As fronteiras africanas e o mapa político da África actual

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As fronteiras africanas e o mapa político da África actual
Resumo da conferência proferida pelo Professor Ilídio do Amaral na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa (12 de Abril de 2007)?
António Manuel Vieira
Aluno da Licenciatura em Geografia
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
E-mail: [email protected]
Realizou-se no passado dia 12 de Abril de 2007, pelas 18 horas, no Anfiteatro IV do edifício
principal da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a primeira de um ciclo de conferências
sobre os grandes problemas da África actual organizadas pelo Departamento de Geografia da
referida Universidade. Esta palestra foi proferida pelo Professor Ilídio do Amaral, Catedrático
Jubilado da Universidade de Lisboa, e foi intitulada A génese das fronteiras africanas e o mapa
político actual: dos traçados “arbitrários” ao dogma da “intangibilidade das fronteiras” herdadas
da colonização.
A importância do tema abordado por Ilídio do Amaral é fulcral para perceber alguns dos
grandes problemas com que se debate actualmente o continente africano. A divisão arbitrária de
África nasceu da distribuição dos territórios determinada na Conferência de Berlim, realizada entre
Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885, e por via da qual as grandes potências colonizadoras
europeias partilharam a maior parte do território africano sem quaisquer preocupações com o que já
existia. Várias nações e formações sociais antigas africanas, tribos amigas e inimigas, passaram a
estar reunidas dentro dos mesmos limites, enquanto outras foram divididas por eles. Isto não só
explica algumas das guerras internas que lavram em vários países africanos ainda nos dias de hoje,
como também explica, em muitos casos, o contínuo e eterno historial de pobreza de muitas das
respectivas populações.
Perante uma sala praticamente cheia, Ilídio do Amaral começou por rever a génese das
fronteiras africanas e alguns factos históricos que levam a um melhor entendimento dos resultados
dessa Conferência. Organizada pela Alemanha do Kaiser Guilherme II e do Chanceler Bismarck,
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Trabalho prático individual realizado para a disciplina de Grandes Espaços Mundiais / Geografia
de África (Departamento de Geografia, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
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esta constituiu, para a época, um feito diplomático extraordinário. Contou com a participação da
generalidade dos principais países europeus – Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Grã-Bretanha,
Holanda, Itália, Noruega, Portugal, Rússia, Espanha e Suécia –, além dos Estados Unidos da
América e da Turquia. Em contrapartida, nenhum dos países africanos então independentes foi
convocado.
As reivindicações territoriais entre as duas maiores potências coloniais da época, a França e a
Inglaterra, encontram-se entre os principais motivos que deram origem a esta reunião de países. A
discussão começaria por se centrar no tema do estabelecimento de bases de livre circulação e
comércio na bacia do Congo, a que se juntou posteriormente a bacia do Níger, considerados, à altura,
os veios de penetração mais importantes no interior do continente.
Apesar de recém-unificada e de não constituir uma potência colonial, a Alemanha tenta
marcar posição com esta iniciativa. Prova-o o Kaiser, ao anunciar a sua Weltpolitik (Política
Mundial), que assenta na ideia de que não era só a Europa que se deveria desenvolver. Tal causa
algum embaraço e mal-estar entre Franceses e Ingleses. Na opinião de Ilídio do Amaral, algo
polémica, a Alemanha apoiou, nesta oportunidade, os interesses colonialistas da França como forma
de compensação pela derrota que os franceses tinham sofrido na Guerra Franco-Prussiana, quando
haviam perdido o território da Alsácia-Lorena para a Alemanha.
A certa altura, Bismarck terá afirmado: «O meu mapa de África está na Europa». Afirmações
como esta ilustram bem a doutrina da “ocupação efectiva do continente”, uma das ideias
fundamentais que sai da Conferência de Berlim. Para terem direitos sobre os territórios, os países
colonizadores teriam de demonstrar a sua presença no terreno através do testemunho de
comerciantes (que penetram no continente para descobrir e adquirir matérias-primas e comerciar os
artigos que levavam), de militares (que asseguravam a segurança de postos avançados estabelecidos
em locais remotos), ou de missionários (que tinham por missão espalhar a fé cristã e ganhar
aderentes). E assim se abre caminho para o desenho das linhas de fronteira, que acabam por ser, com
raras excepções, desenhadas a régua e esquadro, com base nas linhas de paralelos e meridianos, sem
qualquer preocupação com os aspectos físicos e culturais da paisagem. Esta divisão arbitrária foi
feita considerando que aqueles espaços nunca seriam transformados em Estados independentes:
seriam apenas simples veículos para a apropriação de riqueza por parte das metrópoles, mesmo que
tivessem certo grau de autonomia. Assim, a divisão foi alvo da seguinte observação ainda durante a
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Conferência: «Estamos a trocar pedaços de África sem saber onde de facto estão nem como são
povoados». A frase perfeita para a consequência imperfeita.
O traçado das fronteiras que saiu da Conferência de Berlim vigorou até ao fim da Primeira
Guerra Mundial, em 1918. A Alemanha, como potência derrotada deste conflito, teve de ceder todas
as colónias que possuía desde então aos países colonizadores que a venceram. Os traçados então
alterados vigoraram até ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Com o fim da Segunda Grande Guerra, começa a proceder-se à independência dos territórios,
que são de repente transformados em países e as suas fronteiras definidas sem mais qualquer estudo
ou alteração. Criam-se vários Estados no interior do continente, sem quaisquer ligações ao mar, o
que obriga a acordos com os países limítrofes que possuem portos marítimos, para escoamento dos
seus produtos.
Durante a sua conferência, Ilídio do Amaral abordou ainda com algum detalhe a questão
particular da cartografia de África, descrevendo os “silêncios cartográficos” e toda a série de lacunas
e erros gráficos que persistiram nos mapas que representaram o continente durante muito tempo.
Este caso foi ilustrado com alguns mapas feitos em Londres por volta de 1820-1830, que pretendiam
representar as regiões vizinhas de Moçambique, mas que, devido ao facto de terem sido feitos com
base em informações pouco dignas de confiança, demonstravam erros graves de distorção do traçado
de rios e montanhas e, inclusive, faziam desaparecer áreas amplamente povoadas.
Ilídio do Amaral reflectiu ainda brevemente sobre a situação actual, caracterizada pela
circunstância da generalidade dos Estados africanos e das organizações que os representam
manifestarem a sua indisponibilidade para alterar as fronteiras estabelecidas com a descolonização,
apesar dos graves inconvenientes existentes. Uma das justificações é que a sua manutenção é factor
de criação de nacionalismos; o inconveniente é que a maioria dos Estados africanos é pluriétnico e
muitas dessas etnias constituem nações que ultrapassam as fronteiras actuais.
Na fase final da sua intervenção, respondendo a várias perguntas que lhe foram formuladas,
Ilídio do Amaral começou por referir a crescente influência da China no continente: não querendo
obter preponderância do ponto de vista político, esta, segundo as suas palavras, deseja obter
influência do ponto de vista económico e comercial. Para isso, está a praticar actualmente uma
maneira diferente de fazer negócio: ceder empréstimos a taxas mais reduzidas que quaisquer outras
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organizações ou países, em troca de fornecimento de petróleo, de que é o segundo maior consumidor
mundial, e que compra mais barato aos países africanos do que a qualquer outro mercado.
Destacamos duas perguntas, entre as que lhe foram ainda colocadas pela assistência: o que
significa a defesa que antes fizera da necessidade de se proceder em África à “partilha de
fronteiras?”; e – segunda pergunta e aquela que poderia induzir maior polémica – qual o risco de
uma guerra generalizada no continente?
À primeira pergunta, Ilídio do Amaral responde que significa integração. Os países não
podem continuar a imaginar as fronteiras como paredes divisórias praticamente intransponíveis,
defendeu. À segunda pergunta respondeu que o risco é pouco ou nulo. Todas as guerras em África
são internas, sem risco de se generalizar, acrescentou. Concluiu considerando que o único risco que
pode haver é o de as grandes potências se deixarem influenciar pelos conflitos dos “pequenos”
países, do que poderão resultar conflitos externos de maior gravidade.
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