Do mito da Geometria Euclidiana ao ensino das Geometrias Não Euclidianas From the myth of Euclidean Geometry to the teaching of Non-Euclidean Geometry Mylane dos Santos Barreto* Salvador Tavares** Das tentativas frustradas de provar que o quinto postulado de Euclides era um teorema, surgiram as Geometrias Não Euclidianas. Com os quatro primeiros postulados de Euclides e a negação do quinto, surgiram outras Geometrias cujos postulados são possíveis em modelos planos que são tão consistentes quanto o da Geometria Euclidiana. Neste artigo são apresentados os modelos, postulados e conceitos da Geometria Elíptica e Geometria Hiperbólica. Além disso, é discutido o ensino dessas Geometrias. Non-Euclidean Geometry originated from unsuccessful attempts to prove that Euclid’s fifth postulate was a theorem. From the first four Euclidean postulates and the negation of the fifth derived other geometries whose postulates are possible in planes models, and as consistent as that in Euclidean Geometry. This article presents the Elliptical and Hyperbolic Geometry models with their postulates and concepts. A discussion of the teaching and learning of these geometries is also presented. Palavras-chave: Geometria Euclidiana. Quinto postulado de Euclides. Ensino e aprendizagem de Geometrias Não Euclidianas. Key words: Euclidean Geometry. Euclid’s fifth postulate. Teaching and Learning. NonEuclidean Geometry. Ensino de Geometrias Um dos tópicos de discussão da atualidade é a reformulação do ensino no Brasil. As Geometrias Não Euclidianas formam um ramo da matemática importante do ponto de vista histórico e educacional. Se os menos otimistas acreditam que não é possível a inclusão do ensino das Geometrias Não Euclidianas na Educação Básica pelo menos ela deveria ser apresentada a todos os professores em formação. Porém isso não ocorre na realidade. Usiskin (1994, p. 25) já alertava que “[...] muitos professores novos nunca estudaram Geometria tridimensional, talvez nunca tenham tomado conhecimento de uma Geometria Não Euclidiana nem lidado com transformações ou vetores”. Uma pesquisa foi elaborada no ano de 2005 como parte integrante da monografia de conclusão do Curso de Licenciatura em Matemática do CEFET Campos escrita* e orientada** pelos autores desse artigo. * Professora (CEFET Campos, UNED Guarus). Mestranda em Engenharia de Produção (UENF). Pós-graduanda em Educação Matemática (UNIFLU/FAFIC). Licenciada em Matemática (CEFET Campos). Professor (CEFET Campos, UCAM Campos, UNIFLU/FAFIC, LICEU de Humanidades de Campos). Mestre em Educação Matemática (USU/RJ). ** CEFET. Campos dos Goytacazes - RJ 73 A pesquisa foi realizada em sites de diversas Instituições de Ensino Superior brasileiras, a fim de verificar o estado da arte do ensino das Geometrias Não Euclidianas nos Cursos de Licenciatura em Matemática. De 43 Instituições pesquisadas, somente 5 abordavam conceitos de Geometrias Não Euclidianas nas suas matrizes curriculares, aproximadamente 12% (Figura 1). Figura 1: Gráfico Os dados sugerem a omissão de disciplinas que abordem tópicos de Geometrias Não Euclidianas em cursos de Licenciatura em Matemática. Como surgiram as Geometrias Não Euclidianas As Geometrias Não Euclidianas surgiram das tentativas frustradas de provar que o quinto postulado de Euclides era um teorema demonstrado a partir dos quatro postulados anteriores, e não um postulado. Euclides viveu provavelmente de 330260 a.C., nasceu na Síria, estudou na escola platônica de Atenas e ensinou matemática no Museu de Alexandria. Foi um dos primeiros geômetras e é reconhecido como um dos matemáticos mais importantes de todos os tempos. Figura 2: Euclides Fonte: http://mathworld.wofram.com. 74 VÉRTICES, v. 9, n. 1/3, jan./dez. 2007 A obra de Euclides, denominada Elementos, é um conjunto de 13 livros escritos entre os anos de 330 e 320 a.C. sendo considerada padrão para a matemática durante mais de 2000 anos e só superada em número de publicações pela Bíblia. Poucos dos teoremas demonstrados lá são obra sua, se é que existe algum. O verdadeiro mérito de Euclides está na proposta de ordenação da Geometria de seu tempo em um sistema dedutivo. Para estabelecer uma afirmação num sistema dedutivo deve-se mostrar que essa afirmação é uma conseqüência lógica necessária de algumas afirmações previamente estabelecidas. Assim as primeiras afirmações são aceitas sem demonstração e chamadas, nos dias atuais, de postulados ou axiomas. Desses axiomas decorrem as demais afirmações. Euclides chamou de axiomas as afirmações aceitas em todas as ciências e postulados as afirmações de natureza geométrica. As dez afirmações classificadas como postulados e axiomas são os pilares para a obra de Euclides, pois as 465 proposições apresentadas nos Elementos são baseadas nestas afirmações. AXIOMAS A1 - Coisas que são iguais à mesma coisa também são iguais entre si. A2 - Se iguais são somados a iguais, então os todos são iguais. A3 - Se iguais são subtraídos a iguais, então os restos são iguais. A4 - Coisas que coincidem entre si são iguais entre si. A5 - O todo é maior do que a parte. CEFET. Campos dos Goytacazes - RJ POSTULADOS P1 - Se pode traçar uma linha reta de um ponto a outro ponto qualquer. P2 - Se pode prolongar uma linha reta indefinidamente a partir de uma reta finita. P3 - Se pode traçar um círculo com centro e raio dados. P4 - Todos os ângulos retos são iguais. P5 - Se uma linha reta encontra duas outras retas e com elas formam de um mesmo lado ângulos internos em que a soma é menor do que dois ângulos retos, então essas duas retas encontrarse-ão no lado que formam ângulos cuja soma é menor que dois ângulos retos. 75 O quinto postulado, chamado de postulado das paralelas, foi o ponto culminante do surgimento das Geometrias Não Euclidianas. Por esse postulado não ser tão evidente como os quatro anteriores e por se referir a um ponto de intersecção que pode estar a quilômetros de distância (Figura 3), alguns afirmavam que ele podia ser demonstrado, portanto não seria um postulado e sim um teorema. Figura 3: Quinto postulado de Euclides Em 1829, numa espécie de jornal chamado Mensageiro de Kazan, Nicolai Ivanovich Lobatschewsky publicou um artigo chamado Sobre os Princípios de Geometria. Esse ano ficou marcado como o surgimento das Geometrias Não Euclidianas. Aproximadamente em 1829, Janos Bolyai chegou a mesma conclusão que Lobatschewsky chegara. Em 1851 na sua aula inaugural para admissão como professor-adjunto na Universidade de Göttingen, Georg Riemann apontou possibilidades para outras Geometrias. O matemático alemão Félix Klein chamou a Geometria de Lobatschewsky de Geometria Hiperbólica e a Geometria de Riemann de Geometria Elíptica. Essas são as duas principais Geometrias Não Euclidianas. Daí Lobatschewsky, Bolyai e Riemann demonstraram que o quinto postulado de Euclides se trata de um axioma independente dos outros quatro, supuseram que o postulado de Euclides não era verdadeiro e substituíram-no por outros axiomas. Foi demonstrado que se alguma das Geometrias Não Euclidianas apresentar uma contradição, a própria Geometria Euclidiana seria contraditória. Essas novas Geometrias permitiram às ciências uma série de avanços, entre os quais a elaboração da Teoria da Relatividade de Einstein, provando que ao contrário do que muitos afirmavam essas teorias tinham aplicações teóricas. Planos e retas das Geometrias Não Euclidianas Na Geometria Elíptica o modelo plano é uma superfície esférica e as retas são geodésicas dessa superfície (Figura 4). 76 VÉRTICES, v. 9, n. 1/3, jan./dez. 2007 As geodésicas da superfície esférica são circunferências cujo centro coincide com o centro da superfície. Figura 4: Plano e retas elípticos Na Geometria Hiperbólica o modelo plano é uma superfície chamada de pseudoesfera (Figura 5). Essa superfície é gerada através da revolução de uma curva chamada tratriz (Figura 6) em torno do seu eixo horizontal. As retas da Geometria Hiperbólica são geodésicas da pseudo-esfera. Figura 5: Pseudo-esfera Figura 6: Tratriz Quinto postulado das Geometrias Não Euclidianas As Geometrias Elíptica e Hiperbólica admitem os quatro primeiros postulados de Euclides e substituem o quinto postulado por outras afirmações que são válidas nos seus modelos planos. Quinto postulado da Geometria Elíptica: Por um ponto exterior a uma reta não podemos traçar nenhuma paralela a essa reta (Figura 7). Todas as retas traçadas irão intersectar-se em dois pontos distintos, logo não existem retas paralelas. Comparando a superfície esférica com a superfície terrestre, as retas seriam os meridianos que intersectam-se nos pólos. CEFET. Campos dos Goytacazes - RJ Figura 7: Retas não paralelas 77 Quinto postulado da Geometria Hiperbólica: Por um ponto exterior a uma reta podemos traçar uma infinidade de paralelas a essa reta (Figura 8). Sobre a reta r traçamos um segmento MP e FT perpendicular a r, sendo M e F pontos da reta r. Com a distância MF e centro em P traçamos um arco que intersectará o segmento FT . nos pontos S1 e S2. Daí os pontos P e S1 determinam a reta a e os pontos P e S2 determinam a reta b. Figura 8: Retas Paralelas Conclusão É indiscutível a necessidade de se ensinar Geometrias Não Euclidianas, principalmente nos cursos de Licenciatura em Matemática. Seria possível um professor de Matemática não saber que existem outras Geometrias além da elaborada por Euclides? Uma sugestão de atividade que pode ser desenvolvida na 7ª. série do Ensino Fundamental é relatada a seguir. Considerando que a noção de plano da Geometria Euclidiana é construída sobre a superfície da Terra, que tem a forma de uma esfera achatada nos pólos, ao construirmos duas retas paralelas sobre a superfície de uma laranja, que tem a forma idêntica à da Terra, teremos a seguinte situação: Figura 9: Retas Euclidianas paralelas na superfície da Terra 78 VÉRTICES, v. 9, n. 1/3, jan./dez. 2007 Como mostra a seqüência de figuras, as retas que são consideradas paralelas na Geometria Euclidiana quando construídas numa superfície esférica se encontram em dois pontos distintos e a distância entre elas não é constante em qualquer ponto. Daí a Geometria Euclidiana ser inconsistente para esse modelo de superfície. Não podemos considerar uma Geometria, todas são consistentes e válidas nos seus modelos planos. Devemos conhecê-las para poder utilizar no momento adequado. Referências AABOE, Asger. Episódios da história antiga da matemática. 2. ed. 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