VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Rio de Janeiro / 2007 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. U n3p Universidade Castelo Branco. Sociologia da Educação. – Rio de Janeiro: UCB, 2007. 48 p. ISBN 978-85-86912-19-1 1. Ensino a Distância. I. Título. CDD – 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional Coordenadora de Educação a Distância Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Coordenadora do Curso de Graduação Ana Cristina Noguerol - Pedagogia Conteudista Carmem Maria G. F. Rangel Supervisor do Centro Editorial – CEDI Joselmo Botelho SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todos os conteúdos das Unidades Programáticas 1, 2 e 3. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos! Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO SUMÁRIO 11 Contextualização da disciplina............................................................................................................................... 12 Quadro-síntese do conteúdo programático......................................................................................................... UNIDADE I A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS 1.1. Sociedade, solidariedade e educação: o ponto de vista de Durkheim....................................................... 13 1.2. Sociedade, alienação/transformação e educação: a perspectiva de Marx e Engels ................................ 14 1.3. Sociedade, dominação e educação: a perspectiva de Max Weber ............................................................ 16 UNIDADE II A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS 2.1 Sociedade, organização da cultura e educação: a perspectiva de Gramsci................................................ 20 22 2.3. Sociedade, reprodução e educação: o ponto de vista dos crítico-reprodutivistas.................................. 23 2.2. Sociedade, esperança/liberdade e educação: as contribuições de Karl Mannheim................................ UNIDADE III A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NO SÉCULO XXI 3.1. Sociedade, currículo e educação: a contribuição de Michael Apple......................................................... 3.2. Sociedade, revolução e educação: a proposta de Peter McLaren ............................................................ 27 28 Glossário.................................................................................................................................................................... 34 43 Referências bibliográficas....................................................................................................................................... 45 Gabarito..................................................................................................................................................................... SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Quadro-síntese do conteúdo programático UNIDADES DO PROGRAMA 1 – A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS 1.1 - Sociedade, solidariedade e educação: o ponto de vista de Durkheim 1.2 - Sociedade, alienação/transformação OBJETIVOS - Apresentar a educação como um objeto de reflexão da teoria sociológica. - Perceber a relação existente entre educação e a concepção que cada um dos fundadores da Sociologia formulou sobre a sociedade. e educação: a perspectiva de Marx e Engels 1.3 - Sociedade, dominação e educação: a perspectiva de Max Weber 2 - A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS 2.1 - Sociedade, organização da cultura e - Verificar como o ponto de vista dos fundadores influenciou as explicações de alguns pensadores com referência às demandas educacionais que se apresentaram no mundo contemporâneo. educação: a perspectiva de Gramsci 2.2 - Sociedade, esperança/liberdade e educação: as contribuições de Karl Mannheim 2.3 - Sociedade, reprodução e educação: o ponto de vista dos crítico-reprodutivistas 3 - A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NO SÉCULO XXI 3.1 - Sociedade, currículo e educação: a contribuição de Michael Apple 3.2 - Sociedade, revolução e educação: a proposta de Peter McLaren - Fornecer elementos para a compreensão do que a sociedade do Terceiro Milênio coloca como exigências para a educação. 11 12 Contextualização da Disciplina A educação é um fenômeno presente em toda e qualquer sociedade humana e, neste sentido, é um objeto privilegiado da Sociologia, ciência preocupada em revelar como se dão as relações construídas coletivamente pelos homens e mulheres, em sociedade. Num curso que pretende formar professores, o objetivo maior do ensinamento-aprendizagem de Sociologia, tendo a educação como foco, é possibilitar que as relações entre indivíduo e sociedade, neste âmbito específico, sejam entendidas, tal qual em outros, como um fenômeno dialético: qual o papel da educação? Educa-se para a reprodução ou para a transformação da sociedade? A educação pode mudar a sociedade? A vida social determina a educação? Infelizmente, ao longo do desenvolvimento da Sociologia como ciência, o tema educação foi perdendo relevância e se tornando um sub-campo da Sociologia, ou uma sub-disciplina como temia Florestan Fernandes, defensor da Sociologia como disciplina única. Segundo o saudoso sociólogo brasileiro, “como acontece em qualquer Ciência, os métodos sociológicos podem ser aplicados à investigação e à explicação de qualquer fenômeno social particular sem que, por isso, se deva admitir a existência de uma disciplina especial, com objeto e problemas próprios!”1. Tendo em vista essa concepção, não se deveria falar numa Sociologia da Educação e sim em estudos sociológicos que têm a educação como objeto de reflexão. Esta é a proposta deste instrucional que pretende, abandonando a simples listagem de temas ou conceitos, levar o futuro pedagogo a conceber a educação como um processo em que está presente a contradição, desde as teorias que pretendem explicá-la até o fato de que só será compreendida se pudermos percebê-la como um processo social no qual a linearidade não está presente. Positivistas, marxistas, compreensivas, funcionalistas, reprodutivistas, neomarxistas, multiculturalistas, as teorias que pretenderam/pretendem explicar o fenômeno educacional – ou o que se pode depreender do que os diferentes autores escreveram/escrevem sobre a educação e/ou a sociedade –, sempre se preocuparam em tentar desvendar o processo através do qual a sociedade humana se reproduz e se transforma. Neste sentido, a nossa discussão focalizará o que os formuladores da teoria sociológica têm pensado sobre a educação. Inicialmente, a palavra estará com Durkheim que articula suas concepções, profundamente marcadas pelo positivismo comtiano da ordem e do progresso, a partir da noção de que a educação é o processo pelo qual nos tornamos membros da sociedade. Em seguida, a interpretação que Marx e Engels fizeram da sociedade capitalista do século XIX servirá de guia no entendimento de qual educação serve a uma sociedade de classes e, para além da análise conceitual que empreendem, de como deve atuar aquele que pretende, através da educação, contribuir para transformar a realidade que é no que deveria ser. Ainda no terreno dos clássicos do pensamento sociológico, chega-se a uma breve discussão das idéias de Max Weber, com relação ao fato da educação se constituir no modo como os homens, ou determinados tipos de homens, se preparam para desenvolver uma ação social, de forma a atender a um determinado tipo de dominação, entre eles o racional-legal, que exige a criação de um comportamento burocrático e vai acarretar o desenvolvimento de um sistema de educação que enfatiza a ‘pedagogia do treinamento’, deixando de lado a formação do Homem. Como desdobramento das formulações desses três pensadores, vemos no século XX, alastrando-se pelo século XXI, as idéias de outros vigorosos pensadores sociais: o italiano Antonio Gramsci, com sua crença inabalável na educação como aquela ação que, possibilitando a formação de intelectuais orgânicos, leva, também à organização de uma nova cultura; o húngaro-germânico Karl Mannheim, que se refere à possibilidade de se pensar o binômio planificação democrática e educação e retoma a formulação de Max Weber sobre a ‘pedagogia do cultivo’ e a ‘pedagogia do treinamento’, atribuindo-lhe novas perspectivas, e os franceses Bourdieu e Passeron, Establet e Baudelot, os chamados crítico-reprodutivistas – que desenvolveriam a tese de Louis Althusser expressa em Os aparelhos ideológicos de Estado. Focalizando o grande debate que hoje se apresenta em todos os países do mundo, chega-se, por fim, às contribuições do estadunidense Michael Apple, com suas reflexões mais que atuais sobre a necessidade de uma análise crítica do currículo, que respeite a diversidade, superando as desiguais relações étnicas, de classe e de gênero que operam em educação e do canadense Peter McLaren, propondo uma pedagogia do dissenso, de orientação marxista, para o terceiro milênio. 1 FERNANDES, Florestan. Ensaios de Sociologia geral e aplicada. 1960, p. 29-30. UNIDADE I 13 A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS 1.1 – Sociedade, Solidariedade e Educação: o Ponto de Vista de Durkheim As diferentes correntes do pensamento sociológico têm tentado explicar a relação entre indivíduo e sociedade, na perspectiva teórica que formularam. Na ótica de Durkheim, por exemplo, a sociedade impõe ao indivíduo maneiras de agir e pensar que são consagradas pela sua condição de ser social, isto é, exterior, coercitiva e geral, e que atuam sobre todos nós, independentes das manifestações que possam ter do ponto de vista individual. Toda teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência própria e são independentes daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Ele chamou isto de consciência coletiva. É ela que vai revelar o tipo psíquico da sociedade. A consciência coletiva é o meio moral vigente na sociedade. A consciência humana que devemos realizar integralmente em nós mesmos não é outra coisa senão a consciência coletiva do grupo do qual fazemos parte, tendo em vista que cada povo cria para si uma concepção particular de mundo. Peter Berger coloca que “segundo a perspectiva durkheimiana, viver em sociedade significa existir sob a dominação da lógica da sociedade (...)” 1 , o que equivale a dizer que os indivíduos estão submetidos ao controle da sociedade. Assim, além de indivíduos humanos vivos, para que haja sociedade é necessário que se realize neles a consciência coletiva, que estabelece, enquanto meio moral, a forma como devem desempenhar, na sociedade, as diferentes funções que deles se esperam. Constitui-se, desta forma, a cooperação, que é fundamental para que ocorra o que Durkheim chamou de divisão social do trabalho, condição para que a sociedade tenha prosseguimento. No entanto, dependendo do meio moral, esta diferença/similaridade entre as funções, isto é, a divisão do trabalho social, poderá ser maior ou menor. Numa sociedade tribal, por exemplo, na qual todas as pessoas desempenham praticamente as mesmas atividades, crêem nos mesmos deuses, adoram o mesmo totem, obedecem aos mesmos tabus, estabelece-se o que na teoria durkheimiana se conhece por solidariedade mecânica, já que no seu interior há pouca diferença e maior similaridade entre as funções a serem desempenhadas, o que acarreta pouca divisão do trabalho social. (...) a solidariedade permanece mecânica enquanto a divisão do trabalho social não se desenvolve (...) Assim, existe uma estrutura social de natureza determinada a que corresponde a solidariedade mecânica. Caracteriza-se por um sistema de segmentos homogêneos e semelhantes entre si. 2 Ao contrário, quando se trata de uma sociedade mais complexa, como a moderna sociedade industrial, em que há uma intensa divisão do trabalho social, acontece o que Durkheim chamou de solidariedade orgânica. A sociedade industrial exige um tal grau de diferenciação entre as funções que os indivíduos devem desempenhar, que a solidariedade baseada na semelhança é, praticamente, substituída pela solidariedade baseada na diferença. Diferente é a estrutura da sociedade onde a solidariedade orgânica é preponderante. Elas são constituídas, não por uma repetição de segmentos similares ou homogêneos, mas por um sistema de órgãos diferentes dos quais cada um tem um papel especial, sendo eles próprios formados de partes diferenciadas. Assim como os elementos sociais não são da mesma natureza, tampouco estão dispostos da mesma maneira.(...)3 Portanto, a diferentes sociedades correspondem diferentes tipos de solidariedade. Quanto mais complexa a sociedade se mostra, maior possibilidade de interpretações pessoais das regras que estão postas no grupo, mais se caminha da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica. Entretanto, positivista que era, Durkheim acreditava que (...) todo o progresso desencadeado pelo capitalismo, traria um aumento generalizado da divisão do trabalho social e, por conseguinte, da solidariedade orgânica, a ponto de fazer com que a sociedade [capitalista] chegasse a um estágio sem conflitos e problemas sociais. 4 Para chegar a esse estado de ‘ausência de conflitos’ seria necessário resolver a questão de como preservar 14 a consciência coletiva numa sociedade que se torna cada vez mais diferenciada, uma vez que sem uma moral coletiva a sociedade não sobrevive. É neste contexto que a educação, para Durkheim, se torna o processo que nos torna aptos a viver em sociedade. É a educação que permite que, numa sociedade, as crenças e valores básicos que devem ser comuns a todos, e sem os quais o grupo social não se manteria, sejam aprendidos. No entanto, não nos esqueçamos que, para Durkheim, a sociedade é constituída “não por uma repetição de segmentos similares ou homogêneos, mas por um sistema de órgãos diferentes, dos quais cada um tem um papel especial, sendo eles próprios formados de partes diferenciadas.” E ele completa que “se nada entrava ou nada favorece injustamente os concorrentes que disputam entre si as tarefas, é inevitável que apenas os que são os mais aptos a cada gênero de atividade a alcancem.” Michel Löwy, analisando o pensamento de Durkheim, diz que “entre as leis naturais da sociedade que seria vão, utópico, ilusório – em uma palavra: anticientífico – querer ‘interromper’ ou transformar, Durkheim situa com destaque a desigualdade social.” 5 Por isso, além de aprender os valores que são comuns a todos que participam de uma dada sociedade, é necessário que se aprenda a agir na vida de acordo com o meio específico em que se vive ou se viverá. Uma vez que a diferença é “natural”, para Durkheim existe uma educação adequada ao meio moral em que cada um vive, embora haja crenças e valores básicos que devem ser comuns a todos. Tendo em vista sua concepção de que o funcionamento da sociedade deve se dar na linha do Referências bibliográficas: 1 BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. 2004, p.50. 2 DURKHEIM, Emile. De la division du travail social. 1926, p. 157. equilíbrio-linearidade-harmonia – e que basta que se compreenda, objetivamente, a forma como a sociedade capitalista se desenvolve e, descobrindo as leis sociais que são falhas, se proceda à sua substituição por outras mais eficientes –, Durkheim via na educação um processo social capaz de garantir a solidariedade necessária à manutenção da ordem social, fixando na criança, desde o início da vida social, as diferenças e semelhanças que a vida coletiva exige. Assim, é cabível, nesta perspectiva, entender a definição de educação dada por Durkheim, citada por Rodrigues (2001: 34): A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que ainda não se encontram preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine. (DURKHEIM. Educação e Sociologia. 1922. In: RODRIGUES, 2001: 34) Além de ser difícil acreditar no ideal de sociedade equilibrada, visando sempre uma solidariedade orgânica, quase harmônica, mormente depois do advento de teorias sociais mais críticas, as referências de Durkheim a uma educação especializada e diferenciada, apesar de una em suas bases sociais, soam excludentes. Sua defesa da educação como capaz de constituir-se numa ação capaz de moralizar a sociedade parece praticamente irrealizável, num momento de contestação e pedagogias mais participativas. Mas a definição durkheimiana de educação como processo socializador das novas gerações nos valores sociais hegemônicos, continua atual. 3 Ibid, p. 157. MEKSENAS, Paulo. Sociologia, p. 68. 5 LÖWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen Marxismo e Positivismo. 1994, p. 17-18. 4 1.2 – Sociedade, Alienação/Transformação e Educação: a Perspectiva de Marx e Engels Na perspectiva de Marx e Engels, o Homem, isto é, o gênero humano, para se constituir como tal organiza-se em sociedade, o que implica estabelecer relações com outros Homens e com o ambiente que o cerca, mediadas pelo trabalho. Nesse processo de transformar a natureza, o ser humano desenvolveu aquilo que Marx e Engels chamaram de forças produtivas, meios de trabalho ou meios de produção, isto é, os meios que permitem ao Homem o domínio sobre a natureza – instrumentos, tecnologia, energia, matéria-prima – com a finalidade de aumentar e melhorar a sua capacidade de produzir. Segundo Marx e Engels: O meio de trabalho é aquele objeto ou conjunto de objetos que o trabalhador interpõe entre ele e o objeto que trabalha e que lhe permite dirigir sua atividade sobre esse objeto. O homem serve-se das qualidades mecânicas, físicas e químicas das coisas para utilizá-las, conforme o objetivo que tiver em mente, como instrumento de atuação sobre outras coisas. 1 Além de criar os meios de trabalho, o homem foi, também, organizando a produção, distribuindo tarefas e benefícios entre os membros da sociedade, promovendo a divisão do trabalho. Inicialmente, a diferenciação deu-se entre os sexos, depois entre tipos de atividades, por exemplo, a agricultura e a criação de animais, entre territórios: o campo e a cidade e, finalmente, entre os setores da economia: a produção agrícola, industrial e comercial. A divisão do trabalho, como também tem o intuito racionalizar a produção, é parte do conjunto das forças produtivas. Mas a divisão do trabalho não é igualmente distribuída no interior da sociedade. Ela depende das diferentes relações de produção, isto é, da propriedade dos meios de produção. Pode-se dizer que, na sociedade capitalista, segundo Marx e Engels, “elas implicam numa separação básica. (...) nem sempre os homens que possuem os meios para realizar o trabalho trabalham e nem sempre os que trabalham possuem esses meios.” 2 Ou seja, nem sempre quem tem a propriedade dos meios de produção, trabalha. Quem trabalha, em geral, são aqueles que não são os donos dos meios de produção. Isso equivale a dizer que há tipos diferentes de proprietários: os proprietários da simples força de trabalho – os trabalhadores – e os proprietários dos meios de produção – os capitalistas. Pode-se dizer que cada época histórica corresponde a um conjunto de forças produtivas que se desenvolvem a partir de um conjunto instituído de relações de produção, isto é, das relações de propriedade que estão presentes nessa dada sociedade. A este conjunto Marx e Engels chamaram de modo de produção e, para eles, as transformações pelas quais passou a História da humanidade foram geradas nas transformações de um modo de produção para outro, o que sempre se dá pelo conflito entre a camada dominada e a camada dominante. Por isso acreditavam que “a história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de classe”. Na sua formulação, “podem ser designados, como outras tantas épocas progressivas da formação econômica da sociedade, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno” (ou capitalista) o que equivale a dizer que Marx e Engels caracterizam cada período da História humana a partir do tipo de relação que se dá entre os Homens na produção de sua existência. Para Marx e Engels, o fim de uma forma de produção determinada poderia ocorrer a partir das próprias contradições que ela continha. Acreditavam, e essa foi a grande utopia pela qual lutaram durante toda a vida, que o fim do capitalismo seria engendrado no próprio capitalismo, quando, inevitavelmente, as forças produtivas entrariam em contradição com as relações de produção, possibilitando uma grande revolução, que daria origem a uma nova sociedade, sem classes sociais. Essa sociedade seria a sociedade comunista. Marx e Engels se propuseram também a explicar como se dá a relação entre o mundo das idéias e o mundo do trabalho, uma vez que percebiam que na produção de sua existência, o Homem realiza um trabalho manual e uma reflexão intelectual, embora, ao longo da História, observassem uma distorção no modo pelo qual os Homens se conscientizavam da relação entre o mundo material e o mundo das idéias. Viram-se diante da necessidade de explicar a consciência que os Homens teriam ou não de sua própria existência. Para Marx e Engels, a produção da vida material condiciona a vida social, política e intelectual dos Homens. As forças produtivas e as relações de produção constituem a base econômica sobre a qual se constroem as instituições jurídicas e políticas, os modos de pensar, a consciência social, o que equivale a dizer que sobre a base econômica ou infra-estrutura se eleva a superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. Para esses pensadores, “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”, o que significa dizer que o modo de pensar de cada um de nós depende das relações sociais nas quais estamos integrados e que para explicar nossa maneira de pensar, é preciso analisar as relações presentes em nossa sociedade. Daí, Marx e Engels se preocuparem em explicar de que forma as crenças, os valores, as normas, se relacionam com a produção material da existência. Para eles, são as condições materiais da existência que determinam a consciência: (...) são os homens que desenvolvem sua produção material e seu intercâmbio material que mudam também, ao mudar esta realidade, seu pensamento e os produtos de seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. 3 No entanto, como as idéias dominantes na sociedade são as idéias da classe dominante, as concepções sobre o mundo e sobre como funciona, na sociedade burguesa, são marcadas pelas idéias da burguesia. Para Marx e Engels, quando a burguesia domina como classe, é de se esperar que seus membros ajam “(...) enquanto pensadores, enquanto produtores de idéias que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu tempo; e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias dominantes da época.” 4 15 16 Por tal motivo, a classe operária adota como suas as idéias da burguesia, e o faz porque a sua concepção de mundo está comprometida com uma visão que lhe parece própria de sua classe social. Esta concepção é produto de uma falsa consciência que não lhe permite captar a essência das relações às quais as classes sociais, na sociedade capitalista, estão submetidas. Ou seja, a representação que fazem de suas vidas é aquela que lhes é fornecida pela sociedade onde a burguesia é dominante. Marx chamou essa falsa consciência de ideologia, cuja origem histórica ocorre com a emergência da separação entre trabalho intelectual e manual. É a partir deste momento que surge a ideologia, derivada de agentes sociais concretos que autonomizariam o mundo das idéias, separando-o do das manualidades, deturpando assim a realidade. formularam – dominação, exploração, alienação, ideologia, consciência –, pode-se entender como viam a educação: com os mesmos olhos com que viam a sociedade, isto é, identificavam na educação contradições e, portanto, possibilidades de alienação ou de transformação. Com isso, a classe operária acaba por adotar como sua uma ideologia de outra classe social. Um exemplo disso é a aceitação, como se fosse natural, de uma situação de exploração presente na sociedade capitalista, que nada tem de natural, pois foi socialmente construída. Essa exploração, que se traduz no que Marx e Engels chamam de mais-valia, é aceita porque a classe operária, no seu cotidiano, não tem consciência real da mesma. Por isso, para Marx e Engels, não existe educação destituída de um conteúdo de classe. Dependendo desse conteúdo, ela pode ser uma educação para a alienação ou uma educação para a emancipação. A percepção da exploração e das conseqüências da exploração não é clara para o trabalhador. A ideologia da classe dominante faz com que ele acredite que existam as fábricas e seus proprietários. Ao trabalhador cabe trabalhar na fábrica e obedecer às ordens do dono. É o proprietário quem deve determinar o que vai ser produzido, quanto vai ser produzido, em que tempo, com que matéria-prima e quanto custará. O trabalhador fica impedido, no capitalismo, de ter qualquer decisão sobre o seu trabalho e sobre o produto do seu trabalho. O trabalhador não consegue perceber o seu trabalho como algo que lhe pertence. A isso, Marx e Engels chamaram de alienação. E disseram mais: se as relações de dominação existem na sociedade é porque são construídas socialmente, não tendo nada de ‘naturais’. E porque são construídas, não precisam existir para sempre, podendo os Homens estabelecer outros tipos de relação onde não haja dominação de uma classe sobre outra. A partir do entendimento da teoria sobre a sociedade elaborada por Marx e Engels, e das categorias que Do ponto de vista específico da educação na sociedade capitalista, viam-na como um poderoso instrumento de perpetuação da exploração de uma classe social sobre a outra, utilizada que é pela burguesia para disseminar a ideologia dominante, fazendo crer ao trabalhador que é dele o modo burguês de ver o mundo. No entanto, poderia ser utilizada também como um instrumento valioso a ser usado em favor da emancipação do Homem. Na sociedade comunista, na qual não existiria mais a burguesia capitalista, a educação teria de ser, necessariamente, articulada ao trabalho, pois só assim se formaria o homem completo. Rompendo com a separação entre trabalho manual e intelectual, se resgataria para o trabalhador o controle, perdido no capitalismo, sobre seu trabalho e sobre o fruto de seu trabalho, daí a necessidade da adoção de uma educação tecnológica, intelectual e física, à qual Marx chamou de omnilateral (= múltipla), nas escolas dos trabalhadores: um ensino público e igual para todos, absolutamente diferente da ‘escola para todos’ oferecida pela sociedade burguesa, que só faz reafirmar a exploração, ensinando ao trabalhador a aceitar a submissão. Em Princípios do Comunismo, Engels, coloca claramente essa concepção: A educação dará aos jovens a possibilidade de assimilar rapidamente na prática todo o sistema de produção e lhes permitirá passar sucessivamente de um ramo de produção a outro, segundo as necessidades da sociedade ou suas próprias inclinações. Por conseguinte, a educação nos libertará deste caráter unilateral que a divisão do trabalho impõe a cada indivíduo. Assim, a sociedade organizada sobre bases comunistas dará a seus membros a possibilidade de empregar, em todos os aspectos, suas faculdades desenvolvidas universalmente. 5 1.3 – Sociedade, Dominação e Educação: a Perspectiva de Max Weber A obra de Max Weber é, ao lado das de Comte, Durkheim e Marx, um dos pilares da Sociologia. Weber não se dedicou a discutir a educação, embora tenha feito referências ao tema no conjunto de sua produção teórica. As reflexões de Weber sobre a educação podem ser compreendidas a partir dos tipos de dominação que descreveu e de seu enfoque da mudança social ocasionada pelo processo de racionalização da sociedade, ocorrido no decorrer da História, e que interferiu na conduta de vida prática dos indivíduos e, portanto, na sua maneira de educar. A partir da construção de tipos puros (ou ideais), Weber fixa conceitualmente três tipos de dominação: racional (ou racional-legal), tradicional e carismática. Dominação racional é a “que repousa sobre a legalidade de ordenações instituídas e dos direitos de mando dos chamados por essas ordenações a exercer a autoridade: a autoridade legal”. 6 Dominação tradicional é a “que repousa sobre a crença quotidiana na santidade das tradições que vigoram desde tempos longínquos e na legitimidade dos que são designados por essa tradição para exercer a autoridade: autoridade tradicional”. 7 Dominação carismática é a “que repousa sobre a entrega extraquotidiana à santidade, ao heroísmo, ou à exemplaridade de uma pessoa, e às ordenações por ela criadas ou reveladas (...): autoridade carismática”.8 Nesse quadro, pode-se dizer que quem exerce a dominação detém um poder de imposição, que é, em última análise, o poder de homens concretos sobre outros homens. Tal poder é garantido pela coação, mas os indivíduos que participam de uma mesma associação agem, sobretudo, segundo um consenso, isto é, admitem a dominação (= obedecer às regras) não apenas porque temem ser punidos, mas porque introjetam a norma e consideram que devem ser obedecidas. Quanto mais esse processo se dá, mais legítima é a dominação. Do ponto de vista dos indivíduos, portanto, quanto mais compartilharem das regras que estão postas na sociedade, isto é, quanto mais forem educados a partir de determinados valores, mais levarão em conta os outros indivíduos com quem convivem, no momento de tomar uma atitude, de praticar uma ação. Analisando o pensamento de Weber, Rodrigues diz que: as regras, portanto, funcionam como uma espécie de “condensação de expectativas recíprocas” e, em conseqüência disso, tornam o universo social organizado e inteligível pelos atores individuais. Quando isso ocorre, Weber diz que existe uma ordem social. Mas a validade da norma não se baseia apenas nas expectativas recíprocas. Quanto mais disseminada socialmente estiver a convicção de cada um de que as regras são obrigatórias, melhor fundamentadas serão as expectativas de uns com relação ao comportamento dos outros. 9 Quando articula os tipos de dominação que construiu com as finalidades da educação, Weber coloca que: historicamente, os dois pólos opostos no campo das finalidades da educação são: despertar o carisma, isto é, qualidades heróicas e dons mágicos, e transmitir o conhecimento especializado. O primeiro tipo corresponde à estrutura carismática do domínio, o segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões entre si. 10 Além dos dois tipos citados de educação, que correspondem à estrutura carismática de dominação e ao domínio racional-legal, Weber mencionou outro tipo, que tem como finalidade ensinar a conduta do homem culto, que deve ser preparado para certo tipo de comportamento interior, como a reflexividade, e exterior, como determinados tipos de comportamento social que correspondiam a grupos de status específicos, como os sacerdotes, os cavaleiros, os intelectuais. A finalidade desse tipo de educação corresponderia à dominação tradicional. A educação carismática, a educação tradicional e a educação que forma o especialista num tipo de conhecimento são os principais tipos de educação que teriam existido ao longo da História. Weber observou que, em cada época, um determinado tipo de educação era mais valorizado pelas diferentes organizações políticas. Na Antigüidade e mesmo na Baixa Idade Média, existia um tipo de educação que objetivava o despertar dos dons carismáticos do indivíduo. Tal educação, que podia ocorrer numa instituição estatal ou eclesiástica ou, ainda, podia ser ministrada por uma determinada corporação, pretendia revelar qualidades mágicas, dons heróicos. Weber escreveu que a educação carismática pretendia despertar no noviço uma capacidade inata, um dom exclusivamente pessoal, que só se aplicaria a quem revelava características especiais, que fugia do que era comum. O rumo que tomaria esse tipo de educação dependia da importância atribuída a ela, como, por exemplo, a educação dos sacerdotes e sacerdotisas entre os druidas, grupo religioso que entre os Celtas ocupavam o lugar de juízes, doutores, sacerdotes, adivinhos, magos, médicos, astrônomos, pedagogos etc. Nas sociedades patriarcais, nas quais o tipo mais importante de domínio de legitimidade se baseava na tradição, a educação tem o caráter de uma formação erudita, literária e intelectual, restrita a um grupo de indivíduos. No patriarcalismo, que está de acordo com a estrutura de dominação tradicional, a finalidade da educação era o que Weber chamou de pedagogia do cultivo, na qual o indivíduo era preparado, através de uma educação geral, para exercer determinados tipos de comportamento, possibilitando, assim, o 17 18 desenvolvimento de um processo educacional peculiar que correspondia a seu modo de vida. Nesse tipo de educação, havia a valorização de bens culturais e artísticos, tais como literatura, música e artes plásticas. A posse desses bens servia de elemento diferencial entre a camada dominante e a camada dominada. Nas formas de dominação baseadas na tradição, a educação valorizada, tanto a cavalheiresca como a que procurava desenvolver uma formação erudita, objetivava a formação do ‘homem culto’. Considerando os três tipos de dominação descritos por Weber, pode-se deduzir que quanto mais a sociedade se torna complexa, mais se afasta da tradição ou da liderança baseada no carisma, e mais a dominação é garantida por um aparato legal, de caráter racional. No entanto, para que a dominação racional aconteça, é necessário que exista uma burocracia, que organize a sociedade não na base da tradição ou do carisma pessoal do líder, do mago ou do herói, mas na racionalidade, na impessoalidade e na legalidade. É a isso que Weber chama de racionalização da sociedade. Com a racionalização da vida social e a crescente burocratização do aparato público de dominação política e dos aparatos próprios às grande corporações capitalistas, a educação deixa paulatinamente de ter como meta a “qualidade da posição do homem na vida”, – e note-se que para Weber, este é o sentido próprio do termo educação, enquanto base dos sistemas de status –, e torna-se cada vez mais um preparo especializado com o objetivo de tornar o indivíduo um perito. 11 Alguns autores avaliam que Weber adota essa perspectiva ‘desencantada’ diante da inexorabilidade e da invencibilidade da racionalização, que se impõe à sociedade e, por conseguinte, à educação. Dizem eles que Weber previu o acirramento da polarização das qualificações com o desenvolvimento do capitalismo e em nenhum momento considerou outra possibilidade. Isso os leva a crer que, para Weber, era racional a existência de uma educação segmentada na sociedade capitalista e que, neste sentido, ‘nada pode ser feito’. Para estes autores, diferentemente de Durkheim e Marx, Weber persistiu em toda a sua obra numa visão pessimista da sociedade moderna e resignada em relação aos problemas desta, entre eles os de educação. No entanto, há outros autores, entre os quais se pode citar Alonso Bezerra de Carvalho, autor de Educação e Liberdade em Max Weber, que avaliam que, apesar de constatar a força da burocratização e alimentar um certo pessimismo diante das possibilidades do homem agir com liberdade, Weber também incorporava a idéia de que a burocracia não dominava completamente a vida e que, da mesma forma que se submetem, os homens poderiam resistir. E esta resistência estaria inserida no próprio campo da racionalidade, pois se na ação racional com relação a fins o agente concebe previamente seu objetivo e os meios para atingi-lo, poderá vir a não se submeter aos ditames da racionalização, uma vez que considere que não atingirá seus fins senão da maneira que decidiu. E quanto maior a correspondência entre meios e fins, maior a racionalidade. A este tipo de educação, Weber chama de pedagogia do treinamento. Para ele, a racionalização da sociedade capitalista acabou por impor uma prática pedagógica que, em vez de contribuir para o desenvolvimento dos talentos do ser humano, tem contribuído para a obtenção de status privado e treinamento de indivíduos para o desempenho de determinadas tarefas, funcionando como mecanismo de ascensão social, isto é, as pessoas de maior privilégio e poder utilizam-se da educação como um recurso para melhorar o seu status. A finalidade da educação especializada, isto é, daquela que transmite o conhecimento especializado, é permitir que se dominem todas as coisas pela previsão. No entanto, segundo a constatação weberiana, quanto mais se domina o mundo pela previsão, mais ele se desencanta. Como a concepção de Weber com relação à educação está contida na sua concepção sociológica geral, é possível, para Carvalho, conceber Max Weber como um autor que não se restringe ao pessimismo sociológico, fruto das suas análises sobre o processo de racionalização da modernidade ocidental. Referências bibliográficas: 1 MARX, Karl e ENGELS, Frederich. El Capital. 1959, p. 130. 2 RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. 2001, p. 39. 3 MARX, Karl e ENGELS, Frederich. La ideologia alemana. 1970, p.27. 4 Ibid, p. 50. 5 Citado por RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 57. WEBER, Max. Economia y sociedad. 1969, p. 172-173 Ibid, p. 172-173. 8 Ibid, p. 172-173. 9 RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p.69 10 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 1982, p. 482 11 RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 79-80. 12 CARVALHO, Alonso Bezerra. Educação e Liberdade em Max Weber. 2004, p. 292. Como afirma em suas considerações finais: vemos em Weber, assim, não apenas um autor que constata a tragédia do mundo moderno, no qual convivem os paradoxos de uma existência fundada na inevitabilidade da renúncia. Mas ele também lida com as possibilidades, isto é, com a chance de realização de algumas perspectivas. Nem tudo ainda está perdido: nem a liberdade e nem o sentido da vida. É possível uma educação que equilibre a tensão entre burocracia e carisma. 12 6 7 Exercícios de Auto-Avaliação 1. Segundo Durkheim (1922), a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que ainda não se encontram preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine. Indique as afirmações que podem expressar a definição de educação de Durkheim, citada acima, e elabore a sua própria definição de educação, na perspectiva durkheimiana: a) Toda sociedade especifica alguns objetivos que devem ser alcançados na socialização dos indivíduos, e a educação é um dos instrumentos que possibilitam o alcance de tais objetivos. b) A educação deve ter um objetivo geral, isto é, permitir que as crenças e valores básicos, que devem ser comuns a todos, e sem os quais o grupo social não se manteria, sejam aprendidos. c) Para Durkheim é necessário que haja uma ação da geração adulta sobre a mais nova, para que esta última possa aprender a viver adequadamente no meio a que se destina. d) A sociedade deve se preocupar em oferecer uma educação que contribua para o equilíbrio do sistema, garantindo a solidariedade necessária à manutenção da ordem social. 2. Marx e Engels viam um duplo papel da educação, dependendo do seu conteúdo: podia alienar ou transformar. Você concorda com a contradição colocada nesta concepção? Por quê? 3. Como você vê a relação entre educação e trabalho proposta por Marx e Engels e a sua proposta de uma educação omnilateral? 4. Para Weber, a racionalização da sociedade capitalista acabou por impor uma prática pedagógica que tem contribuído para a obtenção de status privado e servido como treinamento de indivíduos para o desempenho de determinadas tarefas, funcionando como mecanismo de ascensão social, isto é, as pessoas de maior privilégio e poder utilizam-se da educação como um recurso para melhorar o seu status. Para alguns autores, Weber é absolutamente a-crítico diante dessa realidade por ele constatada. Para outros, isso não é verdade, uma vez que a sociedade pode resistir à burocratização da educação, optando por meios alternativos de agir, dependendo dos objetivos que pretende atingir. Na sua ótica de futuro educador, a ‘pedagogia do treinamento’ pode coexistir com a ‘pedagogia do cultivo’? Explique sua posição. Leitura Complementar Leia os Capítulos II, III e IV do livro Sociologia da Educação, de autoria de Alberto Tosi Rodrigues, citado na bibliografia. Compare as respostas que você deu às questões acima com as colocações dos pensadores citados pelo autor e verifique até que ponto suas concepções estão de acordo, ou não, com as deles. Atividades Complementares Se você tiver oportunidade, assista ao filme Sociedade dos poetas mortos. O filme mostra as relações de um professor e ex-aluno da Welton Academy, vivido por Robin Williams, com uma turma de adolescentes cheios de sonhos e vontade de viver intensamente. Entretanto, encontram-se inseridos em um sistema acadêmico rígido e autoritário, que não lhes permite buscarem outras oportunidades externas às impostas pela instituição de ensino preparatória para a universidade. Comparandose com o atual sistema educacional brasileiro, seria uma escola técnica de ensino médio. Discuta com seus/suas colegas a imposição de uma ‘pedagogia do treinamento’, sobrepondo-se à ‘pedagogia do cultivo’. Analise os efeitos dessa imposição. 19 20 UNIDADE II A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS 2.1 – Sociedade, Organização da Cultura e Educação: a Perspectiva de Gramsci Antonio Gramsci foi um dos pensadores mais profícuos do século XX. Perseguido e preso pelo fascismo, estava comprometido com a instalação de um projeto político que devia culminar com uma revolução proletária, mas que devia ser precedido de mudanças na cultura, entendida como um conjunto de valores morais e regras de comportamento cujo domínio se caracteriza pelo consenso. Essa transformação histórica estaria, para Gramsci, a cargo dos intelectuais. Os intelectuais possuiriam uma função bastante importante no processo da reprodução social, na medida em que ocupariam espaços sociais de decisão prática e teórica. Esse realce não significa que só os intelectuais fossem capazes de pensar o mundo. Ao contrário, um dos elementos a se destacar nas formulações de Antonio Gramsci é a sua afirmação de que todos os homens são intelectuais, apesar de nem todos desempenharem na sociedade a função de intelectuais. Dizia que, apesar das atividades sociais serem distintas, todos os homens possuem, mesmo de maneira fragmentada, alguma cosmovisão, sobre a qual baseiam o seu comportamento moral, e que contribui para manter ou mudar uma determinada forma de pensar. Para ele, esta cosmovisão está presente na própria linguagem – que é um conjunto de noções e de conceitos determinados –, no consenso comum e no bom senso e em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e agir. Por isso, todos os homens são intelectuais. sentido, todos são conformistas. No entanto, mesmo conformista, mesmo ‘enquadrado’, pode-se adotar uma concepção de mundo crítica ou acrítica, isto é, podese ser massa, marcada por elementos desagregados, fragmentados, preconceituosos, ou pode-se fazer a crítica à própria concepção de mundo, criticando-se como produto histórico, desenvolvido, até então, sob a influência de traços acolhidos sem crítica. Existem várias concepções e fazemos escolhas entre elas. Na concepção de Gramsci, a principal função dos intelectuais é a formação de uma determinada moral e de uma determinada cultura, possibilitando uma específica visão de mundo. É o que ele chama de ‘organizar a cultura’. Gramsci define duas categorias de intelectuais: o intelectual orgânico e o intelectual tradicional. O intelectual orgânico seria comprometido com um organismo vivo e em expansão, possuidor de uma visão de mundo consciente, que se liga a um projeto de sociedade do qual se torna organizador. O intelectual tradicional seria, ao contrário, aquele que acredita estar desvinculado de um projeto de sociedade e cumpre burocraticamente seu papel, voltado a manter o status quo. Mas não basta admitir que a filosofia não é privativa de alguns cientistas ou profissionais especializados. Para Gramsci, o que importa é avançar na elaboração de uma concepção de mundo de maneira consciente, de modo a escolher a própria esfera de atividade e participar ativamente na construção de uma nova sociedade. Os intelectuais orgânicos teriam como principal função a formação de uma nova moral e uma nova cultura, que podem ser entendidas também como uma contra-hegemonia. Esta tese de Gramsci está diretamente articulada com o seu conceito de hegemonia, compreendida como direção moral e direção política de uma classe, quando toma o poder, sobre as classes concorrentes ou aliadas. Em outras palavras, hegemonia é o domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade, que pode se dar de duas formas: pela força ou pelo consenso. O aparato político-jurídico e o policial-militar garantem o controle pela força. O consenso é o terreno do controle ocupado pela cultura, pela moral, pelos costumes, que são aprendidos na vida social. O autor afirma que pela própria concepção de mundo, cada um pertence a um determinado grupo, no qual se compartilha um mesmo modo de pensar e agir. Neste Falar de intelectuais e hegemonia é falar em educação e escola, objeto de intensa preocupação gramsciana. Sua compreensão de escola estava ligada à idéia de construção de uma nova moral e uma nova cultura da classe subalterna, de modo a assegurar-lhe a hegemonia, o poder sobre as demais classes e, conseqüentemente, possibilitar-lhe a conquista do Estado. Seria necessário, no entanto, dizia ele, romper com a subordinação intelectual e ideológica das classes subalternas, que se tornavam aliadas da cultura dominante ao reproduzir a ideologia dominante. Ora, isso ocorria porque a concepção de mundo das classes trabalhadoras era incoerente, fragmentada e desorganizada. Isto significa que um grupo social, que tem uma concepção própria do mundo, ainda que embrionária, que se manifesta na ação e, portanto, descontínua e ocasionalmente, isto é, quando tal grupo se movimenta como um conjunto orgânico, toma emprestada a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção que lhe é estranha. 13 É, portanto, necessário a superação de uma concepção de mundo desagregada, a-crítica e a-histórica, típica do senso comum e, para Gramsci, isso devia acontecer através da filosofia da práxis, apesar de considerar que o ponto de partida para alcançar-se uma visão de mundo mais unitária e homogênea é sempre o senso comum, que é a filosofia espontânea das multidões. A filosofia da práxis se moveria em dois sentidos: o primeiro, fazendo a crítica ao senso comum, resgataria o que ele teria de unidade e coerência, realçando o que merecia ser desenvolvido. Além disso, alijando o que nele permitia a submissão à ideologia dominante, possibilitaria elevar a consciência a uma maior totalidade e coerência; o segundo sentido seria a crítica à filosofia dos intelectuais que colaboravam para a sustentação da ideologia burguesa dominante. Este trabalho caberia, segundo Gramsci, aos intelectuais orgânicos, que são dirigentes e organizadores das massas, enquanto ajudam na superação dialética do fragmento para uma visão de totalidade. construção de uma nova moral e uma nova cultura da classe subalterna. Neste sentido, fez uma crítica contundente da escola profissionalizante, cuja preocupação era preparar mão-de-obra para o mercado e consistia então na nova proposta para o ensino italiano, empreendida por Giovanni Gentile, Ministro da Educação de Mussolini. Gramsci era um dos críticos mais incisivos da escola profissionalizante, por considerá-la determinista e discriminatória, embora considerasse a necessidade de modernização técnica da sociedade. Mas, na sua concepção, o desenvolvimento de uma educação para o trabalho se daria a partir da implantação da escola única de cultura geral, formativa, que englobasse as duas dimensões até então segmentadas na escola: trabalho manual e trabalho intelectual. Essa escola forneceria orientação profissional e prepararia os indivíduos fosse para o ingresso em escolas especializadas, fosse para o trabalho produtivo. Na formulação gramsciana, a tendência, hoje, é a de abolir qualquer tipo de escola ‘desinteressada’ (não imediatamente interessada ) e ‘formativa’, ou conservar delas tão-somente um reduzido exemplar destinado a uma pequena elite de senhores e de mulheres que não devem pensar em se preparar para um futuro profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminados. A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre eqüanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento da capacidade de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passarse-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo. 15 Gramsci considera a escola a principal agência, na sociedade civil, de formação de intelectuais. De modo especial, preocupalhe a preparação de intelectuais de novo tipo, organicamente ligados às classes subalternas, para que possam influir no processo da hegemonia civil, educando e formando os “simples”, ou seja, elaborando e tornando coerentes os problemas que as massas populares apresentam em sua atividade prática para, assim, constituir um novo “bloco cultural e social”. É dentro dessa linha de raciocínio que Gramsci discute a organização da escola, pois a considera uma das mais importantes instituições que movimentam o conteúdo ético estatal, isto é, das ideologias que circulam na sociedade civil seja com a finalidade de legitimar o grupo dominante tradicional, ou de lutar contra ele para fundar uma nova sociedade. 14 A escola unitária, prevista por Gramsci, seria ‘desinteressada’, no sentido de que não deveria satisfazer apenas a um grupo ou a alguns grupos, mas a toda a coletividade, estando acima das classes. Seria democrática porque daria oportunidade a todos, indistintamente, de, inteirando-se do conhecimento, poder se tornar mais que operários qualificados, chegando mesmo a serem governantes. Por isso, Gramsci insiste que, pelo menos nos graus básicos, o ensino permanecesse desinteressado. Essa garantia dava a oportunidade de que todas as crianças tivessem acesso à cultura, não a uma cultura enciclopédica, mas a uma cultura histórica cuja aquisição ajudaria o homem a construir uma visão de mundo que lhe assegurasse a condição de cidadão. Para Gramsci, a escola, por se constituir num aparelho privado de hegemonia, poderia se direcionar para a Gramsci retoma as idéias de Marx no que se refere a omnilateralidade, concepção que diz respeito à Segundo Rodrigues e outros, 21 22 realização/emancipação do homem através do trabalho, construtor de sua história, não excluído, dotado de uma consciência crítica que lhe dá oportunidade de desenvolver sua autonomia, sem se tornar subserviente. Como nos ensina Gramsci, é preciso reconhecer a educação como um ato de cultura e, portanto, a escola como um espaço privilegiado para a construção de uma nova cultura democrática. Neste itinerário, o professor tem uma tarefa imprescindível e intransferível. 2.2 – Sociedade, Esperança/Liberdade e Educação: as Contribuições de Karl Mannheim Karl Mannheim, um dos mestres da sociologia contemporânea e estudioso da problemática da educação, destacou o caráter histórico dos objetivos pedagógicos. Isso significa dizer que a principal contribuição do enfoque sociológico da história e da teoria da educação é chamar a atenção para o fato de que nem as metas nem as técnicas educacionais podem ser concebidas sem um contexto, mas que, pelo contrário, são, em grande parte, socialmente dirigidas. É por isso que o autor defende a idéia de que “os objetivos educacionais da sociedade não podem ser adequadamente entendidos quando separados das situações que cada época é obrigada a enfrentar e da ordem social para a qual eles são formulados”. 16 Na concepção de Mannheim, o indivíduo é moldado em uma dada sociedade e para ela e, por tal razão, os objetivos da educação são formulados dentro de uma ordem social e só poderão ser entendidos na perspectiva de cada época, das questões que enfrenta. A forma como Mannheim tenta expressar a sua concepção de educação inscreve-a na categoria de ‘técnica social’, isto é, como um dos “métodos de influenciar o comportamento humano de maneira que este se enquadre nos padrões vigentes de interação e organização sociais.” 17 Mannheim completa seu pensamento dizendo que as técnicas sociais não são boas ou más em si mesmas e que dependem dos usos que os homens fazem delas. Podem ser consideradas como excelentes “realizações da humanidade se são levadas a servir a um bom propósito, se controladas continuamente e se, ao invés de dominarem os homens, são por eles dominadas.” 18 Vivendo na Europa marcada pelo nazi-fascismo e pela guerra, Mannheim demonstra uma imensa preocupação com a restauração dos ideais democráticos e de liberdade, o que o leva a afirmar que é necessário construir um novo ideal democrático, com exigência de justiça social para garantia de uma nova ordem social. Alertou para o fato de que na medida em que a tradição foi dando lugar à racionalização da vida, no contexto da sociedade industrial, fato detectado por Weber, houve o declínio de uma educação preocupada com a formação do homem integral e que seria necessário resgatar a possibilidade da educação de um indivíduo consciente, que percebesse a realidade e as mudanças que se operam em seu meio social. Daí ser necessário dar lugar, na sociedade e na escola, para os interesses de diferentes classes sociais, de modo que todas possam trazer à vida social e ao processo educacional as contribuições da cultura de todos e de cada um, numa intercomunicação constante. Para conseguir construir a sociedade democrática que pregava, Mannheim, marxista que era, se refere à necessidade de sua planificação, mas não de um ponto de vista burocrático e autoritário, mas sim de uma perspectiva nova, de planificação para a liberdade. Pregava a transformação não pela via da revolução, mas pela via da reforma. Temia o caminho evolucionário que levou à ditadura. Este movimento por maior justiça apresenta a vantagem de poder ser concretizado pelos meios de reforma existentes – através de impostos, controle de investimentos, obras públicas e decidida expansão de serviços sociais; ele não apela para a interferência revolucionária, que levaria, de vez, à ditadura. A transformação alcançada mediante a reforma, ao invés da revolução, também oferece a vantagem de que com ela se pode contar com a colaboração dos antigos grupos democráticos dirigentes. Se um novo sistema começa com a destruição dos velhos grupos dirigentes da sociedade, destrói também todos os valores tradicionais da cultura européia. 19 Foi também um crítico contundente do laisser-faire. No entanto, dizia que “a democracia militante, porém aceitará do liberalismo a crença de que numa sociedade moderna altamente diferenciada – exceto aqueles valores básicos sobre os quais será necessário um consenso democrático – é melhor deixar os valores mais complicados abertos às diferenças de credo, escolha individual ou livre experimentação.” 20 Por isso, sua proposta de planificação estabelecia que alguns valores e atitudes deveriam ser deixados à decisão dos indivíduos, alertando que o alvo de preocupação deveria ser a reflexão sobre como conseguir atingir tal objetivo. Os problemas principais da nossa época podem ser expressos nas seguintes questões: existe a possibilidade de planificação baseada na coordenação, que deixe, todavia, margem para a liberdade? A nova forma de planificação pode deliberadamente abster-se de interferência, exceto nos casos aonde o livre ajustamento não conduziu à harmonia, mas ao conflito e ao caos? Há uma forma de planificação que conduza à justiça social, eliminando gradualmente o incremento desproporcional da renda e da riqueza nas várias camadas da nação? Existe a possibilidade de se transformar nossa democracia neutra em uma democracia militante? Podemos transformar nossas atitudes relativamente às avaliações de modo que seja possível um consenso democrático sobre questões básicas deixando à escolha individual as questões mais complexas? 21 Responder a tais questões parecia ser crucial. Como assegurar que algumas coisas devessem ser deixadas à escolha dos sujeitos, mas que isso não era mais importante do que criar uma unidade de propósito? Para Mannheim isso era plenamente possível. Na minha opinião, pode-se desenvolver uma nova ordem social e pode-se deter as tendências ditatoriais das modernas técnicas sociais, desde que nossa geração tenha a coragem, a imaginação e a vontade para controlá-las e orientá-las na direção correta. Isso deve ser feito, imediatamente, enquanto as técnicas são ainda flexíveis e não foram ainda monopolizadas por um grupo único. Cabe-nos evitar os erros das democracias anteriores que, por causa de ignorarem essas tendências fundamentais, não puderam impedir o aparecimento da ditadura. E a missão histórica deste país (Inglaterra) é a de criar, apoiado na sua persistente tradição de democracia, liberdade e reforma espontânea, uma sociedade que funcionará no espírito do novo ideal: “Planificação para a Liberdade”. 22 Como acreditava que a teoria e, especificamente, a teoria sociológica pudesse auxiliar na tentativa de formular uma base para o ‘aprimoramento’ da educação, enquanto técnica social, em direção à liberdade, Mannheim, segundo Rodrigues: vê a possibilidade de valer-se da compreensão dos diferentes tipos históricos de educação, construídos por Weber, para a montagem de uma pedagogia que dê conta de educar o homem moderno sem arrancar-lhe as possibilidades oferecidas por uma formação mais integral. Para Mannheim não há porque acreditar que uma pedagogia do cultivo está condenada à morte. (...) E concorda também que a educação especializada desintegra a personalidade e a capacidade de compreender de modo mais completo o mundo em que se vive. Mas argumenta que a grande questão educacional daquela primeira metade do século XX era justamente saber se os valores veiculados por este tipo de formação são exclusividade dessas classes ociosas ou se podem ser transferidos em alguma medida às classes médias e aos trabalhadores. 23 Max Weber, como já vimos, acreditava que a racionalização da sociedade moderna acabou por impor uma prática pedagógica especializada, racional, uma educação segmentada, típica da sociedade capitalista e, num certo sentido, inexorável. Mannheim, que viveu a experiência do nazi-fascismo, considerava que a racionalização, antes de tudo, havia feito surgir uma sociedade desumana, irracional, que só poderia ser superada se se fizesse uma opção pela democracia. 2.3 – Sociedade, Reprodução e Educação: o Ponto de Vista dos Crítico-Reprodutivistas Na segunda metade do século XX, no final da década de 60, um grupo de pensadores franceses procura estabelecer uma ligação entre educação e produção e entre escola e economia. Às teorias produzidas por esses pensadores, o Professor Dermeval Saviani chamou de críticoreprodutivistas, em comparação com outras teorias que seriam não-críticas, uma vez que não encaravam a educação como condicionada objetivamente. Inversamente, aquelas do segundo grupo [i. é, a dos teóricos aos quais este item do instrucional se refere] são críticas, uma vez que se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre aos seus condicionantes objetivos, isto é, aos determinantes sociais, vale dizer, à estrutura sócioeconômica que condiciona a forma de manifestação do fenômeno educativo. Como, porém, entendem que a função da escola é a reprodução da sociedade, serão por mim denominadas de “teorias crítico-reprodutivistas”. 24 Tentavam eles responder a uma questão importante para aquele momento: como a educação e a escola contribuíam para a perpetuação da sociedade capitalista? Uma das pistas para responder a esta pergunta foi oferecida pelo filósofo Louis Althusser que, em seu ensaio Os aparelhos ideológicos de Estado, aponta a educação e a escola, ao lado da igreja e da família, como instituições encarregadas, através do convencimento e da ideologia, de garantir que o status quo se mantenha sem grandes contestações que venham a alterar, pelo menos nas suas bases, as forças produtivas e as relações de propriedade que caracterizam o modo de produção capitalista. Acreditamos, portanto, ter boas razões para afirmar que, por trás dos jogos de seu Aparelho Ideológico de Estado político, que ocupava o primeiro plano do palco, a burguesia estabeleceu como seu aparelho de Estado n° 1, e portanto dominante, o aparelho escolar, que, na realidade, substitui o antigo aparelho ideológico de Estado dominante, a Igreja, em suas funções. Podemos acrescentar: o par Escola– Família substitui o par Igreja–Família. 25 23 24 A educação e a escola capitalista, dizia ele, atuariam, portanto, sobre as pessoas. Sobre as pertencentes às classes subordinadas, ensinando-lhes a submissão, e sobre aquelas pertencentes às classes dominantes, ensinando-lhes a comandar, a controlar, a decidir. Isto acontece porque as crianças das classes dominadas são expelidas da escola antes que possam atingir patamares de aprendizagem nos quais poderiam construir hábitos e habilidades reservados às classes hegemônicas. Althusser percebe a luta de classes no interior das escolas e a caracteriza, predominantemente, como luta ideológica. Segundo Cassin, a luta de classes no interior da escola é a luta pela manutenção da ideologia hegemônica das classes dominantes (...). A escola em seu papel de transmissora da cultura das classes dominantes, se constitui em importante instrumento de construção e manutenção da hegemonia ideológica, através do ensino e de outras formas ideológicas no interior das mesmas. 26 Junto às contribuições de Althusser para a análise da educação escolar e seu papel ideológico e político na sociedade, aparecem os trabalhos de Claude Baudelot e Roger Establet, que empreenderam um estudo da escola francesa. Comprovaram, e apresentaram suas conclusões em A escola capitalista na França, que mesmo naquele país, onde a ideologia da ‘escola única’ se confundiu com a própria idéia de formação da Nação, as estatísticas mostravam um fantástico movimento de exclusão: 25% dos alunos abandonavam a escola ao atingir a idade de obrigatoriedade escolar e 50% dos que ficavam, abandonavam a escola no ano seguinte. Descobriram, ainda, que existe, na verdade, uma profunda dualidade escolar na França: uma escola é a que chamaram de SS – ‘secundária superior’ – destinada aos filhos das elites; outra é a PP – ‘primária profissional’ –, para os filhos dos trabalhadores, que significam 75% dos estudantes do país. Baudelot e Establet avaliaram que: de fato, a escola alimenta os dois pólos do mercado de trabalho, através de dois fluxos bem distintos. Em uma extremidade, ela forma um pequeno número de quadros intelectuais nas melhores escolas secundárias, desembocando nas universidades. Na outra, a escola orienta a formação de massas de trabalhadores mais ou menos qualificadas e condenadas a vender-se por um salário irrisório aos donos das grandes corporações industriais, das cadeias de lojas ou dos escritórios. 27 É claro que esta dualidade é escamoteada. Tenta-se explicar as diferenças com base em argumentos que defendem que nem todos são iguais do ponto de vista intelectual; só que se formos empreender uma análise dos dados, veremos que os ‘menos inteligentes’ são os mais pobres. São os que têm visto, sistematicamente, suas práticas lingüísticas, por exemplo, desconsideradas por uma pedagogia que não consegue articular o saber construído por uma cultura particular com a ‘grande cultura’ a ser preservada. No momento atual, em pleno século XXI, há correntes pedagógicas na França e em outros países europeus que defendem a idéia de escolas destinadas a atender a crianças das classes médias e das elites nacionais, e outras, criadas para atender aos filhos dos imigrantes, principalmente árabes e africanos, em nome do respeito às diferenças e da preservação da identidade cultural de cada povo. Outros sociólogos, nessa mesma década do século passado, empreenderam sua crítica à educação centrados na idéia de reprodução. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron nos seus trabalhos em conjunto, como no livro A Reprodução, ou produzindo análises individuais, principalmente o primeiro, avançaram além da interpretação do funcionamento da escola condicionado ao funcionamento da economia. Na sua análise, “a dinâmica da reprodução social está centrada no processo de reprodução cultural.” 28 Isto equivale a dizer que o que se reproduz na sociedade e na escola é a cultura, mas não qualquer cultura: somente a que tem poder, que tem valor social, que tem prestígio. Quem possui esta cultura alcança vantagens, materiais ou não, e constrói um capital cultural. A autoridade da escola e do discurso pedagógico fazem crer que qualquer um pode, teoricamente, ingressar numa cultura de prestígio. E tal idéia é inculcada, é internalizada por cada um dos indivíduos que dela participam, criando um habitus. No entanto, sabe-se que a cultura que tem valor na sociedade não está acessível a todos. A cultura que tem prestígio na sociedade capitalista é a cultura burguesa, só acessível à burguesia. Bourdieu e Passeron chegam à conclusão que, para as crianças burguesas, constituir-se na cultura que está presente nas escolas é algo contínuo ao seu ambiente doméstico. O mesmo não acontece com as crianças provenientes das camadas desfavorecidas. Segundo Rangel, na verdade, o que acontece na escola com as crianças provindas de famílias pobres, é que elas têm de enfrentar a desigualdade que atravessa toto o sistema social e não só a escola. A sua cultura, na qual aliás são bem integradas, é encarada de forma negativa no sistema escolar. E aí tem-se um grande obstáculo a superar. 29 O obstáculo a superar, referido por Rangel, é a existência, no cenário escolar, de um processo de dominação cultural que supõe, de um lado, a imposição da cultura hegemônica e de outro, o ocultamento dessa imposição, a “naturalização” dessa prática. A isso, Bourdieu e Passeron chamaram de violência simbólica, pois é inegável que a ação educacional nas escolas capitalistas se reveste de um caráter violento, arbitrário e discriminador. A proposta dos crítico-reprodutivistas, embora fossem eles profundamente pessimistas quanto às possibilidades da escola burguesa ser diferente do que é, é romper com a “pedagogia do apartheid” e assegurar que as crianças das camadas menos favorecidas permanecessem na escola e, criandose metodologias próprias para isso – às quais deram o nome de pedagogia racional – e se apercebessem das condições em que ocorre sua aprendizagem, obrigando a escola a lhes garantir a construção de um capital cultural só acessível Referências bibliográficas: 13 GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 1989, p.15. 14 RODRIGUES, Margarita Victoria et al. Gramsci e Educação. Online. 15 GRAMSCI, Antonio, op. cit., p. 117 - 118. 16 MANNHEIM, Karl. A educação como técnica social. In: PEREIRA, Luís e FORACCHI, Marialice. Educação e sociedade, 1964, p. 88. 17 Ibid, p. 88. 18 MANNHEIM, Karl. Planificação democrática e educação. In: PEREIRA, Luís e FORACCHI, Marialice, Educação e sociedade. 1964, p. 343. 19 Ibid, p. 345. 20 Ibid, p. 346. 21 Ibid, p. 346. aos filhos das elites e das classes médias, suas aliadas. Não é à toa (...) que as crianças de origem social privilegiada não devem ao seu meio social apenas os hábitos e um certo treinamento aplicável às tarefas escolares mas, também, saberes, gosto e a familiaridade com os diferentes domínios da cultura (teatro, música, cinema, museus, literatura). A diferença de desempenho entre os grupos sociais aumenta quanto mais os domínios da cultura escapam à homogeneização e ao controle exercido pela escola (pintura ou teatro de vanguarda não ão ensinados nas escolas). 30 22 Ibid, p. 353. RODRIGUES, Alberto Rosi. op. cit., p. 97. 24 SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 1999, p. 9. 25 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. 1987, p. 78. 26 CASSIN, Marcos. Louis Althusser e o papel político-ideológico da escola. 2002, p. 120. 27 Citado por GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 2001, p. 197. 28 SILVA, Tomaz Thadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo, p. 34. 29 RANGEL, Carmen Maria. Relações entre educação escolar e produção de (des)igualdades sociais. 2003, p. 9. 30 LAPLANE, Adriana Friszman e DOBRANSZKY, Enid Abreu. Capital cultural: ensaios de análise inspirados nas idéias de P. Bourdieu. 2002, p. 62. 23 Exercícios de Auto-Avaliação 1. “Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção da vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas de tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos, predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvada como democrática, quando, na realidade, não só é destinada a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las (...)”. Gramsci expressa essa avaliação numa nota intitulada “Observações sobre a escola: para a investigação do princípio educativo”. A nota da qual foi retirado o breve trecho citado torna precisa uma questão específica, como é típico de Gramsci, isto é, a reforma do sistema escolar/educativo, idealizada por Giovanni Gentile e implementada pelo governo fascista, em 1923. É importante não perder de vista esse fato, para evitar a tentação de deslocar as idéias de Gramsci de seu próprio contexto histórico específico e aplicá-las, de modo simplista e não complexo, à situação atual. Partindo do princípio que Gramsci se refere, portanto, a uma questão datada, qual a sua opinião sobre a concepção do autor sobre escola ‘desinteressada’ e a crítica que faz à escola profissionalizante? 2. Deve-se ter em conta que as reflexões gramscianas sobre a educação fazem parte de uma reflexão mais ampla sobre uma série de questões e problemas que ele considerava como intrinsecamente interconexos: modernidade e fordismo, sociedade civil e cidadania, subalternidade, senso comum, cultura e intelectuais, hegemonia etc. Escolha uma dessas categorias e desenvolva-a, considerando o pensamento gramsciano. 3. Qual a sua percepção com relação às concepções de Mannheim sobre a possibilidade de a educação vir a ser um instrumento de construção de uma sociedade democrática, considerando a aparente contradição entre planificação e liberdade? 4. Para Mannheim, o fato das camadas mais desfavorecidas exigirem seu direito de acesso à escola é uma forma de trazer ao processo educacional as contribuições culturais de diferentes camadas sociais, 25 26 tornando possível comunicação entre elas. Como a escola brasileira, de maneira geral, tem tratado esta questão? 5. Na sua ótica, categorias como reprodução, violência simbólica, dualidade estão presentes na educação brasileira dos nossos dias? Justifique sua resposta. 6. Se sua resposta anterior for afirmativa, diga como você se posiciona com relação a tal realidade. Leitura Complementar Para outras leituras sobre Antonio Gramsci, consulte o livro de Paolo Nosella, chamado Escola de Gramsci (Editora Cortez), e o de Luna Galano Mochcovitch, Gramsci e a escola (Editora Ática). Procure artigos e notícias de eventos sobre Gramsci no site http://www.acessa.com/gramsci/ De Mannheim, procure ler as idéias principais sobre educação em seu livro Introdução à sociologia da educação, da editora Cultrix. Leia o Capítulo 13 do livro História das idéias pedagógicas, de autoria de Moacir Gadotti, citado na bibliografia, para saber mais sobre os crítico-reprodutivistas. Atividades Complementares Se você puder, assista ao filme Perfume de Mulher, que conta a história de um jovem, Charlie Simms (Chris O’Donnell), bolsista de uma escola para filhos da burguesia e da alta classe média americana, que se vê envolvido numa situação sobre a qual não consegue ter o menor controle. O rapaz vai prestar um serviço de acompanhante a Frank Slade (Al Pacino), um tenente-coronel cego, impaciente e amargurado, numa viagem que o mesmo faz a New York, num final de semana. Porém, na viagem, o coronel começa a se interessar pelos problemas do jovem, esquecendo um pouco sua infelicidade. Al Pacino ganhou o Oscar de Melhor Ator e o filme recebeu outras três indicações: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado. Ganhou três Globos de Ouro, nas seguintes categorias: Melhor Filme - Drama, Melhor Roteiro e Melhor Ator - Drama (Al Pacino), além de Chris O’Donnell ter sido indicado na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. Discuta com seus colegas a atitude do Diretor da Escola e a reação do Coronel Slade e veja se você identifica algum recorte de discriminação social na situação relatada. UNIDADE III 27 A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NO SÉCULO XXI 3.1 – Sociedade, Currículo e Educação: a Contribuição de Michael Apple O início do século XXI trouxe para os educadores a necessidade premente de compreensão do que se convencionou chamar de pós-modernidade. Segundo Sevcenko, a partir da década de 1980/1990, três elementos contribuíram para a formação do que os sociólogos e historiadores têm apontado como a sociedade pós-moderna: (...) ascensão da cultura da imagem e do consumo, a desregulamentação dos mercados e a retração do Estado, com a progressiva desmontagem de seus mecanismos de distribuição e apoio social, promovidos pela era Reagan (1981-1989) e Thatcher (1979-90) – e por detrás disso tudo, como seu elemento propulsor, a revolução Microeletrônica e digital. O resultado é uma situação na qual as imagens são mais importantes do que os conteúdos, em que as pessoas são estimuladas a concorrer agressivamente umas com as outras, em detrimento de disposições de colaboração ou sentimentos de solidariedade, e na qual as relações ou comunicações mediadas pelos recursos tecnológicos predominam sobre os contatos diretos e o calor humano. É um mundo sem dúvida vistoso, mas não bonito; intenso, mas não agradável; potencializado por novas energias e recursos, mas cada vez mais carente de laços afetivos e de coesão social.31 Os estudiosos do tema têm considerado que a modernidade gerou as guerras e os conflitos com que a pós-modernidade se defronta. Neste sentido, o pósmodernismo pode ser encarado como uma indagação sobre se conseguiremos estabelecer novos paradigmas para o futuro. Para Gadotti, os elementos da pós-modernidade foram responsáveis por uma certa perda de identidade dos indivíduos, ou desintegração. A pós-modernidade se caracteriza também pela crise de paradigmas. Faltam referenciais. Nesse sentido, uma educação pós-moderna seria aquela que leva em conta a diversidade cultural, portanto uma educação multicultural. O pós-moderno surge exatamente como uma crítica à modernidade, diante da desilusão causada por uma racionalização que levou o homem moderno à tragédia das guerras e à desumanização. Nega-se o sistema, para se afirmar o indivíduo, o diferente, o atípico. 32 As conseqüências desse tipo de sociedade para a educação são enormes e levantam uma série de debates nos quais se inscrevem as análises política, cultural e sociológica de educadores comprometidos com a democratização da educação e sua relevância para a vida social. Entre tais educadores situa-se Michael Apple. Em seu artigo A educação e os novos blocos hegemônicos 33 , o autor coloca claramente que considera uma simplificação do problema tratá-lo somente como ação das elites dominantes para impor seus valores na área da educação, articulando uma integração entre educação e agenda econômica. Para ele, os conflitos que se presenciam atualmente na educação não têm origem apenas na economia: são conflitos culturais, de raça, de gênero, de classe. Ainda nesse artigo, Apple salienta que quatro elementos têm sido importantes na consolidação de uma ‘modernização conservadora’ em educação: o neoliberalismo, o neoconservadorismo, o populismo autoritário e a ascensão de uma nova classe média profissional. Os neoliberais contribuem com a ideologia da eficiência, articulada a partir da noção de custobenefício, que pode se traduzir da seguinte forma: o mundo é intensamente competitivo economicamente, e os estudantes – como futuros trabalhadores – devem obter as indispensáveis habilidades e disposições para competir eficientemente e efetivamente. Além disso, qualquer dinheiro gasto com escolas não diretamente relacionadas a esses objetivos econômicos é suspeito. 34 Assim, despindo-se os estudantes de sua condição de classe, de gênero e de raça, e as escolas, principalmente as públicas, de seu objetivo de atender às diferenças, argumenta-se que a sua ineficiência não justifica que a sociedade gaste dinheiro com elas. O neoconservadorismo atua com outra lógica. Para os neoconservadores, a escola deve operar para ensinar um currículo que repousa num consenso sobre o que é bom e legítimo, forjado a partir de uma única ótica etnocênctrica, sexista, monolítica, cujo lema central poderia ser resumido na seguinte frase: só há um tipo de cidadão e a escola deve formá-lo. 28 Entre as políticas propostas a partir desta posição ideológica estão o currículo nacional, o exame nacional, um “retorno” a altos padrões de qualidade, uma revificação da “tradição ocidental” e o patriotismo. Mas, fundamentando o impulso neoconservador na educação e na política social em geral não está apenas um chamamento ao “retorno”. Por trás disso – e isso é essencial –, também está um medo do “outro”. Ele é expresso no seu apoio a um currículo nacional padronizado, no seu ataque ao bilingüismo e ao multiculturalismo e no seu insistente apelo à elevação dos padrões de qualidade. 35 O populismo autoritário entra nessa composição conservadora com sua visão sobre educação, sobre sociedade, sobre o lugar social de homens e mulheres, por exemplo. Utiliza-se de uma certa moral, uma percepção de gênero que coloca a mulher sempre em posição servil e o homem como seu ‘protetor’, a família como uma instituição ‘sagrada’. Apple se refere à seguinte citação de Hunter, para mostrar como se sentem os populistas autoritários: Até recentemente, na visão da Nova Direita, as escolas eram extensões do lar e da moralidade tradicional. Os pais podiam confiar seus filhos à escola pública porque elas eram localmente controladas e refletiam os valores bíblicos e paternos. Porém, tomadas por forças alienígenas e elitistas, as escolas agora interpõem-se entre os pais e os filhos. Muitas pessoas experimentam a fragmentação da unidade entre família, igreja e escola como a perda do controle dos pais sobre sua própria rotina, a de seus filhos e da América. 36 Por fim, tem-se a nova classe média profissional a que se refere Michael Apple como participante do pacto conservador. São os técnicos na área da educação e outras afins, formados na ideologia de que o planejamento, o controle e a mensuração darão conta de uma escola mais competente, retornando à noção de ‘neutralidade’ da educação, que vigorava nas lições dos tecnicistas dos anos 60. Para Michael Apple, é necessário ‘desconstruir’ o pacto conservador através de um posicionamento crítico que “interpreta a educação relacionalmente, tendo íntimas conexões tanto com as estruturas de desigualdades nesta sociedade quanto com as tentativas para superá-las.” 37 Essas idéias de Apple vão estar presentes nos seus estudos sobre currículo, quando discute que o conhecimento corporificado no currículo não é neutro nem desinteressado. Sua interlocução com Paulo Freire sempre foi muito neste sentido, tendo em vista que o educador brasileiro sempre questionou o conteúdo curricular ‘oficial’, estabelecendo em sua teoria que o conhecimento se situava no ‘universo vocabular’ dos indivíduos. Silva, ao analisar as concepções de Michael Apple, assim se pronuncia: Na análise de Apple, a preocupação não é com a validade epistemológica do conhecimento corporificado no currículo. A questão não é saber qual conhecimento é verdadeiro, mas qual conhecimento é considerado verdadeiro. A preocupação é com as formas pelas quais certos conhecimentos são considerados como legítimos, em detrimento de outros, vistos como ilegítimos. Nos modelos tradicionais, o conhecimento existente é tomado como dado, como inquestionável. (…) Como conseqüência, os modelos técnicos de currículo limitam-se à questão do “como” organizar o currículo. Na perspectiva política postulada por Apple, a questão importante é, ao invés disso, a questão do “por quê”. Por que esses conhecimentos e não outros? Por que esse conhecimento é considerado importante e não outros? E para evitar que esse “por quê” seja respondido simplesmente por critérios de verdade e falsidade, é extremamente importante perguntar: “trata-se do conhecimento de quem?”. Quais interesses guiaram a seleção desse conhecimento particular? Quais são as relações de poder envolvidas no processo de seleção que resultou nesse currículo particular? 38 Para Michael Apple, é fundamental, portanto, assumir que o conservadorismo influencia a definição dos conhecimentos a serem ensinados, mas que há possibilidades de uma ação contrahegemônica, com programas educacionais comprometidos com a emancipação. Segundo ele próprio, “o sucesso das políticas conservadoras nunca é garantido.” 3.2 – Sociedade, Revolução e Educação: a Proposta de Peter McLaren Peter McLaren é um educador canadense que iniciou sua vida de professor no final dos anos 70, em uma escola de Toronto, numa turma em que havia aproximadamente alunos de 35 nacionalidades diferentes, e que se colocou como desafio a necessidade de melhor servir aos interesses dessa população tão diversa. A escola estava situada numa área da cidade, paupérrima, conhecida como Jane-Finch Corridor. Segundo suas próprias declarações, a população do lugar era constituída de cerca de 30% de negros e de um número ainda maior de imigrantes com baixos salários ou desempregados. Existia uma grande população caribenha, e também européia, espanhóis e italianos, principalmente. Diante desse relato, é de se pensar: é possível que exista um lugar como este num país de Primeiro Mundo? Sim, é. Em qualquer sociedade capitalista existe miséria. McLaren transitou pelos corredores e salas onde se respira o ar impregnado de violências – reais e simbólicas – e das injustiças e preconceitos de classe social, raça e gênero. São corredores reais de uma escola, tão semelhantes aos das nossas, brasileiras. McLaren é um inconformado e a realidade social que fundamenta a sua crítica não é aquela do chamado Terceiro Mundo ou países periféricos, mas sim o contexto socioeconômico, político e cultural do que comumente denominamos de Primeiro Mundo, em especial, os Estados Unidos, onde vive. Só que atua em territórios onde a pobreza impera e que se tornam, deste ponto de análise, muito parecidos com os nossos. Para McLaren, é fundamental a constatação de relações sociais de exploração das quais não estão excluídas, obviamente, questões de raça e de gênero. Outra denúncia importante é o do papel que tem sido reservado aos professores: guardiões da ordem e servidores do império. Sob o argumento da neutralidade do saber e, por conseguinte, da escola e dos docentes, os professores desempenham a função de técnicos e especialistas em transmitir conteúdos. Esta abordagem tecnicista descompromete-se em relação aos valores da igualdade e justiça social. É conformista. Neste sentido, a crítica do autor é contundente: Quando os professores, aceitando seu papel de técnicos, falham em desafiar as maneiras pelas quais os currículos educacionais correspondem às demandas da indústria ou os meios pelos quais o ensino reproduz as relações de classe, raça e gênero existentes em nossa sociedade, correm o risco de transmitir a estudantes em desvantagem a noção de que seus papéis subalternos na ordem social estão justificados e são invioláveis. 39 McLaren discute, a partir de suas observações, que os alunos são cerceados em sua vida escolar por um conjunto de regras e normas que têm por finalidade ‘regular’ e ‘controlar’ seu comportamento. Acabam introjetando o autoritarismo da escola. Ressalta, em seu relato, que o professor, além das dificuldades nas relações com os seus pares, que temem, entre outras coisas, enfraquecer sua autoridade, ao tentar inovar, encontra dificuldades em fazer dos pais dos estudantes cúmplices de novas práticas pedagógicas, uma vez que, em geral, não gostam de saber que o mestre deixou o livro didático de lado e passou a trabalhar com as histórias de vida dos próprios alunos, e os próprios alunos também desconfiam, quando se tenta compreendê-los e ao seu mundo real, se lhes dizem que eles são os responsáveis pelo que devem aprender e pela sua conduta. (...) para minha surpresa, o maior obstáculo posicionamento mais livre em sala de aula pais de alunos. Ele veio dos próprios alunos. suas vidas, eles tinham recebido ordens de para criar um não veio dos Durante todas professores e pais, tendo que seguir regras. Eles se afirmavam, o que é suficientemente lógico, quebrando tantas regras quanto podiam. A remoção das regras deixou-os pouco à vontade; deixou-os sem nada contra o que lutar. 40 Para dar conta de uma concepção que entende que as diferenças estão inscritas na complexidade da totalidade social, o trabalho de Peter McLaren tem se desenvolvido a partir da crítica marxista, procurando estabelecer conexões entre a teoria educacional e um projeto político que represente um ataque contundente contra a globalização e o neoliberalismo. Apresentando-se hoje como um marxista clássico, Peter McLaren declara que seu interesse é, por meio do que tem chamado de pedagogia crítica revolucionária, propor o desmantelamento das relações sociais capitalistas e do próprio capital. A pedagogia crítica revolucionária, adotada por McLaren, aponta que a escola reproduz o darwinismo social. Através de processos analíticos psicologizantes ou argumentos preconceituosos contra os pobres, negros, mulheres, homosexuais, portadores de deficiência e imigrantes, imputa-se o fracasso escolar à própria vítima. Só que, para McLaren, tal denúncia deve estar inscrita na preocupação de educadores que apoiem as lutas sociais, políticas e econômicas das classes desfavorecidas. A teoria pedagógica crítica não é homogênea: ela incorpora contribuições da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Marcuse etc), as teorias da reprodução, as análises de Gramsci, Foucault, Bourdieu, a pedagogia do oprimido de Paulo Freire, mas, sobretudo, traz a possibilidade dos novos educadores se confrontarem com as idéias de Marx e repensarem a práxis educacional marxista. Não é, portanto, uma teoria que se pretende pronta e acabada. “É mais correto dizer que os teóricos críticos estão unidos em seus objetivos: fortalecer aqueles sem poder e transformar desigualdades e injustiças sociais existentes”. 41 Os educadores que trabalham na linha da pedagogia crítica revolucionária comprovam que a idéia do sistema de ensino enquanto fator de equalização social é um mito da classe dominante. McLaren utiliza a imagem de uma corrida na qual “os estudantes em desvantagem alinham-se e preparam-se na linha de largada, enquanto os estudantes mais ricos esperam pelo apito no fim da pista, a poucos metros da linha de chegada”. 42 A lição que fica é que o problema principal se refere às relações sociais, às contradições entre capital e trabalho. Por isso, Peter McLaren tem declarado que avalia como essencial que os educadores comprometidos com 29 30 um outro mundo devem estar atentos, no sentido de se identificarem com o movimento contra o capitalismo global. Vale-se da possibilidade de indignação diante do fato de que hoje uma ‘democracia bem sucedida’ pode ser definida em termos de sua habilidade em se autolegitimar e se autojustificar, convivendo com um mercado autorizado a se tornar impessoal e onipresente, totalizando o campo das relações sociais, no qual vem afirmando sua centralidade, com a aquiescência do establishment. A sua proposta é que a pedagogia crítica revolucionária seja uma forma de luta contra as normas sociais e as forças que tentam submeter a educação à lógica do mercado e às políticas de consumo. A pedagogia crítica postulada por McLaren vem tentando produzir uma revolução, partindo da compreensão dialética da exploração capitalista global, enfatizando as possibilidades de uma reconstrução radical da sociedade. Neste sentido, McLaren é um crítico da pedagogia tradicional e da pedagogia reprodutivista. A primeira, para ele, tentou suprimir o debate em torno das relações entre conhecimento, poder e dominação e “levou adiante a tentativa paradoxal de despolitizar a linguagem da escola e, ao mesmo tempo, reproduzir e legitimar a autoridade cultural e política dos grupos dominantes.” 43 Os crítico-reprodutivistas ou ‘radicais’, por seu lado, até conseguiram desenvolver análises teóricas e políticas de grande repercussão, mas apresentaram Referências bibliográficas: 31 SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. 2001, p.88-89. 32 GADOTTI, Moacir. op. cit., p. 311 33 RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 111-145. 34 Ibid, p. 115. 35 Ibid, p. 126. 36 Idib, p. 135. 37 APPLE, Michael. Conhecimento Oficial: a educação democrática numa era conservadora. 1997, p. 15. graves equívocos no tratamento das questões que denunciaram. Os teóricos críticos costumavam explorar o papel que as escolas tiveram na acumulação do capital, na legitimação ideológica e na produção do conhecimento necessário para responder às demandas crescentes de uma sociedade capitalista em ritmo de mudança. (...) Colocada grosseiramente, a teoria reprodutiva da escola tem-se tornado, em alguns casos, um modo de análise reativo, que repetidamente supersimplifica a complexidade da vida cultural e social. (...) O maior problema dessa posição é o fato de impedir os educadores de esquerda de desenvolver uma linguagem programática por meio da qual eles possam teorizar para as escolas. Em vez disso, esses educadores radicais têm teorizado basicamente sobre as escolas. 44 Apesar de ter realizado incursões no debate pósmoderno, por conta de sua preocupação multiculturalista, McLaren tem revisto a importância de algumas posições defendidas pelas políticas culturais de identidade – raciais, étnicas, sexuais – por considerar que podem esvaziar a discussão em torno da luta de classes. Para ele, hoje, é fundamental recuperar essa preocupação, essencial para a criação de solidariedades políticas mais amplas contra o capitalismo. Os pós-modernistas devotados às políticas de identidade freqüentemente não reparam na centralidade da classe social como uma identidade abrangente que inscreve os indivíduos e os grupos em relações sociais de exploração. As políticas de identidade e o pluralismo deixam de levar em conta o fato de que a diversidade e a diferença são autorizadas a proliferarem e a florescerem desde que permaneçam dentro das formas dominantes dos arranjos sociais capitalistas, incluindo os arranjos de propriedade hierárquicos. (...) quero enfatizar que sem derrotar o capitalismo, as lutas antiracistas, anti-sexistas e anti-homofóbicas terão pouca chance de obterem sucesso. 45 38 SILVA, Tomaz Tadeu da. op. cit., p.46-47. MCLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. 1997, p. 12. 40 Ibid, p. 117. 41 Ibid, p. 192. 42 Ibid, p. 182. 43 MCLAREN, Peter. Multiculturalismo revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio. 2000, p. 27. 44 Ibid, p. 27-28. 45 MCLAREN, Peter. Fúria e Esperança: a pedagogia revolucionária de Peter McLaren. 2001, p. 181. 39 Exercícios de Auto-Avaliação 1. Todos iguais, todos iguais Mas uns mais iguais que os outros. (Ninguém = Ninguém, de Humberto Gessinger , Engenheiros do Hawaii) a. Como a situação denunciada nos versos acima adentra a escola brasileira, de uma forma geral? b. Qual a sua posição diante dessa realidade? 2. Utilizando a análise de Michael Apple, responda: a. Como a forma de processar o conhecimento, na escola, acaba reproduzindo a estrutura social? b. Como se formam oposições e resistência ao currículo oficial que privilegia o conhecimento das classes hegemônicas? 3. Em que a pedagogia crítica revolucionária de Peter McLaren afasta-se das teorias pedagógicas tradicionais, das crítico-reprodutivistas e das pós-modernas? 4. Em sua opinião qual delas melhor responde às questões educacionais brasileiras? Leitura Complementar Leia o Capítulo 1 (O argumento por escolas democráticas), do livro Escolas Democráticas, organizado por Michael Apple e James Beane, citado na bibliografia. Faça um pequeno resumo das principais questões colocadas pelos autores do relato. No epílogo (na p. 291) de seu livro Multiculturalismo revolucionário, indicado na bibliografia, Peter McLaren faz uma interessante discussão sobre educação multicultural, para além da política de inclusão. Leia este texto e produza um outro com suas idéias sobre as questões colocadas pelo autor. Atividades Complementares A sugestão para esta Unidade III é o filme Crash, uma obra sobre a pós-modernidade. Para você se sentir curioso(a) está reproduzida abaixo a apreciação que o Prof Paulo Ghiraldelli Jr fez sobre o filme. Crash mostra o verdadeiro Estados Unidos “Melting pot” pode ser traduzido por “caldo de cultura”. Colocam-se na panela culturas diferentes e acendese o fogo, elas vão se chocando umas contra as outras na medida em que o fogo sobe; então tudo ferve, um pouco é derramado, outro tanto evaporado e, no fim, obtém-se um caldo resultante da fusão de tudo aquilo. “Melting pot” é a expressão de intelectuais estadunidenses para os Estados Unidos. Nenhum filme de Hollywood conseguiu dizer o que é o “melting pot”. Nenhum, ao menos não até Crash. (Paul Haggis, 2004). Crash não mostra os Estados Unidos de brancos e negros, que nada mais é que uma expressão do que a mídia captou a partir do Movimento dos Direitos Civis. Crash nos dá, pela primeira vez, o resultado em processo – e não estanque – da sociedade americana como o lugar onde todos são imigrantes. Gilles Deleuze escreveu certa vez que, diferentemente da revolução bolchevique, a revolução pragmatista americana não dizia “trabalhadores do mundo uni-vos” e sim “estrangeiros do mundo uni-vos”. E John Dewey caracterizou o americano par excellence como o “americano hifenado”, ou seja, o ítalo-americano, o afro-americano, etc. A América é o único lugar do mundo que está em movimento. Desde Colombo, a cada dia novos grupos chegam e se instalam, e passam então a usar uns a favor dos outros e um contra os outros um distintivo poderoso “I am American, and you?”. Os grupos mais antigos podem exibir esse distintivo aos grupos mais novos, até esses grupos mais 31 32 novos encontrarem outros mais novos e assim por diante. A idéia básica de cada grupo é a de lutar pela sua identidade até o momento em que ela não é mais conveniente. Para alguns grupos o hífen é importante em determinados momentos. De certo modo, ele só é importante após a parte inicial da palavra, aquela que vai antes do hífen, ter sido negada e até mesmo aniquilada durante um bom tempo. Richard Rorty, o filósofo que mais tem a dizer sobre a América, ao menos em nossos dias, ficou impressionado com o filme. Creio que não só pelo retrato que o filme nos dá do “melting pot” – algo sobre o qual o próprio Rorty vem teorizando –, mas porque se trata de uma película que traz um dos elementos chaves da filosofia pragmatista: a contingência. Nenhum dos personagens é fechado, é uma personalidade terminada; eles são plásticos, e assumem diversas posturas segundo o que há de mais livre, que é a história. Os sujeitos do filme são – no sentido que Foucault queria – não mais sujeitos, não mais indivíduos modernos, mas agentes. Cumprem o que devem cumprir, transformando-se completamente segundo as contingências. Não há uma cena desprezível em Crash. Todas são fundamentais. Mas é claro que a do chaveiro latino Daniel levando um tiro e sendo protegido pela filha pequena é a que deixa o símbolo da América após o “September Eleven”: medo e esperança. Um latino (cidadão americano) morreria ali, ou teria sua filha perfurada, por um persa (também cidadão americano) caso uma espécie de mágica não viesse a acontecer. Uma mágica simples: não havia balas verdadeiras no revólver. A filha do persa havia comprado para ele, propositalmente, apenas tiros de festim. Aqui, a “América” dos sonhos de liberdade e respeito individual dos Pais Fundadores e dos pioneiros se encontra com os “Estados Unidos”, a terra do complexo industrial militar que consegue dar uma arma para cada cidadão. Todos poderiam ter seus cinco minutos de raiva, culpando o vizinho pelas suas próprias faltas, mas com balas de festim. 33 Se você: 1) 2) 3) 4) concluiu o estudo deste guia; participou dos encontros; fez contato com seu tutor; realizou as atividades previstas; Então, você está preparado para as avaliações. Parabéns! 34 Glossário Ação racional com relação a fins - a sociologia weberiana reside no conceito de ação social, que ocorre no momento em que um indivíduo, ao tomar uma atitude, leva o outro em consideração. Quanto mais a sociedade se racionaliza, além dos outros indivíduos será necessário considerar as normas sociais consolidadas. Assim, viver numa sociedade racionalizada significa ampliar a ordem social ‘com relação a fins’, isto é, com relação aos outros e às normas, que vão se tornando cada vez mais institucionalizadas. Alienação - é o que impede, para Marx e Engels, a percepção da exploração e das conseqüências da exploração do trabalho. A ideologia da classe dominante faz com que o operário acredite que é o capitalista quem deve determinar o que vai ser produzido, e que é ‘natural’ que o operariado não tenha qualquer decisão sobre o seu trabalho e sobre o produto do seu trabalho, uma vez que não consegue perceber o seu trabalho como algo que lhe pertence. Aparelhos ideológicos de Estado - instituições que zelam pela reprodução dos valores sociais presentes no Estado. Há uma distinção importante entre os enfoques de Althusser e as instituições de hegemonia de Gramsci. Althusser nega explicitamente que a ideologia (ou o sistema de ideologias) das classes oprimidas obtenha a hegemonia antes que tais classes conquistem o poder de Estado. O teórico italiano, no entanto, salienta que a solidariedade dos aparelhos ideológicos com o Estado não decorre de um atributo estrutural imutável e nem são necessariamente antagônicos. Aparelho privado de hegemonia - categoria gramsciana que se refere às instituições da sociedade civil que cumprem sua função social no âmbito da cultura e da hegemonia. Enquanto na sociedade política atuam os aparelhos coercitivos de Estado, na sociedade civil operam os aparelhos privados de hegemonia (organismos relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito, como a imprensa, os partidos políticos, os sindicatos, as associações, a escola privada e a Igreja). Tais aparelhos, gerados pelas lutas de massa, estão empenhados em obter o consenso como condição indispensável à hegemonia. Por isso, prescindem da força, da violência visível do Estado, que colocaria em perigo a legitimidade de suas pretensões. Atuam em espaços próprios, interessados em explorar ou não as contradições entre as forças que integram o complexo estatal. As classes subalternas podem visar, como projeto político, a separação de determinados aparatos ideológicos ou sua aderência ao Estado, a fim de se tornarem agências privadas de hegemonia sob sua direção. Autojustificar - justificar-se a si mesmo, sem preocupação com as considerações que outros possam fazer sobre a oportunidade, a justeza, a adequação de suas ações. Autolegitimar - satisfazer-se com a legitimidade que advém de sua própria percepção de mundo, deixando de levar em conta o outro e as normas e valores do conjunto da sociedade. Autonomizar - tornar autônomo. No sentido colocado no texto, significaria separar o mundo das idéias da forma de produzir as condições materiais da vida, deturpando assim a realidade. Significaria entender que o mundo das idéias é autônomo com relação à vida material. Autoritarismo - relação que se baseia na imposição, na violência, na vontade de um único indivíduo, sem conceder espaço à discussão e ao debate de qualquer natureza. Base econômica - base econômica ou infra-estrutura, na teoria marxista-engeliana, são as condições materiais da existência, sobre a qual se eleva a superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de pensar de cada um de nós depende das relações sociais nas quais estamos integrados e, para explicar nossa maneira de pensar, é preciso analisar as relações de produção presentes em nossa sociedade. Para esses pensadores, “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”. Capital cultural - conhecimentos, competências ou disposições, distribuídos desigualmente no interior da sociedade burguesa, que contribuem para que se possa internalizar os diversos códigos culturais presentes na vida social. O sistema educacional é espaço privilegiado com relação a possibilitar a produção, a recepção e a apropriação desses bens simbólicos. Quando se fala em capital cultural, na perspectiva de Bourdieu, deslocase a discussão sobre as competências, requeridas para a apropriação desses bens, da ideologia do dom, da sensibilidade individual e do que é inato, para o terreno do social. Classes hegemônicas - são as que exercem o poder ideológico na sociedade. Segundo Gramsci, os pensadores e os cientistas lideram toda concepção de mundo, mantendo permanente e organizadamente as convicções sobre a validade de determinada concepção para a sociedade. Neste sentido, o pensador italiano prega uma nova cultura, que venha substituir os projetos hegemônicos da classe dominante, desde que os intelectuais orgânicos promovam as classes subalternas, formando elites populares qualificadas para sustentar o processo de mudança: “para tal, a repetição de argumentos instrumentaliza, pedagogicamente, a ação sobre a mentalidade popular.” De outro ponto de vista, os crítico-reprodutivistas se referiam a classes hegemônicas apenas na perspectiva de classes dominantes, as únicas capazes de construir e manter a hegemonia na sociedade capitalista burguesa. Classes subalternas - são aquelas que aglutinam os trabalhadores assalariados, os subempregados, os desempregados, aqueles não incorporados ao mercado de trabalho, enfim aqueles que não possuindo os meios de produção, acham-se sob o domínio econômico, político e ideológico das classes que representam o capital. Nos escritos de Marx e Engels, era o proletariado. Só que, nesta concepção, aqueles que não estão inseridos diretamente na produção estariam excluídos de qualquer análise. Conformista - é quem se conforma, quem se enquadra dentro de certos padrões. Como todos nós temos que viver em sociedade, interagindo com o outro, acabamos tendo que nos adaptar a determinadas injunções. Consciência coletiva - é o meio moral vigente na sociedade, e que está presente no grupo no qual nascemos e vivemos. São as nossas concepções sobre o mundo. Consenso - acordo sobre idéias e valores. O consenso supõe concordância. Quanto mais se constrói um consenso em torno das normas, mais elas ganham legitimidade. Crítico-reprodutivistas - são as teorias formuladas pelos sociólogos franceses dos anos 60, que criticavam a escola como reprodutora de uma ordem social burguesa, isto é, da estrutura de classes da sociedade capitalista, negando às classes desfavorecidas o efetivo acesso ao conhecimento. Na sua concepção, a escola era influenciada por questões que estavam postas na sociedade. Darwinismo social - Charles Darwin, cientista inglês que viveu no século XIX, defendeu a teoria da origem das espécies, na qual concebia a ocorrência de uma evolução para explicar as transformações ocorridas com todos os seres, que se daria por meio da seleção natural e sexual. Na sua concepção, os mais aptos sobreviveriam, enquanto que os menos adaptados estariam naturalmente destinados a sucumbir. Darwnismo social é tentar trazer tais idéias para o âmbito social, com o objetivo de explicar que, também na sociedade, os mais aptos sobreviverão aos menos aptos e que isto é uma situação ‘natural’ e não historicamente produzida. Divisão social do trabalho - é a forma como as diferentes funções da sociedade estão divididas entre os indivíduos, que devem desempenhá-las de acordo com o que deles se espera. Para Durkheim, é uma divisão de papéis sociais que possibilita que se constitua, desta forma, a cooperação, fundamental para que a sociedade tenha prosseguimento. Para Marx e Engels, a divisão do trabalho tem um outro sentido. Sua base é econômica. A diferenciação se dá de acordo com a propriedade dos meios de produção, razão pela qual não é igualmente distribuída no interior da sociedade. Pode-se dizer que, na sociedade capitalista, segundo Marx e Engels, em geral, os proprietários não trabalham e quem trabalha não é proprietário. Dominação - é a probabilidade de ser obedecido dentro de um grupo para uma ação específica ou para toda sorte de ações, sem que se leve em conta a opinião individual sobre o valor ou não-valor da ação. Baseia-se em motivos afetivos ou racionais, no costume, em interesses materiais e busca sempre sua legitimidade. Weber se referia a três tipos ideais de dominação: racional, tradicional e carismática. Dominação carismática - a autoridade de quem domina se baseia em qualidades extraordinárias e até extraterrenas. Carisma significa dom e pode ser derivado de uma qualidade especial de liderança (do ponto de vista racional) ou de uma concessão divina, mágica, diabólica etc (do ponto de vista afetivo). Dominação racional (ou racional-legal) - a autoridade se baseia na legalidade, no direito de mandar, dado por uma ordenação jurídica. Quanto mais uma sociedade se racionaliza, mais se baseia na autoridade legal. 35 36 Dominação tradicional - a autoridade se baseia no costume, na tradição. Um exemplo é o direito consuetudinário, que goza de autoridade e está baseado no costume. Numa sociedade tradicional, a palavra dada é mais importante e mais inviolável do que a regra jurídica. Druidas - eram os membros de uma seita religiosa que havia entre os celtas. Ocupavam o lugar de juízes, doutores, sacerdotes, adivinhos, magos, médicos, astrônomos etc., mas não constituíam um grupo étnico dentro do mundo celta. Eram grandes conhecedores de rituais de magia e tinham conhecimentos de medicina e do uso das plantas terapêuticas. As lendas que cercam o Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda estão repletas de histórias sobre e dos druidas. Diz a lenda, inclusive, que Morgana, meia-irmã de Artur era uma sacerdotisa druida. Dualidade escolar - uma das características da escola na sociedade capitalista seria o oferecimento de desiguais oportunidades para crianças provenientes de diferentes classes sociais. Para as elites e as classes médias há oferta de uma escola pensada e planejada para elas; para as classes mais pobres, há uma escola completamente fora de sua realidade, que não consegue admitir os saberes e a cultura que constroem nos ambientes em que vivem. Educação carismática - tipo de educação que objetiva o despertar dos dons carismáticos do indivíduo. Tal educação, que pode ocorrer numa instituição estatal ou eclesiástica ou, ainda, pode ser ministrada por uma determinada corporação, pretende revelar qualidades mágicas, dons heróicos. Educação multicultural - supõe a incorporação da diversidade cultural no cotidiano pedagógico, o que tem sido largamente debatido entre educadores nacionais e estrangeiros, buscando-se questionar pressupostos teóricos e implicações pedagógico-curriculares de uma educação que busca trabalhar as identidades múltiplas no âmbito da educação formal. A discussão e ‘desnaturalização’ de discursos curriculares permitem identificar o vínculo cultura/poder que informa a seleção, a hierarquização e a valorização diferencial de saberes que a escola reproduz. Estas questões assumem particular significado, já que implicam uma sensibilidade para o fato de que a pluralidade de vozes e identidades culturais necessitam ser contempladas nas propostas curriculares. Este movimento teve início na luta pelos direitos civis, nos EEUU, dos grupos não dominantes – negros, mulheres, homossexuais, imigrantes –, contra toda sorte de discriminação e preconceito. Educação omnilateral - Marx e Engels consideravam que a educação omnilateral é uma das possibilidades de viabilizar a superação das diferenças existentes na sociedade capitalista, promovendo a emancipação do trabalhador residia na integração entre ensino e trabalho. A esta integração eles chamaram ensino politécnico ou formação omnilateral. Por meio desta educação omnilateral o ser humano desenvolver-se-ia numa perspectiva abrangente, isto é, em todos os sentidos. Conforme Gadotti (1984, p. 54-55), “a integração entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação crescente, reunificando o homem com a sociedade. Essa unidade, segundo Marx, deve se dar desde a infância. O tripé básico da educação para todos é o ensino intelectual (cultura geral), desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e aprendizado profissional polivalente (técnico e científico).” A educação omnilateral deveria, portanto, integrar dessas três dimensões. Educação que forma o especialista - tipo de educação cuja finalidade é preparar o indivíduo para um tipo específico de atuação na sociedade. A educação profissional, que aparece na escola da sociedade industrial do século XX, é um tipo de educação que forma o especialista na área de determinado saber. Educação tradicional - tipo de educação que se preocupa com a formação erudita, literária e intelectual. Era destinada aos filhos das elites patriarcais, restrita, portanto, a um grupo de indivíduos. Elementos desagregados, fragmentados, preconceituosos - são elementos que estão presentes no senso comum e que impedem a crítica de determinados valores, que são tomados por imutáveis ou ‘naturais’. Escola única - para Gramsci, a escola deveria se dedicar a ensinar uma cultura geral, humanista, formativa, ‘desinteressada’, capaz de fornecer elementos para uma interpretação do mundo, liberta de qualquer explicação não científica. A escola única ou unitária proposta por ele era também uma escola onde o trabalho seria um princípio educativo, ou seja, seria por meio do trabalho que os indivíduos poderiam vir a entender a história e as implicações econômicas geradas pelo trabalho. Establishment - refere-se à organização econômica, política e social institucionalizada, estabelecida numa dada sociedade. Pode-se dizer que o establishment é o núcleo do poder que está consolidado. Equilíbrio - para Durkheim, a sociedade deve se desenvolver a partir de um paradigma que supõe equilíbrio, isto é, ausência de variações, oscilações ou desvios. Fato social - são as maneiras de agir e pensar que são consagradas pela sociedade. Os fatos sociais, para Durkheim o objeto de estudo da Sociologia, têm três características: exterioridade, isto é, são definidos fora do indivíduo; coercitividade, ou seja, impõem-se a nós quer queiramos ou não, e generalidade, uma vez que estão presentes no comportamento de todos os indivíduos de um mesmo grupo. Forças produtivas - são os meios que permitem ao Homem o domínio sobre a natureza – instrumentos, tecnologia, energia, matéria-prima – com a finalidade de aumentar e melhorar a sua capacidade de produzir. São também chamados na teoria marxista de meios de trabalho ou meios de produção. Filosofia da práxis - é uma expressão criada por Gramsci para designar o materialismo dialético de Marx e Engels, enquanto método de análise da transformação histórica. Com isso, não só despistaria a censura carcerária como viria a contribuir para a consolidação e atualização dessa forma de explicar a sociedade. Marx e Engels chamavam de práxis a ação humana para transformar a realidade. Nesse sentido, o conceito de práxis não se identifica propriamente com a prática, mas significa a articulação entre teoria e prática, uma vez que toda ação humana é projetada, refletida, pensada. Também para Gramsci, o homem, ao estabelecer relações com outros homens e com a natureza, porque era homem, pensava sobre isso. Fazia-o ativamente, por meio da técnica (é a práxis técnico-produtiva, mediadora entre ele e os outros homens e a natureza), da filosofia (é a práxis científico-experimental, atividade de reflexão para a construção de um conhecimento e de uma ciência voltados para a humanização do mundo e a expansão da democracia) e da política (é a práxis histórico-política, atividade que faz a mediação entre a superestrutura e a base econômica, entre o Estado e a sociedade civil, entre o contexto global e a história dos grupos subalternos). Com isso, Gramsci considerava ser possível levar os grupos subalternos ao auto-governo e à direção de uma nova sociedade. Habitus - conceito desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu com o objetivo de pôr fim ao antagonismo entre indivíduo e sociedade, dentro da sociologia estruturalista. Relaciona-se à capacidade de uma determinada estrutura social ser incorporada pelos agentes por meio de disposições para sentir, pensar e agir que são produto de um trabalho social de inculcação, levado a efeito pela família, pela igreja, pela escola, entre outras instituições. Ao término do processo, uma identidade social instituída por essas instituições, conhecidas e reconhecidas por todos, e que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada. Harmonia - na formulação de Durkheim, harmonia é a característica da sociedade que lhe permite se apresentar em ordem, em um estado de coerência, de regularidade. Hegemonia - para Antonio Gramsci, o conceito de hegemonia caracteriza a liderança cultural-ideológica de uma classe sobre as outras. As formas históricas da hegemonia nem sempre são as mesmas e variam conforme a natureza das forças sociais que a exercem. Pode se dar de duas formas: pela força ou pelo consenso. O aparato político-jurídico e o policial-militar garantem o controle pela força. O consenso é o terreno do controle ocupado pela cultura, pela moral, pelos costumes, que são aprendidos na vida social. No primeiro terreno, o da força, estão os aparelhos hegemônicos das classes dominantes. No segundo, os aparelhos privados de hegemonia. Ideologia - para Marx e Engels, ideologia é sinônimo de ilusão, consciência deformada da realidade construída pela classe dominante. Para Karl Mannheim, existem dois tipos de ideologia: uma de caráter justificador da ordem social (assim como para Marx) e, outra, subversiva, com função crítica, que ele preferiu chamar de utopia. Para Antonio Gramsci, a ciência sempre é ideológica, porque resulta do processo histórico de desenvolvimento das classes sociais. Toda pretensão de verdade tem uma origem histórica e sua validade é provisória, como parte organicamente integrada numa estrutura social. Neste sentido, não é possível ao intelectual escapar da ideologia, seu conhecimento sempre estará ideologicamente situado. Incoerência, fragmentação e desorganização - esses termos se referem, no texto, a concepções de mundo típicas do senso comum que, para Gramsci, podem ser vencidas através da filosofia da práxis. Isto vai exigir uma batalha cotidiana e em longo prazo, travada no seio das instituições, envolvendo a participação consciente da grande maioria da população. Com isso, pode-se caminhar em direção a concepções integradas, organizadas, que adquirem uma totalidade, no contexto de uma nova hegemonia, construída com base na expansão das idéias das classes subalternas. 37 38 Infra-estrutura - infra-estrutura ou base econômica, na teoria marxista-engeliana, são as condições materiais da existência, sobre a qual se eleva a superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. Isto significa dizer que o modo de pensar de cada um de nós depende das relações sociais nas quais estamos integrados e que para explicar nossa maneira de pensar é preciso analisar as relações de produção presentes em nossa sociedade. Para esses pensadores, “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”. Intelectual orgânico - é o que possui de uma visão de mundo consciente, que é comprometido com um projeto de sociedade do qual se torna organizador e através do qual pode instituir uma nova hegemonia que almeja conquistar, relacionando-a à luta das classes subalternas. Intelectual tradicional - aquele que acredita estar desvinculado de um projeto de sociedade e cumpre burocraticamente seu papel, voltado a manter o status quo. Laisser-faire - doutrina econômica que aparece no momento de implantação da nova sociedade industrial moderna e que prega a necessidade do livre mercado. Baseava-se no enriquecimento e no fortalecimento dos grandes comerciantes e no seu ‘talento empresarial’, que se fazia ao largo do Estado, e que assim devia continuar. Também ficou conhecida como liberalismo. Essa concepção do mercado como árbitro absoluto da economia adentrou a política e criou a doutrina do laisser-passer, ambas responsáveis pela consolidação do poder da burguesia. Legitimidade - é a qualidade do que é legítimo, do que é reconhecido e admitido pelo consenso. É mais do que legalidade, pois nem sempre o que é legal é admitido sem o uso da força. Linearidade - é a qualidade de uma sociedade que, na teoria durkheimiana, segue uma desejável ‘linha reta’, sempre no mesmo sentido. Mais-valia - é uma categoria presente no pensamento marxista/engeliano e que se refere à diferença entre o valor do bem produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base da exploração no sistema capitalista. Marx e Engels chamam a atenção para o fato de que os capitalistas, uma vez pago o salário de mercado pelo uso da força de trabalho, lançam mão de estratégias para aumentar sua taxa de lucro, ou estendendo a duração da jornada de trabalho mantendo o salário constante ou ampliando a produtividade física do trabalho pela via da mecanização. Ampliam autonomamente suas taxas de lucro sem dependerem dos custos de simples reprodução física da mão-de-obra. Meios de trabalho ou meios de produção - são os meios que permitem ao Homem o domínio sobre a natureza – instrumentos, tecnologia, energia, matéria-prima –, com a finalidade de aumentar e melhorar a sua capacidade de produzir. São também chamados na teoria marxista de forças produtivas. Mito - idéias que levam a conceber a realidade baseando-se em concepções contrárias ao pensamento lógico e científico. Modo de produção - as forças produtivas ou meios de produção e a propriedade dos mesmos criam um conjunto com determinadas características. A este conjunto Marx e Engels chamaram de modo de produção. Para eles, as transformações pelas quais passou a História da humanidade foram geradas nas transformações de um modo de produção para outro, o que sempre se dá pelo conflito entre a camada dominada e a camada dominante. Por isso acreditavam que “a história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de classe”. Marx e Engels se referem aos seguintes modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês moderno. Modernização conservadora - essa expressão, criada por educadores críticos, entre os quais Michael Apple, que significa que as elites burguesas se apoderaram do conceito de mudança e têm dado a ele uma importância central nos seus debates. Só que baseiam sua retórica sobre a mudança em educação, na exclusão, quando, por exemplo, tratam de definir quem não é competitivo. Na sua concepção, não são as regras do jogo impostas por uma ordem econômica inexorável que levam à exclusão; são as escolas, principalmente as escolas públicas, que são incapazes de formar o indivíduo eficientemente. Esta, para Apple, é uma questão cultural. Nazi-fascismo - doutrina política imperialista, belicista, autoritária que se desenvolveu, nos anos 30, com Hitler, na Alemanha (o nazismo ou nacional-socialismo) e com Mussolini, na Itália (o fascismo). Preconceituosa, a doutrina pregava a superioridade da raça ariana e levou à morte 6 milhões de judeus, nos campos de concentração, durante a II Guerra Mundial. Neoliberalismo - política de combate ao Estado de Bem-estar Social que se inicia no fim dos anos 40, mas que ressurge com força após 1980, com Margareth Tachter, na Inglaterra e Ronald Reagan, nos EEUU. O receituário neoliberal prevê enfrentamento com os sindicatos, limitando-lhes a atividade, privatização de empresas estatais, afrouxamento da carga tributária sobre os ricos e sobre as empresas e estabilização da moeda. O governo conservador de Tatcher serviu de modelo para todas as políticas que seguiram posteriormente o mesmo roteiro. A hegemonia do neoliberalismo hoje é tamanha que países de tradições completamente diferentes, governados por partidos de matizes os mais diversos, aplicam a mesma doutrina. Neoconservadorismo - ação dos neoconservadores através do que os teóricos críticos chamaram de modernização conservadora. Neutralidade - indicaria, supostamente, uma concepção que não se alinharia nesta ou naquela posição. A suposta neutralidade da educação, como queriam os educadores tecnicistas, foi denunciada nos anos 60 por Paulo Freire que defendeu a educação como um ato político, responsável pela ‘conscientização’, categoria pedagógica que acredita que, através da educação, há possibilidade de construção da autonomia intelectual do cidadão para que ele possa intervir na realidade. Onipresente - diz-se daquele que está presente em todo e qualquer lugar. Países periféricos - ao contrário dos países do Primeiro Mundo, são os países pobres, que não estão no centro do capitalismo mundial, também chamados de Terceiro Mundo. São os países do Cone Sul. A denominação Terceiro Mundo é uma referência a um outro momento de correlação de forças, quando o Bloco Socialista, representado pela União Soviética era o Segundo Mundo. Mesmo com o fim do socialismo de Estado, em 1989, com a queda do Muro de Berlim, os países periféricos continuaram a ser chamados do Terceiro Mundo. Paradigma - é o modelo, o padrão. Nos nossos dias, vivendo uma sociedade em que uma lógica conservadora é incapaz de promover a transformação social, em que tendências políticas e culturais neoconservadoras estão determinadas a combater as conquistas das classes desfavorecidas, em que a produção do conhecimento científico, típico da modernidade, foi desacreditada e a ciência não pode ser mais considerada como a única fonte de verdade, em que o saber está sendo questionado, em que a realidade é ambígua, multiforme, em que há uma intensificação das características mais combatidas do ponto de vista dos direitos humanos, tais como o individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço, defende-se uma mudança de paradigma, de padrão de análise da sociedade. Pedagogia crítica revolucionária - expressão criada por Peter McLaren, refere-se à prática pedagógica comprometida com a denúncia dos privilégios concedidos àqueles que desfrutam de posições de comando na estrutura de classe da sociedade capitalista. Para ele, mais importante que enfatizar a política cultural que trata de questões ligadas a identidades raciais, étnicas e sexuais, é discutir a estrutura social, para que a educação possa contribuir no atual debate promovido pelo movimento contra o capitalismo global. Pedagogia do cultivo - categoria presente na teoria weberiana, e se refere àquela que prepara o indivíduo, através de uma educação geral, enciclopédica, erudita, para exercer determinado comportamento, identificado com o modo de vida das classes proprietárias positivamente privilegiadas. Seu objetivo era que o indivíduo tivesse acesso à ‘grande cultura’, isto é, à cultura da burguesia, da pequena burguesia e da intelligentsia. Na teoria weberiana, há referência, além das classes proprietárias, lucrativas e sociais, à classe dos privilegiados pela educação. Pedagogia do oprimido - expressão cunhada por Paulo Freire para identificar a pedagogia comprometida com a concepção libertadora da educação, nascida da defesa da educação popular. A pedagogia freireana supõe a formação da consciência crítica, levando os indivíduos envolvidos, educadores e educandos, a problematizarem situações existenciais concretas, para desembocar numa práxis transformadora. Pedagogia do treinamento - categoria que também aparece na teoria weberiana e significa o preparo especializado com o objetivo de tornar o indivíduo um perito. Para Weber, a racionalização da sociedade capitalista acabou 39 40 por impor uma prática pedagógica que, ao invés de contribuir para o desenvolvimento dos talentos do ser humano, tem contribuído para a obtenção de status privado (no caso das classes proprietárias positivamente privilegiadas), funcionando como mecanismo de ascensão social, isto é, as pessoas de maior privilégio e poder utilizam-se da educação como um recurso para melhorar o seu status. No caso das classes negativamente privilegiadas (camponeses, artesãos, operários), representava treinamento de indivíduos para o desempenho de determinadas funções que reproduziam sua situação de classe, quer fossem trabalhadores qualificados ou semiqualificados. Pedagogia racional - prática pedagógica que pode vir a evidenciar os propósitos da elite, aumentando as contradições sociais que revelam o poder dessas elites. Seria ingênuo, no entanto, na concepção dos críticoreprodutivistas, achar que uma elite de poder revelaria a si própria através de um processo pedagógico que, no final, operaria contra ela mesma. Planificação - mudar a sociedade, para Mannheim, significaria planejar a partir de um pensamento consciente, fundado no conhecimento correto da sociedade e baseado na consulta democrática. Preocupa-se em esclarecer que o que ele avalia, em termos de planificação, é a necessidade de uma coordenação para assegurar a liberdade, usando as técnicas sociais (educação, propaganda, imprensa, política etc) para interferir nos espaços da esfera social que, se deixados sem controle, causariam o caos, e abstendo-se de interferência em certos campos da vida. Diz ele que nem toda planificação é má. Fica a escolha entre uma planificação para a conformidade ou uma planificação para a liberdade e a variedade. A planificação não precisa alicerçar-se sobre a ditadura. Pode, ao contrário, basear-se na participação democrática. Pós-modernidade - pós-modernidade é um termo bastante discutido nos nossos dias. Para o crítico marxista norte-americano Fredric Jameson, é a “lógica cultural do capitalismo tardio”. Uma lógica conservadora, incapaz de promover a transformação social. Com visão semelhante, o filósofo Jurgen Habermas, também considera que a pós-modernidade estaria relacionada a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais de esquerda. Um dos pioneiros no uso do termo, o francês François Lyotard, falava de uma ‘condição pós-moderna’ como aquela em que a modernidade foi desacreditada, em que a ciência não mais pode ser considerada como a fonte definitiva da verdade e o saber estaria novamente aberto e em permanente construção. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman considera a pós-modernidade como a conseqüência sociológica inevitável da modernidade. Considera-a uma realidade ambígua, multiforme, a que ele chama de “líquida”, em contraponto à clássica expressão marxista “tudo o que é sólido desmancha no ar”. Há aqueles autores que preferem definitivamente evitar o termo. Giles Lipovetsky, por exemplo, um dos expoentes da filosofia francesa atual, prefere o termo ‘hiper-modernidade’, ao considerar que não houve uma ruptura com os tempos modernos, como o prefixo ‘pós’ dá a entender. Ele considera que os tempos atuais são ‘modernos’, com uma intensificação de características da sociedade moderna, tais como o individualismo, o consumismo, a ética hedonista e a fragmentação do tempo e do espaço. Primeiro Mundo - constituído pelos países centrais do capitalismo, aqueles que têm uma posição de comando, tanto do ponto de vista econômico quanto político e cultural. Com exceção da Austrália, que está no hemisfério sul, todos eles se localizam ao norte do Equador. A expressão Primeiro Mundo foi cunhada antes dos anos 90, quando a geopolítica mundial admitia dois blocos hegemônicos, que viviam a chamada Guerra Fria. O primeiro era comandado pelos Estados Unidos e o segundo, pela Rússia. O Terceiro Mundo eram os países satélites desses centros de decisão. Processo da reprodução social - a economia capitalista não somente concentra a riqueza em determinados segmentos sociais, mas também desenvolve mecanismos de manutenção dessa organização, com os trabalhadores de um lado e os empresários de outro. Quando Gramsci diz que os intelectuais possuem uma função bastante importante nesse processo, é porque, na medida em que ocupam espaços sociais de decisão prática e teórica, podem manter ou romper com tal processo. Produto histórico - diz-se do que é produzido a partir de um tempo e um lugar. Tudo que se produz em sociedade é histórico, pois existe num local e em determinadas condições sociais. Cada um de nós, rompendo com o pensamento a-crítico, podemos tomar consciência dessa ‘historicidade’. Psicologizante - aquilo que tem como explicação a Psicologia. Um argumento psicologizante é, por exemplo, acreditar que as meninas, devido ao seu psiquismo feminino, têm mais tendência para o estudo de disciplinas das áreas de Ciências Humanas e os meninos, para o das áreas das Ciências da Natureza ou da Matemática. Racionalização da sociedade - acontece sustentada por uma burocracia que organiza a sociedade, não na base da tradição ou do carisma pessoal do líder, do mago ou do herói, mas na racionalidade, na impessoalidade e na legalidade. Com a necessidade de organizar a vida social, há uma crescente burocratização do aparato público de dominação política e dos aparatos próprios às grandes corporações capitalistas. A sociedade industrial foi se tornando, ao longo do tempo, uma sociedade racional. Relações de produção - são as relações de propriedade que ocorrem na sociedade capitalista. Os meios de produção pertencem ao empresário capitalista. O trabalho é oferecido no mercado pelos trabalhadores que são os operários ou proletários. Reprodução social - ocorre quando o funcionamento da escola está condicionado ao funcionamento da economia, reproduzindo em seu interior a estrutura de classes. Na sua análise, Bourdieu e Passseron atestam que “a dinâmica da reprodução social está centrada no processo de reprodução cultural.” Solidariedade mecânica - ocorre nas sociedades mais simples e/ou tradicionais, naquelas em que há pouca diferença e maior similaridade entre as funções a serem desempenhadas. Durkheim diz que nos grupos sociais onde há pouca divisão do trabalho social, prevalece a solidariedade mecânica. Solidariedade orgânica - ocorre na sociedade industrial e exige diferenciação entre as funções que os indivíduos devem desempenhar. A solidariedade baseada na semelhança é, segundo Durkheim, praticamente, substituída pela solidariedade baseada na diferença. Nesse sistema diferenciado cada indivíduo tem um papel especial. Status quo - significa o estado em que se acha determinada questão. Defender o status quo é se colocar contra a mudança. Superestrutura - a superestrutura jurídica e política é o modo de pensar de cada um de nós, que depende das relações sociais nas quais estamos integrados. Para Marx e Engels, não é a superestrutura que determina o ser que cada um de nós revela; ao contrário, é a infraestrutura que acaba por determinar a superestrutura ideológica presente na sociedade. Técnica social - Mannheim, ao analisar as transformações que acompanharam a sociedade moderna, se refere a três fenômenos responsáveis por tais mudanças: o aparecimento da máquina, o crescimento da população e as técnicas sociais, decorrentes dos outros dois fatores. Técnicas sociais seriam, portanto, maneiras de influenciar o comportamento dos indivíduos, de modo que adotassem os padrões de comportamento vigentes na sociedade. As técnicas sociais seriam desenvolvidas nas áreas da educação, da comunicação e em outras que se dedicassem a ‘enquadrar’ cada um nas formas específicas de obediência e auto-controle. Terceiro Mundo - ao contrário dos países do Primeiro Mundo, são os países pobres, que não estão no centro do capitalismo mundial, também chamados de países periféricos. São os países do Cone Sul. A denominação Terceiro Mundo é uma referência a um outro momento de correlação de forças, quando o Bloco Socialista, representado pela União Soviética era o Segundo Mundo. Mesmo com o fim do socialismo de Estado, em 1989, com a queda do Muro de Berlim, os países periféricos continuaram a ser chamados de Terceiro Mundo. Tipos puros ou ideais - Max Weber construiu conceitos sociológicos que chamou de típico-ideais, na perspectiva de uma possibilidade ‘ideal’, como se o que estivesse analisando transcorresse segundo um determinado sentido, mediante regras ‘racionais’. No entanto, chamou a atenção para o fato de que a sociologia buscasse apreender, a partir dos tipos puros ou ideais, os fenômenos tal como eles se apresentavam, ordenandoos conforme se aproximassem ou se afastassem conceitualmente do tipo-ideal. Utopia - num certo sentido pode ser considerado como um projeto irrealizável, tal como a busca de uma sociedade na qual se alcançaria igualdade, harmonia, justiça. Seria uma ilusão. Mas a utopia pode ser, também, o ideal que move os indivíduos em direção a um lugar, a uma sociedade mais justa, mesmo que imaginada. Para Karl Mannheim, existe uma ideologia subversiva que ele preferiu chamar de utopia. Seriam aquelas idéias, representações e teorias, que aspiram uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente e orientam a sua ruptura. Desse modo, as utopias têm uma função subversiva, uma função crítica e, em alguns casos, uma função revolucionária. Violência simbólica - é outro conceito criado por Pierre Bourdieu, juntamente com o sociólogo Jean-Claude 41 42 Passeron. Eles partem da constatação de que a cultura da classe que domina economicamente é imposta àquelas que não têm poder. O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e sua manutenção é fundamental para a perpetuação da sociedade, através da interiorização da cultura das classes hegemônicas por todos os atores sociais. A violência simbólica se expressa na imposição ‘legítima’ e dissimulada, que prevê a interiorização da cultura dominante. As classes desfavorecidas não se opõem ao seu opressor, já que não se percebem como vítimas deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação ‘natural’ e inevitável. A violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade: o Estado, a mídia, a escola etc. A mídia, por exemplo, subjuga a cultura popular, tratando-a como cultura de massa, e restringe cada vez mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, ‘elitizada’. Gabarito Unidade I Exercícios de Auto-Avaliação 1. Todas as afirmações estão contidas na definição de educação de Durkheim. Ao elaborar a sua própria definição de educação, na mesma perspectiva, não esqueça de se referir a que tipo de ação se espera da educação e com que finalidades. 2. Resposta pessoal que deve explicitar claramente porque você se posiciona numa ou noutra posição. 3. Resposta pessoal na qual deve ser abordada a concepção de educação omnilateral. Você pode consultar o glossário para desenvolver sua resposta. 4. Resposta pessoal que deve incorporar a concepção de ‘pedagogia do cultivo’ e de ‘pedagogia de treinamento’. Consulte o glossário e a bibliografia citada em leituras complementares para expor sua idéia. Unidade II Exercícios de Auto-Avaliação 1. Resposta pessoal que depende de conhecimento sobre o que é a escola ‘desinteressada’, da crítica que Gramsci faz à escola profissionalizante e a proposta de escola única ou unitária. Consulte o glossário, as leituras complementares indicadas e o site informado. 2. Resposta pessoal. Qualquer das categorias escolhidas pode ser pesquisada nas leituras complementares indicadas e no site informado. 3. Resposta pessoal. Você encontrará no glossário e na bibliografia sobre Mannheim, indicada nas leituras complementares, informações sobre o conceito de planificação que lhe permitirá defender seu ponto de vista. 4. Do ponto de vista da realidade brasileira, pode-se dizer que há uma grande dificuldade de que a escola venha a admitir em seu interior, reconhecendo-a como legítima, a cultura produzida pelas camadas mais pobres da população. Temos visto, sistematicamente, que a escola não consegue articular, no espaço pedagógico, um diálogo entre as culturas específicas de seus alunos e a chamada ‘norma culta’, por exemplo, do ponto de vista do ensino da Língua Portuguesa. Não consegue, também, admitir como conhecimento válido as noções de cálculo numérico que os alunos elaboram no seu dia-a-dia. Não assume como importante suas possibilidades de leitura de mundo, do espaço geográfico por onde andam, das inúmeras hipóteses que constroem sobre o mundo físico. O que se tem observado é que, apesar do acesso à educação e ao conhecimento serem considerados direitos, no Brasil o que se tem garantido é apenas o acesso à escola, mas a uma escola de péssima qualidade social. 5. Resposta pessoal que exige saberes que podem ser elaborados a partir da consulta ao próprio texto da Unidade II, item 2.3, e ao livro História das idéias pedagógicas, de Moacir Gadotti, Capítulo 13, citado na bibliografia. 6. Resposta pessoal que depende inteiramente de sua percepção do processo educacional brasileiro. 43 44 Unidade III Exercícios de Auto-Avaliação 1. a. A questão da igualdade é um dos problemas da sociedade e, logicamente, da educação brasileira. Há uma ideologia reinante de que nós, brasileiros, somos um povo hospitaleiro, cativante, que não temos preconceito, que tratamos sem diferença ricos e pobres, negros e brancos, nacionais e estrangeiros. É importante que se verifique até que ponto essas atitudes são verdadeiras ou apenas fazem parte de um discurso oficial, que pretende escamotear as reais relações de assimetria que se verificam no Brasil. O que se observa, nas escolas, de forma geral, é que esta decantada igualdade não existe. Se compararmos os índices de repetência e de evasão que as estatísticas nos oferecem com as características da população escolar, podemos comprovar que os estudantes mais penalizados no processo são os pobres, os negros, os que moram nas comunidades das periferias, enfim, aqueles que constituem as camadas sociais mais desfavorecidas. b. Resposta pessoal que requer uma análise das condições de acolhimento que se tem na escola. 2. a. Da mesma forma que a sociedade, a escola seleciona os conhecimentos que deverão ser ensinados a partir de uma lógica que relaciona saber e poder. Quando Michael Apple chama a atenção para isso, ele está dizendo aos educadores: “Cuidado! Veja bem que relações de poder estão embutidas no currículo oficial!” Com isso, quer sinalizar que ao selecionar o conteúdo que vai ser ensinado, a escola opta por conhecimentos que estão consagrados pela classe social mais poderosa, ‘desprezando’ outros saberes, próprios das demais camadas sociais que, por não serem privilegiadas, não têm como estar represntadas na escola. É dessa forma que a escola acaba reproduzindo a estrutura de poder que está na sociedade, ao processar o conhecimento como se ele estivesse imune a tais questões, como se ele fosse neutro. b. Em primeiro lugar, tomando consciência de que isso ocorre. Em seguida, fazendo o que Michael Apple recomenda: proceder a uma análise crítica do currículo, perguntando-se porque determinado conhecimento e não outro está contemplado; perceber que o currículo é o lugar onde se pode escutar ou se silenciar a voz dos que não fazem parte das elites e das classes médias e proceder à inclusão dos saberes de todos os que estão na escola, de modo que se estabeleça um diálogo entre o conhecimento oficial e os outros, que passam a ser ouvidos e interpretados. 3. McLaren avalia que os teóricos tradicionais procuraram, desde sempre, esvaziar o debate educacional de qualquer viés político, como se a ação educativa fosse uma ação neutra, técnica. Bastava planejar bem seus objetivos, os recursos audiovisuais a serem utilizados, as técnicas de sistematização e as de verificação da aprendizagem e o processo estaria qualificado. Quanto aos crítico-reprodutivistas, apesar de terem se mostrado excelentes críticos da escola como ‘aparelho ideológico do Estado’, não conseguiram, na ótica de McLaren, ir além da crítica. Não conseguiram, efetivamente, produzir um programa para que a escola se livrasse das mazelas denunciadas. Com referência à teorias pós-modernas, considera que as questões ligadas à política de identidade abandonam a discussão que para ele é central: enquanto não se alterar a estrutura da sociedade de classes, não será possível admitir que a diferença não existe, porque ela continuará a se fazer presente num determinado quadro dado pelo capitalismo, que supõe a diferença, a assimetria. 4. Resposta pessoal que evidenciará sua compreensão das discussões estabelecidas e de sua percepção do processo social que se dá na escola. Referências Bibliográficas APPLE, Michael. Conhecimento Oficial: a educação democrática numa era conservadora. Petrópolis: Vozes, 1997. _______________ e BEANE, James (orgs.) 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