Revista Brasileira de Geografia Física v.09, n.02 (2016) 658-666.. Revista Brasileira de Geografia Física ISSN:1984-2295 Homepage: www.ufpe.br/rbgfe Análise comparativa de apreensões de animais silvestres em dois estados da região Amazônica1 Fabrício Lemos de Siqueira Mendes2, Lígia Terezinha Lopes Simonian3, Ygor de Siqueira Mendes Mendonça4 2 Professor da Faculdade de Turismo/ Instituto de Ciências Sociais Aplicadas/ Universidade Federal do ParáFACTUR/ICSA/UFPA. Campus Universitário do Guamá, Rua Augusto Corrêa, nº 1, Bairro do Guamá, CEP: 66.075110. Belém-PA; E-mail para correspondência: [email protected]. (Mendes, F.L.S.). 3 Professora da UFPA. E-mail: [email protected]; 4Discente do Curso de Direito. Av. Senador Lemos, 2809. Email: [email protected]. Artigo recebido em 05/01/2016 e aceito em 19/01/2016 RESUMO O Brasil apresenta a maior biodiversidade do planeta. E, a Amazônia é a região que mais colabora para essas estatísticas. Quando se referem aos Animais Silvestres (AS), o interesse por esses datam desde a chegada dos portugueses no Brasil, divulgando para o mundo todo a exuberância que essa região possuía. Atualmente, os AS na Amazônia são muito requisitados na dieta alimentar dos animais dessa região, em decorrência da necessidade de ingestão de proteína. Além disso, a população apresenta o hábito de ter em posse AS como estimação. O objetivo deste artigo é de identificar quais AS foram apreendidos, nos estado do Pará e Amazonas,. Para isso, foi requisitado aos IBAMA dos estados do Pará e Amazonas os Relatório de Auto de Infração, onde constam os AS apreendidos. Os resultados apontam que no estado do Pará os AS mais apreendidos foram as aves e no Amazonas foram os répteis.. Com isso, conclui-se que nos estados do Pará e Amazonas há apreensões por parte do IBAMA, mas que precisam ter maior frequência anual em suas visitas. Palavras-chave: Amazônia, Animais, Ilegalidade, Comércio, Biodiversidade. Comparative analysis of the apprehension of wild animals in two states of the Amazon region1 ABSTRACT Brazil has the greatest biodiversity in the world and Amazon is the region that more contributes for these statistics. When referring to Wild Animals (AS), the interest in these are from the arrival of Portuguese in Brazil, disclosing to world all exuberance of this region. Currently, the AS in Amazon are in the diet of the animals of this region due to the need of protein intake. Besides, the population has the habit to take possession of wild animals as pets. The purpose of this article is to identify which AS were seized in the State of Para and Amazonas. For this, was requested to the Ibama of the States of Pará and Amazonas the High Infringement Reports that contain the AS seized and the cities rated by this Institute. The results indicate that in the State of Pará the most AS seized were birds and in Amazon region were reptiles. . It was concluded that in the States of Para and Amazonas there are seizures by IBAMA, but they need higher annual frequency of visits. Key words: Wild animals, Amazon, Seizure, Ibama, Illegality. 1 Parte da tese de doutorado do primeiro autor. Introdução A preocupação legislativa referente à proteção da biodiversidade brasileira está registrada desde a colonização, em Cartas Régias, em Leis, em Decretos e em Regulamentos, como afirmam Aveline & Costa (1993), embora jamais tenham produzido algum efeito prático à proteção. Somente com a criação do Código Florestal, em 1921, é que se começou a dar atenção e objetividade ao assunto. Ferreira (2000) afirma que, até a década de 50, as preocupações referentes aos aspectos ambientais, no Brasil, eram somente ligadas ao saneamento, à conservação e à preservação do patrimonial natural do país. Com a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em 22 de fevereiro de 1989, pela Lei n°. 7.735, houve uma ação mais integrada no que se refere às 658 Mendes, F. L. S., Simonian, L. T. L., Mendonça Y. S. M. Revista Brasileira de Geografia Física v.09, n.02 (2016) 658-666.. Políticas Públicas Ambientais, complementa IBAMA (2009). Antes disso, conforme essa mesma fonte, haviam vários órgãos públicos que legislavam sobre a questão ambiental, localizados em diferentes ministérios, abordando diferentes visões sobre o assunto, e até mesmo contraditórias. Mas com a criação do IBAMA, as questões ambientais passam a ser de sua responsabilidade. No entendimento de Dal’Ava (2003), o Brasil antes da implementação das Leis Ambientais referentes à fauna, apresentava um processo de exploração sem critério nenhum, porque se acreditava que os recursos faunísticos fossem inesgotáveis. Entretanto, na atualidade, tem-se no Brasil uma das Leis Ambientais mais completas do mundo, no entanto não estabelecem critérios com relação à caça. Simplesmente proibiu-se essa prática em todo território nacional, tanto para quem utiliza para subsistência, quanto para quem tem lucro comercial. Os crimes ambientais são apurados por meio de modalidades de procedimentos: o Inquérito Policial (IP), o Termo de Circunstâncias de Ocorrência (TCO) e o Relatório de Auto de Infração (RAI), que, depois de concluídos, são enviados à Justiça Comum ou Federal, de acordo com a competência em questão. Oliveira (2004) complementa que os crimes de menor potencial ofensivo, tratados pelo TCO, têm suas instruções e julgamentos pelos Juizados Especiais, seja na Justiça Comum ou Federal. A respeito, Dal’Ava (2003, p. 147) afirma que [...] a legislação brasileira sobre o meio ambiente e especificamente sobre a fauna silvestre brasileira sempre esteve na vanguarda e oferecendo meios para que os órgãos dos poderes públicos competentes pudessem ter instrumentos, embora a maioria desses ainda desconheça que possuímos mecanismos eficazes para a conservação da biodiversidade. Segundo Mourão (2000), no aspecto jurídico, o General Humberto Castelo Branco proibiu a caça com base na Lei n°. 5.197/67, conhecida como Lei de Proteção à Fauna, a qual estabelece que os animais de qualquer espécie brasileira que vive fora do cativeiro, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado. Portanto, não é permitida sua utilização para adornos, perseguição, destruição e caça. No Brasil, o IBAMA é a instituição pública responsável por fiscalizar os recursos naturais, dentre os quais, os animais silvestres (AS) brasileiros. Isso implica em monitorar o respeito e a aplicação das Leis e Normas, como as que regem quem apanhar, matar, transportar, vender, adquirir, utilizar, ter em cativeiro, guardar, ou possuir produtos oriundos deles sem a devida autorização, licença ou permissão da autoridade competente. Isto é proibido pelas Leis n°. 5.197/67 e n°. 9.605/98 e pelo Decreto 6.514/08, sendo considerado crime, conforme o IBAMA (2010). Para tais fins, é necessário seguir o que determinam os instrumentos legais para cada atividade. Porém, milhões de seres humanos ainda vivem da caça, principalmente as populações nativas de florestas tropicais, que retiram mais de 50% de sua proteína da carne animal, fonte de alimento para dieta alimentar, afirmam Cascudo (1973), Robinson, Redford e Bennett (1999) e Davies (2002). Autores como Cascudo (1973), Pires e Prance (1985), Redford (1992) e Seeger (1982) afirmam que, na América, a caça sempre foi “profissão” diária, tornando-se fonte vital de proteína e de gordura para obtenção de energia, para boa parte da população, principalmente a rural. Os dados analisados nos trabalhos de Polido e Oliveira (1997), Redford (1992) e Rocha (1995) demonstram que a perda do habitat e a caça, de subsistência ou comercial, são as principais ameaças aos AS brasileiros. Em termos proporcionais, o número de animais caçados para subsistência, na América Latina, pode ser bastante expressivo, como foi visto nos estudos de Yost e Kelly (1983) em três aldeias Waorani, no Equador. Os autores relataram que, em menos de um ano, cerca de 280 habitantes da referida aldeia caçaram 3.165 animais, entre mamíferos, aves e répteis. Desses animais, morreram 562 macacosbarrigudos (Lagothrix lagothricha), 313 tucanos (Ramphastos cuvieri) e 152 queixadas (Tayassu pecari). Porém, nem sempre a caça de subsistência alcança estes números, como afirma Redford (1992). O autor estimou o número de animais mortos pela população rural da Amazônia durante o ano de 1980. Seu estudo baseou-se no número de pessoas vivendo fora dos centros urbanos (2.847.000 habitantes), em uma área de 3.581.180 km2. Após a realização dos cálculos, o autor chegou à conclusão de que foram mortos 14 milhões de mamíferos, os quais, somados aos números estimados de aves e répteis, chegam a 19 milhões de animais caçados e mortos por ano, somente na Amazônia brasileira. Cymerys et al. (1997) dizem que, em relação à região Norte do Brasil, mais especificamente o nordeste paraense, a população cabocla consome cerca de 20% da proteína 659 Mendes, F. L. S., Simonian, L. T. L., Mendonça Y. S. M. Revista Brasileira de Geografia Física v.09, n.02 (2016) 658-666.. animal, evidenciado também nos trabalhos de Robinson et al. (1999) e Peres (2000). Pelos cálculos, isso corresponde a um total acima de 67 mil toneladas de carne de caça por ano em toda região. Autores como Carvalho (1951), Machado (1992), Nogueira-Neto (1973) e Sick (1997b) afirmam que o uso da fauna vai além da alimentação baseada em carne de AS. De fato, as populações rurais e urbanas, segundo os autores, também utilizam ovos, dentes, olhos, ossos e garras para a fabricação de instrumentos e ferramentas para diversos fins. Além da caça, no estado do Amazonas, a população ribeirinha utiliza a fauna local como produto ou subproduto para tratamentos de saúde, chamados por Pezzuti (2004) de produtos zooterápicos. Contudo, autores como Pinto e Maduro (2003) e Sampaio (2003) informam que, na Amazônia, soma-se à rede de comércio de carne de AS, o comércio dos subprodutos desses animais nas feiras da região. No estado do Pará, a prática é comum nas feiras-livres, como comenta Sampaio (2003), ao destacar a feira do Município de Abaetetuba, onde se comercializa uma quantidade enorme de carnes de capivara (Hydrochaeris hydrochaeris), jacaré (Melanosuchus niger e Caiman crocodilus crocodilus), entre outros animais. Por sua vez, a caça comercial é considerada por Redford (1992) como a segunda causa da redução de AS, e esta prática, na floresta amazônica, vem sendo desenvolvida desde a colonização. Porém, Lathrap (1975) afirma que a caça comercial era realizada antes da chegada dos europeus nas Américas, pelos Incas que transportavam jacarés e sucuris (Eunectes sp.) da planície amazônica até criadouros na cidade andina de Cuzco. Salati (1990) ainda relata que, nos registros de Padre Antônio Vieira de 1650, aproximadamente 20 navios foram abastecidos de carne de peixe-boi (Trichechus inunguis) oriundos da Amazônia. Segundo McGrath (1986), a prática do comércio de couros e de peles teve início nos anos de 1970, que foi direcionada à sustentação dos mercados de luxo da Europa, Japão e América do Norte. As aves eram exploradas comercialmente em virtude das suas penas que, em determinada época do ano, se constituíram em matéria prima para os vestuários, principalmente das mulheres. Em termos da quantidade de penas exploradas, entre 1899 e 1920, Redford (1992) comenta que a América do Sul (Argentina, Brasil e Venezuela) exportou, aproximadamente, 15.000 kg de plumas de garça. Outro exemplo significativo disso é comprovado nos estudos de Baía Júnior (2006), que pesquisou tipos de carne de AS vendidos nas feiras-livres dos municípios de Abaetetuba, Barcarena, Igarapé-Mirim e Cametá, no estado do Pará. Encontrou carne de jacaré-acú (M. niger), mucura (D. marsupialis), preguiça (B. tridactylus), veado (Mazama sp.), capivara (H. hydrochaeris), jacaré-tinga (C. crocodilus), paca (A. paca), tatu (D. novemcinctus) e matamatá (Chelus fimbriatus). No período deste estudo, 2005 e 2006, registrou-se um total de 5.827 kg de carnes de AS comercializadas nas feiras-livres, dentre elas, a carne de capivara e jacaré apresentaram o maior percentual total, 64,78% (3.775 kg) e 35,21% (2.052 kg), respectivamente. Conforme levantamento, a punição aos comerciantes de carne de AS das feiras-livres de Abaetetuba é inexistente. De fato, as mercadorias ficam expostas aos consumidores e as autoridades competentes nada fazem contra essa ilegalidade, afirma Baía Júnior (2006). Além do exposto, existe o comércio ilegal de AS, e isso incluí o tráfico desses animais, onde o Brasil contribui, anualmente, com 10% dos valores estimados, afirma Pontes (2003). Nessa ilegalidade, Elabras (2003) informa que são quatro modalidades: 1- o tráfico para subsistência realizado nas beiras das estradas pela população local, para seu próprio sustento; 2- as feiras-livres e suas proximidades, onde existe o tráfico de encomenda; 3- as pessoas que abastecem o acervo de colecionadores que atuam na clandestinidade, considerado o tráfico de animais raros; 4- o tráfico de ovos, modalidade que vem se aperfeiçoando e se tornando mais comum. Castro e Pinton (1997) afirmam que, no âmbito internacional, a biodiversidade tornou-se objeto de disputa intensa pelos países industrializados, o que extrapola o campo de recursos biológicos. Uma diversidade de trabalhos, como os de Carvalho (1985), Lê Duc (1996), Mello (1991), Praxedes (1995), Rocha (1995), Torres (1996) e Vaz (1990b) que tratam da biodiversidade, mais precisamente da fauna, demonstram que o comércio ilegal de AS está associado a problemas culturais, bem como à educação, à pobreza rural, à falta de opções econômicas e ao status e satisfação pessoal de manter AS como objeto de estimação. Ainda, a cadeia social do comércio de AS para servir de bichos de estimação é composta por classes distintas: fornecedores, intermediários e consumidores. A base dos fornecedores se encontra nas populações do interior, onde parte significativa é humilde, pobre, sem acesso à educação e à saúde. Os intermediários são indivíduos que transitam entre as zonas rurais e os centros urbanos, como, por 660 Mendes, F. L. S., Simonian, L. T. L., Mendonça Y. S. M. Revista Brasileira de Geografia Física v.09, n.02 (2016) 658-666.. exemplo: marreteiros, caminhoneiros, motoristas de ônibus e ambulantes. Finalmente estão os consumidores que, em sua maioria, são formados por indivíduos que mantêm AS como estimação em suas residências. Diante do exposto, o objetivo do trabalho é identificar os tipos de animais mais aprendidos e as cidades de autuação do IBAMA, no período de 1999 a 2007, pelo IBAMA na região amazônica, mais especificamente nos estados do Pará e Amazonas. Material e métodos Área de estudo A Floresta Amazônica é a maior floresta tropical do planeta e apresenta ecossistemas variados. Além da floresta úmida de terra firme, que é a mais conhecida, apresenta diferentes tipos de matas, campos abertos e algumas espécies de cerrado. Esta floresta é de fundamental importância para o equilíbrio do planeta, visto que seus rios representam cerca de 20% das reservas de água doce global. Além disso, a Amazônia também abrange grandes reservas minerais (IBGE, 2005). A Amazônia brasileira está presente nos estados: Acre, Amazonas, Pará, Amapá, Rondônia e Roraima, além de parte dos estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso (IBGE, 2005). Essa região abriga uma grande variedade de espécies da flora e fauna. No que diz respeito aos animais, o maior número é de insetos, mas a floresta abriga, também, grande variedade de primatas e aves. Em seu trecho alagado são comuns os mamíferos aquáticos, como o peixeboi, a lontra e os botos, além de répteis, como jacarés, tartarugas e a conhecida jibóia amazônica (IBGE, 2005). Com todas essas características, a Floresta Amazônica é considerada a maior reserva de diversidade biológica do mundo, com indicações de abrigar pelo menos metade de todas as espécies vivas do planeta. Ocupa uma área de 3.869.637,9 km2, correspondente a 45,27% do território brasileiro. Sua área está localizada entre o maciço das Guianas, ao norte, o planalto Central, ao sul, a Cordilheira dos Andes, a oeste, e o oceano Atlântico, à noroeste. Apresentando clima equatorial, é banhada por grandes rios da bacia amazônica. O Pará fica no centro-leste da região Norte, entre os paralelos 2° N e 5° S e os meridianos 56° e 48° W; é cortado pela linha do Equador, em seu extremo norte. Segundo o IBGE (2007), o censo do estado do Pará registrou 5.510.849 habitantes, dos quais, mais de 50.000 habitam as 55 ilhas que constituem dois terços do território do estado. A capital Belém é composta por, aproximadamente, 1.408.847 habitantes. Desse total, 2.791.945 são homens e 2.718.904 mulheres. O estado do Amazonas localiza-se no centro da região Norte e é cortado pela linha do Equador. É o maior estado brasileiro, ocupa mais de 18% do território do país. Seu território está distribuído pelo planalto das Guianas, ao norte, e pelas encostas do planalto brasileiro, ao sul, conforme o IBGE (2007). Apresenta a segunda unidade federativa mais populosa desta região, apresentando 3,8 milhões de habitantes em 2014. Limita-se com o estado do Pará, ao leste; Mato Grosso, ao sudeste, Rondônia e Acre, ao sul e sudoeste, Roraima, ao norte, além da Venezuela, Colômbia e Peru, ao norte, noroeste e oeste, respectivamente. Levantamento dos dados O trabalho foi desenvolvido na região amazônica, por possui a maior biodiversidade do planeta e apresentar fortes indícios de comercialização de AS. Nessa região selecionaram-se os estados do Pará e Amazonas, em decorrência de serem os maiores e mais desenvolvidos economicamente da região. Para o levantamento dos dados foram solicitados os RAI, relativos aos período de 1999 a 2007, à superintendência do IBAMA dos estados do Pará e Amazonas. A partir dos RAI foi possível verificar quais os AS apreendidos pelo IBAMA. No que diz respeito aos AS apreendidos que constam no RAI, realizou-se uma análise superficial, visto que os AS identificados pelos responsáveis do IBAMA foram classificados em categorias taxonômicas elevadas, ou seja, não foram identificados quanto à espécie. Assim sendo, não foi possível identificar os AS registrados nos RAI do IBAMA para a categoria taxonômica espécie, tanto no estado do Pará como do Amazonas. Com isso, os dados foram tabulados de acordo com a frequência absoluta de citações por ano (1999 a 2007) e pela categoria taxonômica classe (peixes, répteis, aves e mamíferos) de AS apreendidos em cada uma das cidades dos estados, visto que os RAI são heterogêneos quando se trata de qualificação dos exemplares apreendidos pelo IBAMA. Resultados e discussão Na região norte, pelas dimensões territoriais muito extensas, a fiscalização é difícil. No Pará, conforme o IBGE (2010), com 143 municípios, em uma área de 1.247.689,515 km2, e no Amazonas, com 62 municípios em uma área de 1.570.745,680 km2 foram aplicados 111 RAI entre 661 Mendes, F. L. S., Simonian, L. T. L., Mendonça Y. S. M. Revista Brasileira de Geografia Física v.09, n.02 (2016) 658-666.. os anos de 1999 e 2007. O IBAMA visitou, no Pará, 72 municípios, 50,34% do total e, no Amazonas, 39 municípios, 62,10% do total, entre os anos de 1999 a 2007. Apesar da ampla atuação do IBAMA na região norte, não há sazonalidade definida nas apreensões, conforme os RAI de 1999-2007, ou seja, elas são esporádicas e, na maioria das vezes, acontecem impulsionadas por denúncias. Para as questões de apreensões, como se pode constatar na Figura 1, a maior frequência de citações no estado do Pará, feitas pelo IBAMA no período de 1999-2007, é de aves, seguida pela de répteis. Não parece haver sinais de queda nas apreensões de qualquer um dos grupos com o tempo; de fato, o número de citações tende a aumentar conforme os anos passam. Entretanto, a partir de 2006, observou-se uma queda nas citações para todos os grupos. Figura 1. Classes de AS presentes nos RAI do IBAMA no estado Pará, entre os anos de 1999 a 2007. Fonte: Arquivo do IBAMA-PA. 662 Mendes, F. L. S., Simonian, L. T. L., Mendonça Y. S. M. Revista Brasileira de Geografia Física v.09, n.02 (2016) 658-666.. Comprovação semelhante foi observada na extremidade sul do país, onde o escritório regional do IBAMA e da 2ª Companhia da Brigada de Santa Maria (RS), durante os anos de 2003, 2004 e 2005, contabilizaram excessivos números de AS apreendidos, conforme Zago (2008), ou seja, de 1.121 animais. Além disso, foram entregues 60 exemplares de AS de modo espontâneo. De um modo geral, no Rio Grande do Sul, Ferreira e Glock (2004) confirmam a presença de aves em poder da população, de forma ilegal, com preferência para os Passeriformes e Psitaciformes. As apreensões contabilizaram, entre os anos de 1998 e 2000, 3.797 espécimes de aves, distribuídos em 26 famílias, 66 gêneros e 93 espécies. Os AS apreendidos no Rio Grande do Sul, e nos demais estados brasileiros, não tiveram registradas as origens exatas, sabe-se, apenas, que são provenientes, principalmente, das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, segundo Jansen (2000). O destino desses animais é a venda em feiras-livres ou a exportação via portos e aeroportos internacionais. Além disso, Ferreira e Glock (2001) comentam que as apreensões no Rio Grande do Sul representam apenas uma parcela do total comercializado. No estado do Amazonas, os resultados relativos das apreensões de AS, a partir dos RAI do IBAMA, indicam duas evidências: primeira, o número absoluto de citações em todos os anos, em todos os grupos, é menor do que o observado no estado do Pará e, segunda, no Pará, é maior a frequência de citações de infrações envolvendo aves, e, no Amazonas, predominam os répteis, como AS apreendidos. De maneira interessante, a partir de 2003, observa-se um aumento na frequência de citações relativas aos mamíferos, que ultrapassam as citações de peixes em 2007, até então o segundo grupo mais citado. Contrariamente ao que se observou nas citações das RAI do estado do Pará, não há um decréscimo nas citações para o biênio 2006-2007, com exceção de peixes (Figura 2); para aves, répteis e mamíferos observamos um aumento nas citações durante essa transição. Figura 2. Classes de AS presentes nos RAI do IBAMA no estado Amazonas, entre os anos de 1999 a 2007. Fonte: Arquivo do IBAMA-AM. Thorbjarnarson (1999), entre os anos de 1950 e Le Duc (1996) acrescenta que a pele de 1965, o Brasil apresentou o maior efeito réptil está entre os produtos mais valorizados no devastador da população de jacarés na Amazônia, comércio de subprodutos de AS. As peles de mais precisamente no Amazonas, onde foram crocodilianos, cobras e lagartos são utilizadas em registrados cerca de 7,5 milhões de peles de larga escala no Brasil para a fabricação de artigos, jacarés comercializadas, a maioria de jacaré-açu com sapatos, bolsas e malas. Ballou (1988) (Caiman crocodilus). informa que os centros de couros exóticos Para Hoover (1999), répteis vivos também importam, anualmente, milhões de peles de cobras são muito procurados para criação como animais e lagartos, mas não criam os AS em cativeiro para de estimação. Nos últimos dez anos, o interesse uma escala comercial. mundial cresceu drasticamente para a demanda de Segundo Fitzgerald (1989) e répteis para pet shops, pesquisas educacionais e 663 Mendes, F. L. S., Simonian, L. T. L., Mendonça Y. S. M. Revista Brasileira de Geografia Física v.09, n.02 (2016) 658-666.. científicas, zoológicos e aquários. No Brasil, o crescimento se deve, principalmente, ao consumo, prática antiga na região norte do país. Os quelônios, conforme Cantarelli (1994), têm importância socioeconômica para as populações da região amazônica. Apesar da proteção legal, as tartarugas da Amazônia são iguarias culinárias, um prato tradicional na mesa da população em questão, afirma Fitzgerald (1989). Segundo Cavalcanti (1999), em agosto de 1999 foram apreendidos cerca de 38.000 tartarugas caçadas ilegalmente nos rios da Amazônia, contabilizando a maior apreensão de quelônios até aquela data. Esses animais seriam comercializados para o consumo em residências e em restaurantes da região. Os números apresentados são estimados, porque as apreensões anuais dependem da intensidade da fiscalização pelos órgãos competentes. Segundo Rocha (1995), falta sistematização, planejamento adequado e recursos suficientes para operações de fiscalização permanente. Autores como Soini (1972), Sick e Texeira (1979) e Redford (1992) afirmam que o número de AS retirado é muito maior do que o disponível no comércio, a maioria morre pelo estresse da captura e pelas condições precárias do transporte para a comercialização. Os autores estimam que, para cada produto animal comercializado, três espécimes morrem, e no comércio de animais vivos, o número é ainda maior. Conforme Toufexis (1993), todo animal capturado sofre maus tratos, com exceção daqueles classificados como raros e valiosos, como as aves. Segundo Santos (1992), 70% dos pintassilgos (Carduelis sp.) não resistem às gaiolas e morrem. Dados referentes à perda de AS no Brasil não são concretos. Consideram-se aqueles disponíveis na base de dados do IBAMA. Apesar da superficialidade da identificação nos RAI, temse uma noção dos AS mais “requisitados” pela população. Durante os anos de 1999 e 2000, o Instituto informa, em termos de classes, que as aves corresponderam a 82% das apreensões, seguidas por répteis (3%) e mamíferos (1%). Em decorrência desses fatores e dos dados isolados citados em diversos trabalhos no Brasil, a cada ano se extrai da natureza um número consideravelmente elevado de espécimes. Com isto, a retirada de AS de seu habitat é considerada uma atividade destrutiva, pois empobrece não somente a fauna brasileira, mas também a biodiversidade. Pelo exposto conclui-se que o IBAMA tem atuado nos estados do Pará e Amazonas, mas não de forma efetiva, uma vez que os RAI demonstram atuações esporádicas nesses estados. Além disso, mesmo os dois estados estando localizados na Amazônia, há, de certa forma, divergência quanto à apreensão de AS nos estados pesquisados, ou seja, no Pará, o IBAMA apreendeu mais aves e, no Amazonas, o IBAMA apreendeu mais répteis. Com isso, é necessário que o IBAMA atue com mais periodicidade nesses estados, e que além da fiscalização são necessários programas de Educação Ambiental que envolvam a temática AS, tendo como foco a importância da conservação da biodiversidade amazônica. Agradecimentos À Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia (FIDESA) e ao, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Referências Aveline, L.C., Costa, C.C.C, 1993. Recursos naturais e meio ambiente: uma visão do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE. Baía Júnior, P.C., 2006. Caracterização do uso comercial e de subsistência da fauna silvestre no município de Abaetetuba, PA. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal) – Instituto de Ciências Biológicas. 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