Investigação, 14(6):08-11, 2015 ARTIGO | AVALIAÇÃO DA PRESSÃO INTRAOCULAR COM TONOPEN AVIA E POSSÍVEIS CORRELAÇÕES COM A RESENHA E ENFERMIDADES SISTÊMICAS EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE DE FRANCA CLINICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS Evaluation of intraocular pressure using Tonopen Avia® and possible correlations with the review and systemic diseases of dogs admitted to the university of Franca Veterinary teaching hospital 1 Universidade de Franca – (UNIFRAN), Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Franca, São Paulo, Brasil. 1 2 2 1 MV. MSc. Fernanda G. G. Dias *, Cristiane dos Santos Honsho , Adriana T. Jorge , Lucas de Freitas Pereira , Cristiane A. Cintra2, Otávio L. O. H. Paulo2, Aline G. de Souza3 *Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca – SP. Email: [email protected] RESUMO ABSTRACT O trato uveal é considerado “sítio de privilégio imunológico”, desta maneira, doenças sistêmicas podem levar a alterações oculares, principalmente, quanto à pressão intraocular (PIO), como uveíte e glaucoma. Perante o elevado número de animais acometidos por estas afecções oculares, o objetivo do presente estudo foi mensurar a PIO com Tonopen Avia, de ambos os olhos, de 100 cães adultos, machos e fêmeas, isentos de alterações oftálmicas aparentes, atendidos no Hospital Veterinário da Universidade de Franca e, não obstante, correlacionar os dados obtidos com possíveis predisposições etária, racial, sexual e alterações sistêmicas. Após dessensibilização da superfície ocular com colírio anestésico, a PIO foi avaliada com auxílio do tonômetro de aplanação e observou-se que 26 animais apresentaram diminuição da PIO, sendo que destes, 19 eram fêmeas e 7 machos, havendo maior incidências em pacientes idosos. Concluiuse que a mensuração da PIO deve ser rotineiramente realizada, mesmo em pacientes assintomáticos, diagnosticando precocemente alterações na PIO. The uveal tract is considered an “immune privileged site”. Thus, systemic diseases can lead to ocular abnormalities, especially regarding the intraocular pressure (PIO) as uveitis and glaucoma. Given the high number of animals affected by these eye diseases, this study aimed to measure the PIO with TonoPen Avia® of both eyes of 100 adult dogs, male and female, free of apparent ophthalmic changes, admitted to the University of Franca Veterinary Teaching Hospital and correlate the data obtained with possible predispositions of age, racial, sexual and systemic changes. After ocular surface desensitization with anesthetic eye drops, PIO as measured with the aid of applanation tonometer and it was observed that 26 animals had PIO reduction, and of these, 19 were females and 7 males, with higher incidence in elderly patients. It was concluded that the measurement of PIO should be routinely performed, even in asymptomatic patients, early diagnosing changes in PIO. Keywords: dog, glaucoma, applanation tonometry, uveitis. Palavras-chave: cão, glaucoma, tonometria de aplanação, uveíte. ISSN 21774080 8 Investigação, 14(6):08-11, 2015 INTRODUÇÃO O humor aquoso é um líquido transparente que preenche as câmaras anterior e posterior do bulbo do olho (RANZANI et al. 2004). Tem como função manter a pressão intraocular (PIO), nutrir os tecidos e recolher catabólitos oculares (GONÇALVES et al. 2005). É produzido na câmara posterior do olho, na região pigmentada do corpo ciliar, por meio de difusão, ultrafiltração e secreção ativa. A drenagem do humor aquoso ocorre em duas vias. Em cães, a maior parte (cerca de 85-95%) é drenada pelo ângulo irido-corneano, sendo menor percentual (9-15%) drenada pela via úveo-escleral (GONÇALVES et al. 2005). A PIO é determinada pelo equilíbrio entre a produção e drenagem do humor aquoso (BROADWATER et al. 2008) sendo que na maioria dos casos, seu aumento relaciona-se com a redução da drenagem do humor aquoso, ao invés do aumento de sua produção (GONÇALVES et al. 2005). O aumento súbito da PIO, considerado grave e emergencial, pode ocorrer devido ao glaucoma, uma neuropatia óptica que afeta diretamente a retina e o disco óptico, caracterizado por apoptose e morte de células ganglionares da retina e de seus axônios (ANDRADE et al. 2012), o que ocasiona perda irreversível da visão. Em cães, a maior incidência é de glaucoma secundário, o qual não apresenta predileção por raça (GONÇALVES et al. 2005). Os sinais clínicos comumente observados são: hiperemia conjuntival, vasos episclerais engurgitados, midríase, edema e úlceras corneanas, luxação ou subluxação da lente, buftalmia e fraturas da membrana de descemet (ORIÁ et al. 2013). A uveíte consiste na inflamação do trato uveal que resulta em diminuição da PIO (ORIÁ et al. 2004; MOSALLANEJAD et al. 2014), devido ao aumento da permeabilidade da barreira hemato-aquosa, mediada por prostaglandinas, o que impede a formação do humor aquoso (BLOUIN, 1984; VEIGA et al. 2013). Os principais sintomas clínicos da uveíte são: opacidade corneal, hiperemia conjuntival, precipitados ceráticos, miose, blefaroespasmo, hifema, hipópio, diminuição ou perda visual e opacidade vítrea (RANZANI et al. 2004; PONTES et al. 2006). A sensibilidade ocular normalmente decorre do espasmo da musculatura ciliar, que resulta em miose paralítica (VEIGA et al. 2013). Em pacientes com uveíte o valor da PIO é baixo, devido à inflamação e ao edema do corpo ciliar, mediados por prostaglandinas que impedem a formação do humor aquoso ou drenagem pela via uveoescleral, pela presença de células inflamatórias que obstruem o ângulo de drenagem (BLOUIN, 1984; VEIGA et al. 2013). Os principais objetivos do tratamento da uveíte e glaucoma são a remoção da causa de base, controle da inflamação e da PIO, manutenção da visão e alívio da dor ocular (RANZANI et al. 2004; PONTES et al. 2006). A aferição da pressão intraocular em cães é realizada rotineiramente com o uso de tonômetro de aplanação (Tonopen XL®, Tonopen Vet® ou Perkins®) (ANDRADE et al.2012; PARK et al., 2011), contudo, não foram encontrados na literatura consultada, dados sobre a PIO aferida pelo Tonopen Avia. Diante da elevada casuística e importância das afecções oculares em cães, o intuito deste trabalho foi aferir a PIO em animais isentos de alterações oftálmicas aparentes, atendidos no Hospital Veterinário da Universidade de Franca (UNIFRAN-SP) e, estabelecer possíveis relações dos resultados com predisposições raciais, sexuais, etárias e doenças sistêmicas. ISSN 21774080 9 MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade de Franca (UNIFRAN-SP), em 25 de junho de 2014, sob nº 019/14. Foram avaliados 100 cães adultos, com idade superior a dois anos, de ambos os sexos, castrados ou inteiros, com pesos variados, isentos de quaisquer queixas ou alterações oftálmicas aparentes, provenientes do atendimento clínico e cirúrgico do Hospital Veterinário da Universidade de Franca. Para aferição da PIO instilou-se uma gota de colírio anestésico (cloridrato de proximetacaína 0,5% - Anestalcon colírio®) para a dessensibilização da superfície corneal. Ato contínuo, as mensurações da PIO foram realizadas, na região central da córnea, de ambos os olhos, com o auxílio do tonômetro de aplanação portátil (Tono-Pen Avia™®). Foram efetuadas três aferições consecutivas, com valor de significância menor que 5% e o resultado final foi resultante da média das leituras obtidas. As mensurações foram realizadas sempre pelo mesmo oftalmologista veterinário. Considerou-se valor normal entre 15 e 25 mmHg, aumentada quando maior que 25 mmHg e diminuída quando menor que 15 mmHg (ORIÁ et al. 2013). RESULTADOS Dos 100 animais avaliados, totalizando 200 olhos, 40 eram machos e 60 fêmeas e a média de idade foi de 15 anos. Dentre as fêmeas avaliadas, 19 (31,66%) apresentaram diminuição na PIO, sendo que destas, 13 estavam com comprometimento unilateral e seis, bilateral. Dos machos participantes, sete (17,5%) demonstraram diminuição na PIO. Destes, três eram comprometimentos unilaterais e quatro bilaterais. Investigação, 14(6):08-11, 2015 A idade, raça, descrição das alterações no teste de aferição da PIO (uni ou bilateral) e os sistemas orgânicos acometidos nas fêmeas e machos estão dispostos nos Quadros 1 e 2, respectivamente. Quadro 1. Idades, raças, valores médios das três aferições da PIO no olho direito e esquerdo (mmHg) e sistemas orgânicos envolvidos nas 19 fêmeas com comprometimento na PIO, avaliadas no Hospital Veterinário da Universidade de Franca (UNIFRAN-SP). FÊMEAS PIO OLHO PIO OLHO IDADE RAÇA DIREITO ESQUERDO 2 anos •SRD 15 14 2 anos Shitzu 20 10 3 anos •SRD 14 18 4 anos Poodle 10 14 4 anos •SRD 22 14 5 anos •SRD 18 14 6 anos •SRD 12 18 7 anos •SRD 14 10 8 anos Rottweiler 14 18 10 anos •SRD 14 16 10 anos Labrador 10 8 12 anos Lhasa Apso 16 13 12 anos •SRD 10 11 12 anos •SRD 14 24 12 anos •SRD 14 19 14 anos Teckel 13 18 14 anos Poodle 10 12 15 anos Poodle 10 12 15 anos Poodle 13 20 SISTEMA ORGÂNICO dermatológico reprodutor reprodutor reprodutor escorpionismo reprodutor dermatológico ortopédico reprodutor reprodutor reprodutor ortopédico nefro/urológico respiratório odontológico cardiovascular cardiovascular reprodutor otológico Quadro 2. Idades, raças, valores médios das três aferições da PIO no olho direito e esquerdo (mmHg) e sistemas orgânicos envolvidos nos sete machos com comprometimento na PIO, avaliadas no Hospital Veterinário da Universidade de Franca (UNIFRAN-SP). IDADE RAÇA 5 anos Dog Alemão MACHOS PIO OLHO PIO OLHO DIREITO ESQUERDO 10 14 SISTEMA ORGÂNICO digestório tonometristas. Para a realização da tonometria de aplanação preconizou-se a contenção física do animal, sem compressão da cabeça, pálpebras e veias jugulares, de conformidade ao que fora descrito por Klein e Krohne (2011). Pacientes com coleiras cervicais, estas foram retiradas previamente ao exame, evitando assim, alterações temporárias da PIO, decorrentes da obstrução do retorno venoso, que pudessem ocasionar o ingurgitamento vascular da úvea anterior e aumento de sangue na coroide (LAUS et al. 1995). Estabeleceu-se a posição de estação e retroflexão cervical dos cães durante o exame, pois segundo Broadwater et al. hematológico 5 anos •SRD 14 16 (hemoparasitose) (2008), a PIO pode aumentar à medida que a posição da cabeça do animal é abaixada. De acordo com esses mesmos autores, 8 anos Rottweiler 7 15 neurológico 12 anos Basset Hound 16 12 cardiovascular os mecanismos que alteram a PIO em decorrência da posição corporal ainda não estão totalmente elucidados, mas acreditahematológico 12 anos Cocker Spaniel 8 8 (hemoparasitose) se que possam ser atribuídos ao estresse e excitação dos animais causada pela alteração no decúbito. 10 anos •SRD 10 8 digestório hematológico Apesar de Ranzani et al. (2004) discorrerem diversos sinais 13 anos Poodle 12 7 (hemoparasitose) clínicos na presença de uveíte e glaucoma, os cães avaliados • SRD (sem raça definida) neste estudo eram assintomáticos, diante disso, ressalta-se a importância da aferição da PIO na rotina de atendimentos DISCUSSÃO oftálmicos, visto que o exame oftálmico pode contribuir no A avaliação da PIO também pode ser realizada de maneira diagnóstico de doenças sistêmicas. direta, por meio de pressão digital do bulbo do olho, com as Animais senis são predispostos a demonstrarem valores pálpebras superiores cerradas (ORIÁ et al. 2013), no entanto, tal inferiores de PIO (MAGGIO e PARRY, 2007; KLEIN e KROHNE, técnica não foi utilizada por ser considerada subjetiva na detecção 2011), confirmando os resultados encontrados, tanto em fêmeas de alterações mínimas quando comparada à instrumental quanto em machos. (LAUS et al. 1995). No presente estudo, todas as aferições da PIO foram realizadas com o mesmo aparelho e profissional, pois Corroborando com os relatos de Pontes et al. (2006) e segundo Andrade et al. (2012) e Oriá et al. (2013), variações Mosallanejad et al. (2014), as doenças infecciosas estão entre nos resultados podem ocorrer entre diferentes tonômetros e • SRD (sem raça definida) ISSN 21774080 10 Investigação, 14(6):08-11, 2015 as principais etiologias da uveíte e, observou-se predominância das hemoparasitoses em cães machos. Segundo Veiga et al. (2013), não é incomum que a manifestação ocular seja o primeiro sintoma demonstrado pelo paciente, ressaltando assim, a importância do diagnóstico precoce para evitar complicações oftálmicas e sistêmicas. susceptíveis ao aumento da PIO, devido a maior exposição do olho em relação às pálpebras, porém, no presente trabalho não houve presença de aumento de PIO em nenhum dos cães avaliados, o que confirma os relatos de Martins et al. (2006) e Oriá et al. (2013) de que a incidência de glaucoma em cães é baixa, aproximadamente 0,5%. Neste estudo, oito fêmeas com piometra e uma com doença periodontal e dois machos com pancreatite apresentaram uveíte, acredita-se que tal fato tenha ocorrido, pois qualquer infecção bacteriana tem o potencial para induzir comprometimentos uveais, sendo que pacientes com septicemia são susceptíveis ao desenvolvimento de uveíte devido à rápida difusão de endotoxinas para os tecidos oculares causando danos pela presença de toxinas bacterianas e/ou respostas imunológicas (BLOUIN, 1984). CONCLUSÕES Apesar de rara e, na maioria das vezes, ocasionar acometimento ocular bilateral, a síndrome uveodermatológica não deve ser descartada nas duas fêmeas que demonstraram sinais dermatológicos concomitantes. A etiopatogenia desta síndrome não está totalmente elucidada, mas acredita-se ser consequência de alterações autoimunes contra melanócitos dérmicos e uveais que dependendo da gravidade pode causar cegueira no paciente (ORIÁ et al. 2004). Tanto as fêmeas quanto os machos apresentaram uveíte bilateral, sendo que, a maioria dos casos, o comprometimento foi secundário a doenças sistêmicas, corroborando ao relatado por Veiga et al. (2013). Em relação às raças caninas, Klein e Krohne (2011) e Oriá et al. (2013) afirmaram que as braquiocefálicas são mais Com base na metodologia empregada e nos resultados obtidos, pode-se concluir que: - alterações na PIO podem ser diagnosticadas frequentemente em animais assintomáticos. A tonometria de aplanação deve ser incluída na rotina de exames complementares durante os atendimentos de cães; - a tonometria de aplanação é de simples execução, proporcionando eficácia e rapidez no diagnóstico de alterações na PIO; - dos animais incluídos no estudo, não houve predisposição sexual e racial, sendo os idosos os mais acometidos; - Nenhum animal demostrou aumento da PIO REFERÊNCIAS Gonçalves GF, Pippi NL, Pachaly JR. 2005. Pressão intra-ocular em cães com catarata. Arquivos de Ciências Veterinárias e Zoologia da UNIPAR. 8(1):57-61. Klein HE, Krohne SG. 2011. Effect of eyelid manipulation and manual jugular compression on intraocular pressure measurement in dogs. Journal of the American Veterinary Medicinal Association. 238(1):1292-1295. Laus JL, Galera PD, Souza MSB. et al. 1995. Padronização dos valores do “teste da lágrima de Schirmer modificado” e da “tonometria de indentação pelo método de Schiotz”, em cães da região de Jaboticabal – SP – Brasil. 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