UNIVERSIDADE TECNÓLOGICA FEDERAL DO PARANÁ CENTRO ACADÊMICO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS THIAGO TADEU MARTINS-GABRIEL PALAVRAS E ASSOCIAÇÕES: DESAFIOS DAS LÍNGUAS INGLESA E ALEMÃ PARA A TEORIA DAS PALAVRAS E REGRAS DE STEVEN PINKER MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO CURITIBA 2012 THIAGO TADEU MARTINS-GABRIEL PALAVRAS E ASSOCIAÇÕES: DESAFIOS DAS LÍNGUAS INGLESA E ALEMÃ PARA A TEORIA DAS PALAVRAS E REGRAS DE STEVEN PINKER Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de “Especialista em Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas” no curso de especialização da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Curitiba Orientador: Prof. Dr. Egídio José Romanelli CURITIBA 2012 À família, aos meus educadores, e a todos aqueles que continuam a buscar o conhecimento pelo simples prazer de conhecer, mesmo quando essa busca encontra-se subestimada por uma sociedade voltada ao consumo. The formation of different languages and of distinct species, and the proofs that both have been developed through a gradual process, are curiously parallel. But we can trace the formation of many words further back than that of species, for we can perceive how they actually arose from the imitation of various sounds. (Charles Darwin, 1871) RESUMO MARTINS-GABRIEL, Thiago T. Palavras e Associações: Desafios das línguas Inglesa e Alemã para a teoria das Palavras e Regras de Steven Pinker. 2012. 48 f. Monografia (Especialização em Ensino de Língua Estrangeira Moderna) – Centro Acadêmico de Línguas Estrangeiras, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Este trabalho examina a regularidade do idioma alemão em contraste com a língua inglesa. Em seu livro, Words and Rules, Steven Pinker dedica um capítulo à idéia de que a língua alemã oferece uma validação a sua teoria das Palavras e Regras. Segundo ele, a tendência de regularizar verbos irregulares – holded ao invés de held, ou buyed ao invés de bought – não se deve ao fato do sufixo -ed ocorrer com muito mais freqüência no idioma Inglês, mas sim, a uma operação mental distinta responsável apenas pela manipulação de regras, trabalhando independente da memória. Para comprovar isto, Pinker recorre à língua alemã, onde aparentemente o morfema regular (-t) existe em uma frequência bem menor, e ainda assim, observa-se a regularização de alguns verbos – gesingt ao invés de gesungen. Com o objetivo de examinar os resultados apresentados por Pinker, este estudo faz uma análise quantitativa dos verbos irregulares em uma lista dos 330 verbos mais usados, tanto no Inglês quanto no Alemão. Em seguida, estuda-se a formação do plural na língua alemã a fim de explicar o motivo da freqüente generalização do sufixo -s, mesmo quando este representa a minoria entre os substantivos pertencentes ao idioma. Finalmente conclui-se que, na verdade, os verbos regulares aparecem com uma freqüência muito maior nos idiomas Alemão e Inglês, favorecendo a explicação conexionista de que as pessoas generalizam um certo morfema simplesmente porque sofrem uma exposição maior a ele. Além disso, a contínua invasão de estrangeirismos sugere que os alemães são, de fato, bastante expostos a padrões silábicos incomuns acompanhados do sufixo -s, o que torna possível a generalização desse morfema por meio de associações promovidas pela ação de redes neurais, ao invés de regras simbólicas. Palavras-chave: Steven Pinker, Palavras e Regras, Redes Neurais, Conexionismo, Psicolingüística. ABSTRACT MARTINS-GABRIEL, Thiago T. Words and Associations: Challenges posed by English and German to Steven Pinker’s theory of Words and Rules. 2012. 48 f. Monografia (Especialização em Ensino de Língua Estrangeira Moderna) – Centro Acadêmico de Línguas Estrangeiras, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2012. This work examines the regularity of German compared to the English language. In his book, Words and Rules, Steven Pinker dedicates a whole chapter to the idea that the German language offers a validation to his words/rules theory. According to him, our tendency to overregularize some verbs – holded instead of held, or buyed instead of bought – does not owe to the fact that the suffix -ed occurs much more frequently in English, but to a distinct mental operation responsible for manipulating rules alone, regardless of our memory. In order to prove this, Pinker invokes the German language, where apparently the regular morpheme (-t) occurs less frequently, and yet, it’s possible to observe some degree of overregularization – gesingt instead of gesungen. With the aim of examining the results presented by Pinker, we conducted a quantitative analysis of the 330 commonest verbs in the English and German languages. Next, we studied the plurals in German in order to explain the frequent generalization of the suffix -s, even when this suffix represents a small minority among the nouns belonging to this language. Finally, our results showed that regular verbs occur in a much higher frequency, both in German and English, something that favors the connexionist approach of regularization by exposure. Besides, the continuing invasion of loanwords suggests that Germans are considerably exposed to uncommon syllable patterns followed by the suffix -s, thus it becomes possible to assume that this morpheme is generalized through associations originated by the work of neural networks, instead of symbolic rules. Keywords: Steven Pinker, Words and Rules, Neural Networks, Connectionism, Psycholinguistics. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Os onsets mais comuns da língua alemã...................................................... 34 Figura 2 - Os codas mais comuns da língua alemã ...................................................... 35 Gráfico 1 - Porcentagem de verbos em um idioma hipotético ..................................... 29 Gráfico 2 - Porcentagem de verbos irregulares agrupados........................................... 30 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 2 COMO REPRESENTAR UM PENSAMENTO?................................................. 2.1 REGRAS .......................................................................................................... 2.2 CONCEITOS.................................................................................................... 2.3 ANALOGIAS................................................................................................... 2.4 IMAGENS........................................................................................................ 2.5 CONEXIONISMO ........................................................................................... 3 COMO APLICAR A TEORIA DAS PALAVRAS E REGRAS? ....................... 4 OS VERBOS MAIS COMUNS DO INGLÊS E DO ALEMÃO ......................... 5 PADRÕES NA FORMAÇÃO DO PLURAL NA LÍNGUA ALEMÃ ................ 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 8 10 11 11 12 12 13 15 19 34 44 46 8 1 INTRODUÇÃO Como adquirimos um idioma? Quais são os processos responsáveis pela transformação dos balbucios de um bebê nos enunciados complexos e coerentes que realizamos na fase adulta? Essa questão está no cerne de praticamente todos os estudos envolvendo a Psicolingüística, e como vários pesquisadores já observaram: a maneira como usamos nosso idioma no dia-a-dia, os erros e acertos que cometemos nas conversas informais, podem revelar os mecanismos mentais que estão por trás do processamento de uma língua natural (CORDER, 1967; SELINKER, 1992; JAMES, 1998). Uma das maiores fontes de erros e confusões para qualquer aprendiz são os verbos irregulares. Exatamente por isso, o renomado psicólogo Steven Pinker (1999) escolheu este aspecto da língua Inglesa a fim de elucidar a controvérsia existente entre o modelo Conexionista – onde dependemos de uma memória associativa para armazenar e acessar tanto formas regulares quanto irregulares – e a Fonologia Gerativista – na qual a mente usa um conjunto de regras para derivar todas as formas possíveis a partir de abstrações. De acordo com a sua teoria das Palavras e Regras, é possível unir o melhor de dois mundos: por um lado temos o passado de verbos irregulares como went ou bought, que são armazenados em nossa memória como palavras separadas; com isso lembramos e relacionamos tais palavras aos seus infinitivos: go e buy. Por outro lado, as formas regulares não precisam de acesso à memória, pois são derivadas a partir de regras simbólicas do tipo: *+ed, cujos morfemas devem ser concatenados à raiz de uma palavra como num algoritmo computacional. Assim, a discussão envolvendo os verbos irregulares vai além dos limites da Lingüística e oferece uma visão sobre como a mente humana funciona. Este estudo tem como propósito examinar algumas das constatações relatadas por Pinker em seu livro Words and Rules, mais especificamente no capítulo 8 (The Horrors of the German Language1), onde o autor defende a sua teoria das Palavras e Regras ao afirmar que o conceito de “regularidade” não é definido pela freqüência em que um determinado morfema ocorre na língua falada. Segundo ele, a nossa tendência de regularizar alguns verbos – holded ao invés de held,ou buyed ao invés de bought – não 1 O título foi inspirado num ensaio humorístico escrito por Mark Twain: Die Schrecken der Deutschen Sprache, comumente traduzido: Os Horrores do Idioma Alemão. 9 se deve ao fato do sufixo -ed ocorrer com mais freqüência no idioma Inglês, mas sim, a uma operação mental distinta na qual as regras são aplicadas como seqüências de instruções em um algoritmo, trabalhando independente da memória. Para comprovar isto, Pinker (1999) recorre à língua alemã, onde aparentemente, o morfema regular (-t) ocorre em uma frequência bem menor, e ainda assim, observa-se a regularização de verbos irregulares, como: gesingt, ao invés de gesungen. No segundo capítulo deste trabalho, os principais modelos cognitivistas são apresentados com mais detalhes. No terceiro capítulo, demonstramos como a teoria das Palavras e Regras é utilizada para explicar alguns dos fenômenos que encontramos no uso de nossa língua. No quarto capítulo, assume-se uma posição conexionista, e então é feita uma análise quantitativa dos verbos mais usados no Inglês e no Alemão, com o objetivo de descobrir se os verbos irregulares realmente ocorrem com mais freqüência na língua alemã. E no penúltimo capítulo estuda-se a influência de padrões fonotáticos na formação do plural de substantivos alemães, cujo intuito é explicar o motivo pelo qual observamos a tendência de generalizar o sufixo -s. Para isso, desenvolvemos o modelo de uma rede neural que se propõe a gerar a pluralização de um substantivo a partir de padrões encontrados na última sílaba. 10 2 COMO REPRESENTAR UM PENSAMENTO? De acordo com Thagard (2005), a hipótese central da ciência cognitiva é que o pensamento pode ser melhor compreendido através da representação de estruturas atuantes na mente e por meio dos procedimentos computacionais que operam sobre essas estruturas. Embora haja maneiras diversas e por vezes incompatíveis de caracterizar as representações ou os processos computacionais, a hipótese central é geral o suficiente para abranger todas as correntes de pensamento na ciência cognitiva, incluindo teorias conexionistas que fazem uso de redes neurais artificiais para modelar o pensamento. A maior parte do trabalhado produzido em ciência cognitiva assume que a mente possui representações análogas às estruturas de dados encontradas na informática e procedimentos semelhantes a algoritmos computacionais. Teóricos cognitivistas propõem que a mente contém tais representações como proposições lógicas, regras, conceitos, imagens e analogias, utilizando procedimentos como busca, dedução, correspondência, rotação e recuperação. A analogia dominante entre mente-computador sofreu uma reviravolta a partir do uso de um outro análogo: o cérebro (GOLDMAN, 1993; JOHNSON-LAIRD, 1998; VON ECKARDT, 1993; STILLINGS, N., et al., 1995). Conexionistas propuseram novas idéias para a representação mental ao utilizarem as conexões neurais como inspiração para estruturas de dados, enquanto que neurônios disparando e espalhando ativação serviram de inspiração para os algoritmos. Com isso, a ciência cognitiva passou a trabalhar com uma complexa analogia de 3-vias entre a mente, o cérebro e os computadores. Mente, cérebro, e computação: cada um pode ser usado para sugerir novas idéias sobre os outros, pois não há um único modelo computacional vigente, uma vez que diferentes tipos de computadores e técnicas de programação sugerem maneiras diferentes em que a mente pode funcionar. Os computadores que a maioria de nós trabalha hoje são processadores em série, executando uma instrução de cada vez, mas o nosso cérebro e alguns computadores modernos são processadores paralelos, capaz de executarem muitas operações ao mesmo tempo (THAGARD, 2005). Em seguida encontra-se um resumo esquemático das principais teorias sobre a natureza das representações que explicam como a mente funciona: 11 2.1 REGRAS Grande parte do conhecimento humano é naturalmente descrito em termos de regras do tipo SE ... ENTÃO ..., e muitas formas de pensar, como o planejamento, podem ser modeladas por sistemas baseados em regras. A fonologia gerativista defendida por Chomsky e Halle (1968) pode ser modelada a partir desta representação. Padrão explicativo: Seres-humanos possuem regras mentais. Seres-humanos têm procedimentos para utilizar essas regras a fim de pesquisarem em um espaço de possíveis soluções, e/ou procedimentos para a geração de novas regras. Procedimentos para a utilização e/ou formação de regras produzem o nosso comportamento. Os modelos computacionais baseados em regras têm fornecido simulações detalhadas de uma ampla gama de experimentos psicológicos, desde a resolução de problemas envolvendo criptaritmética até a aquisição de habilidades para o uso da linguagem. Sistemas baseados em regras também têm sido de importância prática na sugestão de como melhorar a aprendizagem e como desenvolver sistemas de máquinas inteligentes (THAGARD, 2005). 2.2 CONCEITOS Conceitos, que em parte correspondem às palavras na língua falada e escrita, são um tipo importante de representação mental. Há razões computacionais e psicológicas para o abandono da visão clássica de que os conceitos têm definições rigorosas (WITTGENSTEIN, 1953). Em vez disso, os conceitos podem ser vistos como conjuntos de características típicas. A aplicação de conceitos é então uma questão de conseguir uma correspondência aproximada entre o conceito e o mundo. 12 Padrão explicativo: Seres-humanos possuem um conjunto de conceitos, organizados em faixas que estabelecem espécies e hierarquias, bem como outras associações. Seres-humanos possuem um conjunto de procedimentos para aplicação de conceitos, incluindo difusão, correspondência e herança. Os procedimentos aplicados aos conceitos produzem o nosso comportamento. Conceitos podem ser traduzidos em regras, mas agregam informações de forma diferente do que conjuntos de regras, possibilitando diversos procedimentos computacionais (THAGARD, 2005). 2.3 ANALOGIAS Analogias desempenham um papel importante no pensamento humano, em áreas tão diversas como a resolução de problemas, tomada de decisão, explicação, e comunicação linguística. Modelos computacionais simulam como as pessoas recuperam e mapeiam a fonte de análogos, a fim de aplicá-los a situações-alvo. Padrão explicativo: Seres-humanos possuem representações verbais e visuais de situações que podem ser usados como casos ou análogos. Seres-humanos possuem processos de recuperação, mapeamento e adaptação que operam nesses análogos. Os processos analógicos, aplicados à representação de análogos, produzem o comportamento. As restrições de similaridade, estrutura e finalidade, superam o difícil problema de como as experiências anteriores podem ser encontradas e usadas para ajudar com novos problemas. Nem todo pensamento é analógico, e usar analogias inadequadas 13 pode prejudicar o pensamento, por um outro lado, analogias podem ser muito eficazes em aplicações tais como educação e design (THAGARD, 2005). 2.4 IMAGENS Imagens desempenham um papel importante no pensamento humano. Representações pictóricas capturam informação visual e espacial de uma forma muito mais útil do que longas descrições verbais. Os procedimentos computacionais apropriados às representações visuais incluem a inspeção, busca, zoom, rotação e transformação. Tais operações podem ser muito úteis para geração de planos e explicações em domínios para os quais se aplicam representações pictóricas. Padrão explicativo: Seres-humanos possuem imagens visuais de situações. Seres-humanos possuem processos como a digitalização e a rotação que operam sobre essas imagens. Os processos para a construção e manipulação de imagens produzem o comportamento inteligente. Imagens podem auxiliar a aprendizagem, e alguns aspectos metafóricos da linguagem podem ter suas raízes no imaginário. Experimentos psicológicos sugerem que os procedimentos visuais, tais como digitalização e rotação, empregam o uso de imagens, e os recentes resultados neurofisiológicos confirmam uma estreita ligação física entre raciocínio baseado em imagens mentais e a nossa percepção (THAGARD, 2005). 2.5 CONEXIONISMO Redes conexionistas, consistindo de nós (neurônios) interligados, são muito úteis para compreender os procedimentos psicológicos que envolvem processamento 14 paralelo distribuído. Tais procedimentos incluem aspectos da visão, tomada de decisão, seleção de explicações, e construção de significados na compreensão da linguagem. Modelos conexionistas podem simular o aprendizado através de métodos que incluem a teoria Hebbiana (1949) e a retropropagação. Padrão explicativo: Seres-humanos possuem representações que envolvem unidades de processamento simples, ligadas entre si por conexões excitatórias ou inibitórias. Seres-humanos possuem processos que espalham a ativação entre as unidades por intermédio das respectivas ligações, bem como processos para a modificação das ligações. O processo de difundir a ativação e aprendizagem para as unidades produz o comportamento. Simulações de vários experimentos psicológicos têm demonstrado a importância psicológica dos modelos conexionistas, que são, no entanto, apenas aproximações grosseiras das reais redes neurais (THAGARD, 2005). 15 3 COMO APLICAR A TEORIA DAS PALAVRAS E REGRAS? No baseball, se uma bola aérea é pega em vôo, ou seja, quando ela ainda não tocou nenhum outro objeto além do defensor ou seu equipamento, então o batedor deverá ser eliminado. A isto é dado o nome de fly out. E para um lingüista, o mais interessante é que ao invés dos torcedores exclamarem: “The batter flew out to center field!”, o que na verdade ouvimos é: “The batter flied out to center field!”. O curioso é que o passado do verbo to fly (voar) é flew. E quando uma vasta quantidade de pessoas resolve regularizar o passado para “flied”, os lingüistas começam a suspeitar que algo a mais esteja acontecendo aqui, além da simples memorização de formas irregulares. O psicólogo Steven Pinker (1999) oferece uma explicação elegante e convincente para fenômenos dessa natureza. O autor começa exemplificando o verbo overeat, cuja raiz é eat: V eat Um prefixo é então adicionado a essa raiz, resultando na seguinte estrutura, onde o primeiro V no topo representa a palavra inteira overeat: V prefix V over eat Como devemos usar essa nova palavra? Fácil, nós atribuímos a overeat as mesmas propriedades daquela palavra que se encontra na sua extremidade direita: eat. Portanto, o passado deve ser overate e não overeated, assim como o passado de eat tem que ser ate e não eated. E por que podemos fazer isto? Porque tanto eat quanto overeat 16 pertencem à mesma classe gramatical – verbo – e, além disso, se referem à mesma atividade – o ato de comer. Isto vale também para outras palavras compostas, desde que atendam aquelas duas condições: mesma classe gramatical e referência a uma mesma ação. Segue-se mais um exemplo: o verbo foresee “prever”, cuja raiz é see “ver”. Nossa mente rapidamente reconhece esse termo como uma derivação do verbo see, uma vez que foresee nada mais é do que uma outra forma de ver – quando vemos o futuro. Então se torna fácil usar este verbo no passado: foresaw, exatamente como o passado de see é saw. Conclui-se então que uma palavra complexa pode herdar as características (incluindo formas irregulares) do termo que se encontra em seu cabeçalho, ou head, como é chamado por Pinker (1999). O cabeçalho de uma palavra complexa nada mais é do que o termo localizado na sua extremidade direita, e toda essa transferência de informação, desde o cabeçalho abaixo da árvore até os galhos mais altos, é mostrada a seguir: X X X Mas então como podemos representar a estrutura de uma palavra composta cujo passado não segue as mesmas características de sua raiz? Para explicar isso, usaremos uma frase extraída do próprio livro de Pinker: “Once again, Perot grandstanted to the audience.” Facilmente percebemos que a raiz em questão é o verbo stand, e o seu passado é stood. Ao corrigirmos, ficaríamos com: “Once again, Perot grandstood to the audience”. No entanto, nós não devemos corrigir a frase em questão, pois segundo Pinker, nesse caso faz total sentido usar grandstanded ao invés de grandstood. Exatamente porque esse verbo não provém de to stand, mas sim de um substantivo: a grandstand, que é uma espécie de arquibancada. Mas com o passar do tempo, to grandstand se tornou sinônimo de “apresentar-se diante de uma arquibancada (a grandstand)”. Portanto, reconhecemos que to grandstand não se refere a uma outra maneira de pôr-se de pé (to 17 stand), e com isso o cabeçalho, que até então deveria ser to stand, não pode transferir suas características para o galho de cima. Vejamos uma forma de representar as alterações de verbo a substantivo e depois para verbo novamente: V N N V A V A V stand grand stand grand stand E agora podemos voltar aos torcedores de baseball que gritam “flied out” ao invés de “flew out”. Precisaremos nos aprofundar um pouco na história do jogo. Durante a evolução do baseball, uma bola alta rebatida para longe, recebeu o nome de fly ball (bola aérea, no português), com o passar do tempo, as pessoas não sentiram mais a necessidade de usar o ball em fly ball, uma vez que já estava implícito pelo contexto. E então começaram a chamar uma bola aérea de simplesmente: a fly. Com isso, temos um verbo que se transformou em substantivo. O problema é que a história não termina por aí, pois quando uma bola aérea (a fly) é pega em vôo, o batedor deve ser eliminado, e a essa ação é dado o nome de fly out, ou seja, o jogador é mandado para fora (out) devido ao fato de terem apanhado sua bola aérea (fly). Agora temos um verbo proveniente de um substantivo que provém de um outro verbo. E como fly out não se trata de uma outra maneira de voar (to fly), então por isso passamos a regularizar: “The batter flied out to center field!”. V N N V V V fly fly fly 18 É como se pudéssemos colocar no papel todos os passos que realizamos quando estamos falando um idioma. Pinker (1999) então conclui que nossa mente responde a essas sutilezas porque além de lidarmos com a linguagem através de associações gravadas na memória (abordagem conexionista), há também uma outra operação mental na qual as regras são tratadas como a seqüência de instruções em um algoritmo – a teoria das Palavras e Regras. Mas por mais elegante que seja essa explicação, nos próximos capítulos citarei alguns problemas que parecem contradizer certos aspectos da teoria. 19 4 OS VERBOS MAIS COMUNS DO INGLÊS E DO ALEMÃO No capítulo anterior, vimos como a teoria das Palavras e Regras fornece uma explicação para alguns dos fenômenos que encontramos no uso de nossa língua. Todavia, não podemos deixar de elucidar alguns problemas: O primeiro, e mais óbvio, é o fato de existirem verbos que não possuem relação semântica, ou seja, não se referem à mesma ação, e ainda assim herdam as mesmas características de seus cabeçalhos. É o caso de to get e to forget. Todos devem concordar que esquecer (to forget) não se refere a uma outra forma de obter, receber, conseguir ou qualquer outra tradução que se possa atribuir ao verbo get. No entanto, assim como o passado de get é got, o passado de forget é forgot, e erros do tipo “I forgetted” são praticamente inexistentes. O mesmo pode ser dito de to stand e to understand. Ainda que esses verbos tenham compartilhado alguma relação semântica durante algum ponto na história, nenhum falante do Inglês Moderno reconheceria tal conexão nos dias de hoje. V V prefix V get for get O segundo problema é o que nos leva ao tema central deste trabalho. É difícil comprovar se uma criança está exclamando “flied out!” porque ela reconheceu que isso não se trata de uma maneira de voar (to fly) – como é proposto pela teoria das Palavras e Regras – ou simplesmente porque ela ouve e associa os adultos dizendo “flied” toda vez que estão assistindo a um jogo de baseball – o que estaria de acordo com a abordagem Conexionista. Mesmo se pudéssemos comprovar que os primeiros indivíduos a usarem “flied out” o faziam por reconhecerem uma certa disparidade semântica, ainda assim não podemos afirmar que toda criança faz isso devido aos cálculos mentais descritos anteriormente. A Navalha de Occam2 nos obriga a encontrar a explicação mais simples, e nesse caso, a alternativa conexionista parece mais desprovida de suposições. É a partir 2 A Navalha de Occam é um princípio lógico: a explicação para qualquer fenómeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias à explicação do fenómeno e eliminar todas as que não causariam qualquer diferença aparente nas predições da hipótese ou teoria. 20 daqui que se torna evidente a importância de identificar a freqüência com que um morfema ocorre na língua falada, pois se no Inglês o sufixo regular do passado (-ed) ocorre com uma freqüência maior do que qualquer outro verbo irregular, então a explicação mais simples é a de que estamos generalizando esse sufixo por conseqüência de uma exposição maior a palavras que terminam em “-ed”. Assim, quando nos deparamos com verbos novos ou inventados, como: teck ou wug, a tendência será sempre regularizar (tecked ou wugged) exatamente porque é isso o que acontece na grande maioria das vezes. O próprio Steven Pinker (1999) parece reconhecer essa possível vantagem do modelo conexionista: (...) as long as the regular suffix is both the most common and the most generalizable form, we can never tease them apart and definitively rule out the connectionists’ suggestion that people are driven by the statistics. We need a language that breaks the confound by having a regular pattern found in a minority of words. (PINKER, 1999, p. 215)3 Segundo Pinker (1999), se encontrássemos um idioma cujo sufixo regular (um equivalente ao -ed), fosse usado na minoria das palavras e ainda assim houvesse uma tendência a generalizar esse sufixo, então a explicação conexionista sofreria um grande golpe. E para o autor, o idioma que oferece a forma regular na minoria das palavras é o Alemão: “Of the thousand commonest verbs in English, a majority, 86 percent, are regular, but of the thousand commonest verbs in German, a minority, only 45 percent, are regular.” (PINKER, 1999, p. 217).4 Como não foi possível encontrar essa lista dos mil verbos mais usados em formato digital, utilizamos nesse estudo os 330 verbos mais comuns do Inglês, de acordo com o Macmillan Essential Dictionary (por algum motivo, os editores do Dicionário Macmillan decidiram listar apenas 330 verbos, e por isso, baseamos nosso estudo em cima desse número). Para compararmos com o idioma Alemão, tivemos que extrair a mesma quantidade, 330 verbos mais usados em uma lista com 10.000 palavras disponibilizada no site da Universidade de Leipzig. Vale lembrar que o fato de termos compilado uma lista menor, não caracteriza uma limitação para a nossa pesquisa, pois à 3 Enquanto o sufixo regular for o mais comum e ao mesmo tempo a forma mais generalizável, nós nunca conseguiremos separá-los a ponto de descartar a sugestão conexionista de que a mente das pessoas é controlada pela estatística. Nós precisamos de um língua que quebra com esse padrão ao apresentar o sufixo regular na minoria das palavras. (PINKER, 1999 – tradução do autor). 4 Dos mil verbos mais comuns do Inglês, uma maioria, 86 por cento, são regulares, mas dos mil verbos mais comuns do Alemão, uma minoria, somente 45 por cento, são regulares. (PINKER, 1999 – tradução do autor). 21 medida que subimos no ranking dos verbos mais comuns, a tendência é sempre encontrar mais verbos irregulares do que regulares, característica tanto do Inglês quanto do Alemão. Ou seja, se como afirmou Pinker (1999), os verbos irregulares do alemão representam a maioria entre os mil mais populares (55%), então eles devem aparecer com uma freqüência muito maior quando analisados em uma listagem menor e mais próxima do topo. Portanto, aqueles que esperam encontrar mais verbos irregulares do que regulares, não devem se sentir prejudicados por estarmos usando uma lista com apenas 330 registros. Mas antes de começarmos nossa comparação dos verbos mais usados entre falantes do Alemão e do Inglês, precisamos descobrir o que Steven Pinker entende por “regularidade”: (...)“Regular” almost always is equated with the pattern folowed by a majority of words in the language, or with the pattern adopted by newly coined words. But I have been using it in a different sense, one that pertains to the mental processes of speakers rather than to numbers and citations in a dictionary. “Regular” here refers to a rule that speakers treat as the default: an inflectional pattern they can apply to any word in a category, even if the word has never been stored with that pattern, or with any pattern, in memory. (PINKER, 1999, p. 214)5 De acordo com essa definição, o sufixo -t do Alemão funciona exatamente como o -ed do Inglês, mesmo que ocorra na minoria das vezes. No alemão padrão (Hochdeutsch), os verbos possuem três formas: infinitivo, pretérito e particípio. O verbo kaufen (comprar) segue o seguinte padrão: kaufen-kaufte-gekauft “comprar-compreicomprado”. O infinitivo sempre termina em -en ou -n (schlafen “dormir”, tun “fazer”), e os próprios verbos podem ser classificados em três categorias: Verbos Fracos, Fortes e Mistos. Schwache verben (verbos fracos) são aqueles que nós consideramos regulares e podem se apresentar da seguinte forma: no pretérito a terminação -en é substituída por te (kaufte) e no particípio geralmente adiciona-se o prefixo ge- e a terminação -t entra no lugar de -en (gekauft). Starke verben (verbos fortes) são aqueles que nós chamaríamos de irregulares, pois a raiz da palavra muda de maneira imprevisível, como por exemplo: treffen-traf-getroffen “encontrar-encontrei-encontrado”. E por último, 5 "Regular" quase sempre é definido como o padrão seguido na maioria das palavras em um idioma, ou como o padrão adotado por palavras novas. Mas eu tenho usado este conceito em um sentido diferente, um que pertence aos processos mentais dos falantes ao invés de números e citações em um dicionário. "Regular" aqui se refere a uma regra que os falantes usam como default: um padrão de declinação que pode ser aplicado à qualquer palavra em uma categoria, mesmo se a palavra nunca foi armazenada na memória com aquele padrão, ou qualquer outro padrão. (PINKER, 1999 – tradução do autor). 22 Gemischte Verben (verbos mistos), como o próprio nome já diz, são aqueles que compartilham algumas características com os verbos fortes (irregulares) e também com os verbos fracos (regulares), pois podem assumir a terminação -t mesmo quando alteram a raiz da palavra: rennen-rannte-gerannt “correr-corri-corrido”. Para todos os efeitos, estes também devem ser considerados irregulares, uma vez que mudam de maneira imprevisível. Finalmente, temos todas as informações necessárias para começar o nosso próprio levantamento da freqüência em que os verbos irregulares ocorrem entre os verbos mais comuns, tanto do Inglês quanto do Alemão. Nas páginas seguintes encontram-se duas listas: a primeira com os 330 verbos mais comuns da língua Inglesa de acordo com o Macmillan Essential Dictionary, a segunda lista contém os 330 verbos mais usados da língua Alemã, extraídos de uma pesquisa realizada pela Universidade de Leipzig. A fim de facilitar a visualização, os verbos irregulares estão em negrito, e ao final de cada lista encontramos a quantidade assim como a porcentagem da ocorrência dos verbos irregulares. 23 Os 330 verbos mais comuns da Língua Inglesa (Macmillan Essential Dictionary): accept account achieve act add admit affect afford agree aim allow answer appear apply argue arrange arrive ask attack avoid base be beat become begin believe belong break build burn buy call can care carry catch cause change charge check choose claim clean clear climb close collect come commit compare complain complete concern confirm connect consider consist contact contain continue contribute control cook copy correct cost could count cover create cross cry cut damage dance deal decide deliver demand deny depend describe design destroy develop die disappear discover discuss divide do draw dress drink drive drop eat enable encourage enjoy examine exist expect experience explain express extend face fail fall fasten feed feel fight fill find finish fit fly fold follow force forget forgive form found gain get give go grow handle happen hate have head hear help hide hit hold hope hurt identify imagine improve include increase indicate influence inform intend introduce invite involve join jump keep kick kill knock know last laugh lay lead learn leave lend let lie like limit link listen live look lose love make manage mark matter may mean measure meet mention might mind miss move 24 must need notice obtain occur offer open order ought own pass pay perform pick place plan play point prefer prepare present press prevent produce promise protect prove provide publish pull push put raise reach read realize receive recognize record reduce refer reflect refuse regard relate release remain remember remove repeat replace reply report represent require rest result return reveal ring rise roll run save say see seem sell send separate Total de verbos irregulares (Inglês): 82. Porcentagem: 24,8%. serve set settle shake shall share shoot should shout show shut sing sit sleep smile sort sound speak stand start state stay stick stop study succeed suffer suggest suit supply support suppose survive take talk teach tell tend test thank think throw touch train travel treat try turn understand use used to visit vote wait walk want warn wash watch wear will win wish wonder work worry would write 25 Os 330 verbos mais comuns da Língua Alemã (Universidade de Leipzig): abgeben achten akzeptieren anbieten ändern angeben anlegen antreten anzeigen arbeiten aufgeben aufnehmen auftreten ausfallen ausgehen aussehen äußern bauen bedeuten beenden befinden befürchten begegnen beginnen behalten behandeln behaupten beitragen bekommen belegen bemühen benötigen benutzen beobachten beraten berichten berücksichtigen berufen beschäftigen beschreiben bestätigen bestehen bestimmen besuchen beteiligen betrachten betragen betreiben bewahren bewegen beweisen bezahlen bezeichnen beziehen bieten bilden bleiben brauchen brechen breiten bringen darstellen dauern definieren denken dienen diskutieren drängen drohen drücken durchführen durchsetzen dürfen einigen einsetzen einstellen empfangen empfehlen entdecken enthalten entlassen entscheiden entsprechen entstehen entwickeln erfahren erfassen erfolgen erfüllen ergeben erhalten erhöhen erinnern erkennen erklären erlauben erleben ermitteln ermöglichen eröffnen erreichen erscheinen ersetzen erstellen erwarten erwerben erzählen erzeugen erzielen essen existieren fahren fallen fassen fehlen feiern festen festlegen feststellen finanzieren finden fliegen fließen folgen fordern fördern fortsetzen fragen freien freuen fühlen führen fürchten geben gefallen gehen gehören gelangen gelingen gelten genießen geraten geschehen gestalten gewinnen glauben gleichen greifen grünen haben halten handeln hängen heißen helfen hinnehmen hinterlassen hoffen holen hören informieren investieren jungen kämpfen kaufen kennen klären kommen können kontrollieren konzentrieren kosten kümmern langen lassen laufen leben legen leiden leisten lernen lesen lieben liefern liegen linken löschen lösen machen melden mögen müssen 26 nehmen nennen nutzen öffnen organisieren passen passieren pflegen planen präsentieren produzieren profitieren prüfen reagieren rechnen rechten reden reduzieren reichen reisen retten richten rufen sagen sammeln schaffen schätzen schauen scheinen schicken schlagen schließen schnellen schönen schreiben schützen sehen sein senken setzen sichern sieben singen sinken sitzen sollen sondern sorgen sparen spielen sprechen spüren stammen stärken starten stattfinden stecken stehen steigen steigern stellen sterben stimmen stoppen streiten suchen teilen teilnehmen tragen treffen Total de verbos irregulares (Alemão): 127. Porcentagem: 38,5%. treiben trennen treten tun übergeben überlassen überlegen übernehmen überprüfen übertragen überzeugen unterscheiden unterstützen untersuchen verändern verbessern verbinden verdanken verdienen verfolgen verfügen vergeben vergessen verhalten verhandeln verhindern verkaufen verlangen verlassen verlieren vermeiden vermitteln vermuten verschaffen verschwinden versehen verstehen versuchen verteidigen vertreten verwenden verzichten vorlegen vornehmen vorstellen wachsen wählen wahren warten wechseln weisen weißen weiten wenden werben werden werfen wirken wissen wohnen wollen wünschen zahlen zählen zeigen ziehen zurückkehren zustimmen 27 Ainda que não representem a maioria, como sugeriu Pinker (1999), os verbos irregulares alemães aparentemente ocorrem com muito mais freqüência se comparado com o idioma Inglês. No entanto, um dos propósitos deste trabalho é demonstrar que os verbos irregulares do Alemão ocorrem em uma freqüência menor ainda do que foi exposto. Se pudermos realizar isso, então definitivamente qualquer explicação oferecida pela Teoria Gerativista para a generalização do sufixo -t poderá ser substituída por uma outra explicação mais simples: a de que as pessoas generalizam o morfema regular meramente porque estão sofrendo uma exposição maior. Mas antes de seguirmos com a nossa experiência, precisamos entender um pouco mais sobre os prefixos dos verbos alemães. Em vários idiomas adicionamos prefixos a fim de obter novos verbos com diferentes significados e/ou funções. No Alemão, tais prefixos podem ser separáveis, como por exemplo, o verbo einladen (convidar) cujo prefixo é ein-, se quisermos usá-lo em uma frase ele estaria arranjado da seguinte maneira: “Jürgen lädt mich zur Party in seiner neuen Wohnung ein.”6 A palavra na segunda posição lädt nada mais é do que o verbo raiz (laden “carregar”) conjugado na terceira pessoa do singular, e então o prefixo ein- é posicionado no final da sentença, daí o nome Trennbare Präfixe (prefixos separáveis). Naturalmente, também há os prefixos inseparáveis cuja maneira de usar é dada pelo nome. Vejamos o verbo bekommen (obter, receber) cujo prefixo é be-: “In diesem Jahr haben wir viele Geld bekommen.”7 Ainda temos uma terceira classe de prefixos que podem ser tanto separáveis quanto inseparáveis, mas que mudam de função se forem usados de uma forma ou de outra. É o caso de durch-, que quando é separável, implica ao verbo raiz a idéia de divisão de um objeto em duas partes (durchbrechen “quebrar em duas partes”), mas quando é inseparável, dá a idéia de movimento de um lado a outro (durchschreiten “passar através”). 6 7 Jürgen me convida para uma festa em seu novo apartamento. Neste ano ganhamos muito dinheiro. 28 Ao final dessa explicação, a primeira coisa que podemos deduzir é que há um uso extensivo de prefixos pelos alemães. E não seria de se admirar se encontrássemos um grande número deles em nossa lista dos verbos mais comuns (hinter- em hinterlassen; auf- em aufnehmen, etc...). A segunda constatação é que, ao adicionarmos um prefixo, o significado do verbo pode mudar drasticamente, como por exemplo, bekommen (obter, conseguir, receber – análogo ao get do inglês) e o verbo raiz kommen (vir) não compartilham nenhuma relação semântica aparente. No entanto, o pretérito de bekommen é bekam, assim como o pretérito de kommen é kam. Com isso, aquela explicação de Pinker para o uso de flied out ao invés de flew out certamente não se aplica ao alemão, uma vez que as pessoas deveriam reconhecer que bekommen não é um outro tipo de kommen, e então passariam a generalizar o sufixo regular do pretérito -te, bekommte. Algo que claramente não acontece entre os falantes da língua alemã. Para colocar de uma outra maneira: V V prefix V kommen be kommen Se em várias ocasiões, o idioma alemão segue o mesmo padrão da raiz de seus verbos independente da relação semântica, então podemos assumir que na mente dos alemães, muitos dos verbos derivados são tratados igualmente. Dessa forma, aufkommen, bekommen e verkommen serão contados como se fossem um único verbo, pois seguem o mesmo padrão do verbo raiz, kommen. O que faremos na próxima página é agrupar todos os 127 verbos irregulares da nossa lista de acordo com as suas raízes, assim poderemos chegar a um valor conclusivo que represente a porcentagem de verbos irregulares entre os 330 verbos mais usados. Ao final da lista, encontra-se o total das raízes dos verbos irregulares, assim como o novo valor percentual: 29 Os 127 verbos irregulares mais comuns da Língua Alemã, agrupados de acordo com suas respectivas raízes: beginnen beraten bewegen bieten anbieten geschehen gewinnen gleichen greifen raiz: bieten halten behalten enthalten erhalten verhalten bleiben brechen empfangen empfehlen entscheiden unterscheiden raiz: scheiden essen fahren erfahren raiz: fahren fallen ausfallen gefallen raiz: fallen finden befinden stattfinden raiz: finden fliegen fließen fragen geben abgeben angeben aufgeben ergeben übergeben vergeben raiz: geben gehen ausgehen raiz: gehen raiz: halten hängen heißen helfen kommen bekommen raiz: kommen lassen entlassen hinterlassen überlassen verlassen raiz: lassen laufen leiden lesen liegen löschen nehmen aufnehmen hinnehmen teilnehmen übernehmen vornehmen raiz: nehmen pflegen rufen berufen raiz: rufen schaffen gelingen gelten genießen geraten scheinen erscheinen raiz: scheinen 30 schlagen schließen schreiben beschreiben sehen aussehen versehen raiz: schreiben raiz: sehen sein singen sinken sitzen sprechen entsprechen raiz: sprechen raiz: stehen werben erwerben ziehen beziehen raiz: tragen raiz: weisen raiz: wenden raiz: werben raiz: treiben raiz: ziehen bringen denken haben kennen erkennen treffen treiben betreiben weisen beweisen werden werfen steigen sterben streiten tragen beitragen betragen übertragen raiz: treten tun verbinden vergessen verlieren vermeiden verschwinden wachsen wenden verwenden stecken stehen bestehen entstehen verstehen treten antreten auftreten vertreten raiz: kennen nennen Total das raízes dos verbos irregulares: 78. Novo valor percentual: 27,75% = 78*100/(330-(127-78)). Com isso, demonstramos que os verbos irregulares alemães não apenas representam a minoria, como foi exposto pela nossa primeira contagem (38,5%), como também se apresentam em uma quantidade bastante próxima aos verbos irregulares do Inglês 31 quando apenas as raízes dos verbos são levadas em consideração (27,7%). Mas independente de como realizamos a nossa contagem, está claro que os alemães sofrem uma exposição maior ao sufixo regular -t, portanto, a explicação conexionista para a generalização dos morfemas regulares segue sendo aceitável quando nos referimos aos verbos do Alemão. Por último, vale lembrar que o próprio Steven Pinker (1999) reconhece essa diferença nos valores quando apenas as raízes dos verbos são consideradas: If you collapse all the verbs sharing a root, ignoring the differences in their meanings, then the regularity gap narrows even more: 83 porcent of the German roots are regular, compared to 91 percent of the English roots. (PINKER, 1999, P. 221)8 Antes de encerrarmos este capítulo, precisamos chamar atenção para mais um detalhe. Até mesmo se algum dia nos depararmos com um idioma cujos verbos regulares realmente representem a minoria, teremos que ser cautelosos com relação à maneira que realizamos nossa contagem. Imaginemos um idioma cujos verbos regulares representem apenas 40% em uma lista dos 330 verbos mais comuns: Verbos regulares 40% Verbos irregulares 60% Gráfico 1 - Porcentagem de verbos em um idioma hipotético. Fonte: Autoria própria 8 Se reunirmos todos os verbos que compartilham a mesma raiz, ignorando as diferenças em seus significados, então a diferença relativa aos verbos regulares diminui ainda mais: 83 por cento das raízes alemãs são regulares, comparados com 91 por cento das raízes do Inglês. (PINKER, 1999 – tradução do autor). 32 Ainda assim, não podemos ter certeza que os falantes desse idioma hipotético sofram uma exposição menor ao sufixo regular, pois como acontece em algumas línguas, os verbos irregulares seguem certos padrões e podem ser organizados em famílias. É o caso dos verbos ingleses que seguem o padrão “in-an-un”: sing-sang-sung; drink-drankdrunk, etc... E dos verbos alemães análogos: singen-sang-gesungen; trinken-trankgetrunken, etc... Portanto, ao invés de colocarmos todos os verbos irregulares dentro de um mesmo grupo, devemos dividir a porcentagem dos irregulares de acordo com os padrões que possam existir. Dessa forma, nosso gráfico poderia assumir a seguinte aparência: ive-ove-iven 5% er-ore-orn 5% ow-ew-own 15% Verbos regulares - p 40% d-t-t 5% i-a-u 10% others 20% Gráfico 2 - Porcentagem de verbos irregulares agrupados. Fonte: Autoria própria Analisando o gráfico sob uma nova perspectiva, percebe-se que o morfema regular (-p, em nosso idioma hipotético) é na verdade a maioria dentre todas as formas possíveis. Certamente não chega a ser maior do que todas as outras formas combinadas, porém mesmo assim representa mais do que o dobro de alguns padrões, como: ow-ewown. Então por mais que um idioma apresente uma porcentagem menor de verbos regulares, não podemos afirmar que os falantes desse idioma estejam sofrendo uma 33 menor exposição ao morfema regular até que seja feita uma análise de possíveis padrões dentre os verbos irregulares. Até agora estávamos tratando apenas da regularidade de verbos. No próximo capítulo falaremos de um outro aspecto fundamental para o nosso estudo: a regularidade na formação do plural no idioma alemão. 34 5 PADRÕES NA FORMAÇÃO DO PLURAL NA LÍNGUA ALEMÃ Um dos aspectos mais desconcertantes da língua alemã é a formação do plural. Há cinco sufixos que podemos adicionar a um substantivo a fim de transformar um singular em plural: -en, -s, -e, -er, 0 (sem sufixo). Mas além disso, três dos sufixos são as vezes acompanhados por uma alteração na vogal da palavra, ou seja, devemos acrescentar um trema na vogal, um processo chamado de umlaut. Ao todo, são oito variedades possíveis: 0: der Daumen die Daumen “polegares” 0 com umlaut: die Mutter die Mütter “mães” -e: der Hund die Hunde “cachorros” -e com umlaut: die Kuh die Kühe “vacas” -er: das Kind die Kinder “crianças” -er com umlaut: der Wald die Wälder “florestas” -en die Straße die Straßen “ruas” -s das Auto die Autos “carros” Não há exatamente uma regra que possa nos indicar com clareza quando devemos usar cada um deles. Inclusive, segundo o trabalho de Wiese (1996) e Wunderlich (1992), as sete primeiras variedades poderiam ser consideradas formas irregulares. No entanto, o oitavo sufixo, -s, é diferente por duas razões: 1) é o menos comum entre todas as formas possíveis para a formação do plural, representando apenas cerca de 4% dos substantivos alemães; 2) mesmo estando entre a minoria, o sufixo -s parece ser usado como o padrão toda vez que as pessoas encontram uma palavra diferente. Isso levou a afirmação de que o plural -s é regular de acordo com a definição de “regularidade” proposta por Steven Pinker (1999). A partir daí, o autor conclui que há um outro tipo de operação mental implementando o padrão – uma regra simbólica adquirida (*+s) – independente da freqüência em que um determinado morfema ocorre em um idioma. Isso poderia colocar em risco a explicação conexionista de que as pessoas generalizam um certo sufixo simplesmente porque sofrem uma exposição maior, já que os alemães não estariam sendo expostos ao sufixo -s o bastante. Mas seria essa então a prova definitiva em favor da teoria das Palavras e Regras? Bem, antes de tudo devemos ser cautelosos com algumas afirmações feitas 35 anteriormente. Em primeiro lugar, é possível sim, encontrar certos padrões na formação do plural que funcionam na maioria dos casos. De acordo com o dicionário Duden Grammatik9, os seguintes padrões se aplicam a aproximadamente 85% de todos os substantivos: Substantivos masculinos e neutros formam o plural acrescentando um -e, ou não acompanham sufixo. Se a sílaba final da palavra possui um -e (pode ser tanto -e quanto -e mais consoante), então nenhum sufixo é adicionado. Substantivos femininos e substantivos masculinos terminados em -e formam o plural acrescentando o sufixo -en. Se a sílaba final da palavra contém um -e (pode ser tanto -e quanto -e mais consoante), então -en é encurtado para -n. Assim, conclui-se que realmente é possível estabelecer uma certa ordem em meio ao caos aparente dos substantivos alemães. Além disso, percebe-se que a última silaba de uma palavra exerce um papel de grande importância quando os falantes do Alemão estão tentando formar o plural de um certo substantivo. Portanto, se pudéssemos demonstrar que os alemães estão adicionando os sufixos de acordo com padrões encontrados nas ultimas sílabas de uma palavra, então seria aceitável assumir que eles estão usando associações gravadas em suas memórias na hora de formarem o plural. Os conexionistas chamam isso de Memória Associativa, ou seja, memorizamos os outputs de acordo com cada input, e então passamos a generalizar os outputs a partir de inputs semelhantes – eliminando assim, a necessidade de estabelecer uma outra operação mental responsável apenas pela aplicação de regras. Mas antes de realizarmos essa demonstração, precisamos analisar as sílabas da língua alemã com mais detalhe. Para isso, faremos uso da fonotática – o estudo da distribuição de fonemas num sistema lingüístico. No nosso caso, as sílabas estarão dividas em onset (o conjunto de consoantes inicias), núcleo (a parte mais sonora da sílaba; geralmente uma vogal) e coda (o conjunto de consoantes finais). Os núcleos das sílabas alemãs podem ocorrer em 19 variedades: oito vogais curtas (a, e, i, o, u, ä, ö, ü), oito vogais longas (a:, e:, i:, o:, u:, ä:, ö:, ü:) e três ditongos (ai, oi, au). 9 Duden: Grammatik der deutschen Gegenwartsprache. p.229. 36 Segundo o trabalho de Ruske e Schotola (1978), os onsets (conjunto de consoantes iniciais de uma sílaba) mais comuns no Alemão são os seguintes: Figura 1 - Os onsets mais comuns da língua alemã. Fonte: Ruske e Schotola (1978) apud Hess (2003) E os codas (conjunto de consoantes finais de uma sílaba) mais comuns são encontrados a seguir: 37 Figura 2 - Os codas mais comuns da língua alemã. Fonte: Ruske e Schotola (1978) apud Hess (2003) 38 Ao todo são 48 onsets e 159 codas. Ou seja, apesar do Alemão ser um idioma que apresenta uma grande variedade de codas e onsets, ainda assim trata-se de um número pequeno se comparado com todas as formas possíveis de se arranjar as consoantes em uma sílaba. Isso faz com que seja relativamente fácil identificar as sílabas tipicamente alemãs, como por exemplo: “schwö”, “lich”, “keit”, “druck”, etc... Isso também quer dizer que as sílabas de palavras estrangeiras saltarão aos olhos com a mesma facilidade, e se existem padrões para formar o plural de substantivos tipicamente alemães, então quando nos depararmos com palavras atípicas ou estrangeiras, teremos que buscar outros padrões pertencentes a outros idiomas. Uma vez que praticamente todos os idiomas encontrados ao redor da Alemanha usam extensivamente o plural -s, é apenas natural considerar que este seria o sufixo associado a palavras diferentes ou com sílabas atípicas. Na verdade, o próprio trabalho de Pinker (1999) nos oferece essa revelação: In Old and Middle High German, -s was completely absent. It first appeared when plural nouns bearing -s were borrowed from Low German (spoken in north and east), Dutch, English, French, especially in the eighteenth century. By the nineteenth century, speakers started to generalize -s to all borrowed words and other “indeclinabilia”. (PINKER, 1999, p. 229)10 É muito arriscado afirmar que os alemães sofrem pouca exposição ao plural -s simplesmente porque 4% dos substantivos usam esse sufixo. Não podemos esquecer que ao longo de nossas vidas também somos expostos a outros idiomas. Tal exposição é tão forte que, como vimos anteriormente, o Alemão Padrão passou a considerar o -s como um sufixo oficial. E se antes do século 19, os alemães já sofriam essa invasão de estrangeirismos, o que diríamos então dos dias atuais com os filmes de Holywood, o Rock n’ Roll e a World Wide Web? Sem contar as aulas compulsórias de Inglês no colégio. De fato, ao extrairmos os substantivos com o plural -s do dicionário alemão, fica claro que praticamente todas as palavras extraídas são de origem estrangeira. A explicação conexionista passar a ser, então, que as crianças alemãs são bastante expostas ao sufixo -s quando ouvem ou lêem palavras estrangeiras, e isso faz com que as sílabas atípicas, como: “bon”, “nha”, “la”, “to”, sejam rapidamente associadas à forma do plural mais utilizada entre os idiomas falados na fronteira da Alemanha. Na verdade não leva muito tempo para uma criança começar a generalizar, principalmente 10 No Alto-alemão Antigo e Médio, o sufixo -s era completamente ausente. Tal sufixo começou a aparecer quando substantivos plurais com -s foram emprestados do Holandês, Inglês, Francês e do Baixo-alemão (falado ao norte e no leste), especialmente no século dezoito. Por volta do século dezenove, falantes começaram a generalizar o -s em todas as palavras emprestadas ou outras palavras "indeclináveis". (PINKER, 1999 – tradução do autor). 39 no caso das palavras terminadas em “a”, “i”, “o”, “u”, pois estas raramente são de origem alemã e quase sempre assumem o plural -s. Isso faz com que a mínima exposição a certos substantivos: “pizzas”, “autos”, “iglus”, “kameras”, seja o suficiente para começarem a aplicar o sufixo -s em uma vasta quantidade de palavras estrangeiras terminadas com aquelas vogais. Essa também parece ser a explicação para o uso do -s nos acrônimos, como: CDs ou GmbHs (empresas limitadas da Alemanha). Mesmo que não haja vogal no final de uma sigla, a maneira como soletramos é o segredo para entender esse fenômeno, pois tanto no alemão quanto no inglês, pronunciamos a maioria das consoantes acrescentando um som de vogal. No alemão a letra D é pronunciada “De” e a letra H é “Ha”, então mais uma vez passamos a generalizar o sufixo -s após o som de uma vogal. Aparentemente, a situação mais desafiadora para os conexionistas é a generalização do sufixo -s em nomes próprios ou em substantivos provenientes de outras classes gramaticais. Quando por exemplo, um alemão quer se referir à família de Thomas Mann, há uma preferência por “die Manns”, ao invés de “die Männer” (este último seria o plural escolhido se estivéssemos falando de “homens” no geral). Aqui a explicação envolve o significado das palavras. Antes do século 18, quando o plural -s ainda não havia se estabelecido, os alemães tinham que se referir à família Mann por “die Männer”, uma vez que as opções alternativas poderiam distorcer os nomes ou passar a impressão de estarem se referindo a outros substantivos incomuns. Porém, “die Männer” ainda é obviamente confuso. Estaríamos falando da família “Mann” ou do substantivo “Mann”? Foi então que o sufixo -s apareceu como uma alternativa plausível, pois como a maioria das palavras pertencentes ao léxico não aplica esse sufixo, então não há o risco de se confundirem com as sílabas tipicamente alemãs. O mesmo vale para substantivos provenientes de outras classes gramaticais, como na frase: Es gibt viele Abers “Existem muitos poréns”. Se na palavra aber (“mas” ou “porém”), resolvêssemos aplicar o plural -e ou -er, cairíamos num schwa: abere, aberer. Se optássemos pelo plural -en, ficaríamos com: aberen. E com o umlaut, teríamos: äber ou äbern. Assim fica fácil perceber que tais sufixos alteram a pronúncia o bastante para passarem a impressão de estarmos falando de um outro substantivo qualquer. O -s é a alternativa que menos altera a pronúncia da palavra, ao mesmo tempo em que sinaliza claramente a idéia de pluralidade: abers “poréns”. Isso não quer dizer, necessariamente, que o -s tenha se tornado um morfema regular, significa simplesmente que este é o sufixo associado a palavras atípicas ou que não pertençam ao léxico do idioma, como no 40 caso de “die Manns” ou “abers”. Além disso, as pessoas não aplicam o sufixo -s toda vez que encontram algo desconhecido. Se inventássemos um novo substantivo cujos padrões silábicos sejam tipicamente alemães, como por exemplo: der Fleit, então nesse caso observaríamos uma preferência pelo plural die Fleiten, e não die Fleits. Por último, devemos ser capazes de desenvolver um modelo que possa demonstrar como a última sílaba de uma palavra influencia na formação do plural no idioma Alemão. Para isso, idealizamos uma rede neural artificial composta de quatro entradas – inputs – e oito saídas – outputs. Diferentemente de nossos precursores, Rumelhart e McClelland (1986), não usaremos os chamados Wickelphones11 como inputs para nossa rede, mas sim subestruturas da própria sílaba: onset (conjunto de consoantes iniciais), núcleo (a parte mais sonora das sílabas, geralmente uma vogal) e coda (conjunto de consoantes finais). Assim, a palavra string ficaria dividida da seguinte forma: Onset Str Núcleo i Coda ng Com isso, temos todos os inputs para nossa rede: 1. sexo do substantivo (der – masculino, die – feminino, das – neutro) ; 2. onset da última sílaba; 3. núcleo da última sílaba; 4. coda da última sílaba. E os outputs são as oito variedades possíveis para a formação do plural na língua alemã: 1. sem sufixo; 2. sem sufixo com umlaut; 3. sufixo -e; 4. sufixo -e com umlaut; 5. sufixo -er; 6. sufixo -er com umlaut; 7. sufixo -en; 8. sufixo -s. 11 Os Wickelphones são seqüências de três fonemas numa palavra entre colchetes, como por exemplo: na palavra “string”, temos seis Wickelphones, [st, str, tri, rin, ing, ng]. 41 Para que a rede neural possa funcionar, temos que atribuir um número a cada valor de entrada ou saída. No nosso caso, quando o substantivo for masculino (der), o valor do input será: 1, se for feminino (die) será: 2 e se for neutro (das): 3. Mas no caso dos onsets, núcleos e codas, os números serão bem maiores, pois como vimos anteriormente, há 48 onsets e 159 codas. Então cada um daqueles itens na Figura 1 receberá valores entre um e 48, assim como os itens da Figura 2 recebem valores de um a 159. Além disso, temos que atribuir o número 49 aos onsets que nem sequer constam na primeira figura, ou seja, aqueles que não são tipicamente alemães. O mesmo é feito com os codas ausentes da segunda figura, atribuímos a eles o valor 160. E quanto aos núcleos, temos 19 variedades possíveis, então cada uma delas também recebe um número correspondente. A seguir encontra-se um modelo esquemático: Inputs ------------------------- Outputs -------------------------sem sufixo sem sufixo c/ umlaut sexo [1..3] sufixo -e onset [1..49] sufixo -e c/ umlaut núcleo [1..19] sufixo -er coda [1..160] sufixo -er c/ umlaut sufixo -en c/umlaut sufixo -s 42 Após a fase de treinamento de nossa rede, cada um dos outputs recebe um valor decimal de 0,0000 a 1,0000, sendo que quanto mais próximo de 1, maior a probabilidade de uma determinada saída. Por exemplo, ao testarmos a palavra das Auto “carro”, ficaremos com os inputs: 3 (sexo: das – neutro); 14 (onset da última sílaba: T); 4 (núcleo da última sílaba: O); 1 (coda da última sílaba: Inexistente). E então, durante a fase de teste, o algoritmo de nossa rede neural será capaz de fornecer os valores probabilísticos para cada um dos outputs. No caso da palavra das Auto, as saídas poderiam conter valores próximos aos seguintes: 1. sem sufixo: 0,021; 2. sem sufixo com umlaut: 0,008; 3. sufixo -e: 0,000; 4. sufixo -e com umlaut: 0,000; 5. sufixo -er: 0,000; 6. sufixo -er com umlaut: 0,000; 7. sufixo -en: 0,003; 8. sufixo -s: 0,916. Como podemos observar, a saída para o sufixo -s é a mais provável, pois contém um número bem superior aos outros outputs (0,916). Se inventássemos uma palavra cujos padrões fonotáticos sejam tipicamente alemães, como por exemplo: der Vund – semelhante a der Hund “cachorro” – então essa mesma rede seria capaz de produzir um valor maior para a saída 3 (sufixo -e): die Vunde, assim como o plural de der Hund é die Hunde. Com isso, elimina-se a necessidade de estabelecer outra operação mental responsável apenas pela aplicação de regras, uma vez que as redes neurais já seriam o suficiente para acessar tanto as formas regulares quanto as irregulares. Obviamente, antes de chegarmos a esse nível de precisão, a nossa rede tem que passar por um processo de aprendizado – uma fase de treinamento – onde alimentamos os inputs com várias amostras de outros substantivos acompanhados de seus respectivos sufixos no plural. Na verdade, a maneira como essa rede neural está estruturada facilita a generalização do sufixo -s, pois qualquer onset ou coda que não estiver entre os mais comuns da língua alemã (figuras 1 e 2) receberá o mesmo valor. Isso faz com que as sílabas atípicas de palavras estrangeiras sejam tratadas da mesma forma. Por exemplo, os substantivos der Piranha e die Handler terão o mesmo onset, uma vez que ambos os 43 conjuntos de consoantes: nh e dl não estão presentes na Figura 1, e portanto receberão o valor: 49. Como a grande maioria das palavras estrangeiras possui sílabas atípicas e ainda levam o sufixo -s, logo o número 49 estará associado a qualquer onset incomum que esteja presente em substantivos com o plural -s. Assim, a abordagem conexionista nos força a reavaliar o próprio conceito de “regra”. Ao invés de simples instruções em um algoritmo, as regras devem ser entendidas como o resultado probabilístico de inúmeras redes neurais trabalhando simultaneamente para formar a nossa Memória Associativa. Os oponentes da Teoria Conexionista serão rápidos em afirmar que redes como essa não podem representar os mecanismos mentais de um bebê, pois estaríamos pressupondo que as flexões da língua Alemã estão ligadas de maneira inata aos nossos circuitos neurais. Ou seja, é como se estivéssemos assumindo que uma criança já nasce com aqueles oito grupos de neurônios reservados para o plural, ou que elas já sabem quais são as sílabas mais comuns do Alemão. Realmente, o nosso modelo não pode ser aplicado à mente de um bebê, uma vez que a idéia principal por trás das redes neurais é a de que novas ligações sinápticas são estabelecidas com neurônios que antes não estavam conectados a uma determinada rede. E com o passar do tempo, através da repetição, os circuitos neurais se tornam mais diretos, ágeis e especializados, permitindo um padrão lingüístico de comportamento. Talvez seja exatamente por isso que as crianças alemãs não generalizam tanto o sufixo -s quanto os adultos (CLAHSEN et al.,1992, 1996). 44 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Duas teorias bem distintas se propõem a explicar os mecanismos mentais por trás do uso das flexões regulares e irregulares: a Fonologia Gerativista – na qual a mente usa um conjunto de regras para derivar todas as formas possíveis a partir de abstrações – e a teoria Conexionista – onde dependemos de uma memória associativa para armazenar ou acessar tanto as formas regulares assim como as irregulares. No entanto, a teoria das Palavras e Regras pretende unir o melhor de dois mundos. Tomando como exemplo a regularidade verbal do Inglês, temos a seguinte explicação: o passado de verbos irregulares como went ou bought são armazenados em nossa memória como palavras separadas; assim lembramos e relacionamos tais palavras aos seus infinitivos: go e buy. Por outro lado, as formas regulares não precisam de acesso à memória, pois são derivadas a partir de regras simbólicas do tipo: *+ed, cujos morfemas devem ser concatenados à raiz de uma palavra como num algoritmo computacional. Com isso, a discussão estaria encerrada não fosse pelo fato dos verbos regulares aparecerem com uma grande freqüência no idioma Inglês. Ou seja, se as pessoas sofrem uma maior exposição a palavras terminadas em -ed, então é possível afirmar que elas estão generalizando a forma regular (holded, ao invés de held) simplesmente porque é isso o que acontece com a maioria dos verbos que encontramos, e não por causa de alguma regra simbólica. Assim, a freqüência em que ocorre um determinado morfema é de extrema importância para o nosso estudo. Segundo o psicólogo e lingüista Steven Pinker (1999), se encontrássemos um idioma cujo sufixo regular (um equivalente ao ed) fosse usado na minoria das palavras e ainda houvesse uma tendência a generalizar esse sufixo, então poderíamos concluir que há uma operação mental distinta, aplicando os morfemas independente da freqüência em que os ouvimos. E para Steven Pinker, o idioma que atende a essa condição é o Alemão, pois de acordo com o seu livro Words and Rules, a forma regular dos verbos no passado (-t) ocorre com uma freqüência menor do que os irregulares, e mesmo assim os alemães demonstram uma tendência a generalizar tal sufixo. Um dos objetivos deste trabalho foi exatamente averiguar esta constatação a fim de descobrir se realmente a forma regular (-t) ocorre numa freqüência menor. Para isso, realizamos uma análise dos verbos irregulares em uma lista dos 330 verbos mais usados, tanto no Inglês quanto no Alemão. Contudo, constatou-se que em ambos os idiomas a forma regular ocorre na maioria das vezes (75,20% no Inglês e 72,25% no Alemão), 45 principalmente quando levamos em conta apenas as raízes dos verbos, como por exemplo: kommen, ao invés de suas variações, aufkommen, bekommen, verkommen, etc... São resultados que favorecem a explicação conexionista de que as pessoas generalizam um certo morfema simplesmente porque sofrem uma exposição maior. Por último, voltamos nossa atenção para o modo como os alemães aplicam o sufixo -s na hora de formarem o plural de um substantivo. Este sufixo parece ser especial por duas razões: 1) é o menos comum entre todas as formas possíveis, representando apenas cerca de 4% dos substantivos alemães; 2) mesmo estando entre a minoria, o -s aparentemente é aplicado como o padrão toda vez que as pessoas encontram uma palavra diferente. No entanto, a contínua invasão de estrangeirismos sugere que os alemães são muito mais expostos ao sufixo -s do que se pensava – o que torna os resultados inconclusivos. Mas a fim de nos aprofundarmos nesse assunto, examinamos a influência de padrões fonotáticos na formação do plural. Para isso, desenvolveu-se o modelo de uma rede neural que se propõe a gerar a pluralização de um substantivo a partir de padrões encontrados na última sílaba. Assim, nossa investigação mostrou que as sílabas tipicamente alemãs são facilmente identificáveis, portanto palavras diferentes ou estrangeiras – com sílabas atípicas – podem ser associadas ao sufixo -s por meio de redes neurais. Algo que nos levou a reavaliar o próprio conceito de “regra”, pois ao invés de simples instruções em um algoritmo, as regras devem ser entendidas como o resultado probabilístico de inúmeras redes neurais trabalhando simultaneamente para formar a nossa Memória Associativa. Finalmente, concluímos que os idiomas Inglês e Alemão não são indicadores definitivos para a teoria das Palavras e Regras. É necessário continuar a busca por outros idiomas que possam corroborar essa teoria por meio de recursos lingüísticos. 46 REFERÊNCIAS CHOMSKY, N., HALLE, M. The sound pattern of English. Cambridge. MA: MIT Press, 1968/1991. CLAHSEN, H., MARCUS, G. F., BARTKE, S., WIESE, R. Compounding and inflection in German child language. In G. Booji and J. van Marle (Eds.), Yearbook of morphology 1995. Doordrecht: Kluwer. 1996. CLAHSEN H., ROTHWEILER, M., WOEST, A., MARCUS, G. F. Regular and irregular inflection in the acquisition of German noun plurals. Cognition, 45, 225-255. 1992. CORDER, S.P. 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