimbo do Tempo na ICP-Brasil. As Autoridades Certificadoras devem ainda apresentar apólice de contrato de seguro de cobertura de responsabilidade civil decorrente das atividades de certificação digital e de registro, com cobertura suficiente e compatível com o risco da atividade (Item 2.2.2.3.3., b, da Resolução CG 47/2007). A Administração Direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estão dispensados do pagamento dessas tarifas (Resolução n° 52/2008. Altera os critérios e procedimentos para credenciamento das entidades integrantes da ICP-Brasil). 44 5 EFICÁCIA JURÍDICA DOS CERTIFICADOS DIGITAIS 5.1 Certificado Qualificado e Certificado Puro A MP 2.200 elegeu um regime dual relativo ao valor jurídico e probante das assinaturas digitais. O emprego da assinatura eletrônica avançada resulta na segurança de associação inequívoca a seu titular, baseada em certificado qualificado válido à época de sua aposição, vinculada ao documento eletrônico ao qual se refere. Dessa forma, objetiva garantir que qualquer alteração subsequente no conteúdo do documento seja plenamente detectável. O credenciamento de um prestador de serviços de certificação na ICP-Brasil importa na atribuição do selo de qualidade que o autoriza a fazer uso desta designação (prestador de serviços de certificação credenciado). Tal atributo resulta da confiança de que os serviços de certificação foram testados, auditados, fiscalizados e aprovados técnica e operacionalmente, presumindo-se que sejam seguros e confiáveis (Exposição de Motivos 53/2002, item 9 do Projeto de Lei 7.316/2002). Buscando referência no direito comparado, o professor Rohrmann (2005, p. 68) assinala que, na Alemanha, a assinatura digital significa um selo afixado aos dados digitais. As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica, produzidas com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil, presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei 3.071/1916 (Art. 10, § 1º). Logo, apenas a certificação disponibilizada pela ICP-Brasil concede a chamada equivalência funcional à assinatura manuscrita, atribuindo uma presunção de veracidade às declarações de vontade realizadas em ambiente virtual, diante da utilização de assinatura digital obtida perante uma das certificadoras credenciadas pela Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil (MENKE, 2005, p. 136). Portanto, as declarações de vontade expressas em documentos eletrônicos que se utilizam dos certificados qualificados disponibilizados pela ICP-Brasil 45 presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, gozam da presunção de validade oponível erga omnes. Aplicado o princípio da autonomia da vontade, concede-se a liberdade de eleição de outros métodos de comprovação de autoria e integridade de documentos em forma eletrônica. Os certificados digitais particulares, emitidos por empresas não credenciadas junto à ICP-Brasil, têm sua eficácia condicionada à admissão pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for aposto o documento (art. 10, § 2º). Admitida a possibilidade de utilização de outros métodos de comprovação de autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, o professor Aires José Rover registra que tal permissão se sustenta pelas normas do direito civil, que determinam a liberdade de contratação e de forma dos atos e negócios jurídicos, passando a ser reconhecidos pelo ordenamento jurídico.1 Assim, tem-se de um lado a assinatura avançada que produz, por força de lei, os mesmos efeitos jurídicos da assinatura manuscrita e, de outro, a assinatura certificada por particular. Apesar de não se recusar seu valor jurídico e probante, esta última se condiciona à admissão pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem foi aposta. No I Fórum sobre Segurança, Privacidade e Certificação Digital realizado pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, o advogado Marcos da Costa abordou a questão da eficácia jurídica diferenciada dos documentos emitidos por uma autoridade pública e uma empresa privada, concluindo que: se a certificadora for privada o certificado por ela emitido será um 2 documento privado; se pública, público será o certificado. O ônus da prova em caso de impugnação de um documento privado pertence a quem produziu a prova documental, enquanto que sendo documento público o ônus se reverte, cabendo a prova a quem o impugnar. O professor Rezende (2009) entende como uma forma de asfixia a decretação de validade jurídica apenas daquelas assinaturas cujas chaves 1 2 Artigo: Validade jurídica de documentos eletrônicos assinados com Infraestruturas diferentes da ICP-Brasil. Artigo Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos. 46 verificadoras exibam certificação credenciada.3 Ele comenta sobre a MP 2.200-2 e os riscos da segurança jurídica da ICP-Brasil: A discussão jurídica sobre a ICP-Brasil começa pelo direito natural de fazêlo. A MP 2200-2 está dizendo que só a Acarais tem o direito natural de apresentar-se a si mesma, para os que transitam por um novo portão por ela aberto, separando o mundo virtual do mundo jurídico. A saber, o portão da presunção de veracidade de documentos eletrônicos. Consequentemente, só ela tem o direito de apresentar aqueles que vão poder apresentar, com presunção de veracidade, os que transitam por este portão. Ela pode, desta forma, instituir, neste portão, o pedágio que quiser. A MP 2200-2 vai além e cria, com sua estrutura de certificação em árvore (estrutura erroneamente denominada "cadeia" no artigo 2º), um regime de castas para esta nova "etiqueta social", com a Acarais no papel de soberano supremo e o comitê gestor como guardião do regime: Quem se apresentar por meio desta hierarquia é presumido verdadeiro, cabendo a 4 quem duvidar o ônus da prova, ao reverso para os párias. 5.2 Análise Crítica A adoção de um modelo de certificação digital baseada em raiz única vinculada ao Poder Executivo Federal implica na presença do Estado na ordem econômica, avocando a si a responsabilidade pela emissão de certificados digitais no âmbito das relações públicas e privadas, bem como o controle e supervisão da prestação da atividade.5 Mas, para receber essa distinção privilegiada, deve o prestador do serviço desembolsar o valor estipulado pelo Estado a título de tarifa. Ocorre que a Constituição Federal assegura a ordem econômica fundada na livre iniciativa, elencando entre os princípios gerais da atividade econômica (art. 170, IV) a livre concorrência; assegura ainda o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo disposição prevista em lei. (art. 170, parágrafo único). Ressalvados os casos previstos de monopólio da União (art. 177) consagra a Carta Maior que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173). Como salientado por Isabela Gerbelli Garbin: 3 4 5 Artigo: Totalitarismo Digital. Artigo: Desequilíbrios Jurídicos com a ICP-Brasil. Chamado de “golpe branco” pelo professor Pedro Antonio Dourado de Rezende, no artigo “Totalitarismo digital”. 47 a participação do Estado na esfera econômica, seja de forma abstensiva, como preceitua o liberalismo, seja de forma ostensiva por intermédio de dezenas de órgãos fiscalizadores e burocráticos gera mais inseguranças e incertezas, devido as suas competências sancionadoras e repressivas. O Estado deverá assumir funções mais moderadas se insurgindo como um regulamentador ou coordenador da economia, deixando de lado, neste 6 aspecto, o seu caráter excessivamente protetor. Concordamos com o professor Costa (2001) quando afirma que a ICP-Brasil deveria voltar às suas origens de ICP-Gov, servindo de instrumento para os documentos e comunicações eletrônicas do próprio Governo Federal.7 As disposições trazidas pelo Substitutivo 4906/01 se mostram mais adequadas aos moldes do regime da livre iniciativa, não sujeitando a prestação da atividade de serviços de certificação digital a um prévio credenciamento junto ao Poder Executivo Federal e não concedendo eficácia diferenciada a qualquer certificado. 5.3 Modernização Legislativa. Nova Ordem Legal a Partir da ICP-Brasil A partir da concretização da ICP-Brasil, os diplomas legais vêm paulatinamente se renovando em relação às relações jurídicas vivenciadas na chamada sociedade da informação, passando a incorporar comandos específicos no que tange aos meios eletrônicos, conforme será exposto a seguir. Nesse processo de atualização destaca-se o art. 225 do Código Civil passando a admitir que “as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”. A Lei 11.280/2006 inseriu um parágrafo único ao art. 154 do Código de Processo Civil, passando a estabelecer que “os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas – ICP-Brasil”. 6 7 Artigo Perspectivas da atuação do Estado na ordem econômica global. Artigo Validade jurídica e valor probante de documentos eletrônicos. 48 Completando o ciclo de sedimentação legal da ICP-Brasil, a Lei 11.419/2006 incorpora os meios eletrônicos no âmbito interno do Poder Judiciário para dispor sobre a informatização do processo judicial, aplicada indistintamente aos processos civil, penal, trabalhista e aos juizados especiais em qualquer grau de jurisdição (art. 1º, § 1º). O texto legal prevê como indispensável à prática de todos os atos processuais (art. 2º, art. 4º, § 1º, art. 8º, § único) a utilização de assinatura digital, condicionada à aceitação exclusiva de certificados gerados pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil (arts. 1º, § 2º, a; 4º, § 1º; CPC art. 38, § único, art. 154, § único, art. 202, § 3º). Para tanto, o documento produzido eletronicamente que se revista das garantias de origem e identificação do signatário (art. 11) receberá a equivalência de documento original para fins de prova judicial. 49 6 A INVIABILIDADE DA CRIAÇÃO DE OUTRAS INFRAESTRUTURAS DE CHAVES PÚBLICAS 6.1 Casos Concretos Os casos concretos que exporemos demonstram que apesar da MP 2.200 não vedar a utilização de certificados não emitidos pela ICP-Brasil, a criação de infraestruturas paralelas não vem sendo aceita pelo ITI; além disso, a sedimentação legal dos efeitos jurídicos dos certificados emitidos pela ICP-Brasil impede a livre concorrência em matéria de certificação digital. 6.1.1 Prefeitura Municipal de Florianópolis A Prefeitura Municipal de Florianópolis decidiu criar a nota fiscal eletrônica para fins de recolhimento do Imposto Sobre Serviços e o Sistema de Autorização de Documentos Fiscais Eletrônicos, editando, para tanto, o Decreto Municipal 4.446/2006. Foi instituída uma Autoridade de Registro própria para a Secretaria Municipal da Receita, dispondo expressamente que “a certificação digital será aquela disponibilizada nos termos da Medida Provisória nº 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira/ICP-Brasil” (Art. 14). Ocorre que o ITI, na qualidade de Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil, entendendo que a criação desta ICP em nível municipal infringia dispositivo legal expresso, impetrou mandado de segurança contra este ato do Prefeito “que usurpa competências da impetrante e viola disposição legal sobre a validade jurídica do documento eletrônico”, com base nos seguintes argumentos: a) o município não está credenciado na ICP-Brasil, tratando-se de ingerência nas atribuições exclusivas do ITI; b) a criação da infraestrutura de chaves públicas contraria o modelo de raiz única adotado no ordenamento jurídico pátrio e fere o regramento jurídico-legal conferido à ICP-Brasil; c) o certificado específico emitido pela Prefeitura somente se presta para o contribuinte tratar com a Prefeitura; d)atenta contra a segurança de todo Sistema Nacional de Certificação Digital, pois “afinal cada um dos estados e municípios brasileiros poderá 50 ter uma ICP própria, o que afrontaria o modelo de ICP hierárquica adotado pelo Brasil”; e, finalmente, e) que os efeitos da certificação particular se restringem ao universo inter 1 partes. Em sua defesa, o município de Florianópolis argumentou não ter ocorrido tal usurpação de poderes, tendo em vista que: a) a Medida Provisória autorizou o uso da certificação digital, gerenciada pela ICP-Brasil – e, consequentemente, pelo Governo Federal – sem colocar “obstáculo aos interessados que pretenderem utilizar outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica”; b) o credenciamento no âmbito da ICP-Brasil não é obrigatório, admitindose a certificação baseada em certificados não governamentais; c) a normatização promovida encontra validade no art. 11 da Medida Provisória 2.200-2; *A utilização de documento eletrônico para fins tributários atenderá, ainda, ao disposto no art. 100 do Código Tributário Nacional. **CTN, art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; d) as ARs e ACs no âmbito do Sistema AEDF (Autorização de Emissão de Documentos Fiscais Eletrônicos) assemelham-se ao papel desempenhado pelas gráficas autorizadas pelo Município a imprimir blocos de notas fiscais de prestação de serviços a serem utilizadas pelo contribuinte do ISS; d) não está criando estrutura paralela de emissão de certificados digitais, apenas controla o credenciamento. O Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis acolheu integralmente a pretensão do ITI, concedendo a segurança e declarando a ilegalidade do referido Decreto Municipal, sob os seguintes fundamentos: a) conforme o disposto no § 2º do art. 10 da MP 2200-2/01, não fica proibida a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil. O mesmo parágrafo, no entanto, impõe uma condicionante: desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for aposto o documento; b) o cumprimento de obrigações tributárias, ainda que acessórias (emissão de documentos fiscais), não pode ser executado na forma eletrônica fora do Sistema hierárquico da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira/ICP-Brasil, pela limitação expressa no próprio dispositivo do § 2º do art. 10; c) O parágrafo primeiro do mesmo artigo dez assegura presunção de veracidade das declarações constantes dos documentos em forma eletrônica, desde que utilizado o processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil. Em outras palavras, por maior que seja a segurança técnica oferecida pelo Sistema adotado pelo Fisco de Florianópolis, não pode ostentar a presunção legal de veracidade das declarações em 1 Mandado de Segurança nº 2007.72.00.002903-9/SC. 51 relação aos signatários. Tal circunstância, de ordem legal, é incompatível no âmbito das relações de natureza tributária; d) Outra ponderação relevante destacada na inicial é a necessária garantia da interoperabilidade entre os diversos Sistemas, todos integrados, de forma hierárquica, ao Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, o qual figura como Autoridade Certificadora Raiz e constitui uma raiz única. Tal garantia de interoperabilidade permitirá, no futuro, intercâmbio e gerenciamento de informações entre as entidades públicas que venham a operar com a tecnologia em questão, por exemplo: Receita Federal (já integrante), secretarias de fazenda estaduais e municipais. Nesse quadro, a existência de um sistema fechado, exclusivo de um 2 município e seus contribuintes, tornaria difícil essa interoperabilidade. No agravo de instrumento promovido pelo ITI quanto ao indeferimento da liminar pleiteada, assim se pronunciou o Desembargador Federal Edgard Lippman Junior, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:3 Não se diga que a matéria tratada no Decreto Municipal objurgado (n. 4.446/06), seria de índole eminentemente tributária – instituiu o Sistema de Autorização de Documentos Fiscais Eletrônicos (Aede), criando-se uma Autoridade de Registro (AR) própria da Secretaria Municipal da Receita. Com isso, praticamente, estabeleceu um sistema de Infraestrutura de Chaves Públicas Municipal, paralelo ao sistema nacional antes referido, de sorte que, acaso legitimada tal conduta, importaria em irrogar-se a todos os municípios do Brasil tal possibilidade, cujas consequências seriam desastrosas para o sistema. Assim, tenho como consistente a alegação de que a ICP-Brasil, objetiva constituir uma cadeia de confiança, cujo objetivo fundamental é o de permitir, nacionalmente, a comprovação da autenticidade e da integridade das manifestações de vontade das pessoas físicas e jurídicas. Note-se que há uma forte tendência de se utilizar deste sistema dentro do Poder Judiciário, tanto assim é verdade que com base nela, em dezembro de 2004, criou-se a Autoridade Certificadora da Justiça – AC-JUS. Cumpre reiterar que a adesão à ICP-Brasil é de caráter voluntário e que a Medida Provisória 2.200 não veda a criação de infraestrutura alheia a sua cadeia de certificação. Portanto, inexiste qualquer impedimento quanto à adoção de uma ICP própria por qualquer estado ou município, desde que se restrinja a seu âmbito de atribuição. Tal conclusão se sustenta ainda pela autoridade do doutrinador Aires José Rover: “órgãos do governo federal, estaduais e municipais, pertencentes a quaisquer dos três poderes, podem usar certificação diferente da ICP-Brasil para assinar 2 3 Mandado de Segurança. Sentença 4ª Vara Federal de Florianópolis. Id. Despacho e Decisão Agravo de Instrumento. 52 documentos eletrônicos, assim como podem dispor sobre a adoção de documentos eletrônicos para fins tributários”.4 O ITI fez uso de argumento falacioso alegando que a criação de uma infraestrutura paralela afronta o modelo hierárquico adotado pelo Estado brasileiro. Em verdade, foi criada uma infraestrutura própria, no âmbito da competência do município de Florianópolis, adstrita à Secretaria Municipal da Receita, para regular a relação tributária com seus contribuintes do ISS. Sendo assim, jamais ocorreu a alegada ingerência nas atribuições exclusivas do ITI, posto que o Decreto 4.446 se restringia ao universo particular municipal e não teve a pretensão de interagir com a ICP-Brasil. Introduziu-se, no regulamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, disposições relativas aos documentos eletrônicos de ordem fiscal, vinculando tão somente o município a seus contribuintes. Nessa seara, a validade jurídica inter partes se encontrava plenamente reconhecida. Depreende-se que a decisão judicial, concedendo o mandado de segurança, ateve-se primordialmente ao fato de que os certificados emitidos pela ICP do município de Florianópolis não atenderiam ao instituto da interoperabilidade indispensável para interagir com a Secretaria da Receita Federal, que se encontra filiada à cadeia de certificação da ICP-Brasil. Ocorre que não foi esse o escopo da ICP do município de Florianópolis, que, repita-se, editado por autoridade competente para conhecer assuntos de natureza pública municipal, se ateve a regulamentar a relação por meio eletrônico com os contribuintes do ISS. Os advogados Costa e Marcacini (2002) assim comentam sobre a obrigação imposta à esfera municipal de se filiar à ICP-Brasil: Não bastasse amarrar a sociedade civil e a iniciativa privada em uma camisa-de-força eletrônica, obrigando-a a utilizar somente os padrões e sistemas autorizados pelo Super Comitê, a Medida Provisória, ato tipicamente imperial, ignora que o país é uma República Federativa, que a Administração Pública se desdobra em três níveis – federal, estadual e municipal – e que, além do Executivo, existem outros dois Poderes que se supunha serem autônomos e independentes. Nossa nova legislação digital simplesmente obriga que o Legislativo e o Judiciário, caso queiram utilizar certificados eletrônicos, submetam-se às regras federais do ilustrado 4 Artigo: Validade jurídica de documentos eletrônicos assinados com Infraestruturas diferentes da ICP-Brasil. 53 Comitê, utilizando os sistemas e programas que forem determinados, o mesmo acontecendo com as esferas estadual e municipal. E isto é 5 flagrantemente inconstitucional. E, comentando especificamente sobre a iniciativa da Prefeitura Municipal de Florianópolis de criar sua própria ICP, alerta Costa (2002): Do ângulo de vista estritamente jurídico, inaceitável é querer o Governo Federal desconsiderar a autonomia dos municípios para estabelecerem suas Infraestruturas. Diga-se, aliás, que a própria ICP-Brasil não resiste a um exame de sua constitucionalidade, seja porque o país tem estrutura federativa, com outras unidades de poder autônomas que não podem ser dirigidas a partir de um órgão anexo ao Palácio do Planalto, seja porque, desde as ideias de Montesquieu, as democracias ocidentais adotam o regime de tripartição de poderes, cada qual com independência para gerir suas próprias estruturas administrativas e que, por óbvio, não recebem ordens de autarquias nem de comitês presidenciais. Do ângulo de vista técnico, basta as duas ICPs, do Governo Federal e de Florianópolis instalarem reciprocamente os respectivos certificados, para que os sistemas se comuniquem. Há um padrão internacional que rege estes modelos de certificação. Do ponto de vista político, bastou que um único município adotasse sua própria ICP para que fosse descortinada a verdadeira intenção do Governo Federal, de controle total e absoluto de 6 todos os documentos eletrônicos do Brasil. Contrariando o teor da MP 2.200, que instituiu o critério de adesão voluntária aos sistemas de credenciamento na ICP-Brasil, são inadmissíveis as afirmativas da entidade autárquica ITI, pois: a) a criação de uma Infraestrutura alheia à ICP-Brasil “atenta contra a segurança de todo Sistema Nacional de Certificação Digital”; b) a criação de uma ICP própria por cada um dos estados e municípios brasileiros afrontaria o modelo de ICP hierárquica adotado pelo Brasil (Alegações constantes no Mandado de Segurança); c) “poderia resultar em consequências desastrosas para o Sistema”. (Despacho no Agravo de Instrumento pelo Des. Relator Edgard Lippman Junior) 6.1.2 Ordem dos Advogados do Brasil Desde a criação da ICP-Brasil, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contesta os poderes a esta conferidos no que se refere à identificação da categoria de advogado, para fins profissionais. 5 6 Artigo A urgência e relevância em violentar a internet brasileira. Artigo ICP-Brasil: A fera, enfim, mostra sua real face. 54 Após a edição da MP 2.200, o Presidente da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB, Costa (2002), assim se manifestou: Até mesmo uma autarquia federal independente, como a OAB, tem sua autonomia violada e ameaçada o livre exercício da advocacia por essa norma totalitária. A MP afronta iniciativas como da OAB, comandadas pelos estudos da Comissão de Informática Jurídica da Seccional Paulista, já amplamente declarada, de atuar como certificadora digital dos advogados, emitindo o seu próprio certificado raiz a partir do Conselho Federal, tendo as Seccionais estaduais como Entidades Certificadoras, e utilizando com padrões e sistemas que considera seguros ao exercício profissional da Advocacia. Afinal, o sistema de criptografia que utilizarmos deverá garantir a segurança jurídica dos atos praticados pelo advogado e a preservação do sigilo da comunicação eletrônica travada com seu cliente. A ninguém mais compete identificar advogados, senão à OAB. Assim deve ser, também, no 7 meio eletrônico. O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94) dispõe que o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro, assim como a denominação de advogado, são privativos dos inscritos na OAB (art. 3º), não mantendo a Entidade qualquer vínculo funcional ou hierárquico com órgãos da Administração Pública (art. 44, § 1º). O Conselho Federal – na qualidade de órgão supremo da OAB (art. 45, § 1º) – detém competência exclusiva para dispor sobre a identificação dos inscritos na Ordem (art. 45, X) cabendo ao Conselho Seccional a responsabilidade pela manutenção do cadastro de seus inscritos (art. 58, VIII). Por outro lado, o documento de identidade profissional, de uso obrigatório no exercício da atividade de advogado ou estagiário, constitui prova de identidade civil para todos os fins legais. Assim, em se tratando de identificação de advogados, a única instituição autorizada a conceder o documento de identidade que ateste esta condição para fins profissionais é a Ordem dos Advogados do Brasil. Sustenta a Ordem que a expedição de certificados digitais que atribuam a alguém a condição de advogado não pode ser desempenhada por qualquer outro ente, público ou privado, uma vez que somente a OAB detém a competência privativa de identificar o profissional, bem como atestar a regular inscrição do titular em seus quadros. Nesse sentido, cabe novamente citar as observações de Marcacini (2002): 7 Mandado de Segurança nº 2007.72.00.002903-9/SC.. 55 os certificados eletrônicos dos advogados são uma espécie de versão eletrônica de nossa Carteira de Identidade de Advogado, hábeis a provar a identidade do advogado, bem como sua qualidade de inscrito nos quadros da OAB, para fins exclusivamente profissionais [...] Os certificados emitidos pela OAB, além da declaração da identidade de seu titular, indicam um atributo que somente esta entidade pode conferir: a qualidade, deste titular, de inscrito como advogado em seus quadros. Assim, todo aquele que receber uma mensagem assinada por certificados emitidos pela ICP-OAB, poderá reconhecer que o remetente é advogado regularmente inscrito, sem nunca tê-lo visto. Basta que seja instalado, no computador do destinatário, o certificado do Conselho Federal da OAB, que pode ser encontrado no site da entidade, para que todos os certificados 8 dos advogados brasileiros sejam automaticamente validados. Araujo (2007) pondera que “a vantagem no uso de certificados atrelados à Ordem dos Advogados é a possibilidade de que o advogado que esteja suspenso, ou mesmo excluído de seus quadros possa sofrer a sanção logo após o trânsito em julgado, já que seu certificado poderia ser revogado no banco de dados da entidade, impedindo, consequentemente, o peticionamento eletrônico irregular”.9 Assim, para que a OAB pudesse exercitar sua prerrogativa de identificação de seus inscritos (deferida por lei especial) no meio digital, teria que receber uma “autorização” do Poder Público, e, ainda, pagar pelo credenciamento na ICP-Brasil. O Órgão chegou a afirmar publicamente que “o advogado não deve comprar certificado digital de empresas particulares, pois, além de prática ilegal, esse instrumento não dará acesso a todos os serviços, que, em breve, estarão disponíveis tanto pelos tribunais brasileiros quanto pela OAB”.10 Uma vez que a Ordem dispõe do cadastro dos inscritos em seus quadros, bastaria criar sua infraestrutura própria, para que pudesse interagir com a ICP-Brasil, sem qualquer custo para a entidade – desde que atendidos os requisitos de autenticidade, integridade e interoperabilidade prescritos na MP 2.200. Corrobora esse entendimento o Desembargador Fernando Neto Botelho (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), que afirmou, quando do lançamento do convênio celebrado entre a OAB paulista e o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: 8 9 10 Artigo: Certificação Eletrônica. Sem Mitos ou Mistérios. Artigo: Infraestrutura de Chaves Públicas e Informatização Judicial. Conselho Federal da OAB. Advogado não deve comprar certificado digital de particulares. 56 A ICP-OAB pode ensejar a instalação, gratuita, no âmbito de qualquer Tribunal brasileiro, de uma própria infraestrutura de chaves de encriptação, que poderá "falar" e interagir com os certificados OAB, sem quaisquer custos de aquisição de softwares proprietários, ou de pagamentos de "royalties", flexibilidade que torna a questão da segurança no tráfego de documentos absolutamente resolvida, para os níveis de segurança que se 11 exige para o trabalho técnico-jurisdicional. Assim, decidida a não se subordinar à ICP-Brasil, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil criou sua própria infraestrutura de chaves públicas – a ICP-OAB. Passando a emitir certificados exclusivos para a categoria de advogados, promoveu a identificação de seus inscritos também em meio digital.12 A ICP-OAB assegurava a autenticidade e integridade de informações transmitidas por advogados nela inscritos, relacionadas ao exercício profissional. Cabia ao Conselho Federal exercer a função de Autoridade Certificadora de ChaveRaiz, os Conselhos Seccionais desempenhavam o papel de Autoridades Certificadoras, operando as Subseções como Autoridades de Registro (Provimento 97/2002). Ocorre que o surgimento de outros fatores colocou a ICP-OAB em situação de difícil sustentação. Em primeiro lugar, a criação da Autoridade Certificadora do Poder Judiciário, (AC-Jus), se submeteu ao credenciamento na ICP-Brasil. Depois, a incorporação do parágrafo único ao art. 154 do Código de Processo Civil, dispondo que os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil (incluído pela Lei nº 11.280, de 2006). E, finalmente, pela edição da Lei 11.419/2006, que instituiu o processo judicial informatizado, a qual passou a prever a aceitação jurídica exclusiva dos certificados qualificados gerados a partir da cadeia da ICP-Brasil, tendo em vista que a eficácia erga omnes se dirigia unicamente à certificação digital por esta preconizada. Como o certificado emitido pela ICP-OAB não ostentava a qualidade de ser oponível contra terceiros, não poderia ser aplicado ao processo eletrônico, posto que se restringia ao universo inter partes (MP 2.200/2/1001, art. 10, § 2º). 11 12 Informação ratificada pelo Magistrado em 05/10/2009. Conselho Federal da OAB. Polêmica no cadastro de advogados. 57 A irresignação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com a situação jurídica cristalizada pela ICP-Brasil materializou-se pela propositura de diversas medidas administrativas e judiciais, destacando-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3869/2007, que impugnou os efeitos do art. 2º da Lei Federal 11.280/2006, que deu nova redação ao parágrafo único do art. 154 do CPC. Admitido como amicus curiae nesse procedimento judicial, o Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, manifestou-se no sentido de que a utilização do certificado da ICP-OAB na tramitação dos feitos na modalidade eletrônica violava a MP 2.200: Note-se, porém, que a Ordem dos Advogados do Brasil é uma entidade certificadora não credenciada pela ICP-Brasil, resultando então em dúvidas quanto à permissão legal para o uso dos certificados por ela concedida. [...] Nos termos do art. 2º da MP 2.200, se verifica, com clareza, que a ICPBrasil é a única infraestrutura que goza de autenticidade oponível contra terceiros. No caso específico da OAB, ao insistir em sua ICP-OAB, dependerá de aceitação da parte contrária a fim de ser válida a emissão do documento. E essa parte contrária pode ser a parte no processo, o Ministério Público e o próprio Judiciário. Posteriormente, a Procuradoria Geral da República opinou pelo não conhecimento da ADI.13 Diante dessa situação insustentável decidiu a OAB filiar-se à ICP-Brasil, editando o Provimento 120/2007: Art. 12. Passa a integrar o presente Provimento, em razão da criação da AC-OAB, subordinada à hierarquia da ICP-Brasil, a Declaração de Práticas de Certificação (DPC), a Política de Certificado de Assinatura Digital (PC) e a Política de Segurança (PS), objeto dos Anexos I, II e III, respectivamente. (09/10/2007) Seu credenciamento como Autoridade Certificadora de segundo nível viabilizou-se a partir da prestação de serviço de suporte pela AC de primeiro nível Certisign, operação que tornou desnecessário o investimento da OAB em sala-cofre e em outras questões técnicas.14 Note-se que pelos moldes em que foi criada, a ICP-OAB encontrava-se em singular situação fática: não era ilegal, mas tampouco era oficial. Ou seja, os 13 14 Conselho Federal da OAB. ADI nº 3869/2007. Conselho Federal da OAB . OAB se credencia à ICP-Brasil. 58 certificados emitidos no âmbito de sua estrutura não gozavam de validade jurídica oponível contra terceiros. Constata-se, portanto, que em razão da validade jurídica dual estabelecida pela ICP-Brasil, na prática, o critério de adesão voluntária transmuta-se em compulsório. Não restou à OAB outra alternativa que não o credenciamento na Infraestrutura instituída pelo Poder Executivo Federal. 6.2 Análise Crítica Pelos casos concretos apresentados, verifica-se que o sistema nacional de certificação implantado pelo Governo Federal na prática tem inviabilizado a criação de qualquer outra infraestrutura de certificação digital particular, sob pretextos díspares. As alegações defendidas sobre a validade jurídica diferenciada atribuída à ICP-Brasil, sobre a necessidade de atendimento do requisito da interoperabilidade de certificados, corporificam sua ingerência em áreas que definitivamente não lhes são afeitas. Repita-se que a Medida Provisória 2.200 não veda a utilização de certificados não emitidos pela ICP-Brasil. Apesar da instituição do critério voluntário de adesão, afere-se que a certificação oficial brasileira – fazendo uso do privilégio da força probatória conferida a sua certificação qualificada – mantém o animus de não permitir a constituição de qualquer infraestrutura paralela, fato que definitivamente agride o princípio da livre concorrência. 59 7 ANÁLISE CONSTITUCIONAL 7.1 A Medida Provisória na Constituição Federal de 1988 Adotada pela Constituição Federal de 1988 em substituição ao decreto-lei (previsto na Constituição de 1937), resulta a medida provisória de ato extraordinário de iniciativa exclusiva do Presidente da República (CF, art.62) que se submete à vedação de regulamentar as matérias previstas no § 1º do art. 62 da CF, relativas à nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil, além do disposto nas alíneas c, d e incisos II a IV, conforme redação dada pela EC 32. Pessoa (2000, p. 63-64)) afirma que “as medidas provisórias se atrelam ao princípio da legalidade e da lei, constituindo fonte principal do direito administrativo se submetem ao rigor impostos pelos pressupostos constitucionais” . Tratando-se dos pressupostos de edição, a Constituição Federal delega a função de legislar ao Chefe do Poder Executivo somente em casos de relevância e urgência, habilitando-o a editar normas provisórias com força de lei, com eficácia imediata. Essa medida excepcional não se liberta da deliberação do Congresso Nacional, devendo imediatamente ser submetida a este por se sujeitar a sua atribuição de dispor sobre todas as matérias de competência da União (CF, art. 48). A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais (CF, art. 62, § 5º). Para Ferreira Filho (2009, p. 331), o perfil da medida provisória seria de um projeto de lei de eficácia antecipada . O constitucionalista Mendes (2009, p. 926) conceitua o instituto como “ato normativo primário, sob condição resolutiva, de caráter excepcional no quadro da separação de Poderes” . A existência e validade desse ato regulamentar submete-se, obrigatoriamente, ao cumprimento concomitante dos pressupostos formais de urgência e relevância que configurem situação em que a demora na produção da norma possa acarretar dano de difícil ou impossível reparação para o interesse 60 público, como acentuado por Gilmar Mendes (2009, p. 926). A relevância e urgência devem ser justificadas e motivadas, obrigatoriamente (SZKLAROWSKY, 2003, p. 119). O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre seu dever de exercer a fiscalização de constitucionalidade das leis e atos normativos, ressaltando a necessidade da presença concomitante dos requisitos constitucionais de urgência e relevância (ADI 4048 e 4049 do Distrito Federal). De acordo com o Ministro Celso de Mello “o que justifica a edição de medidas provisórias, com força de lei, em nosso direito constitucional, é a existência de um estado de necessidade que impõe ao Poder Público a adoção imediata de providências, de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias de legiferação, em face do próprio periculum in mora que fatalmente decorreria do atraso na concretização da prestação legislativa” (ADI-MC 293. DJ de 16/04/1993). A força de lei atribuída à medida provisória não deve, porém, ser confundida com o valor de lei, posto não possuir a mesma natureza de uma lei. Afirma Leon Frejda Szklarowsky que a “medida provisória é lei sob condição resolutiva, presumindo-se constitucional enquanto não declarada incompatível com o Texto Supremo” (SZKLAROWSKY, 2003, p, 72). O princípio da legalidade, essencial ao Estado Democrático de Direito, tem como núcleo a subordinação à Constituição, fundada na legalidade democrática, que se sujeita ao império da lei. O doutrinador José Afonso da Silva consigna que a palavra lei – para realização plena do princípio da legalidade – se aplica em rigor técnico à lei formal, compreendida como ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de acordo com o processo legislativo previsto constitucionalmente. Porém, para satisfação do princípio da legalidade, a Constituição Federal não exclui a possibilidade de que determinada matéria possa vir a ser regulada por um ato equiparado à lei formal, como é o caso da medida provisória (SILVA, 2007, p. 421). Analisando a força jurídica atribuída à medida provisória, assinala Celso Antonio Bandeira de Mello as profundas diferenças existentes em relação à lei: a) enquanto a lei é o meio normal de disciplina, a medida provisória é forma excepcional de regulação; 61 b) enquanto a lei perdura por tempo indeterminado, a medida provisória vige temporariamente; c) enquanto a revogação de determinada lei resulta na cessação de efeitos ex nunc, a medida provisória, quando não confirmada, perde eficácia desde seu início; d) enquanto inexistem, na lei, os requisitos de urgência e relevância, estes são pressupostos condicionantes para a existência da medida provisória. Menciona ainda o doutrinador “o erro gravíssimo de se analisar as medidas provisórias como se fossem leis ‘expedidas pelo Executivo’, atribuindo-lhes, em consequência, regime jurídico ou possibilidades normatizadoras equivalentes às da lei” (MELLO, 2007, p. 125). 7.2 A Emenda Constitucional 32/2001 O extenso número de medidas provisórias editadas após a Constituição Federal de 1988 desvirtuou a natureza desse instituto. Em total inobservância aos preceitos constitucionais, servia em verdade como instrumento de governabilidade. Diversos apontamentos doutrinários registram que a reiterada prática de edição de medidas provisórias causava instabilidade à segurança jurídica, retirava a normalidade da função legislativa primária do Congresso Nacional, tratando, recorrentemente, de situações pouco urgentes e nada relevantes (MENDES, 2009, p. 925; LENZA, 2009, p. 423; FERREIRA FILHO, 2009, p. 283). Manoel Gonçalves Ferreira Filho sustenta que a Emenda Constitucional 32 veio corrigir vários malefícios decorrentes das medidas provisórias, tal qual ocorreu nos 13 anos de vigência da Carta (FERREIRA FILHO, 2009, p. 290). A EC 32 (editada em 11 de setembro de 2001) concedeu um novo tratamento para a MP, alterando o procedimento legislativo daquelas que ainda se encontravam em tramitação no Congresso Nacional, passando a prever que: as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. (Art. 2º) 62 A referida Emenda Constitucional não se manifestou quanto à validade das medidas provisórias a ela anteriores, pronunciando-se tão somente quanto à permanência desta validade. As medidas provisórias atingidas pela EC 32 não necessitam ser reeditas, permanecendo em vigor até manifestação do Congresso Nacional. O autor Lenza (2009, p. 430) registra que a EC 32 trouxe novidades em relação aos limites materiais de edição das medidas provisórias, passando a vedar sua utilização em matéria relativa a direito penal, processual civil, processual penal e outras matérias. Comentando sobre a extensão da vigência das medidas provisórias anteriores à EC 32, Szklarowsky (2003, p. 142) assinala que “pode-se até dizer, metaforicamente, que viverão para sempre, não importa sobre quais matérias disponham, proibida ou não, ex vi do art. 2º da EC nº 32/01. Foi-lhes confiada vida eterna” . Uma vez que a MP 2.200 foi alcançada pela EC 32 (art. 2º), permanece em vigor até o presente momento, como se lei fosse, tendo sua eficácia diferida no tempo até ser revogada por Lei. Assim, o que nasceu para ser provisório e precário tornou-se definitivo. Cabe registrar a afirmação do Procurador Federal Rogério Nascimento a respeito de tal prática: “algumas medidas provisórias existem há seis anos, logo, provisório de seis anos não é provisório, é precário, gera insegurança”.1 7.3 A incompatibilidade constitucional da MP 2.200 A Medida Provisória 2.200 objeto da presente investigação inovou o ordenamento jurídico, passando a garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos produzidos em forma eletrônica. Instituindo a modalidade de fé pública em meio digital, pretendeu a MP 2.200 produzir uma roupagem legal para legitimar a ICP-Brasil e conceder validade jurídica aos documentos públicos e particulares nela referidos, em texto de escopo jurídico 1 Matéria A banalização das MPs arranha a separação e a autonomia dos poderes. Jornal O Globo, 15/04/2008, p. 4. 63 restrito. Cabe à ICP-Brasil a responsabilidade pela emissão de certificados digitais, no âmbito das relações públicas e privadas, atribuindo presunção de veracidade quanto à identificação dos signatários de documentos eletrônicos. Sob tal norte, a MP 2.200 afronta o art. 236 da Constituição Federal, retirando a exclusividade da atividade notarial para garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (Lei 8.935/1994, art. 1º). Como antes comentado, a matéria contida na MP 2.200 já havia sido colocada em consulta pública pelo próprio Executivo, quando se relacionava à implantação de uma infraestrutura de chave pública interna para a Administração Pública, denominada ICP-Gov. Por outro lado também se encontravam sob análise do Congresso Nacional projetos de lei de iniciativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal – versando exatamente sobre o tema da certificação digital –, que foram alvo de intensa participação da sociedade civil. A MP 2.200 ampliou sobremaneira os poderes do Poder Executivo Federal, passando este a regular, também, a relação jurídica entre particulares em meio eletrônico com a ICP-Brasil. Não se encontra a ocorrência de qualquer causa material e tampouco se vislumbra situação de relevância excepcional que autorizasse o Poder Público a editar MP conferindo validade jurídica a documentos públicos e particulares produzidos sob a cadeia de certificação de responsabilidade do Governo Federal. De igual forma, o requisito de urgência jamais esteve presente, pois a normatização via processo legislativo ordinário não resultaria em prejuízos de qualquer ordem. Poder-se-ia perfeitamente aguardar o rito legislativo ordinário, sem fazer uso de medida extraordinária. Portanto, a MP 2.200 baseou-se em necessidades artificialmente construídas, que passaram ao largo dos fundamentos que norteiam o instituto da medida provisória, decorrentes de comandos constitucionais expressos e determinantes. Complementarmente, em decorrência da EC 32, o requisito de provisoriedade da MP 2.200 foi fatalmente alvejado. Perenizando-se as relações jurídicas dela decorrentes, convalidou-se a situação legal de irreversibilidade e situação prática de fato consumado. Cumpre registrar conclusão de Silvestre (2003) em sua dissertação de mestrado: 64 De tudo quanto possa ter sido dito, a materialização/concreção legislativa pelo Executivo, estabeleceu vínculos de realidade entre um imaginário sistema de certificação digital, uma imaginária demanda social e uma imaginária superproteção legal, tudo sustentado numa singela e última Medida Provisória de três intentadas para o mesmo fim geral, agora acomodadamente descansada no leito da Emenda Constitucional nº 32. Uma estratégia propagandista histórica, bem sucedida, antecipa-se ao fato dando-lhe o contorno inicial conflitivo e gerando um parâmetro contraditório, mas dominável pela detenção da iniciativa legalizante. [...] Inconstitucional a Medida Provisória, pois que altera o conteúdo jurídico de signo legal por presunção efêmera. Ausente a competência constitucional 2 para tal. Finalmente, em que pese a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, coexiste disposição constitucional expressa proibindo a edição de medida provisória que verse sobre direito processual civil (CF, art. 62, b). Pelos argumentos expostos, decorrentes de comandos constitucionais determinantes, constata-se que a medida provisória que disciplina o uso de assinaturas eletrônicas e a prestação de serviços de certificação padece de vício de constitucionalidade material por cuidar de matéria expressamente vedada por comando constitucional. 7.4 O papel da autarquia na Administração Federal Como integrante da Administração Pública indireta, a autarquia é dotada de personalidade jurídica de Direito Público. Assim, criada para realizar um serviço da administração direta, sujeita-se às normas de Direito Público. Estabelece o Decreto-Lei 200/1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, que a autarquia abrange a Administração Federal (art. 4º), considerando-a como “serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada” (art. 5º), e que se sujeita à supervisão do Ministro de Estado competente (art. 19). Meirelles (2008, p. 67) afirma “tratar-se de pessoas jurídicas de direito público, de natureza meramente administrativa, criadas por lei específica para a realização de atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal que 2 A ilegitimidade constitucional crítica da infraestrutura de chaves públicas brasileira. Uma Semiótica do Poder. 65 as criou, devendo funcionar e operar na forma estabelecida na lei instituidora e nos termos de seu regulamento”. Observa, ainda, que representa um desmembramento administrativo do Poder Público (MEIRELLES, 2008, p. 350), tratando-se de uma forma de descentralização administrativa, por meio da personificação de um serviço retirado da Administração centralizada. Segundo Di Pietro, (2007, p. 400) “autarquia é a pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de autoadministração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei”. O Estado pode instituir pessoa jurídica sob a forma de autarquia para consecução de uma finalidade de interesse público. Quando a Administração cria uma autarquia, se opera um desmembramento administrativo do Poder Público mediante descentralização, concedendo-lhe capacidade específica para a prestação de serviço determinado. Diante do princípio da especialização, a autarquia fica impedida de exercer atividades diversas daquelas para as quais foi instituída. Em que pese sua autonomia administrativa, a autarquia não se sujeita ao controle hierárquico do Executivo, mas sim a um controle de orientação finalístico, sob a forma de vinculação à Administração direta. Tal controle se designa por supervisão ministerial, exercido pelo Ministro a cuja pasta esteja a autarquia vinculada, visando assegurar o cumprimento dos objetivos dispostos no ato de sua criação e a harmonização de sua atuação com a política de Governo no setor de atividade a que se destina. Como pessoa jurídica de direito público responde a autarquia pelos próprios atos, cabendo-lhe a responsabilidade pelos danos a terceiros a que der causa, subsistindo, porém, a responsabilidade subsidiária do Estado. As autarquias são classificadas de acordo com o tipo de atividade prestada. As autarquias de serviço possuem capacidade limitada, específica ao tipo de serviço que lhes foram atribuídos por lei. 7.5 A criação da Autarquia Instituto Nacional de Tecnologia da Informação Conforme apontamentos de Alexandre Veronese (2007), o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) foi criado no ano de 2000, por meio de um desdobramento do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), antigo Centro de 66 Tecnologia para Informática, sediado na cidade de Campinas. À época, tanto o ITI como o CenPRA se vinculavam ao Ministério da Ciência e Tecnologia.3 O então órgão de pesquisa ITI foi transformado em autarquia federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (com sede e foro no Distrito Federal) pela Medida Provisória 2.200/2001: “Fica transformado em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI, com sede e foro no Distrito Federal.” Apesar de a Medida Provisória se referir à “transformação” do ITI em autarquia, o Decreto que aprovou sua estrutura regimental (Decreto 4.689/2003) se reporta à “criação” de entidade autárquica: “Art. 1º. O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI, autarquia federal criada pelo art. 12 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001...” (grifo da autora). Logo, a criação da autarquia ITI foi embutida na Medida Provisória 2.200, que cuidava da instalação da ICP-Brasil. Conforme expresso ditame constitucional (CF, art. 37, XIX), a autarquia somente pode ser criada por lei especifica, sendo inadmissível que esta trate de assuntos diversos. Segundo Meirelles (2008, p. 67), sua organização se opera por decreto, que aprova o regulamento ou estatuto da entidade, e daí por diante sua implantação se completa por atos da diretoria, na forma regulamentar ou estatutária, independente de quaisquer registros públicos. O ITI se classifica como uma autarquia de serviço, limitada à prestação do serviço que lhe foi atribuído pela MP 2.200. O controle administrativo sobre as entidades da administração indireta ocorre sob a forma de supervisão ministerial (DL 200/1967 e Lei 9.649/1998) e tem por finalidade assegurar a realização de seus objetivos e promover a harmonia com a política e a programação do Governo no setor de atuação da entidade. O serviço descentralizado assumido pela autarquia, apesar de não se subordinar ao Estado, mantém uma relação de vinculação com determinado órgão da Administração direta, conforme a natureza da matéria a que esteja afeito.4 3 4 Artigo: A política de certificação digital: Processos eletrônicos e a informatização judiciária. Artigo 19 do Decreto-lei 200/1967: Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da República. 67 As entidades compreendidas na Administração indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade (DL 200/1967, art. 4º, § único, renumerado pela Lei 7.596/1987). Assim, a supervisão ministerial é atribuição do Ministério de Estado competente ao qual se vincula a atividade prestada. Dois anos após ter sido criada pela MP 2.200, a vinculação originária da autarquia ITI ao Ministério da Ciência e Tecnologia foi transferida, por Decreto, à Casa Civil da Presidência da República (Decreto 4.566/2003. Anexo, item XXIV. Dispõe sobre a vinculação de entidades integrantes da Administração Pública Federal indireta. Vinculação mantida no Decreto 6.129/2007). Em que pese à competência privativa do Presidente da República em dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal (CF, art. 84), padece de fundamento lógico formal ter sido retirada a vinculação do ITI ao Ministério da Ciência e Tecnologia, justamente por ser esta a natureza e a área de competência em que se enquadra a sua principal atividade. Ocorreu um grave desvirtuamento do Ministério ao qual, necessariamente, deveria estar vinculado o ITI, posto que a Casa Civil da Presidência da República não mantém qualquer afinidade com a atividade tecnológica prestada pela autarquia. A estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão do ITI foram estabelecidos no Decreto 4.689/2003.5 O Decreto 4.689/2003 que aprovou a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão do ITI, dispôs que: “O regimento interno do ITI será aprovado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República e publicado no Diário Oficial da União, no prazo de 90 dias, contados da data de publicação deste Decreto” (art. 4º). Conforme a referida previsão expressa no Decreto 4.689, o regimento interno do ITI deveria ter sido aprovado até o mês de março de 2003. Ocorre que o órgão ainda não dispõe de regimento interno, de acordo com informação prestada em 15 de março do corrente ano.6 5 6 ITI. Estrutura Regimental. Criados inicialmente pelo Decreto 4.500/2002. O quadro demonstrativo dos cargos em comissão foi reformulado no Decreto 4.903/2003 e novamente no Decreto 5.420/2005. Correspondência eletrônica recebida: “Prezada Sra. Informamos que o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI não possui regimento interno. Colocamo-nos à disposição para sanar eventuais dúvidas. Att., Equipe de Comunicação do ITI.” 68 Assim, completados sete anos de funcionamento, o ITI deixou de editar ato normativo que dispõe, justamente, sobre seu funcionamento. Até a presente data, opera à revelia de disposição expressa do Decreto instituidor da entidade autárquica. Com relação à necessidade de enquadramento ao Decreto 6.523/2008, quanto à fixação de normas gerais sobre o serviço de atendimento ao consumidor, registre-se que o Comitê Gestor da ICP-Brasil deliberou que o Sistema Nacional de Certificação Digital não se enquadra nas disposições lá contidas, posto que como “o certificado digital é tratado como produto e não como serviço não há obrigatoriedade de submissão aos termos do decreto”.7 7.5.1 Poderes Regulatórios A ICP-Brasil estabeleceu que o ITI é a primeira autoridade da cadeia de certificação da ICP-Brasil e o órgão executor das Políticas de Certificados e normas técnicas e operacionais. Desempenha atividade fiscalizadora e de auditoria dos prestadores do serviço de certificação digital, cabendo-lhe aplicar sanções e penalidades, de acordo com as normas estabelecidas pelo Comitê Gestor. Embora a estrutura jurídica do ITI tenha sido concebida sob o desenho autárquico, na prática o órgão possui características próprias das agências reguladoras tradicionais. O processo de descentralização administrativa concebeu o surgimento das agências reguladoras, instituídas como autarquias sob regime especial para atender à necessidade de regulamentação de matérias essencialmente técnicas de sua competência (MEIRELLES, 2008, p. 357 e 359). Representam um modelo de gestão indireta de serviço público que transfere ao setor privado apenas sua execução, cabendo ao órgão da administração direta a direção, normatização, controle e fiscalização. É de se notar que as regras aplicáveis às agências reguladoras, no que tange à independência administrativa, autonomia financeira e poder normativo, também se encontram presentes no formato adotado para o ITI, além de receber delegação do poder normativo primário do CG (MP 2.200/2001, art. 4º, § único). 7 Comitê Gestor da ICP-Brasil. Ata da reunião realizada em 10/02/2010. 69 Demócrito Reinaldo Filho firma entendimento no sentido de que “o conjunto de atribuições conferido pela MP 2.200 ao Comitê Gestor e ao ITI, demonstra que esses dois órgãos, em conjunto, desempenham tarefas que, a despeito das peculiaridades, se incluem como atividades típicas de uma agência reguladora, pois possuem poder gerencial (técnico) e de controle sobre os prestadores de serviços de certificação credenciados”.8 Considera-se como regime especial o conjunto de privilégios específicos que a lei outorga à agência reguladora para consecução de seus fins, (MEIRELLES, 2008, p. 358) que gozam de maior grau de autonomia do que as autarquias comuns em relação ao Poder Público. 7.5.2. Patrimônio e Fonte de Recursos A doutrina moderna é concorde ao assinalar as características das entidades autárquicas, ou seja, a sua criação por lei especifica com personalidade de direito público, patrimônio próprio, capacidade de autoadministração sob controle estatal e desempenho de atribuições públicas típicas. Sem a conjunção desses elementos não há autarquia (MEIRELLES, 2008, p. 347 e 348). A fragilidade jurídica dos atos constitutivos do ITI como entidade autárquica revela que as únicas referências quanto a seu patrimônio e fonte de recursos foram dispostas na MP 2.200: Art. 17. Fica o Poder Executivo autorizado a transferir para o ITI: I– os acervos técnico e patrimonial, as obrigações e os direitos do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação do Ministério da Ciência e Tecnologia; II– remanejar, transpor, transferir, ou utilizar, as dotações orçamentárias aprovadas na Lei Orçamentária de 2001, consignadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia, referentes às atribuições do órgão ora transformado, mantida a mesma classificação orçamentária, expressa por categoria de programação em seu menor nível, observado o disposto no § 2º do art. 3º da Lei nº 9.995, de 25 de julho de 2000, assim como o respectivo detalhamento por esfera orçamentária, grupos de despesa, fontes de recursos, modalidades de aplicação e identificadores de uso. 8 Artigo: A ICP-Brasil e os poderes regulatórios do ITI e do CG. 70 No Portal da Transparência do Governo Federal encontra-se disponibilizada informação de que no ano de 2009 o ITI percebeu como receita corrente o valor de R$ 104.578,12,9 registrando como despesas R$ 12.513.222,76.10 Sob o rigor de dispositivo constitucional expresso (CF, art. 37, XIX), questiona-se a validade jurídica da criação da autarquia ITI, posto comprovar-se não ter decorrido de lei específica. Com relação à ausência de regimento interno do órgão, tal omissão quanto à adoção de providência de índole administrativa se sujeita à propositura de ação direta de inconstitucionalidade por omissão da Administração Pública (CF, art. 103). 9 10 ITI. Receita Corrente. ITI. Despesa. 71 8 SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA 8.1 Conceito e classificação de serviço público O conceito de serviço público tem se transformado ao longo do tempo, variando em função de contingências políticas, sociais e econômicas. A dificuldade da precisa conceituação decorre da variedade de elementos e critérios sob os quais podem ser analisados. Trata-se, na verdade, de um conceito aberto, que se submete à análise da realidade. O doutrinador Meirelles (2008, p. 333) entende serviço público como “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”. O publicista Mello (apud MEIRELLES, 2007, p. 650) define essa espécie de atividade estatal como sendo a de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, instituída em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. Em sentido amplo, entende-se o serviço público como toda e qualquer atividade prestada pelo Estado. Em sentido estrito, seriam apenas as atividades prestadas pela Administração a fim de satisfazer as necessidades da coletividade (KNOPLOCK, 2007, p. 404). Consente a doutrina entendimento que a definição clássica de serviço público emana de três elementos, independentes entre si: a) Elemento subjetivo: serviço público é prestado pelo Estado; b) Elemento formal: serviço público é aquele prestado sob o regime jurídico de direito público a que se submete o serviço público; c) Elemento material: o serviço público corresponde a uma atividade que visa atender às necessidades públicas. Ressalta Di Pietro (2007, p. 90-92) que nem toda atividade de interesse público é serviço público . 72 Constantino (2001) assinala que a diferenciação conceitual entre serviço público e serviço de utilidade pública decorre da constatação de que nem tudo que é considerado de interesse público necessita estar ancorado em um serviço público.1 Entende a doutrina que a classificação pode recepcionar a aplicação de variados critérios, relativos à titularidade, à prestação do serviço, à obrigatoriedade de utilização, à forma de execução e ao objeto e destinação do serviço (SANTO; CANÇADO, 2004, p. 150). Para Justen Filho2 (2006, p. 39) “a instituição de um serviço público depende do reconhecimento jurídico da pertinência daquela atividade para satisfação de direitos fundamentais”. Assim, uma atividade é qualificada como sendo serviço público por estar relacionada direta e indiretamente com os direitos fundamentais e envolverem a prestação de utilidades destinadas a satisfazer direta e indiretamente tais categorias de direitos.3 Relativamente às imposições constitucionais quanto aos serviços públicos no Brasil, Mello (2007, p. 667), distingue as seguintes hipóteses: a) serviços de prestação obrigatória e exclusiva do Estado; b) serviços de prestação obrigatória do Estado e em que é também obrigatório outorgar em concessão a terceiros; c) serviços de prestação obrigatória pelo Estado, mas sem exclusividade; d) serviços de prestação não obrigatória pelo Estado, mas que, não os prestando, é obrigado a promover-lhes a prestação, tendo, pois, que outorgá-los em concessão ou permissão a terceiros. 8.1.1 Prestação e Formas de Delegação O constante processo de modernização da sociedade e a complexificação da convivência social resultam no alargamento das necessidades de proteção e garantia de seus direitos. Esse movimento traz inevitáveis consequências à atuação 1 2 3 Artigo: O serviço público e o interesse público. Artigo: Ordem Econômica e Financeira. A doutrina subdivide os serviços públicos privativos do Estado por determinação constitucional (CF arts. 21, XI e XII, 194, 196, 203, 205, 208), daqueles em que o Estado não detém titularidade exclusiva (saúde, educação, previdência e assistência social: CF, arts. 196, 199, 201, 202, 203, 204, 205, 208, 209, 211. 213). 73 do Poder Público, como guardião dos interesses da coletividade e responsável pela garantia de eficiência e qualidade dos serviços de massa. Enquanto poder legitimamente constituído, cabe ao Executivo – sob o regime de discricionariedade organizativa – estruturar as entidades estatais por este instituídas para a execução desconcentrada e descentralizada de serviços públicos que lhes são próprios e outras atividades de interesse coletivo (MEIRELLES, 2007, p. 63). A gestão e a administração do serviço público podem ocorrer de maneira centralizada ou descentralizada. Na primeira hipótese, a prestação dos serviços é feita pelos órgãos centralizados, integrantes da Administração direta, que exercem poder de autorização, controle e fiscalização, podendo, igualmente, ser abertos à iniciativa privada (CF, arts. 199 e 209). A descentralização por serviços se verifica quando o Poder Público cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado, atribuindo-lhe, por lei, a titularidade e execução de um serviço público. A Administração Pública passou a reduzir sua atuação e participação como executor e fornecedor de serviços, delegando à iniciativa privada funções até então consideradas típicas de Estado. Com isto, a iniciativa privada exerce a titularidade de tais serviços, responsabilizando-se pela devida continuidade frente aos usuários. Tal descentralização para a atividade particular resulta de uma opção discricionária da Administração Pública, que desloca seu desempenho para privilegiar e fortalecer seu papel normatizador, controlador e fiscalizador, mantendo, assim, um controle vinculativo sobre o serviço descentralizado.4 Em tais delegações de serviço público, mantém o Estado a titularidade, mas descentraliza o serviço e transfere sua gestão a terceiros. Segundo as lições de Moor (2002, p. 21), “as atividades exercidas sob tal regime mantêm a natureza pública do serviço, com suas características e requisitos próprios, de modo que apenas é transferida ao particular a prestação e não a titularidade do serviço. A titularidade do serviço justamente é mantida porque o Estado não pode desvincular-se dos fins públicos impostos constitucionalmente, com o surgimento da ideia de serviço público como atividade essencialmente estatal”. 4 Juarez de Freitas consigna o desafio vivenciado pelo Direito Administrativo na atualidade em face das variáveis formas de delegação da execução indireta dos serviços públicos. 74 Recorrendo-se aos ensinamentos de Justen Filho (2006, p. 48), a característica marcante do novo serviço público reside na dissociação entre as atividades de regulação e de prestação de serviço público: A competência regulatória do serviço público é retirada dos órgãos encarregados de sua prestação. São criadas entidades administrativas dotadas de autonomia mínima, a quem incumbe disciplinar o desempenho dos serviços, visando assegurar a imparcialidade, a democratização e a 5 transparência na gestão dos serviços. Dispõe a Constituição Federal que incumbe ao Poder Público a prestação do serviço público, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, e sempre por meio de licitação (art. 175), cabendo à lei dispor sobre o regime de delegação, os direitos dos usuários, a política tarifária (parágrafo único do art. 175) e a obrigação de manter serviço adequado (§ 3º do art. 37). Os regimes de concessão e permissão da prestação de serviços públicos (previstos no art. 175 da Constituição Federal) encontram-se disciplinados na Lei 8.987/95. A modalidade de autorização de serviços públicos surge no ordenamento jurídico a partir da Lei 9.074/95 (referência expressa à implantação de usinas termelétricas), que não se sujeita à regulamentação específica. Nessa forma de delegação a Administração Pública delega ao particular a execução da atividade, visando atender interesse coletivo de cunho provisório. Permitindo o desempenho de determinada atividade, cabe ao Poder Público a responsabilidade pelo controle e qualidade da prestação, assim como exercer o poder de polícia. Em sentido amplo, Di Pietro (2007, p.212) define a autorização administrativa como “o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o uso de bem público (autorização de uso), ou a prestação de serviço público (autorização de serviço público), ou o desempenho de atividade material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos (autorização como ato de polícia)”. Consignando a inexistência de caráter público de tais serviços, sustenta o professor Meirelles (2007, p. 650) que “os serviços autorizados não se beneficiam das prerrogativas das atividades públicas, só auferindo vantagens que lhes forem 5 Artigo O serviço público e o interesse público. 75 expressamente deferidas no ato da autorização, e sempre sujeitas à modificação ou supressão sumária, dada a precariedade ínsita desse ato. Seus executores não são agentes públicos, nem praticam atos administrativos; prestam, apenas, um serviço de interesse da comunidade, por isso mesmo controlado pela Administração e sujeito à sua autorização”. Afirma o jurista Justen Filho (2006, p. 40) que a expressão “autorização” é incompatível com a existência de um serviço público: “Não se outorga autorização de serviço público – fórmula verbal destituída de sentido lógico-jurídico”. Sustenta que “somente se cogita de autorização para certas atividades econômicas em sentido restrito, cuja relevância subordina seu desempenho à fiscalização mais ampla e rigorosa do Estado”. E conclui que sendo outorgada a autorização, não existirá serviço público.6 Manifestando sua concordância com os argumentos acima consignados, Moor (2002, p.116) afirma que “em regra a autorização não se constitui em serviço público, mas pressupõe atividade econômica, o que não afasta a fiscalização estatal, como ato de polícia administrativa ou licença”. Deve ser ressaltado o caráter de precariedade da autorização, que pode ser revogada a qualquer momento pela Administração, caso o autorizado deixe de cumprir as exigências às quais se submete. 8.1.2 Retribuição sob a Forma de Tarifa Podem os serviços públicos ser prestados de forma gratuita ou onerosa, arcando o usuário, no último caso, com os custos da prestação dos mesmos. Na modalidade lucrativa, aquele que explora o serviço se remunera além dos custos deste serviço. A remuneração por tarifa, ou preço público, se aplica aos casos de ocorrência de delegação do serviço público a terceiros. Cabe ao ente público que autoriza a prestação do serviço estipular o valor da tarifa a ser pago pelo autorizado, inexistindo, porém, qualquer garantia do particular de auferir lucro com a atividade. Este arca por sua própria conta e risco com a saúde do negócio. 6 Artigo: O serviço público e o interesse público. 76 8.2 Atividade Econômica A atividade econômica corresponde ao domínio das empresas privadas na economia, a quem compete prioritariamente o exercício da atividade na ordem econômica. Inexiste definição jurídica de atividade econômica, assim como não trouxe o texto constitucional qualquer regra definidora de tal conceito. Nessa linha, pondera Mello (2007, p. 672) que sua definição não se inclui entre os chamados conceitos determinados, devendo seu reconhecimento ser feito ao lume dos critérios vigentes em dada época da sociedade. Admitindo que o conceito de atividade econômica é abstrato e pragmático, motivo pelo qual se torna inútil a busca de sua definição Eros Grau (GRAU, 1981, p. 96) sugere a substituição dos conceitos de atividade econômica em sentido amplo e em sentido estrito, passando a adotar as expressões atividade econômica e iniciativa econômica (GRAU, 1981, p. 90). Sob tais premissas, entende que o serviço público desenvolvido por empresas privadas, em regime de concessão ou permissão, consubstancia iniciativa econômica, ao passo que a iniciativa econômica desenvolvida por empresa estatal, consubstancia serviço público (GRAU, 1981, p. 91) A Constituição Federal determina os sentidos da expressão atividade econômica nos artigos 170, 173 e § 1º e 174. O art. 170 se relaciona ao gênero – e não à espécie – de atividade econômica, a qual deve se fundar na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Em relação ao art.173, o doutrinador Eros Roberto Grau entende que a expressão deve ser analisada em sentido amplo e estrito (GRAU, 2003, p. 91). Em sentido amplo, a atividade econômica se subdivide em dois campos: o do serviço público e o da atividade econômica em sentido estrito. O doutrinador entende que serviço público é um tipo de atividade econômica (GRAU, 2003, p. 92). Assim, o art. 173 e seu § 1º cuidam de situações em que se permite ao Estado explorar diretamente a atividade econômica, como agente econômico em área de titularidade do setor privado (GRAU, 2003, p. 93). Nessa hipótese localizase a ocorrência de atividade econômica em sentido estrito. 77 No que tange ao disposto no art.174, a expressão assume conotação de atividade econômica em sentido amplo, como modalidade de serviço público, na qual o Estado atua como agente normativo e regulador. 8.3 Distinção entre Serviço Público e Atividade Econômica A necessidade de distinção entre serviço público e atividade econômica decorre do tratamento distinto que a Constituição concede a ambos, mesmo que à primeira vista inexista oposição entre os dois conceitos. Ressalta Grau (1981, p. 97) que há casos em que resulta suficientemente nítida a caracterização de uma atividade como de iniciativa econômica, ou como de serviço público. Mas coexistem outras situações em que tal demarcação se mostra “tormentosa e frágil”. Por tais motivos considera necessária a explicitação por lei ordinária, para que se operacionalize, de forma fluente, o preceito constitucional. Verifica o publicista que “o gênero – atividade econômica – compreende duas espécies: o serviço público e a atividade econômica”. O serviço público é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público, podendo o setor privado prestar o serviço público em regime de concessão ou permissão (GRAU, 2003, p. 92). Em relação ao regime jurídico, serviço público e atividade econômica, em regra, possuem distintos regimes. O regime jurídico de Direito Público se submete ao cumprimento dos princípios da obrigatoriedade, continuidade, regularidade, universalidade, controle, eficiência e modicidade. A atividade econômica deve obediência aos princípios constitucionais que norteiam a ordem econômica: livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada e defesa do consumidor. 8.4 O Serviço de Certificação Digital O processo de evolução tecnológica trouxe grandes inovações no campo jurídico, fazendo surgir, como o caso da presente investigação, atividades que não se adequam à ordem constitucional posta. 78 A atividade de certificação digital se relaciona à implementação de conceitos técnicos e aplicações de suporte habilitadas que utilizam certificados digitais. A escolha política do Poder Executivo foi a de não prestar o serviço, elegendo sua atuação no campo normativo, controlador e fiscalizador da atividade, por meio da entidade autárquica criada para essa finalidade específica, que delega a terceiros a execução da atividade. Apesar de não desempenhar o serviço, a Administração Pública conserva sua titularidade, transferindo a execução do mesmo a órgãos, entidades públicas e pessoas jurídicas de direito privado, inexistindo exclusividade na sua prestação. Quanto à forma de delegação, o serviço de certificação (por órgãos, entidades públicas e pessoas jurídicas de direito privado que desejarem se credenciar como AC e AR) se opera pelo credenciamento, cabendo ao interessado encaminhar à ACRaiz a solicitação para tal, por meio de formulário próprio.7 Após o prestador demonstrar o cumprimento do conjunto de diretrizes definidos pela ICP-Brasil formaliza-se o ato de credenciamento, que resulta em autorização para operar como Autoridade Certificadora ou Registradora credenciada na cadeia de certificação da ICP-Brasil. Verifica-se, portanto, a presença do instituto da autorização, uma vez que a prestação da atividade se sujeita ao expresso consentimento e à fiscalização do Poder Público, por meio da qual o particular se habilita ao exercício da atividade, sujeitando-se às regras impostas pela Administração. De acordo com a política tarifária da autarquia ITI, a emissão de certificados pela ICP-Brasil se sujeita ao pagamento de tarifa de credenciamento pelo prestador do serviço.8 Aplica-se, portanto, um regime híbrido de direito público e privado, prevalecendo o primeiro em relação ao autorizado e o segundo em relação a este e seus clientes. 8.5 Natureza Jurídica do Serviço de Certificação Digital 7 8 ITI. Critérios e Procedimento de Credenciamento das Entidades Integrantes da ICP-Brasil. Resolução n° 55/2008. Aprova a versão 3.0 das diretrizes da política tarifária da Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil. 79 A atividade de certificação digital – da forma implementada pela Administração Pública – somente poderia ser considerada serviço público caso houvesse disposição constitucional para tanto. A atividade não se relaciona à satisfação de direitos fundamentais e nem apresenta caráter de essencialidade. Deve-se considerar que inexiste disciplina jurídica que caracterize quais serviços podem ser considerados como de interesse público para que se enseje a intervenção direta do Estado na ordem econômica. À luz da disposição constitucional contida no art. 175, constata-se que o Poder Público não presta diretamente o serviço, nem outorga sua execução sob o regime de concessão ou permissão, e tampouco os prestadores participam de qualquer licitação para outorga do serviço de certificação digital. Se a execução da atividade é delegada sob a forma de autorização, inexiste caráter público, e a modalidade é incompatível com a existência de um serviço público, pressupondo o exercício de atividade econômica. Por outro lado, o Estado não exerce apenas os poderes normativo, regulamentador e fiscalizador, e tampouco assume funções de incentivo e planejamento da ordem econômica, como pressupõe o enunciado do art. 174 da Carta Constitucional. Ao contrário, o Estado participa diretamente da ordem econômica, implantando uma cadeia de certificação com selo de qualidade que a distingue da certificação produzida pelo particular. A submissão à sua cadeia de certificação diferenciada concede ao credenciado privilégio de ordem jurídica, atribuindo validade e eficácia legal oponível contra terceiros. Aqueles que desejam emitir certificados digitais de assinatura avançada concedidos pela ICP-Brasil devem retribuir o Estado pagando um valor determinado a título de tarifa. Sob tais condicionamentos, conclui-se que a natureza jurídica do serviço de certificação digital é de atividade econômica. 80 9 A ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA Os princípios constitucionais econômicos presentes no Estado Social de Direito refletem o desenvolvimento do aspecto jurídico da relação Estado-Economia. Admitindo-se a existência de uma Constituição Econômica, a expressão comporta a adoção de um sentido formal e outro material. O sentido formal é definido por Moreira (1973, p. 130) como “o conjunto de normas fundamentais, os princípios constituintes da ordem econômica, isto é, que a estruturam num todo, num sistema”. O sentido material reúne as normas constitucionais que traçam o perfil da ordem econômica e as normas regulamentadas pela legislação ordinária. Grau (1981, p. 31)define o Direito Econômico como “o sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico, mediante a regulação, sob o ponto de vista macrojurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal”. Observa ainda o citado jurista que a ordem econômica – como parcela da ordem jurídica do Estado Social – se traduz em um conjunto de princípios de organização da vida econômica, consagrado no Direito Positivo, em que se consubstancia a ordem jurídico-econômica (GRAU,1981, p. 43). Sustenta Araújo (2007, p. 23) que o objeto do Direito Econômico é “a regulação do processo econômico, através da atuação do Estado, como agente e como regulador, desde uma visão macroeconômica, tendo em vista a realização dos objetivos de sua política, sob a inspiração dos ideais de justiça social e desenvolvimento do mercado administrado”. 9.1 Princípios Constitucionais da Livre Iniciativa e Livre Concorrência A República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, destaca entre seus fundamentos a livre iniciativa (CF, art. 1º), consagrando-a como princípio geral da atividade econômica (CF, art. 170). Tal princípio se resume na garantia da liberdade de empreender, assegurando o livre exercício de qualquer atividade econômica e limitando a atuação do Estado na ordem econômica. O núcleo da ideia de livre iniciativa também se materializa nos dispositivos constitucionais relativos à propriedade privada (art. 5º, XXII) e a liberdade do 81 exercício de qualquer atividade econômica (parágrafo único do art. 170). Sua essência se revela na liberdade de contratar, cujo fundamento decorre do comando constitucional segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II). Em decorrência de tal princípio, reserva-se um campo de atividade preferencial para a atuação das empresas privadas, deduzindo-se do texto constitucional a possibilidade do exercício de qualquer atividade econômica permitida legalmente ou autorizada pela autoridade competente. Silva (1998, p. 760) percebe a livre iniciativa “num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário”. O doutrinador Bastos e Martins (1990, p. 16) a destaca como “uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo”. Analisando o papel da iniciativa privada na ordem econômica, constata-se que o particular ocupa nela posição relevante. Esse traço de relevância foi apontado por Ferraz Junior (1989, p. 77): Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do homem na confrontação da atividade econômica, aceitando sua intrínseca contingência e fragilidade [...] Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. A livre concorrência complementa o princípio da livre iniciativa, sendo o fundamento responsável pelo surgimento de diversos agentes econômicos. Igualmente se encontra consagrada como princípio constitucional impositivo da ordem econômica (CF, art. 170, inciso IV) que visa assegurar a eficácia da livre iniciativa. 82 A ordem econômica constitucional pressupõe um mercado competitivo, no qual a concorrência se revela como um bem jurídico que requer proteção adequada. Para Bastos (Martins, 1990, p. 25-26) a livre concorrência consiste na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços, traduzindo-se numa das vigas mestras do êxito da economia de mercado. A concorrência estimula a eficiência do mercado, incentiva a competitividade, garante a distribuição de bens de consumo a preços menores e gera igualdade de oportunidades aos agentes da cadeia produtiva. Apesar de o modelo constitucional preconizar a liberdade de atuação e o liberalismo econômico, foram estabelecidas disposições restritivas à ampla liberdade, cabendo ao Estado reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Nesse sentido, observa Abreu (2008, p. 75) que o Estado resguarda a si próprio os instrumentos necessários à atuação no domínio econômico, para evitar que os agentes privados, abusando de suas prerrogativas, possam violar os fundamentos e princípios constitucionais. As exceções ao princípio da livre concorrência haverão de estar autorizadas pelo próprio texto da Constituição que o consagra, não se admitindo que o legislador ordinário possa livremente excluí-la, salvo se agir fundamentado em outra norma constitucional específica, como registra Barroso (2000, p. 190). A proteção aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência se encontra regulamentada na Lei 8.884/1994, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, enumerando as condutas abusivas. Esta Lei, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, estabelece que constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos, sob qualquer forma manifestados, que tenham por objetivo ou possam, de alguma forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, elegendo a coletividade como titular dos bens jurídicos protegidos por ela. 9.2 Intervenção do Estado na Atividade Econômica 83 A intervenção pelo Estado na atividade econômica remonta aos tempos do feudalismo, vindo a assumir distintas configurações até a instalação do Estado Liberal, quando a Constituição Social promoveu alterações nas estruturas jurídicas vigentes, passando a ostentar contornos sensíveis à justiça social e ao bem-estar da coletividade. Essa transformação das instituições políticas e a consequente redefinição do Estado brasileiro não constituem uma opção ideológica segundo Barroso (apud MOREIRA NETO, 2003, p.7), mas, sim, uma inevitabilidade histórica: “a prestação pública ou privada de serviços públicos não pode ser uma escolha feita em abstrato, definitiva e atemporal. Depende de um conjunto de circunstâncias que poderão recomendar uma fórmula ou outra”. A intervenção do Estado no domínio econômico foi fundamentalmente transformada a partir da década de 90, passando a priorizar sua atuação no campo da regulação e fiscalização dos serviços delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas que exigem regime especial, conforme apontado por Barroso (2000, p. 64). Sob esse redirecionamento para a consecução de objetivos públicos no Estado contemporâneo, Comparato (1997, p. 350) expressa seu posicionamento: “a legitimidade do Estado passa a fundar-se não na expressão legislativa da soberania popular, mas na realização de finalidades coletivas, a serem realizadas programadamente”. Pesquisando as consequências do novo formato da presença do Estado no domínio econômico, conclui Dallari (1998, p. 281) que “já se pode considerar definido como um novo intervencionismo do Estado na vida social”, no qual desaparecem os antigos limites entre público e privado e passa o Estado à condição de financiador, sócio e consumidor altamente apreciado. O poder intervencionista do Estado deve estrita obediência aos comandos constitucionais que o autorizam, sob pena de este incorrer em conduta flagrantemente ilegítima (ALEXANDRINO; PAULO, 2003, p. 524) Tendo em vista que a ordem econômica se funda preferencialmente na livre iniciativa, o fundamento e o limite da intervenção legítima se consubstanciam na implementação de políticas públicas para correção de distorções, não cabendo ao Estado substituir a atuação livre do mercado. 84 9.2.1 Exploração Direta pelo Estado na Atividade Econômica O Estado explora diretamente a atividade econômica sob duas modalidades: monopolista ou quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou interesse público relevante, previamente definidos em lei (art. 173). Em ambos os casos tem-se como legítima a participação estatal na atividade econômica, não se cogitando da participação suplementar ou subsidiária da iniciativa privada, como apontada por Silva (2007, p. 804). Trata-se, portanto, de medida excepcional, somente admissível quando autorizada por norma constitucional, posto que representa exclusão do princípio da livre iniciativa. O fundamento constitucional de outorga à União sob o regime de monopólio de determinadas atividades restringe-se às hipóteses indicadas no art. 177, dispositivo que estabelece constituir monopólio da União as atividades elencadas nos incisos I a V. Tendo em vista que a Carta Constitucional adotou o critério de enumeração taxativa das atividades sujeitas ao monopólio estatal da União, tem-se por inadmissível a criação por lei ordinária de novos monopólios públicos, além daqueles expressamente previstos no texto constitucional. Tais atividades econômicas subtraídas do âmbito da iniciativa privada não correspondem a serviço público, sendo entendidas como serviços governamentais. Para Moreira Neto (2003, p. 130), “caracteriza a intervenção monopolista pela imposição, por norma legal da presença do Estado como empresário, afastando a competição dos agentes privados, no desempenho de atividades econômicas ou sociais, visando a prevalência de interesses públicos legalmente definidos”. Quando presente a necessidade de proteção da segurança nacional ou interesse público relevante, previamente definido em lei (art. 173), o Estado interfere na ordem econômica mediante prestação de serviço público ou exploração de atividade econômica. Ressalta o jurista Comparato (1990, p. 263) que a lei a que se refere tal dispositivo constitucional – à qual compete definir os imperativos de segurança nacional ou as hipóteses de relevante interesse coletivo autorizadores de uma exploração empresarial pelo Estado – ainda não foi promulgada. Salienta, ainda, que 85 competirá sempre ao Poder Legislativo, e não ao Executivo, interpretar a ocorrência de tais situações. A atuação do Estado como empresário ocorre de forma direta quando o serviço é prestado pela própria Administração Pública. A prestação indireta se concretiza sob duas modalidades: pela prestação de serviço por meio de pessoas jurídicas públicas, constituídas sob a forma de entidade autárquica ou fundação, ou mediante delegação à iniciativa privada, sob as figuras jurídicas de concessão ou permissão. Conforme salientado por Couto (2005, p. 187), “a ausência de disciplina caracterizadora do que seja interesse público tem legitimado a intervenção concorrencial do Estado na atividade econômica”. 9.2.2 O Estado como Agente Normativo e Regulador A ingerência disciplinadora do Estado por via de regulamentação legal decorre da disposição constitucional prevista no art. 174. Assumindo a qualidade de agente normativo e regulador da atividade econômica, passa a exercer funções de fiscalização, incentivo e planejamento, com a finalidade de estabelecer o equilíbrio da livre concorrência. A importância da regulação das atividades econômicas decorre da necessidade de proteção do bem comum em detrimento de determinado agente econômico, passando o Estado a promover sua organização a partir da regulação. As normas reguladoras atingem setores críticos aos quais se vincula determinado interesse público, buscando a realização do equilíbrio de interesses e valores concorrenciais. Entende Aragão (2002, p. 37) que a regulação estatal da economia “é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas e concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva à liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis”. No modelo de regulação brasileiro, o Estado regula a atividade econômica por meio de normas específicas, diretivas de condutas coercitivas e de observância obrigatória. 86 Assevera Moreira Neto (2003, p. 129) que a intervenção regulatória “se caracteriza pela imposição, por norma legal, de prescrições positivas e negativas sobre o desempenho de atividades econômicas ou sociais privadas, visando à prevalência de interesses públicos específicos, legalmente definidos”. O mesmo estudioso defende que a intervenção estatal é necessariamente resultante de norma legal, sendo certo que a função reguladora não se realiza apenas pela imposição de normas de conduta: “as normas reguladoras têm natureza diversa das normas legais strictu senso e com elas não se confundem” (id. ib., p. 130). 9.2.3 A Participação Concorrencial do Estado na Economia A intervenção concorrencial caracteriza-se, para Moreira Neto (2003, p. 130), pela imposição, por norma legal, da presença do Estado como empresário, em regime de competição em condições igualitárias ou privilegiais com os agentes privados, no desempenho de atividades econômicas ou sociais, visando à prevalência de interesses públicos específicos, legalmente definidos. A participação do Estado na economia se vincula ao princípio da igualdade jurídica, postulado de ordem geral destinado a assegurar e proteger o regime da livre concorrência. Francisco Campos (apud Scaff, 1990, p. 84) observa que “a concorrência pressupõe, como condição essencial, necessária ou imprescindível, que o Estado não favoreça a qualquer dos concorrentes, devendo, ao contrário, assegurar a todos um tratamento absolutamente igual, a nenhum deles podendo atribuir prioridade ou privilégio, que possa colocá-los em situação particularmente vantajosa em relação aos demais”. Tal raciocínio condicionou o autor Fernando Scaff (1990, p. 84) a concluir que “qualquer ação do Estado sobre o domínio econômico, incentivando, desincentivando ou vetando comportamentos, se consubstancia em uma quebra de igualdade”. Sustenta o referido autor que “quando infringido o poder da igualdade por injustificada escolha da opção econômica a ser incentivada, desincentivada ou vetada, a sanção aplicável será a imediata anulação da norma e o desfazimento de 87 todos os atos que tenham sido efetuados sob seu embasamento” (SCAFF, 1990, p. 109).1 Ainda de acordo com Scaff (1990, p. 48), quando o Estado atua sobre o domínio econômico, limita-se a implementar uma política de disciplinamento da prestação do serviço, atuando como emanador de normas, com a função de ordenar o processo produtivo, porém sem dele participar. Enquanto a norma interventora diretiva sobre o domínio econômico veda determinados comportamentos e acarreta em sanções jurídicas, a norma interventora indutiva não determina procedimentos incisivos e coativos a serem adotados pelos agentes econômicos. 1 No prefácio dessa obra Eros Roberto Grau, ressalta este doutrinador a importância do manejo dos princípios que sustentam a análise do Estado intervencionista. 88 10 CONCLUSÕES A presente investigação procurou desenvolver uma análise crítica fundamentada do modelo nacional de certificação digital implantado pelo Governo Federal, buscando enfrentar a questão nuclear do trabalho, que consiste em responder se o sistema nacional de certificação digital brasileiro viola o princípio constitucional da livre concorrência. Sob as diversas óticas pesquisadas demonstrou-se a atipicidade crônica que embasou a ICP-Brasil, permeada de questionável legalidade, pois instituída a partir de atos inadequados, imperfeitos e incompletos. A eficácia probante do documento gerado por meio eletrônico se condiciona à existência da assinatura digital, assegurada pela confiabilidade dos fundamentos de criptografia assimétrica. A criação da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ignorou o amplo debate democrático que vinha sendo percorrido pelo Poder Legislativo sobre o tema da certificação digital. Por outro lado, interrompeu abruptamente o diálogo com a sociedade civil, que havia sido provocado pelo próprio Poder Executivo. Inexplicavelmente, a ICP-Gov se transformou em ICP-Brasil, para, inovando o ordenamento jurídico, atribuir validade jurídica e força probante a documentos públicos e particulares gerados sobre o processo de certificação sustentado pelo Governo Federal. Como demonstrado, a edição da Medida Provisória 2.200 baseou-se em premissas artificialmente construídas, não condizentes com os fundamentos da autorização constitucional de cunho provisório e extraordinário – somente admissível para suprir estado de necessidade que demande a adoção de providências imediatas –, ou seja, a indispensabilidade da presença concomitante dos pressupostos de relevância e urgência. Por outro lado, violou comando constitucional expresso que veda a utilização desse instrumento para regular matéria relativa a direito processual civil. As graves distorções legais da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira apontam para sua inquestionável ilegitimidade constitucional, em que pese sua perenização convalidada pela Emenda Constitucional 32. 89 A própria exposição de motivos que acompanha o Projeto de Lei apresentado pelo Poder Executivo Federal para legitimar a ICP-Brasil admite que a Medida Provisória 2.200 consagrou texto normativo de escopo restrito e que se encontram pendentes questões que reclamam tratamento legislativo adequado. Centralizado em modelo de raiz única vinculada à Casa Civil da Presidência da República, a estrutura hierárquica da ICP-Brasil compõe-se por um grupo de autoridades, vinculadas à Casa Civil da Presidência da República, exercendo o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação o papel de Autoridade CertificadoraRaiz. Melhor sorte não teve a criação da autarquia ITI, posto ter violado ditame constitucional expresso que determina sua instituição exclusivamente por lei específica, tendo-se por inaceitável que a lei fundadora trate de assunto diverso. Restou demonstrado que a referida entidade autárquica foi criada por medida provisória, remédio legal tão somente equiparado à lei formal. E, ainda, seu surgimento não adveio de ato específico, tendo sido incluído no bojo de medida provisória que tratava de tema distinto. Posteriormente à sua criação, ainda foi expurgada sua vinculação originária ao Ministério da Ciência e Tecnologia – o único que lhe poderia ser afeito, em virtude de sua natureza e área de competência – passando a se ligar à Casa Civil da Presidência da República, órgão que não mantém qualquer afinidade com a atividade prestada pela autarquia. E, ainda, contrariou disposição expressa contida no Decreto que aprovou sua estrutura regimental, que estipulava o prazo de 90 dias para aprovação de seu regimento interno pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República e publicação no Diário Oficial da União. Passados sete anos de sua criação, a autarquia ITI funciona à revelia do ato instituidor, não dispondo, até a presente data, de regimento interno. Esta relevante omissão coloca o órgão em frágil situação jurídica de legalidade, sujeitando-se à propositura de ação direta de inconstitucionalidade por omissão da Administração Pública. Enfrentando a classificação da atividade de certificação digital, nos moldes em que foi preconizada, entende-se não se tratar de serviço público, posto que a previsão constitucional é inexistente e por não se relacionar à satisfação de direitos fundamentais ou se lhe atribuir caráter de essencialidade. 90 A delegação do serviço de certificação digital não se dá por concessão ou permissão e tampouco é prestado mediante processo licitatório. Em sendo a delegação da prestação da atividade concedida por via de autorização, foram informados os fundamentos pelos quais se infere que tal instituto é incompatível com a existência de um serviço público. Sob tais condicionamentos, conclui-se que a natureza jurídica do serviço de certificação digital é de atividade econômica. O poder intervencionista do Estado deve estrita obediência aos comandos constitucionais expressos que o autorizam. A Constituição Federal assegura a ordem econômica fundada na livre iniciativa, elencando entre os princípios gerais da atividade econômica a livre concorrência, que assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo disposição prevista em lei. Ao adotar um modelo de certificação digital centralista e hierárquico, baseado em raiz única vinculada ao Poder Executivo Federal, o Estado impõe sua presença na ordem econômica, elegendo sua responsabilidade pela emissão de certificados digitais no âmbito das relações públicas e privadas. À primeira vista, poder-se-ia considerar a modalidade regulatória de intervenção estatal sobre o domínio econômico, uma vez que o poder normatizador, controlador e fiscalizador da Administração Pública se faz presente. Ocorre que o Estado não se limitou a atuar como emanador de normas e a implementar uma política de ordenação e disciplinamento da prestação do serviço, sem participar do processo produtivo. Esse é o deslinde da questão: o Estado não restringiu sua atuação a uma atividade meramente legislativa, mas efetivamente participa do processo econômico da certificação digital, se remunera com uma taxa de credenciamento, fornecendo um selo de qualidade da certificação que o privilegia e distingue da certificação privada prestada por particulares. Como a ação estatal sobre o domínio econômico desincentiva o comportamento de agentes a atuar no mercado, se consubstancia uma quebra de igualdade. Em situações normais, a norma desincentivadora seria anulada, desfazendo-se todos os atos praticados sob sua inspiração. A anunciada antinomia entre o regime de livre competência na prestação dos serviços de certificação e a previsão de um sistema de credenciamento de caráter voluntário se revela como um sofisma, posto que na prática se transmuta em adesão 91 compulsória daqueles que desejam prestar a atividade de certificação e emitir certificados digitais oponíveis contra terceiros. Isto porque a imposição de validade jurídica diferenciada resultou na obrigatoriedade do uso da certificação qualificada da ICP-Brasil, como restou provada pela coercitividade da adesão pela OAB e pela negação do órgão regulador em negar vigência à Infraestrutura de Chaves Públicas do município de Florianópolis. Registra-se, ainda, a exigência da Receita Federal Brasileira em trabalhar exclusivamente com certificados gerados pela ICP-Brasil. Os efeitos jurídicos da certificação digital oficial também foram responsáveis pela sua exclusiva aceitação pelo Poder Judiciário, como se comprova pelo teor do parágrafo único do art. 154 do CPC, que dispõe sobre a obrigatoriedade de atendimento dos requisitos dispostos na ICP-Brasil para o disciplinamento da prática de atos processuais por meios eletrônicos. E o consequente aprofundamento dos efeitos da certificação oferecida pela ICP-Brasil resultou em sua exclusiva adoção no processo judicial informatizado, trazido pela Lei 11.419/2006. Caberia ao Poder Público Federal promover a implantação de um sistema de certificação digital sem adentrar na validade e eficácia jurídica do documento eletrônico e sem vincular o efeito legal das assinaturas digitais ao atendimento de critérios técnicos e à aplicação de tecnologia escolhida pelo Poder Público. Mas, principalmente, não deveria ter sido atribuída presunção de veracidade e efeitos jurídicos oponíveis contra terceiros exclusivamente aos certificados qualificados emitidos sobre sua cadeia de certificação, que passam a deter o regime de exclusividade enquanto documento oficial de identificação em meio eletrônico. Ao instituir critérios de eficácia jurídica diferenciada à certificação digital produzida pela ICP-Brasil, o Poder Público inapropriadamente interfere na atividade econômica, restringe a ampla liberdade, aniquila o exercício da atividade concorrente, impede a competitividade e denota indesejável concentração de poder estatal. Deveria o Estado manter-se equidistante do mercado, implementando políticas públicas de incentivo da atividade e correção de distorções. A partir da instituição de normas técnicas, instalou uma espécie de cartório que concentrou poder absoluto de conferir fé pública em ambiente digital, obrigando, 92 por via transversa, sua adoção pelo prestador que deseje ostentar o selo privilegial concedido pelo Poder Público. Há que se ressaltar, ainda, que o modelo escolhido pelo próprio Estado se encontra imune às sanções previstas na Lei da Concorrência, pois o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade – a quem cabe decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei, se constitui em autarquia federal, vinculado ao Ministério da Justiça. Após nove anos da instalação da ICP-Brasil, constata-se que a intervenção do Estado no mercado da certificação digital não democratizou e tampouco assegurou a imparcialidade na prestação da atividade. A livre concorrência consiste na existência de diversos prestadores de serviço, competindo em igualdade de condições. Mas a realidade cristalizada pela ICP-Brasil trafega em sentido oposto, como se comprova pela seguinte constatação fática: a inexistência, no mercado, de prestadores de serviço de certificação digital privada, pois todos foram compelidos a se filiar à ICP-Brasil. A presença do Estado na economia somente é permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou à preservação de relevante interesse público, sempre definidos em lei. As exceções ao princípio da livre concorrência devem estar autorizadas no texto constitucional, não se admitindo a livre exclusão pelo legislador. Pela integralidade das razões constantes da presente investigação, conclui-se que o sistema de certificação digital implantado pelo Governo Federal resulta em interferência indevida na atividade econômica, viola o princípio da livre concorrência e retira a autonomia da iniciativa privada. Mostrar-se-ia mais adequado aos moldes constitucionais de liberdade de iniciativa e livre concorrência se o Estado assumisse seu papel de agente normativo e regulador, indicando os requisitos relativos à segurança operacional, promovendo o incentivo da atividade econômica e atuando sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Finaliza-se o presente estudo observando que a concorrência desleal implantada pelo Estado pode vir a sedimentar um monopólio estatal. 93 REFERÊNCIAS ABREU, Rogério Roberto Gonçalves de. Livre iniciativa, livre concorrência e intervenção do Estado no domínio econômico. Revista dos Tribunais. Ano 97, vol. 874, agosto 2008. ALEXANDRINO Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Resumo de Direito Econômico. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. 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