VULNERABILIDADE MACROECONÔMICA NO MERCOSUL: A UTILIZAÇÃO DE UM ÍNDICE PARA BRASIL E ARGENTINA Rogério Piva da Silva1 Camilla de Oliveira2 Área Temática: América Latina: Estratégias Nacionais e Integração Regional Resumo: Dois fenômenos protagonizam o cenário econômico mundial: a globalização econômica e a regionalização ou integração econômica. O estudo analisa as economias dos principais países do MERCOSUL, Brasil e Argentina, e sua situação financeira. Os procedimentos metodológicos adotados baseiam-se no raciocínio dedutivo, na pesquisa aplicada, descritiva, documental e quantitativa, aplicando um índice capaz de medir a vulnerabilidade financeira e econômica (IVFE), que engloba receitas e obrigações de pagamentos reais e virtuais. Nota-se um crescimento da fragilidade externa dos países nos anos de 1994 e 1995, devido à Crise Mexicana; E em 1997 e 1998, por causa do maior volume de capitais de curto prazo, das despesas de serviços não financeiros, da Crise Asiática e da Moratória da Rússia. O Brasil apresenta aumento do IVFE, no primeiro trimestre de 2007, resultado da crise dos EUA, aumento da taxa de juros e recrudescimento da inflação. Em 2011, o IVFE do Brasil é menor que o da Argentina, devido ao fortalecimento da economia brasileira e problemas enfrentados pela Argentina: recessão, alta inflação e uma desvalorização monetária. O índice mostra-se eficiente para projetar futuras crises de confiança internacional e a fragilidade financeira. Para apresentação do trabalho é necessária a utilização de projetor de imagem. Palavras Chave: MERCOSUL. Vulnerabilidade Macroeconômica. Brasil. Argentina Abstract: Nowadays two phenomena characterize the world's economic scenario: the economic globalization and the economic integration. This paper analyses the economy of the major countries of MERCOSUL, Brazil and Argentina, and their financial situation. The methodological procedures adopted are based on a deductive reasoning and an applied, descriptive, documentary and quantitative research, applying an index able to measure the financial and economic vulnerability (IVFE) that englobes revenues and liabilities of real and virtual payments. A growth of the external fragility of the countries can be noted in the years 1994 and 1995, because of the Mexican peso crisis; And in the years 1997 and 1998, because of a big amount of short-term capital, expenses with non-financial services, the Asian financial crisis and the Russian financial crisis. Brazil presents an increase of the IVFE on the 2007 first's quarter as a result of the U.S. subprime mortgage crisis, an increase of the lending rate and inflation. In 2011, Brazil's IVFE is lower than the Argentine, what can be explained because of the strengthen of the Brazilian economy and economics problems faced by Argentina like recession, high inflation levels and a currency devaluation. The index appears to be efficient to project future international confidence crises and the financial fragility. Keywords: MERCOSUL. Macroeconomic Vulnerability. Brazil. Argentina 1. Introdução Dois processos protagonizam o cenário mundial nas últimas décadas, a globalização econômica e a integração econômica. Ambos são fenômenos 1 Professor Associado do Instituto de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande – Doutor em Economia – UAM – Rua Lino Neves, 730 – Rio Grande- RS, CEP: 96202-600. Tel. (53)9118-2713 – [email protected] 2 Acadêmica do Curso de Ciências Econômicas – Universidade Federal do Rio Grande – Av. Presidente Vargas, 285, Bl. L1 101 – Rio Grande – RS, CEP: 96202-100. Tel. (53)2125-7628 – [email protected] complementares. A globalização cria a necessidade de economias mais dinâmicas e competitivas, propulsionando assim o regionalismo. Um dos processos que mais se desenvolveu na última década na América Latina, consequência desta forte tendência de integração das economias 3, foi o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, constituído por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai no dia 26 de março de 1991, em Assunção no Paraguai. Os países que formaram este Bloco Econômico acordaram ampliar as dimensões dos seus mercados nacionais com base na premissa de que a integração constitui condição fundamental para acelerar o processo de desenvolvimento econômico e social de seus povos. Estabeleceram que a constituição do mercado comum deve pautar-se pelo aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, pela preservação do meio ambiente, pela melhora das interconexões físicas e pela coordenação de políticas macroeconômicas de complementação dos diferentes setores da economia, fundamentados no equilíbrio, gradualidade e na flexibilidade para uma maior inserção no cenário internacional. O comércio intra-regional, então, multiplicou-se e fortaleceu as relações comerciais entre os países membros. Entretanto, as diferenças entre os países do bloco, como as divergências no aspecto estrutural e no grau de desenvolvimento e as assimetrias em algumas variáveis macroeconômicas, dificultam o avanço do bloco, no que diz respeito a estágios mais avançados de integração. Por outro lado, o rápido crescimento verificado no comércio internacional nos últimos anos foi facilitado pela redução nos custos de transporte e comunicações, assim como pela liberação de fluxos comerciais e financeiros. Esse rápido crescimento gerou uma maior integração produtiva no mercado global, o que possibilita a busca por economias de escala, mas também acabam por transmitir mais rapidamente efeitos positivos e negativos de crescimento, depressão ou instabilidade financeira a todas as economias regionais. As várias crises que afetaram a economia mundial nas últimas décadas revelaram a fragilidade do funcionamento do mercado financeiro, bem como, evidenciaram os equívocos na política econômica das nações capitalistas. Da mesma forma, a interdependência da economia mundial ficou manifesta a partir da rápida transmissão dos efeitos dessas crises a quase todo o planeta. 3 Conforme Silva, R.Piva (2000) Integração é um processo de aglutinação ou união de dois ou mais Estados que, buscando alcançar objetivos comuns definidos em um marco institucional comunitário, desenvolvem uma maior cooperação e interdependência. Assim, a nova etapa da economia mundial associado às sucessivas crises econômico-financeiras tem se manifestado em efeitos devastadores, não só para as economias periféricas ou em desenvolvimento, como é o caso dos países que compõe o MERCOSUL, mas também, para os países desenvolvidos e blocos consolidados, como é o caso da União Europeia. Portanto, o objetivo deste estudo é identificar o grau de vulnerabilidade externa dos países do Mercosul, principalmente Brasil e Argentina, a partir da utilização de um índice de vulnerabilidade financeira e econômica (IVFE). O IVFE é obtido através de uma análise das receitas e obrigações, reais e virtuais, do balanço de pagamentos dos países analisados. Os dados são trimestrais, a partir de uma amostra que compreende todos os trimestres de 1994 até 2011, e foram obtidos junto ao Boletim Mensal do Banco Central do Brasil, ao Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e na base de dados do Fundo Monetário Internacional. 2. Mercosul 2.1 Antecedentes e histórico Os estudos preliminares, buscando a integração econômica nos países da América Latina, iniciaram-se entre a década de 40 e 504 na Comissão Econômica para América Latina (CEPAL). Baseado na ótica de desenvolvimento da época e no modelo de substituição das importações, a formação de um mercado comum latino americano teria por função ampliar os mercados nacionais, obter economias de escala, aproveitando as especificidades de cada país para assim promover o desenvolvimento da região. A primeira iniciativa de integração econômica na América Latina foi feita pela Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua, com a celebração do tratado de Manágua que estabeleceu o Mercado Comum Centro Americano (MCCA) decretando livre comércio na região. No mesmo período, criada pelo Tratado de Montevidéu, em 18 de fevereiro de 1960, foi fundada a Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), inicialmente tendo Brasil, Argentina, Chile, México, 4 Anteriormente, em 1990 e 1935, foram feitas negociações entre Argentina, Brasil e Chile para formar o “Pacto ABC” de livre comércio, que não frutificou em nenhuma das tentativas. Em 1958 e 1959, foi proposto pelo Brasil a “Operação Panamericana” (OPA), na qual os Estados Unidos destinariam, a exemplo do Plano Marshall para Europa, ajudas econômicas aos países latino americanos. Os Estados Unidos rechaçaram a proposta (SILVA, 2000). Paraguai, Peru e Uruguai como participantes. Posteriormente, Equador e Colômbia (1961), Venezuela (1966) e Bolívia (1967) ingressaram na associação. Poucos anos mais tarde, instituiu-se a Comissão Especial de Coordenação Latino Americana (CECLA, 1964), a Área de Livre Comercio do Caribe (CARIFTA, 1968), que se transformou, em 1973, em Comunidade e Mercado Comum do Caribe (CARICOM), e o Grupo Andino (GRAN, 1969). O principal objetivo, tanto do MCCA como da ALALC, era estimular o comércio intra-regional, a partir de uma zona de livre comércio e possibilitar o processo de substituição de importações à escala regional. A ampliação do mercado viria através da retirada das medidas protecionistas por parte dos países membros com negociações de caráter multilaterais e a redução de tarifas e restrições aduaneiras. O Mercado Comum Centro Americano, nos seus primeiros anos, teve um importante incremento comercial, acompanhado por um forte crescimento econômico. Já a Associação Latino Americana de Livre Comércio, teve resultados bastante limitados. Em função desses resultados, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru estabeleceram em 1969, o chamado Pacto Andino, através do acordo de integração subregional de Cartagena, que previa a implantação de um programa de redução das taxas aduaneiras, tarifa externa comum, tratamento diferenciado a investimentos estrangeiros e a criação de um órgão de financiamento para programas setoriais de desenvolvimento regional. Isto ocasionou o aumento do comércio na região, mas, em 1975, vários termos do acordo já haviam sido descumpridos. Em maio de 1987, modificou-se o acordo que deu origem ao “Pacto”. Reunidos na cidade de Quito, Equador, os países participantes buscaram flexibilizar o tratado e adaptá-lo a nova realidade internacional, suavizando mecanismos e prazos. Mais recentemente, adotou-se uma série de medidas que buscam intensificar as atividades comerciais na América Latina, com o objetivo de chegar a níveis mais profundos de integração. Outro recurso utilizado por vários países, entre eles os que atualmente formam o Mercosul, foi a adoção de acordos binacionais. Por exemplo, em 1974, a convenção de complementaridade econômica levou a Argentina e Uruguai a firmarem o Convênio de Cooperação Econômica (CAUCE), no ano de 1975, enquanto que, em 1976, Brasil e Uruguai firmaram o Protocolo de Expansão Comercial (PEC). Em 1980, frente às crescentes dificuldades no setor externo5, a ALALC foi substituída pela Associação Latino America de Integração (ALADI), através do Tratado de Montevidéu, de agosto de 1980 – TM 80 – que está composto pela totalidade dos países latino americanos, menos os países da América Central. Em 12 de agosto de 1980, todos os países integrantes da ALALC, acrescidos da Bolívia e da Venezuela, resolveram substituí-la com a instituição da Associação Latino Americana de Integração - ALADI, que dotada de personalidade jurídica àquela sucedeu em direitos e obrigações. Isso promoveu um avanço do Tratado de Montevidéu, que era limitado ao livre comércio, prosseguindo no processo de integração com o estabelecimento de uma política de tarifas aduaneiras e comércio. Tem por órgão supremo o Conselho de Ministros das Relações Exteriores e demais órgãos institucionais a Conferência de Avaliação e convergência, o Comitê de Representantes e a Secretaria Geral, e vige por prazo indeterminado. O seu maior objetivo é atingir, de forma gradual e progressiva, um mercado comum latino-americano. 2.2 A origem do Mercosul Em julho de 1986, em Buenos Aires, os presidentes do Brasil e da Argentina assinaram a Ata para a Integração e Cooperação Econômica (PICE), cujo objetivo era o de propiciar a abertura seletiva dos dois mercados, principalmente nos setores em que houvesse um maior grau de complementaridade das duas economias. Em 1988, os dois países deram um passo adiante ao assinarem o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, onde manifestaram o desejo de promoverem a liberalização comercial entre os dois países, com eliminação, num espaço de dez anos, de todos os obstáculos tarifários e não-tarifários, bem como a adoção de políticas macroeconômicas harmonizadas. Até o início de 1991, o processo de integração comercial dos dois países foi avançando, tendo sido assinados, nesse período, 24 protocolos sobre bens de capital, produtos alimentícios industrializados, trigo, cooperação nuclear, automóveis, etc. Finalmente, em agosto de 1991, foi assinado o Tratado de Assunção para a Constituição 5 Principalmente pelo aumento da dívida externa, o aumento do protecionismo e os acordos feitos pelos países centrais contra terceiros países latino-americanos. do Mercado Comum do Sul – o Mercosul - ao qual se juntaram, naquela mesma data, Uruguai e Paraguai. O tratado de Assunção – que se constitui na base da criação do Mercosul – foi complementado por vários protocolos adicionais, destacando-se o Protocolo de Brasília, para a Solução de Controvérsias no MERCOSUL, assinado em dezembro/91, e o Protocolo de Ouro Preto, sobre os Aspectos Institucionais assinado em dezembro/95 , pelo qual foi estabelecida a estrutura institucional do Mercosul. Na realidade, o Tratado de Assunção se constitui num acordo-marco onde foram definidos os mecanismos destinados à formação de uma Zona de Livre Comércio e de uma União Aduaneira na sub-região. Outro aspecto importante é que, pelo Tratado de Assunção, os países membros da Associação Latino-americana de Integração (ALADI) poderiam solicitar seu ingresso no Mercosul, mas sua admissão só poderia ocorrer cinco anos após a assinatura do Tratado de Assunção. O país solicitante poderia ser aceito antes, desde que não estivesse ligado a outro mecanismo de integração regional ou subregional fora da ALADI e os pedidos de ingresso teriam que ser aprovados por unanimidade. Atualmente, o Mercosul conta com cinco Estados membros: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela; cinco Estados associados: Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador; e o México como país observador. Em 2012, em meio a muita polêmica, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, sofreu impeachment e foi deposto. A Unasul (União das Nações Sul-Americanas) considerou o processo uma quebra de democracia. Vários países latino-americanos se posicionaram contra o impeachment e o país acabou sendo suspenso do Mercosul. Poucos dias depois, Brasil, Argentina e Uruguai aceitaram a adesão da Venezuela ao bloco. O Paraguai era o único país que ainda não havia ratificado a participação deste na integração. 3. Vulnerabilidade Macroeconômica A vulnerabilidade externa pode ser entendida como a capacidade de um país quitar dívidas e obrigações, bem como, a sua suscetibilidade diante de acontecimentos na economia mundial. De acordo com Mariano (1995), a vulnerabilidade externa refere-se à capacidade de um agente arcar com os custos de mudanças e políticas necessárias para lidar com possíveis alterações no panorama externo. O grau de vulnerabilidade de um país pode ser influenciado por fatores como: o saldo da conta corrente, se este é deficitário ou superavitário; a abertura da conta capital, ou seja, a facilidade para entrada e saída de capitais estrangeiros; o nível das reservas internacionais; além de outros aspectos relacionados ao balanço de pagamentos, como as entradas e saídas do mesmo. Dentro deste contexto, destacam-se dois fenômenos recentes que evidenciaram a análise da vulnerabilidade de um país: a globalização da economia e a integração econômica. A globalização da economia (SILVA, 2000) é um processo que dinamiza as atividades econômicas, aumentando o comércio internacional graças à redução nos custos de transporte e comunicação e à liberação de fluxos comerciais e financeiros. Segundo Gonçalvez (1998), esse processo tem transformado as relações de interdependência entre as economias nacionais num sistema cada vez mais complexo, limitando, parcialmente, a autonomia dos Estados. Esse sistema, porém, não é simétrico e acaba traduzindo as relações internacionais, onde os agentes têm limitações, mas podem driblá-las com o uso de instrumentos mais efetivos, maior influência no cenário internacional e menor vulnerabilidade para repassar os possíveis custos decorrentes destas para outros agentes menos poderosos. “As relações de interdependência resultam em custos para os atores nelas envolvidos em consequência da restrição à autonomia de cada um. De acordo com o poder de cada ator e da natureza da relação é que serão especificados os custos e os benefícios, assim como a forma como ambos serão distribuídos” (MARIANO, 1995, p.17). Por ser uma relação assimétrica, ela transforma grande parte dos países em desenvolvimento em agentes mais fracos que apresentam grande sensibilidade frente à eventos externos, enquanto eventos internos não apresentam impactos significativos sobre a economia mundial. A UNCTAD (2007) chegou à conclusão de que a melhor alternativa disponível para reduzir a vulnerabilidade de um país em desenvolvimento é a integração econômica. A integração econômica ou regionalização não deve ser vista com um fenômeno antagônico à globalização, pois esta é um processo catalisador da regionalização por criar a necessidade de economias mais dinâmicas e competitivas, portanto, estes dois fenômenos são complementares, podendo, muitas vezes, ser confundidos entre si. A integração consiste em agentes que se organizam a fim de possibilitar uma cooperação com o objetivo de atingir resultados somente possíveis através da ação dos demais agentes envolvidos, em detrimento da sua total soberania operacional. Por fim, os países acabam assumindo compromissos que serão mantidos, enquanto os demais também cumprirem os mesmos. Os ganhos decorrentes dessa integração podem ser diferentes entre os agentes participantes, ainda assim, a não cooperação é menos atrativa, pois pode não trazer ganho nenhum ao agente. Na visão de Cunha et al. (2008), o forte quadro de vulnerabilidade externa presente nos países da América Latina ocorre pela ausência de uma dinâmica mais robusta de institucionalização da cooperação financeira regional. “Esse pequeno histórico dos esforços de se tratar o tema da integração (e cooperação) monetária e financeira revela que apesar das intenções formais de se harmonizar as políticas macroeconômicas e cambiais no MERCOSUL, nunca se chegou a aplicar, plenamente, as normas sugeridas” (CUNHA et al., 2008, p.5). Quando há uma análise na relação de interdependência entre Brasil e Argentina nota-se que, no que se refere à simetria da relação, a Argentina sofre com mais intensidade os efeitos de choques externos. Nos últimos anos, se faz presente um cenário onde as principais economias latino-americanas têm demonstrado um bom desempenho com bons níveis de crescimento econômico e uma importante redução da vulnerabilidade externa. 4. Material e Método Para a análise do grau de vulnerabilidade externa de um país pode-se utilizar dados do Balanço de Pagamentos, tendo como referência a maior (ou menor) necessidade de uma economia recorrer ao mercado financeiro internacional para renegociar posições financeiras em aberto (ou seja, que não possam ser pagas de imediato), mesmo ao custo de taxas de juros e prazos desfavoráveis. O Índice (baseado em Paula e Alves Junior, 1998) compara as obrigações reais e virtuais, em moeda estrangeira, de uma economia e sua respectiva capacidade de pagamento, permitindo, assim, uma avaliação da evolução dessa vulnerabilidade. IVFE = (M+Dj+Dos+A+CCP-1+PLA-1)/(X+Rj+Ros+RE-1+Id+Eml) Onde: M = importações; Dj = despesas com juros “j”; Dos = despesas com outros serviços; A = Amortizações de empréstimos; CCP-1 = Capitais de curto prazo acumulados defasados em um período; PLA-1= Investimentos líquidos em portfólio acumulados, defasados em um período; X = Exportações; Rj = Receitas com juros “j” ; Ros = Receitas com outros serviços; RE-1 = Reservas internacionais acumuladas até o período anterior Id = Investimentos diretos; Eml = Empréstimos de médio e longo prazo. As obrigações de pagamentos reais reúnem despesas com importações, serviços e as amortizações de empréstimos. As obrigações virtuais incluem estoques de capitais de curto prazo e investimentos de portfólio acumulados, defasados em um período. Essas variáveis representam as obrigações mais importantes de um país em um determinado trimestre, que podem ser honradas através das reservas, das receitas com exportações e serviços (juros e outros serviços), dos empréstimos de médio e longo prazo e dos investimentos diretos. Quanto mais elevado for o valor do índice, maior é a propensão de um país ser afetados por mudanças na conjuntura internacional (por exemplo, mudanças nas taxas de juros externas) e menor sua capacidade de cumprir compromissos financeiros imediatos, tornando-se mais dependente de refinanciamento externo ou de “queima” de reservas. Por outro lado, quanto menor o valor deste índice, maior é a capacidade de um país cumprir seus compromissos mais imediatos sem ser necessário recorrer ao refinanciamento e aos seus estoques de reservas. Em outras palavras, as obrigações reais e virtuais, à medida que o índice diminui, estão sendo cobertas por receitas correntes e por fontes de financiamento de prazo mais dilatado. Por exemplo, caso haja uma ampliação no financiamento de curto prazo, a fragilidade do país se elevaria se, no período seguinte, as obrigações virtuais aumentassem frente a recursos financeiros obtidos no período, às receitas correntes e às reservas internacionais. O equilíbrio do balanço de pagamentos, neste caso, passaria a depender, cada vez mais, de políticas econômicas atrativas ao capital de curto prazo, de natureza especulativa. Cabe ainda, destacar que a noção de fragilidade financeira depende de convenções, pois envolve expectativas formuladas pelos agentes a respeito do comportamento futuro dos mercados financeiros e, por isso, é muito difícil definir com precisão, se uma economia atingiu (ou não) um grau excessivo de fragilidade. Para trabalharmos com o índice utilizamos dados trimestrais de cada um dos países analisados do MERCOSUL, Brasil e Argentina. Num período de 1994 a 2011. 5. Resultados 5.1 Brasil O Brasil apresenta na projeção grandes picos de elevada vulnerabilidade externa, o que indica que o país é bastante sensível a choques externos. Na década de 90 notamos um acentuado índice de vulnerabilidade que oscila por diversas vezes e começa a decair no início dos anos 2000, no entanto volta a crescer de forma acentuada entre 2007 e 2009, para depois voltar a decair e obter seus menores números nos últimos anos. Segundo Batista (2002), nos anos noventa o Brasil apresentava grande déficit na conta corrente, grande abertura da conta de capitais e uma insuficiência no nível de reservas internacionais, o que proporcionava a situação da elevada vulnerabilidade externa do país. Tudo isso em meio à implantação do plano real que contribuiu para o aumento do endividamento público e o desequilíbrio das contas externas do país no período. O primeiro grande choque externo no período analisado foi a crise econômica do México de 1994, que teve repercussões mundiais. Esta foi provocada pela falta de reservas internacionais, causando desvalorização do peso, durante os primeiros dias da presidência de Ernesto Zedillo. O índice teve sua maior alta no período do primeiro trimestre de 1995, causada pelo aumento das importações de 52% em relação ao terceiro trimestre de 1994, aumento das amortizações de empréstimos de 60%, uma queda nas exportações 14% em relação ao semestre anterior e queda de quase 5 bilhões de dólares das reservas internacionais. Pode-se dizer que a crise anulou os ganhos obtidos no Plano Real, devido a queda de 35% do mercado brasileiro na crise. Como consequência, o Brasil adota o sistema de Bandas cambiais. Gráfico 1: Demonstração dos resultados Brasil Fonte: Elaborado pelos autores Logo após, em julho de 1997, teve início no leste da Ásia uma crise econômica que marcaria época. Ela começou na Tailândia, mas logo se espalhou para outros países da região, atingindo de forma grave a Indonésia, a Malásia, as Filipinas e a Coréia do Sul. Todos eles eram países bem-sucedidos, que vinham se desenvolvendo rapidamente, em especial a Coréia. A violência da crise causou grande perplexidade no mundo. A crise fez com que o índice alcançasse dois altos picos, o primeiro no último trimestre de 1997 e o segundo no terceiro trimestre de 1998. No final de 1997, a despesa com juros aumentou mais de 80% (mais de 2 bilhões de dólares), os investimentos em carteira aumentaram mais de 131%, as receitas com juros caíram 17,60% no trimestre, as reservas internacionais caíram quase 10 bilhões de dólares e um déficit de (2903,059) na balança comercial ajudou para o agravamento da conjuntura. O segundo pico é alavancado, principalmente, pelo acumulo de déficit na balança comercial desde o primeiro trimestre de 1996 e a reserva internacional caiu 36% em relação ao semestre anterior. A crise da moratória russa veio logo em seguida. O Brasil presenciou uma grande fuga de capitais e demonstrou grande dependência financeira, precisando da ajuda do FMI e do G-7. Com a crise, o país registrou seu maior índice de vulnerabilidade externa até então. Com o baixo nível de reservas internacionais, o país pôs fim no regime de câmbio vigente na época e voltou à livre flutuação. Despesas com juros aumentaram 86% e o investimento em carteira aumentou 172%. Em 2000, a desvalorização da moeda brasileira começou a ser revertida, dando sinais da recuperação da economia, o que fez com que o Brasil suspendesse, por hora, a ajuda recebida do FMI. Contudo, graças a um agravamento na crise argentina em 2001, o Brasil viu a necessidade de voltar a utilizar os créditos do FMI. No período entre 2003 e 2006, a estabilidade econômica mundial manteve o índice em níveis bastante razoáveis. Anos depois, a crise norte americana, trouxe impactos para a economia brasileira, que já se encontrava recuperada e fortalecida. O efeito imediato foi a queda das ações na bolsa de valores, dificuldades na exportação de produtos devido a recessão das economias mais afetadas, prejudicando, assim, o comércio externo. Isso fez com que o índice tivesse seu maior pico no período analisado. Após a crise do Subprime, o Brasil conseguiu fortalecer sua economia novamente e aplicar políticas que auxiliaram nesse processo, diminuindo assim seu índice de vulnerabilidade externa consideravelmente e mantendo-o baixo nos últimos dois anos. 5.3 Argentina Numa análise superficial, nota-se que a Argentina não apresentou no período grandes elevações no índice, excetuando-se poucas ocasiões onde atingiu picos. Em relação ao Brasil, a Argentina apresenta um baixo índice de vulnerabilidade. Na década de 90 alguns acontecimentos podem explicar o desempenho do índice. No início do período analisado, temos a Crise Mexicana. O efeito tequila fez com que o país atingisse o maior índice de vulnerabilidade no terceiro trimestre de 1994. Um dos fatores responsável foi a saída de capitais de curto prazo que aumentaram 61%. O alto gasto com investimento em carteira de 5746,15% em relação ao trimestre anterior teve um peso significativo para o aumento do índice. O déficit na balança comercial alcançou o patamar de 991,6 milhões de dólares no terceiro trimestre de 1994, e neste mesmo período, a balança comercial atingiu um déficit de 1.038,7 milhões de dólares. No entanto, a não elevação do índice a valores mais altos pode ser explicada pelo acordo feito entre o FMI e a Argentina para promover a estabilidade do país e garantir a manutenção da âncora cambial por mais um ano. Gráfico 2: Demonstração dos resultados Argentina Fonte: Elaborado pelos autores A crise Asiática, que veio em 1997, afetou também a economia argentina. A bolsa de valores de Buenos Aires chegou a registrar quedas de aproximadamente 30%. O país novamente fez um acordo com o FMI, mas teve dificuldades para cumprir as metas exigidas. Logo em seguida, a crise Russa fez despencar indicadores como o comportamento da produção industrial, o ritmo da construção civil e também a produção de petróleo. Houve redução no preço de commodities e no ingresso de produtos estrangeiros, o que ocasionou uma diminuição dos investimentos no processo produtivo do país. Foi em 1999, com a desvalorização do Real que a Argentina sofreu mais, pois a situação das contas externas do país foi agravada, o que consequentemente acelerou a pressão pelo fim do plano de convertibilidade e a desvalorização cambial. O país passou logo após uma crise da economia interna devido à quebra do sistema bancário e a inconsequente adoção das imposições do FMI. A crise dos Estados Unidos afetou a economia argentina, o país adotou medidas protecionistas como, por exemplo, restringir importações para determinados setores e a re-estatização da Previdência. Atualmente, o índice argentino não se mostra muito elevado e não apresenta grandes picos, mas, se comparada com o brasileiro, é superior devido ao momento vivido pelo país, onde há grande recessão, desvalorização monetária e alta inflação. Gráfico 3: Cruzamento do grau de vulnerabilidade externa Brasil/Argentina Fonte: Elaborado pelos autores Quando se analisa conjuntamente os resultados do índice para Brasil e Argentina, percebe-se que os movimentos são, em geral, no mesmo sentido, embora com proporções diferentes. No Brasil o índice atingiu picos muito superiores aos da Argentina durante o período de vigência do plano de convertibilidade. Em um primeiro momento, a crise Mexicana foi mais severa na Argentina, com fechamento de bancos e instituições financeiras. No Brasil, obrigou a equipe econômica do Plano Real a passar a um sistema de Bandas Cambiais. As crises Asiática e Russa afetaram o Brasil de forma mais intensa, como mostra o gráfico 3. O fim do plano de convertibilidade elevou a vulnerabilidade argentina, enquanto o Brasil passava por um período de estabilidade. Por outro lado, a crise americana parece ter sido inicialmente mais impactante no Brasil, embora a Argentina esteja apresentando uma vulnerabilidade crescente desde então. 6. Considerações Finais O índice depende do comportamento do balanço de pagamentos, que é o resultado não planejado das ações dos agentes autônomos. Logo, a importância de se calcular a vulnerabilidade externa de um país pode determinar sua dependência de refinanciamentos para que possa sustentar o “equilíbrio” do balanço de pagamentos (PAULA e ALVES JUNIOR, 1998). O índice calculado neste estudo mostrou de maneira acentuada, os efeitos das crises do México (1994-5), da Ásia (1997), da Rússia (1998), do Brasil (1999 e 2002), da Argentina (2001) e dos Estados Unidos em (2007-2009). O déficit na balança comercial, a elevada captação de recursos externos, altas taxas de juros, ingresso massivo de capitais voláteis e fugas de capitais de curto prazo contribuíram para elevação da vulnerabilidade dos principais membros do MERCOSUL. No período entre 2003 e 2006 a queda do índice ocorreu com a contribuição de uma conjuntura internacional favorável. Mas, mesmo com a melhora nos fundamentos econômicos a simples possibilidade de instabilidade no mercado financeiro era suficiente para acentuar a vulnerabilidade externa. Portanto, parece evidente que a vulnerabilidade das economias periféricas, Brasil e Argentina, está associada à volatilidade dos fluxos de capital. Logo, se faz necessário mudanças nas políticas internas de Brasil e Argentina, reduzindo juros, minimizando a captação de recursos externos pelo setor público, melhorar o volume de reservas internacionais, aplicar reformas fiscais e, principalmente, estabelecer mecanismos de controle no fluxo de entrada e saída de capitais 7. Referências ALMEIRA, P.R. “O Brasil e as Crises Financeiras Internacionais 1929-2001”, Cena Internacional Ano 3 n°2 (Dezembro 2001) ARAÚJO, F. T.; SILVA, C. L. “A Vulnerabilidade Externa da Economia Brasileira: Um estudo Sob o Enfoque das Questões Tecnológicas, Produtivas e Comerciais”, Revista FAE vol. 7 n°1 (Curitiba Jan/Jun 2004) BATISTA Jr., P. N., “A economia como ela é”, São Paulo: Boitempo, 2005 BATISTA JR., P. “Vulnerabilidade externa da economia brasileira” vol. 16 n°45 (2002) Banco Central do Brasil (BACEN) – http://www.bc.gov.br CUNHA, A. M.; SARRIERA, J. M.; LÉLIS, M. T. C.; BICHARA, J. 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