ASSESSORIA DE IMPRENSA DO GABINETE

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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS
Edição Nº 90
[ 24/5/2012 a 6/6/2012 ]
Sumário
CINEMA E TV...............................................................................................................3
O Estado de S. Paulo - Salles on the road......................................................................................3
Folha de S. Paulo – Pé no chão......................................................................................................3
Folha de S. Paulo – Há 50 anos, "Pagador" dava ao país única Palma até hoje............................5
Folha de S. Paulo – Rede BBC lança canal em HD para o Brasil...................................................5
O Estado de S. Paulo - Jorge Amado no mundo da fantasia..........................................................6
O Estado de S. Paulo - Vlado memória e liberdade........................................................................7
Revista Época - As mulheres de João.............................................................................................8
Folha de S Paulo - Para Ancine, nova lei criará mil horas anuais de conteúdo brasileiro.............16
TEATRO E DANÇA....................................................................................................17
Folha de S. Paulo – Montagens do Brasil dividem a crítica especializada em Londres................17
O Globo - Olhar maduro de uma jovem dramaturga.....................................................................17
O Globo - Irmãos Guimarães encenam os ‘ciscos’ de Manoel de Barros.....................................19
Correio Braziliense - Cidade da ópera ..........................................................................................20
O Globo - A alegre sabedoria popular de um clássico do teatro brasileiro....................................22
Folha de S. Paulo - Sucesso na França, "O Bom Canário" estreia em São Paulo........................23
Correio Braziliense - O são-joão das multidões ............................................................................24
ARTES PLÁSTICAS...................................................................................................26
O Estado de S. Paulo - Mostra em São Paulo reúne novas telas de Paulo Pasta........................26
Folha de S. Paulo – Pinacoteca não pode ser comparada a uma bienal de arte contemporânea 28
FOTOGRAFIA............................................................................................................28
Folha de S. Paulo – Sesc Pompeia contrasta obras de artistas e arquitetos em mostra..............28
O Estado de S. Paulo - Mostra reúne as glamourosas fotos de José Esteve e sua filha Aracy....29
Estado de Minas - De olho no mundo ..........................................................................................31
MÚSICA......................................................................................................................33
Correio Braziliense - João Nogueira multimídia ............................................................................33
Jornal de Brasília - Leveza e intimismo acústicos ........................................................................34
O Globo - Sabores de ‘Transa’......................................................................................................35
O Estado de S. Paulo - Homenagem sinfônica para Gil................................................................37
Correio Braziliense - A aventura do rei do Baião ..........................................................................38
Correio Braziliense - Música tátil ..................................................................................................39
Zero Hora - Reinvenção pelo samba / Entrevista / Adriana Calcanhoto........................................41
O Globo - Por que parou?.............................................................................................................42
LIVROS E LITERATURA...........................................................................................44
Correio Braziliense – Poesia / Manoelde Barros é premiado / Curtas...........................................44
Correio Braziliense - Verdades sobre um mito..............................................................................44
Zero Hora – Um desabafo sob a chuva.........................................................................................45
Folha de S. Paulo - Livro sobre reunião entre Vargas e Roosevelt vale pelo pitoresco................46
Correio Braziliense - Literatura brasiliense vai a Nova York..........................................................47
O Globo - Projeto Memória celebra Drummond ...........................................................................48
O Globo - Rocinha ganha uma biblioteca de 5 andares................................................................49
Folha de S. Paulo - Livro busca decifrar enigma João Gilberto.....................................................49
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CINEMA E TV
O ESTADO DE S. PAULO -
Salles on the road
Na disputa pela Palma de Ouro no Festival de Cannes, filme adaptado do romance de Kerouac
aborda a gênese da beat generation
LUIZ CARLOS MERTEN, ENVIADO ESPECIAL / CANNES - O Estado de S.Paulo
(24/5/2012) Da morte do pai à última fronteira da América, que os personagens de Walter Salles
tentam em vão desbravar, On the Road é sobretudo a dilacerante história de uma amizade rompida
(na realidade), mas que se eterniza na arte. Agora que o cabo das tormentas foi ultrapassado, podese respirar fundo e dizer - havia motivos de sobra para temer pela adaptação do livro mítico de Jack
Kerouac. O primeiro, ou principal motivo, é justamente porque se trata de uma obra mítica, cuja fama
sobrepuja suas qualidades literárias.
On the Road não é o livro mais bem escrito do mundo, embora sua escrita "musical" faça com que os
diálogos pareçam embalados em jazz, e isso é muito interessante. O livro também tem muitos
personagens, e essas figuras transfiguradas pela arte são reais e deram origem a um movimento que
marcou época e teve desdobramentos na história da cultura norte-americana. Sal, aliás, Jack
Kerouac, Dean/Neal Cassidy, Carlo/Allen Ginzburg viraram faróis da chamada beat generation, mas
em On the Road eles ainda são jovens num relato iniciático. Toda a grande história veio depois, como
o jovem Guevara que também se inicia na estrada em Diários de Motocicleta, pode estar gestando ali
o Che, mas ele só surgirá depois.
Em Diários, Walter Salles já abordara o mito antes mesmo de sua criação, e isso lhe deu as chaves
para fazer On the Road. Na coletiva após a exibição do filme para a imprensa, ontem pela manhã
aqui, no 65.º Festival de Cannes, o produtor Roman Coppola, filho de Francis Ford, lembrou a
complicada gestação do filme, incluindo os anos que Salles passou na estrada, buscando locações e
criando o documentário que, sem dúvida, o ajudou a sedimentar uma visão mais aprofundada do
projeto.
Está havendo aqui em Cannes um clima de já ganhou em torno ao novo Michael Haneke,
Amour/Amor. Pode ser que ele tenha respaldo no júri presidido por Nanni Moretti, mas, mesmo na
eventualidade de que isso venha a ocorrer, não significará, necessariamente, que Amor é o melhor
filme da competição. Poderá ser para esse júri, mas os melhores filmes, por enquanto, continuam a
ser o de Christian Mungiu, Beyond the Hills, um pouco menos o de Alain Resnais, Vous n'Avez pas
Rien Encore Vu, e um pouco mais, agora, o de Walter Salles.
FOLHA DE S. PAULO –
Pé no chão
'Na Estrada', de Walter Salles, estreia em Cannes com reações divergentes, da frieza ao entusiasmo;
atuação de Kristen Stewart é destaque
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Da esq. para a dir., atores Kirsten Dunst, Sam Riley e Kristen Stewart, diretor Walter Salles e ator
Garret Hedlund em Cannes (Genin-Guignebourg/DLM/Honopix/Frame)
RODRIGO SALEM, ENVIADO ESPECIAL A CANNES
(24/05/12) Walter Salles não esperava ser uma unanimidade quando apresentasse "Na Estrada", sua
adaptação de "Pé na Estrada", clássico "beat" de Jack Kerouac, na mostra competitiva de Cannes.
"O tema, por definição, é polêmico", disse o diretor.
Mas o que se viu na Croisette, na primeira exibição do filme para jornalistas, não foi polêmica nem
unanimidade.
Foi uma certa frieza.
O longa não foi vaiado, ao contrário do francês "Holy Motors", de Leos Carax, apresentado na noite
anterior, mas tampouco foi aplaudido com entusiasmo.
A reação se perpetuou nas críticas após a sessão, principalmente entre os britânicos.
Peter Bradshaw, crítico do "Guardian", deu duas estrelas e escreveu que o longa é "bonito, mas sem
foco". Robbie Collin, do "Telegraph", sugere que a obra de Kerouac continua inadaptável.
"Na Estrada" é tecnicamente bem realizado, de fotografia exuberante, e arranca interpretações
memoráveis de Sam Riley, Kristen Stewart e Viggo Mortensen.
Mas o texto encontra alguma resistência cultural, assim como o livro em 1957.
A crítica francesa Barbara Théate, do "Journal du Dimanche", classificou a adaptação como
"eletrizante". O "Le Figaro" estampa que Salles "conseguiu o impossível": "reinventar o road movie
nos EUA dos anos 1950".
O americano Kenneth Turan, do "Los Angeles Times", disse que o longa chega às telas "mantendo as
virtudes e o espírito do livro intactos". França e EUA em concordância já parece um feito.
Assim como é o "fim" da trajetória de "Na Estrada".
Francis Ford Coppola batalhava há 30 anos para levar a história dos amigos Sal Paradise e Dean
Moriarty -na verdade, Jack Kerouac e Neal Cassady- para o cinema.
"Vários diretores tentaram, mas ninguém conseguiu até Walter levantar a mão e dizer que gostaria de
fazer", disse seu filho, Roman Coppola, que também serviu de consultor para a equipe. "Ele nos deu
conselhos preciosos de quem conhecia muito bem a obra", afirmou Salles.
"Na Estrada" é centrado em Sam Riley. Seu Sal Paradiso chega a ser tão marcante quanto seu Ian
Curtis em "Control".
O trabalho deve muito à pré-produção: Kristen Stewart, 22, que faz a amante de Moriarty, ouviu fitas
reais de Marylou, enquanto Viggo Mortensen chegou às filmagens com um aparato. "Trouxe até livros
infantis de 1949 para a personagem de Amy Adams ler para os filhos. Os atores são coautores desse
filme", disse Salles.
Kristen Stewart, a grande surpresa do longa, faz o melhor papel de sua carreira.
Ela não pensou em seu status de ídolo teen de "Crepúsculo" e tirou a roupa e interpretou cenas
tórridas de sexo no longa.
"Foi bom ter ficado maior de idade antes de filmar. Gosto de ser pressionada e de ter experiências
genuínas na tela. Fui fundo [nas cenas de sexo]. Desde que sejam honestas, não há do que me
envergonhar."
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FOLHA DE S. PAULO –
Há 50 anos, "Pagador" dava ao país única Palma até hoje
(24/05/12) DE SÃO PAULO - Há exatos 50 anos, a Folha noticiava a vitória de "O Pagador de
Promessas" no 15º Festival de Cannes.
O filme de Anselmo Duarte foi a única produção brasileira a conquistar uma Palma de Ouro,
reconhecimento máximo do evento.
Em 1962, jurados como François Truffaut preferiram o drama de Zé do Burro (Leonardo Villar) -que
arrasta uma pesada cruz do interior da Bahia até Salvador, em nome da saúde de seu asno- a filmes
hoje clássicos, como "Cléo de 5 a 7", de Agnés Varda, "O Anjo Exterminador", de Luis Buñuel, "O
Eclipse", de Michelangelo Antonioni, e "O Processo de Joana D'Arc", de Robert Bresson.
No ano seguinte, o longa foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Perdeu para "Sempre aos
Domingos", do francês Serge Bourguignon.
FOLHA DE S. PAULO –
Rede BBC lança canal em HD para o Brasil
Com séries como 'Sherlock' e programas de viagens, a emissora faz maior investimento do ano fora
do Reino Unido
Projeto inclui produção e futura exportação de conteúdo brasileiro para se enquadrar na nova lei da
TV paga
ELISANGELA ROXO e LÚCIA VALENTIM RODRIGUES, DE SÃO PAULO
(24/05/12) A BBC lança, na próxima segunda-feira, o primeiro canal em alta definição da emissora
britânica no Brasil.
Por enquanto, o BBC HD está incluído somente no pacote Top HD da Net (ao custo de cerca de R$
140 por mês) e vai legendar a maioria dos programas. Até o final do ano, quer fazer parte da grade de
outras operadoras.
A série "Sherlock", que traz o detetive mais famoso das histórias de Arthur Conan Doyle para os dias
atuais, vai ter a segunda temporada exibida aqui a partir de junho.
É curioso que a BBC tenha pulado a primeira temporada, apesar de os episódios serem
independentes.
"Quisemos trazer o que temos de mais novo entre nossas produções", explica Viviana Rubinstein,
diretora de comunicação do braço da BBC que cuida dos canais na América Latina. "Top Gear"
também estreia já no 18º ano.
A programação estará dividida por temas em cada dia da semana (veja ao lado).
Também haverá shows, programas de aventura em parceria com o guia de viagens Lonely Planet e
coberturas de eventos como o jubileu de 60 anos da rainha Elizabeth 2ª no trono britânico e
festividades da Olimpíada de Londres.
Pensando na nova lei de TV paga, ainda em regulamentação, o canal vai abrir um escritório no Brasil.
A ideia é analisar projetos de conteúdo nacional que se adaptem à linha editorial da BBC.
"Vai ser o primeiro lugar da América Latina onde vamos tentar produzir", diz Rubinstein, apesar de a
BBC já ter aberto canais na Argentina, no Chile e em outros países do continente americano. Depois,
essa programação feita no Brasil deverá ser exportada para outras praças.
A BBC hoje já está presente no país com programas jornalísticos em inglês. A proposta do BBC HD é
expandir isso para a área de entretenimento, agora em português, e trazer de volta produtos que
estão no ar em outros canais.
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Por exemplo, "Planeta Gelado" é exibido pelo Discovery Channel. "Terra" já foi apresentado dentro do
"Fantástico", da Globo. "Nosso setor de vendas vai continuar negociando conteúdo. Mas nossos
maiores sucessos devem voltar ao novo canal."
Sem divulgar valores, a emissora afirma que a estreia no Brasil é o maior investimento da rede fora
do Reino Unido neste ano.
Foi pensada exclusivamente em canais de alta definição, que têm melhor qualidade de som e
imagem, porque "70% do que a BBC produz já é nesse formato".
Isso também acabou determinando que, ao menos nos primeiros meses, o canal não terá
propaganda paga, fora os comerciais institucionais da marca. Acontece que a publicidade no Brasil
ainda engatinha na produção em HD.
O ESTADO DE S. PAULO -
Jorge Amado no mundo da fantasia
Marcos Jorge comanda set de filme inspirado em Os Velhos Marinheiros
ROBERTA PENNAFORT / RIO
(27/05/2012) Dona Flor, Gabriela, Tieta, Teresa Batista. As personagens femininas de Jorge Amado
se sobressaem em suas adaptações para a TV e o cinema, mas as masculinas também rendem, vide
o recente Quincas Berro D'Água "vivido" por Paulo José no filme de Sérgio Machado. Agora, As
Fantásticas Aventuras de um Capitão, versão de Marcos Jorge para o pouco conhecido romance Os
Velhos Marinheiros ou o Capitão-de-Longo-Curso, apresenta os inacreditáveis Vasco Moscoso de
Aragão e Chico Pacheco, dois homens que disputam a predileção do povo da miúda e monótona
cidade de Periperi.
O primeiro papel foi entregue ao ator português radicado em Hollywood Joaquim de Almeida, e o
segundo a José Wilker, em seu terceiro Jorge Amado. Vasco é um navegante que desembarca em
Periperi vindo de mares distantes, cheio de histórias fantásticas. Charmoso, fascina os moradores
com relatos de tempestades, naufrágios, icebergs, tubarões, jogatinas e mulheres que deixou pelo
caminho.
Chico, um aposentado, fica enciumado, porque antes de sua chegada era ele o maior contador de
causos do pedaço, quem inventava um mundo para entreter seus interlocutores. Ele passa a
questioná-lo. Acusa-o de ser uma fraude e investiga seu passado. "Tanto um quanto o outro são
donos de algumas verdades que se aproximam da verdade verdadeira. Jorge deve ter se inspirado
em causos de pescadores", diz Wilker.
O cenário é uma cidade litorânea no início do século 20. E, com os efeitos especiais, a cargo do
espanhol Juan Tomicic, ganhador de oito prêmios Goya, o Oscar espanhol, o público acompanha,
através da narrativa de Vasco, alguns de seus episódios mais incríveis.
O Estado acompanhou uma tarde de gravação, no colégio Sagrado Coração de Maria, locação do
Alto da Boa Vista que se tornou rotineira no cinema brasileiro, por oferecer diversidade de ambientes.
No fundo do bar de Periperi, abre-se a sala de comando do barco de Vasco. Nas paredes de madeira,
graças à futura inserção de chroma key, será possível ver um iceberg se aproximando - e blocos de
gelo entrando pela janela. Em outras cenas, o barco enfrenta ondas gigantes. A intenção é que a
fantasia invada mesmo o cotidiano dos periperenses.
A produção é da Total Filmes, com parceria portuguesa. O orçamento está em R$ 8 milhões, quase
oito vezes maior que o de Estômago, o primeiro - e superpremiado - longa de Marcos Jorge,
distribuído desde 2007 por 23 países. O diretor curitibano não desconhece que a expectativa é
enorme. "Quando a pessoa faz um filme bom, acontece isso. Mas para mim é sempre começar do
zero, não é algo que me preocupe muito."
A história de Jorge Amado se passa no litoral da Bahia, mas a de Marcos Jorge não se localiza Periperi está no litoral brasileiro, mas não há sotaques (nem baiano, tampouco o lusitano de Joaquim,
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que foi amenizado com a ajuda de uma fonoaudióloga). Isso porque o diretor acredita que a história é
universal: poderia se passar em qualquer porto.
A produtora Walkíria Barbosa, da Total, que negociou o filme por dez anos com a Warner, detentora
dos direitos de adaptação, nem sabia, mas ele é grande fã do autor. Leu tudo entre os dez e onze
anos, numa biblioteca pública, inclusive Os Velhos Marinheiros. O livro foi publicado pela primeira vez
em 1961, num volume que incluía A Morte e A Morte de Quincas Berro D'Água.
"Muita gente leu e não lembra, e muita gente não leu", acredita Jorge. "É uma obra-prima, um dos
romances mais lindos dele, que fala sobre a criação artística. Curiosamente, nunca se fez nada, só
conheço uma adaptação teatral, do Ulysses Cruz, que milagrosamente eu vi. Isso é bom, porque
guarda uma surpresa."
As filmagens começaram em abril e, passaram pelo Arsenal de Marinha do Rio, o barco milionário de
Eike Batista, a praia de Grumari, a Joatinga e o Centro Cultural Banco do Brasil. O elenco tem
Patricia Pillar, Claudia Raia e Milton Gonçalves, entre outros. A estreia está prevista para o fim do
ano.
Joaquim, que foi o Sherlock Holmes de O Xangô de Baker Street, e participou de séries de TV e
filmes pelo mundo, aceitou o convite assim que leu o roteiro, entregue por Jorge no Festival de
Cinema do Rio de 2010. "É um personagem muito rico. Ele nunca foi capitão de nada, e se manda
para Periperi para viver na fantasia. Como ele fala! São páginas e páginas de monólogo. Eu fiz cem
filmes, e nunca vi um roteiro em que eu falasse tanto."
O ESTADO DE S. PAULO -
Vlado memória e liberdade
Filmes e exposição homenageiam o jornalista morto pela ditadura militar
JOÃO LUIZ SAMPAIO - Uma exposição de cartazes sobre a anistia, ciclos de exibição de filmes,
cursos e um concerto vão homenagear, até o fim de julho, o jornalista Vladimir Herzog, morto pela
ditadura militar, no ano de seu 75.º aniversário.
A programação começou na noite de ontem, com a exibição, na Cinemateca Brasileira, do único
documentário de Herzog, Marimbás, feito em 1963 e que tem como tema formas primitivas de pesca
na Praia de Copacabana; e de Tire Dié, de 1960, em que o argentino Fernando Birri retrata o
cotidiano de meninos pobres que sobrevivem, no interior da Argentina, pedindo esmolas a
passageiros de trem.
O programa duplo da noite de abertura dá o tom dos objetivos da homenagem que, segundo Ivo
Herzog, filho de Vlado e diretor do instituto que leva seu nome, não quer apenas celebrar a memória
do jornalista mas, também, discutir a importância da memória para um povo, "tema muito atual e
necessário neste momento em que se instaura a Comissão da Verdade no Brasil". Na Cinemateca,
será realizada até o dia 8 de julho uma mostra com cartazes que fazem referência à anistia.
A programação da mostra cinematográfica Memória e Transformação começa oficialmente no dia 19
de junho, na Cinemateca, e passa a ocupar também o Cinesesc a partir do dia 29. A intenção é
resgatar documentários políticos feitos na América Latina nas últimas décadas. Ao todo, serão 49
filmes, feitos desde os anos 50 até os dias de hoje.
De João Batista de Andrade, será exibido Vlado, 30 Anos Depois, em que o cineasta narra a história
do jornalista a partir de depoimentos de outros amigos e colegas - entre eles Fernando Morais e
Paulo Markun, além do cardeal dom Paulo Evaristo Arns e do rabino Henry Sobel, promotores do
culto ecumênico em memória de Herzog que, dias depois de sua morte, reuniu milhares de pessoas
na Catedral da Sé, em silencioso desafio ao regime militar.
Utopia e Barbárie, de Silvio Tendler, que ao longo de 20 anos coletou depoimentos em todo o mundo
para relembrar momentos de idealismo do século 20, também está na programação, assim como
Hércules 56, de Silvio Da-Rin - o título se refere ao nome do avião que levou para o exílio os presos
políticos trocados pela vida do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, sequestrado em
1969 no Rio por organizações da esquerda armada. Por sua vez, Diário de Uma Busca, da brasileira
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Flávia Castro, é uma tentativa da cineasta de decifrar o mistério da morte do pai, ex-exilado político
que tombou numa tentativa de assalto em Porto Alegre. Da Guatemala, vem A Ilha - Arquivos de Uma
Tragédia, em que Uli Seltzer acompanha a descoberta, em 2005, de um arquivo da Polícia Nacional
do país.
O chileno Patricio Guzman, além de apresentar seu Nostalgia da Luz, que relaciona a astronomia
com os crimes da ditadura de Augusto Pinochet, vai ministrar um curso gratuito para estudantes de
cinema (inscrições pelo site vladimirherzog.org/mostra). Guzman é autor de um documentário
fundamental para a compreensão da história do continente, Batalha do Chile, cinco horas dedicadas à
ascensão e queda de Salvador Allende, presidente da Unidade Popular, deposto e assassinado dia
11 de setembro de 1973 e substituído pela ditadura de Pinochet.
A programação da homenagem a Herzog inclui ainda a apresentação, nos dias 29 e 30 de junho e 1.º
de julho da cantata O Diário de Anne Frank, de Leopoldo Gamberini, que vai reunir 180 artistas, como
os músicos da Sinfônica de Campinas, o maestro Martinho Lutero, a atriz Clarisse Abujamra e a
soprano Olga Sober no palco do Auditória Ibirapuera, com entrada franca.
REVISTA ÉPOCA - As
mulheres de João
Com uma trama recheada de mulheres fortes, impositivas e de caráter dúbio, Avenida Brasil faz
sucesso. E seu autor, João Emanuel Carneiro, se confirma como o grande criador de tipos femininos
da teledramaturgia brasileira
BRUNO ASTUTO
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POR TRÁS DE GRANDES MULHERES...
...existe um ótimo autor: João Emanuel Carneiro – cercado por Ísis Valverde, Adriana Esteves e
Débora Falabella (Foto: Foto: Tomás Rangel/ÉPOCA, Styling: Anderson Vescah e Athria Gomes,
Produção: Ale Martins, Agradecimentos: Casa Alberto Gentleman, Martu, Barbara Bella, Dassa
Danna Jóias, Sara Jóias e Schutz)
Para fugir com um amante levando a herança do marido morto, Carminha jogou a enteada no lixo.
Movida, anos mais tarde, por uma obsessão de vingança, Nina, a enteada, é capaz de mentir, roubar
e manipular os homens. Uma ciência, aliás, em que Suelen é especialista, com sua compulsão por ter
os machos da espécie – ou melhor, do subúrbio carioca de Divino – a seus pés. Independente ao
extremo, Monalisa só aceitou um pedido de casamento no momento em que o noivo, Silas, inventou
uma doença fatal. Tessália foi mais facinha com Leleco, mas, depois de topar viver com ele,
transformou a vida do marido num inferno de ciúmes infundados – ou não. Nina, Carminha, Suelen,
Tessália, Monalisa. Em Avenida Brasil, a novela das 9 da Globo, nenhuma personagem feminina
segue o figurino tradicional do folhetim. Elas são fortes, impositivas, frequentemente más – e, um
pouco por uma dessas razões, fascinantes. Elas são as responsáveis pelo sucesso de uma trama
que, com audiência média entre 39 e 41 pontos no Ibope, está entre as mais vistas do horário nos
últimos anos. No último dia 15, Avenida Brasil bateu seu recorde nacional, 43 pontos, com 69% dos
9
aparelhos de TV ligados. Não raro, a novela, que mesmeriza brasileiros de todas as classes sociais,
figura na lista mundial dos dez tópicos mais comentados do Twitter. O sucesso se deve ao charme de
todas essas mulheres – e também, claro, a um homem: o autor, João Emanuel Carneiro, de 42 anos.
A novela o confirma como o principal criador de tipos femininos da teledramaturgia brasileira atual.
(Foto: Tomás Rangel/ÉPOCA)
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(Foto: Tomás Rangel/ÉPOCA)
“Não pretendo fazer só histórias de mulheres, no futuro, mas acho a mulher fascinante porque ela é
muito mais exposta que o homem”, diz João Emanuel em entrevista exclusiva a ÉPOCA. “Mesmo na
rua; mulher na rua é muito mais visível que o homem. A maneira como ela se veste, como ela
exterioriza sua sexualidade, mais generosa em sentimentos, tanto os bons como os ruins.” As
mulheres de João Emanuel são tão boas de briga que se aproximam mais dos arquétipos masculinos
dos folhetins que os próprios homens da trama, um respeitável time de bananas. Tufão (Murilo
Benício), o milionário ex-jogador marido de Carminha, abriga sob o teto de sua mansão castelo o
amante da mulher, sustenta toda a família e é doce e compreensivo com os filhos e os amigos; ele é
filho de Leleco (Marcos Caruso), que se morde de ciúmes da mulher bem mais nova, Tessália
(Débora Nascimento). E, aos candidatos a namorá-la, ou seja, quase todo o jovem elenco de
jogadores do time de futebol local, Suelen avisa, sem rodeios: “Só transo com você se fizer gol; saio
de mãos dadas se você virar um campeão e ganhar dinheiro”. As mulheres de João não empolgariam
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o país se não fossem vividas por atrizes competentes e extremamente dedicadas a personagens
mais difíceis que a média dos folhetins televisivos. “Adriana Esteves, Débora Falabella e Ísis Valverde
abriram mão de qualquer pudor para dar vida a essas personagens tão dúbias em relação à ética, por
isso deu tão certo”, diz Ricardo Waddington, diretor da novela. As três interpretam Carminha, Nina e
Suelen.
(Foto: Fernando Torquatto/Ed. Globo )
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(Foto: Daryan Dornelles/Ed. Globo)
As atrizes têm enfrentado uma maratona para dar conta do trabalho. “Só não gravei em dois sábados,
mas faz parte. Protagonista tem mesmo esse ritmo intenso”, afirma Débora. Ela leva a filha, Nina, de
3 anos – homônima, portanto, da personagem –, para o Projac nos finais de semana. O convite para
viver sua primeira protagonista de novela das 9 partiu de João Emanuel dois anos atrás, tempo
suficiente para que ela fizesse um curso de culinária – a personagem é chef –, tirasse carteira de
motociclista e mergulhasse fundo no universo da vingança com a ajuda de uma psicóloga. Quando
dispensou o homem de sua vida para se aprofundar no objetivo, a heroína angariou nas redes sociais
uma saraivada de críticas de espectadores indignados. “Vinha gente na rua me perguntar como eu
pude fazer isso”, diz Débora. “Mas basta eu colocar uma cena de flashback da personagem criança
sofrendo o pão que o diabo amassou na mão da madrasta para as pessoas voltarem a torcer por ela”,
afirma João Emanuel.
De drible em drible, Suelen balançou as redes em quase todas as camas do bairro, a bordo de seus
microvestidos facilmente desnudáveis por um zíper único do peito até a barra. “Ela não quer casar,
quer sexo. É uma messalina errática e não ganha nada com isso. Suelen é totalmente contra a
cartilha das novelas. As pessoas podem se chocar porque ela é sexualmente livre”, diz João
Emanuel. Para dar vida à personagem, Ísis fez laboratório com piriguetes da vida real e,
recentemente, com prostitutas das calçadas e boates de Copacabana. “Elas separam o corpo da
alma. Uma delas me disse: ‘Depois do sexo, bola pra frente, meu amor. Eu visto minha armadura e
sigo adiante’. Por ter um passado triste, Suelen criou uma armadura; daí essa atitude masculina de
pegar geral para não parecer frágil. Não acho que ela seja um mulherão, porque ela não se ama”,
afirma. Ísis tem frequentado um curso de filosofia quando a nada cartesiana Suelen lhe dá tempo
livre. Para as muitas cenas de calcinha e sutiã, trocou o balé clássico pela malhação pesada. “Ficar
de lingerie na frente de milhões de pessoas é uma exposição do meu íntimo, mas, como atriz, tenho
de crescer e evoluir. A primeira cena assim foi com o Otávio Augusto. O Ricardo Waddington tirou
todo mundo do estúdio e virou as câmeras para que eu me sentisse mais à vontade. Hoje chego ao
camarim, digo bom dia e já vou tirando a roupa. No fundo, amadureci muito como atriz em relação ao
meu corpo. O ator tem de doar seu corpo para as personagens”, diz Ísis.
A mensagem
Para o presente
Um bom texto é fundamental para que boas atrizes brilhem
Para o futuro
Avenida Brasil será lembrada como uma crônica aguda do Brasil emergente do início do século XXI
Antes de interpretar a vilã Carminha, Adriana Esteves estudou o ambiente dos lixões, da prostituição
infantil e se inscreveu numa academia de jiu-jítsu. “Eu precisava ter um domínio da minha
agressividade e estar preparada para lutar”, afirma. Adriana não se espanta com a simpatia que sua
vilã tem angariado no público. “Na primeira fase, ela era muito mais agressiva e tinha aquela história
de jogar a enteada no lixo. Agora que está mais rica e com o estômago mais cheio, Carminha ganhou
uma injeção de humor e conseguiu sorrir mais com a vida. E tem também o lado politicamente
incorreto, de dizer o que passa na cabeça dela, reclamar do cheiro de pobre. As pessoas tomam
susto de ver tanta liberdade. E, apesar dos absurdos que ela diz, a acabam achando legal. Outro dia,
um técnico me disse: ‘Carminha não está certa, mas é maneira’”, diz Adriana. “A Carminha dá vazão
ao que muita gente às vezes pensa mas não tem coragem de dizer”, afirma João Emanuel. “A gente
vive no apogeu da caretice. É um mundo censurado, cerceado e todo mundo tem de ser politicamente
incorreto. Antes as pessoas diziam na cara o que pensavam. É o fascínio que a bruxa exerce.” Sobre
ter criado uma galeria de vilãs loiras – das quais a mais famosa é Flora, interpretada por Patrícia
Pillar em A favorita –, ele diz: “É coincidência. Não tenho fetiche por loiras. Não sou Hitchcock”.
O sucesso é atribuído também ao grupo de personagens do subúrbio que domina a trama, a família
do ex-jogador Tufão, que reproduz os hábitos da tão cobiçada nova classe C, responsável por 52%
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da audiência dos canais abertos em 2011, segundo pesquisa do Ibope. À mesa, os personagens
falam alto, desafiam regras de etiqueta e se espantam com os pratos servidos pela sofisticada
cozinheira. A matriarca, Muricy (Eliane Giardini), reclamou de tomar sopa fria ao deparar com uma
vichyssoise e mandou devolver a iguaria à cozinha. Se, antes, os emergentes tinham de se espelhar
em modelos impossíveis dos clãs esnobes e milionários das novelas, em Avenida Brasil ser rico é um
estado mais possível, palpável. “São novos-ricos com autenticidade”, diz Adriana Esteves. “Quando
confrontada por ter molhado o pão no café, Carminha responde: ‘Molho porque eu gosto e pronto’.”
Mas a novela também caiu no gosto da classe A, afastada da TV aberta desde o advento dos canais
a cabo. “Essa classe ascendente pode estar bem representada nos personagens da novela, mas não
é por isso que o público está acompanhando, senão o Cinema Novo teria sido extremamente popular
porque retratava o povo. A linguagem da trama é que se comunica com todos os cômodos da casa”,
afirma Waddington. Para João Emanuel, trata-se de um fenômeno típico dos dias atuais: “Isso é típico
da era Lula. Nos anos 1970 e 1980, gente queria ver a ilha do Miguel Fragonard e a Tônia Carrero
reproduzindo uma socialite em Água viva. Hoje ninguém mais tem interesse pela vida dessas
pessoas. É uma característica do novo século. As pessoas querem se projetar numa coisa mais
possível. É mais fácil você ganhar dinheiro e ficar como o Tufão, mantendo sua identidade”.
Morador de Ipanema, João Emanuel teve de deixar seu apartamento desde que começou a escrever
a novela, por causa do barulho de uma obra do vizinho. Mudou-se para Copacabana e está pensando
em dar um caráter definitivo à decisão. “Em Ipanema tem o burguês e o favelado. Copacabana virou
uma zona morena, todo mundo não é pobre nem rico, acho mais interessante, bem Avenida Brasil.”
Ao contrário da família Tufão, ele acorda às 11 da manhã para nadar na piscina do estrelado Hotel
Copacabana Palace, antes de iniciar a rotina de nove horas diante do computador, sem internet, TV
ou empregados ao redor. Assiste à novela acompanhando a máquina de audiência. “É uma
experiência terrível, aflitiva, porque desce e sobe. No primeiro caso, parece que você é rejeitado pela
população; quando sobe, você se sente eufórico. É um oráculo”, diz ele. Não foi da infância errática
entre Portugal, França, Rio e Petrópolis, ao lado da mãe – a antropóloga, poetisa e crítica de arte
Lélia Coelho Frota, morta há dois anos – ou da adolescência passada no Leblon, na Zona Sul do Rio,
que ele fabricou seu microssubúrbio. “Você escreve a partir do que leu e viveu. Nesse caso, aprendi a
escrever a partir dos diálogos do Nelson Rodrigues e das novelas do Gilberto Braga. Foram duas
escolas para mim. O Gilberto trouxe o diálogo verdadeiro e realista para a televisão.”
João Emanuel está construindo uma casa na região serrana do Rio, onde pretende descansar
quando a novela terminar, em outubro. Também não vê a hora de sair para dançar, um de seus
programas preferidos. Autor de grandes sucessos das 7 e das 9, ele ainda se surpreende quando é
chamado de novato ou revelação. “É bom ser criança. Em qualquer outro lugar, seria considerado
velho. Acredita que me perguntam se eu sou o filho do João Emanuel Carneiro?” Filho do cinema –
aos 22 anos, foi premiado como roteirista do curta-metragem Zero a zero e depois colaborou nos
roteiros de Central do Brasil e Deus é brasileiro –, João Emanuel diz que, se tivesse de experimentar
uma vingança como a heroína de sua novela, seria a resposta aos colegas cineastas que lhe
perguntavam como ele poderia deixar o cinema para “se vender numa novela”. “Consegui fazer uma
novela de que gosto e em que acredito, que não é um subproduto. Tendo vindo do cinema, é uma
vingancinha, não acha?”
A comparação com o cinema não deixa de ser pertinente. Avenida Brasil tem roteiro de seriado e
estética de filme. É a primeira novela das 9 que trabalha integralmente com lentes fixas na câmera
HD S-35 cinealta da Sony, que permitem desfoques no primeiro e no segundo planos, dando à
direção a possibilidade de destacar os personagens que deseja. “Obtemos muito mais precisão ao
contar uma história com fotografia trabalhada. Em 30 anos de emissora, posso dizer que essa é
daquelas novelas que criam um momento na TV, que inauguram uma nova maneira de entregar o
produto”, afirma Waddington. No início, parte do elenco reclamava da demora em concluir as cenas
em função do novo equipamento, sobretudo nas externas. “Não acho que isso tenha causado
impacto”, diz Waddington. “O tempo que se demora para fazer uma boa cena é o mesmo que se
demora para uma cena horrorosa. E hoje essa nova etapa do processo já está incorporada à rotina.”
Nos corredores da Globo, João Emanuel ganhou o apelido de Capitão Gancho, pelo suspense que
imprime ao final, não apenas de cada capítulo, mas de cada bloco, atiçando a curiosidade do público
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para as cenas seguintes – criando o que o jargão televisivo chama de “gancho”. Com elenco enxuto
de 32 atores e entrando no terceiro mês, a trama não dá espaço para a “barriga”, a tradicional
enrolação em que a narrativa às vezes se perde. Ao contrário: os conflitos se sucedem num ritmo
alucinante. “Muitas pessoas se dizem aflitas com a rapidez da novela; e eu gosto disso. Meu fetiche é
criar uma história que gere mesmo essa tensão permanente”, diz ele. Para além do fascínio das
protagonistas femininas, do apelo popular de seus personagens e da linguagem cinematográfica, é a
excelente carpintaria do autor que mantém os 40 milhões de espectadores de Avenida Brasil
com os olhos grudados na tela.
FOLHA
S PAULO - Para Ancine, nova lei criará mil horas anuais de conteúdo
brasileiro
DE
Reprises poderão ser contabilizadas na cota de produtos nacionais estabelecida pela regra
Manoel Rangel, diretor-presidente da agência, diz que legislação criará "demanda real" para
produtoras independentes
Alberto Pereira Jr.
(05/06/2012) Após meses de consulta pública, a Ancine (Agência Nacional de Cinema) publicou
ontem, no Diário Oficial da União, as instruções normativas 100 e 101 que regulamentam a lei
12.485/2011, sobre a TV paga.
Entre as especificações do projeto está a inclusão de reality shows e de programas de variedades
criados no Brasil na contabilização da cota de produção nacional que as emissoras deverão atender a
partir de 1º de setembro.
A lei -que tramitou no Congresso durante cinco anos e foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff
no ano passado- determina que as TVs por assinatura reservem espaço para o conteúdo nacional em
sua programação do horário nobre. Metade desta produção deverá ser realizada por meio de
parceiros independentes.
Ontem, na abertura do Fórum Brasil de Televisão, Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, disse
que a legislação fomentará o mercado audiovisual do país, criando "demanda real para a produção
independente".
Segundo ele, em setembro de 2013, quando a lei estiver plenamente em vigor, estima-se que haverá
a criação de mil horas anuais de conteúdo nacional e independente.
Até lá, porém, as programadoras terão tempo para se adequar às mudanças.
A partir de 12 de setembro deste ano, a lei já obrigará os canais pagos a dispor em seu horário nobre
de cerca de duas horas semanais de programação nacional. Isso é 2/3 do total requerido, de 3h30
semanais, requeridos apenas a partir do ano que vem.
Para os canais destinados ao público infantil e adolescente, o horário nobre passa a ser definido em
duas faixas: das 11h às 14h e das 17h às 21h. Para as demais emissoras, o horário nobre ganhou
uma hora: das 18h à 0h.
Após a consulta pública, realizada de janeiro a março, as reprises foram liberadas e aceitas na
contagem da cota.
Por enquanto, a Ancine não vai regular as reexibições de uma mesma obra. Mas, se a agência
detectar abuso, serão criadas regras específicas para essa demanda.
"BIG BROTHER"
A rejeição inicial da contagem de realities e programas de variedades na cota nacional criou polêmica
entre programadoras.
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Com a nova regra, atrações derivadas de formatos estrangeiros, como o "Big Brother Brasil" (Globo),
também exibido pelo Multishow (Globosat), estão impedidas de serem contabilizadas na cota.
Procuradas pela Folha, Globo e Globosat não se manifestaram. Segundo Daniela Busoli, diretorageral da Endemol Brasil, que cria e vende formatos no país, a barreira aos estrangeiros atrapalha os
negócios, mas obriga as produtoras e as TVs brasileiras a criarem projetos originais.
TEATRO E DANÇA
FOLHA
DE
S. PAULO
– Montagens do Brasil dividem a crítica especializada em
Londres
Bufo Mecânica e Grupo Galpão mostraram versões de Shakespeare
RODRIGO RUSSO, DE LONDRES
(24/05/12) Dois festivais dedicados à obra de Shakespeare, promovidos no Reino Unido como parte
da Olimpíada Cultural, contaram no fim de semana passado com apresentações em português de
grupos brasileiros de teatro.
A companhia Bufo Mecânica, do Rio, apresentou "Duas Rosas para Ricardo 3º", sua versão de
"Ricardo 3º", no Roundhouse, dentro do World Shakespeare Festival.
Já o mineiro Galpão mostrou sua célebre montagem de "Romeu e Julieta" à beira do rio Tâmisa, no
projeto "Globe to Globe", sediado no Shakespeare's Globe -onde o grupo havia apresentado a
mesma peça no ano 2000.
Apesar dos 12 anos de intervalo, as críticas que o jornal "Guardian" dedicou às montagens foram
similares. Os dois críticos lamentaram que a versão do Galpão deixe pouco espaço para a carga
dramática. "O riso nunca admite a possibilidade de lágrimas", escreveu Maddy Costa, que deu três
estrelas (de um máximo possível de cinco) para a encenação de agora.
A plateia do Globe na última das três apresentações do Galpão, no domingo, era composta por
muitos brasileiros, e o português era mais ouvido do que o inglês nos arredores do teatro.
A outra peça nacional, "Duas Rosas para Ricardo 3º", tinha público mais diversificado, e começou a
ser concebida em 2010, contaram os diretores Fábio Ferreira e Claudio Baltar à Folha.
Ferreira e Baltar queriam mostrar o quanto cada um de nós tem de maldade; para isso, puseram até
cinco atores interpretando simultaneamente o personagem-título.
A recepção da crítica britânica foi dividida. O "The Times" avaliou a peça, que emprega fartos
recursos multimídia, com quatro estrelas (sendo cinco o topo), e descreveu-a como "longa, estranha e
inesquecível".
O crítico do "The Telegraph", porém, deu duas estrelas (num máximo de cinco) e indagou se a sopa
que tomou antes do espetáculo continha drogas alucinógenas, única justificativa para as visões da
"bizarra encenação".
No intervalo entre os dois atos, no sábado, uma parte da plateia saiu. Entre os fujões estava um
senhor com um dicionário de português que havia perguntado à reportagem,no início da peça, se
aprenderia muitas palavras. Só se sabe que a lição dele ficou pela metade.
O GLOBO -
Olhar maduro de uma jovem dramaturga
‘Sem pensar’, escrita quando a inglesa Anya Reiss tinha 17 anos, retrata de forma cômica um drama
familiar
Mauro Ventura
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AN Y A REI S S , hoje ao s 20 ano s, no Rio, onde as si s t e, à noite, à estreia de sua peç a no Se s c
Giná sti c o
(24/5/2012) Anya Reiss tinha 14 anos quando sua mãe decidiu matriculá-la num curso de escrita. —
Os pais enviam os filhos para cursos. De outra forma, o que você vai fazer durante todo o dia? Vai
ficar vendo TV desde a hora em que acorda. Durava apenas uma semana, mas foi o suficiente para
ela escrever sua primeira peça. — Não era muito boa. Era sobre um homem que perde sua família e
seu emprego num dia. Mostrava o quão frágil as coisas são na vida, já que ele começa o dia bem e
no fim perdeu tudo.
‘Peça supercinematográfica’
Apesar das ressalvas, esse texto inicial teve uma vantagem. — Os pais de “Sem pensar” vieram
originalmente dele. E era sobre família também. É a única coisa que sobreviveu.
“Sem pensar” foi a primeira peça profissional de Anya, escrita aos 17 anos — hoje ela tem 20. O
texto, de uma maturidade surpreendente, lotou teatros e recebeu várias críticas positivas. E fez dela
um sucesso instantâneo. Anya tornou-se a mais jovem autora a ter uma peça encenada em Londres
e ganhou prêmios como a mais promissora dramaturga inglesa.
Entre os espectadores estavam o casal Luiz Villaça, cineasta, e Denise Fraga, atriz. Ao fim da
sessão, eles já haviam decidido comprar os direitos. A montagem, que marca a primeira direção
teatral de Villaça, estreia hoje, às 19h, no Sesc Ginástico.
— A peça é supercinematográfica, ágil, atual. E você não sabe se chora ou se ri — diz ele.
— Ela escreve de forma cômica um drama familiar — endossa Denise. — Todo mundo se identifica.
Você escuta a plateia: “Nossa, é assim mesmo”, “Olha você, mamãe”.
Na trama, Vicky (Denise) e Nick (Kiko Marques) são pais de Delilah (Julia Novaes), prestes a
completar 13 anos. Ela está apaixonada por Daniel (Kauê Telloli), de 21 anos, que aluga um quarto
na casa. Até que chega Carol (Virgínia Buckowski), namorada do rapaz. Os pais não percebem os
conflitos que tomam conta da filha e de Daniel.
— O grande tema da peça é a falta de comunicação — explica Villaça. O cenário, de cinco
toneladas, mostra uma casa de dois andares, com quatro cômodos, e uma escada.
— Ele acentua essa cegueira cotidiana — diz Denise. — Enquanto a filha está vivendo um drama no
quarto, a mãe está descascando batata na cozinha e o pai, cochilando diante da TV. Anya, que vive a
expectativa de ver a peça encenada em outra língua, fala de sua precocidade.
— Não posso ficar aborrecida, porque isso me trouxe muita publicidade. Mas é frustrante o quão
frequentemente as pessoas dizem: “Oh, há um problema na peça porque ela é nova, e não poderia
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entender o que as pessoas fariam” — explica Anya, que diz escrever pelo desejo de conhecer melhor
as pessoas.
Seja como for, ela já passou pelo teste da segunda obra: encenada no ano passado, sua “The acid
test” foi igualmente bem recebida.
O GLOBO -
Irmãos Guimarães encenam os ‘ciscos’ de Manoel de Barros
Diretores passam de Beckett para o universo do poeta brasileiro e estreiam hoje ‘nada’, no Oi Futuro
Flamengo
Luiz Fernando Vianna
A FAMÍLIA do espetáculo diante da parede de 4 mil vidros: fragilidade
(24/5/2012) Goianos criados em Brasília, reconhecidos pelo talento com que mesclam teatro e artes
visuais, os irmãos Adriano e Fernando Guimarães não passam um ano, desde 1998, sem apresentar
algum trabalho relacionado à obra do irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Parece uma grande
mudança estrear hoje, no Oi Futuro Flamengo, “nada”, baseado no poeta mato-grossense Manoel de
Barros, de 96 anos, mas eles não pensam assim — e o título sem letra maiúscula do espetáculo
ajuda a traduzir isso.
— Eles têm em comum o esvaziamento e a ruptura com linguagem. É o olhar para o que não se
repara, dando ao fragmento uma potência que é despercebida — afirma Adriano.
Assim como em outros trabalhos conhecidos — caso da versão de “Doroteia” (1996), de Nelson
Rodrigues, feita ao lado de Hugo Rodas —, os irmãos contam com outro diretor, a também atriz Miwa
Yanagizawa, que está no elenco.
E, assim como em todos os trabalhos, há riqueza visual. Na cenografia se destaca uma estrutura
formada por mais de 4 mil vidros, comprados de um colecionador de velhos objetos.
— Manoel fala em monumentalizar o cisco. E vidro é o que sobra, é frágil — diz Fernando.
A descoberta da coleção de vidros sepultou as chances de uma cenografia mais realista, o que seria
incoerente com o estilo da dupla. Os 30 espectadores por sessão ficarão no mesmo nível dos atores,
como se fossem convidados da festa em que se comemoram os 80 anos do avô da família da peça.
— O avô é uma figura emblemática na obra do Manoel, mas não existe um avô apenas. Devem
existir pelo menos uns dez. E ele não conheceu nenhum avô. Então, inventamos um avô a partir da
obra dele, assim como inventamos uma família — conta Adriano.
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Em 2009, quando começaram a trabalhar com os versos de Manoel de Barros em turmas da
Universidade de Brasília, os irmãos logo constataram que não gostariam de reproduzir os poemas no
palco.
— Percebemos que a experiência de ler Manoel de Barros é intransferível e intraduzível. Em vez de
se debruçar diretamente nas palavras, buscamos o que ele pensa, quais são os mecanismos que ele
usa e como seria usá-los na cena teatral. Ele entra mais como conselheiro do que através da palavra
corporificada, mas é claro que há versos dele — diz Adriano.
O dramaturgo Emanuel Aragão e o elenco (Adriano Garib, Camila Márdila, Lafayette Galvão, Liliane
Rovaris, Marilia Simões e Rodrigo Lélis, além de Miwa) colaboraram nos textos de “nada”, que
também conta com trechos de “Encontros”, livro de entrevistas de Manoel a Adalberto Müller.
Em junho, os irmãos apresentarão uma instalação no Oi Futuro combinando Beckett e Manoel de
Barros.
CORREIO BRAZILIENSE
- Cidade da ópera
Com a estreia hoje de La Bohème, a capital abre temporada de três semanas dedicadas a grandes
montagens da segunda edição do festival lírico
Mariana Moreira
(25/5/2012) Os últimos dias foram de expectativas, preparativos e intenso trabalho. Não havia um
metro quadrado, nos bastidores do Teatro Nacional Claudio Santoro, que não estivesse tomado pelo
frenesi da estreia. Na Sala do Coro, os solistas se encontravam para depurar o cristalino das vozes,
sob a batuta do maestro Cláudio Cohen. A sala de costura era um roçar de saias vaporosas, tecidos
coloridos e máquinas tamborilando. Do alçapão sob o palco, vinha a multiplicidade de sons típicos de
um ensaio de orquestra, com a afinação fragmentada. Hoje, às 20h, todas as peças dessa
engrenagem estarão encaixadas para dar início à segunda edição do Festival de Ópera de Brasília,
com a exibição de La Bohème, composição em quatro atos, de Giacomo Puccini.
O espetáculo será reapresentado amanhã, às 20h, e domingo às 17h. Entre 8 e 10 de junho, será a
vez de Cavalleria rusticana, composta por Pietro Mascagni e já apresentada no ano passado. O ciclo
se encerra com Carmen, de Georges Bizet, encenada de 21 a 24 de junho. “Nesta edição, teremos
óperas mais longas (La Bohème e Carmen têm quase três horas de duração, cada uma), com
montagens complexas e cenários diferentes”, afirma Cohen. A intenção é trazer títulos conhecidos
que tenham apelo de público. Para a edição de 2013, o maestro da Orquestra Sinfônica do Teatro
Nacional e organizador do festival sonha com Olga, ópera inspirada em Olga Benário Prestes e
composta pelo maestro Jorge Antunes.
Na concepção de Cohen, a temporada anual estabeleceu-se como formato ideal por concentrar a
mão de obra, atrair custos, criar um evento que ganhe tradição no calendário local e atrair
representantes do setor cultural e turístico, angariando apoios e visibilidade. Plateia interessada o
bastante para garantir longevidade à iniciativa, existe. “Há um segmento lírico intenso e tradição, mas
nunca houve um evento fixo ou temporada regular”, afirma Cohen, destacando que Brasília já exporta
nomes para o mercado nacional de musicais, e, apesar disso, promove incursões esparsas pelo
universo erudito. “Com o festival, oferecemos cultura de alto padrão e limpamos o nome da cidade,
mostrando que Brasília não é só uma capital voltada para a política”, defende ele.
Jovens talentos
O jogo de poder, por sinal, é apontado como um dos entraves para o desenvolvimentos da música
erudita em Brasília. “Mudam os governos e acabamos perdendo o que já foi feito. Mas temos tudo o
que é preciso: um dos melhores teatros do país, uma orquestra maravilhosa, jovens talentos que
acabam indo embora porque não têm oportunidade de atuar aqui. Faltava um maestro que
acreditasse nesse ingrediente local”, destaca Janette Dornellas.
Um dos sinais de que é preciso vontade coletiva para sustentar uma iniciativa desse porte, é a
atuação múltipla dos envolvidos. A própria Janette, uma das solistas de Carmen, assina a assistência
de produção. Outro solista da mesma produção, Francisco Bento também0 é responsável pela
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preparação vocal e dá expediente no ateliê de costura. “Aqui, tudo se transforma e é preciso saber
jogar em todas as posições”, brinca.
No momento, as atenções estão centradas no programa de hoje, La Bohème, espetáculo regido por
Cohen e dirigido por Francisco Frias. O elenco conta com 14 solistas, entre eles os brasilienses
Leonardo Neiva e Sara Sarres, figuras cativas em óperas e musicais país afora.
A intenção é seguir os moldes clássicos propostos por Puccini, ao contar a história de romances,
intrigas e reviravoltas envolvendo quatro jovens (Rodolfo, Mimi, Musetta e Marcelo) que tentam
sobreviver em um subúrbio parisiense. “Estou seguindo o libreto dele, respeitando o período histórico
no qual a história se passa. O cenário da ópera também veio da Itália”, revela Frias, diretor de cena
da montagem, e solista na última versão da ópera exibida em Brasília, há uma década.
Programe-se
Cavalleria rusticana, de Petro Mascagni
A ópera, em um único ato, estreou em Roma, em 1890, e traz elementos recorrentes em
composições operísticas: paixão, traição e vingança. A trama se desenrola entre dois casais: Turiddu
e Santuza, Alfio e Lola. Santuza desconfia que o marido a traia com Lola, antiga namorada, anterior à
guerra que, com a partida de Turiddu, acaba se casando com Alfio. O encontro dos dois acaba
revolvendo uma gama de sentimentos e trazendo desconfianças à tona.
Carmen, de Georges Bizet
Ao longo de quatro atos, a ópera, que estreou em Paris, em 1875, conta a história da cigana Carmen,
do soldado José e do toureiro Escamillo, triângulo amoroso que resvala no amor doentio, no ciúme e
na tragédia. “Carmen é o melhor papel do mundo: é rico musical e cenicamente, confortável no
sentido vocal e exalta a história de uma mulher que prefere morrer a abrir mão do que acredita, de
sua liberdade. Toda mulher quer cantar Carmen”, acredita Janette Dornellas, uma das solistas da
montagem brasiliense.
Filha pródiga
Para a cantora Sara Sarres, uma das solistas de La Bohème, a récita de hoje tem sabor de
reencontro. Desde que deixou Brasília, em 2001, para se dedicar ao mercado dos musicais em São
Paulo, a cantora não se apresentava na cidade. “Fazia anos que não passava o Dia das Mães em
família. Aqui em casa, a comoção é geral”, conta ela. Ao receber o convite do festival, a estrela, que
deixou sua marca em montagens como O fantasma da ópera, Os miseráveis e a Família Addams,
entre outras, ela não titubeou. “Brasília estava precisando de uma iniciativa desse porte, é carente de
grandes espetáculos. Sempre vejo ônibus daqui em São Paulo, no final das sessões de musicais. Se
as pessoas se deslocam atrás de cultura, por que não promover ações como essa aqui mesmo?”,
questiona. A estreante no papel de Musetta está polvorosa com a oportunidade de cantar uma obra
de Puccini, um de seus compositores favoritos. “A história se passa no século 19, mas fala muito de
nós, artistas. Trata de boêmios que tentam sobreviver da nossa arte”.
2º FESTIVAL DE ÓPERA DE BRASÍLIA
De hoje a 24 de junho, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Cláudio Santoro (SCTN, Via N2 –
3325-6239). Entrada franca, por ordem de chegada. Hoje e amanhã, às 20h, e domingo, às 17h, La
Bohème. Classificação indicativa livre.
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La Bohème é o primeiro espetáculo do festival, que já faz parte da agenda cultural da cidade
Cavalleria Rusticana e Carmen (D) são outras atrações da segunda edição do Festival de Ópera de
Brasília: em junho no Teatro Nacional Claudio Santoro
O GLOBO - A alegre
sabedoria popular de um clássico do teatro brasileiro
Montagem do ‘Auto da Compadecida’ mostra atualidade do texto
‘Auto da Compadecida’ Teatro Fashion Mall Barbara Heliodora
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(27/05/2012) O “Auto da Compadecida” , de Ariano Suassuna, é um dos dois únicos “clássicos” do
teatro brasileiro (o outro é o “Vestido de noiva”, de Nelson Rodrigues), e o que mais montagens tem
recebido desde sua memorável estreia, há pouco mais de 50 anos. Sua qualidade dramatúrgica e sua
extraordinária brasilidade são fontes de permanente tentação para quem faz teatro, e seu diálogo
com o público é garantido em todo o território nacional.
Suassuna mescla as formas medievais do auto e da moralidade com a riqueza do folclore nordestino,
com sua irônica e risonha sabedoria popular, criando um texto que diverte ao mesmo tempo em que
chama a atenção para a imoralidade da corrupção.
Exagero na linha circense Esta aparece tanto nos que têm o gozo de alguma parcela de poder (que
pode ser a do pequeno patrão, como o padeiro, ou de considerável alcance, como as do padre e do
bispo), comparada com o comportamento dos que o desamparo obriga a pequenos golpes a fim de
poder sobreviver. João Grilo é parente do bravo soldado Schweik, como de Figaro; e se a
Compadecida não consegue mandá-lo para o céu, dá-lhe ao menos uma nova oportunidade. Há mais
de 20 anos mantendo atividades regulares, com certa especialização em Suassuna, a Cia. Limite 151
está agora na Sala 1 do Teatro Fashion Mall, com uma montagem que busca ser fiel à concepção do
autor, que fala da tradição do “drama” no circo. A cenografia de José Dias é simples e eficiente, com
cortina, três pequenos segmentos de arquibancada e quatro lindos estandartes que evocam o local
da açao, formando uma moldura justa para os coloridos figurinos de Samuel Abrantes. A música de
Wagner Campos é discreta, e a luz de Aurelio de Simoni, eficiente como sempre. A direção de Sidney
Cruz é razoável, mantendo a linha circense um pouco forte demais em certos momentos em que,
principalmente na segunda metade da peça, é necessário um maior comprometimento com a verdade
de cada um.
Um elenco de 12 atores, hoje em dia, é um ato de coragem, e, com melhor ou pior rendimento, o
grupo se mantém, de modo geral, ligado à intenção do autor. Glaucia Rodrigues, naturalmente,
destaca-se nas espertices de João Grilo, mas além do Chicó de Marco Pigossi, também Edmundo
Lippi, Renato Peres, Bruno Ganem, Janaína Prado, Samuel de Assis, Lucci Ferreira, Luiz Machado,
Jacqueline Brandão, André Frazzi e Arnaldo Marques procuram servir Suassuna. Com base em um
texto excepcional, o espetáculo resulta alegre e
FOLHA DE S. PAULO -
Sucesso na França, "O Bom Canário" estreia em São Paulo
Peça escrita pelo roteirista do filme "Mais Estranho que a Ficção" entra em cartaz amanhã no Teatro
Eva Herz
Trama acompanha trajetória de mulher viciada em anfetamina que rejeita todas as regras de
civilidade
Gabriela Mellão, colaboração para a Folha
(01/6/2012) O canário é o mais civilizado dos animais de estimação. Destaca-se em uma casa de
forma discreta, emoldurado em sua gaiola.
Se fosse um ser humano, seria o oposto de Annie, protagonista de "O Bom Canário", peça que
estreia amanhã em São Paulo.
O autor é Zachary Helm, dramaturgo e roteirista americano que ganhou fama com o filme "Mais
Estranho que a Ficção", de 2006.
"O bom canário age de acordo com o que se espera dele, se comportando conforme o padrão
estabelecido", diz Leonardo Netto, que divide a direção da montagem com Rafaela Amado.
Annie (Flávia Zillo) ganha um canário do marido, um escritor de sucesso, mas não aprende nada com
o bicho.
A personagem rejeita todas as regras de civilidade e não suporta qualquer forma de julgamento.
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Seu vício em anfetaminas torna-a ainda menos sociável. Chega a insultar o crítico teatral que elogiou
o livro de seu marido, após frisar discordar do texto.
Annie debate-se em eventos sociais feito peixe fora d' água, atitude tão destrutiva quanto heroica em
tempos em que a aparência determina o julgamento que se faz das pessoas.
"Helm discute o comportamento do homem de hoje sem condená-lo", define Netto.
A contundência e a linguagem ágil do texto foram determinantes para o sucesso na França. A peça
estreou em Paris em 2007, com encenação de John Malkovich -e a brasileira Cristiana Reali no
elenco. Ganhou o prestigiado Crystal Globe Award e recebeu o maior numero de indicações ao
prêmio Molière naquele ano (seis).
CORREIO BRAZILIENSE -
O são-joão das multidões
Caruaru espera cerca de 1 milhão de pessoas para dançar ao som de mais de 300 artistas.
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e o compositor local Azulão são os grandes homenageados da festa
que vai durar o mês inteiro
PERNAMBUCO
Shirley Pacelli
O Pátio do Forró ficou lotado no ano passado: para 2012, a expectativa é de que 1 milhão de pessoas
passem pelo local para aproveitar a festa
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O pé de moleque de nove metros: exageros do são-joão de Caruaru
(6/6/2012) “Quando olhei a terra ardendo. Qual fogueira de São João...” Ao som de acordeões, com o
coro de mais de 150 mil pessoas, e no arrasta-pé da multidão, Caruaru, a 130 quilômetros de Recife
(PE), celebrará Asa Branca e tanto outros sucessos de Luiz Gonzaga em sua tradicional festa junina.
Este ano, o evento comemora o centenário do Rei do Baião, considerado uma das mais importantes
figuras da música popular brasileira. Outra homenagem é aos 50 anos de carreira de Francisco
Bezerra da Silva, compositor local, mais conhecido como Azulão.
Durante o mês de junho, a cidade do agreste pernambucano vive em festa, atraindo cerca de 1
milhão de pessoas. Em 30 dias, mais de 300 artistas se apresentam em Caruaru. Sábado, o são-joão
foi aberto com show de Dominguinhos e convidados. Entre eles, a paraibana Elba Ramalho se
apresentou com uma sanfona branca, semelhante à que usava Luiz Gonzaga. “Foi uma homenagem
ao Rei do Baião, que tanto inspirou meu trabalho”, disse.
No palco, Minha Vida de Viajante, uma das músicas mais conhecidas de Gonzagão, foi cantada com
Cezinha, artista regional que desponta na cena musical brasileira. O cantor teve a companhia de
Valdir Santos, fundador da Escola de Oito Baixos, que ensina a arte da sanfona a crianças, e de
Joquinha Gonzaga, sobrinho do artista.
Arraiais grandiosos, com divertidas quadrilhas, fazem a homenagem a Santo Antônio, São João e
São Pedro. Painéis luminosos de seis metros mostram a figura de Gonzaga nas principais avenidas.
Cada esquina da cidade ganha bandeirinhas e fogueiras gigantes desafiam a gravidade. Sobra tempo
ainda para literatura de cordel, poesia matuta, cantadores e exposições de artesanato.
Segundo José Pereira Souza, presidente da Fundação de Cultura e Turismo de Caruaru, a
expectativa é superar a marca do público de 2011, que foi de 1,4 milhão de pessoas. A rede hoteleira,
composta de 969 leitos, é sempre totalmente ocupada. Na primeira semana, estima-se que 80% da
capacidade já esteja indisponível. “Nossa festa é destaque no país, pois além de ter duração de 30
dias, é gratuita e aberta ao público. Além disso, temos uma proposta altamente cultural. Não nos
preocupamos apenas em colocar uma banda tocando e barracas de bebida”, justifica o presidente
quando questionado sobre o título de Caruaru como o maior são-joão do Brasil. Cerca de R$ 180
milhões movimentam os setores de comércio e de serviços da região, somente com a festa.
25
Forró
A maior concentração de público é no pátio de eventos Luiz “Lua” Gonzaga, onde são realizados os
grandes shows gratuitos ao ar livre. O palco tem 12 metros de altura e é equipado com três telões de
LED. A programação de 2012 ainda tem Azulão, Michel Teló, Chiclete com Banana, Calypso e Zé
Ramalho, entre outras dezenas de atrações. Nem só banda de pífanos e forró tradicional estão nas
apresentações. Para quem prefere ritmos alternativos, há shows de rock, MPB, pop e até forró
elétrico. Outros quatro polos garantem a diversão dos visitantes: Estação Ferroviária, Alto do Moura,
Arraial do Candeeiro e Alternativo.
No espaço da Estação Ferroviária há uma cidade cenográfica com réplicas de ambientes que
lembram mercearias, igrejinhas e outros pontos da Caruaru do passado. Lá, encontra-se o polo dos
repentistas, mestres na arte do improviso. Há ainda o salão do ceramista e o da moda, além do Cine
Gonzagão, no qual as pessoas podem conferir filmes sobre a vida de Luiz Gonzaga. Cerca de 230
artistas plásticos e artesãos também expõem trabalhos em cerâmica, em madeira, em palha e em
couro inspirados na carreira do Rei do Baião. A arena gastronômica, com barracas de comidas
típicas, oferecem delícias feitas à base de milho.
Antes de se embalar nos passos do pé de serra, os visitantes podem conferir, mesmo à noite, as
esculturas de barro de diversos ateliês do Alto do Moura. Esse bairro de Caruaru é considerado o
maior centro de arte figurativa da América Latina, segundo a Unesco. Depois, é se jogar no arraial,
que agrada a todos.
Exageros da festa
De Itu? Não. De Caruaru. Apesar de a cidade paulista ser conhecida internacionalmente pelos
exageros, é no agreste pernambucano que se preparam as comidas gigantes. A brincadeira começou
em meados de 1970 e virou tradição. A cada ano um recorde é quebrado. Cuscuz, pé de moleque,
pamonha, bolo de milho, macaxeira: tudo é feito em toneladas. Cada uma das 15 delícias tem dia
certo para ser preparada por uma comunidade específica. Milhares de pessoas aproveitam as
guloseimas, como o pé de moleque de nove metros, preparado no ano passado. Outra tradição é o
desfile dos bacamarteiros. Cerca de 200 “soldados”, trajados com roupas coloridas e com
espingardas nas mãos, saem em cortejo pelas ruas de Caruaru. Em filas, eles atiram para o alto
como forma de festejar. O ritual de disparos, atualmente, só faz barulho. Nenhum projétil sai da arma.
ARTES PLÁSTICAS
O ESTADO DE S. PAULO -
Mostra em São Paulo reúne novas telas de Paulo Pasta
Camila Molina
(31/5/2012) Quanto mais fiel às próprias origens, mais original nos tornamos. Paulo Pasta define
assim, de uma forma natural, seu comprometimento, desde a década de 1980, com a pintura em seu
estado mais puro. "Não sou abstrato", diz o artista - sua pesquisa é o desdobramento da criação de
esquemas em que a cor se revela "o mais importante de tudo".
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Equilíbrio e serenidade. Paulo Pasta elabora uma estrutura regular para as suas composições a partir
do formato de cruzes
Na sala principal da Galeria Millan, Paulo Pasta exibe a partir desta quinta para convidados e na
sexta para o público seis grandes telas criadas entre 2011 e 2012, obras que traduzem sua produção
mais recente. As pinturas têm o mesmo tamanho, 2,40 m x 3 m, e são a continuação do trabalho ao
qual o pintor vem se dedicando nos últimos tempos, a criação de passagens da cor a partir de uma
estrutura similar e simples, a construção de regiões delineadas com formas que remetem à cruz - e
em alguns casos, a uma espécie de arquitetura.
Pode parecer lugar-comum, mas é necessário dedicar tempo sensível para adentrar no campo da
sofisticada obra de Paulo Pasta. Em terrenos de espaços horizontais e verticais, nenhuma cor é pura,
mas sempre sóbria, e se torna "funâmbula" nas telas do artista, como ele diz. Acompanhamos uma
"história interna" da pintura e da passagem de tonalidades que, em cada obra, podem ser claras - o
branco; podem ser vibrantes - há o amarelo e o vermelho; podem ser densas - o azul, o negro. "A
pintura é estado, a cor é estado, digo que é o impressionismo da consciência ou o impressionismo do
perene", afirma Pasta, que escolheu como título de sua exposição um verso de canção caipira, "O
Fim da Metade É o Começo do Meio", de Tião Carreiro e Pardinho.
"Matisse sonhava com uma arte da pureza, da serenidade, do equilíbrio. É possível dizer que Paulo
Pasta sonhe com as mesmas coisas. A exemplo de Matisse, Pasta nunca pintou uma mesa pensando
no objeto, mas na emoção que sua imagem provoca, recapturando o frescor do inaudito, daquele
primeiro olhar sobre o mundo", define o crítico e repórter do Caderno 2, Antonio Gonçalves Filho, no
prefácio do livro "A Educação pela Pintura", que o artista lança nesta quinta, na Galeria Millan,
durante a inauguração de sua mostra no local.
Pasta diz, sim, apostar na beleza, mas define a contemporaneidade de sua obra quando coloca "o
paradoxo dos contrários" em suas pinturas. A estrutura das composições, feita a partir das formas de
cruzes, é regular, a pincelada de Paulo Pasta, "controlada", e sua pintura, muito contida, mas é a cor
que remete ao caráter da "indefinição", da "imprecisão do real" por meio do movimento sutil ou até
pulsante - como, especialmente, na tela feita de amarelo e branco - de tonalidades.
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Já no mezanino da galeria, o pintor exibe duas telas - de 2,40 m x 3 m - nas quais se vê outro
desdobramento de sua pesquisa mais recente, a criação de um grande retângulo chapado e seguro
no centro das obras. "O retângulo é o funâmbulo para se mergulhar", define o artista esse novo
esquema. Na mesma sala, uma obra de tons claros - rosa, bege, amarelo - e outra escura - azul e
negro-azul, está de frente para a outra. "É o dia e a noite", diz o pintor. Pasta exibe ainda na galeria
pinturas de tamanhos menores - algumas, bem diminutas e outras de uma média de 50 cm x 60 cm.
São todas, afinal, estados do artista, despertando o silêncio que é a "moradia da cor" - como já disse
a ele o mestre Amilcar de Castro.
FOLHA
S. PAULO – Pinacoteca não pode ser comparada a uma bienal de arte
contemporânea
DE
NILO CECCO é presidente da Associação Pinacoteca Arte e Cultura (Apac), entidade criada para dar
apoio técnico ao museu.
IVO MESQUITA, curador e historiador de arte, é desde abril deste ano o diretor-técnico da Pinacoteca
do Estado.
ESPECIAL PARA A FOLHA
(24/05/12) Com relação à crítica "Escolha por 'profissional da casa' revela postura provinciana", de
Fabio Cypriano, publicada nesta "Ilustrada", no dia 12/5, gostaríamos de prestar nossos
esclarecimentos.
Em primeiro lugar, a escolha da arquiteta e historiadora Valéria Piccoli como nova curadora-chefe da
Pinacoteca do Estado foi uma decisão da Diretoria Técnica do museu, apoiada pelo Conselho de
Administração da Associação Pinacoteca Arte e Cultura (Apac).
Esta decisão teve o intuito de consolidar o projeto institucional já em desenvolvimento no museu,
como uma organização altamente profissionalizada, dinâmica e conectada com as questões de seu
tempo.
A Pinacoteca do Estado é um museu histórico, de arte brasileira, e seu acervo vai do período colonial
até os dias atuais, portanto, sua programação deve contemplar todos os períodos e movimentos
artísticos.
E, justamente por ser um museu, não pode ser comparado a um projeto cultural dedicado apenas à
arte contemporânea como as bienais.
É preciso considerar que nos últimos dez anos a Pinacoteca, além de constituir um corpo próprio de
curadores e pesquisadores, vem trabalhando com diversos profissionais "internacionais".
Entre eles, destacaríamos José Roca, Corinne Desirens, Moacir dos Anjos, Tatiana Cuevas, Guy
Brett, Delfim Sardo, Philip Larratt-Smith, Adriano Pedrosa, Jochen Volz, Suely Rolnik, Natalia Majluf,
Manuel Borja Villel e Cuauhtémoc Medina.
Resta ainda dizer que os curadores Lynne Cook e João Fernandes, citados no texto do crítico, são
reconhecidos e admirados pela longa dedicação profissional a uma única organização.
A primeira foi curadora da DIA Art Foundation, em Nova York, entre 1991 e 2008. O segundo é,
desde 1996, curador do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, na cidade do Porto, em
Portugal. Para ambos, os respectivos museus foram seus primeiros empregos como historiadores e
escritores.
FOTOGRAFIA
FOLHA
DE
S. PAULO
– Sesc Pompeia contrasta obras de artistas e arquitetos em
mostra
Exposição antecipa relação entre os campos que será travada em evento na Casa de Vidro
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Ocupando espaços projetados por Lina Bo Bardi, exposições evidenciam ligações da arte com a
arquitetura
Fotografia de Cao Guimarães
SILAS MARTÍ, DE SÃO PAULO
(24/05/12) Na semana da SP-Arte, galeristas, artistas e curadores festejaram as vendas na feira com
uma régia soirée numa casa projetada por Lina Bo Bardi, a arquiteta do Masp.
Essa mansão no Morumbi está a poucas quadras da Casa de Vidro, da mesma arquiteta, que neste
ano abriga uma das maiores mostras paralelas à Bienal de São Paulo, projeto do curador suíço Hans
Ulrich-Obrist e do arquiteto holandês Rem Koolhaas.
Sinal de que arte e arquitetura estão cada vez mais amalgamadas, o Sesc Pompeia, fábrica
transformada em espaço cultural também por Bo Bardi, abre hoje uma série de três mostras que
relacionam trabalhos de artistas a obras de arquitetos.
"É uma circunstância em que arquitetos e artistas nos deixam ver a mesma estratégia de construir o
mundo", diz Marta Bogéa, uma das curadoras da série. "Tentamos ver o que move o artista e o que
move o arquiteto."
Bogéa e Abílio Guerra, outro curador, então armaram três confrontos ideológicos, sendo o primeiro
deles entre a obra em vídeo e fotografia de Cao Guimarães e projetos da firma Brasil Arquitetura.
Tanto Guimarães quanto Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, os sócios do escritório, trabalham a
noção de um espaço ou personagem imiscuído na paisagem, um elemento que molda seu entorno e
é também forjado por ele.
Um vídeo de Guimarães mostra personagens encontrados ao acaso em cidades do interior de Minas
Gerais. "São essas pessoas que permitem enxergar também a aproximação da arquitetura com a
paisagem", diz Bogéa.
Na aproximação entre Nicolás Robbio e o arquiteto Marcos Acayaba, surge a reflexão sobre a
potência plástica e estrutural do desenho nos dois campos, a linha como "interpretação do espírito",
na arte, e também como matriz arquitetônica.
"Um desenho executivo permite construir sempre o mesmo objeto", diz Bogéa. "Mas Robbio cria um
desenho que amplia, além de detalhes técnicos, os pontos em branco, um desenho potencial."
No último encontro, a dupla Gisela Motta e Leandro Lima entra em contato com o escritório MMBB.
Uma casa em Salvador, com fachadas para o mar e o casario colonial, é comparada a panoramas
urbanos filmados pelos artistas, como uma colagem de Helsinque com São Paulo.
O ESTADO
DE
S. PAULO
- Mostra reúne as glamourosas fotos de José Esteve e sua
filha Aracy
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“Menina Brincando com Bloco de Montar', foto de 1923, de
Aracy Esteve.
(04/06/2012) José Esteve, catalão, nascido em Barcelona em 1886, queria fazer a América. Aos 28
anos, em 1914, embarcou no navio Santa Helena e desembarcou no Rio. Químico de formação,
começou porém a trabalhar numa fábrica de piteiras. Dois anos depois resolveu morar em Salvador,
mas a peste negra já havia chegado ao Estado e ele, assustado, decidiu, então, mudar-se para o
interior, mais precisamente para Santo Antonio de Jesus. Foi nessa cidade que ele se casou, teve
filhos e começou a construir sua carreira de narrador fotográfico. De 1920 até 1934 ele registrou sua
família, os amigos, o cotidiano da cidade. Imagens que foram preservadas por sua filha, Aracy Esteve
Gomes, que segue os mesmo passos do pai e durante 20 anos, de 1950 a 1970, narrou seu entorno.
Desse encontro de olhares nasce a exposição Do Retrato Interior ao Exterior do Retrato: Coleção
José Esteve e Aracy Esteve Gomes 1920-1970, com curadoria e pesquisa de Diógenes Moura, a
partir de sábado, dia 9, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Saudoso de sua família, José Esteve construiu ele mesmo sua câmara fotográfica e seu laboratório.
Começou a registrar seus amigos, a família, o entorno de seu cotidiano, além de trocar inúmeros
cartões-postais com a Barcelona deixada para trás. Aos poucos, com seu olhar de amador, mas
sofisticado e glamouroso, foi construindo uma memória de seu tempo e também de uma cidade do
interior da Bahia: “Seus retratos são impressionantes. Seguem a lógica romântica do retrato europeu.
Incrível notar os cenários que ele criava para fotografá-los”, nos narra Diógenes Moura.
Assim, aos poucos, esse homem que inventou sua própria câmera nos traz à mostra a sofisticação, a
elegância de toda uma época sempre acompanhado por sua assistente, a filha Aracy, que começa a
se apaixonar perdidamente pela fotografia. Infelizmente, com a crise de 1929 na bolsa de valores
americana e com os negócio indo cada vez pior, em 1934 ele abriu falência e mudou-se com a família
para Salvador. Dez anos depois José Esteve morreu.
Vai então a vez de Aracy, nessa época já casada com o grande amor de sua vida, o escultor Arlindo
Gomes, que em 1950, resolveu retomar a escrita imagética deixada por seu pai. Com a ajuda do
marido, em 1950 conseguiu importar sua Rolleiflex e retomar o caminho deixado por ele. Assim como
José, Aracy fotografava sua família, seus amigos, sua vida cotidiana: “Era uma fotografia
despretensiosa, com muito humor, mas sem nenhuma construção intelectual e ao mesmo tempo com
uma estética fascinante”, comenta o curador.
Durante 20 anos, Aracy também registrou seu entorno. Primeira mulher a dirigir automóvel em
Salvador, pegava o carro da família e ia fotografar a cidade. Encontro imagético entre pai e filha, cuja
única preocupação era com a memória. Uma memória pessoal que acabou por se transformar em
documento de uma época.
E foi esse seu pioneirismo que a levou, há dois anos, a procurar Diógenes Moura para tornar esta
exposição pública. Hoje, às vésperas de completar 90 anos, Aracy Esteve Gomes, toma conta de
todo esse material em seu apartamento em Salvador. Relíquia de uma época contada agora para nós
em 80 imagens selecionadas de seu arquivo.
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ESTADO DE MINAS
- De olho no mundo
O fotógrafo Pedro David se divide entre vários projetos com a proposta de usar a imagem para
questionar os paradoxos da vida contemporânea. Exposições e livro estão na agenda do artista
Walter Sebastião
Dilemas da natureza inspiram série de fotos do mineiro Pedro David, artista preocupado com as
imposições da civilização à vida do ser humano
(04/06/2012) Este ano, o fotógrafo mineiro Pedro David está a mil. Além de virar livro, o ensaio dele
chamado O jardim, que ganhou o Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger em 2011, será
mostrado em três exposições. A primeira está em cartaz na Fauna Galeria de Arte, em São Paulo; a
segunda começa em setembro, no Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador; a terceira foi
marcada para novembro, na Lemos de Sá Galeria de Arte, em Belo Horizonte.
Os compromissos do artista não se encerram aí. Imagens do ensaio Aluga-se fazem parte da coletiva
Esquizofrenia tropical, que integra a programação do Festival Internacional de Fotografia e Artes
Visuais PHoto, na Espanha. Trabalhos de Pedro também podem ser conferidos na mostra Segue-se
ver o que quisesse, em cartaz nas galerias do Palácio das Artes.
“Está bom, mas quero mais. Fiz inscrição em diversos outros eventos e estou esperando resposta”,
brinca o fotógrafo, contando que para cada sim recebe vários nãos. Os convites para mostras são um
prazer, pois trazem a sensação de que o sonho de ver o trabalho reconhecido começa a se tornar
realidade. “Quero conseguir viver do meu trabalho, dizer mil coisas sobre este mundo louco em que
estamos vivendo. Temos de questionar tudo. Há muita coisa estranha ocorrendo, não dá para ficar
engolindo calado”, garante Pedro.
A dedicação à fotografia começou em 1997. Decidido a seguir carreira, ele fez curso de jornalismo,
pós-graduação em artes plásticas na Escola Guignard e foi trabalhar como assistente do fotógrafo Rui
César. “Foi o melhor caminho”, revela. Atualmente, Pedro se empenha em fazer seu trabalho “chegar
ao mundo”. Isso implica desenvolver relações com colegas, curadores e colecionadores, de modo
que surjam convites.
“A primeira parte, mais importante e mais pesada, é ter um trabalho coerente, contemporâneo.
Fotógrafo tende a ser saudosista, nostálgico, e acaba preso a modelos de outros tempos, dos ídolos
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dele. Ou então há a tendência de acreditar que fotografia é só registro da boa luz. Quero discutir
questões inquietantes e atuais de forma relevante. Minhas fotos dizem mais do que aquilo que estão
mostrando. Elas não são documentários”, explica Pedro.
Universal O ensaio O jardim, iniciado em 2009, mira o Vale do Sol e o Jardim Canadá, na Grande
Belo Horizonte. “Falo da condição humana hoje em dia, de um contexto acelerado, com gente
demais, que cresce e avança sobre a natureza. É algo universal”, garante. O fotógrafo vive naquela
região e o futuro o angustia. “Fui morar fora da cidade, procurando espaço.
Estou vendo a civilização subir da terra, grandes estruturas sendo erguidas ou desaparecendo de
forma alucinante”, observa.
Por sua vez, a série Aluga-se (2008) surgiu da reação a um problema chato: Pedro teve de parar
tudo, sair de onde morava e procurar apartamento para alugar. As fotos mostram as paredes de
imóveis cada vez menores, mal divididos e mal iluminados. “É a não visão, a não paisagem, o não ver
a paisagem, claustrofobia, mal-estar. Só quem passou pela experiência sabe como é. A vida quer
luz”, protesta o artista.
CONFIRA
Trabalhos de Pedro David podem ser vistos em www.pedrodavid.com.
O fotógrafo Pedro David
Três perguntas para Pedro David, fotógrafo
Por que a arte contemporânea se vale tanto da fotografia?
Porque é um instrumento da nossa época, do mundo de hoje. A câmera está na mão de todos.
Você usa filme?
Identifico-me com o filme. Acho bonito, do ponto de vista estético. Gosto da textura, tenho o
equipamento e curto usá-lo. Isso dá um tempo ao trabalho: faço a foto, revelo em casa, processo a
imagem, penso no que fiz. Se não gosto, descarto. Dizem que vai acabar, mas não acabou. Consigo
comprar filmes e os produtos químicos de que preciso para revelar. Porém, é um processo difícil.
Atualmente se privilegiam rapidez e baixo custo, mas aposto no negativo grande, na qualidade, na
técnica apurada. Esses aspectos trazem riqueza de detalhes e me permitem passar para as pessoas
a sensação de espaço. Fazer foto digital exige investimento em equipamento. Para mim, a câmera
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digital mais interessante é o telefone: leve e prática, está sempre comigo. Permite coisas que só são
possíveis com ela.
O que seu trabalho propõe?
Meu objetivo é fazer arte, com todos os sentidos que essa palavra tem. Não sei se consigo, mas
tento. Comecei a desenvolver a minha linguagem quando a senti necessidade de, na medida do
possível, refazer as fotos. Esse procedimento trouxe apuro estético, foi um investimento no rigor e na
autoestima. Não estou interessado no registro fácil, mas no desenvolvimento de uma ideia. Sou
admirador da pintura de todas as épocas, gosto de imagens elaboradas. Acho que a beleza faz
pensar na imagem.
MÚSICA
CORREIO BRAZILIENSE -
João Nogueira multimídia
Caixa reúne obra do compositor em CDs, DVD, livro e partituras. Martinho da Vila será o próximo
homenageado do projeto
Maíra de Deus Brito
Tradição transmitida de pai para filho: João Nogueira e Diogo Nogueira em gravação de programa
para tevê
(25/5/2012) Era 2009 e o cantor Diogo Nogueira estava em turnê com o CD Tô fazendo minha parte.
Entre uma viagem e outra, o cantor e o empresário dele, Afonso Carvalho, conversavam sobre as
poucas homenagens que João Nogueira, pai de Diogo, tinha recebido em vida e depois da morte.
Falaram também sobre a necessidade de fazer um projeto que marcasse os 70 anos de Nogueira,
completados em 2011.
Então surgiu a ideia de fazer uma homenagem ao cantor e compositor de sucessos como Espelho e
Poder da criação. “Queríamos criar algo com CDs, DVD, partituras e aplicativos para smartphones e
tablets. Percebemos que estávamos criando um songbook — como o idealizado por Almir Chediak —
mais ampliado, com produtos finais mais elaborados. Era, na verdade, um ‘samba book’”, explica
Afonso, diretor-geral do projeto Samba book João Nogueira.
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A iniciativa levou nove meses para ficar pronta e tornou-se um box com dois CDs, DVD, livro e
fichário com partituras. O DVD, gravado em alta definição, tem 24 faixas (divididas nos dois discos)
interpretadas por vários convidados, como Alcione, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho. Entre uma
música e outra, João Nogueira (em imagens de arquivos) explica a origem de algumas canções. Um
ser de luz, por exemplo, foi composta para Clara Nunes e, no vídeo, ganhou a voz da baiana Mariene
de Castro.
O fichário com 60 partituras traz as principais obras de quatro décadas de samba e revelam outros
parceiros, além do frequente Paulo César Pinheiro. Cláudio Jorge, Nei Lopes, Ivor Lancellotti e Chico
Anysio assinam músicas com o homenageado. João Nogueira — Discobiografia completa o box. O
livro do jornalista Luiz Fernando Vianna faz um passeio pelos 20 álbuns gravados por João e resgata
a história do cantor desde o início da carreira até a morte, em 5 de junho de 2000.
Emoção
Os realizadores do projeto (Diogo Nogueira, Afonso Carvalho, Luiz Calainho e Sergio Baeta) fizeram
questão de manter todos os arranjos originais e de convocar pessoas que em algum momento
tocaram João Nogueira. Assim, um time de 14 músicos conduziu os cantores, que protagonizaram
momentos de emoção. Como Jorge Aragão, que chora depois de cantar E lá vou eu. “Todos os
encontros que tivemos no estúdio foram especiais. Cada gravação trouxe lembranças do meu pai, de
como foram bons os tempos que estivemos juntos e de como a obra dele é atual e eterna”, comenta
Diogo.
O portal sambabook.com.br, com depoimentos de artistas, músicas e clipes, completa o projeto que,
além do box, tem os itens vendidos separadamente. “Queremos que o Samba book se torne
referência na música brasileira. E todo início de ano vamos homenagear um artista diferente. Em
2013, será Martinho da Vila”, avisa Afonso.
JORNAL DE BRASÍLIA -
Leveza e intimismo acústicos
Carolina Tulim
(26/05/2012) Cinco meses de isolamento em um apartamento na capital paranaense completaram a
gestação de Umbilical, segundo disco de Tiago Iorc – produzido pelo norte-americano Andy Chase,
que já trabalhou com gigantes como a banda Smashing Pumpkins. Resultado de “um processo de
autoanálise”, como o próprio músico define, o trabalho será apresentado pela primeira vez hoje na
cidade, a partir das 21h, no Teatro Oi Brasília. Os ingressos custam R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia). O
talento do jovem músico já é conhecido do público. Seu primeiro álbum, Let Yourself In, emplacou
sete músicas em novelas da Rede Globo e chegou a ter uma de suas canções entre as mais tocadas
no ranking da Billboard japonesa. Além disso, seu show foi eleito pelo público como a melhor
apresentação internacional do Grand Mint Festival, na Coréia do Sul, em 2010. O primeiro show da
Umbilical Acoustic Tour aconteceu no mês de março em Austin, nos Estados Unidos, onde Tiago foi
uma das atrações no SXSW 2012 (South by Southwest), um dos maiores festivais de música do
mundo. Em entrevista ao Jornal de Brasília, o músico falou sobre o amadurecimento de seu trabalho
e o retorno a sua terra natal, Brasília.
Como ocorreu sua iniciação musical? Contou com apoio da família nesse processo?
Quando eu tinha oito anos, um violão, que era de uma prima, foi parar lá em casa. Não lembro
exatamente por quê, mas eu me interessei. Comecei fazendo aulas com a mãe de um amigo. Em
troca, a minha mãe dava aulas de inglês para ele. Minha mãe sempre me incentivou, mesmo sem
imaginar o quanto eu viria a me envolver com música. Na adolescência, meus amigos também
tocavam instrumentos e ali surgiram minhas primeiras bandas de garagem. Já tinha se tornado um
caminho sem volta.
Quais são suas influências musicais mais expressivas?
Me identifico muito com melodias bonitas e com trabalhos autorais sinceros. Isso é o que mais me
inspira. John Lennon, Jeff Buckley, James Taylor, Alanis Morissette, Dave Matthews Band,
Radiohead, Norah Jones e Patrick Watson são alguns dos artistas que tiveram esse impacto em mim.
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Como funciona o seu processo de composição?
Para as composições de Umbilical, me isolei por alguns meses no meu apartamento em busca de
algo mais espontâneo. Durante esse tempo, quase não ouvi música e me regrei para não buscar
referências nem ser contaminado por soluções prontas de outros artistas. O processo todo foi lento,
mas deixei fluir. Quando esbarrava em alguma limitação, parava por um tempo, às vezes dias, até
que surgisse uma solução. O resultado foram canções bastante autobiográficas.
Quais são as diferenças mais marcantes entre Let Yourself In e Umbilical?
Esse último trabalho está mais conciso. Pude me doar por completo para fazer o disco que queria,
sem pressa. Talvez uma das principais diferenças esteja no som da minha voz, que aprendi a usar
melhor. Outro ponto é a participação dos membros da banda, que foi fundamental. Muito do que se
ouve no disco vem do entrosamento que desenvolvemos ao longo desses quatro anos tocando
juntos. Desde o início da carreira, suas músicas estão presentes em telenovelas de grande audiência.
Como isso influenciou no amadurecimento do seu trabalho?
A televisão apresentou meu trabalho para muita gente. Foi uma exposição que me trouxe muitas
oportunidades, em especial o interesse do público e a consequente possibilidade de ter uma
frequência de shows. Hoje, vivo de música. É justamente por poder me envolver dessa forma, por
poder dedicar meu tempo a isso, que se abre a possibilidade de experimentar mais e aprender.
Apesar de ter ficado pouco tempo no "quadradinho", você é brasiliense. Qual é a sua relação com a
cidade?
Sou um candango desnaturado. Saí de Brasília quando tinha dez meses de idade e não voltei mais.
Meu pai trabalhava em Brasília na época em que nasci, mas minha família toda é gaúcha. Veja só
que coisa bonita: é a música que está permitindo esse reencontro com a minha cidade natal.
O que o público brasiliense pode esperar do show de hoje?
Para essa turnê, optamos por montar um show em formato acústico e tocar em casas menores, mais
intimistas. Esse tipo de show permite uma troca mais próxima com o público e é uma forma gostosa
de compartilhar algo novo com as pessoas. Para muitos, esse será o primeiro show que irão assistir,
por isso não faltarão músicas do primeiro disco também.
Quais são os planos para o próximo semestre? Já está compondo material novo?
Sem maiores planos, por enquanto. Pretendo me dedicar por completo à turnê e dividir este último
trabalho com as pessoas. Depois, veremos o que virá.
O GLOBO -
Sabores de ‘Transa’
Caetano Veloso reencontra os músicos com quem gravou seu histórico álbum, há 40 anos, e, juntos,
eles relembram a história (e as histórias) do disco
Leonardo Lichote
(26/05/2012) Leite, shortbread, vapores tóxicos de fibra de vidro, Londres vista do alto de um
caminhão. São esses os odores, sabores e cenários evocados por “Transa” na memória de Caetano
Veloso, Jards Macalé, Aureo de Souza e Tutty Moreno — músicos que, ao lado do baixista Moacir
Albuquerque, já falecido, forjaram a sonoridade do álbum. Reunidos 40 anos depois do lançamento
do disco (que acaba de ganhar reedição comemorativa, remasterizada em Abbey Road, em CD e
vinil), os quatro contam — ligando o banal ao grandioso — como era estar no olho do furacão que
gerou uma das mais celebradas obras do baiano.
— Quando ensaiávamos no Arts Lab (espaço de experimentação artística de Londres, onde o álbum
foi gravado), eu ia sempre comprar scottish shortbread (um tipo de biscoito) numa delicatessen de um
casal indiano — lembra Caetano. — Eu chegava “good afternoon”, e eles, “yes, shortbread”. Até que
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um dia, a filhinha deles vem, e a mãe: “Ó, Maria, para com isso!” (com sotaque carregado). Eles eram
de Goa! Fiquei maravilhado, aquilo me deu uma emoção, parecia o que a gente fazia, eu cantando
minhas letras em inglês com citações em português. O Arts Lab também marca as lembranças de
Macalé, que no reencontro, trazia com ele um chapéu usado na época de “Transa”:
— Eu me lembro da gente tomando leite sem parar para desintoxicar, por causa daquele cara
fazendo uma escultura de fibra de vidro, que tinha um cheiro horroroso. Aureo puxa outro episódio:
— E quando saímos tocando em cima do caminhão? Tocamos “Transa” num trio elétrico em Londres.
Os ingleses ficavam fascinados. Ensaios — no Arts Lab, em piqueniques em parques, no topo de um
caminhão — foram a rotina enquanto preparavam o que seria o disco. Para eles, portanto, “Transa”
era maior do que um álbum. — Não era só fazer um disco, entrar no estúdio e gravar. Era a vida —
resume Tutty.
A ideia original de Caetano, que já havia superado a tristeza profunda de estar exilado (sentimento
que marca seu outro disco gravado em Londres, em 1971), era “fazer um grupo que tocasse a partir
do meu próprio modo de tocar violão”, como escreveu em “Verdade tropical”.
Convocou Macalé para a direção musical e para tocar violão e guitarra. Chamou também o baixista
Moacir (um “contrabaixo baiano”, descreve Caetano em seu livro). Tutty, que já estava em Londres
tocando com Gilberto Gil, fez a percussão e, em “Nine out of ten”, a bateria. Em todas as outras,
Aureo assume as baquetas. O músico, que tocara com artistas como Maria Bethânia e Naná
Vasconcelos, chegou em Londres com US$ 200 e uma carta de Macalé para apresentá-lo a Caetano.
Nascia ali o time de “Transa”.
— Tinha que ser Macalé. Além do óbvio, havia muita intimidade com ele, que conheci em 1963. Eu
tinha muita timidez com músico, e com ele não ficava intimidado. Porque aquela coisa de botar
colagens de canções brasileiras, com a fluência com que foi feito, se não houvesse intimidade não
rolaria — diz Caetano, que conta que, pela intimidade prévia e pela que foi construída ao longo de
meses, as gravações foram rápidas. — Gravamos ao vivo no estúdio. Poucas coisas foram feitas
depois, como um berimbau e um bumbão imenso que Ralph Mace (produtor do disco) arrumou e
usamos em “Neolithic man”.
Tutty lembra que a faixa teve uma participação especial:
— Gal também toca, batendo dois pedaços de madeira que marcam o ritmo (Ângela Rô Rô é outra
convidada, na gaita de “Nostalgia”).
As citações de músicas em português em meio a letras em inglês carregam um tanto da alma de
“Transa” — o encontro se dá em quatro das sete faixas do disco. — Fiz canções em inglês, como
Mace pediu, mas no primeiro disco não gostei, estava triste. Para “Transa”, estava melhor. E queria
trazer o Brasil. Aí vinham essas coisas (canta): “A água com areia/ brinca na beira do mar” — diz
Caetano, lembrando que a mistura causou confusão. — Tem gente que fala comigo:
“Adoro aquela música sua, principalmente a parte que fala ‘laia, ladaia, sabadana, Ave Maria’” (risos).
Tenho que explicar que isso é do Edu Lobo, que pus ali... Porque essas colagens são um negócio
quase da era da internet.
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O ESTADO DE S. PAULO -
Homenagem sinfônica para Gil
Às vésperas de completar 70 anos, músico grava DVD com orquestra no Municipal do Rio
ROBERTA PENNAFORT / RIO
(26/05/2012) Fã - muito e há muito - da música de Gilberto Gil, o violoncelista e arranjador Jaques
Morelenbaum sempre a percebeu de forma especial. "Podia ser só a voz e o violão, e eu ouvia uma
sinfônica ali dentro." Pois aquilo que os ouvidos e o coração do músico sentem vão se materializar no
palco do Teatro Municipal do Rio na noite de segunda-feira.
Gil vai apresentar delícias de seu repertório de meio século (bem) acompanhado da Orquestra
Petrobrás Sinfônica, regida por Carlos Prazeres e também por Jaques. É ele o autor dos arranjos,
preparados para a ocasião. O concerto integra a Série MPB & Jazz, criada em 2004 e que já teve
convidados como Dominguinhos, Edu Lobo, Jacob do Bandolim e Noel Rosa.
Algumas músicas do início da carreira de Gil foram gravadas originalmente com base em
orquestrações que se tornaram icônicas, como Domingo no Parque e Panis et Circenses - um
clássico que ele deixou de lado por 40 anos e que só incluiu em shows recentemente. "É uma
responsabilidade gigantesca botar o dedo na música de um artista que admiro tanto, ainda mais no
caso dessas que passaram pelo Rogério Duprat, o papa dos arranjadores brasileiros", diz Jaques,
que teve o cuidado de pedir a Gil que gravasse as 13 músicas ao violão, para que pudesse, a partir
da observação de cada intenção, eleger timbres, desenhar contrapontos e propor diálogos com a
melodia principal.
O resultado desse artesanato musical, de quatro cuidadosos meses de elaboração, tem agradado
muito a Gil. "As canções mais baladísticas, mais suaves, caem muito naturalmente (na orquestração).
A orquestra é como um colchão de ar em que as vozes e as acentuações rítmicas tombam com
leveza", ele avalia.
"Estrela é uma que cai como uma luva. Panis et Circenses, que ficou no repertório do Caetano e
depois chegou a uma outra geração com a gravação da Marisa Monte, é uma das que mais me
comovem. Andar com Fé e Oriente ficaram muito bacanas. Domingo no Parque herdou muito do
Duprat. Depois de um show na Bahia (com outra orquestra), uma espectadora veio me dizer que
nunca gostou de mistura de música sinfônica com popular, mas ali tinha gostado."
Europa. Animado, Gil conta que levará o show nesse formato em julho para Londres (por ocasião dos
Jogos Olímpicos) e para o Festival de Montreux. Depois, já sem orquestra, parte para mais 14
cidades europeias. Essas apresentações darão continuidade a uma série chamada Concertos de
Cordas e Máquina de Ritmo, em que vem tocando com um quarteto: Jaques (cello), o filho Bem Gil
(violão), Nicolas Krassik (violino) e o percussionista Gustavo di Dalva. A formação se repete no
Municipal. E Gil terá ainda um momento sozinho no imenso palco.
A porção autoral tem clássicos: Eu Vim da Bahia, Lamento Sertanejo, Expresso 2222. Ele também
passará por composições menos conhecidas (Futurível, Eu Descobri, as recentes Não Tenho Medo
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da Morte, Minha Princesa Cordel) e por mestres que sempre reverenciou, como Caymmi (Saudade da
Bahia), Tom (Outra Vez) e a dupla Gonzagão e Humberto Teixeira (Juazeiro). A noite terá também
Hendrix (Up From the Skies) e o tema instrumental de seu repertório (tocado mais por outros
músicos), Um Abraço no João.
Produtora da série, Giselle Goldoni Tiso conta que sua intenção inicialmente era chamar Gil para um
tributo a Gonzagão. "Mas percebi que ele tinha Gonzagão, Jackson do Pandeiro, tudo na própria
obra", explica. "Temos grandes arranjadores em nossa história. Músicas não compostas para
orquestra podem funcionar muito bem nesse formato." O público interessado é um demonstrativo do
que ela diz. Os ingressos para o Municipal acabaram num dia. Dada a procura, serão instalados dois
telões na lateral do teatro que dá para a Avenida Treze de Maio. Para quem ficar mesmo de fora, o
show será lançado em DVD, com direção de Andrucha Waddington (dos imperdíveis Tempo Rei e
Viva São João!).
CORREIO BRAZILIENSE - A aventura do rei do Baião
No ano em que completaria 100 anos, Luiz Gonzaga terá a trajetória e a conturbada relação com o
filho Gonzaguinha narradas em filme
Gabriel de Sá
(27/05/2012 ) Seria necessário outro século para celebrar a vasta e imponente obra de Gonzagão, o
cantor de voz grave e sanfona afiada que, “viajando num pau-de-arara”, levou “xote, maracatu e
baião” do Nordeste brasileiro para alegrar o povo do Sul — tudo dentro de um “matulão”. Com suas
belas composições e gingado ímpar, Gonzaga reinou soberano a partir de meados do século
passado. O ano de 2012, em que ele completaria 100 anos de vida, está fazendo jus a seu legado.
Por todo o país, artistas têm subido ao palco para reverenciar seu cancioneiro maior. Entre as
homenagens, uma extrapola a seara musical e salta aos olhos de seus admiradores: uma
cinebiografia — que além de investigar a trajetória do mito, narra o capítulo dos desencontros com
seu filho Gonzaguinha.
As mesmas fitas cassetes que serviram de base para a jornalista Regina Echeverria escrever a
biografia Gonzaguinha e Gonzagão — Uma história brasileira, despertaram no cineasta Breno Silveira
o desejo de transformar a vida deles em filme, há sete anos. No material, conseguido por intermédio
da viúva de Gonzaguinha, Lelete, pelas pesquisadoras Maria Raquel e Márcia Braga, há 20 horas de
entrevistas que o filho fez com o pai, entre 1979 e 1980, quando andaram juntos pelo país na turnê
Vida de viajante.
“Ele faz um ajuste de contas do passado com o pai, pergunta sobre sua história e, assim, começa a
entender a sua própria”, descreve o diretor. Gonzaga — De pai para filho, orçado em R$ 11 milhões,
com roteiro de Patrícia Andrade e produzido pela Conspiração Filmes, já está todo rodado e tem
estreia prevista para o fim de agosto. “O filme é caro, pois é todo de época e viajamos bastante para
fazê-lo”, explica.
Para Silveira, biografias, de forma geral, podem propiciar bons documentários. No caso da ficção,
contudo, as histórias precisam de drama. E foi o que ele encontrou na relação entre os dois músicos,
a partir das fitas. “É um percurso de encontros e desencontros. As fitas são muito emocionantes e no
final há um perdão”, adianta. Mais do que apenas um livro ou um filme, as mil histórias do mestre
poderiam render, na opinião de Silveira, uma minissérie com diversos capítulos. Mesmo com o roteiro
pronto, não pararam de chegar histórias do Velho Lua para o diretor.
Após o sucesso de 2 filhos de Francisco, Silveira acreditava que não iria mais se envolver com
cinebiografias. “Queria filmes autorais, tinha várias histórias para contar”, aponta. “Em 2 filhos, contei
a história dos filhos vista pelo pai. Agora, é a do pai contada pelo filho — e com uma costura musical
maravilhosa”, adianta. Uma das ideias é usar o áudio original das fitas em trechos da obra.
Com as filmagens pelos interiores do Nordeste, o diretor se impressionou com a vitalidade da música
e a força de Luiz Gonzaga ainda hoje. “Gonzagão, para mim, é um de nossos maiores artistas
populares, raiz de nossa cultura. Ele trouxe o Nordeste para dentro do país”, opina Silveira. “Sou um
cara apaixonado por Brasil, e o filme é muito brasileiro.”
Em busca de Lua
Se Gonzagão foi um artista único, de carisma e talento arrasadores, encontrar alguém à sua altura
para vivê-lo nas telas do cinema não foi tarefa fácil. O diretor testou muitos atores, mas não achou
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ninguém sequer parecido. “E ainda tinha que ter algum domínio da música”, analisa. A saída foi
procurar diretamente na fonte. A produção do filme espalhou a busca por rádios e jornais no interior
do Nordeste e chegou a 5 mil inscritos. Uma filtragem reduziu o número a 40.
Depois de testados por Silveira e sua equipe, 10 foram para o Rio de Janeiro. Dois meses de
laboratório revelaram as melhores opções para o papel: Chambinho do Acordeon (que vive o rei entre
27 e 50 anos) e Adélio Lima (o Gonzagão mais velho). Lan Vieira interpreta o músico no fim da
adolescência e começo da vida adulta. “Não procuro atores famosos. A bilheteria dos meus filmes
não tem a ver com isso”, comenta.
Para viver Gonzaguinha, o eleito foi Júlio Andrade. “Ficou praticamente igual. É um ator com um
talento impressionante, com muito tempo de cinema. O público vai ficar espantado”, garante. “Ficou
parecido no jeito, na arrogância, na magreza e na voz.” João Miguel, Zezé Motta, Nanda Costa e
Silvia Buarque também aparecem na película.
Gonzagão
Luiz Gonzaga do Nascimento é nome inventado, sugerido por um padre. O sobrenome não consta na
certidão dos pais, seu Januário (cantado em versos célebres) e dona Ana. Nascido em 13 de
dezembro de 1912 em Exu, no interior pernambucano, seu primeiro disco como cantor só veio aos 33
anos — mas já havia 24 anteriores em que mostrava os dotes como sanfoneiro. O Velho Lua, como
também é conhecido, figura no rol dos artistas mais geniais e originais da música popular brasileira.
Além disso, instituiu o gibão e o chapéu de couro à Lampião como trajes oficiais dos músicos de sua
região. Faleceu em 2 de agosto de 1989.
Breno Silveira
O cineasta, nascido em Brasília, tem um excelente currículo. Em 2005, levou mais de 5 milhões de
pessoas aos cinemas para assistir ao longa 2 filhos de Francisco, que narra a história da dupla
sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano. Foi sua estreia na direção. Em 2007, outro sucesso: Era uma
vez…, um Romeu e Julieta moderno com temáticas sociais. Seu último filme, À beira do caminho,
levou cinco prêmios no Cine-PE deste ano e ainda não foi lançado em circuito comercial.
Gonzaguinha
Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945-1991), carioca, também enveredou pelos lados da música.
Perdeu a mãe muito cedo — aos 2 anos — e foi criado no morro de São Carlos, no Rio de Janeiro,
pelos padrinhos Dina (a da canção) e Xavier. Começa daí o distanciamento dele e Gonzagão, sempre
rodando o país com seus shows, casado com outra mulher e muito ausente na infância do garoto,
que só foi morar com o pai aos 16. Gonzaguinha é lembrado, sobretudo, por canções que se
tornaram clássicos da MPB, como É, Comportamento geral, Começaria tudo outra vez, Explode
coração e O que é o que é.
Duas perguntas // Breno Silveira
Em suas andanças pelo Nordeste brasileiro para as filmagens, o que você encontrou sobre
Gonzagão?
A obra dele está muito presente no Nordeste, de uma forma absurda. Ele deixou de ser um artista
para se tornar um mito. Está muito presente: nas músicas, no jeito de se vestir… Gonzagão não é um
cara que passou, ele continua lá. A música dele é muito executada. Ele tinha algo de ingênuo, mas
também a malandragem para conseguir sobreviver. Veio de um lugar complicado, de onde as
pessoas saem. Foi desterrado do sertão por conta de um caso de amor.
Um boato sempre rondou a relação entre Gonzagão e Gonzaguinha: seria este realmente filho
legítimo do Velho Lua? Você aborda esse tema no filme?
Essa é uma questão que, acredito, nunca vai ser revelada. Eles mesmos não quiseram descobrir, não
sou eu que vou tentar. Mas o filme irá ajudar a esclarecer o porquê da dúvida e da difícil relação entre
os dois. Em uma das fitas, Gonzagão fala: “Não interessa se você é meu filho ou não. Não interessa
se meu sangue corre ou não nas suas veias”. Está gravado! Qual é a importância de ser ou não ser?
CORREIO BRAZILIENSE - Música tátil
Professora de Brasília ganha destaque internacional com projeto que permite a transcrição de
partituras para braille
Irlam Rocha Lima
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(27/05/2012) Há 30 anos, a brasiliense Dolores Tomé dedica-se a capacitar professores de educação
musical das escolas de ensino fundamental e médio para trabalharem com cegos, disponibilizando
um programa que ajuda na transcrição de partituras para o braille. “O objetivo é melhorar e ampliar as
oportunidades dos cegos no mercado de trabalho, a partir da atividade de ensino da música. O
projeto tem também a preocupação com a inclusão social”, afirma a flautista, licenciada em educação
musical pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em ciência em musicografia braille, pela
Universidade Internacional de Lisboa.
Dolores teve a vocação para o magistério estimulada pelo pai, João Tomé, músico e professor cego,
de reconhecida habilidade, morto em 1971, e que deixou como legado algo em torno de 800
composições, entre choros, sambas, valsas e polcas. A musicista, considerada uma das maiores
especialistas no Brasil da musicografia braille e da educação musical para cegos, não vê como
missão o seu ofício, e explica por quê: “Não vejo o cego com o sentimento de pena. Não o trato de
forma diferenciada, em relação a outras pessoas com visão normal. O que falta para o cego é
oportunidade, é a ferramenta para que tenha condições, autonomia e independência para se tornar
um profissional da música”.
Entre 1985 e 2010, Dolores foi coordenadora de musicografia braille na Escola de Música de Brasília.
Há três anos, é gerente de Acessibilidade Cultural da Secretaria de Cultura. Na missão de melhorar e
ampliar as oportunidades dos cegos músicos no mercado de trabalho — incluindo a atividade de
ensino da música —, ela tem como parceiro José Antônio Borges, coordenador do projeto Dosvox, do
Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor do sistema
Braille Fácil, produzido para o Instituto Benjamin Constant.
Software
Com vasta experiência na área da computação, Borges criou o projeto Musibraille, que se destina a
criar condições favoráveis à aprendizagem musical das pessoas cegas, equivalentes às de quem
possui visão normal. Por meio dessa técnica, um texto musical de qualquer complexidade pode ser
transcrito para a forma tátil e facilmente assimilado pelos cegos.
Segundo Dolores Tomé, o software permite que uma pessoa sem deficiência visual transcreva, de
forma automática, uma canção para o braille, usando as letras s, d, f, j, k e l. “É por isso que as teclas
f e j sempre apresentam um pequeno relevo, referência que possibilita os cegos se localizarem”,
explica. “A partir das seis teclas, o usuário segue, então, a lógica do sistema braille, que se baseia
numa combinação de seis pontos, para formar letras, ou no caso, as notas musicais”, acrescenta.
Não há variedade de programas de computador disponíveis no mercado para transcrição musical em
braille. “Os poucos existentes são caros e não estão disponíveis em português, o que impede uma
maior disseminação entre os estudantes brasileiros”, queixa-se a professora. “Felizmente, as
associações e as escolas especiais para cegos contam com esse tipo de equipamento”, acrescenta.
O trabalho de Dolores em seu campo de atuação — mostrado no documentário O som, as mãos e o
tempo, dirigido pelo cineasta brasiliense Marcos Mendes — a levou a ser requisitada para tomar parte
em cursos, seminários, congressos e outros eventos do gênero, no Brasil e no exterior. Entre 1995 e
1996, ela esteve em todas as regiões do país, além do Canadá, da Argentina e de Cuba. No ano
passado, depois de Brasília, o projeto Musibraille foi levado a professores de Vidigueira (Portugal) e
ao Congresso da União Mundial dos Cegos, em Leipzig (Alemanha).
“De 1º a 10 de junho, voltarei com o José Antônio a Portugal. Lá, em Lisboa, Porto e Braga,
estaremos à frente de seminários com base no software. Entre 8 e 13 de julho, participaremos, em
Linz (Áustria) do Congresso de Tecnologia Assistiva, que é o mais importante do mundo nesta área”,
anuncia Dolores. “A repercussão internacional do trabalho que desenvolvemos, veio depois de nossa
participação no congresso de Lepzig”, acredita.
Pioneirismo
A técnica de musicografia braille foi criada em 1928 pelo francês Louis Braille, que adaptou textos
anteriormente desenvolvidos para a transcrição musical. Por meio dela, um texto musical de qualquer
complexidade pode ser transcrito para a forma tátil e facilmente assimilado pelo deficiente visual.
Esse programa permite — de forma limitada — que uma pessoa cega (ou não) introduza o texto
musical por meio de um teclado alfanumérico ou de interface digital para um instrumento.
Agregadora
Entre os mais de 50 músicos cegos encaminhados profissionalmente a partir do método Musibraille,
está Sara Bentes, de Volta Redonda (RJ). “Conheci Dolores há 10 anos, no Festival de Arte Inclusiva,
em Belo Horizonte. Eu estava tocando flauta e ela gostou do que ouviu. Depois disso, estive várias
vezes em Brasília. Numa delas, durante 15 dias, participei do curso de Musibraille”, lembra. Sara
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atribui a Dolores importante parcela em sua formação artística. “Ela é agregadora, sempre disposta a
abrir espaços para os alunos, convidando-os a participar de eventos nos quais toma parte. Ela tem
uma história familiar, com o pai, que era cego, muito bonita.” Além de instrumentista, Sara é cantora e
atriz. Atualmente, integra o elenco da Companhia Mix de Menestréis no musical Filhos do Brasil, de
Oswaldo Montenegro.
ZERO HORA -
Reinvenção pelo samba / Entrevista / Adriana Calcanhoto
Francisco Dalcol
O CD/DVD “Micróbio Vivo” apresenta show de Adriana Calcanhotto na turnê em que ela se
redescobriu no palco Adriana Calcanhotto, cantora e compositora
(05/06/2012) Adriana Calcanhotto acredita que a tradição do samba é seu poder de invenção. Talvez
por ter sido contaminada pelo “micróbio do samba”, ela tenha conseguido se reinventar. No CD/DVD
Micróbio Vivo, que traz um dos shows da turnê do álbum homônimo de 2011, a cantora e compositora
gaúcha é flagrada no palco sem o parceiro habitual, o violão.
Por causa de um cisto sinovial em um tendão da mão direita, Adriana teve que parar de tocar. O fato
ocorreu durante a mixagem do disco, e Adriana chegou a desistir da turnê, mas, por conta de shows
já assumidos em Portugal, acabou se redescobrindo no palco em um giro internacional. O show, que
passou por Porto Alegre em setembro passado, foi gravado no mês seguinte, no espaço Tom Jobim
(RJ), ganhou a forma de especial de TV, no Multishow, CD (com lançamento no dia 10 de junho) e
DVD (dia 25 de junho). Estão ali as 12 músicas do disco Micróbio do Samba, três sambas de outros
compositores e três bônus – como Maldito Rádio, composta para a novela Cheias de Charme.
Sem o violão, Adriana se soltou no palco, evidenciando grande entrosamento com o trio Domenico
Lancelloti (percussão), Alberto Continentino (baixo) e Davi Moraes (violões, cavaquinho). Restrita à
voz, ela dança e se diverte em improvisos com “brinquedinhos eletrônicos”, como o mpc (espécie de
sintetizador eletrônico), e objetos cotidianos, como uma caixa de fósforos.
O samba é um elemento presente desde o começo carreira de Adriana, mas nunca havia sido
apresentado como o todo de um mesmo trabalho. No repertório, além de composições próprias,
Adriana homenageia Lupicínio Rodrigues, com Esses Moços, além de nomes como Paulinho da Viola
(Argumento ) e Péricles Cavalcanti (Dos Prazeres, Das Canções). No DVD, é possível conferir ainda
o documentário dirigido por Clara Cavour, que acompanhou os bastidores de boa parte da turnê
internacional.
Zero Hora – Sem o violão, você parece mais solta no palco, improvisando e se divertindo com alguns
“brinquedinhos” eletrônicos e sons de objetos. Qual é sua relação com esses recursos?
Adriana Calcanhotto – Sou curiosa por esses brinquedinhos. Gosto muito desses caminhos, usando
coisas de brinquedo, maquininhas, objetos... O fato de eu não estar tocando violão me ajudou a
colocar esses brinquedos na roda. E ficar solta, sem o violão, me deu a chance de tocar outras coisas
que não são convencionais.
ZH – Como está a mão agora?
Adriana – Operei a mão e ainda não consigo tocar pelo esforço que o violão exige. Mas estou
tocando guitarra. No show, já faço o bis tocando guitarra. Mas tenho tocado bem pouco ainda. E
como o show está resolvido de uma maneira que me dá prazer, ainda me sinto livre para fazer outras
coisas que não tocar violão.
ZH – Nesse reencontro com o instrumento, você sentiu algum distanciamento?
Adriana – Sim, eu achei que o instrumento teria me abandonado. É isso o que os professores e
músicos falam que acontece quando ficamos distantes por um tempo do instrumento. Mas estou
tocando pouco e sem pressa. E também tenho gostado da guitarra. A Maldito Rádio, eu já gravei
tocando. Foi a primeira depois da lesão e da cirurgia.
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ZH – Quando Davi Moraes, que havia gravado o CD, assumiu o violão do show, você comentou que
ele valia por dois. Ele e os outros músicos resolveram de forma muito bem acabada o show, não é?
Adriana – Ele faz o meu violão, melhor do que eu, e o dele, de forma muito criativa. É uma parceria
que rendeu. Esse trio tem uma coisa de sintonia, cumplicidade, fluidez... Os caras saem tocando.
Eles têm muita admiração um pelo outro. O pessoal comenta como fica claro que a gente ouviu a
mesma coisa e como bateu da mesma maneira. Tem algo comum entre a gente e que nos prende.
ZH – O documentário que acompanha o DVD, com direção de Clara Cavour, registra desde os
primeiros ensaios até o Japão, onde ela deixa a estrada para voltar ao Brasil e montar o filme. Clara
parece fazer parte da turnê, como uma integrante.
Adriana – Sim, ela está atrás da câmera durante quase todo o tempo e, quando por acaso não está,
ajuda a carregar tralhas. A excursão foi assim, ralada, e o DVD mostra a gente em “guerrilha”, todo
mundo carregando coisas... Revela nossa união. Quando a Clara volta do Japão, a gente ainda
sugue na estrada.
ZH – O quarteto seguirá em turnê?
Adriana – Estamos bastante envolvidos com o projeto Micróbio. Então, vamos seguir, sim, fazendo
shows. Em 6 de julho, também vou ao Montreux Jazz Festival. Recebemos um convite para
apresentar um show de três guitarras: eu, Davi Moraes e Pedro Sá. O festival nos convidou, e
estamos tão animados com esse negócio... O repertório está sendo escolhido ainda, dentro da maior
liberdade. Está sendo bem divertido.
ZH – O CD/DVD Micróbio Vivo celebra o samba e, ao mesmo tempo, demarcam um espaço em sua
discografia exclusivamente dedicado ao gênero. Passado esse ano de envolvimento com o projeto,
como você vê esta fase?
Adriana – Eu nunca tinha feito algo tão dentro de um único gênero. Ao mesmo tempo em que é um
disco não planejado, é também surpreendente. Eu passei a minha vida dizendo que não me via
fazendo um disco de um gênero só, que não fosse ritmicamente híbrido... Mas esse disco é de
constatações. Eu constatei que tinha sambas compostos e que eu não os estava fazendo
conscientemente. Aí, o depoimento do Lupicínio Rodrigues sobre o “micróbio do samba” me deu uma
chave, eu entendi que aquilo (as composições) era uma safra só, um conjunto de coisas. Tanto que
depois eu não compus mais sambas. Então, o Micróbio... é uma explicitação de que o samba sempre
esteve claro no meu trabalho como influência, mas que eu nunca havia me esparramado com ele em
um disco inteiro.
ZH – Em sua opinião, onde repousa a tradição do samba?
Adriana – A tradição do samba é a invenção. O samba se reinventa, se alarga, se modifica... É uma
coisa muito viva. O mais interessante pra mim é o samba como invenção. E o Micróbio é a influência
disso na minha música.
O GLOBO -
Por que parou?
Há sete meses em análise na Casa Civil, projeto do MinC para reformular a Lei do Direito Autoral
empaca num imbróglio que envolve dois ministérios e a CPI do Ecad
Cristina Tardáguila
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(5/6/2012) Uma trapalhada burocrática envolvendo dois ministérios e a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do Senado que recentemente investigou o Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição (Ecad) vem impedindo a Casa Civil de enviar ao Congresso o projeto de Lei de Direito
Autoral que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, encaminhou ao órgão há sete meses.
Procurada pelo GLOBO para esclarecer por que ainda não repassou para a Câmara dos Deputados
o texto que, em 2011, manteve o Ministério da Cultura (MinC) ocupado por quase dez meses, a Casa
Civil apresentou, em nota, duas razões: a complexidade do assunto, que envolve outros ministérios
(Fazenda, Saúde e Relações Exteriores, entre outros), e o fato de ainda não ter recebido o relatório
final com as conclusões da CPI.
“O projeto é complexo, possui ampla repercussão social e econômica e sua elaboração envolve
vários órgãos (...). Além disso, por tratar inclusive da gestão coletiva dos direitos autorais, não teria
sentido fechar um texto antes de o Senado concluir suas discussões e encaminhar suas
recomendações sobre esse tema, que foi objeto de CPI sobre supostas irregularidades no Ecad”, diz
o texto.
A CPI do Ecad, no entanto, foi encerrada em 26 de abril, e seu relatório final, redigido pelo senador
Lindberg Farias (PT-RJ), entregue na mesma data, em cerimônia pública e oficial, à ministra Ideli
Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais.
— Entregamos o relatório final nas mãos de Ideli porque a ministra Gleisi (Hoffmann, da Casa Civil)
não tinha e não teve até agora agenda para nos receber — conta o senador Randolfe Rodrigues
(PSOL-AP), presidente da CPI. — E, na cerimônia oficial, Ideli disse diante de vários artistas,
membros da comissão e integrantes da Frente Parlamentar de Cultura que agiria como uma militante
da nossa causa e que entregaria o documento à Casa Civil o quanto antes. Ao que parece, vem nos
negligenciando...
Consultada pela reportagem, a Secretaria de Relações Institucionais reconheceu, em nota, que ainda
não encaminhou o relatório da CPI à Casa Civil: “A ministra Ideli Salvatti recebeu uma versão
preliminar do documento e aguarda que o Congresso envie formalmente o relatório para que seja
encaminhado à Casa Civil.”
O motivo, no entanto, causou estranhamento tanto na classe política quanto na artística. — Mas o
texto que a Ideli recebeu é o final e não há dúvidas quanto a isso — diz a deputada federal Jandira
Feghali (PC do B-RJ), presidente da Frente Parlamentar de Cultura. — O problema me parece
político. Desde o início do ano passado, o Congresso reivindica do Executivo um projeto para
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substituir a lei 9.610 (a Lei do Direito Autoral), mas ele não vem. O que está na Casa Civil já passou
por oito seminários e duas consultas. Se fosse mesmo uma prioridade do MinC, haveria celeridade.
Os cantores Jorge Vercillo e Fernanda Abreu, que participaram da cerimônia de encerramento da
CPI do Ecad e entregaram o relatório nas mãos de Ideli — como mostra a foto nesta página —,
também reagiram:
— Acho que deve estar havendo um engano — diz Vercillo. — A ministra Ideli recebeu, sim, o
relatório final. Não só recebeu como também se declarou militante da nossa causa. Fora isso, a
conclusão da CPI também foi entregue à Corregedoria Geral da República.
— A mensagem que isso passa é que o governo não se interessa por cultura, que não está nem aí
para nós — diz Fernanda. — Com essa burocracia, ele atravanca discussões importantes, como a
que diz respeito aos direitos autorais nas novas mídias. Uma pena. Mais uma vez este país que
ascende economicamente, que parece a bola da vez, que mostra mobilidade social, deixa a cultura
de lado. Em nota, o MinC destaca que “tem interesse no envio do Anteprojeto de Lei de
Modernização da Lei do Direito Autoral ao Congresso”, mas que “entende que as alterações de vulto
necessitam de minuciosa análise”. Questionado sobre se tem a intenção de fazer algum tipo de
pressão política para que o projeto tramite de forma mais célere, não respondeu. Convidado a
comentar a situação, o Ecad preferiu não participar da reportagem.
LIVROS E LITERATURA
CORREIO BRAZILIENSE –
Poesia / Manoelde Barros é premiado / Curtas
(25/5/2012) O poeta matogrossense Manoel de Barros é o primeiro autor brasileiro a receber o
Prêmio de Literatura Casa da América Latina/Banif, criado em 2005. O livro Poesia Completa (Ed.
Leya) recebeu voto unânime dos jurados. O escritor pediu a sua filha Martha de Barros para receber
o prêmio. Mas fez questão de agradecer a homenagem com um poema inédito.
CORREIO BRAZILIENSE -
Verdades sobre um mito
Maíra de Deus Brito
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Marcel e Alexandre recuperam as visões sobre Zumbi em três épocas
(25/5/2012) Ícone do movimento negro brasileiro, Zumbi dos Palmares ganhou status de herói no
século 20. Porém, ainda assim é preterido em salas de aula e sua história não tem uma versão
definitiva. Na tentativa de construir “a verdade mais verdadeira” sobre o líder quilombola, os
historiadores Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira lançam o livro Três vezes
Zumbi — A construção de um herói brasileiro.
A partir de textos, artigos e ensaios, a obra faz um apanhando de várias versões que a sociedade
brasileira exprimiu sobre Zumbi. “Queríamos dar visibilidade a um modo ainda pouco usual de
interrogar o passado nacional, um modo descrente na possibilidade de alcançar a verdade última
sobre os acontecimentos históricos”, explicam os autores, que observaram comentários e impressões
em três épocas distintas: na fase colonial, na fase de formação do Brasil e na fase contemporânea.
Na primeira parte — que vai até o século 18 —, o quilombo de Palmares figura como foco de
instabilidade da capitania de Pernambuco e as análises sobre Zumbi surgem somente por volta de
1780. O historiador baiano Rocha Pita é um dos poucos que falam sobre ele. Nas anotações de Pita,
“Zambi” (como foi escrito na época) era, na verdade, um título, não uma pessoa, e o “príncipe eleito”
teria se matado para evitar a volta para o cativeiro (contudo, mais tarde fica provado que Zumbi foi
assassinado).
No momento seguinte (do século 19 até o início do 20), Zumbi perde a importância e ganha
características negativas, como a de personagem-obstáculo na civilização do Brasil. Em uma
sociedade que buscava a consolidação de sua cultura nacional — mesmo que com forte influência
europeia — , ter um herói negro e uma insurreição escrava era um fardo que devia ser colocado para
debaixo do tapete.
A guinada de Zumbi acontece na década de 1930, quando ele ganha mais espaço nas discussões
sobre a história do país. O “novo” Zumbi é um herói na luta pela liberdade da raça negra. Essa
imagem foi recorrente até o início dos anos 2000, quando a nova geração de historiadores deu menos
destaque a Zumbi no episódio de Palmares e amenizou o caráter militante e socialista de quilombo.
“As três construções descritas no livro foram ‘coesas’ a seu tempo, isto é, gozaram do estatuto de
verdadeiras. É ingênuo pensar que somos, hoje, mais espertos ou mais lúcidos do que os homens
que nos antecederam. De tempos em tempos, mudamos os óculos pelos quais olhamos o mundo. E é
impossível estabelecer qual dos óculos é o melhor”, pontuam Jean Marcel e Ricardo Alexandre.
Na busca pelos vários Zumbis “criados” ao longo dos séculos, uma análise chamou a atenção da
dupla de historiadores. Em alguns ensaios, o antropólogo Luís Mott afirma que o quilombola era
homossexual, a partir de algumas evidências, como a ausência de filhos, o apelido “sueca” e o fato de
ser descendente dos Jagas de Angola (“etnia em que a homossexualidade tem numerosos adeptos”).
Polêmicas à parte, Zumbi continua como herói dos oprimidos.
ZERO HORA –
Um desabafo sob a chuva
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Martha Medeiros autografa hoje o inédito “Noite em Claro”
(31/05/12) O livro começou a ser escrito em uma noite insone, e a narrativa deveria se estender pelo
tempo que durasse a chuva. Noite em Claro, uma história de ficção curtíssima que Martha Medeiros
autografa hoje à noite, no Shopping Total, em Porto Alegre, pela Coleção 64 Páginas da L&PM, é um
breve inventário da vida amorosa de uma mulher que nunca conseguiu conciliar amor e sexo em um
mesmo relacionamento.
Os originais do texto – despretensioso, ela sublinha – ficaram armazenados no computador por cerca
de nove anos. Martha não sabia que destino lhe dar – como e onde publicar uma narrativa tão
enxuta? Em 2007, o escritor Sergio Faraco, em busca de trabalhos para uma coletânea de contistas
bissextos que então organizava, entrou em contato para verificar se Martha teria algo com que
contribuir. A cronista recuperou a trama da noite chuvosa concluída anos antes e a submeteu para
avaliação.
– Era uma história que prendia o leitor em nervosa expectativa, mas como parecia mais um projeto de
novela, ou uma novela inacabada, perguntei-me se não era o caso de Martha retomá-la, destinando-a
a uso melhor do que uma obra coletiva. Merecia, e foi o que lhe disse. E também que iria esperar a
novela – conta Faraco. – Bem, a novela aí está, ela aproveita aquele episódio inaugural e vai além,
com um grau de inquietação e sensualidade que perturba até o final – acrescenta.
Noite em Claro é o trabalho de Martha que mais se utiliza do sexo. A protagonista, uma
apresentadora de televisão, relembra sua iniciação sexual, exatos 21 anos antes da noite em que
decide começar a escrever. Repassa um episódio em que quase foi submetida a força, revela que
tem sido perseguida por um perturbado que não se cansa de lhe mandar e-mails e chega até o relato
sobre o casamento, que guarda uma particularidade que torna a relação incompleta. O enredo
original, que começa em uma noite solitária de Dia dos Namorados, entorpecida por champanhe, foi
ampliado para se adaptar ao modelo da coleção, que já soma 19 títulos – o de Martha é o primeiro
inédito.
– Gosto desse texto. Vem à tona logo depois de Feliz por Nada, que foi um sucesso, mas fiquei muito
etiquetada como “a mulher que fala sobre felicidade”. As revistas me ligam para falar de felicidade.
Como se eu soubesse – diverte-se Martha. – Agora é uma mulher infeliz, que conta suas relações
imperfeitas, seus amores incompletos. Que bom que surgiu essa oportunidade.
FOLHA
DE
S. PAULO
- Livro sobre reunião entre Vargas e Roosevelt vale pelo
pitoresco
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O jornalista Roberto Muylaert transformou em livro uma nota de rodapé da história. A obra trata do
encontro entre os presidentes Franklin Roosevelt, dos EUA, e Getúlio Vargas, na base aérea
americana de Natal em 28 de janeiro de 1943.
Apesar de ter servido à propaganda da ditadura do Estado Novo, o encontro em plena Segunda
Guerra teve pouca relevância para o conflito e para o Brasil.
O ponto de inflexão por que passava a guerra estava distante do Nordeste brasileiro. Roosevelt vinha
de uma reunião com Churchill, primeiro-ministro britânico, em que eles haviam afinado a estratégia
das Forças Aliadas. E, poucos dias depois da visita, o Exército soviético derrotaria os nazistas na
batalha de Stalingrado. Foram esses os eventos decisivos.
A reunião de Natal também teve pouca importância para o Brasil. Nenhuma decisão foi tomada na
base, que, aliás, já servia de escala aos aviões americanos que levavam suprimentos ao norte da
África.
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O livro levanta um aspecto pouco explorado pela historiografia: em troca do envio de soldados
brasileiros à guerra, Roosevelt acenou com um papel que o país teria na futura ONU, "com um
possível assento no Conselho de Segurança".
Tal filão, porém, é pouco explorado pelo autor, o que impõe uma pergunta: por que Roosevelt tentou
seduzir Vargas a aceitar uma proposta que não era do interesse das Forças Armadas americanas?
Pelo que se sabe, a iniciativa de enviar tropas à guerra já era defendida pelo próprio Vargas antes do
encontro.
O melhor de "1943" são os "casos pitorescos". O contingente de 5.000 soldados americanos mudou o
cotidiano da cidade. Foi lá que o Brasil conheceu a Coca-Cola, o chiclete e a cerveja em lata.
O autor gasta muita munição para derrubar mitos locais, como a crença de que os aviões saíam de
Natal para combater na África e depois retornavam à base.
A narrativa é interrompida, com uma inesperada mudança de foco, que passa a ser a história da
alemã casada com um filho de Getúlio, sobre a qual recaía a suspeita de ser espiã nazista.
Desconectada do encontro de Natal, a história, no entanto, vale por si -um caso de digressão
transformada em bônus.
OSCAR PILAGALLO, jornalista, é autor de "História da Imprensa Paulista" (Três Estrelas).
CORREIO BRAZILIENSE - Literatura brasiliense vai a Nova York
Nahima Maciel
Clotilde Chaparro Rocha leva na viagem o audiolivro de Duzinda
(5/6/2012) Já que o mundo anda de olho no Brasil, Victor Tagore, editor executivo da editora
brasiliense Thesaurus, resolveu investir na divulgação da literatura candanga no exterior. O primeiro
passo foi dado no último fim de semana, quando 10 autores da cidade embarcaram para Nova York a
fim de participar da Book Expo America (BEA), feira de negócios voltada para o mercado editorial,
que começou ontem e vai até amanhã.
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Para poder divulgar o material, Tagore investiu na tradução para o inglês da prosa de 10 autores.
Além de oferecer as histórias brasileiras aos editores norte-americanos, a Thesaurus vai vender os
livros pela Apple Store e pelo site da própria editora, no qual poderão ser baixados em tablets. Na loja
virtual, 30% dos volumes serão distribuídos de graça.
A Thesaurus está acostumada a participar de feiras de livros para as quais leva uma determinada
quantidade de volumes para venda direta. “Só que a de Nova York tem uma estrutura diferente, ela é
mais ligada ao mercado editorial”, explica Tagore. “E os Estados Unidos são um mercado grande, no
qual as pessoas estão curiosas sobre o Brasil. Já tivemos 22 contatos de livrarias interessadas em ter
nossos livros. O Brasil é a bola da vez. A gente tem que capitalizar em cima disso até 2016.”
Dos autores selecionados, Clotilde Chaparro Rocha é a única que vai a Nova York com audiolivro.
Duzinda já havia sido traduzido para o inglês, mas a autora decidiu gravá-lo para ampliar o mercado.
“Audiolivro é uma tendência porque as pessoas querem ler cada vez menos”, justifica. Publicado em
2002, o livro traz a história real de uma mulher maltratada pelo marido e discriminada pela própria
família por ter perdido a virgindade antes do casamento.
Na leva de autores, também entram Marcos Linhares e Cristóvam Buarque. Do primeiro, a Thesaurus
lança em Nova York o inédito Crime in the heart of Brazil, uma biografia de Laerte Bessa, delegado
da Polícia Civil que desvendou crimes como o de Marcelo Bauer, Elizabeth Lofrano e Pedrinho, o
menino roubado de uma maternidade em 1986. O livro será lançado ainda este ano no Brasil com o
título Não existe crime perfeito.
De Buarque, a editora leva dois romances, The subterrenean gods e Astrícia or the man who dribled,
cujos textos já haviam sido traduzidos para o inglês em outras ocasiões. A Thesaurus fechou parceria
com a Fundação Alexandre Gusmão para poder viabilizar a viagem. Na mala, levou Dom Casmurro
em espanhol. “Também estou levando um catálogo em inglês e espanhol. Na capa do catálogo está
escrito que a capital do Brasil não é o Rio de Janeiro e que, se a pessoa pensa isso, ela está 52 anos
atrasada. Você vira a página e tem uma frase que diz que também não é São Paulo a capital. E assim
vamos apresentar os nossos autores por lá”, garante Tagore.
Projetos em Portugal
Brasília também marca presença neste mês em Portugal, no I Congresso Internacional de Cultura
Lusófona Contemporânea. No evento, que ocorre na cidade de Portalegre, dias 10 e 11, a
pesquisadora Dinorá Couto Cançado falará sobre o tema “O apoderamento da cidadania por meio da
leitura: 25 projetos brasilienses voltados para essa busca”. Entre esses, estão projetos como Café
com Letras, Programa Mala do Livro, Jornal e Educação, Bibliotecas Casas do Saber e Servidor
Solidário. A viagem foi possibilitada pelo Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural, do Ministério da
Cultura. Uma das contrapartidas oferecidas ao MinC por Dinorá é a realização, na volta, da sexta
edição do Fórum Brasília, Capital das Leituras.
O GLOBO -
Projeto Memória celebra Drummond
Vida e obra do poeta mineiro ganham acervo digital, kit escolar e mostras
Mariana Moreira
(4/6/2012) No poema “Relógio do rosário”, publicado no livro “Claro enigma” (1951), reeditado
recentemente pela Companhia das Letras, o poeta Carlos Drummond de Adrade (1902-1987)
escreveu: “Que não macule ou perca a sua essência ao contato furioso da existência”. O recorte do
poema destaca a intensidade da vida e da obra do escritor, que ganha homenagem em mais uma
edição do Projeto Memória, com a criação do acervo “Drummond, testemunho da experiência
humana”. O lançamento do projeto acontece hoje, às 19h, no Palácio Gustavo Capanema, no Centro.
O local não foi escolhido por acaso: o poeta trabalhou no edifício por muitos anos como servidor do
Ministério da Educação, que era sediado lá.
O projeto, criado em 1996, é uma parceria entre a Fundação Banco do Brasil, a Petrobras e a
Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), que guarda o acervo pessoal de Drummond em seu arquivo
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e Museu de Literatura. Para celebrar o autor dos poemas “No meio do caminho”, “A Rosa do povo” e
“E agora, José?” — que será também o escritor homenageado da Festa Literária Internacional de
Paraty (Flip), em julho —, kits pedagógicos com biografia e DVD serão distribuídos em 18 mil escolas
públicas. Além desse material e de um site exclusivo (www.projetomemoria. art.br), haverá também
mostras itinerantes em mais de mil municípios. Serão 16 painéis com poesias, livros fotobiográficos e
exibição do documentário “Drummond, testemunho da experiência humana”, dirigido por Maria de
Andrade.
Diretora do Centro de Memória e Informação da FCRB, Ana Pessoa destaca que o ponto principal do
projeto é ampliar o alcance da obra de Drummond.
— Além dos kits das escolas, todos terão acesso ao site, e o objetivo é esse mesmo: criar uma ponte
entre a produção literária e cultural do nosso país com o público, principalmente para aqueles que
entram em contato com a obra pela primeira vez — observa Ana.
O GLOBO -
Rocinha ganha uma biblioteca de 5 andares
Acervo conta com obras de escritores da favela; instalação terá DVDteca e internet em braile
Ana Cláudia Costa
(5/6/2012) Ao lado da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, o governador Sérgio Cabral inaugurou
ontem a Biblioteca Parque da Rocinha. Esta é a terceira unidade similar inaugurada no estado.
Outras duas já funcionam em Niterói e Manguinhos.
A obra, com cinco andares e 1.600 metros quadrados, faz parte do projeto do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) da Rocinha e conta com cineteatro, DVDteca, sala para cursos,
estúdios de gravação de áudio e vídeo , edição audiovisual, internet comunitária, cozinha-escola e um
setor de leitura na internet em braile. De acordo com a ministra Ana de Hollanda, a ideia da biblioteca
nasceu de um desejo da própria comunidade, que sonhava com um centro de convivência e cultura.
— Nós que trabalhamos com a cultura temos que pensar que quem faz a cultura é o povo. Nosso
papel é dar ferramentas para ele desenvolver isso — afirmou a ministra.
Durante a inauguração, o governador Sérgio Cabral destacou a importância da chegada da cultura a
uma comunidade carente. Cabral, que assistiu a apresentações de samba, funk, dança e teatro,
ressaltou que a realização do projeto foi possível porque a Rocinha não está mais dominada por
traficantes. Ao lado de dançarinos de funk, que apresentaram o “passinho”, o governador disseque
vai convidar moradores de Manguinhos, que já possuem uma biblioteca, a visitar a favela.
O objetivo do projeto, abrigado num prédio de cinco andares, é integrar os moradores da Rocinha
com a cultura. Na biblioteca, que já conta com um acervo de 15 mil livros, deficientes visuais terão
acesso a livros e internet em braile. Do acervo literário também fazem parte livros escritos por
moradores locais destacando a vida e a cultura da favela. Esse é o caso do escritor Fernando Ermiro,
autor do livro “ Contos da Rocinha Memória Feminina em Três Tempos” . O livro, lançado em março,
conta a história da favela na visão de uma idosa, uma mulher de meia idade e de uma criança.
— Acho importante que os moradores tenham acesso também a livros que contem a história do local
onde moram — disse Ermiro.
FOLHA DE S. PAULO -
Livro busca decifrar enigma João Gilberto
Edição comemorativa traz entrevistas, depoimentos e ensaios sobre o cantor, que completa 81 anos
no domingo
Organizador e editores buscaram deixar em segundo plano o folclore em torno do criador da bossa
nova
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João, entre Luiz Roberto e Quartera, de Os Cariocas, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, nos anos 1960, no Rio de Janeiro
PAULO WERNECK
(6/06/2012) Depois do anticlímax de ter a turnê de seu aniversário de 80 anos cancelada no ano
passado, João Gilberto completa 81 no próximo domingo debaixo de um holofote que pode ajudar a
compreender por que, afinal, tanta gente o considera um gênio.
Misto de fortuna crítica e homenagem, o livro "João Gilberto", que a Cosac Naify lança nesta semana,
tem tudo para se tornar um marco, como "O Balanço da Bossa" (1968), de Augusto de Campos, ou
"Chega de Saudade" (1990), de Ruy Castro.
Organizado por Walter Garcia, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, sob coordenação
dos editores Milton Ohata e Augusto Massi, o livro pretende reunir tudo o que já se escreveu de
importante sobre João e que estava fora de circulação.
Jornalistas, musicólogos, músicos e pesquisadores foram mobilizados para mostrar diferentes
ângulos da arte de João, sua recepção na França, na Itália, no Japão, suas conexões com a
arquitetura e a literatura.
Lá estão as primeiras entrevistas e perfis dos anos 1950, as resenhas feitas no calor da hora, os
depoimentos de músicos e parceiros e uma empolgada convocação do cronista Antonio Maria para
que o leitor fosse ouvir o baiano em sua companhia, numa boate em Copacabana.
"Este é um livro a favor", explica Ohata. E ser a favor, aqui, significa pôr em segundo plano o
anedotário que aderiu à figura de João. Esqueça o homem que fez o gato se suicidar, que fala no
telefone por código Morse, que só sabe reclamar do som e do ar-condicionado etc. Não por acaso, há
no livro uma seção chamada "Antianedotário".
"É uma grande bobagem reduzir João ao anedotário", disse Garcia à Folha. "Espero que o livro ajude
a desmitificar muito do que se fala de João Gilberto."
Na busca por essa "desmitificação", Garcia foi atrás de Aderbal Duarte, músico e professor baiano
que conseguiu demonstrar como se dá, na pauta musical, a famosa batida criada por João.
Outra "aventura" foi localizar, em Manhattan, o baterista Sonny Carr, que atuou no cultuado disco
branco de 1973 e que muitos acreditavam não passar de pseudônimo.
ENSAIO
Embora também traga reportagens e depoimentos, além de fotos inéditas (veja uma delas acima), a
tônica do livro é o ensaio.
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O melhor exemplo de tentativa de apreender criticamente a obra de João e tratá-la como uma
questão intelectual é um texto de 1992, talvez o mais citado ensaio sobre o cantor.
No curto e brilhante "João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova", o musicólogo Lorenzo Mammì
demonstra como João simbolizou uma geração que apresenta "seu mais rigoroso trabalho como um
lazer, como o resultado ocasional de uma conversa de fim de noite".
Nem tudo, porém, está no holofote da Cosac Naify. Sobram EUA, Europa e Japão, mas falta
esquadrinhar sua passagem pelo México, onde gravou um de seus discos mais importantes. Falta
também uma análise mais densa de sua parca produção como compositor.
Dissecar o mito, no entanto, nem sempre escapa ao tom de "vida de santo" tão comum nos textos
sobre o baiano. Que o diga o produtor japonês Shigeki Miyata, que em seu "O Cotidiano de um Deus"
relata em êxtase um telefonema de João, numa abstrusa mistura de português e inglês: "Sentia como
se tivesse ouvido uma linda música durante minutos".
Como escreve Mammì, "a perfeição de João Gilberto [...] carrega objetivamente os estigmas da
obsessão".
Ou, como resumiu o amigo e parceiro Vinicius de Moraes, em 1964: "Eu sei que dentro da sua
neurose, dentro da sua esquisitice, existe um lugar que ele rega diariamente com as lágrimas que
chora por dentro. Um lugar que podemos chamar de Brasil, por exemplo".
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