sociologia_da_educacao

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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE
COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
SOCIOLOGIA
DA EDUCAÇÃO
Rio de Janeiro / 2007
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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
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Branco - UCB.
U n3p
Universidade Castelo Branco.
Sociologia da Educação. –
Rio de Janeiro: UCB, 2007.
48 p.
ISBN 978-85-86912-19-1
1. Ensino a Distância. I. Título.
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Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional
Coordenadora de Educação a Distância
Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli
Coordenadora do Curso de Graduação
Ana Cristina Noguerol - Pedagogia
Conteudista
Carmem Maria G. F. Rangel
Supervisor do Centro Editorial – CEDI
Joselmo Botelho
SOCIOLOGIA
DA EDUCAÇÃO
Apresentação
Prezado(a) Aluno(a):
É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,
na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando
oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente
esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma
estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.
Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu
conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.
Seja bem-vindo(a)!
Paulo Alcantara Gomes
Reitor
Orientações para o Auto-Estudo
O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e
conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam
atingidos com êxito.
Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades
complementares.
As Unidades 1e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.
Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.
Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todos os
conteúdos das Unidades Programáticas 1, 2 e 3.
A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os
horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você
administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros
presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.
Bons Estudos!
Dicas para o Auto-Estudo
1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja
disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.
2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite
interrupções.
3 - Não deixe para estudar na última hora.
4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.
5 - Não pule etapas.
6 - Faça todas as tarefas propostas.
7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento
da disciplina.
8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.
9 - Não hesite em começar de novo.
SOCIOLOGIA
DA EDUCAÇÃO
SUMÁRIO
11
Contextualização da disciplina............................................................................................................................... 12
Quadro-síntese do conteúdo programático.........................................................................................................
UNIDADE I
A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS
1.1. Sociedade, solidariedade e educação: o ponto de vista de Durkheim....................................................... 13
1.2. Sociedade, alienação/transformação e educação: a perspectiva de Marx e Engels ................................ 14
1.3. Sociedade, dominação e educação: a perspectiva de Max Weber ............................................................ 16
UNIDADE II
A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS
2.1 Sociedade, organização da cultura e educação: a perspectiva de Gramsci................................................ 20
22
2.3. Sociedade, reprodução e educação: o ponto de vista dos crítico-reprodutivistas.................................. 23
2.2. Sociedade, esperança/liberdade e educação: as contribuições de Karl Mannheim................................
UNIDADE III
A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NO SÉCULO XXI
3.1. Sociedade, currículo e educação: a contribuição de Michael Apple.........................................................
3.2. Sociedade, revolução e educação: a proposta de Peter McLaren ............................................................
27
28
Glossário.................................................................................................................................................................... 34
43
Referências bibliográficas....................................................................................................................................... 45
Gabarito.....................................................................................................................................................................
SOCIOLOGIA
DA EDUCAÇÃO
Quadro-síntese do conteúdo
programático
UNIDADES DO PROGRAMA
1 – A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS
SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS
1.1 - Sociedade, solidariedade e educação:
o ponto de vista de Durkheim
1.2 - Sociedade, alienação/transformação
OBJETIVOS
- Apresentar a educação como um objeto de
reflexão da teoria sociológica.
- Perceber a relação existente entre educação e
a concepção que cada um dos fundadores da
Sociologia formulou sobre a sociedade.
e educação: a perspectiva de Marx e Engels
1.3 - Sociedade, dominação e educação:
a perspectiva de Max Weber
2 - A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS
2.1 - Sociedade, organização da cultura e
- Verificar como o ponto de vista dos fundadores influenciou as explicações de alguns pensadores com referência às demandas educacionais
que se apresentaram no mundo contemporâneo.
educação: a perspectiva de Gramsci
2.2 - Sociedade, esperança/liberdade e educação:
as contribuições de Karl Mannheim
2.3 - Sociedade, reprodução e educação: o ponto
de vista dos crítico-reprodutivistas
3 - A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
NO SÉCULO XXI
3.1 - Sociedade, currículo e educação: a contribuição
de Michael Apple
3.2 - Sociedade, revolução e educação: a proposta
de Peter McLaren
- Fornecer elementos para a compreensão do que
a sociedade do Terceiro Milênio coloca como
exigências para a educação.
11
12
Contextualização da Disciplina
A educação é um fenômeno presente em toda e qualquer sociedade humana e, neste sentido, é um objeto
privilegiado da Sociologia, ciência preocupada em revelar como se dão as relações construídas coletivamente
pelos homens e mulheres, em sociedade.
Num curso que pretende formar professores, o objetivo maior do ensinamento-aprendizagem de Sociologia,
tendo a educação como foco, é possibilitar que as relações entre indivíduo e sociedade, neste âmbito específico,
sejam entendidas, tal qual em outros, como um fenômeno dialético: qual o papel da educação? Educa-se para a
reprodução ou para a transformação da sociedade? A educação pode mudar a sociedade? A vida social determina
a educação?
Infelizmente, ao longo do desenvolvimento da Sociologia como ciência, o tema educação foi perdendo
relevância e se tornando um sub-campo da Sociologia, ou uma sub-disciplina como temia Florestan Fernandes,
defensor da Sociologia como disciplina única. Segundo o saudoso sociólogo brasileiro, “como acontece em
qualquer Ciência, os métodos sociológicos podem ser aplicados à investigação e à explicação de qualquer
fenômeno social particular sem que, por isso, se deva admitir a existência de uma disciplina especial, com objeto
e problemas próprios!”1.
Tendo em vista essa concepção, não se deveria falar numa Sociologia da Educação e sim em estudos sociológicos
que têm a educação como objeto de reflexão. Esta é a proposta deste instrucional que pretende, abandonando
a simples listagem de temas ou conceitos, levar o futuro pedagogo a conceber a educação como um processo
em que está presente a contradição, desde as teorias que pretendem explicá-la até o fato de que só será
compreendida se pudermos percebê-la como um processo social no qual a linearidade não está presente.
Positivistas, marxistas, compreensivas, funcionalistas, reprodutivistas, neomarxistas, multiculturalistas, as
teorias que pretenderam/pretendem explicar o fenômeno educacional – ou o que se pode depreender do que os
diferentes autores escreveram/escrevem sobre a educação e/ou a sociedade –, sempre se preocuparam em
tentar desvendar o processo através do qual a sociedade humana se reproduz e se transforma.
Neste sentido, a nossa discussão focalizará o que os formuladores da teoria sociológica têm pensado sobre a
educação. Inicialmente, a palavra estará com Durkheim que articula suas concepções, profundamente marcadas
pelo positivismo comtiano da ordem e do progresso, a partir da noção de que a educação é o processo pelo qual
nos tornamos membros da sociedade.
Em seguida, a interpretação que Marx e Engels fizeram da sociedade capitalista do século XIX servirá de guia
no entendimento de qual educação serve a uma sociedade de classes e, para além da análise conceitual que
empreendem, de como deve atuar aquele que pretende, através da educação, contribuir para transformar a
realidade que é no que deveria ser.
Ainda no terreno dos clássicos do pensamento sociológico, chega-se a uma breve discussão das idéias de
Max Weber, com relação ao fato da educação se constituir no modo como os homens, ou determinados tipos de
homens, se preparam para desenvolver uma ação social, de forma a atender a um determinado tipo de dominação,
entre eles o racional-legal, que exige a criação de um comportamento burocrático e vai acarretar o desenvolvimento
de um sistema de educação que enfatiza a ‘pedagogia do treinamento’, deixando de lado a formação do Homem.
Como desdobramento das formulações desses três pensadores, vemos no século XX, alastrando-se pelo
século XXI, as idéias de outros vigorosos pensadores sociais: o italiano Antonio Gramsci, com sua crença
inabalável na educação como aquela ação que, possibilitando a formação de intelectuais orgânicos, leva,
também à organização de uma nova cultura; o húngaro-germânico Karl Mannheim, que se refere à possibilidade
de se pensar o binômio planificação democrática e educação e retoma a formulação de Max Weber sobre a
‘pedagogia do cultivo’ e a ‘pedagogia do treinamento’, atribuindo-lhe novas perspectivas, e os franceses
Bourdieu e Passeron, Establet e Baudelot, os chamados crítico-reprodutivistas – que desenvolveriam a tese de
Louis Althusser expressa em Os aparelhos ideológicos de Estado.
Focalizando o grande debate que hoje se apresenta em todos os países do mundo, chega-se, por fim, às
contribuições do estadunidense Michael Apple, com suas reflexões mais que atuais sobre a necessidade de
uma análise crítica do currículo, que respeite a diversidade, superando as desiguais relações étnicas, de classe
e de gênero que operam em educação e do canadense Peter McLaren, propondo uma pedagogia do dissenso,
de orientação marxista, para o terceiro milênio.
1
FERNANDES, Florestan. Ensaios de Sociologia geral e aplicada. 1960, p. 29-30.
UNIDADE I
13
A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
CLÁSSICAS
1.1 – Sociedade, Solidariedade e Educação:
o Ponto de Vista de Durkheim
As diferentes correntes do pensamento sociológico
têm tentado explicar a relação entre indivíduo e
sociedade, na perspectiva teórica que formularam.
Na ótica de Durkheim, por exemplo, a sociedade
impõe ao indivíduo maneiras de agir e pensar que são
consagradas pela sua condição de ser social, isto é,
exterior, coercitiva e geral, e que atuam sobre todos
nós, independentes das manifestações que possam
ter do ponto de vista individual.
Toda teoria sociológica de Durkheim pretende
demonstrar que os fatos sociais têm existência própria
e são independentes daquilo que pensa e faz cada
indivíduo em particular. Ele chamou isto de
consciência coletiva. É ela que vai revelar o tipo
psíquico da sociedade. A consciência coletiva é o meio
moral vigente na sociedade.
A consciência humana que devemos realizar
integralmente em nós mesmos não é outra coisa senão
a consciência coletiva do grupo do qual fazemos parte,
tendo em vista que cada povo cria para si uma
concepção particular de mundo. Peter Berger coloca
que “segundo a perspectiva durkheimiana, viver em
sociedade significa existir sob a dominação da lógica
da sociedade (...)” 1 , o que equivale a dizer que os
indivíduos estão submetidos ao controle da sociedade.
Assim, além de indivíduos humanos vivos, para que
haja sociedade é necessário que se realize neles a
consciência coletiva, que estabelece, enquanto meio
moral, a forma como devem desempenhar, na
sociedade, as diferentes funções que deles se esperam.
Constitui-se, desta forma, a cooperação, que é
fundamental para que ocorra o que Durkheim chamou
de divisão social do trabalho, condição para que a
sociedade tenha prosseguimento. No entanto,
dependendo do meio moral, esta diferença/similaridade
entre as funções, isto é, a divisão do trabalho social,
poderá ser maior ou menor.
Numa sociedade tribal, por exemplo, na qual todas
as pessoas desempenham praticamente as mesmas
atividades, crêem nos mesmos deuses, adoram o
mesmo totem, obedecem aos mesmos tabus,
estabelece-se o que na teoria durkheimiana se conhece
por solidariedade mecânica, já que no seu interior há
pouca diferença e maior similaridade entre as funções
a serem desempenhadas, o que acarreta pouca divisão
do trabalho social.
(...) a solidariedade permanece mecânica enquanto a divisão
do trabalho social não se desenvolve (...) Assim, existe
uma estrutura social de natureza determinada a que
corresponde a solidariedade mecânica. Caracteriza-se por
um sistema de segmentos homogêneos e semelhantes entre
si. 2
Ao contrário, quando se trata de uma sociedade mais
complexa, como a moderna sociedade industrial, em
que há uma intensa divisão do trabalho social,
acontece o que Durkheim chamou de solidariedade
orgânica. A sociedade industrial exige um tal grau de
diferenciação entre as funções que os indivíduos
devem desempenhar, que a solidariedade baseada na
semelhança é, praticamente, substituída pela
solidariedade baseada na diferença.
Diferente é a estrutura da sociedade onde a solidariedade
orgânica é preponderante.
Elas são constituídas, não por uma repetição de segmentos
similares ou homogêneos, mas por um sistema de órgãos
diferentes dos quais cada um tem um papel especial, sendo
eles próprios formados de partes diferenciadas. Assim como
os elementos sociais não são da mesma natureza, tampouco
estão dispostos da mesma maneira.(...)3
Portanto, a diferentes sociedades correspondem
diferentes tipos de solidariedade. Quanto mais
complexa a sociedade se mostra, maior possibilidade
de interpretações pessoais das regras que estão postas
no grupo, mais se caminha da solidariedade mecânica
para a solidariedade orgânica.
Entretanto, positivista que era, Durkheim acreditava que
(...) todo o progresso desencadeado pelo capitalismo, traria
um aumento generalizado da divisão do trabalho social e,
por conseguinte, da solidariedade orgânica, a ponto de fazer
com que a sociedade [capitalista] chegasse a um estágio
sem conflitos e problemas sociais. 4
Para chegar a esse estado de ‘ausência de conflitos’
seria necessário resolver a questão de como preservar
14
a consciência coletiva numa sociedade que se torna
cada vez mais diferenciada, uma vez que sem uma moral
coletiva a sociedade não sobrevive. É neste contexto
que a educação, para Durkheim, se torna o processo
que nos torna aptos a viver em sociedade. É a educação
que permite que, numa sociedade, as crenças e valores
básicos que devem ser comuns a todos, e sem os quais
o grupo social não se manteria, sejam aprendidos.
No entanto, não nos esqueçamos que, para Durkheim,
a sociedade é constituída “não por uma repetição de
segmentos similares ou homogêneos, mas por um
sistema de órgãos diferentes, dos quais cada um tem
um papel especial, sendo eles próprios formados de
partes diferenciadas.” E ele completa que “se nada
entrava ou nada favorece injustamente os concorrentes
que disputam entre si as tarefas, é inevitável que
apenas os que são os mais aptos a cada gênero de
atividade a alcancem.”
Michel Löwy, analisando o pensamento de
Durkheim, diz que “entre as leis naturais da sociedade
que seria vão, utópico, ilusório – em uma palavra:
anticientífico – querer ‘interromper’ ou transformar,
Durkheim situa com destaque a desigualdade social.” 5
Por isso, além de aprender os valores que são comuns
a todos que participam de uma dada sociedade, é
necessário que se aprenda a agir na vida de acordo
com o meio específico em que se vive ou se viverá.
Uma vez que a diferença é “natural”, para Durkheim
existe uma educação adequada ao meio moral em que
cada um vive, embora haja crenças e valores básicos
que devem ser comuns a todos.
Tendo em vista sua concepção de que o
funcionamento da sociedade deve se dar na linha do
Referências bibliográficas:
1
BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas: uma visão
humanística. 2004, p.50.
2
DURKHEIM, Emile. De la division du travail social. 1926,
p. 157.
equilíbrio-linearidade-harmonia – e que basta que
se compreenda, objetivamente, a forma como a
sociedade capitalista se desenvolve e, descobrindo
as leis sociais que são falhas, se proceda à sua
substituição por outras mais eficientes –, Durkheim
via na educação um processo social capaz de garantir
a solidariedade necessária à manutenção da ordem
social, fixando na criança, desde o início da vida
social, as diferenças e semelhanças que a vida
coletiva exige.
Assim, é cabível, nesta perspectiva, entender a
definição de educação dada por Durkheim, citada por
Rodrigues (2001: 34):
A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre
as gerações que ainda não se encontram preparadas para a
vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelectuais e
morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto,
e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se
destine. (DURKHEIM. Educação e Sociologia. 1922. In:
RODRIGUES, 2001: 34)
Além de ser difícil acreditar no ideal de sociedade
equilibrada, visando sempre uma solidariedade
orgânica, quase harmônica, mormente depois do
advento de teorias sociais mais críticas, as referências
de Durkheim a uma educação especializada e
diferenciada, apesar de una em suas bases sociais,
soam excludentes. Sua defesa da educação como capaz
de constituir-se numa ação capaz de moralizar a
sociedade parece praticamente irrealizável, num
momento de contestação e pedagogias mais
participativas. Mas a definição durkheimiana de
educação como processo socializador das novas
gerações nos valores sociais hegemônicos, continua
atual.
3
Ibid, p. 157.
MEKSENAS, Paulo. Sociologia, p. 68.
5
LÖWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o
Barão de Münchhausen Marxismo e Positivismo. 1994,
p. 17-18.
4
1.2 – Sociedade, Alienação/Transformação e
Educação: a Perspectiva de Marx e Engels
Na perspectiva de Marx e Engels, o Homem, isto é, o
gênero humano, para se constituir como tal organiza-se
em sociedade, o que implica estabelecer relações com
outros Homens e com o ambiente que o cerca, mediadas
pelo trabalho.
Nesse processo de transformar a natureza, o ser humano
desenvolveu aquilo que Marx e Engels chamaram de forças
produtivas, meios de trabalho ou meios de produção,
isto é, os meios que permitem ao Homem o domínio sobre
a natureza – instrumentos, tecnologia, energia, matéria-prima
– com a finalidade de aumentar e melhorar a sua capacidade
de produzir. Segundo Marx e Engels:
O meio de trabalho é aquele objeto ou conjunto de objetos
que o trabalhador interpõe entre ele e o objeto que trabalha
e que lhe permite dirigir sua atividade sobre esse objeto. O
homem serve-se das qualidades mecânicas, físicas e químicas
das coisas para utilizá-las, conforme o objetivo que tiver
em mente, como instrumento de atuação sobre outras
coisas. 1
Além de criar os meios de trabalho, o homem foi,
também, organizando a produção, distribuindo
tarefas e benefícios entre os membros da sociedade,
promovendo a divisão do trabalho. Inicialmente, a
diferenciação deu-se entre os sexos, depois entre
tipos de atividades, por exemplo, a agricultura e a
criação de animais, entre territórios: o campo e a
cidade e, finalmente, entre os setores da economia:
a produção agrícola, industrial e comercial. A divisão
do trabalho, como também tem o intuito racionalizar
a produção, é parte do conjunto das forças
produtivas.
Mas a divisão do trabalho não é igualmente
distribuída no interior da sociedade. Ela depende das
diferentes relações de produção, isto é, da
propriedade dos meios de produção. Pode-se dizer
que, na sociedade capitalista, segundo Marx e Engels,
“elas implicam numa separação básica. (...) nem
sempre os homens que possuem os meios para realizar
o trabalho trabalham e nem sempre os que trabalham
possuem esses meios.” 2
Ou seja, nem sempre quem tem a propriedade dos
meios de produção, trabalha. Quem trabalha, em geral,
são aqueles que não são os donos dos meios de
produção. Isso equivale a dizer que há tipos diferentes
de proprietários: os proprietários da simples força de
trabalho – os trabalhadores – e os proprietários dos
meios de produção – os capitalistas.
Pode-se dizer que cada época histórica corresponde
a um conjunto de forças produtivas que se
desenvolvem a partir de um conjunto instituído de
relações de produção, isto é, das relações de
propriedade que estão presentes nessa dada
sociedade. A este conjunto Marx e Engels chamaram
de modo de produção e, para eles, as transformações
pelas quais passou a História da humanidade foram
geradas nas transformações de um modo de produção
para outro, o que sempre se dá pelo conflito entre a
camada dominada e a camada dominante. Por isso
acreditavam que “a história de todas as sociedades
existentes até hoje é a história das lutas de classe”.
Na sua formulação, “podem ser designados, como
outras tantas épocas progressivas da formação
econômica da sociedade, os modos de produção
asiático, antigo, feudal e burguês moderno” (ou
capitalista) o que equivale a dizer que Marx e Engels
caracterizam cada período da História humana a partir
do tipo de relação que se dá entre os Homens na
produção de sua existência.
Para Marx e Engels, o fim de uma forma de produção
determinada poderia ocorrer a partir das próprias
contradições que ela continha. Acreditavam, e essa
foi a grande utopia pela qual lutaram durante toda a
vida, que o fim do capitalismo seria engendrado no
próprio capitalismo, quando, inevitavelmente, as forças
produtivas entrariam em contradição com as relações
de produção, possibilitando uma grande revolução, que
daria origem a uma nova sociedade, sem classes sociais.
Essa sociedade seria a sociedade comunista.
Marx e Engels se propuseram também a explicar como
se dá a relação entre o mundo das idéias e o mundo do
trabalho, uma vez que percebiam que na produção de
sua existência, o Homem realiza um trabalho manual e
uma reflexão intelectual, embora, ao longo da História,
observassem uma distorção no modo pelo qual os
Homens se conscientizavam da relação entre o mundo
material e o mundo das idéias. Viram-se diante da
necessidade de explicar a consciência que os Homens
teriam ou não de sua própria existência.
Para Marx e Engels, a produção da vida material
condiciona a vida social, política e intelectual dos
Homens. As forças produtivas e as relações de produção
constituem a base econômica sobre a qual se constroem
as instituições jurídicas e políticas, os modos de pensar,
a consciência social, o que equivale a dizer que sobre a
base econômica ou infra-estrutura se eleva a
superestrutura jurídica e política, à qual correspondem
formas sociais determinadas de consciência. Para esses
pensadores, “não é a consciência dos homens que
determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que
determina a sua consciência”, o que significa dizer que
o modo de pensar de cada um de nós depende das
relações sociais nas quais estamos integrados e que
para explicar nossa maneira de pensar, é preciso analisar
as relações presentes em nossa sociedade.
Daí, Marx e Engels se preocuparem em explicar de que
forma as crenças, os valores, as normas, se relacionam
com a produção material da existência.
Para eles, são as condições materiais da existência
que determinam a consciência:
(...) são os homens que desenvolvem sua produção material
e seu intercâmbio material que mudam também, ao mudar
esta realidade, seu pensamento e os produtos de seu
pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas
a vida que determina a consciência. 3
No entanto, como as idéias dominantes na sociedade
são as idéias da classe dominante, as concepções sobre
o mundo e sobre como funciona, na sociedade
burguesa, são marcadas pelas idéias da burguesia.
Para Marx e Engels, quando a burguesia domina como
classe, é de se esperar que seus membros ajam “(...)
enquanto pensadores, enquanto produtores de idéias
que regulem a produção e a distribuição das idéias de
seu tempo; e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as
idéias dominantes da época.” 4
15
16
Por tal motivo, a classe operária adota como suas as
idéias da burguesia, e o faz porque a sua concepção de
mundo está comprometida com uma visão que lhe parece
própria de sua classe social. Esta concepção é produto
de uma falsa consciência que não lhe permite captar a
essência das relações às quais as classes sociais, na
sociedade capitalista, estão submetidas. Ou seja, a
representação que fazem de suas vidas é aquela que
lhes é fornecida pela sociedade onde a burguesia é
dominante. Marx chamou essa falsa consciência de
ideologia, cuja origem histórica ocorre com a
emergência da separação entre trabalho intelectual e
manual. É a partir deste momento que surge a ideologia,
derivada de agentes sociais concretos que
autonomizariam o mundo das idéias, separando-o do
das manualidades, deturpando assim a realidade.
formularam – dominação, exploração, alienação,
ideologia, consciência –, pode-se entender como viam
a educação: com os mesmos olhos com que viam a
sociedade, isto é, identificavam na educação
contradições e, portanto, possibilidades de alienação
ou de transformação.
Com isso, a classe operária acaba por adotar como
sua uma ideologia de outra classe social. Um exemplo
disso é a aceitação, como se fosse natural, de uma
situação de exploração presente na sociedade
capitalista, que nada tem de natural, pois foi
socialmente construída. Essa exploração, que se
traduz no que Marx e Engels chamam de mais-valia,
é aceita porque a classe operária, no seu cotidiano,
não tem consciência real da mesma.
Por isso, para Marx e Engels, não existe educação
destituída de um conteúdo de classe. Dependendo
desse conteúdo, ela pode ser uma educação para a
alienação ou uma educação para a emancipação.
A percepção da exploração e das conseqüências da
exploração não é clara para o trabalhador. A ideologia da
classe dominante faz com que ele acredite que existam as
fábricas e seus proprietários. Ao trabalhador cabe trabalhar
na fábrica e obedecer às ordens do dono. É o proprietário
quem deve determinar o que vai ser produzido, quanto
vai ser produzido, em que tempo, com que matéria-prima
e quanto custará. O trabalhador fica impedido, no
capitalismo, de ter qualquer decisão sobre o seu trabalho
e sobre o produto do seu trabalho. O trabalhador não
consegue perceber o seu trabalho como algo que lhe
pertence. A isso, Marx e Engels chamaram de alienação.
E disseram mais: se as relações de dominação existem
na sociedade é porque são construídas socialmente,
não tendo nada de ‘naturais’. E porque são construídas,
não precisam existir para sempre, podendo os Homens
estabelecer outros tipos de relação onde não haja
dominação de uma classe sobre outra.
A partir do entendimento da teoria sobre a sociedade
elaborada por Marx e Engels, e das categorias que
Do ponto de vista específico da educação na
sociedade capitalista, viam-na como um poderoso
instrumento de perpetuação da exploração de uma
classe social sobre a outra, utilizada que é pela burguesia
para disseminar a ideologia dominante, fazendo crer ao
trabalhador que é dele o modo burguês de ver o mundo.
No entanto, poderia ser utilizada também como um
instrumento valioso a ser usado em favor da
emancipação do Homem.
Na sociedade comunista, na qual não existiria mais a
burguesia capitalista, a educação teria de ser,
necessariamente, articulada ao trabalho, pois só assim
se formaria o homem completo. Rompendo com a
separação entre trabalho manual e intelectual, se
resgataria para o trabalhador o controle, perdido no
capitalismo, sobre seu trabalho e sobre o fruto de seu
trabalho, daí a necessidade da adoção de uma educação
tecnológica, intelectual e física, à qual Marx chamou
de omnilateral (= múltipla), nas escolas dos
trabalhadores: um ensino público e igual para todos,
absolutamente diferente da ‘escola para todos’
oferecida pela sociedade burguesa, que só faz reafirmar
a exploração, ensinando ao trabalhador a aceitar a
submissão.
Em Princípios do Comunismo, Engels, coloca
claramente essa concepção:
A educação dará aos jovens a possibilidade de assimilar
rapidamente na prática todo o sistema de produção e lhes
permitirá passar sucessivamente de um ramo de produção a
outro, segundo as necessidades da sociedade ou suas próprias
inclinações. Por conseguinte, a educação nos libertará deste
caráter unilateral que a divisão do trabalho impõe a cada
indivíduo. Assim, a sociedade organizada sobre bases
comunistas dará a seus membros a possibilidade de empregar,
em todos os aspectos, suas faculdades desenvolvidas
universalmente. 5
1.3 – Sociedade, Dominação e Educação:
a Perspectiva de Max Weber
A obra de Max Weber é, ao lado das de Comte,
Durkheim e Marx, um dos pilares da Sociologia.
Weber não se dedicou a discutir a educação, embora
tenha feito referências ao tema no conjunto de sua
produção teórica.
As reflexões de Weber sobre a educação podem ser
compreendidas a partir dos tipos de dominação que
descreveu e de seu enfoque da mudança social
ocasionada pelo processo de racionalização da
sociedade, ocorrido no decorrer da História, e que
interferiu na conduta de vida prática dos indivíduos e,
portanto, na sua maneira de educar.
A partir da construção de tipos puros (ou ideais),
Weber fixa conceitualmente três tipos de dominação:
racional (ou racional-legal), tradicional e
carismática.
Dominação racional é a “que repousa sobre a
legalidade de ordenações instituídas e dos direitos de
mando dos chamados por essas ordenações a exercer
a autoridade: a autoridade legal”. 6
Dominação tradicional é a “que repousa sobre a
crença quotidiana na santidade das tradições que
vigoram desde tempos longínquos e na legitimidade
dos que são designados por essa tradição para exercer
a autoridade: autoridade tradicional”. 7
Dominação carismática é a “que repousa sobre a
entrega extraquotidiana à santidade, ao heroísmo, ou
à exemplaridade de uma pessoa, e às ordenações por
ela criadas ou reveladas (...): autoridade carismática”.8
Nesse quadro, pode-se dizer que quem exerce a
dominação detém um poder de imposição, que é, em
última análise, o poder de homens concretos sobre
outros homens. Tal poder é garantido pela coação,
mas os indivíduos que participam de uma mesma
associação agem, sobretudo, segundo um consenso,
isto é, admitem a dominação (= obedecer às regras)
não apenas porque temem ser punidos, mas porque
introjetam a norma e consideram que devem ser
obedecidas. Quanto mais esse processo se dá, mais
legítima é a dominação. Do ponto de vista dos
indivíduos, portanto, quanto mais compartilharem das
regras que estão postas na sociedade, isto é, quanto
mais forem educados a partir de determinados valores,
mais levarão em conta os outros indivíduos com quem
convivem, no momento de tomar uma atitude, de
praticar uma ação.
Analisando o pensamento de Weber, Rodrigues diz
que:
as regras, portanto, funcionam como uma espécie de
“condensação de expectativas recíprocas” e, em
conseqüência disso, tornam o universo social organizado e
inteligível pelos atores individuais. Quando isso ocorre,
Weber diz que existe uma ordem social. Mas a validade da
norma não se baseia apenas nas expectativas recíprocas.
Quanto mais disseminada socialmente estiver a convicção
de cada um de que as regras são obrigatórias, melhor
fundamentadas serão as expectativas de uns com relação
ao comportamento dos outros. 9
Quando articula os tipos de dominação que construiu
com as finalidades da educação, Weber coloca que:
historicamente, os dois pólos opostos no campo das
finalidades da educação são: despertar o carisma, isto é,
qualidades heróicas e dons mágicos, e transmitir o
conhecimento especializado. O primeiro tipo corresponde
à estrutura carismática do domínio, o segundo corresponde
à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático.
Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões entre si. 10
Além dos dois tipos citados de educação, que
correspondem à estrutura carismática de dominação e
ao domínio racional-legal, Weber mencionou outro tipo,
que tem como finalidade ensinar a conduta do homem
culto, que deve ser preparado para certo tipo de
comportamento interior, como a reflexividade, e exterior,
como determinados tipos de comportamento social que
correspondiam a grupos de status específicos, como
os sacerdotes, os cavaleiros, os intelectuais. A
finalidade desse tipo de educação corresponderia à
dominação tradicional.
A educação carismática, a educação tradicional e
a educação que forma o especialista num tipo de
conhecimento são os principais tipos de educação
que teriam existido ao longo da História. Weber
observou que, em cada época, um determinado tipo
de educação era mais valorizado pelas diferentes
organizações políticas.
Na Antigüidade e mesmo na Baixa Idade Média, existia
um tipo de educação que objetivava o despertar dos
dons carismáticos do indivíduo. Tal educação, que
podia ocorrer numa instituição estatal ou eclesiástica
ou, ainda, podia ser ministrada por uma determinada
corporação, pretendia revelar qualidades mágicas,
dons heróicos. Weber escreveu que a educação
carismática pretendia despertar no noviço uma
capacidade inata, um dom exclusivamente pessoal, que
só se aplicaria a quem revelava características
especiais, que fugia do que era comum. O rumo que
tomaria esse tipo de educação dependia da importância
atribuída a ela, como, por exemplo, a educação dos
sacerdotes e sacerdotisas entre os druidas, grupo
religioso que entre os Celtas ocupavam o lugar de
juízes, doutores, sacerdotes, adivinhos, magos,
médicos, astrônomos, pedagogos etc.
Nas sociedades patriarcais, nas quais o tipo mais
importante de domínio de legitimidade se baseava na
tradição, a educação tem o caráter de uma formação
erudita, literária e intelectual, restrita a um grupo de
indivíduos. No patriarcalismo, que está de acordo com
a estrutura de dominação tradicional, a finalidade da
educação era o que Weber chamou de pedagogia do
cultivo, na qual o indivíduo era preparado, através de
uma educação geral, para exercer determinados tipos
de comportamento, possibilitando, assim, o
17
18
desenvolvimento de um processo educacional peculiar
que correspondia a seu modo de vida. Nesse tipo de
educação, havia a valorização de bens culturais e
artísticos, tais como literatura, música e artes plásticas.
A posse desses bens servia de elemento diferencial
entre a camada dominante e a camada dominada. Nas
formas de dominação baseadas na tradição, a
educação valorizada, tanto a cavalheiresca como a
que procurava desenvolver uma formação erudita,
objetivava a formação do ‘homem culto’.
Considerando os três tipos de dominação descritos
por Weber, pode-se deduzir que quanto mais a
sociedade se torna complexa, mais se afasta da
tradição ou da liderança baseada no carisma, e mais a
dominação é garantida por um aparato legal, de caráter
racional. No entanto, para que a dominação racional
aconteça, é necessário que exista uma burocracia, que
organize a sociedade não na base da tradição ou do
carisma pessoal do líder, do mago ou do herói, mas na
racionalidade, na impessoalidade e na legalidade. É a
isso que Weber chama de racionalização da
sociedade.
Com a racionalização da vida social e a crescente
burocratização do aparato público de dominação política e
dos aparatos próprios às grande corporações capitalistas,
a educação deixa paulatinamente de ter como meta a
“qualidade da posição do homem na vida”, – e note-se que
para Weber, este é o sentido próprio do termo educação,
enquanto base dos sistemas de status –, e torna-se cada vez
mais um preparo especializado com o objetivo de tornar o
indivíduo um perito. 11
Alguns autores avaliam que Weber adota essa
perspectiva ‘desencantada’ diante da inexorabilidade
e da invencibilidade da racionalização, que se impõe à
sociedade e, por conseguinte, à educação. Dizem eles
que Weber previu o acirramento da polarização das
qualificações com o desenvolvimento do capitalismo
e em nenhum momento considerou outra possibilidade.
Isso os leva a crer que, para Weber, era racional a
existência de uma educação segmentada na sociedade
capitalista e que, neste sentido, ‘nada pode ser feito’.
Para estes autores, diferentemente de Durkheim e Marx,
Weber persistiu em toda a sua obra numa visão
pessimista da sociedade moderna e resignada em
relação aos problemas desta, entre eles os de educação.
No entanto, há outros autores, entre os quais se pode
citar Alonso Bezerra de Carvalho, autor de Educação
e Liberdade em Max Weber, que avaliam que, apesar
de constatar a força da burocratização e alimentar um
certo pessimismo diante das possibilidades do homem
agir com liberdade, Weber também incorporava a idéia
de que a burocracia não dominava completamente a
vida e que, da mesma forma que se submetem, os
homens poderiam resistir. E esta resistência estaria
inserida no próprio campo da racionalidade, pois se na
ação racional com relação a fins o agente concebe
previamente seu objetivo e os meios para atingi-lo,
poderá vir a não se submeter aos ditames da
racionalização, uma vez que considere que não atingirá
seus fins senão da maneira que decidiu. E quanto maior
a correspondência entre meios e fins, maior a
racionalidade.
A este tipo de educação, Weber chama de pedagogia
do treinamento. Para ele, a racionalização da
sociedade capitalista acabou por impor uma prática
pedagógica que, em vez de contribuir para o
desenvolvimento dos talentos do ser humano, tem
contribuído para a obtenção de status privado e
treinamento de indivíduos para o desempenho de
determinadas tarefas, funcionando como mecanismo
de ascensão social, isto é, as pessoas de maior
privilégio e poder utilizam-se da educação como um
recurso para melhorar o seu status. A finalidade da
educação especializada, isto é, daquela que transmite
o conhecimento especializado, é permitir que se
dominem todas as coisas pela previsão. No entanto,
segundo a constatação weberiana, quanto mais se
domina o mundo pela previsão, mais ele se desencanta.
Como a concepção de Weber com relação à educação
está contida na sua concepção sociológica geral, é
possível, para Carvalho, conceber Max Weber como
um autor que não se restringe ao pessimismo
sociológico, fruto das suas análises sobre o processo
de racionalização da modernidade ocidental.
Referências bibliográficas:
1
MARX, Karl e ENGELS, Frederich. El Capital. 1959, p. 130.
2
RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. 2001,
p. 39.
3
MARX, Karl e ENGELS, Frederich. La ideologia alemana.
1970, p.27.
4
Ibid, p. 50.
5
Citado por RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 57.
WEBER, Max. Economia y sociedad. 1969, p. 172-173
Ibid, p. 172-173.
8
Ibid, p. 172-173.
9
RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p.69
10
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 1982, p. 482
11
RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 79-80.
12
CARVALHO, Alonso Bezerra. Educação e Liberdade em
Max Weber. 2004, p. 292.
Como afirma em suas considerações finais:
vemos em Weber, assim, não apenas um autor que constata
a tragédia do mundo moderno, no qual convivem os
paradoxos de uma existência fundada na inevitabilidade da
renúncia. Mas ele também lida com as possibilidades, isto é,
com a chance de realização de algumas perspectivas. Nem
tudo ainda está perdido: nem a liberdade e nem o sentido da
vida. É possível uma educação que equilibre a tensão entre
burocracia e carisma. 12
6
7
Exercícios de Auto-Avaliação
1. Segundo Durkheim (1922), a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que ainda
não se encontram preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo
número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo
meio moral a que a criança, particularmente, se destine.
Indique as afirmações que podem expressar a definição de educação de Durkheim, citada acima, e elabore a
sua própria definição de educação, na perspectiva durkheimiana:
a) Toda sociedade especifica alguns objetivos que devem ser alcançados na socialização dos indivíduos, e a
educação é um dos instrumentos que possibilitam o alcance de tais objetivos.
b) A educação deve ter um objetivo geral, isto é, permitir que as crenças e valores básicos, que devem ser
comuns a todos, e sem os quais o grupo social não se manteria, sejam aprendidos.
c) Para Durkheim é necessário que haja uma ação da geração adulta sobre a mais nova, para que esta última
possa aprender a viver adequadamente no meio a que se destina.
d) A sociedade deve se preocupar em oferecer uma educação que contribua para o equilíbrio do sistema,
garantindo a solidariedade necessária à manutenção da ordem social.
2. Marx e Engels viam um duplo papel da educação, dependendo do seu conteúdo: podia alienar ou transformar.
Você concorda com a contradição colocada nesta concepção? Por quê?
3. Como você vê a relação entre educação e trabalho proposta por Marx e Engels e a sua proposta de uma
educação omnilateral?
4. Para Weber, a racionalização da sociedade capitalista acabou por impor uma prática pedagógica que tem contribuído
para a obtenção de status privado e servido como treinamento de indivíduos para o desempenho de determinadas
tarefas, funcionando como mecanismo de ascensão social, isto é, as pessoas de maior privilégio e poder utilizam-se
da educação como um recurso para melhorar o seu status. Para alguns autores, Weber é absolutamente a-crítico
diante dessa realidade por ele constatada. Para outros, isso não é verdade, uma vez que a sociedade pode resistir à
burocratização da educação, optando por meios alternativos de agir, dependendo dos objetivos que pretende atingir.
Na sua ótica de futuro educador, a ‘pedagogia do treinamento’ pode coexistir com a ‘pedagogia do cultivo’?
Explique sua posição.
Leitura Complementar
Leia os Capítulos II, III e IV do livro Sociologia da Educação, de autoria de Alberto Tosi Rodrigues, citado na bibliografia.
Compare as respostas que você deu às questões acima com as colocações dos pensadores citados pelo autor e verifique
até que ponto suas concepções estão de acordo, ou não, com as deles.
Atividades Complementares
Se você tiver oportunidade, assista ao filme Sociedade dos poetas mortos. O filme mostra as relações de um professor e
ex-aluno da Welton Academy, vivido por Robin Williams, com uma turma de adolescentes cheios de sonhos e vontade de
viver intensamente. Entretanto, encontram-se inseridos em um sistema acadêmico rígido e autoritário, que não lhes permite
buscarem outras oportunidades externas às impostas pela instituição de ensino preparatória para a universidade. Comparandose com o atual sistema educacional brasileiro, seria uma escola técnica de ensino médio. Discuta com seus/suas colegas a
imposição de uma ‘pedagogia do treinamento’, sobrepondo-se à ‘pedagogia do cultivo’. Analise os efeitos dessa imposição.
19
20
UNIDADE II
A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS
2.1 – Sociedade, Organização da Cultura e Educação:
a Perspectiva de Gramsci
Antonio Gramsci foi um dos pensadores mais
profícuos do século XX. Perseguido e preso pelo
fascismo, estava comprometido com a instalação de
um projeto político que devia culminar com uma
revolução proletária, mas que devia ser precedido de
mudanças na cultura, entendida como um conjunto
de valores morais e regras de comportamento cujo
domínio se caracteriza pelo consenso. Essa
transformação histórica estaria, para Gramsci, a cargo
dos intelectuais.
Os intelectuais possuiriam uma função bastante
importante no processo da reprodução social, na
medida em que ocupariam espaços sociais de decisão
prática e teórica.
Esse realce não significa que só os intelectuais
fossem capazes de pensar o mundo. Ao contrário, um
dos elementos a se destacar nas formulações de
Antonio Gramsci é a sua afirmação de que todos os
homens são intelectuais, apesar de nem todos
desempenharem na sociedade a função de intelectuais.
Dizia que, apesar das atividades sociais serem
distintas, todos os homens possuem, mesmo de
maneira fragmentada, alguma cosmovisão, sobre a qual
baseiam o seu comportamento moral, e que contribui
para manter ou mudar uma determinada forma de
pensar. Para ele, esta cosmovisão está presente na
própria linguagem – que é um conjunto de noções e
de conceitos determinados –, no consenso comum e
no bom senso e em todo o sistema de crenças,
superstições, opiniões, modos de ver e agir. Por isso,
todos os homens são intelectuais.
sentido, todos são conformistas. No entanto, mesmo
conformista, mesmo ‘enquadrado’, pode-se adotar uma
concepção de mundo crítica ou acrítica, isto é, podese ser massa, marcada por elementos desagregados,
fragmentados, preconceituosos, ou pode-se fazer a
crítica à própria concepção de mundo, criticando-se
como produto histórico, desenvolvido, até então, sob
a influência de traços acolhidos sem crítica. Existem
várias concepções e fazemos escolhas entre elas.
Na concepção de Gramsci, a principal função dos
intelectuais é a formação de uma determinada moral e
de uma determinada cultura, possibilitando uma
específica visão de mundo. É o que ele chama de
‘organizar a cultura’.
Gramsci define duas categorias de intelectuais: o
intelectual orgânico e o intelectual tradicional. O
intelectual orgânico seria comprometido com um
organismo vivo e em expansão, possuidor de uma
visão de mundo consciente, que se liga a um projeto
de sociedade do qual se torna organizador. O
intelectual tradicional seria, ao contrário, aquele que
acredita estar desvinculado de um projeto de sociedade
e cumpre burocraticamente seu papel, voltado a manter
o status quo.
Mas não basta admitir que a filosofia não é privativa
de alguns cientistas ou profissionais especializados.
Para Gramsci, o que importa é avançar na elaboração
de uma concepção de mundo de maneira consciente,
de modo a escolher a própria esfera de atividade e
participar ativamente na construção de uma nova
sociedade.
Os intelectuais orgânicos teriam como principal
função a formação de uma nova moral e uma nova
cultura, que podem ser entendidas também como uma
contra-hegemonia. Esta tese de Gramsci está
diretamente articulada com o seu conceito de
hegemonia, compreendida como direção moral e
direção política de uma classe, quando toma o poder,
sobre as classes concorrentes ou aliadas. Em outras
palavras, hegemonia é o domínio de uma classe social
sobre o conjunto da sociedade, que pode se dar de
duas formas: pela força ou pelo consenso. O aparato
político-jurídico e o policial-militar garantem o controle
pela força. O consenso é o terreno do controle ocupado
pela cultura, pela moral, pelos costumes, que são
aprendidos na vida social.
O autor afirma que pela própria concepção de mundo,
cada um pertence a um determinado grupo, no qual se
compartilha um mesmo modo de pensar e agir. Neste
Falar de intelectuais e hegemonia é falar em
educação e escola, objeto de intensa preocupação
gramsciana.
Sua compreensão de escola estava ligada à idéia de
construção de uma nova moral e uma nova cultura da
classe subalterna, de modo a assegurar-lhe a hegemonia,
o poder sobre as demais classes e, conseqüentemente,
possibilitar-lhe a conquista do Estado.
Seria necessário, no entanto, dizia ele, romper com a
subordinação intelectual e ideológica das classes
subalternas, que se tornavam aliadas da cultura
dominante ao reproduzir a ideologia dominante. Ora, isso
ocorria porque a concepção de mundo das classes
trabalhadoras era incoerente, fragmentada e
desorganizada.
Isto significa que um grupo social, que tem uma concepção
própria do mundo, ainda que embrionária, que se manifesta na
ação e, portanto, descontínua e ocasionalmente, isto é, quando
tal grupo se movimenta como um conjunto orgânico, toma
emprestada a outro grupo social, por razões de submissão e
subordinação intelectual, uma concepção que lhe é estranha. 13
É, portanto, necessário a superação de uma concepção
de mundo desagregada, a-crítica e a-histórica, típica do
senso comum e, para Gramsci, isso devia acontecer
através da filosofia da práxis, apesar de considerar que
o ponto de partida para alcançar-se uma visão de mundo
mais unitária e homogênea é sempre o senso comum,
que é a filosofia espontânea das multidões.
A filosofia da práxis se moveria em dois sentidos: o
primeiro, fazendo a crítica ao senso comum, resgataria o
que ele teria de unidade e coerência, realçando o que
merecia ser desenvolvido. Além disso, alijando o que nele
permitia a submissão à ideologia dominante, possibilitaria
elevar a consciência a uma maior totalidade e coerência; o
segundo sentido seria a crítica à filosofia dos intelectuais
que colaboravam para a sustentação da ideologia
burguesa dominante. Este trabalho caberia, segundo
Gramsci, aos intelectuais orgânicos, que são dirigentes e
organizadores das massas, enquanto ajudam na superação
dialética do fragmento para uma visão de totalidade.
construção de uma nova moral e uma nova cultura
da classe subalterna. Neste sentido, fez uma crítica
contundente da escola profissionalizante, cuja
preocupação era preparar mão-de-obra para o
mercado e consistia então na nova proposta para o
ensino italiano, empreendida por Giovanni Gentile,
Ministro da Educação de Mussolini. Gramsci era um
dos críticos mais incisivos da escola
profissionalizante, por considerá-la determinista e
discriminatória, embora considerasse a necessidade
de modernização técnica da sociedade. Mas, na sua
concepção, o desenvolvimento de uma educação
para o trabalho se daria a partir da implantação da
escola única de cultura geral, formativa, que
englobasse as duas dimensões até então
segmentadas na escola: trabalho manual e trabalho
intelectual. Essa escola forneceria orientação
profissional e prepararia os indivíduos fosse para o
ingresso em escolas especializadas, fosse para o
trabalho produtivo.
Na formulação gramsciana,
a tendência, hoje, é a de abolir qualquer tipo de escola
‘desinteressada’ (não imediatamente interessada ) e
‘formativa’, ou conservar delas tão-somente um reduzido
exemplar destinado a uma pequena elite de senhores e de
mulheres que não devem pensar em se preparar para um
futuro profissional, bem como a de difundir cada vez
mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o
destino do aluno e sua futura atividade são
predeterminados. A crise terá uma solução que,
racionalmente, deveria seguir esta linha: escola única
inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre
eqüanimemente o desenvolvimento da capacidade de
trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente)
e o desenvolvimento da capacidade de trabalho
intelectual. Deste tipo de escola única, através de
repetidas experiências de orientação profissional, passarse-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho
produtivo. 15
Gramsci considera a escola a principal agência, na sociedade
civil, de formação de intelectuais. De modo especial, preocupalhe a preparação de intelectuais de novo tipo, organicamente
ligados às classes subalternas, para que possam influir no
processo da hegemonia civil, educando e formando os
“simples”, ou seja, elaborando e tornando coerentes os
problemas que as massas populares apresentam em sua atividade
prática para, assim, constituir um novo “bloco cultural e social”.
É dentro dessa linha de raciocínio que Gramsci discute a
organização da escola, pois a considera uma das mais
importantes instituições que movimentam o conteúdo ético
estatal, isto é, das ideologias que circulam na sociedade civil
seja com a finalidade de legitimar o grupo dominante tradicional,
ou de lutar contra ele para fundar uma nova sociedade. 14
A escola unitária, prevista por Gramsci, seria
‘desinteressada’, no sentido de que não deveria
satisfazer apenas a um grupo ou a alguns grupos,
mas a toda a coletividade, estando acima das classes.
Seria democrática porque daria oportunidade a todos,
indistintamente, de, inteirando-se do conhecimento,
poder se tornar mais que operários qualificados,
chegando mesmo a serem governantes. Por isso,
Gramsci insiste que, pelo menos nos graus básicos,
o ensino permanecesse desinteressado. Essa
garantia dava a oportunidade de que todas as
crianças tivessem acesso à cultura, não a uma cultura
enciclopédica, mas a uma cultura histórica cuja
aquisição ajudaria o homem a construir uma visão
de mundo que lhe assegurasse a condição de
cidadão.
Para Gramsci, a escola, por se constituir num aparelho
privado de hegemonia, poderia se direcionar para a
Gramsci retoma as idéias de Marx no que se refere a
omnilateralidade, concepção que diz respeito à
Segundo Rodrigues e outros,
21
22
realização/emancipação do homem através do
trabalho, construtor de sua história, não excluído,
dotado de uma consciência crítica que lhe dá
oportunidade de desenvolver sua autonomia, sem se
tornar subserviente.
Como nos ensina Gramsci, é preciso reconhecer a
educação como um ato de cultura e, portanto, a escola
como um espaço privilegiado para a construção de uma
nova cultura democrática. Neste itinerário, o professor
tem uma tarefa imprescindível e intransferível.
2.2 – Sociedade, Esperança/Liberdade e Educação:
as Contribuições de Karl Mannheim
Karl Mannheim, um dos mestres da sociologia
contemporânea e estudioso da problemática da
educação, destacou o caráter histórico dos objetivos
pedagógicos. Isso significa dizer que a principal
contribuição do enfoque sociológico da história e da
teoria da educação é chamar a atenção para o fato de
que nem as metas nem as técnicas educacionais
podem ser concebidas sem um contexto, mas que,
pelo contrário, são, em grande parte, socialmente
dirigidas.
É por isso que o autor defende a idéia de que “os
objetivos educacionais da sociedade não podem ser
adequadamente entendidos quando separados das
situações que cada época é obrigada a enfrentar e da
ordem social para a qual eles são formulados”. 16
Na concepção de Mannheim, o indivíduo é moldado
em uma dada sociedade e para ela e, por tal razão, os
objetivos da educação são formulados dentro de uma
ordem social e só poderão ser entendidos na
perspectiva de cada época, das questões que enfrenta.
A forma como Mannheim tenta expressar a sua
concepção de educação inscreve-a na categoria de
‘técnica social’, isto é, como um dos “métodos de
influenciar o comportamento humano de maneira que
este se enquadre nos padrões vigentes de interação e
organização sociais.” 17
Mannheim completa seu pensamento dizendo que
as técnicas sociais não são boas ou más em si mesmas
e que dependem dos usos que os homens fazem delas.
Podem ser consideradas como excelentes “realizações
da humanidade se são levadas a servir a um bom
propósito, se controladas continuamente e se, ao invés
de dominarem os homens, são por eles dominadas.” 18
Vivendo na Europa marcada pelo nazi-fascismo e
pela guerra, Mannheim demonstra uma imensa
preocupação com a restauração dos ideais
democráticos e de liberdade, o que o leva a afirmar
que é necessário construir um novo ideal
democrático, com exigência de justiça social para
garantia de uma nova ordem social. Alertou para o
fato de que na medida em que a tradição foi dando
lugar à racionalização da vida, no contexto da
sociedade industrial, fato detectado por Weber,
houve o declínio de uma educação preocupada com
a formação do homem integral e que seria necessário
resgatar a possibilidade da educação de um indivíduo
consciente, que percebesse a realidade e as mudanças
que se operam em seu meio social. Daí ser necessário
dar lugar, na sociedade e na escola, para os interesses
de diferentes classes sociais, de modo que todas
possam trazer à vida social e ao processo educacional
as contribuições da cultura de todos e de cada um,
numa intercomunicação constante.
Para conseguir construir a sociedade democrática que
pregava, Mannheim, marxista que era, se refere à
necessidade de sua planificação, mas não de um ponto
de vista burocrático e autoritário, mas sim de uma
perspectiva nova, de planificação para a liberdade.
Pregava a transformação não pela via da revolução,
mas pela via da reforma. Temia o caminho evolucionário
que levou à ditadura.
Este movimento por maior justiça apresenta a vantagem de
poder ser concretizado pelos meios de reforma existentes –
através de impostos, controle de investimentos, obras
públicas e decidida expansão de serviços sociais; ele não
apela para a interferência revolucionária, que levaria, de
vez, à ditadura. A transformação alcançada mediante a
reforma, ao invés da revolução, também oferece a vantagem
de que com ela se pode contar com a colaboração dos
antigos grupos democráticos dirigentes. Se um novo sistema
começa com a destruição dos velhos grupos dirigentes da
sociedade, destrói também todos os valores tradicionais da
cultura européia. 19
Foi também um crítico contundente do laisser-faire.
No entanto, dizia que “a democracia militante, porém
aceitará do liberalismo a crença de que numa sociedade
moderna altamente diferenciada – exceto aqueles
valores básicos sobre os quais será necessário um
consenso democrático – é melhor deixar os valores
mais complicados abertos às diferenças de credo,
escolha individual ou livre experimentação.” 20
Por isso, sua proposta de planificação estabelecia
que alguns valores e atitudes deveriam ser deixados à
decisão dos indivíduos, alertando que o alvo de
preocupação deveria ser a reflexão sobre como
conseguir atingir tal objetivo.
Os problemas principais da nossa época podem ser expressos
nas seguintes questões: existe a possibilidade de planificação
baseada na coordenação, que deixe, todavia, margem para
a liberdade? A nova forma de planificação pode
deliberadamente abster-se de interferência, exceto nos casos
aonde o livre ajustamento não conduziu à harmonia, mas
ao conflito e ao caos? Há uma forma de planificação que
conduza à justiça social, eliminando gradualmente o
incremento desproporcional da renda e da riqueza nas várias
camadas da nação? Existe a possibilidade de se transformar
nossa democracia neutra em uma democracia militante?
Podemos transformar nossas atitudes relativamente às
avaliações de modo que seja possível um consenso
democrático sobre questões básicas deixando à escolha
individual as questões mais complexas? 21
Responder a tais questões parecia ser crucial. Como
assegurar que algumas coisas devessem ser deixadas
à escolha dos sujeitos, mas que isso não era mais
importante do que criar uma unidade de propósito?
Para Mannheim isso era plenamente possível.
Na minha opinião, pode-se desenvolver uma nova
ordem social e pode-se deter as tendências ditatoriais
das modernas técnicas sociais, desde que nossa
geração tenha a coragem, a imaginação e a vontade
para controlá-las e orientá-las na direção correta. Isso
deve ser feito, imediatamente, enquanto as técnicas
são ainda flexíveis e não foram ainda monopolizadas
por um grupo único. Cabe-nos evitar os erros das
democracias anteriores que, por causa de ignorarem
essas tendências fundamentais, não puderam impedir
o aparecimento da ditadura. E a missão histórica deste
país (Inglaterra) é a de criar, apoiado na sua persistente
tradição de democracia, liberdade e reforma
espontânea, uma sociedade que funcionará no espírito
do novo ideal: “Planificação para a Liberdade”. 22
Como acreditava que a teoria e, especificamente, a
teoria sociológica pudesse auxiliar na tentativa de
formular uma base para o ‘aprimoramento’ da educação,
enquanto técnica social, em direção à liberdade,
Mannheim, segundo Rodrigues:
vê a possibilidade de valer-se da compreensão dos diferentes
tipos históricos de educação, construídos por Weber, para
a montagem de uma pedagogia que dê conta de educar o
homem moderno sem arrancar-lhe as possibilidades
oferecidas por uma formação mais integral.
Para Mannheim não há porque acreditar que uma pedagogia
do cultivo está condenada à morte. (...) E concorda também
que a educação especializada desintegra a personalidade e a
capacidade de compreender de modo mais completo o
mundo em que se vive. Mas argumenta que a grande questão
educacional daquela primeira metade do século XX era
justamente saber se os valores veiculados por este tipo de
formação são exclusividade dessas classes ociosas ou se
podem ser transferidos em alguma medida às classes médias
e aos trabalhadores. 23
Max Weber, como já vimos, acreditava que a
racionalização da sociedade moderna acabou por
impor uma prática pedagógica especializada, racional,
uma educação segmentada, típica da sociedade
capitalista e, num certo sentido, inexorável.
Mannheim, que viveu a experiência do nazi-fascismo,
considerava que a racionalização, antes de tudo, havia
feito surgir uma sociedade desumana, irracional, que
só poderia ser superada se se fizesse uma opção pela
democracia.
2.3 – Sociedade, Reprodução e Educação: o Ponto
de Vista dos Crítico-Reprodutivistas
Na segunda metade do século XX, no final da década de
60, um grupo de pensadores franceses procura estabelecer
uma ligação entre educação e produção e entre escola e
economia. Às teorias produzidas por esses pensadores, o
Professor Dermeval Saviani chamou de críticoreprodutivistas, em comparação com outras teorias que
seriam não-críticas, uma vez que não encaravam a educação
como condicionada objetivamente.
Inversamente, aquelas do segundo grupo [i. é, a dos teóricos
aos quais este item do instrucional se refere] são críticas,
uma vez que se empenham em compreender a educação
remetendo-a sempre aos seus condicionantes objetivos, isto
é, aos determinantes sociais, vale dizer, à estrutura sócioeconômica que condiciona a forma de manifestação do
fenômeno educativo. Como, porém, entendem que a função
da escola é a reprodução da sociedade, serão por mim
denominadas de “teorias crítico-reprodutivistas”. 24
Tentavam eles responder a uma questão importante
para aquele momento: como a educação e a escola
contribuíam para a perpetuação da sociedade
capitalista? Uma das pistas para responder a esta
pergunta foi oferecida pelo filósofo Louis Althusser
que, em seu ensaio Os aparelhos ideológicos de
Estado, aponta a educação e a escola, ao lado da igreja
e da família, como instituições encarregadas, através
do convencimento e da ideologia, de garantir que o
status quo se mantenha sem grandes contestações
que venham a alterar, pelo menos nas suas bases, as
forças produtivas e as relações de propriedade que
caracterizam o modo de produção capitalista.
Acreditamos, portanto, ter boas razões para afirmar que,
por trás dos jogos de seu Aparelho Ideológico de Estado
político, que ocupava o primeiro plano do palco, a burguesia
estabeleceu como seu aparelho de Estado n° 1, e portanto
dominante, o aparelho escolar, que, na realidade, substitui
o antigo aparelho ideológico de Estado dominante, a Igreja,
em suas funções. Podemos acrescentar: o par Escola–
Família substitui o par Igreja–Família. 25
23
24
A educação e a escola capitalista, dizia ele, atuariam,
portanto, sobre as pessoas. Sobre as pertencentes às
classes subordinadas, ensinando-lhes a submissão, e
sobre aquelas pertencentes às classes dominantes,
ensinando-lhes a comandar, a controlar, a decidir. Isto
acontece porque as crianças das classes dominadas são
expelidas da escola antes que possam atingir patamares
de aprendizagem nos quais poderiam construir hábitos
e habilidades reservados às classes hegemônicas.
Althusser percebe a luta de classes no interior das
escolas e a caracteriza, predominantemente, como luta
ideológica. Segundo Cassin, a luta de classes no
interior da escola
é a luta pela manutenção da ideologia hegemônica das
classes dominantes (...). A escola em seu papel de
transmissora da cultura das classes dominantes, se constitui
em importante instrumento de construção e manutenção
da hegemonia ideológica, através do ensino e de outras
formas ideológicas no interior das mesmas. 26
Junto às contribuições de Althusser para a análise
da educação escolar e seu papel ideológico e político
na sociedade, aparecem os trabalhos de Claude
Baudelot e Roger Establet, que empreenderam um
estudo da escola francesa. Comprovaram, e
apresentaram suas conclusões em A escola
capitalista na França, que mesmo naquele país, onde
a ideologia da ‘escola única’ se confundiu com a
própria idéia de formação da Nação, as estatísticas
mostravam um fantástico movimento de exclusão:
25% dos alunos abandonavam a escola ao atingir a
idade de obrigatoriedade escolar e 50% dos que
ficavam, abandonavam a escola no ano seguinte.
Descobriram, ainda, que existe, na verdade, uma
profunda dualidade escolar na França: uma escola é
a que chamaram de SS – ‘secundária superior’ –
destinada aos filhos das elites; outra é a PP – ‘primária
profissional’ –, para os filhos dos trabalhadores, que
significam 75% dos estudantes do país.
Baudelot e Establet avaliaram que:
de fato, a escola alimenta os dois pólos do mercado de
trabalho, através de dois fluxos bem distintos. Em uma
extremidade, ela forma um pequeno número de quadros
intelectuais nas melhores escolas secundárias,
desembocando nas universidades. Na outra, a escola orienta
a formação de massas de trabalhadores mais ou menos
qualificadas e condenadas a vender-se por um salário
irrisório aos donos das grandes corporações industriais,
das cadeias de lojas ou dos escritórios. 27
É claro que esta dualidade é escamoteada. Tenta-se
explicar as diferenças com base em argumentos que
defendem que nem todos são iguais do ponto de vista
intelectual; só que se formos empreender uma análise
dos dados, veremos que os ‘menos inteligentes’ são
os mais pobres. São os que têm visto,
sistematicamente, suas práticas lingüísticas, por
exemplo, desconsideradas por uma pedagogia que não
consegue articular o saber construído por uma cultura
particular com a ‘grande cultura’ a ser preservada. No
momento atual, em pleno século XXI, há correntes
pedagógicas na França e em outros países europeus
que defendem a idéia de escolas destinadas a atender a
crianças das classes médias e das elites nacionais, e
outras, criadas para atender aos filhos dos imigrantes,
principalmente árabes e africanos, em nome do respeito
às diferenças e da preservação da identidade cultural
de cada povo.
Outros sociólogos, nessa mesma década do século
passado, empreenderam sua crítica à educação
centrados na idéia de reprodução. Pierre Bourdieu e
Jean-Claude Passeron nos seus trabalhos em conjunto,
como no livro A Reprodução, ou produzindo análises
individuais, principalmente o primeiro, avançaram além
da interpretação do funcionamento da escola
condicionado ao funcionamento da economia. Na sua
análise, “a dinâmica da reprodução social está centrada
no processo de reprodução cultural.” 28 Isto equivale a
dizer que o que se reproduz na sociedade e na escola é
a cultura, mas não qualquer cultura: somente a que tem
poder, que tem valor social, que tem prestígio. Quem
possui esta cultura alcança vantagens, materiais ou
não, e constrói um capital cultural. A autoridade da
escola e do discurso pedagógico fazem crer que
qualquer um pode, teoricamente, ingressar numa cultura
de prestígio. E tal idéia é inculcada, é internalizada por
cada um dos indivíduos que dela participam, criando
um habitus. No entanto, sabe-se que a cultura que tem
valor na sociedade não está acessível a todos. A cultura
que tem prestígio na sociedade capitalista é a cultura
burguesa, só acessível à burguesia.
Bourdieu e Passeron chegam à conclusão que, para
as crianças burguesas, constituir-se na cultura que está
presente nas escolas é algo contínuo ao seu ambiente
doméstico. O mesmo não acontece com as crianças
provenientes das camadas desfavorecidas. Segundo
Rangel,
na verdade, o que acontece na escola com as crianças
provindas de famílias pobres, é que elas têm de enfrentar a
desigualdade que atravessa toto o sistema social e não só a
escola. A sua cultura, na qual aliás são bem integradas, é
encarada de forma negativa no sistema escolar. E aí tem-se
um grande obstáculo a superar. 29
O obstáculo a superar, referido por Rangel, é a existência,
no cenário escolar, de um processo de dominação cultural
que supõe, de um lado, a imposição da cultura hegemônica
e de outro, o ocultamento dessa imposição, a
“naturalização” dessa prática. A isso, Bourdieu e Passeron
chamaram de violência simbólica, pois é inegável que a
ação educacional nas escolas capitalistas se reveste de
um caráter violento, arbitrário e discriminador.
A proposta dos crítico-reprodutivistas, embora
fossem eles profundamente pessimistas quanto às
possibilidades da escola burguesa ser diferente do
que é, é romper com a “pedagogia do apartheid” e
assegurar que as crianças das camadas menos
favorecidas permanecessem na escola e, criandose metodologias próprias para isso – às quais
deram o nome de pedagogia racional – e se
apercebessem das condições em que ocorre sua
aprendizagem, obrigando a escola a lhes garantir a
construção de um capital cultural só acessível
Referências bibliográficas:
13
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura.
1989, p.15.
14
RODRIGUES, Margarita Victoria et al. Gramsci e Educação.
Online.
15
GRAMSCI, Antonio, op. cit., p. 117 - 118.
16
MANNHEIM, Karl. A educação como técnica social. In:
PEREIRA, Luís e FORACCHI, Marialice. Educação e sociedade,
1964, p. 88.
17
Ibid, p. 88.
18
MANNHEIM, Karl. Planificação democrática e educação. In:
PEREIRA, Luís e FORACCHI, Marialice, Educação e sociedade.
1964, p. 343.
19
Ibid, p. 345.
20
Ibid, p. 346.
21
Ibid, p. 346.
aos filhos das elites e das classes médias, suas
aliadas. Não é à toa
(...) que as crianças de origem social privilegiada não devem
ao seu meio social apenas os hábitos e um certo treinamento
aplicável às tarefas escolares mas, também, saberes, gosto
e a familiaridade com os diferentes domínios da cultura
(teatro, música, cinema, museus, literatura). A diferença de
desempenho entre os grupos sociais aumenta quanto mais
os domínios da cultura escapam à homogeneização e ao
controle exercido pela escola (pintura ou teatro de
vanguarda não ão ensinados nas escolas). 30
22
Ibid, p. 353.
RODRIGUES, Alberto Rosi. op. cit., p. 97.
24
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 1999, p. 9.
25
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. 1987,
p. 78.
26
CASSIN, Marcos. Louis Althusser e o papel político-ideológico
da escola. 2002, p. 120.
27
Citado por GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas.
2001, p. 197.
28
SILVA, Tomaz Thadeu da. Documentos de Identidade: uma
introdução às teorias do currículo, p. 34.
29
RANGEL, Carmen Maria. Relações entre educação escolar e
produção de (des)igualdades sociais. 2003, p. 9.
30
LAPLANE, Adriana Friszman e DOBRANSZKY, Enid Abreu.
Capital cultural: ensaios de análise inspirados nas idéias de P.
Bourdieu. 2002, p. 62.
23
Exercícios de Auto-Avaliação
1. “Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção da vida e do homem,
verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas de tipo profissional, isto é, preocupadas
em satisfazer interesses práticos imediatos, predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada.
O aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvada como democrática,
quando, na realidade, não só é destinada a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las (...)”.
Gramsci expressa essa avaliação numa nota intitulada “Observações sobre a escola: para a investigação do
princípio educativo”.
A nota da qual foi retirado o breve trecho citado torna precisa uma questão específica, como é típico de
Gramsci, isto é, a reforma do sistema escolar/educativo, idealizada por Giovanni Gentile e implementada pelo
governo fascista, em 1923. É importante não perder de vista esse fato, para evitar a tentação de deslocar as
idéias de Gramsci de seu próprio contexto histórico específico e aplicá-las, de modo simplista e não complexo,
à situação atual. Partindo do princípio que Gramsci se refere, portanto, a uma questão datada, qual a sua opinião
sobre a concepção do autor sobre escola ‘desinteressada’ e a crítica que faz à escola profissionalizante?
2. Deve-se ter em conta que as reflexões gramscianas sobre a educação fazem parte de uma reflexão mais ampla
sobre uma série de questões e problemas que ele considerava como intrinsecamente interconexos: modernidade
e fordismo, sociedade civil e cidadania, subalternidade, senso comum, cultura e intelectuais, hegemonia etc.
Escolha uma dessas categorias e desenvolva-a, considerando o pensamento gramsciano.
3. Qual a sua percepção com relação às concepções de Mannheim sobre a possibilidade de a educação vir a
ser um instrumento de construção de uma sociedade democrática, considerando a aparente contradição entre
planificação e liberdade?
4. Para Mannheim, o fato das camadas mais desfavorecidas exigirem seu direito de acesso à escola é
uma forma de trazer ao processo educacional as contribuições culturais de diferentes camadas sociais,
25
26
tornando possível comunicação entre elas. Como a escola brasileira, de maneira geral, tem tratado esta
questão?
5. Na sua ótica, categorias como reprodução, violência simbólica, dualidade estão presentes na educação
brasileira dos nossos dias? Justifique sua resposta.
6. Se sua resposta anterior for afirmativa, diga como você se posiciona com relação a tal realidade.
Leitura Complementar
Para outras leituras sobre Antonio Gramsci, consulte o livro de Paolo Nosella, chamado Escola de Gramsci
(Editora Cortez), e o de Luna Galano Mochcovitch, Gramsci e a escola (Editora Ática). Procure artigos e
notícias de eventos sobre Gramsci no site http://www.acessa.com/gramsci/
De Mannheim, procure ler as idéias principais sobre educação em seu livro Introdução à sociologia da
educação, da editora Cultrix.
Leia o Capítulo 13 do livro História das idéias pedagógicas, de autoria de Moacir Gadotti, citado na bibliografia,
para saber mais sobre os crítico-reprodutivistas.
Atividades Complementares
Se você puder, assista ao filme Perfume de Mulher, que conta a história de um jovem, Charlie Simms (Chris
O’Donnell), bolsista de uma escola para filhos da burguesia e da alta classe média americana, que se vê
envolvido numa situação sobre a qual não consegue ter o menor controle. O rapaz vai prestar um serviço de
acompanhante a Frank Slade (Al Pacino), um tenente-coronel cego, impaciente e amargurado, numa viagem que
o mesmo faz a New York, num final de semana. Porém, na viagem, o coronel começa a se interessar pelos
problemas do jovem, esquecendo um pouco sua infelicidade. Al Pacino ganhou o Oscar de Melhor Ator e o
filme recebeu outras três indicações: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado. Ganhou três
Globos de Ouro, nas seguintes categorias: Melhor Filme - Drama, Melhor Roteiro e Melhor Ator - Drama (Al
Pacino), além de Chris O’Donnell ter sido indicado na categoria de Melhor Ator Coadjuvante.
Discuta com seus colegas a atitude do Diretor da Escola e a reação do Coronel Slade e veja se você identifica
algum recorte de discriminação social na situação relatada.
UNIDADE III
27
A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
NO SÉCULO XXI
3.1 – Sociedade, Currículo e Educação: a Contribuição de Michael Apple
O início do século XXI trouxe para os educadores a
necessidade premente de compreensão do que se
convencionou chamar de pós-modernidade.
Segundo Sevcenko, a partir da década de 1980/1990,
três elementos contribuíram para a formação do que
os sociólogos e historiadores têm apontado como a
sociedade pós-moderna:
(...) ascensão da cultura da imagem e do consumo, a
desregulamentação dos mercados e a retração do Estado,
com a progressiva desmontagem de seus mecanismos de
distribuição e apoio social, promovidos pela era Reagan
(1981-1989) e Thatcher (1979-90) – e por detrás disso
tudo, como seu elemento propulsor, a revolução
Microeletrônica e digital. O resultado é uma situação na
qual as imagens são mais importantes do que os conteúdos,
em que as pessoas são estimuladas a concorrer
agressivamente umas com as outras, em detrimento de
disposições de colaboração ou sentimentos de solidariedade,
e na qual as relações ou comunicações mediadas pelos
recursos tecnológicos predominam sobre os contatos diretos
e o calor humano. É um mundo sem dúvida vistoso, mas
não bonito; intenso, mas não agradável; potencializado
por novas energias e recursos, mas cada vez mais carente
de laços afetivos e de coesão social.31
Os estudiosos do tema têm considerado que a
modernidade gerou as guerras e os conflitos com que
a pós-modernidade se defronta. Neste sentido, o pósmodernismo pode ser encarado como uma indagação
sobre se conseguiremos estabelecer novos
paradigmas para o futuro.
Para Gadotti, os elementos da pós-modernidade
foram responsáveis por uma
certa perda de identidade dos indivíduos, ou desintegração.
A pós-modernidade se caracteriza também pela crise de
paradigmas. Faltam referenciais. Nesse sentido, uma
educação pós-moderna seria aquela que leva em conta a
diversidade cultural, portanto uma educação multicultural.
O pós-moderno surge exatamente como uma crítica à
modernidade, diante da desilusão causada por uma
racionalização que levou o homem moderno à tragédia das
guerras e à desumanização. Nega-se o sistema, para se
afirmar o indivíduo, o diferente, o atípico. 32
As conseqüências desse tipo de sociedade para a
educação são enormes e levantam uma série de debates
nos quais se inscrevem as análises política, cultural e
sociológica de educadores comprometidos com a
democratização da educação e sua relevância para a
vida social. Entre tais educadores situa-se Michael
Apple.
Em seu artigo A educação e os novos blocos
hegemônicos 33 , o autor coloca claramente que
considera uma simplificação do problema tratá-lo
somente como ação das elites dominantes para impor
seus valores na área da educação, articulando uma
integração entre educação e agenda econômica. Para
ele, os conflitos que se presenciam atualmente na
educação não têm origem apenas na economia: são
conflitos culturais, de raça, de gênero, de classe.
Ainda nesse artigo, Apple salienta que quatro
elementos têm sido importantes na consolidação de
uma ‘modernização conservadora’ em educação: o
neoliberalismo, o neoconservadorismo, o populismo
autoritário e a ascensão de uma nova classe média
profissional.
Os neoliberais contribuem com a ideologia da
eficiência, articulada a partir da noção de custobenefício, que pode se traduzir da seguinte forma:
o mundo é intensamente competitivo economicamente, e
os estudantes – como futuros trabalhadores – devem obter
as indispensáveis habilidades e disposições para competir
eficientemente e efetivamente. Além disso, qualquer
dinheiro gasto com escolas não diretamente relacionadas a
esses objetivos econômicos é suspeito. 34
Assim, despindo-se os estudantes de sua condição
de classe, de gênero e de raça, e as escolas,
principalmente as públicas, de seu objetivo de atender
às diferenças, argumenta-se que a sua ineficiência não
justifica que a sociedade gaste dinheiro com elas.
O neoconservadorismo atua com outra lógica. Para
os neoconservadores, a escola deve operar para
ensinar um currículo que repousa num consenso sobre
o que é bom e legítimo, forjado a partir de uma única
ótica etnocênctrica, sexista, monolítica, cujo lema
central poderia ser resumido na seguinte frase: só há
um tipo de cidadão e a escola deve formá-lo.
28
Entre as políticas propostas a partir desta posição ideológica
estão o currículo nacional, o exame nacional, um “retorno” a
altos padrões de qualidade, uma revificação da “tradição
ocidental” e o patriotismo. Mas, fundamentando o impulso
neoconservador na educação e na política social em geral não
está apenas um chamamento ao “retorno”. Por trás disso – e
isso é essencial –, também está um medo do “outro”. Ele é
expresso no seu apoio a um currículo nacional padronizado,
no seu ataque ao bilingüismo e ao multiculturalismo e no seu
insistente apelo à elevação dos padrões de qualidade. 35
O populismo autoritário entra nessa composição
conservadora com sua visão sobre educação, sobre
sociedade, sobre o lugar social de homens e mulheres,
por exemplo. Utiliza-se de uma certa moral, uma
percepção de gênero que coloca a mulher sempre em
posição servil e o homem como seu ‘protetor’, a família
como uma instituição ‘sagrada’.
Apple se refere à seguinte citação de Hunter, para
mostrar como se sentem os populistas autoritários:
Até recentemente, na visão da Nova Direita, as escolas
eram extensões do lar e da moralidade tradicional. Os pais
podiam confiar seus filhos à escola pública porque elas
eram localmente controladas e refletiam os valores bíblicos
e paternos. Porém, tomadas por forças alienígenas e
elitistas, as escolas agora interpõem-se entre os pais e os
filhos. Muitas pessoas experimentam a fragmentação da
unidade entre família, igreja e escola como a perda do
controle dos pais sobre sua própria rotina, a de seus filhos
e da América. 36
Por fim, tem-se a nova classe média profissional a
que se refere Michael Apple como participante do
pacto conservador. São os técnicos na área da
educação e outras afins, formados na ideologia de que
o planejamento, o controle e a mensuração darão conta
de uma escola mais competente, retornando à noção
de ‘neutralidade’ da educação, que vigorava nas lições
dos tecnicistas dos anos 60.
Para Michael Apple, é necessário ‘desconstruir’ o
pacto conservador através de um posicionamento
crítico que “interpreta a educação relacionalmente,
tendo íntimas conexões tanto com as estruturas de
desigualdades nesta sociedade quanto com as
tentativas para superá-las.” 37
Essas idéias de Apple vão estar presentes nos seus
estudos sobre currículo, quando discute que o
conhecimento corporificado no currículo não é neutro
nem desinteressado. Sua interlocução com Paulo
Freire sempre foi muito neste sentido, tendo em vista
que o educador brasileiro sempre questionou o
conteúdo curricular ‘oficial’, estabelecendo em sua
teoria que o conhecimento se situava no ‘universo
vocabular’ dos indivíduos.
Silva, ao analisar as concepções de Michael Apple,
assim se pronuncia:
Na análise de Apple, a preocupação não é com a validade
epistemológica do conhecimento corporificado no currículo.
A questão não é saber qual conhecimento é verdadeiro, mas
qual conhecimento é considerado verdadeiro. A preocupação
é com as formas pelas quais certos conhecimentos são
considerados como legítimos, em detrimento de outros,
vistos como ilegítimos. Nos modelos tradicionais, o
conhecimento existente é tomado como dado, como
inquestionável. (…) Como conseqüência, os modelos
técnicos de currículo limitam-se à questão do “como”
organizar o currículo. Na perspectiva política postulada
por Apple, a questão importante é, ao invés disso, a questão
do “por quê”. Por que esses conhecimentos e não outros?
Por que esse conhecimento é considerado importante e
não outros? E para evitar que esse “por quê” seja respondido
simplesmente por critérios de verdade e falsidade, é
extremamente importante perguntar: “trata-se do
conhecimento de quem?”. Quais interesses guiaram a
seleção desse conhecimento particular? Quais são as relações
de poder envolvidas no processo de seleção que resultou
nesse currículo particular? 38
Para Michael Apple, é fundamental, portanto,
assumir que o conservadorismo influencia a
definição dos conhecimentos a serem ensinados,
mas que há possibilidades de uma ação contrahegemônica, com programas educacionais
comprometidos com a emancipação. Segundo ele
próprio, “o sucesso das políticas conservadoras
nunca é garantido.”
3.2 – Sociedade, Revolução e Educação: a Proposta
de Peter McLaren
Peter McLaren é um educador canadense que iniciou
sua vida de professor no final dos anos 70, em uma
escola de Toronto, numa turma em que havia
aproximadamente alunos de 35 nacionalidades
diferentes, e que se colocou como desafio a
necessidade de melhor servir aos interesses dessa
população tão diversa. A escola estava situada numa
área da cidade, paupérrima, conhecida como Jane-Finch
Corridor. Segundo suas próprias declarações, a
população do lugar era constituída de cerca de 30%
de negros e de um número ainda maior de imigrantes
com baixos salários ou desempregados. Existia uma
grande população caribenha, e também européia,
espanhóis e italianos, principalmente. Diante desse
relato, é de se pensar: é possível que exista um lugar
como este num país de Primeiro Mundo? Sim, é. Em
qualquer sociedade capitalista existe miséria. McLaren
transitou pelos corredores e salas onde se respira o ar
impregnado de violências – reais e simbólicas – e das
injustiças e preconceitos de classe social, raça e
gênero. São corredores reais de uma escola, tão
semelhantes aos das nossas, brasileiras.
McLaren é um inconformado e a realidade social que
fundamenta a sua crítica não é aquela do chamado
Terceiro Mundo ou países periféricos, mas sim o
contexto socioeconômico, político e cultural do que
comumente denominamos de Primeiro Mundo, em
especial, os Estados Unidos, onde vive. Só que atua
em territórios onde a pobreza impera e que se tornam,
deste ponto de análise, muito parecidos com os
nossos.
Para McLaren, é fundamental a constatação de
relações sociais de exploração das quais não estão
excluídas, obviamente, questões de raça e de gênero.
Outra denúncia importante é o do papel que tem sido
reservado aos professores: guardiões da ordem e
servidores do império. Sob o argumento da
neutralidade do saber e, por conseguinte, da escola e
dos docentes, os professores desempenham a função
de técnicos e especialistas em transmitir conteúdos.
Esta abordagem tecnicista descompromete-se em
relação aos valores da igualdade e justiça social. É
conformista. Neste sentido, a crítica do autor é
contundente:
Quando os professores, aceitando seu papel de técnicos,
falham em desafiar as maneiras pelas quais os currículos
educacionais correspondem às demandas da indústria ou os
meios pelos quais o ensino reproduz as relações de classe,
raça e gênero existentes em nossa sociedade, correm o
risco de transmitir a estudantes em desvantagem a noção
de que seus papéis subalternos na ordem social estão
justificados e são invioláveis. 39
McLaren discute, a partir de suas observações, que
os alunos são cerceados em sua vida escolar por um
conjunto de regras e normas que têm por finalidade
‘regular’ e ‘controlar’ seu comportamento. Acabam
introjetando o autoritarismo da escola. Ressalta, em
seu relato, que o professor, além das dificuldades nas
relações com os seus pares, que temem, entre outras
coisas, enfraquecer sua autoridade, ao tentar inovar,
encontra dificuldades em fazer dos pais dos estudantes
cúmplices de novas práticas pedagógicas, uma vez
que, em geral, não gostam de saber que o mestre deixou
o livro didático de lado e passou a trabalhar com as
histórias de vida dos próprios alunos, e os próprios
alunos também desconfiam, quando se tenta
compreendê-los e ao seu mundo real, se lhes dizem
que eles são os responsáveis pelo que devem aprender
e pela sua conduta.
(...) para minha surpresa, o maior obstáculo
posicionamento mais livre em sala de aula
pais de alunos. Ele veio dos próprios alunos.
suas vidas, eles tinham recebido ordens de
para criar um
não veio dos
Durante todas
professores e
pais, tendo que seguir regras. Eles se afirmavam, o que é
suficientemente lógico, quebrando tantas regras quanto
podiam. A remoção das regras deixou-os pouco à vontade;
deixou-os sem nada contra o que lutar. 40
Para dar conta de uma concepção que entende que
as diferenças estão inscritas na complexidade da
totalidade social, o trabalho de Peter McLaren tem se
desenvolvido a partir da crítica marxista, procurando
estabelecer conexões entre a teoria educacional e um
projeto político que represente um ataque contundente
contra a globalização e o neoliberalismo.
Apresentando-se hoje como um marxista clássico,
Peter McLaren declara que seu interesse é, por meio
do que tem chamado de pedagogia crítica
revolucionária, propor o desmantelamento das
relações sociais capitalistas e do próprio capital.
A pedagogia crítica revolucionária, adotada por
McLaren, aponta que a escola reproduz o darwinismo
social. Através de processos analíticos
psicologizantes ou argumentos preconceituosos
contra os pobres, negros, mulheres, homosexuais,
portadores de deficiência e imigrantes, imputa-se o
fracasso escolar à própria vítima. Só que, para
McLaren, tal denúncia deve estar inscrita na
preocupação de educadores que apoiem as lutas
sociais, políticas e econômicas das classes
desfavorecidas.
A teoria pedagógica crítica não é homogênea: ela
incorpora contribuições da Escola de Frankfurt
(Adorno, Horkheimer, Marcuse etc), as teorias da
reprodução, as análises de Gramsci, Foucault,
Bourdieu, a pedagogia do oprimido de Paulo Freire,
mas, sobretudo, traz a possibilidade dos novos
educadores se confrontarem com as idéias de Marx e
repensarem a práxis educacional marxista. Não é,
portanto, uma teoria que se pretende pronta e acabada.
“É mais correto dizer que os teóricos críticos estão
unidos em seus objetivos: fortalecer aqueles sem poder
e transformar desigualdades e injustiças sociais
existentes”. 41
Os educadores que trabalham na linha da pedagogia
crítica revolucionária comprovam que a idéia do
sistema de ensino enquanto fator de equalização social
é um mito da classe dominante. McLaren utiliza a
imagem de uma corrida na qual “os estudantes em
desvantagem alinham-se e preparam-se na linha de
largada, enquanto os estudantes mais ricos esperam
pelo apito no fim da pista, a poucos metros da linha de
chegada”. 42 A lição que fica é que o problema principal
se refere às relações sociais, às contradições entre
capital e trabalho.
Por isso, Peter McLaren tem declarado que avalia
como essencial que os educadores comprometidos com
29
30
um outro mundo devem estar atentos, no sentido de
se identificarem com o movimento contra o capitalismo
global. Vale-se da possibilidade de indignação diante
do fato de que hoje uma ‘democracia bem sucedida’
pode ser definida em termos de sua habilidade em se
autolegitimar e se autojustificar, convivendo com um
mercado autorizado a se tornar impessoal e
onipresente, totalizando o campo das relações sociais,
no qual vem afirmando sua centralidade, com a
aquiescência do establishment.
A sua proposta é que a pedagogia crítica
revolucionária seja uma forma de luta contra as normas
sociais e as forças que tentam submeter a educação à
lógica do mercado e às políticas de consumo.
A pedagogia crítica postulada por McLaren vem
tentando produzir uma revolução, partindo da
compreensão dialética da exploração capitalista global,
enfatizando as possibilidades de uma reconstrução
radical da sociedade.
Neste sentido, McLaren é um crítico da pedagogia
tradicional e da pedagogia reprodutivista.
A primeira, para ele, tentou suprimir o debate em torno
das relações entre conhecimento, poder e dominação
e “levou adiante a tentativa paradoxal de despolitizar
a linguagem da escola e, ao mesmo tempo, reproduzir
e legitimar a autoridade cultural e política dos grupos
dominantes.” 43
Os crítico-reprodutivistas ou ‘radicais’, por seu lado,
até conseguiram desenvolver análises teóricas e
políticas de grande repercussão, mas apresentaram
Referências bibliográficas:
31
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no
loop da montanha russa. 2001, p.88-89.
32
GADOTTI, Moacir. op. cit., p. 311
33
RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 111-145.
34
Ibid, p. 115.
35
Ibid, p. 126.
36
Idib, p. 135.
37
APPLE, Michael. Conhecimento Oficial: a
educação democrática numa era conservadora. 1997,
p. 15.
graves equívocos no tratamento das questões que
denunciaram.
Os teóricos críticos costumavam explorar o papel que as
escolas tiveram na acumulação do capital, na legitimação
ideológica e na produção do conhecimento necessário para
responder às demandas crescentes de uma sociedade
capitalista em ritmo de mudança. (...) Colocada
grosseiramente, a teoria reprodutiva da escola tem-se
tornado, em alguns casos, um modo de análise reativo, que
repetidamente supersimplifica a complexidade da vida
cultural e social. (...) O maior problema dessa posição é o
fato de impedir os educadores de esquerda de desenvolver
uma linguagem programática por meio da qual eles possam
teorizar para as escolas. Em vez disso, esses educadores
radicais têm teorizado basicamente sobre as escolas. 44
Apesar de ter realizado incursões no debate pósmoderno, por conta de sua preocupação
multiculturalista, McLaren tem revisto a importância de
algumas posições defendidas pelas políticas culturais
de identidade – raciais, étnicas, sexuais – por considerar
que podem esvaziar a discussão em torno da luta de
classes. Para ele, hoje, é fundamental recuperar essa
preocupação, essencial para a criação de solidariedades
políticas mais amplas contra o capitalismo.
Os pós-modernistas devotados às políticas de identidade
freqüentemente não reparam na centralidade da classe social
como uma identidade abrangente que inscreve os indivíduos
e os grupos em relações sociais de exploração. As políticas
de identidade e o pluralismo deixam de levar em conta o
fato de que a diversidade e a diferença são autorizadas a
proliferarem e a florescerem desde que permaneçam dentro
das formas dominantes dos arranjos sociais capitalistas,
incluindo os arranjos de propriedade hierárquicos. (...) quero
enfatizar que sem derrotar o capitalismo, as lutas antiracistas, anti-sexistas e anti-homofóbicas terão pouca
chance de obterem sucesso. 45
38
SILVA, Tomaz Tadeu da. op. cit., p.46-47.
MCLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à
pedagogia crítica nos fundamentos da educação. 1997, p. 12.
40
Ibid, p. 117.
41
Ibid, p. 192.
42
Ibid, p. 182.
43
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo revolucionário:
pedagogia do dissenso para o novo milênio. 2000, p. 27.
44
Ibid, p. 27-28.
45
MCLAREN, Peter. Fúria e Esperança: a pedagogia
revolucionária de Peter McLaren. 2001, p. 181.
39
Exercícios de Auto-Avaliação
1. Todos iguais, todos iguais
Mas uns mais iguais que os outros.
(Ninguém = Ninguém, de Humberto Gessinger ,
Engenheiros do Hawaii)
a. Como a situação denunciada nos versos acima adentra a escola brasileira, de uma forma geral?
b. Qual a sua posição diante dessa realidade?
2. Utilizando a análise de Michael Apple, responda:
a. Como a forma de processar o conhecimento, na escola, acaba reproduzindo a estrutura social?
b. Como se formam oposições e resistência ao currículo oficial que privilegia o conhecimento das classes
hegemônicas?
3. Em que a pedagogia crítica revolucionária de Peter McLaren afasta-se das teorias pedagógicas tradicionais,
das crítico-reprodutivistas e das pós-modernas?
4. Em sua opinião qual delas melhor responde às questões educacionais brasileiras?
Leitura Complementar
Leia o Capítulo 1 (O argumento por escolas democráticas), do livro Escolas Democráticas, organizado por
Michael Apple e James Beane, citado na bibliografia. Faça um pequeno resumo das principais questões colocadas
pelos autores do relato.
No epílogo (na p. 291) de seu livro Multiculturalismo revolucionário, indicado na bibliografia, Peter McLaren
faz uma interessante discussão sobre educação multicultural, para além da política de inclusão. Leia este texto
e produza um outro com suas idéias sobre as questões colocadas pelo autor.
Atividades Complementares
A sugestão para esta Unidade III é o filme Crash, uma obra sobre a pós-modernidade.
Para você se sentir curioso(a) está reproduzida abaixo a apreciação que o Prof Paulo Ghiraldelli Jr fez sobre o
filme.
Crash mostra o verdadeiro Estados Unidos
“Melting pot” pode ser traduzido por “caldo de cultura”. Colocam-se na panela culturas diferentes e acendese o fogo, elas vão se chocando umas contra as outras na medida em que o fogo sobe; então tudo ferve, um
pouco é derramado, outro tanto evaporado e, no fim, obtém-se um caldo resultante da fusão de tudo aquilo.
“Melting pot” é a expressão de intelectuais estadunidenses para os Estados Unidos. Nenhum filme de Hollywood
conseguiu dizer o que é o “melting pot”. Nenhum, ao menos não até Crash. (Paul Haggis, 2004).
Crash não mostra os Estados Unidos de brancos e negros, que nada mais é que uma expressão do que a mídia
captou a partir do Movimento dos Direitos Civis. Crash nos dá, pela primeira vez, o resultado em processo – e
não estanque – da sociedade americana como o lugar onde todos são imigrantes. Gilles Deleuze escreveu certa
vez que, diferentemente da revolução bolchevique, a revolução pragmatista americana não dizia “trabalhadores
do mundo uni-vos” e sim “estrangeiros do mundo uni-vos”. E John Dewey caracterizou o americano par
excellence como o “americano hifenado”, ou seja, o ítalo-americano, o afro-americano, etc. A América é o único
lugar do mundo que está em movimento. Desde Colombo, a cada dia novos grupos chegam e se instalam, e
passam então a usar uns a favor dos outros e um contra os outros um distintivo poderoso “I am American, and
you?”. Os grupos mais antigos podem exibir esse distintivo aos grupos mais novos, até esses grupos mais
31
32
novos encontrarem outros mais novos e assim por diante. A idéia básica de cada grupo é a de lutar pela sua
identidade até o momento em que ela não é mais conveniente. Para alguns grupos o hífen é importante em
determinados momentos. De certo modo, ele só é importante após a parte inicial da palavra, aquela que vai antes
do hífen, ter sido negada e até mesmo aniquilada durante um bom tempo.
Richard Rorty, o filósofo que mais tem a dizer sobre a América, ao menos em nossos dias, ficou impressionado
com o filme. Creio que não só pelo retrato que o filme nos dá do “melting pot” – algo sobre o qual o próprio
Rorty vem teorizando –, mas porque se trata de uma película que traz um dos elementos chaves da filosofia
pragmatista: a contingência. Nenhum dos personagens é fechado, é uma personalidade terminada; eles são
plásticos, e assumem diversas posturas segundo o que há de mais livre, que é a história. Os sujeitos do filme
são – no sentido que Foucault queria – não mais sujeitos, não mais indivíduos modernos, mas agentes.
Cumprem o que devem cumprir, transformando-se completamente segundo as contingências.
Não há uma cena desprezível em Crash. Todas são fundamentais. Mas é claro que a do chaveiro latino Daniel
levando um tiro e sendo protegido pela filha pequena é a que deixa o símbolo da América após o “September
Eleven”: medo e esperança. Um latino (cidadão americano) morreria ali, ou teria sua filha perfurada, por um
persa (também cidadão americano) caso uma espécie de mágica não viesse a acontecer. Uma mágica simples:
não havia balas verdadeiras no revólver. A filha do persa havia comprado para ele, propositalmente, apenas
tiros de festim. Aqui, a “América” dos sonhos de liberdade e respeito individual dos Pais Fundadores e dos
pioneiros se encontra com os “Estados Unidos”, a terra do complexo industrial militar que consegue dar uma
arma para cada cidadão. Todos poderiam ter seus cinco minutos de raiva, culpando o vizinho pelas suas
próprias faltas, mas com balas de festim.
33
Se você:
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Glossário
Ação racional com relação a fins - a sociologia weberiana reside no conceito de ação social, que ocorre no
momento em que um indivíduo, ao tomar uma atitude, leva o outro em consideração. Quanto mais a sociedade
se racionaliza, além dos outros indivíduos será necessário considerar as normas sociais consolidadas. Assim,
viver numa sociedade racionalizada significa ampliar a ordem social ‘com relação a fins’, isto é, com relação aos
outros e às normas, que vão se tornando cada vez mais institucionalizadas.
Alienação - é o que impede, para Marx e Engels, a percepção da exploração e das conseqüências da exploração
do trabalho. A ideologia da classe dominante faz com que o operário acredite que é o capitalista quem deve
determinar o que vai ser produzido, e que é ‘natural’ que o operariado não tenha qualquer decisão sobre o seu
trabalho e sobre o produto do seu trabalho, uma vez que não consegue perceber o seu trabalho como algo que
lhe pertence.
Aparelhos ideológicos de Estado - instituições que zelam pela reprodução dos valores sociais presentes no
Estado. Há uma distinção importante entre os enfoques de Althusser e as instituições de hegemonia de Gramsci.
Althusser nega explicitamente que a ideologia (ou o sistema de ideologias) das classes oprimidas obtenha a
hegemonia antes que tais classes conquistem o poder de Estado. O teórico italiano, no entanto, salienta que a
solidariedade dos aparelhos ideológicos com o Estado não decorre de um atributo estrutural imutável e nem são
necessariamente antagônicos.
Aparelho privado de hegemonia - categoria gramsciana que se refere às instituições da sociedade civil que
cumprem sua função social no âmbito da cultura e da hegemonia. Enquanto na sociedade política atuam os
aparelhos coercitivos de Estado, na sociedade civil operam os aparelhos privados de hegemonia (organismos
relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito, como a imprensa, os partidos políticos, os
sindicatos, as associações, a escola privada e a Igreja). Tais aparelhos, gerados pelas lutas de massa, estão
empenhados em obter o consenso como condição indispensável à hegemonia. Por isso, prescindem da força,
da violência visível do Estado, que colocaria em perigo a legitimidade de suas pretensões. Atuam em espaços
próprios, interessados em explorar ou não as contradições entre as forças que integram o complexo estatal. As
classes subalternas podem visar, como projeto político, a separação de determinados aparatos ideológicos ou
sua aderência ao Estado, a fim de se tornarem agências privadas de hegemonia sob sua direção.
Autojustificar - justificar-se a si mesmo, sem preocupação com as considerações que outros possam fazer
sobre a oportunidade, a justeza, a adequação de suas ações.
Autolegitimar - satisfazer-se com a legitimidade que advém de sua própria percepção de mundo, deixando de
levar em conta o outro e as normas e valores do conjunto da sociedade.
Autonomizar - tornar autônomo. No sentido colocado no texto, significaria separar o mundo das idéias da
forma de produzir as condições materiais da vida, deturpando assim a realidade. Significaria entender que o
mundo das idéias é autônomo com relação à vida material.
Autoritarismo - relação que se baseia na imposição, na violência, na vontade de um único indivíduo, sem
conceder espaço à discussão e ao debate de qualquer natureza.
Base econômica - base econômica ou infra-estrutura, na teoria marxista-engeliana, são as condições materiais
da existência, sobre a qual se eleva a superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de pensar de cada um de nós depende das relações sociais nas quais
estamos integrados e, para explicar nossa maneira de pensar, é preciso analisar as relações de produção presentes
em nossa sociedade. Para esses pensadores, “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao
contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”.
Capital cultural - conhecimentos, competências ou disposições, distribuídos desigualmente no interior da
sociedade burguesa, que contribuem para que se possa internalizar os diversos códigos culturais presentes na
vida social. O sistema educacional é espaço privilegiado com relação a possibilitar a produção, a recepção e a
apropriação desses bens simbólicos. Quando se fala em capital cultural, na perspectiva de Bourdieu, deslocase a discussão sobre as competências, requeridas para a apropriação desses bens, da ideologia do dom, da
sensibilidade individual e do que é inato, para o terreno do social.
Classes hegemônicas - são as que exercem o poder ideológico na sociedade. Segundo Gramsci, os
pensadores e os cientistas lideram toda concepção de mundo, mantendo permanente e organizadamente
as convicções sobre a validade de determinada concepção para a sociedade. Neste sentido, o pensador
italiano prega uma nova cultura, que venha substituir os projetos hegemônicos da classe dominante,
desde que os intelectuais orgânicos promovam as classes subalternas, formando elites populares
qualificadas para sustentar o processo de mudança: “para tal, a repetição de argumentos instrumentaliza,
pedagogicamente, a ação sobre a mentalidade popular.” De outro ponto de vista, os crítico-reprodutivistas
se referiam a classes hegemônicas apenas na perspectiva de classes dominantes, as únicas capazes de
construir e manter a hegemonia na sociedade capitalista burguesa.
Classes subalternas - são aquelas que aglutinam os trabalhadores assalariados, os subempregados, os
desempregados, aqueles não incorporados ao mercado de trabalho, enfim aqueles que não possuindo os
meios de produção, acham-se sob o domínio econômico, político e ideológico das classes que representam
o capital. Nos escritos de Marx e Engels, era o proletariado. Só que, nesta concepção, aqueles que não
estão inseridos diretamente na produção estariam excluídos de qualquer análise.
Conformista - é quem se conforma, quem se enquadra dentro de certos padrões. Como todos nós temos
que viver em sociedade, interagindo com o outro, acabamos tendo que nos adaptar a determinadas
injunções.
Consciência coletiva - é o meio moral vigente na sociedade, e que está presente no grupo no qual
nascemos e vivemos. São as nossas concepções sobre o mundo.
Consenso - acordo sobre idéias e valores. O consenso supõe concordância. Quanto mais se constrói um
consenso em torno das normas, mais elas ganham legitimidade.
Crítico-reprodutivistas - são as teorias formuladas pelos sociólogos franceses dos anos 60, que criticavam
a escola como reprodutora de uma ordem social burguesa, isto é, da estrutura de classes da sociedade
capitalista, negando às classes desfavorecidas o efetivo acesso ao conhecimento. Na sua concepção, a
escola era influenciada por questões que estavam postas na sociedade.
Darwinismo social - Charles Darwin, cientista inglês que viveu no século XIX, defendeu a teoria da
origem das espécies, na qual concebia a ocorrência de uma evolução para explicar as transformações
ocorridas com todos os seres, que se daria por meio da seleção natural e sexual. Na sua concepção, os mais
aptos sobreviveriam, enquanto que os menos adaptados estariam naturalmente destinados a sucumbir.
Darwnismo social é tentar trazer tais idéias para o âmbito social, com o objetivo de explicar que, também
na sociedade, os mais aptos sobreviverão aos menos aptos e que isto é uma situação ‘natural’ e não
historicamente produzida.
Divisão social do trabalho - é a forma como as diferentes funções da sociedade estão divididas entre os
indivíduos, que devem desempenhá-las de acordo com o que deles se espera. Para Durkheim, é uma
divisão de papéis sociais que possibilita que se constitua, desta forma, a cooperação, fundamental para
que a sociedade tenha prosseguimento. Para Marx e Engels, a divisão do trabalho tem um outro sentido.
Sua base é econômica. A diferenciação se dá de acordo com a propriedade dos meios de produção, razão
pela qual não é igualmente distribuída no interior da sociedade. Pode-se dizer que, na sociedade capitalista,
segundo Marx e Engels, em geral, os proprietários não trabalham e quem trabalha não é proprietário.
Dominação - é a probabilidade de ser obedecido dentro de um grupo para uma ação específica ou para
toda sorte de ações, sem que se leve em conta a opinião individual sobre o valor ou não-valor da ação.
Baseia-se em motivos afetivos ou racionais, no costume, em interesses materiais e busca sempre sua
legitimidade. Weber se referia a três tipos ideais de dominação: racional, tradicional e carismática.
Dominação carismática - a autoridade de quem domina se baseia em qualidades extraordinárias e até
extraterrenas. Carisma significa dom e pode ser derivado de uma qualidade especial de liderança (do ponto
de vista racional) ou de uma concessão divina, mágica, diabólica etc (do ponto de vista afetivo).
Dominação racional (ou racional-legal) - a autoridade se baseia na legalidade, no direito de mandar, dado
por uma ordenação jurídica. Quanto mais uma sociedade se racionaliza, mais se baseia na autoridade legal.
35
36
Dominação tradicional - a autoridade se baseia no costume, na tradição. Um exemplo é o direito consuetudinário, que goza de autoridade e está baseado no costume. Numa sociedade tradicional, a palavra dada
é mais importante e mais inviolável do que a regra jurídica.
Druidas - eram os membros de uma seita religiosa que havia entre os celtas. Ocupavam o lugar de juízes,
doutores, sacerdotes, adivinhos, magos, médicos, astrônomos etc., mas não constituíam um grupo étnico dentro
do mundo celta. Eram grandes conhecedores de rituais de magia e tinham conhecimentos de medicina e do uso das
plantas terapêuticas. As lendas que cercam o Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda estão repletas de
histórias sobre e dos druidas. Diz a lenda, inclusive, que Morgana, meia-irmã de Artur era uma sacerdotisa druida.
Dualidade escolar - uma das características da escola na sociedade capitalista seria o oferecimento de desiguais
oportunidades para crianças provenientes de diferentes classes sociais. Para as elites e as classes médias há
oferta de uma escola pensada e planejada para elas; para as classes mais pobres, há uma escola completamente
fora de sua realidade, que não consegue admitir os saberes e a cultura que constroem nos ambientes em que
vivem.
Educação carismática - tipo de educação que objetiva o despertar dos dons carismáticos do indivíduo. Tal
educação, que pode ocorrer numa instituição estatal ou eclesiástica ou, ainda, pode ser ministrada por uma
determinada corporação, pretende revelar qualidades mágicas, dons heróicos.
Educação multicultural - supõe a incorporação da diversidade cultural no cotidiano pedagógico, o que tem
sido largamente debatido entre educadores nacionais e estrangeiros, buscando-se questionar pressupostos
teóricos e implicações pedagógico-curriculares de uma educação que busca trabalhar as identidades múltiplas
no âmbito da educação formal. A discussão e ‘desnaturalização’ de discursos curriculares permitem identificar
o vínculo cultura/poder que informa a seleção, a hierarquização e a valorização diferencial de saberes que a
escola reproduz. Estas questões assumem particular significado, já que implicam uma sensibilidade para o fato
de que a pluralidade de vozes e identidades culturais necessitam ser contempladas nas propostas curriculares.
Este movimento teve início na luta pelos direitos civis, nos EEUU, dos grupos não dominantes – negros,
mulheres, homossexuais, imigrantes –, contra toda sorte de discriminação e preconceito.
Educação omnilateral - Marx e Engels consideravam que a educação omnilateral é uma das possibilidades de
viabilizar a superação das diferenças existentes na sociedade capitalista, promovendo a emancipação do
trabalhador residia na integração entre ensino e trabalho. A esta integração eles chamaram ensino politécnico
ou formação omnilateral. Por meio desta educação omnilateral o ser humano desenvolver-se-ia numa
perspectiva abrangente, isto é, em todos os sentidos. Conforme Gadotti (1984, p. 54-55), “a integração entre
ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação crescente, reunificando o homem com a sociedade.
Essa unidade, segundo Marx, deve se dar desde a infância. O tripé básico da educação para todos é o ensino
intelectual (cultura geral), desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e aprendizado profissional polivalente
(técnico e científico).” A educação omnilateral deveria, portanto, integrar dessas três dimensões.
Educação que forma o especialista - tipo de educação cuja finalidade é preparar o indivíduo para um tipo
específico de atuação na sociedade. A educação profissional, que aparece na escola da sociedade industrial do
século XX, é um tipo de educação que forma o especialista na área de determinado saber.
Educação tradicional - tipo de educação que se preocupa com a formação erudita, literária e intelectual. Era
destinada aos filhos das elites patriarcais, restrita, portanto, a um grupo de indivíduos.
Elementos desagregados, fragmentados, preconceituosos - são elementos que estão presentes no senso
comum e que impedem a crítica de determinados valores, que são tomados por imutáveis ou ‘naturais’.
Escola única - para Gramsci, a escola deveria se dedicar a ensinar uma cultura geral, humanista, formativa,
‘desinteressada’, capaz de fornecer elementos para uma interpretação do mundo, liberta de qualquer explicação
não científica. A escola única ou unitária proposta por ele era também uma escola onde o trabalho seria um
princípio educativo, ou seja, seria por meio do trabalho que os indivíduos poderiam vir a entender a história e
as implicações econômicas geradas pelo trabalho.
Establishment - refere-se à organização econômica, política e social institucionalizada, estabelecida numa
dada sociedade. Pode-se dizer que o establishment é o núcleo do poder que está consolidado.
Equilíbrio - para Durkheim, a sociedade deve se desenvolver a partir de um paradigma que supõe equilíbrio,
isto é, ausência de variações, oscilações ou desvios.
Fato social - são as maneiras de agir e pensar que são consagradas pela sociedade. Os fatos sociais, para
Durkheim o objeto de estudo da Sociologia, têm três características: exterioridade, isto é, são definidos fora do
indivíduo; coercitividade, ou seja, impõem-se a nós quer queiramos ou não, e generalidade, uma vez que estão
presentes no comportamento de todos os indivíduos de um mesmo grupo.
Forças produtivas - são os meios que permitem ao Homem o domínio sobre a natureza – instrumentos, tecnologia,
energia, matéria-prima – com a finalidade de aumentar e melhorar a sua capacidade de produzir. São também
chamados na teoria marxista de meios de trabalho ou meios de produção.
Filosofia da práxis - é uma expressão criada por Gramsci para designar o materialismo dialético de Marx e
Engels, enquanto método de análise da transformação histórica. Com isso, não só despistaria a censura carcerária
como viria a contribuir para a consolidação e atualização dessa forma de explicar a sociedade. Marx e Engels
chamavam de práxis a ação humana para transformar a realidade. Nesse sentido, o conceito de práxis não se
identifica propriamente com a prática, mas significa a articulação entre teoria e prática, uma vez que toda ação
humana é projetada, refletida, pensada. Também para Gramsci, o homem, ao estabelecer relações com outros
homens e com a natureza, porque era homem, pensava sobre isso. Fazia-o ativamente, por meio da técnica (é a
práxis técnico-produtiva, mediadora entre ele e os outros homens e a natureza), da filosofia (é a práxis
científico-experimental, atividade de reflexão para a construção de um conhecimento e de uma ciência voltados
para a humanização do mundo e a expansão da democracia) e da política (é a práxis histórico-política, atividade
que faz a mediação entre a superestrutura e a base econômica, entre o Estado e a sociedade civil, entre o
contexto global e a história dos grupos subalternos). Com isso, Gramsci considerava ser possível levar os
grupos subalternos ao auto-governo e à direção de uma nova sociedade.
Habitus - conceito desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu com o objetivo de pôr fim ao
antagonismo entre indivíduo e sociedade, dentro da sociologia estruturalista. Relaciona-se à capacidade de
uma determinada estrutura social ser incorporada pelos agentes por meio de disposições para sentir, pensar e
agir que são produto de um trabalho social de inculcação, levado a efeito pela família, pela igreja, pela escola,
entre outras instituições. Ao término do processo, uma identidade social instituída por essas instituições,
conhecidas e reconhecidas por todos, e que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e
se torna um habitus, lei social incorporada.
Harmonia - na formulação de Durkheim, harmonia é a característica da sociedade que lhe permite se apresentar
em ordem, em um estado de coerência, de regularidade.
Hegemonia - para Antonio Gramsci, o conceito de hegemonia caracteriza a liderança cultural-ideológica de
uma classe sobre as outras. As formas históricas da hegemonia nem sempre são as mesmas e variam conforme
a natureza das forças sociais que a exercem. Pode se dar de duas formas: pela força ou pelo consenso. O aparato
político-jurídico e o policial-militar garantem o controle pela força. O consenso é o terreno do controle ocupado
pela cultura, pela moral, pelos costumes, que são aprendidos na vida social. No primeiro terreno, o da força,
estão os aparelhos hegemônicos das classes dominantes. No segundo, os aparelhos privados de hegemonia.
Ideologia - para Marx e Engels, ideologia é sinônimo de ilusão, consciência deformada da realidade construída
pela classe dominante. Para Karl Mannheim, existem dois tipos de ideologia: uma de caráter justificador da
ordem social (assim como para Marx) e, outra, subversiva, com função crítica, que ele preferiu chamar de utopia.
Para Antonio Gramsci, a ciência sempre é ideológica, porque resulta do processo histórico de desenvolvimento
das classes sociais. Toda pretensão de verdade tem uma origem histórica e sua validade é provisória, como
parte organicamente integrada numa estrutura social. Neste sentido, não é possível ao intelectual escapar da
ideologia, seu conhecimento sempre estará ideologicamente situado.
Incoerência, fragmentação e desorganização - esses termos se referem, no texto, a concepções de mundo
típicas do senso comum que, para Gramsci, podem ser vencidas através da filosofia da práxis. Isto vai exigir
uma batalha cotidiana e em longo prazo, travada no seio das instituições, envolvendo a participação consciente
da grande maioria da população. Com isso, pode-se caminhar em direção a concepções integradas, organizadas,
que adquirem uma totalidade, no contexto de uma nova hegemonia, construída com base na expansão das
idéias das classes subalternas.
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Infra-estrutura - infra-estrutura ou base econômica, na teoria marxista-engeliana, são as condições materiais
da existência, sobre a qual se eleva a superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. Isto significa dizer que o modo de pensar de cada um de nós depende das
relações sociais nas quais estamos integrados e que para explicar nossa maneira de pensar é preciso analisar as
relações de produção presentes em nossa sociedade. Para esses pensadores, “não é a consciência dos homens
que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”.
Intelectual orgânico - é o que possui de uma visão de mundo consciente, que é comprometido com um projeto
de sociedade do qual se torna organizador e através do qual pode instituir uma nova hegemonia que almeja
conquistar, relacionando-a à luta das classes subalternas.
Intelectual tradicional - aquele que acredita estar desvinculado de um projeto de sociedade e cumpre
burocraticamente seu papel, voltado a manter o status quo.
Laisser-faire - doutrina econômica que aparece no momento de implantação da nova sociedade industrial
moderna e que prega a necessidade do livre mercado. Baseava-se no enriquecimento e no fortalecimento dos
grandes comerciantes e no seu ‘talento empresarial’, que se fazia ao largo do Estado, e que assim devia
continuar. Também ficou conhecida como liberalismo. Essa concepção do mercado como árbitro absoluto da
economia adentrou a política e criou a doutrina do laisser-passer, ambas responsáveis pela consolidação do
poder da burguesia.
Legitimidade - é a qualidade do que é legítimo, do que é reconhecido e admitido pelo consenso. É mais do que
legalidade, pois nem sempre o que é legal é admitido sem o uso da força.
Linearidade - é a qualidade de uma sociedade que, na teoria durkheimiana, segue uma desejável ‘linha reta’,
sempre no mesmo sentido.
Mais-valia - é uma categoria presente no pensamento marxista/engeliano e que se refere à diferença entre o
valor do bem produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base da exploração no sistema
capitalista. Marx e Engels chamam a atenção para o fato de que os capitalistas, uma vez pago o salário de
mercado pelo uso da força de trabalho, lançam mão de estratégias para aumentar sua taxa de lucro, ou estendendo
a duração da jornada de trabalho mantendo o salário constante ou ampliando a produtividade física do trabalho
pela via da mecanização. Ampliam autonomamente suas taxas de lucro sem dependerem dos custos de simples
reprodução física da mão-de-obra.
Meios de trabalho ou meios de produção - são os meios que permitem ao Homem o domínio sobre a natureza –
instrumentos, tecnologia, energia, matéria-prima –, com a finalidade de aumentar e melhorar a sua capacidade de
produzir. São também chamados na teoria marxista de forças produtivas.
Mito - idéias que levam a conceber a realidade baseando-se em concepções contrárias ao pensamento lógico
e científico.
Modo de produção - as forças produtivas ou meios de produção e a propriedade dos mesmos criam um
conjunto com determinadas características. A este conjunto Marx e Engels chamaram de modo de produção.
Para eles, as transformações pelas quais passou a História da humanidade foram geradas nas transformações
de um modo de produção para outro, o que sempre se dá pelo conflito entre a camada dominada e a camada
dominante. Por isso acreditavam que “a história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas
de classe”. Marx e Engels se referem aos seguintes modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês
moderno.
Modernização conservadora - essa expressão, criada por educadores críticos, entre os quais Michael Apple,
que significa que as elites burguesas se apoderaram do conceito de mudança e têm dado a ele uma importância
central nos seus debates. Só que baseiam sua retórica sobre a mudança em educação, na exclusão, quando, por
exemplo, tratam de definir quem não é competitivo. Na sua concepção, não são as regras do jogo impostas por
uma ordem econômica inexorável que levam à exclusão; são as escolas, principalmente as escolas públicas, que
são incapazes de formar o indivíduo eficientemente. Esta, para Apple, é uma questão cultural.
Nazi-fascismo - doutrina política imperialista, belicista, autoritária que se desenvolveu, nos anos 30, com
Hitler, na Alemanha (o nazismo ou nacional-socialismo) e com Mussolini, na Itália (o fascismo). Preconceituosa,
a doutrina pregava a superioridade da raça ariana e levou à morte 6 milhões de judeus, nos campos de concentração,
durante a II Guerra Mundial.
Neoliberalismo - política de combate ao Estado de Bem-estar Social que se inicia no fim dos anos 40, mas que
ressurge com força após 1980, com Margareth Tachter, na Inglaterra e Ronald Reagan, nos EEUU. O receituário
neoliberal prevê enfrentamento com os sindicatos, limitando-lhes a atividade, privatização de empresas estatais,
afrouxamento da carga tributária sobre os ricos e sobre as empresas e estabilização da moeda. O governo
conservador de Tatcher serviu de modelo para todas as políticas que seguiram posteriormente o mesmo roteiro.
A hegemonia do neoliberalismo hoje é tamanha que países de tradições completamente diferentes, governados
por partidos de matizes os mais diversos, aplicam a mesma doutrina.
Neoconservadorismo - ação dos neoconservadores através do que os teóricos críticos chamaram de
modernização conservadora.
Neutralidade - indicaria, supostamente, uma concepção que não se alinharia nesta ou naquela posição. A
suposta neutralidade da educação, como queriam os educadores tecnicistas, foi denunciada nos anos 60 por
Paulo Freire que defendeu a educação como um ato político, responsável pela ‘conscientização’, categoria
pedagógica que acredita que, através da educação, há possibilidade de construção da autonomia intelectual do
cidadão para que ele possa intervir na realidade.
Onipresente - diz-se daquele que está presente em todo e qualquer lugar.
Países periféricos - ao contrário dos países do Primeiro Mundo, são os países pobres, que não estão no
centro do capitalismo mundial, também chamados de Terceiro Mundo. São os países do Cone Sul. A denominação
Terceiro Mundo é uma referência a um outro momento de correlação de forças, quando o Bloco Socialista,
representado pela União Soviética era o Segundo Mundo. Mesmo com o fim do socialismo de Estado, em 1989,
com a queda do Muro de Berlim, os países periféricos continuaram a ser chamados do Terceiro Mundo.
Paradigma - é o modelo, o padrão. Nos nossos dias, vivendo uma sociedade em que uma lógica conservadora
é incapaz de promover a transformação social, em que tendências políticas e culturais neoconservadoras estão
determinadas a combater as conquistas das classes desfavorecidas, em que a produção do conhecimento
científico, típico da modernidade, foi desacreditada e a ciência não pode ser mais considerada como a única
fonte de verdade, em que o saber está sendo questionado, em que a realidade é ambígua, multiforme, em que há
uma intensificação das características mais combatidas do ponto de vista dos direitos humanos, tais como o
individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço, defende-se uma
mudança de paradigma, de padrão de análise da sociedade.
Pedagogia crítica revolucionária - expressão criada por Peter McLaren, refere-se à prática pedagógica
comprometida com a denúncia dos privilégios concedidos àqueles que desfrutam de posições de comando na
estrutura de classe da sociedade capitalista. Para ele, mais importante que enfatizar a política cultural que trata
de questões ligadas a identidades raciais, étnicas e sexuais, é discutir a estrutura social, para que a educação
possa contribuir no atual debate promovido pelo movimento contra o capitalismo global.
Pedagogia do cultivo - categoria presente na teoria weberiana, e se refere àquela que prepara o indivíduo, através de
uma educação geral, enciclopédica, erudita, para exercer determinado comportamento, identificado com o modo de
vida das classes proprietárias positivamente privilegiadas. Seu objetivo era que o indivíduo tivesse acesso à ‘grande
cultura’, isto é, à cultura da burguesia, da pequena burguesia e da intelligentsia. Na teoria weberiana, há referência,
além das classes proprietárias, lucrativas e sociais, à classe dos privilegiados pela educação.
Pedagogia do oprimido - expressão cunhada por Paulo Freire para identificar a pedagogia comprometida com
a concepção libertadora da educação, nascida da defesa da educação popular. A pedagogia freireana supõe a
formação da consciência crítica, levando os indivíduos envolvidos, educadores e educandos, a problematizarem
situações existenciais concretas, para desembocar numa práxis transformadora.
Pedagogia do treinamento - categoria que também aparece na teoria weberiana e significa o preparo especializado
com o objetivo de tornar o indivíduo um perito. Para Weber, a racionalização da sociedade capitalista acabou
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por impor uma prática pedagógica que, ao invés de contribuir para o desenvolvimento dos talentos do ser
humano, tem contribuído para a obtenção de status privado (no caso das classes proprietárias positivamente
privilegiadas), funcionando como mecanismo de ascensão social, isto é, as pessoas de maior privilégio e poder
utilizam-se da educação como um recurso para melhorar o seu status. No caso das classes negativamente
privilegiadas (camponeses, artesãos, operários), representava treinamento de indivíduos para o desempenho
de determinadas funções que reproduziam sua situação de classe, quer fossem trabalhadores qualificados ou
semiqualificados.
Pedagogia racional - prática pedagógica que pode vir a evidenciar os propósitos da elite, aumentando as
contradições sociais que revelam o poder dessas elites. Seria ingênuo, no entanto, na concepção dos críticoreprodutivistas, achar que uma elite de poder revelaria a si própria através de um processo pedagógico que, no
final, operaria contra ela mesma.
Planificação - mudar a sociedade, para Mannheim, significaria planejar a partir de um pensamento consciente,
fundado no conhecimento correto da sociedade e baseado na consulta democrática. Preocupa-se em esclarecer
que o que ele avalia, em termos de planificação, é a necessidade de uma coordenação para assegurar a
liberdade, usando as técnicas sociais (educação, propaganda, imprensa, política etc) para interferir nos espaços
da esfera social que, se deixados sem controle, causariam o caos, e abstendo-se de interferência em certos
campos da vida. Diz ele que nem toda planificação é má. Fica a escolha entre uma planificação para a conformidade
ou uma planificação para a liberdade e a variedade. A planificação não precisa alicerçar-se sobre a ditadura.
Pode, ao contrário, basear-se na participação democrática.
Pós-modernidade - pós-modernidade é um termo bastante discutido nos nossos dias. Para o crítico marxista
norte-americano Fredric Jameson, é a “lógica cultural do capitalismo tardio”. Uma lógica conservadora,
incapaz de promover a transformação social. Com visão semelhante, o filósofo Jurgen Habermas, também
considera que a pós-modernidade estaria relacionada a tendências políticas e culturais neoconservadoras,
determinadas a combater os ideais de esquerda. Um dos pioneiros no uso do termo, o francês François Lyotard,
falava de uma ‘condição pós-moderna’ como aquela em que a modernidade foi desacreditada, em que a ciência
não mais pode ser considerada como a fonte definitiva da verdade e o saber estaria novamente aberto e em
permanente construção. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman considera a pós-modernidade como a
conseqüência sociológica inevitável da modernidade. Considera-a uma realidade ambígua, multiforme, a que ele
chama de “líquida”, em contraponto à clássica expressão marxista “tudo o que é sólido desmancha no ar”. Há
aqueles autores que preferem definitivamente evitar o termo. Giles Lipovetsky, por exemplo, um dos expoentes
da filosofia francesa atual, prefere o termo ‘hiper-modernidade’, ao considerar que não houve uma ruptura com
os tempos modernos, como o prefixo ‘pós’ dá a entender. Ele considera que os tempos atuais são ‘modernos’,
com uma intensificação de características da sociedade moderna, tais como o individualismo, o consumismo, a
ética hedonista e a fragmentação do tempo e do espaço.
Primeiro Mundo - constituído pelos países centrais do capitalismo, aqueles que têm uma posição de comando,
tanto do ponto de vista econômico quanto político e cultural. Com exceção da Austrália, que está no hemisfério
sul, todos eles se localizam ao norte do Equador. A expressão Primeiro Mundo foi cunhada antes dos anos 90,
quando a geopolítica mundial admitia dois blocos hegemônicos, que viviam a chamada Guerra Fria. O primeiro
era comandado pelos Estados Unidos e o segundo, pela Rússia. O Terceiro Mundo eram os países satélites
desses centros de decisão.
Processo da reprodução social - a economia capitalista não somente concentra a riqueza em determinados
segmentos sociais, mas também desenvolve mecanismos de manutenção dessa organização, com os
trabalhadores de um lado e os empresários de outro. Quando Gramsci diz que os intelectuais possuem uma
função bastante importante nesse processo, é porque, na medida em que ocupam espaços sociais de decisão
prática e teórica, podem manter ou romper com tal processo.
Produto histórico - diz-se do que é produzido a partir de um tempo e um lugar. Tudo que se produz em
sociedade é histórico, pois existe num local e em determinadas condições sociais. Cada um de nós, rompendo
com o pensamento a-crítico, podemos tomar consciência dessa ‘historicidade’.
Psicologizante - aquilo que tem como explicação a Psicologia. Um argumento psicologizante é, por exemplo,
acreditar que as meninas, devido ao seu psiquismo feminino, têm mais tendência para o estudo de disciplinas
das áreas de Ciências Humanas e os meninos, para o das áreas das Ciências da Natureza ou da Matemática.
Racionalização da sociedade - acontece sustentada por uma burocracia que organiza a sociedade, não na base
da tradição ou do carisma pessoal do líder, do mago ou do herói, mas na racionalidade, na impessoalidade e na
legalidade. Com a necessidade de organizar a vida social, há uma crescente burocratização do aparato público
de dominação política e dos aparatos próprios às grandes corporações capitalistas. A sociedade industrial foi
se tornando, ao longo do tempo, uma sociedade racional.
Relações de produção - são as relações de propriedade que ocorrem na sociedade capitalista. Os meios de
produção pertencem ao empresário capitalista. O trabalho é oferecido no mercado pelos trabalhadores que são
os operários ou proletários.
Reprodução social - ocorre quando o funcionamento da escola está condicionado ao funcionamento da
economia, reproduzindo em seu interior a estrutura de classes. Na sua análise, Bourdieu e Passseron atestam
que “a dinâmica da reprodução social está centrada no processo de reprodução cultural.”
Solidariedade mecânica - ocorre nas sociedades mais simples e/ou tradicionais, naquelas em que há pouca
diferença e maior similaridade entre as funções a serem desempenhadas. Durkheim diz que nos grupos sociais
onde há pouca divisão do trabalho social, prevalece a solidariedade mecânica.
Solidariedade orgânica - ocorre na sociedade industrial e exige diferenciação entre as funções que os indivíduos
devem desempenhar. A solidariedade baseada na semelhança é, segundo Durkheim, praticamente, substituída
pela solidariedade baseada na diferença. Nesse sistema diferenciado cada indivíduo tem um papel especial.
Status quo - significa o estado em que se acha determinada questão. Defender o status quo é se colocar contra
a mudança.
Superestrutura - a superestrutura jurídica e política é o modo de pensar de cada um de nós, que depende das
relações sociais nas quais estamos integrados. Para Marx e Engels, não é a superestrutura que determina o ser
que cada um de nós revela; ao contrário, é a infraestrutura que acaba por determinar a superestrutura ideológica
presente na sociedade.
Técnica social - Mannheim, ao analisar as transformações que acompanharam a sociedade moderna, se refere
a três fenômenos responsáveis por tais mudanças: o aparecimento da máquina, o crescimento da população e
as técnicas sociais, decorrentes dos outros dois fatores. Técnicas sociais seriam, portanto, maneiras de influenciar
o comportamento dos indivíduos, de modo que adotassem os padrões de comportamento vigentes na sociedade.
As técnicas sociais seriam desenvolvidas nas áreas da educação, da comunicação e em outras que se dedicassem
a ‘enquadrar’ cada um nas formas específicas de obediência e auto-controle.
Terceiro Mundo - ao contrário dos países do Primeiro Mundo, são os países pobres, que não estão no centro
do capitalismo mundial, também chamados de países periféricos. São os países do Cone Sul. A denominação
Terceiro Mundo é uma referência a um outro momento de correlação de forças, quando o Bloco Socialista,
representado pela União Soviética era o Segundo Mundo. Mesmo com o fim do socialismo de Estado, em 1989,
com a queda do Muro de Berlim, os países periféricos continuaram a ser chamados de Terceiro Mundo.
Tipos puros ou ideais - Max Weber construiu conceitos sociológicos que chamou de típico-ideais, na
perspectiva de uma possibilidade ‘ideal’, como se o que estivesse analisando transcorresse segundo um
determinado sentido, mediante regras ‘racionais’. No entanto, chamou a atenção para o fato de que a sociologia
buscasse apreender, a partir dos tipos puros ou ideais, os fenômenos tal como eles se apresentavam, ordenandoos conforme se aproximassem ou se afastassem conceitualmente do tipo-ideal.
Utopia - num certo sentido pode ser considerado como um projeto irrealizável, tal como a busca de uma
sociedade na qual se alcançaria igualdade, harmonia, justiça. Seria uma ilusão. Mas a utopia pode ser, também,
o ideal que move os indivíduos em direção a um lugar, a uma sociedade mais justa, mesmo que imaginada. Para
Karl Mannheim, existe uma ideologia subversiva que ele preferiu chamar de utopia. Seriam aquelas idéias,
representações e teorias, que aspiram uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente e orientam
a sua ruptura. Desse modo, as utopias têm uma função subversiva, uma função crítica e, em alguns casos, uma
função revolucionária.
Violência simbólica - é outro conceito criado por Pierre Bourdieu, juntamente com o sociólogo Jean-Claude
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Passeron. Eles partem da constatação de que a cultura da classe que domina economicamente é imposta
àquelas que não têm poder. O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e sua
manutenção é fundamental para a perpetuação da sociedade, através da interiorização da cultura das classes
hegemônicas por todos os atores sociais. A violência simbólica se expressa na imposição ‘legítima’ e dissimulada,
que prevê a interiorização da cultura dominante. As classes desfavorecidas não se opõem ao seu opressor, já
que não se percebem como vítimas deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação ‘natural’ e
inevitável. A violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade: o Estado, a mídia,
a escola etc. A mídia, por exemplo, subjuga a cultura popular, tratando-a como cultura de massa, e restringe cada
vez mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, ‘elitizada’.
Gabarito
Unidade I
Exercícios de Auto-Avaliação
1. Todas as afirmações estão contidas na definição de educação de Durkheim. Ao elaborar a sua própria
definição de educação, na mesma perspectiva, não esqueça de se referir a que tipo de ação se espera da
educação e com que finalidades.
2. Resposta pessoal que deve explicitar claramente porque você se posiciona numa ou noutra posição.
3. Resposta pessoal na qual deve ser abordada a concepção de educação omnilateral. Você pode consultar o
glossário para desenvolver sua resposta.
4. Resposta pessoal que deve incorporar a concepção de ‘pedagogia do cultivo’ e de ‘pedagogia de treinamento’.
Consulte o glossário e a bibliografia citada em leituras complementares para expor sua idéia.
Unidade II
Exercícios de Auto-Avaliação
1. Resposta pessoal que depende de conhecimento sobre o que é a escola ‘desinteressada’, da crítica que
Gramsci faz à escola profissionalizante e a proposta de escola única ou unitária. Consulte o glossário, as leituras
complementares indicadas e o site informado.
2. Resposta pessoal. Qualquer das categorias escolhidas pode ser pesquisada nas leituras complementares
indicadas e no site informado.
3. Resposta pessoal. Você encontrará no glossário e na bibliografia sobre Mannheim, indicada nas leituras
complementares, informações sobre o conceito de planificação que lhe permitirá defender seu ponto de vista.
4. Do ponto de vista da realidade brasileira, pode-se dizer que há uma grande dificuldade de que a escola venha
a admitir em seu interior, reconhecendo-a como legítima, a cultura produzida pelas camadas mais pobres da
população. Temos visto, sistematicamente, que a escola não consegue articular, no espaço pedagógico, um
diálogo entre as culturas específicas de seus alunos e a chamada ‘norma culta’, por exemplo, do ponto de vista
do ensino da Língua Portuguesa. Não consegue, também, admitir como conhecimento válido as noções de
cálculo numérico que os alunos elaboram no seu dia-a-dia. Não assume como importante suas possibilidades
de leitura de mundo, do espaço geográfico por onde andam, das inúmeras hipóteses que constroem sobre o
mundo físico. O que se tem observado é que, apesar do acesso à educação e ao conhecimento serem considerados
direitos, no Brasil o que se tem garantido é apenas o acesso à escola, mas a uma escola de péssima qualidade
social.
5. Resposta pessoal que exige saberes que podem ser elaborados a partir da consulta ao próprio texto da
Unidade II, item 2.3, e ao livro História das idéias pedagógicas, de Moacir Gadotti, Capítulo 13, citado na
bibliografia.
6. Resposta pessoal que depende inteiramente de sua percepção do processo educacional brasileiro.
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Unidade III
Exercícios de Auto-Avaliação
1.
a. A questão da igualdade é um dos problemas da sociedade e, logicamente, da educação brasileira. Há uma
ideologia reinante de que nós, brasileiros, somos um povo hospitaleiro, cativante, que não temos preconceito,
que tratamos sem diferença ricos e pobres, negros e brancos, nacionais e estrangeiros. É importante que se
verifique até que ponto essas atitudes são verdadeiras ou apenas fazem parte de um discurso oficial, que
pretende escamotear as reais relações de assimetria que se verificam no Brasil. O que se observa, nas escolas,
de forma geral, é que esta decantada igualdade não existe. Se compararmos os índices de repetência e de evasão
que as estatísticas nos oferecem com as características da população escolar, podemos comprovar que os
estudantes mais penalizados no processo são os pobres, os negros, os que moram nas comunidades das
periferias, enfim, aqueles que constituem as camadas sociais mais desfavorecidas.
b. Resposta pessoal que requer uma análise das condições de acolhimento que se tem na escola.
2.
a. Da mesma forma que a sociedade, a escola seleciona os conhecimentos que deverão ser ensinados a partir
de uma lógica que relaciona saber e poder. Quando Michael Apple chama a atenção para isso, ele está dizendo
aos educadores: “Cuidado! Veja bem que relações de poder estão embutidas no currículo oficial!” Com isso,
quer sinalizar que ao selecionar o conteúdo que vai ser ensinado, a escola opta por conhecimentos que estão
consagrados pela classe social mais poderosa, ‘desprezando’ outros saberes, próprios das demais camadas
sociais que, por não serem privilegiadas, não têm como estar represntadas na escola. É dessa forma que a escola
acaba reproduzindo a estrutura de poder que está na sociedade, ao processar o conhecimento como se ele
estivesse imune a tais questões, como se ele fosse neutro.
b. Em primeiro lugar, tomando consciência de que isso ocorre. Em seguida, fazendo o que Michael Apple
recomenda: proceder a uma análise crítica do currículo, perguntando-se porque determinado conhecimento e
não outro está contemplado; perceber que o currículo é o lugar onde se pode escutar ou se silenciar a voz dos
que não fazem parte das elites e das classes médias e proceder à inclusão dos saberes de todos os que estão na
escola, de modo que se estabeleça um diálogo entre o conhecimento oficial e os outros, que passam a ser
ouvidos e interpretados.
3. McLaren avalia que os teóricos tradicionais procuraram, desde sempre, esvaziar o debate educacional de
qualquer viés político, como se a ação educativa fosse uma ação neutra, técnica. Bastava planejar bem seus
objetivos, os recursos audiovisuais a serem utilizados, as técnicas de sistematização e as de verificação da
aprendizagem e o processo estaria qualificado.
Quanto aos crítico-reprodutivistas, apesar de terem se mostrado excelentes críticos da escola como ‘aparelho
ideológico do Estado’, não conseguiram, na ótica de McLaren, ir além da crítica. Não conseguiram, efetivamente,
produzir um programa para que a escola se livrasse das mazelas denunciadas.
Com referência à teorias pós-modernas, considera que as questões ligadas à política de identidade abandonam
a discussão que para ele é central: enquanto não se alterar a estrutura da sociedade de classes, não será
possível admitir que a diferença não existe, porque ela continuará a se fazer presente num determinado quadro
dado pelo capitalismo, que supõe a diferença, a assimetria.
4. Resposta pessoal que evidenciará sua compreensão das discussões estabelecidas e de sua percepção do
processo social que se dá na escola.
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